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2⁰ Simpósio Internacional de História das Religiões XV Simpósio Nacional de História das Religiões ABHR 2016 Bola de Neve Church: representações coletivas sobre religiosidade na modernidade Daniele Borges da Silva 1 1 INTRODUÇÃO Uma das principais áreas de estudo da antropologia é a religião, embora os antropólogos clássicos, em sua maioria, fossem agnósticos e hostis à esta temática e, quando discutiam sobre religião, tratavam-na como uma superstição para a qual era necessária alguma explicação científica. Consideravam a fé religiosa uma ilusão, um fenômeno que logo seria extinto. A religião, no entanto, não é uma ilusão, afinal, ilusões não perduram durante séculos. Pois, a religião tem uma base objetiva: a sociedade. Ela é encontrada em qualquer sociedade, pois é um produto da ação da própria vida social. A existência e o desenvolvimento das sociedades estão associados à religião (EVANS-PRITCHARD, 1986). A antropologia, desde sua origem, vem estudando as culturas em vias de extinção 2 , que não se sustentariam na modernidade, e passariam por um processo de aculturação e as levariam a pertencer à cultura moderna e capitalista vigente. Todavia, este contato entre as culturas (simples e complexa) gera, na verdade, uma intensificação cultural, ou seja, as sociedades tendem a se transformar quando em contato com diferentes concepções de mundo, passando por um processo de adaptação e reestruturação, intensificando a sua 1 Licenciada e bacharela em Ciências Sociais pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE, campus de Toledo. Este artigo é resultado do trabalho de conclusão da Especialização em Ensino de Sociologia para o Ensino Médio, sob orientação do Prof. Me. Leandro Alberto Xitiuk Wesan da Universidade Estadual Centro-Oeste – UNICENTRO. E-mail para contato: [email protected]. 2 Expressão utilizada pelo antropólogo Marshal Sahlins (1997), na obra “O ‘pessimismo sentimental’ e a experiência etnográfica: por que a cultura não é um ‘objeto’ em via de extinção (parte i)”.

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2⁰ Simpósio Internacional de História das Religiões

XV Simpósio Nacional de História das Religiões

ABHR 2016

Bola de Neve Church: representações coletivas sobre religiosidade na modernidade

Daniele Borges da Silva1

1 INTRODUÇÃO

Uma das principais áreas de estudo da antropologia é a religião, embora os

antropólogos clássicos, em sua maioria, fossem agnósticos e hostis à esta temática e, quando

discutiam sobre religião, tratavam-na como uma superstição para a qual era necessária

alguma explicação científica. Consideravam a fé religiosa uma ilusão, um fenômeno que logo

seria extinto. A religião, no entanto, não é uma ilusão, afinal, ilusões não perduram durante

séculos. Pois, a religião tem uma base objetiva: a sociedade. Ela é encontrada em qualquer

sociedade, pois é um produto da ação da própria vida social. A existência e o

desenvolvimento das sociedades estão associados à religião (EVANS-PRITCHARD, 1986).

A antropologia, desde sua origem, vem estudando as culturas em vias de extinção2,

que não se sustentariam na modernidade, e passariam por um processo de aculturação e as

levariam a pertencer à cultura moderna e capitalista vigente. Todavia, este contato entre as

culturas (simples e complexa) gera, na verdade, uma intensificação cultural, ou seja, as

sociedades tendem a se transformar quando em contato com diferentes concepções de

mundo, passando por um processo de adaptação e reestruturação, intensificando a sua

1 Licenciada e bacharela em Ciências Sociais pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE, campus de Toledo. Este artigo é resultado do trabalho de conclusão da Especialização em Ensino de Sociologia para o Ensino Médio, sob orientação do Prof. Me. Leandro Alberto Xitiuk Wesan da Universidade Estadual Centro-Oeste – UNICENTRO. E-mail para contato: [email protected]. 2 Expressão utilizada pelo antropólogo Marshal Sahlins (1997), na obra “O ‘pessimismo sentimental’ e a experiência etnográfica: por que a cultura não é um ‘objeto’ em via de extinção (parte i)”.

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atuação social. Sendo assim, a religião não está desaparecendo, mas se transformando

(SAHLINS, 1997).

Dessa forma, esta pesquisa visa compreender o processo de modernização da

religião, especificamente, do movimento evangélico pentecostal ao atual

neopentecostalismo; e o surgimento de um novo segmento religioso, a Igreja Evangélica

Bola de Neve. O objeto de estudo da pesquisa consiste nas representações coletivas sobre

religiosidade entre os membros dessa igreja, sendo que através delas é constituída a

identidade do grupo que vem atraindo jovens em várias filiais pelo Brasil e no exterior3.

O surgimento de um novo modelo religioso, por si só, é de extrema importância para

as ciências sociais, no entanto, o estudo deste fenômeno social torna-se ainda mais

pertinente na medida em que este movimento religioso tem um crescimento dilacerante. “O

novo grupo evangélico ‘hardcore’, formado por jovens de 15 a 30 anos, cresce como uma

bola de neve. Em três anos, entre 2000 e 2003, a igreja cresceu 1100%, passando de 250

para três mil membros em todo o país” (DANTAS, 2006, p. 126).

A pergunta de partida, para ser respondida através desta pesquisa, consiste em

entender por que uma parcela significativa de jovens tem se agregado a esta instituição

religiosa? Uma hipótese, segundo Dantas (2006), refere-se “à identificação do jovem com a

imagem e propósito da instituição [...] à informalidade dos cultos e à linguagem descontraída

e a ruptura dos rituais religiosos, que sempre afastam os adolescentes das congregações

evangélicas” (DANTAS, 2006, p. 128).

Para possibilitar uma melhor compreensão da reconfiguração religiosa e encontrar

a(s) resposta(s) para esta indagação, o processo de investigação da pesquisa consiste em

análise bibliográfica, a partir das definições clássicas e contemporâneas de representações

coletivas de Durkheim (1999) e Moscovici (2001); bibliografias referentes à Igreja Evangélica

Bola de Neve; e arcabouço teórico acerca da antropologia da religião, sobretudo, estudos

sobre os evangélicos.

3 “Hoje, conta com cerca de 150 templos em todo o Brasil e expande-se internacionalmente, estando presente

nos seguintes países: Argentina, Austrália, Bélgica, Canadá, Estados Unidos, Índia, Paraguai, Peru e até mesmo a Rússia” (RIBEIRO; CUNHA, 2012, p. 504).

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2 REPRESENTAÇÕES NA RELIGIÃO

Segundo Durkheim (1999a), as representações coletivas são uma forma de

conhecimento produzida socialmente, como resultado de um esforço coletivo, portanto, não

podem ser reduzidas aos indivíduos. As representações coletivas estão presentes na

sociedade em forma de consciência coletiva4, sendo que são conceitos, hábitos e crenças

construídos em conjunto, em um determinado grupo, formando uma identidade cultural,

que “traduzem a maneira como o grupo se pensa as suas relações com os objetos que o

afetam” (DURKHEIM, 1999a, p. 79).

Moscovici (2001), apresenta uma definição de representações sociais muito próxima

à de Durkheim:

Compreende-se que tal representação seja homogênea e vivida por todos os membros de um grupo, da mesma forma que partilham uma língua. Ela tem por função preservar o vínculo entre eles, prepara-los para pensar e agir de modo uniforme. Ela é coletiva por isso, e também porque perdura pelas gerações e exerce uma coerção sobre os indivíduos, traço comum a todos os fatos sociais (MOSCOVICI, 2001, p. 47).

Dessa forma, compreende-se as representações coletivas e sociais enquanto práticas

comuns de um determinado grupo da sociedade. As representações podem referir-se à

qualquer coisa, como um comportamento ou crença, por exemplo, desde que haja a

concordância de todos os membros do grupo, e todos acreditem arduamente em cada ritual,

em cada símbolo que determine a identidade do grupo. Como o estudo desta pesquisa está

voltado a um grupo religioso, é preciso definir o que é religião.

A religião é um sistema de símbolos, utilizado para estabelecer disposições e

motivações nos homens, a partir da formulação de conceitos de uma ordem de existência

geral (GEERTZ, 2012). A religião é um sistema de crenças e práticas referentes a coisas

sagradas, ou seja, crenças e práticas que reúnem numa mesma comunidade moral – a igreja

– todos que agregam-se a ela (DURKHEIM, 1996).

4 “Conjunto das crenças e dos sentimentos comuns à média dos membros de uma mesma sociedade que forma um sistema determinado com vida própria” (DURKHEIM, 1999b, p. 81).

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Cada religião possui uma identidade atrelada a uma infinidade de normas e práticas

que visam moldar a identidade do ser humano, tendo em vista que fundamenta-se nas

representações coletivas, que tem poder coercitivo sobre os indivíduos. Sendo assim, a

religiosidade apresenta a ideia do sagrado e do profano, ou seja, o que é permitido e o que é

proibido.

O sagrado define-se por sua heterogeneidade, é absoluto para se distinguir das

outras coisas, diferentemente do profano, visto que as coisas sagradas são aquelas que

protegem e isolam, enquanto profanas são aquelas coisas das quais se protege, deve-se

manter distância (DURKHEIM, 1996).

Como toda instituição social5, a religião também possui normas e padrões de

comportamento, dessa forma, pretende-se analisar as representações coletivas de

religiosidade entre os membros da Igreja Evangélica Bola de Neve, uma vez que os ritos são

regras de como se comportar em relação às coisas sagradas (DURKHEIM, 1996).

Sendo assim, as representações coletivas analisadas neste artigo referem-se ao

padrão de conduta do jovem nesta instituição, em relação ao modo de se vestir; se

comportar frente a sociedade; representações dos símbolos e da música no culto; o discurso

religioso sobre sexualidade, tendo em vista que “[...] a conduta sexual dos jovens é algo da

preocupação dos pastores.” (DANTAS, 2006, p. 134), entre outras formas de representações.

Sendo a Bola de Neve uma igreja considerada neopentecostal, é importante compreender

como se deu o surgimento deste segmento contemporâneo, que derivou de um movimento

tradicional, chamado pentecostalismo.

3 (NEO)PENTECOSTALISMO

5 Instituição social é um modelo de controle do comportamento individual, utilizada como base para a identificação e classificação dos sujeitos na sociedade (BERGER, P; BERGER, B., 2004).

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Segundo o sociólogo Paul Freston (1994), o movimento pentecostal6 surgiu no Brasil

em três fases, ou ondas7 de implantação de instituições religiosas: a primeira onda, por volta

de 1910, é marcada pela chegada da Congregação Cristã e da Assembleia de Deus. A

segunda onda, acontece entre as décadas de 1950 e 1960, momento em que o campo

pentecostal se fragmenta, formando dezenas de outros pequenos grupos, dentre as maiores

instituições religiosas surgidas neste período estão a Igreja Quadrangular (1951), Brasil para

Cristo (1955) e Deus é Amor (1962). A terceira onda surgiu no início dos anos 1970, trazendo

um discurso religioso mais moderno, embasado, principalmente, na cura espiritual, teologia

da prosperidade (espiritual e financeira) e teoria da libertação, esse movimento ficou

conhecido como neopentecostalismo, o qual é representado, principalmente, pela Igreja

Universal do Reino de Deus.

Com o crescimento das igrejas evangélicas, decorrente de uma fragmentação da

religião, surgiu o pluralismo institucional no Brasil. O número dos adeptos ao movimento

pentecostal cresceu tanto quanto a diversificação institucional religiosa no país. Sendo

assim, a classificação das igrejas pentecostais e neopentecostais tornou-se fundamental para

a compreensão de sua realidade (GIUMBELLI, 2000).

A principal diferença entre as igrejas pentecostais e as demais igrejas evangélicas, é

que as pentecostais acreditam nos dons8 concebidos pelo Espírito Santo9. Os seguidores

destas igrejas se destacam por adotarem uma atitude de evangelizadores, ou seja,

propagadores do evangelho, e possuírem uma leitura bíblica centrada no Novo Testamento

(MAFRA, 2001).

As igrejas neopentecostais mantém essas características, no entanto, se submeteram

a várias mudanças, adotando novos padrões de comportamento e flexibilidade em relação

6 O pentecostalismo recebe este nome devido ao incidente que está na origem da igreja cristã, a descida do Espírito Santo no dia de Pentecostes, cuja narração encontra-se no segundo capítulo de Atos dos Apóstolos da Bíblia. 7 Termo utilizado pelo autor. 8 Segundo encontra-se em 2Coríntios 12:1-11, são 9 os dons espirituais, sendo: a sabedoria, a ciência, a fé, dons de curar, operação de milagres, profecia, dom de discernir os espíritos, diversidade de línguas e, por fim, a interpretação de línguas (A BIBLIA DA MULHER, 2009). 9 É a terceira pessoa da Santíssima Trindade, responsável pela santificação do homem e purificação de seus pecados (IBADEP, 2004).

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às doutrinas tradicionais, possibilitando uma melhor adaptação à sociedade moderna

(DANTAS, 2006). Essa reconfiguração da religião se faz necessária na medica em que é

confrontada por uma variedade de representações simbólicas e novas instituições religiosas

e, para enfrentar a concorrência e manter as gerações jovens, as igrejas buscam se

modernizar e utilizar meios mais eficazes de comunicar o evangelho (HERVIEU-LÉGER, 2008).

De acordo Neri (2011), quando realizou sua pesquisa intitulada Mapa das Religiões, é

notório, no caso dos evangélicos, o crescimento de adeptos, principalmente entre os jovens.

Entre os anos de 2003 e 2009, aqueles entre 10 e 19 anos, foram que apresentaram maior

crescimento (de 17,72% para 21,59%). Conforme demonstra o gráfico abaixo:

Gráfico retirado de Neri (2011), em seu Mapa das Religiões.

Em face do maior crescimento das igrejas neopentecostais em relação às igrejas

tradicionais e históricas (MAFRA, 2001), busca-se analisar o surgimento e consolidação da

Igreja Evangélica Bola de Neve enquanto novo segmento religioso.

4 BOLA DE NEVE CHURCH

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A Igreja Evangélica Bola de Neve (ou Bola de Neve Church, como é chamada pelos

membros), foi fundada na cidade de São Paulo, em 1999, por Rinaldo Luiz de Seixas Pereira,

conhecido como Apóstolo Rina.

“[...] Inicialmente, em 1994, era um segmento da Igreja Renascer em Cristo, que desenvolvia atividades evangelísticas para atrair jovens e promovia vários eventos, festas, campeonatos de jiu-jitsu e capoeira, evangelismo nas praias e pistas de skate, peças de teatro e shows “gospel”. As reuniões dirigidas a grupos que praticavam esportes radicais foram se expandindo e separaram-se da instituição evangélica que as abrigava. Houve, pois, uma dissenção que resultou no surgimento da Igreja Evangélica Bola de Neve (DANTAS, 2006, p. 125).

O Apóstolo Rina usava uma linguagem informal para propagar o evangelho, pois

tinha intenção de alcançar o público jovem, em especial os praticantes de esportes radicais.

Rina mantinha um pequeno grupo de oração, os primeiros cultos foram realizados no

auditório de uma empresa de surfwear, “em uma reunião, percebeu que não havia suporte

para apoiar a Bíblia. Avistou ao longe uma prancha de longboard, que pertencia à loja.

Resolveu convertê-la em púlpito, o que se tornou a marca da congregação” (DANTAS, 2006,

p. 126). Dessa forma, pode-se analisar a reconfiguração e o surgimento de novos símbolos

religiosos, como a prancha de surf, utilizada como púlpito, passou a fazer parte da

identidade da igreja.

Ribeiro e Cunha (2012, p. 507), realizaram estudos etnográficos numa filial da Igreja

Evangélica Bola de Neve, localizada na Zona Leste de São Paulo, os autores dizem que,

apesar dessa igreja ter se formado “a quase 100 km da praia mais próxima, mantém-se a

identidade com o grupo de surfistas de sua origem, através da venda de roupas específicas e

da decoração do ambiente”, esta ornamentação do espaço religioso corrobora os novos

símbolos, como a prancha de surf; palmeiras, shapes de skate, já que muitos membros são

esqueitistas. Contudo, compreende-se que o visual da igreja busca atrair determinado

público, o jovem.

[...] Indivíduos, em sua grande maioria jovens, com um estilo de vida semelhante, buscam nessas novas igrejas “um estar-junto vivido enquanto experiência estética, sensível, afetiva do eu junto com o outro”, uma identidade comum que os aproxime do sagrado na forma de um Deus próximo e acessível. Não mais se busca uma mudança de vida a partir dos padrões estabelecidos pela

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divindade, mas, sim, um deus que se adeque ao estilo de vida do indivíduo. E, nessa busca por uma religiosidade que atenda suas necessidades pessoais, o indivíduo cada vez mais se afasta das instituições religiosas tradicionais e mais se aproxima de formas alternativas do sagrado [...] (RIBEIRO; CUNHA, 2012, p. 503).

A partir deste trecho, os autores chamaram a atenção para a adaptação e

reconfiguração do discurso e dos símbolos religiosos desta igreja. Segundo Jardilino (2001),

os novos movimentos religiosos, como a Bola de Neve, procuram se adaptar à modernidade

e, para isso, é necessário reformular sua linguagem, transformando-a em veículo virtual de

transmissão das mensagens tradicionais. Ou seja, as igrejas neopentecostais se utilizam de

uma linguagem mais moderna para propagar as mesmas mensagens tradicionais e

conservadoras dos segmentos evangélicos antigos.

Nas pregações10, a linguagem possui um papel muito importante, pois é acessível ao

jovem. O pastor faz uso de gírias e conta histórias do cotidiano, comuns aos fiéis, através

dessa linguagem espontânea e descontraída, o discurso se torna mais divertido e facilita a

compreensão (DANTAS, 2006).

O estudo etnográfico de Ribeiro e Cunha (2012) complementam os apontamentos de

Dantas (2006):

A Igreja Bola de Neve tem o costume de enfatizar a pregação tanto quanto a música. A pregação dura cerca de 40 minutos a 1 hora, mesmo tempo do louvor. A ministração é pragmática, sempre denotando os problemas existenciais e cotidianos e suas soluções encontradas na Bíblia. A linguagem utilizada pelo Pastor é coloquial e as roupas que traja são informais e referenciais ao público que se pretende atingir, usando tênis, calça jeans e uma camisa. (RIBEIRO; CUNHA, 2012, p. 517-518).

O neopentecostalismo gerou novos padrões estéticos e de comportamento entre os

evangélicos, bem como novos estilos musicais, mais voltados ao reggae e rock ‘n roll; e

promoveu uma flexibilidade dos costumes de santidade e adotou uma posição mais liberal,

principalmente em relação à aparência dos fiéis. “Não há restrição quanto ao tipo de roupa,

ao corte de cabelo e ao uso de maquiagem e jóias. Não é proibido ouvir rádio, assistir

10 Discurso ou sermão religioso.

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televisão, praticar esportes, frequentar cinemas e teatros [...] os jovens possuem tatuagens e

piercings” (DANTAS, 2006, p. 104).

Essa relação entre o sagrado e o profano são resultados de um processo de

secularização da religião. Ribeiro e Cunha (2012, p. 507), observaram que na Bola de Neve

“não há grande ênfase em comemorar datas históricas para o protestantismo [...] essa igreja

trabalha numa perspectiva pós-moderna, atendo-se principalmente a datas comemorativas

do calendário secular”.

As representações coletivas fundamentam a identidade social do grupo Bola de Neve,

sendo assim, é necessário identificar as características dos membros desta igreja. Como já foi

dito, sobre a aparência física, a vestimenta é liberal e é aceito o uso de jóias e acessórios

considerados seculares pelas igrejas tradicionais. Os louvores, embora tenham ritmo de

músicas seculares, como o rock ‘n roll, possui teor de adoração a Deus, é comum identificar

nas letras das músicas trechos e valores bíblicos.

Em relação ao padrão de comportamento dos membros da Bola de Neve, segundo

Ribeiro e Cunha (2012, p. 515), é comum o contato físico entre os fiéis dentro e fora da

igreja, “pessoas de ambos os sexos se abraçam, se amontoam, cumprimentam-se com beijos

no rosto e, entre as crianças e os adolescentes, vê-se que o contato físico é mais intenso”.

A cientista social Flávia Tortul Cesarino (2015)11, estuda a corporalidade na igreja Bola

de Neve de Marília, São Paulo. Para compreender sua análise sobre o comportamento dos

membros dessa igreja, é importante ter um básico conhecimento sobre suas noções e

crenças, que estão embasadas na Bíblia, neste caso, o corpo encontra-se entre duas

vertentes, o sagrado e o profano:

Paulo12 apresenta o corpo como um objeto paradoxal. Se, por um lado, é alçado à condição de templo do Espírito Santo, por outro é marcado pela carne, a natureza adâmica decaída. [...] transformar-se no templo do Espírito Santo torna-se o objetivo do cristão. Para atingir esta consecução, o corpo deve ser sacrificado pela abstinência, pela renúncia sexual, pela pobreza voluntária e pela penitência". (GOMES, 2006, p. 5 apud CESARINO, 2015, p. 60).

11 “Corporalidade neopentecostal: análise e concepção de corpo na Igreja Bola de Neve de Marília, SP”,

dissertação de mestrado em Ciências Sociais pela Universidade Estadual Paulista – UNESP, 2015. 12 Apóstolo Paulo, personagem bíblico.

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Dessa forma, constata-se que a concepção acerca de corpo e sexualidade, nesta

instituição, mantém os mesmos significados das igrejas tradicionais

“Nas formações oferecidas pela Bola de Neve, baseadas em citações de vários trechos da Bíblia Sagrada (2002), percebe-se em alguns momentos o reforço da visão do corpo enquanto carne, algo pecaminoso, mas, possível de ser santificado, desde que se alimente o espírito (através de orações, cânticos e exaltações a Deus) e não a carne (prostituição, luxúria, impureza, dentre outros) (CESARINO, 2015, p. 61).

Segundo a pesquisadora Bruna Dantas, a sexualidade é um dos temas mais

abordados nas pregações da Igreja Evangélica Bola de Neve. “Assim como as demais

denominações pentecostais, preconiza o casamento monogâmico e heterossexual, valoriza a

virgindade pré-nupcial, repudia as relações extraconjugais e condena a homossexualidade”

(DANTAS, 2006, p. 109). Sendo assim, nota-se que, apesar da flexibilidade desta igreja, da

imagem dos fiéis e dos estilos musicais, a moral da Bola de Neve mostra-se conservadora.

Contudo, percebe-se que, embora o grupo Bola de Neve possua particularidades

distintas das igrejas pentecostais tradicionais, o seu discurso e suas representações

corroboram os ensinamentos clássicos da Bíblia Sagrada. A igreja moderna se apropriou dos

meios tecnológicos e virtualizou seus rituais, misturando o sagrado e o profano, com o

objetivo de alcançar os jovens que não se enquadram no modelo tradicional da igreja.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir deste trabalho buscou-se apresentar, de forma sucinta, o processo de

surgimento e consolidação do movimento evangélico pentecostal no Brasil. A pesquisa

mostra como a fragmentação da religião, por volta da década de 1970, fomentou o

aparecimento de novos segmentos religiosos no país, como é o caso da Bola de Neve (1999),

que se aproxima da terceira onda do movimento pentecostal, chamado neopentecostalismo,

por dialogar com a modernidade e se ajustar à sociedade secular.

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Buscou-se, sobretudo, apresentar algumas representações coletivas e sociais entre os

jovens fiéis membros desta igreja, a partir da visão de autores que realizaram estudos

etnográficos em filiais da Bola de Neve no Brasil. Algumas das representações encontradas e

analisadas estão relacionadas aos estilos musicais em destaque, o rock e reggae, a

reconfiguração do discurso religioso, o surgimento de novos símbolos religiosos, a linguagem

dos pastores e, por fim, suas concepções sobre corpo e sexualidade.

Através da revisão bibliográfica, é notório que há uma reconfiguração do discurso

religioso na modernidade, os pastores apresentam um discurso informal, aberto, liberal e

juvenil. Em função desses valores serem cultuados internamente no grupo Bola de Neve, que

cada vez mais jovens tem buscado agregar-se a esta instituição religiosa e, através desses

valores, um referencial para a vida em sociedade.

Esta pesquisa concorda com a teoria de Sahlins (1997) de que a religião, enquanto

objeto de estudo da antropologia, não está desaparecendo. Pelo contrário, a religião está

muito presente na sociedade moderna e vem se reconfigurando, para se adaptar à ela.

Segundo a socióloga Danièle Hervieu-Léger (2008), existe uma crise de transmissão na

modernidade, já que as sociedades tendem a ser cada vez menos sociedades de memória,

pois são governadas pelo paradigma da imediadez. Dessa forma, há um enfraquecimento ou

perda dos valores religiosos herdados da geração passada, por isso, muitos jovens buscam se

agregar a novos grupos religiosos.

[...] os indivíduos constroem sua própria identidade socioreligiosa a partir dos diversos recursos simbólicos colocados à sua disposição e/o aos quais eles podem ter acesso em função das diferentes experiências em que são implicados. Uma vez enfraquecida a capacidade reguladora das instituições religiosas, bem como os processos tradicionais de identificação religiosa, fica muito mais fácil a “saída da religião”. Ou tende a ocorrer uma nova escolha religiosa, com base nos recursos que os indivíduos vão encontrando pelo caminho ou se engrossa a fila dos que se definem como “sem religião”. (HERVIEU-LÉGER, 2008, p. 10).

Tendo em vista que os jovens não se identificam com o discurso religioso tradicional,

e como a Bola de Neve produz um discurso mais alternativo e ligado aos desejos e interesses

da juventude, este torna-se o principal fator que tem levado um maior número de jovens a

frequentar esta igreja.

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Contudo, é necessário que os pesquisadores voltem seus olhos para esses novos

movimentos religiosos, a fim de compreender o pentecostalismo evangélico na sociedade

contemporânea, no intento de estabelecer novos paradigmas de interpretação que dê conta

deste fenômeno social no Brasil.

REFERÊNCIAS

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