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2 BACIAS HIDROGRÁFICAS 2.1 Conceitos Básicos Bacias hidrográficas são definidas como áreas nas quais a água escoa para um único ponto de saída, conhecido como seção de controle. Todos os corpos d’água que nascem nas cabeceiras de uma bacia fluem para a seção de controle, também conhecida como exutório da bacia. Portanto, consiste de uma área na qual ocorre uma captação da água proveniente da atmosfera e que é convertida em escoamento, a partir de limites geográficos, conhecidos como divisores de água, e direcionamento do fluxo para a seção de controle. Bacias hidrográficas normalmente fazem parte de outras bacias de maior porte e assim sucessivamente, até as grandes bacias como do Rio Paraná, São Francisco e Amazonas. Sendo assim, a adoção do termo sub-bacia hidrográfica pode ser mais apropriado, haja vista que os critérios de definição quanto ao tamanho, são imprecisos. Assim, tem-se, por exemplo: a bacia hidrográfica, da qual o Campus da UFLA faz parte, é integrante de uma bacia maior, que engloba o município de Lavras; esta por sua vez, integra a bacia do Alto Rio Grande. A bacia do Alto Rio Grande é uma sub-bacia da bacia do Rio Grande, a qual possui sua seção de controle junto à sua afluência junto ao Rio Paranaíba, formando assim, o Rio Paraná, sendo, portanto, uma sub-bacia da Bacia do Rio Paraná. Observa-se que todos os pequenos corpos d’água que nascem na bacia da UFLA atingirão o oceano Atlântico, na seção de controle da Bacia do Rio Paraná, na Argentina. Destacam-se os seguintes elementos fisiográficos numa bacia hidrográfica: - Divisores de Água: linha que representa os limites da bacia, determinando o sentido de fluxo da rede de drenagem e a própria área de captação da bacia hidrográfica; - Seção de Controle: local por onde toda a água captada na bacia (enxurrada e corpos d’água) é drenada; - Rede de Drenagem: constitui-se de todos os corpos d’água da bacia e canais de escoamento, estes não necessariamente perenes. São canais perenes aqueles em regime permanente de fluxo. São considerados intermitentes os corpos d’água que fluem somente na época das chuvas, ou seja, quando as nascentes (aqüíferos) estão abastecidas. Com a estação de déficit hídrico, tais canais podem vir a secar; e são efêmeros os canais pelos quais fluem água somente quando ocorre escoamento

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2 BACIAS HIDROGRÁFICAS

2.1 Conceitos Básicos

Bacias hidrográficas são definidas como áreas nas quais a água escoa para

um único ponto de saída, conhecido como seção de controle. Todos os corpos d’água

que nascem nas cabeceiras de uma bacia fluem para a seção de controle, também

conhecida como exutório da bacia. Portanto, consiste de uma área na qual ocorre uma

captação da água proveniente da atmosfera e que é convertida em escoamento, a

partir de limites geográficos, conhecidos como divisores de água, e direcionamento do

fluxo para a seção de controle.

Bacias hidrográficas normalmente fazem parte de outras bacias de maior porte

e assim sucessivamente, até as grandes bacias como do Rio Paraná, São Francisco e

Amazonas. Sendo assim, a adoção do termo sub-bacia hidrográfica pode ser mais

apropriado, haja vista que os critérios de definição quanto ao tamanho, são

imprecisos. Assim, tem-se, por exemplo: a bacia hidrográfica, da qual o Campus da

UFLA faz parte, é integrante de uma bacia maior, que engloba o município de Lavras;

esta por sua vez, integra a bacia do Alto Rio Grande. A bacia do Alto Rio Grande é

uma sub-bacia da bacia do Rio Grande, a qual possui sua seção de controle junto à

sua afluência junto ao Rio Paranaíba, formando assim, o Rio Paraná, sendo, portanto,

uma sub-bacia da Bacia do Rio Paraná. Observa-se que todos os pequenos corpos

d’água que nascem na bacia da UFLA atingirão o oceano Atlântico, na seção de

controle da Bacia do Rio Paraná, na Argentina.

Destacam-se os seguintes elementos fisiográficos numa bacia hidrográfica:

- Divisores de Água: linha que representa os limites da bacia, determinando

o sentido de fluxo da rede de drenagem e a própria área de captação da

bacia hidrográfica;

- Seção de Controle: local por onde toda a água captada na bacia (enxurrada

e corpos d’água) é drenada;

- Rede de Drenagem: constitui-se de todos os corpos d’água da bacia e

canais de escoamento, estes não necessariamente perenes. São canais

perenes aqueles em regime permanente de fluxo. São considerados

intermitentes os corpos d’água que fluem somente na época das chuvas,

ou seja, quando as nascentes (aqüíferos) estão abastecidas. Com a

estação de déficit hídrico, tais canais podem vir a secar; e são efêmeros os

canais pelos quais fluem água somente quando ocorre escoamento

originado de precipitação, ou seja, a enxurrada. Quando a precipitação

termina, o fluxo cessa em pouco tempo.

A rede de drenagem é extremamente importante para caracterização e manejo

das bacias hidrográficas, determinando suas características de escoamento

superficial1 e o potencial de produção e transporte de sedimentos. Observa-se que

estas propriedades hidrológicas são de grande importância para o manejo da bacia,

especialmente no contexto ambiental e são diretamente influenciadas pelas

características da rede de drenagem.

Cobertura vegetal e classe de solos são ambas fundamentais para

caracterização do ambiente e controlam a dinâmica da água dentro da bacia

hidrográfica. Cada cobertura vegetal exerce uma influência diferente no tocante às

características de evapotranspiração e de retenção da precipitação. Da mesma forma,

os tipos de solo, que além do aspecto evaporativo, interferem decisivamente nos

processos de infiltração de água e por conseqüência direta, nas características do

escoamento superficial e transporte de sedimentos.

Igualmente importante, é o formato da bacia hidrográfica. Bacias hidrográficas

geralmente apresentam 2 formatos básicos, com tendência a serem circulares ou

elípticas (alongadas). As formas têm importância especial no comportamento das

cheias. As primeiras têm tendência de promover maior concentração da enxurrada

num trecho menor do canal principal da bacia, promovendo vazões maiores e

adiantadas, relativamente às bacias alongadas, que produzem maior distribuição da

enxurrada ao longo do canal principal, amenizando, portanto, as vazões e retardando

as vazões máximas.

2.2 Parâmetros fisiográficos importantes no contexto hidrológico

2.2.1 Classificação de Bacias Hidrográficas

a) Pequenas Bacias

O conceito de pequenas bacias é controverso. Não está somente associado ao

tamanho (área) das mesmas, mas ao objetivo dos estudos que serão desenvolvidos.

Algumas propriedades são importantes para se definir uma bacia hidrográfica como

pequena:

- uniformidade da distribuição da precipitação em toda a área da bacia;

- uniformidade da distribuição da precipitação no tempo;

1 Neste contexto, escoamento superficial refere-se a todos os componentes deste, inclusive o subterrâneo.

- o tempo de duração da chuva geralmente excede o tempo de concentração

da bacia;

- a geração de escoamento e produção de sedimentos ocorrem em grande

parte nas vertentes da bacia e, o armazenamento e o fluxo concentrados nos

cursos d’água não são significativos.

Estas propriedades são estabelecidas com o objetivo de facilitar a modelagem

do processo de transformação chuva-vazão. Contudo, há um problema que não pode

ser desconsiderado, que é a questão da variabilidade, principalmente espacial, dos

eventos de precipitação e da capacidade de infiltração de água no solo, que

combinados, produzirão grande variação na geração do escoamento superficial.

Portanto, o conceito de homogeneidade também deve ser considerado, especialmente

em função dos objetivos a serem alcançados. Estes devem ser norteados em função

de uma melhor compreensão das relações físicas e matemáticas que envolvem os

vários componentes do ciclo hidrológico.

b) Bacias Representativas

Tais bacias são definidas de forma que possam representar uma região

homogênea. São instrumentadas com aparelhos para monitoramento e registro dos

eventos hidrológicos e climáticos. Estas bacias são utilizadas para estudos

hidrológicos sem que haja alteração de suas características fisiográficas, em especial

solo e cobertura vegetal, que são mantidas estáveis. Assim sendo, há necessidade de

grandes séries históricas de dados hidrológicos, em especial de vazão e precipitação.

O principal objetivo de bacias representativas instrumentadas é produzir

informações hidrológicas e meteorológicas para toda uma região homogênea a que

pertencem. Além de longos períodos de análise são feitos estudos climáticos,

hidrogeológicos e pedológicos. Enfim, bacias representativas instrumentadas têm

como objetivos científicos:

- avaliação detalhada dos processos físicos, químicos e biológicos do ciclo

hidrológico, necessitando-se de longas séries históricas e mínima alteração

do meio;

- calibração de modelos hidrológicos para simulação do comportamento da

bacia, associado ao escoamento superficial, água no solo e

evapotranspiração da região homogênea, que a bacia representa;

- simular os efeitos de mudanças naturais de aspectos fisiográficos no ciclo

hidrológico.

c) Bacias Experimentais

São bacias hidrográficas que visam basicamente a estudos científicos dos

componentes do ciclo hidrológico e eventuais influências nos componentes deste.

Assim, pode-se produzir alterações intencionais nas características de uso do solo e

vegetação na bacia. Normalmente, por constituírem-se em áreas destinadas

estritamente a pesquisa, o tamanho destas bacias não ultrapassa 4 km2, sendo,

portanto, de pequenas dimensões. Os principais objetivos das bacias experimentais

são:

- avaliar a influência de manejos como desmatamento e influência de

diferentes usos do solo na produção de erosão e no ciclo hidrológico;

- testar, validar e calibrar modelos de previsão hidrológica;

- treinamento de técnicos e estudantes com os aparelhos de medição

hidrológica (medidores de vazão, linígrafos, molinetes, etc) e climática;

- como em bacias representativas, estudos detalhados de processos físicos,

químicos e biológicos do regime hídrico das bacias;

Normalmente, busca-se um estudo comparativo dos efeitos de manejos,

portanto, é necessário que haja mais de uma bacia monitorada.

d) Bacias Elementares

São bacias de pequena ordem, constituindo-se na menor unidade

geomorfológica onde ocorre, de maneira completa, o ciclo hidrológico. Apresentam

áreas inferiores a 5 km2, permitindo as seguintes considerações:

- uniformidade em toda área dos eventos pluviométricos;

- características de vegetação e pedologia semelhantes em toda a bacia;

- controle sobre a entrada de sedimentos provenientes de outras áreas;

- identificação rápida e precisa de mudanças no horizonte superficial dos solos

que constituem as bacias;

- não haja efeitos significativos da concentração de água e sedimentos nas

calhas dos cursos d’água, quando comparada à produção destes nas

vertentes.

Se houver condições de comprovação de tais premissas, podem-se conduzir

estudos numéricos precisos do ciclo hidrológico, que ajudarão no entendimento dos

processos envolvidos com o mesmo. Em bacias experimentais e elementares podem-

se fazer estudos cuja necessidade de informações varie de um período extenso de

análise (grandes séries históricas) ou períodos bastante curtos, tudo dependendo dos

objetivos. Por exemplo: na avaliação dos efeitos de diferentes práticas agrícolas pode-

se trabalhar com períodos curtos de análise; já na avaliação dos efeitos de

desmatamento ou função hidrológica de diferentes coberturas vegetais, há

necessidade de uma série maior de dados para se chegar a resultados conclusivos.

2.2.2 Caracterização Fisiográfica de Bacias Hidrográficas

a) Divisores de Água

O divisor de águas delimita a área de captação da Bacia Hidrográfica. Existem

dois tipos de divisores: o topográfico e o geológico ou freático. O primeiro diz respeito

à linha que une os pontos mais elevados do relevo e o segundo, os pontos mais

elevados do aqüífero. O divisor geológico varia ao longo do ano em função das

estações. Normalmente, não há coincidência entre os dois divisores, prevalecendo,

quase sempre, o topográfico, por ser fixo e de mais fácil identificação. Na Figura 2.1a

é mostrada uma carta topográfica com a delimitação de uma pequena bacia

hidrográfica, com seus principais elementos fisiográficos. Na Figura 2.1b, o mesmo

trabalho, porém, utilizando ferramentas de geoprocessamento e sensoriamento

remoto, notadamente, o modelo digital de elevação.

Figura 2.1 Formas de obtenção de uma bacia hidrográfica: carta topográfica (a) e

modelo digital de elevação e ferramentas de geoprocessamento (b).

b) Área da Bacia Hidrográfica

Corresponde à área limitada pelos divisores de água, conectando-se na seção

de controle. É um dos elementos mais importantes da Bacia Hidrográfica, pois é

básico para quantificação de todos os parâmetros e grandezas hidrológicas.

c) Solos da Bacia Hidrográfica

O Levantamento Pedológico é uma das primeiras etapas do estudo fisiográfico

e geomorfológico de uma bacia hidrográfica, sendo base para estudos hidrológicos. A

clara distinção entre classes de solo permite estabelecer como os manejos deverão

ser implantados visando ao uso adequado de cada solo, ou seja, visando à aplicação

do manejo conservacionista, que objetiva adequar o uso do solo dentro de sua

capacidade física e química e sugerir as melhores formas de correção de deficiências.

Desta forma, pode-se trabalhar e corrigir problemas associados à erosão e cultivo de

culturas enquadradas nos limites de cada solo, caracterizados pela Classe de

Capacidade de Uso ou Aptidão Agrícola.

O Levantamento Pedológico é de suma importância para experimentos que

visam ao estudo de variabilidade espacial e temporal de alguns atributos do solo e

estabelecer uma base de informações que será útil para justificar eventuais

comportamentos hidrológicos na bacia hidrográfica.

O mapa da Figura 2.2 contém as classes de solo de uma bacia hidrográfica

representativa dos Latossolos da região Alto Rio Grande. Observa-se predomínio de

Latossolos em relação às demais classes de solo existentes na mesma.

Figura 2.2 Mapa de solos de uma bacia hidrográfica representativa dos Latossolos da

região Alto Rio Grande, MG.

Na Figura 2.3 consta o mapa de solos de uma sub-bacia hidrográfica de

cabeceira, ou seja, uma sub-bacia localizada junto a um importante divisor de águas

topográfico de uma bacia de drenagem de grandes dimensões. Estas sub-bacias

apresentam elevada declividade, refletindo em solos pouco profundos e mais

susceptíveis à erosão. No caso específico, tem-se a sub-bacia hidrográfica do Ribeirão

Lavrinha, na Serra da Mantiqueira, importante divisor de águas da bacia do Rio

Grande.

Figura 2.3 Mapa de solos de uma sub-bacia hidrográfica de cabeceira da região Alto

Rio Grande, MG (Fonte: Menezes, 2007).

d) Forma da Bacia

O formato superficial da bacia hidrográfica é importante pela influência que

exerce no tempo de transformação da chuva em escoamento e sua constatação na

seção de controle.

Comparando-se bacias de mesma área e que geram a mesma quantidade de

escoamento (deflúvio), aquela cujo tempo de deflúvio é menor deve possuir,

proporcionalmente, maior vazão máxima. Exatamente a forma superficial da bacia é

quem determina este comportamento diferenciado.

Existem alguns coeficientes que são utilizados para quantificar a influência da

forma no modo de resposta de uma bacia à ocorrência de uma precipitação.

Especialmente, podem-se destacar os seguintes:

Coeficiente de Compacidade – kc

É a relação entre o perímetro da bacia e a circunferência (perímetro) de um

círculo de área igual à da bacia, sendo, portanto, adimensional. Assim, por meio de

manipulação matemática, pode-se chegar à seguinte expressão:

π⋅=�

⋅π= Ac4D

4D

Ac2

(1)

DPc ⋅π=

(2)

Substituindo 1 em 2 tem-se:

π

⋅⋅π= c

cA2

P

(3)

Pela definição de kc, tem-se:

PcP

kc BH=

(4)

Substituindo 3 em 4, obtém-se:

BH

BH

BH

BHAP

28,0A

2P

kc ⋅=⋅

ππ⋅

=

(5)

Em que, Ac é a área do círculo e igual à área da bacia (ABH), Pc é o perímetro

do círculo, PBH é o perímetro da bacia hidrográfica e D é o diâmetro da circunferência

de área igual à área da bacia. Normalmente, PBH e ABH são trabalhados em km e km2,

respectivamente.

Observa-se que quanto mais próximo de um círculo uma bacia se assemelhar,

maior será a sua capacidade de proporcionar grandes cheias. Isto ocorre porque há

conversão do escoamento superficial, ao mesmo tempo, para um pequeno trecho do

rio principal, havendo acúmulo do fluxo. Na Figura 2.4 pode-se observar o

comportamento teórico do escoamento em uma bacia circular e em uma elipsoidal.

Nesta última, o fluxo é mais distribuído ao longo de todo o canal principal, produzindo

cheias de menor vulto.

Figura 2.4 Representação da distribuição do fluxo superficial em duas bacias, uma

circular e outra, elipsoidal.

Quanto mais próximo da unidade for este coeficiente, mais a bacia se

assemelha a um círculo. Assim, pode-se interpretá-lo da seguinte forma:

1,00 – 1,25 = bacia com alta propensão a grandes enchentes

1,25 – 1,50 = bacia com tendência mediana a grandes enchentes

> 1,50 = bacia com menor propensão a grandes enchentes

Fator de forma – kf (ou Índice de Gravelius)

Expressa a relação entre a largura média da bacia e o seu comprimento axial.

Assim, tem-se:

ax

_

LL

kf =

(6)

Em que, L é largura média e Lax, o comprimento axial da bacia. A forma de

obtenção deste índice está representada na Figura 2.5. Um polígono é construído

contornando a bacia e a partir das dimensões das larguras ao longo do polígono, é

calculada uma média dos valores.

Figura 2.5 Representação gráfica do cálculo do fator de forma.

n

LL

n

1ii�

= =−

(7)

O fator de forma pode assumir os seguintes valores:

1,00 – 0,75.: sujeito a enchentes

0,75 – 0,50.: tendência mediana

< 0,50.: menor tendência a enchentes

Índice de conformação - Ic

Representa a relação entre a área da bacia e um quadrado de lado igual ao

comprimento axial da bacia. Este índice pode ser matematicamente expresso por:

ax2BH

L

AIc =

(8)

Este índice também expressa a capacidade da bacia em gerar enchentes.

Quanto mais próximo de 1, maior a propensão à enchentes, pois a bacia fica cada vez

mais próxima de um quadrado e com maior concentração do fluxo. No entanto, pode

assumir valores acima e abaixo de 1. Se a bacia possuir a forma de um retângulo, por

exemplo, e o comprimento axial for correspondente ao menor lado deste retângulo, o

índice poderá ser menor que 1. Se esta mesma bacia apresentar comprimento axial no

sentido do maior lado, o índice poderá ser acima de 1.

Observa-se que quanto maior o número de larguras e quanto mais próximo o

polígono que envolve a bacia se aproximar do formato desta, mais próximos serão o

fator de forma e o índice de conformação.

Exemplo de Aplicação 2.1

Calcular os fatores de forma para uma bacia cujo perímetro é 11,3 km, área de 800 ha

e comprimento axial de 4,5 km. Foram determinados 7 valores de largura ao longo da

bacia, iguais a 1,5 km, 2,6 km, 3,5 km, 4,5 km, 4,3 km, 2,8 km e 1,1 km.

a) Coeficiente de Compacidade

Aplicando-se diretamente a equação 1, obtém-se:

12,183,11

28,0 =⋅=kc .: Bacia com grande tendência a grandes enchentes.

b) Fator de forma e Índice de Conformação

( )

40,05,48

644,05,49,2

9,27

1,1...5,1

2

_

==

==

=++=

Ic

kf

kmL

.: Bacia com tendência mediana a enchentes

Conclusão: observa-se que, com base no fator de forma, a bacia terá tendência

mediana a enchentes. Com base no coeficiente de compacidade, a bacia apresentará

alta tendência a grandes enchentes. Como o primeiro expressa uma tendência a

enchentes (não diz respeito à grandeza desta enchente) e o segundo expressa a

dimensão da cheia, os índices são complementares. Assim, esta bacia apresentará

tendência mediana a enchentes e se estas ocorrerem, poderão ser de grande vulto.

e) Sistema ou rede de drenagem

Constituída por um curso d’água principal e seus tributários a rede de

drenagem, está associada à eficiência de drenagem da área da bacia e à

potencialidade para formar picos elevados de vazão. Podem ser classificados em:

- Perenes: são aqueles nos quais se verifica, durante todo o tempo, mesmo

nas secas mais severas, escoamento da água. Isto é garantido pela

drenagem do aqüífero, cujo nível deve situar-se acima do fundo do leito do

rio, para garantir energia ao escoamento.

- Intermitentes: são aqueles cujo escoamento não ocorre no período das

secas mais severas.

- Efêmeros: são aqueles onde se verifica escoamento apenas durante e

imediatamente após ocorrência de uma chuva.

Classificação dos Cursos d’água

Método de Horton

Esta metodologia pode ser resumida da seguinte forma:

- Cursos d’água de 1a Ordem: são aqueles que não possuem tributários;

- Cursos d’água de 2a Ordem: formados pela união de 2 ou mais cursos de 1a

ordem;

- Cursos d’água de 3a Ordem: formados pela união de 2 ou mais cursos de 2a

ordem, podendo receber cursos d’água de 1a ordem.

Assim, um canal de ordem u pode possuir tributários de ordem u-1 até 1. Isto

significa designar a maior ordem ao rio principal, desde a seção de controle até sua

nascente. O mesmo raciocínio é valido para cursos d’água de 2a ordem, ou seja,

desde a junção com um de 3a ordem até sua nascente. Portanto, tem-se uma

subjetividade associada com a localização desta nascente. Existe um método para

separar a nascente do tributário de ordem 1, que consiste em passar uma

perpendicular pela junção dos canais e adotar o canal determinado pelo menor ângulo.

Exemplificando:

Como o ângulo y é menor que x, tem-se que o canal principal (ordem 2) passa

a ser o de cor azul.

Método de Strahler

- Cursos d’água de 1a Ordem: são todos os canais sem tributários, mesmo que

corresponda à nascente dos cursos d’água principais;

- Cursos d’água de 2a Ordem: são formados pela união de 2 ou mais cursos

de 1a ordem, podendo ter afluentes de 1a;

- Cursos d’água de 3a Ordem: são formados pela união de 2 ou mais cursos

de 2a ordem, podendo receber cursos d’água de 2a e 1a ordens.

Da mesma forma, resume-se este método da seguinte maneira: um canal de

ordem u é formado por 2 canais de ordem u-1, podendo receber afluência de qualquer

ordem inferior. Observa-se que a subjetividade a respeito de nascentes deixa de existir

neste método. Pode-se analisar também que, o método de Horton apresentará um

menor número de canais. No exemplo anterior, a classificação seria dada da seguinte

forma:

O canal de 2a ordem começa na junção dos de 1a ordem, ou seja, não há

designação de nascentes.

A ordem da rede de drenagem fornece informação sobre o grau de ramificação

e permite inferir sobre o relevo da bacia. De modo geral, quanto mais ramificada for a

rede de drenagem, mais acidentado deve ser o relevo.

Densidade de Drenagem (Dd)

Reflete as condições topográficas, pedológicas, hidrológicas e de vegetação da

bacia. É a relação entre o comprimento total dos canais (�L ) e a área da Bacia

Hidrográfica (ABH).

BHAL

Dd �=

(9)

O valor obtido é muito dependente do material utilizado, ou seja, fotografia

aérea ou carta topográfica. Podem variar de 0,93 km/km2 a 2,09 km/km2, quando se

utiliza cartas topográficas, e 5 a 13 quando se utiliza fotografias aéreas. Pode-se

classificar uma bacia, com base neste índice, da seguinte forma:

- baixa densidade: 5 km km-2

- média densidade: 5-13 km km-2

- alta densidade: > 13 km km-2

Existem controvérsias quanto aos valores absolutos que indicam se a

densidade é elevada ou baixa. De toda forma, o que se conclui através da

comparação das densidades de duas bacias, é que, aquela de maior Dd é mais

acidentada.

Densidade da Rede de Drenagem (DR)

Representa a relação entre o número de cursos d’água e a área da bacia.

BHAN

DR =

(10)

Em que N é o número total de cursos d’água.

Pode-se observar que, conforme o método de classificação da ordem da rede

de drenagem será obtido um valor diferente para este coeficiente. O método de Horton

fornece um número menor de cursos d’água e, portanto, uma menor DR.

Extensão média do escoamento superficial (Cm)

Este parâmetro relaciona a densidade de drenagem da bacia hidrográfica (ou a

área desta) com um comprimento médio lateral da rede de drenagem. A importância

deste parâmetro está no cálculo do tempo de concentração da bacia hidrográfica.

Existem várias metodologias para o cálculo do tempo de concentração da bacia, entre

eles, pode-se destacar o método do SCS-USDA, que é baseado na velocidade do

escoamento. Assim, dispondo-se da trajetória e da velocidade do fluxo, determina-se o

tempo de concentração com base na definição física de velocidade. A Figura 2.6

exemplifica a forma de obtenção deste parâmetro.

Figura 2.6 Representação do comprimento médio lateral do escoamento superficial.

A área da bacia hidrográfica pode ser aproximadamente calculada pela

seguinte expressão:

( ) Cm4LABH ⋅⋅�=

(11)

Combinando-se a equação 9 (densidade de drenagem) com a 11, resulta em:

dD41

Cm⋅

=

(12)

Em que Cm é obtido em km se a densidade de drenagem estiver expressa em

km/km2.

Sinuosidade do Curso d’água principal (S)

Representa a relação entre o comprimento do canal principal e o comprimento

de seu talvegue (Lt), medido em linha reta. Observa-se que este fator é adimensional

e quanto maior seu valor maior a sinuosidade do curso d’ água, sendo que esta tende

a aumentar da cabeceira para a foz do rio. A Figura 2.7 representa um curso d’água

principal e seu talvegue.

tLL

S =

(13)

Figura 2.7 Representação do curso d’água e seu talvegue.

Declividade do Curso d’água principal (Álveo)

Este parâmetro é de suma importância para o manejo de bacias hidrográficas

haja visto que influencia diretamente na velocidade do escoamento da água na calha

da bacia e consequentemente no tempo de concentração2 da mesma. Existem 3

métodos para sua determinação:

Cálculo direto com base na diferença entre as cotas da nascente e da seção de

controle (h1):

( ) 100L1h

%S1 ⋅=

(14)

Cálculo com base na altura de um triângulo de área igual à área sob o perfil do

curso d’água principal.

( ) 100L2h

%S2 ⋅=

(15)

2 Este conceito será apresentado no Capítulo Escoamento Superficial.

Tanto S1 quanto S2 são dados em percentagem se h1, h2 e L estiverem na

mesma unidade, normalmente em metros.

A Figura 2.8 exemplifica os cálculos acima: Área sob O, A e L (perfil) é igual à

área O, B e L. A primeira pode ser facilmente obtida (planímetro, AutoCad, etc), após

plotagem do perfil do curso d’água, normalmente numa escala vertical 10 vezes maior

que a horizontal. Desta forma, h2 é calculado por:

( )L

OAL Área22h

⋅=

(16)

Figura 2.8 Representação gráfica dos cálculos de declividade pelos métodos S1 e S2.

O terceiro método baseia-se na média harmônica ponderada da raiz quadrada

das declividades dos diversos trechos retilíneos, tomando-se como peso a extensão

de cada trecho.

� ���

����

�=

i

i

i21

3

SL

LS

(17)

2

i

i3

D

L

LiS

������

���

��

�=

(18)

DS i =

(19)

i

ii L

dnD =

(20)

Em que, dni é diferença de cotas entre um trecho e outro; Li é o comprimento

do respectivo trecho; Di é a declividade do respectivo trecho. A Figura 2.9 exemplifica

este método.

Figura 2.9 Representação gráfica do método de ponderação pela raiz quadrada das

declividades dos diversos trechos do álveo.

Obs: Vários autores ressaltam que o cálculo mais adequado é fornecido pelo método

de ponderação pela raiz quadrada da declividade de cada trecho. Este método é o que

mais se aproxima do perfil do curso d’água principal, detectando-se a influência

topográfica dos diversos trechos do canal principal.

Exemplo de Aplicação 2.2

Fazer um estudo da rede de drenagem de uma bacia hidrográfica cujas características

fisiográficas (rede de drenagem e curvas de nível) estão esquematizadas abaixo. A

área da bacia é de 8,5 km2.

a) Classificação da Ordem da Rede de Drenagem

b) Densidade de Drenagem

�L =14,98 km

76,15,898,14 ==dD km km-2

c) Densidade da Rede de Drenagem

Por Strahler:

29,15,8

11 ==DR canais km-2

Por Horton:

82,05,8

7 ==DR canais km-2

d) Extensão média do escoamento superficial

142,076,14

1 =⋅

=Cm km

e) Sinuosidade do Curso d’água Principal

f) Declividade do Curso d’água Principal

f.1) ( ) 1001

%1 ⋅=Lh

S

h1 = 870-730 = 140 m

L = 6,28 km = 6280 m

S1 (%) = 2,23 %

f.2) Perfil do Curso d’água principal e triângulo de área igual à área sob o perfil.

Área sob o perfil = 460000 m2

Triângulo de área igual à do perfil:

m 49,146

4600002

6280

4600002

2

2

2

=

=⋅

=⋅

h

h

hB

( ) % 33,21006280

49,146%2 =⋅=S

f.3) Na Tabela abaixo constam os dados a respeito do comprimento de cada trecho e a

respectiva diferença de nível.

Trecho Li (m) dni (m) Di ( DiL / )

1 500 20 0,0400 2500,00

2 1200 20 0,0167 9295,16

3 1480 20 0,0135 12731,44

4 800 20 0,0250 5059,64

5 1300 20 0,0154 10480,94

6 600 20 0,0333 3286,34

7 400 20 0,0500 1788,85

� 6280 45142,37

%95,137,45142

6280

D

L

LiS

2

2

i

i3 =�

���

�=

������

���

��

�=

f) Características do Relevo da Bacia Hidrográfica

Declividade da Bacia

A declividade da bacia é um parâmetro importante uma vez que está

diretamente associada ao tempo de duração do escoamento superficial e de

concentração da precipitação nos leitos dos cursos d’água. Isto afeta a forma e os

valores máximos do hidrograma de escoamento na bacia3.

Pode-se definí-la matematicamente da seguinte forma:

3 Detalhes deste parâmetro serão apresentados no Capítulo “Escoamento Superficial”.

( ) ( ) 100CNA

D%I i

BH⋅�⋅=

(21)

Em que, I é a declividade média da bacia (%), D é a equidistância entre as

curvas de nível (m) e � iCN é o comprimento total das curvas de nível (m). A área da

bacia deve estar em m2.

Elevação Média da Bacia Hidrográfica

( )

BH

n

1iii

A

aeE

� ⋅= =

(22)

Em que, E é a elevação média da bacia (m), ei a elevação média entre duas curvas de

nível consecutivas (m), ai área entre as curvas de nível e ABH é a área da bacia, ambas

na mesma unidade.

Curva Hipsométrica

A curva hipsométrica representa a variação da elevação da área de uma bacia

hidrográfica. Esta curva é obtida quando se acumulam as áreas que estão acima ou

abaixo de determinada altitude. A Figura 2.10 representa o formato de uma curva

hipsométrica.

Figura 2.10 Representação esquemática de uma curva hipsométrica.

Exemplo de Aplicação 2.3

Faça um estudo das características do relevo (declividade, elevação e curva

hipsométrica) da bacia do exemplo 2.2.

a) Declividade média da bacia: Soma dos comprimentos de cada curva de nível.

CN Comprimento (km)

730 0,0

750 3,5

770 4,3

790 6,5

810 8,9

830 8,4

850 7,2

870

890

3,1

0,0

� 41,9

( ) ( ) %86,9100419008500000

20100CN

AD

%I iBH

=⋅⋅=⋅�⋅=

b) Elevação média da bacia

Curvas ei (m) ai (km2) ei x ai

730-750 740 0,25 185,0

750-770 760 0,82 623,2

770-790 780 1,20 936,0

790-810 800 1,30 1040,0

810-830 820 1,60 1312,0

830-850 840 1,83 1537,2

850-870 860 1,10 946,0

870-890 880 0,40 352,0

� 8,50 6931,4

( )

BH

n

1iii

A

aeE

� ⋅= = = m 5,815

5,84,6931 =

c) Curva Hipsométrica

Curvas ai (km2) Área acima

(km2) % área acima

Área abaixo

(km2) % área abaixo

730-750 0,25 8,50 100 0 0

750-770 0,82 8,25 97,1 0,25 2,9

770-790 1,20 7,43 87,4 1,07 12,6

790-810 1,30 6,23 73,3 2,27 26,7

810-830 1,60 4,93 58,0 3,57 42,0

830-850 1,83 3,33 39,2 5,17 60,8

850-870 1,10 1,50 17,6 7,00 82,4

870-890 0,40 0,40 4,7 8,10 95,3

890 0 0,00 0,0 8,50 100,0

Graficamente:

2.3 Manejo de Bacias Hidrográficas

No contexto do planejamento do meio físico, as bacias hidrográficas são

unidades de trabalho fundamentais devido aos diferentes aspectos que as

caracterizam, especialmente no tocante aos recursos naturais solo e água. Manejar

adequadamente a bacia hidrográfica consiste de uma série de ações que visam

conciliar o uso dos recursos naturais existentes na mesma com o mínimo de impactos

sobre a natureza.

A hidrologia desempenha papel central no que diz respeito ao manejo das

bacias, uma vez que o entendimento da dinâmica da água é de fundamental

importância em todos os aspectos. No entanto, é pouco provável que haja sucesso no

manejo ambiental das bacias hidrográficas se o comportamento físico dos solos,

associado à cobertura vegetal, não for devidamente estudado e compreendido. Isto

ocorre porque a participação do solo e seu uso no ciclo hidrológico da bacia

hidrográfica define a dinâmica da água em seus compartimentos, destacando-se a

recarga de aqüíferos, com conseqüente geração do escoamento subterrâneo,

produção e gênese das enxurradas e seus efeitos, especialmente na figura do

transporte de sedimentos e inundações, e o comportamento evapotranspirativo das

bacias hidrográficas, o qual está intimamente associado à umidade do solo, com

conseqüências diretas na produção agropecuária.

No entanto, os estudos que norteiam o manejo das bacias hidrográficas

necessitam de ferramentas que estão diretamente ligadas à evolução tecnológica,

como geoprocessamento e sensoriamento remoto, os quais determinam, com precisão

e em tempo real, o comportamento espacial do uso atual do solo, confrontando-o à

sua capacidade de uso ou aptidão agrícola. Além disto, a aplicação de ferramentas,

como a geoestatística e os Sistemas de Informação Geográfica (SIGs), para geração

de mapas do comportamento espacial de atributos físicos do solo, permite que sejam

feitas análises com alto nível de precisão. Associando estes atributos ao uso atual, é

possível desenvolver inferências fundamentais para o diagnóstico ambiental da bacia

hidrográfica. Além disto, auxilia na calibração de modelos hidrossedimentológicos, os

quais também se constituem de uma ferramenta poderosa no auxílio ao manejo do

solo e da água em escala de bacias, permitindo simulação de diferentes cenários e

seus efeitos na dinâmica da água e sedimentos.

Neste contexto, a seguir será apresentado um estudo de caso, o qual consiste

de um levantamento básico de informações fisiográficas e estudo da distribuição

espacial dos atributos hidrológicos do solo mais influenciados pelo manejo e sua

relação com o uso do solo.

2.3.1 Estudo de caso: caracterização fisiográfica e manejo da bacia hidrográfica

do ribeirão Marcela, Alto Rio Grande, MG

a) Caracterização Fisiográfica

Características fisiográficas básicas da bacia hidrográfica do ribeirão Marcela.

Dados: área = 477,6 ha; perímetro = 8,94km; comprimento axial = 2,47km; largura

média da bacia = 1,91km; comprimento do talvegue = 3,51km. Na tabela abaixo,

constam valores de área entre cotas bem como comprimento das respectivas curvas

de nível.

Cota Ai (km2) Li (km)

950-960 0,06 0,418

960-980 0,63 1,920

980-1000 1,23 1,021

1000-1020 1,23 0,330

1020-1040 1,07 0,142

1040-1060 0,55 0,000

� 4,78 3,831

A localização geográfica da bacia hidrográfica encontra-se na Figura 2.11, bem

como o mapa básico das características fisiográficas (rede de drenagem, curvas de

nível e divisores de água). É interessante destacar também a localização das

nascentes da bacia, as quais são responsáveis pela manutenção do escoamento,

sendo importantes indicadores da qualidade ambiental da mesma.

Figura 2.11 Localização geográfica e mapa básico da bacia hidrográfica do ribeirão

Marcela, constando curvas de nível e rede de drenagem.

Levantamento das características fisiográficas associadas à forma da bacia

a) Coeficiente de Compacidade

Aplicando-se diretamente a equação 1, obtém-se:

14,178,4

94,828,0 =⋅=kc .: Bacia com alta propensão a grandes enchentes.

b) Fator de forma e Índice de Conformação

783,047,278,4

773,047,291,1 91,1

2

_

==

==

=

Ic

kf

kmL

.: Bacia com tendência mediana a enchentes

Baseado no fator de forma da bacia hidrográfica pode-se afirmar que a mesma

possui tendência mediana a enchentes. O coeficiente de compacidade indica uma alta

tendência a grandes enchentes. Assim, conclui-se que a bacia apresenta tendência

mediana a enchentes e se estas ocorrerem, poderão ser de grande vulto.

Levantamento das características fisiográficas associadas à rede de drenagem da

bacia

a) Classificação da ordem da rede de drenagem

b) Densidade de drenagem

Dispondo-se todos os canais da rede de drenagem determinou-se o comprimento total

dos mesmos.

� L= 8,59Km.

80,178,459,8

==Dd km km-2

Como pode-se observar o valor de 1,80 km km-2 é um resultado típico de cálculo

baseado em cartas topográficas.

c) Densidade da rede de drenagem

Por Strahler:

72,278,4

13 ==DR canais km-2

Por Horton:

67,178,48 ==DR canais km-2

d) Extensão média do escoamento superficial

139,080,1*4

1 ==Cm km

e) Sinuosidade do curso d´água principal

09,151,3

831,3 ==S

f) Declividade do curso d´água principal

h1) ( ) 1001

%1 ⋅=Lh

S

h1 = 1040-950 = 90 m

L = 3,831 km = 3831 m

%35,2100383190

(%)1 ==S

h2) Método da declividade equivalente constante

Cota Li (m) dni (m) Di ( DiL / )

950-960 418 10 0,0239 2702,49

960-980 1920 20 0,0104 18812,08

980-1000 1021 20 0,0196 7294,97

1000-1020 330 20 0,0606 1340,47

1020-1040 142 20 0,1408 378,37

� 3831 30528,38

%57,138,30528

38312

2

3 =��

���

�=

�����

�����

���

����

�=

Di

Li

LiS

Levantamento das características fisiográficas associadas ao relevo da bacia

a) Declividade média da bacia

Comprimento total das curvas de nível =32,59km

( ) ( ) 100% ⋅⋅= � iBH

CNAD

I = % 64,13100325904778000

20 =⋅⋅

b) Elevação média da bacia

Curvas ei (m) ai (km2) ei x ai

950-960 955 0,06 53,48

960-980 970 0,63 611,1

980-1000 990 1,23 1219,68

1000-1020 1010 1,23 1242,3

1020-1040 1030 1,07 1106,22

1040-1060 1050 0,55 581,7

� 4,78 4814,48

( )

BH

n

iii

A

aeE�

=

⋅= 1 = m 21,1007

78,448,4814 =

c) Curva Hipsométrica

Curvas ai (km2) Área acima

(km2) % área acima

Área abaixo

(km2) % área abaixo

950-960 0,06 4,78 100,00 0,06 1,16

960-980 0,63 4,72 98,84 0,69 14,36

980-1000 1,23 4,09 85,64 1,92 40,15

1000-1020 1,23 2,86 59,85 3,15 65,92

1020-1040 1,07 1,63 34,08 4,22 88,40

1040-1060 0,55 0,55 11,60 4,78 100,00

� 4,78

Curva Hipsométrica

b) Diagnóstico do uso atual do solo na bacia hidrográfica do Ribeirão Marcela

A distribuição do uso do solo na bacia hidrográfica está apresentada na Tabela

2.1 e o mapa da bacia com a distribuição dos usos, na Figura 2.12. Há forte

predominância de pastagens, principalmente a natural, de baixa capacidade de

suporte, apresentando variação da qualidade do pasto ao longo do ano. A razão pela

qual se destaca a pastagem é a vocação leiteira da região, sendo esta a sua principal

atividade econômica. Entretanto, são observados outros usos, mas de menor

expressão, quando comparados à atividade pecuária leiteira. Este fato permite inferir

que as terras estão subutilizadas, pois grande parte da área da bacia apresenta

aptidão para lavoura em pelo menos um dos três níveis de manejo, conforme mapa da

Figura 2.13, e atualmente apenas 17,37% estão sendo utilizadas com esta atividade

(Tabela 2.1).

Tabela 2.1 Distribuição percentual das unidades de mapeamento (uso do solo) na

sub-bacia hidrográfica do Ribeirão Marcela.

Unidade de mapeamento Área (ha) Percentual (%)

Pastagem natural e plantada 362,36 75,87

Cultura de milho 79,73 16,69

Fragmentos de mata natural 19,83 4,15

Eucaliptal 9,13 1,91

Lago 3,27 0,68

Cultura de maracujá 1,73 0,36

Canavial 1,53 0,32

Total 477,58 100

Figura 2.12 Mapa de uso atual do solo na bacia hidrográfica do Ribeirão da Marcela.

Figura 2.13 Mapa de aptidão agrícola da sub-bacia hidrográfica do ribeirão Marcela4.

Analisando os mapas de aptidão agrícola das terras e de uso atual do solo, a

primeira informação que se obtém é que o uso das terras na bacia hidrográfica não se

estão em conformidade com as classes de aptidão, evidenciando a falta de

planejamento ou desconhecimento da aptidão agrícola das terras.

Do ponto de vista econômico, o uso atual do solo pode não estar sendo viável

aos agricultores, pois estes poderiam estar trabalhando com culturas mais rentáveis,

melhorando até mesmo a qualidade das pastagens, o que se traduziria em maior

capacidade de suporte, aumentando assim, a produção de leite.

As condições de manejo do solo na bacia hidrográfica foram monitoradas “in

loco” por Gomes (2005), tendo sido possível perceber a inexistência de práticas de

manejo conservacionista, como plantio em nível, terraços, cordões de contorno,

rotação do pastejo, controle de erosão nas estradas, dentre outras. Pôde-se verificar

ainda, a adoção de queimadas como técnica de limpeza, permitindo inferir que, além

4 Elaborado por Giarola et al. (1997).

da subutilização em que as terras se encontram, os agricultores que nelas trabalham,

contribuem paulatinamente para a degradação do solo.

Outro fato que chama a atenção é a inexistência de mata ciliar ao longo da rede

de drenagem e a pouca cobertura vegetal nas proximidades das nascentes,

restringindo-se à presença de pequenos fragmentos. Visualiza-se na área de recarga

de duas nascentes, a presença de lavoura de milho, na qual não foi constatada

adoção de práticas de manejo conservacionista, o que pode ser um indício de que

estas nascentes estão sendo assoreadas, não descartando-se sua contaminação

diretamente por agro-químicos carreados pelas enxurradas ou mesmo por

contaminação subterrânea. Com relação às nascentes que se encontram inseridas em

meio à pastagem, detecta-se que elas sofrem diretamente as conseqüências do

pastejo em seu entorno, detectando-se pisoteio do gado e sua utilização como

bebedouros, o que seria facilmente corrigido com o cercamento do seu entorno e

estruturação de locais mais apropriados para consumo de água pelos animais

(Gomes, 2005). Há de se ressaltar que o gado pode estar compactando o solo da área

de recarga das nascentes, o que dificultará o processo de infiltração, e por

conseqüência, reabastecimento de aqüíferos, propiciando o rebaixamento do mesmo,

além de favorecer as condições para escoamento superficial, o que consiste em perda

da capacidade de produção hídrica da bacia ao longo do ano, além de contribuir

diretamente com o assoreamento das mesmas. É de se esperar que a dinâmica de

uso do solo afete a variabilidade de alguns atributos hidrológicos do solo,

principalmente daqueles que herdam influência do manejo, caso da densidade do solo,

matéria orgânica e condutividade hidráulica saturada (Gomes, 2005).

c) Comportamento espacial de atributos hidrológicos do solo susceptíveis ao

manejo

Os mapas apresentados neste item foram elaborados por Gomes (2005). As

condições de manejo do solo podem ser observas em função da distribuição espacial

dos atributos densidade do solo (DS) e matéria orgânica (MO) (Figura 2.14), volume

total de poros (VTP) e condutividade hidráulica saturada (ko) (Figura 2.15), porosidade

drenável (µ) e capacidade de retenção de água na camada de 0-20 cm (CTA) (Figura

2.16). Os mapas foram obtidos por meio de krigagem geoestatística.

Pela gradação de cores, observa-se que há grande variabilidade para os

atributos estudados ao longo da sub-bacia. Confrontando as Figuras 2.11 (uso atual) e

2.14 (distribuição espacial da densidade do solo), observam-se menores valores da

densidade do solo nas áreas cultivadas com lavouras e sob eucalipto (1,05 g cm-3),

sendo o contrário constatado nas áreas ocupadas com pastagens (1,15 g cm-3). O

valor característico para este atributo nos Latossolos desta bacia, encontra-se próximo

de 0,95 g cm-3, sendo indício de compactação dos solos, principalmente nas áreas sob

pastejo.

Figura 2.14 Distribuição espacial dos atributos Densidade do Solo (DS) e Matéria

Orgânica (MO) na bacia hidrográfica do Ribeirão Marcela.

A região situada na parte superior esquerda da bacia (cultivada com milho),

apresenta menores valores de DS, uma vez que o preparo do solo na bacia, para

culturas anuais, vem sendo realizado com base no método convencional, com aração

seguida de 2 ou 3 gradagens, o que propicia, na superfície, redução da densidade do

solo pelo desprendimento da estrutura do solo e considerável pulverização.

Constata-se a presença de manchas claras (maior DS), nas regiões de recarga

de algumas nascentes, o que é indicativo de perturbação das condições de infiltração

e restrição ao fluxo de água em direção ao aqüífero, favorecendo o escoamento

superficial, araste de partículas, assoreamento, aumento da resistência mecânica à

penetração radicular e redução da aeração e disponibilidade de água às plantas.

Com relação à matéria orgânica, percebe-se ligeira uniformidade, com

manchas indicativas de maiores percentuais isolados ao sul no sentido leste-oeste. Na

região sudeste, tem-se a gleba ocupada com eucalipto, e a sudoeste um cerrado

denso e pouco pastejado. Em ambas as situações, há condições favoráveis ao

acumulo de matrial orgânico, culminando com maior percentual de MO. O fato de a

bacia estar ocupada, na sua maior parte, por pastagem, explica a uniformidade dos

percentuais de matéria orgânica encontrados (1,5 a 2,5 dag kg-1).

Estes fatos corroboram com a hipótese de que a densidade do solo e o teor de

matéria orgânica herdam influência do manejo empregado no uso das terras. Por isto,

tais atributos podem ser considerados bons indicadores das condições de uso,

ocupação e equilíbrio dos recursos presentes nas bacias hidrográficas, sendo

importantes para diagnóstico das condições de manejo nas mesmas.

Figura 2.15 Variabilidade espacial dos atributos hidrológicos Volume Total de Poros

(VTP) e condutividade hidráulica saturada (k0) na bacia hidrográfica do Ribeirão

Marcela.

Figura 2.16 Variabilidade espacial dos atributos hidrológicos porosidade drenável (µ) e

Capacidade de Armazenamento (CTA) na bacia hidrográfica do Ribeirão Marcela.

A variabilidade observada nas Figuras 2.15 e 2.16 para os atributos

hidrológicos porosidade total, condutividade hidráulica saturada, porosidade drenável e

capacidade total de retenção de água, é função da interação da variabilidade

intrínseca e extrínseca, não sendo possível quantificar a contribuição isolada de uma

ou de outra. A variabilidade intrínseca é condicionada pela mudança, ainda que

pequena, de atributos do solo, em função das diferentes unidades pedológicas

presentes e a variações, dentro das próprias unidades, tais como relevo, cujas cotas

mais baixas na parte sul da bacia (caso particular da bacia em estudo) ou ao longo

das várzeas, condiciona o acúmulo de matéria orgânica, favorece a presença de maior

umidade, tornando os solos mais susceptíveis à compactação, o que por sua vez

reduziria o volume total de poros, afetando assim o fluxo de água.

A distribuição espacial da densidade do solo e da VTP evidencia a

predominância da variabilidade extrínseca existente entre estes dois atributos.

Visualizam-se maiores valores para a VTP, em regiões de menor densidade do solo,

sendo o contrário também verdadeiro. Segundo Gomes (2005), esta gleba estava sob

vegetação natural até o ano 2000 e esporadicamente era pastejada. A partir de então,

passou a ser ocupada com culturas anuais. Em função do pouco tempo de uso com

atividades agrícolas, a densidade do solo, até o ano de 2005, ainda não foi alterada

pelas operações motomecanizadas que ali ocorrem.

A variabilidade espacial da condutividade hidráulica saturada pode ser

visualizada na Figura 2.15. A gradação de cores é fortemente pronunciada,

destacando-se valores na faixa de 0,55; 0,60; 0,65 e 0,70 m dia-1 respectivamente.

Predomina o valor de 0,55 m dia-1 no sentido sudoeste – centro e o valor de 0,7 m dia-1

ao sul. Alguns trabalhos têm classificado solos com valores de k0 superiores a 0,72 m

dia-1 como solos de muito alta condutividade hidráulica; valores entre 0,36 e 0,72 m

dia-1, solos de alta condutividade; valores entre 0,12 e 0,36 m dia-1 média e menores

que 0,12 m dia-1 baixa condutividade. Quando os valores de condutividade

encontrados são comparados às classes propostas, verifica-se que os solos da bacia

hidrográfica possuem alta condutividade hidráulica, sendo uma sub-bacia com alta

propensão à infiltração e com elevado potencial para recarga de aqüíferos e

manutenção do escoamento base.

Confrontando-se o mapa de solos com o de k0, constata-se que os maiores

valores de k0 encontram-se na área de Latossolo Vermelho Distrófico típico, o que

também pode estar relacionado com fatores pedogenéticos e de formação desta

classe de solo. É sabido que a orientação do material de origem deste solo (granito-

gnaisse) na bacia hidrográfica influenciou neste processo. No caso deste Latossolo, o

material está orientado verticalmente, favorecendo uma maior drenagem natural e a

formação de hematita, que confere cor mais avermelhada ao solo. Para a outra classe

de Latossolo da bacia (Latossolo Amarelo), o material de origem, apesar de ser o

mesmo, está orientado de forma horizontalizada, dificultando o processo de drenagem

interna e produzindo um ambiente diferenciado, privilegiando a formação de goethita,

caracterizando cores mais amareladas. Em termos de manejo, dentro da hidrologia,

espera-se, por exemplo, que em nascentes sob o Latossolo Vermelho, haja maior

condição para recarga de aqüífero, favorecendo a produção de água nestas áreas, as

quais devem, portanto, ser manejadas com maior critério.

A porosidade drenável (µ) apresenta comportamento bem característico,

crescendo no sentido leste-oeste da bacia hidrográfica, com predomínio do Latossolo

mais avermelhado nesta região. Este atributo é fundamental para o entendimento das

condições hidrológicas da bacia, pois está intimamente ligado à recarga de aqüíferos e

geração do escoamento subterrâneo.

A capacidade total de armazenamento (CTA) é um dos atributos físico-hídricos

do solo de maior importância, pois além de garantir suprimento hídrico às plantas, diz

o quanto de água o solo pode armazenar a uma certa profundidade, por um

determinado período, o que interfere na freqüência das irrigações. Pode-se dizer que a

CTA é função da interação de todos os outros atributos discutidos anteriormente.

Especialistas relatam que a disponibilidade total de água de um solo de textura

fina, deve estar entre 1,2 a 2,4 mm de água por cm de solo, o que equivale a uma

capacidade total de armazenamento (CTA) entre 18 a 36 mm para uma camada de 15

cm de solo. Pela Figura 2.16, constata-se que a CTA da bacia hidrográfica, para a

camada de 15 cm de solo, encontra-se entre 22 a 28 mm, destacando-se a região

nordeste da bacia. Na parte sul, no sentido sudeste-sudoeste, percebe-se também

uma faixa de maior CTA. Neste sentido, tem-se terras cultivadas com eucalipto e

cerrado mais denso, propiciando maiores percentuais de matéria orgânica, o que

confere ao solo maior capacidade total de armazenamento.

Este estudo de caso tem por objetivo direcionar os levantamentos pedológico e

hidrológico dentro da sub-bacia para indicar áreas com potencial para sofrer

degradação ambiental, fruto das ações antrópicas de uso agrícola do solo.

Evidentemente, as observações desenvolvidas não esgotam a análise e sim, fornecem

subsídios para engenheiros e técnicos conduzirem suas ações, propiciando uso

sustentado da bacia hidrográfica.

Referências Bibliográficas

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3 CICLOS HIDROLÓGICO E HIDROSSEDIMENTOLÓGICO

3.1 Ciclo Hidrológico

3.1.1 Definição

O ciclo hidrológico corresponde à dinâmica da água no meio físico,

compreendendo seus diferentes estados físicos (líquido, vapor e sólido), ocupando

diferentes ambientes terrestres, tais como solo, atmosfera, leitos naturais de corpos

d´água, montanhas e outros. A fonte básica de energia que torna o ciclo possível

provém do sol, na forma de radiação solar.

Esta dinâmica pode ser analisada em escala global, continental, grandes

bacias hidrográficas que drenam áreas em diferentes países, como a Bacia

Amazônica, Bacia do Rio Nilo, Bacia do Rio Paraná e outras bacias hidrográficas que

drenam áreas em diferentes estados da federação, como os Rios Grande, São

Francisco e Tietê, e bacias hidrográficas com áreas de drenagem de centenas de

hectares, como a do Ribeirão Marcela, mencionada no capítulo anterior, ou

microbacias com algumas dezenas de hectares, as quais constituem-se em

laboratórios para estudos da hidrologia de campo, bem como estudos mais avançados

na área de modelagem hidrossedimentológica. Enfim, o ciclo hidrológico pode ser

concebido em diversas áreas de drenagem, variando de acordo com os objetivos

técnicos, científicos e disponibilidade de recursos e equipamentos para

monitoramento.

O ciclo hidrológico pode ser mais bem entendido e estudado quando se tem

como referência uma bacia hidrográfica de menor magnitude, onde os componentes

possam ser devidamente estabelecidos por meio de monitoramento. Na Figura 3.1

está esquematizado o ciclo da água com seus componentes principais, tendo-se uma

bacia hidrográfica como referência.

O principal componente de entrada do ciclo hidrológico é a precipitação, seja

na forma de chuva seja na forma de neve. A partir da precipitação, parte da água pode

ser interceptada pela cobertura vegetal, cuja quantidade depende das características

da mesma (especificamente, o Índice de Área Foliar), retida pelas folhagens, escorrer

pelos troncos das árvores e atingir o solo ou sofrer evaporação direta. Existem muitas

controvérsias a respeito da importância da interceptação no ciclo hidrológico, havendo

ainda poucas respostas científicas para a questão.

A parte da precipitação que passa pela cobertura vegetal, ao atingir a

superfície do solo, é dividida em duas parcelas: uma que infiltra no solo e outra que

gera escoamento superficial direto (enxurrada). A parcela que infiltra tem uma função

ambiental e agronômica extremamente importante, porque fornece água para as

plantas através da fração retida pela matriz do solo e a outra fração, não retida,

possibilita a recarga de aqüíferos e abastecimento de nascentes, sendo responsável

direta pela manutenção do escoamento base (ou subterrâneo) na bacia durante os

períodos de déficit hídrico, parcela fundamental para o desenvolvimento de atividades

produtivas, de abastecimento e gestão ambiental.

A parcela que escoa pela superfície, impulsionada pela gravidade, é a principal

responsável pelo transporte de sedimentos, e corresponde a uma fração da

precipitação que pode provocar danos ao ambiente da bacia hidrográfica,

representando perda de água bem como solo agricultável e insumos agrícolas, o que

invariavelmente, contamina corpos d’água na bacia, reduz o potencial agrícola das

terras e aumenta a propensão da bacia a cheias devido ao assoreamento dos corpos

d’água. O escoamento superficial direto também possui algumas outras

nomenclaturas, como deflúvio superficial ou enxurrada, termos estes bastante comuns

na hidrologia.

Figura 3.1 Representação do ciclo hidrológico e seus principais componentes.

Para fechar o ciclo, a água absorvida pelas plantas e aquela presente no solo,

sofrem um processo conjunto conhecido como evapotranspiração (evaporação da

água direta do solo e transpiração das plantas, a partir de seus mecanismos

fisiológicos), que é a transferência da água, na forma de vapor, para a atmosfera,

mediante consumo de energia solar. A parcela do ciclo hidrológico associada à

evapotranspiração é substancial, podendo representar até 60% do ciclo. Infelizmente,

são poucos os estudos “in situ” sobre a evapotranspiração em bacias hidrográficas,

dificultando um melhor entendimento da dinâmica da água na mesma.

Ao se analisar os componentes do ciclo hidrológico na Figura 3.1, constata-se

que o papel do homem como usuário dos recursos naturais em uma bacia hidrográfica

(solo, água e vegetação natural), pode desencadear alterações em um ou mais dos

componentes, gerando mudanças no ciclo hidrológico, via de regra, culminando com

redução da capacidade de infiltração e aumento do escoamento superficial com

conseqüente aumento da erosão. Isto significa que, ao se utilizar práticas pouco

conservacionistas, haverá não somente perda de solo, mas também de água pelo

aumento da parcela que escoa. Isto implica, necessariamente, em menor recarga

subterrânea e menor disponibilidade de água.

3.1.2 Equacionamento do Balanço Hídrico

Com base na dinâmica da água apresentada na Figura 3.1, pode-se chegar a

uma equação para o balanço hídrico numa bacia hidrográfica, para um determinado

intervalo de tempo, a qual apresenta-se a seguir.

bsub ESETALpEESdSiLcP ++∆++++=+

(1)

Em que:

- P = precipitação;

- Lc = capilaridade;

- Si = Interceptação;

- ESd = escoamento superficial direto;

- Esub = escoamento sub-superficial;

- Lp = percolação;

- ∆A = variação de armazenamento de água no solo;

- ET = evapotranspiração;

- ESb = escoamento subterrâneo (ou base)

Normalmente, deseja-se estudar o comportamento da evapotranspiração na

bacia hidrográfica ou simular o escoamento superficial, o qual é composto pela soma

dos escoamentos (ESd + Esub +ESb). Um modelo de simulação hidrológica é passível

de ajuste de forma que cada membro da equação acima possa ser representado por

um modelo específico que melhor se ajusta aos objetivos da simulação.

Cada um dos componentes da equação 1 pode ser medido por uma

aparelhagem específica, como o escoamento superficial por linígrafos associados a

calhas, vertedores ou estações fluviométricas5, a umidade do solo, para determinação

do armazenamento de água no solo, por tensiômetros, as lâminas percolada e capilar,

por piezômetros, a precipitação por pluviômetros ou estações climatológicas, a

interceptação por diferença entre a precipitação total e pluviômetros distribuídos no

interior da vegetação e assim sucessivamente. No entanto, a evapotranspiração numa

bacia hidrográfica pode apenas ser estimada com base em modelos empíricos, como

os de Pennam-Monteith ou Priesly-Taylor6. Assim, observa-se a necessidade de se

estudar esta variável de forma mais precisa, haja vista sua íntima relação com as 5 Maiores detalhes sobre hidrometria no Capítulo “Escoamento Superficial”. 6 Detalhes destes modelos no Capítulo “Evapotranspiração”.

condições de umidade do solo, demanda atmosférica e características fisiológicas.

Tomando-se a evapotranspiração como variável dependente, a equação 1 pode ser

simplificada em:

( ) AEStLcLpSiPET ∆−−−−−=

(2)

A diferença Lp – Lc pode ser obtida por piezômetros ou poços de observação do

aqüífero ou se a camada de monitoramento estiver consideravelmente distante da

superfície do aqüífero, pode-se considerá-la desprezível. Os escoamentos podem se

resumir ao escoamento superficial total, uma vez que o monitoramento na seção de

controle da bacia compreenderá todos os contribuintes do mesmo, não sendo

necessário avaliá-los separadamente para análise do deflúvio médio associado a um

intervalo de tempo. A equação 2 pode, então, ser reescrita da seguinte forma:

AEStSiPET ∆−−−=

(3)

É importante destacar o intervalo de tempo para o qual se deseja estudar o

balanço hídrico. Assim, quando se busca a um estudo em escala menor que a anual, é

necessário estudar a variação do armazenamento de água no solo, ficando o mesmo

da seguinte forma:

1tt AAA −−=∆

(4)

Em que At é o armazenamento no tempo t e At-1 no tempo anterior a t. Os

tempos t e t-1 podem ser dias, semanas ou meses. No entanto, quando se busca a um

estudo anual da evapotranspiração na bacia hidrográfica, é plausível admitir que a

variação de armazenamento é nula ao longo do ano hidrológico, uma vez que haverá

compensação entre os períodos em que esta for negativa (período de déficit hídrico) e

os períodos em que for positiva (período de chuvas). Na Figura 3.2 é possível

visualizar o comportamento médio esperado da variação do armazenamento de água

no solo ao longo do ano hidrológico.

Figura 3.2 Comportamento esperado da variação do armazenamento de água no solo

ao longo do ano hidrológico.

Com esta consideração, o balanço hídrico numa bacia hidrográfica pode ser

realizado, com algumas restrições, por:

EStSiPET −−=

(5)

A diferença P-Si é contabilizada por estações meteorológicas ou pluviômetros

acima e abaixo do dossel para o ano todo e ESt, em lâmina, obtido por:

cahidrográfi bacia da Área

tempo QES t

×=

(6)

A vazão a ser usada é o valor médio anual oriundo de monitoramento das

vazões e é conhecida como deflúvio médio anual. Com isto, torna-se

consideravelmente simples estudar o balanço hídrico em uma bacia hidrográfica se a

escala de tempo for anual e houver disponibilidade de dados hidrométricos e

pluviométricos.

Na Tabela 3.1 apresentada a seguir, consta o balanço hídrico médio anual das

principais bacias hidrográficas brasileiras, bem como a relação entre o deflúvio e o

total precipitado, o qual, nesta situação, diz respeito à capacidade de geração de

escoamento total na bacia. Observa-se que bacias geograficamente localizadas na

região Nordeste e próxima a esta, como Atlântico Nordeste e São Francisco,

apresentam os menores coeficientes, sendo que pouco mais de 10% da precipitação é

convertida em escoamento. Neste caso, a evapotranspiração proporcionalmente ao

total precipitado, corresponde a uma grande parcela do ciclo, com maior

representatividade do que em bacias consideradas úmidas, como as das regiões Norte

e Sul/Sudeste do Brasil.

Tabela 3.1 Balanço hídrico das principais bacias hidrográficas do Brasil.

Bacia Precipitação

(mm)

Deflúvio

(mm)

Evapotranspiração

(mm)

C

Amazônica 2544,18 1042,26 1501,92 0,409

Tocantins 1765,81 470,75 1295,06 0,267

Atlântico Norte 2135,60 781,88 1353,70 0,366

Atlântico Nordeste 1121,23 125,42 995,81 0,112

São Francisco 986,32 151,21 835,11 0,153

Paraná 1436,02 402,74 1033,28 0,280

Uruguai 1698,87 715,76 983,11 0,421

Atlântico Sul 1480,36 643,39 836,97 0,435

C = deflúvio/precipitação; Fonte: Tundisi (2003).

3.2 Ciclo Hidrossedimentológico

Este processo não é, na sua essência, um ciclo, uma vez que o solo perdido

por erosão não retorna ao seu local de origem. É, portanto, um “ciclo aberto”.

A erosão hídrica é a principal forma de erosão na maioria dos países,

especialmente os tropicais, sendo a água, associada às suas fases no ciclo

hidrológico, o mecanismo principal de geração e transporte do solo erodido. Assim,

conforme destacado, a chuva além de ser o principal componente de entrada do ciclo

da água, propicia o início do processo erosivo, provocando desprendimento de solo

pelo impacto de gotas, as quais exercem um trabalho transformando energia potencial

em cinética, com desprendimento de pequenas partículas de solo. Além disto, o

salpicamento, que consiste no deslocamento das partículas soltas pelo impacto das

gotas, é a primeira fase do ciclo hidrossedimentológico, onde tais partículas são

lançadas a distâncias de até 2,0 m do seu local de origem, apenas pelo salpicamento,

especialmente no sentido do declive.

A partir do excesso de chuva ou sua elevada intensidade, ocorre a formação de

uma pequena lâmina d`água na superfície do solo, a qual, impulsionada pela

gravidade, forma escoamento na forma de enxurrada. Esta enxurrada, à medida que

se concentra em alguns trechos da superfície, adquirem cada vez mais energia,

provocando, além de erosão propriamente dita, conhecida como erosão laminar, pela

ação de forças horizontais sobre as partículas de solo e turbulência do escoamento

pelo contínuo impacto de gotas de chuva sobre a enxurrada, exerce função de

transporte dos sedimentos, sendo esta a segunda fase do ciclo.

O escoamento proveniente das encostas, transportando sedimentos, encontra

sulcos constituintes da rede de drenagem das bacias hidrográficas, e inicia-se assim, o

processo de transporte de sedimentos e escoamento nos sulcos de drenagem, os

quais também produzem erosão pela ação de forças de cisalhamento sobre o canal. O

transporte de sedimentos nos sulcos ou corpos d`água existe quando a capacidade de

transporte de sedimentos, exercida pelo escoamento (energia hidráulica), supera a

carga de sedimentos carreados até os mesmos. Em caso contrário, ocorrerá um

processo de decantação dos sedimentos em suspensão pela ação da gravidade,

sendo esta a terceira fase do ciclo hidrossedimentológico. Neste caso, o transporte de

sedimentos em suspensão não mais existe e ocorre apenas o transporte por arraste

no fundo dos leitos.

A partir da decantação de sedimentos em suspensão ocorrerá um processo de

deposição de partículas. Nesta fase, já não ocorre mais translocação de material, com

o mesmo acumulando-se no fundo dos leitos, iniciando-se a fase de assoreamento, a

qual é concluída através de um processo conhecido como consolidação, sendo estes

dois últimos (deposição e consolidação), as etapas finais do ciclo

hidrossedimentológico.

Na Figura 3.3 está apresentado um esquema fluvial, tendo-se como referência

uma bacia hidrográfica. Desta Figura, observa-se que a trajetória do escoamento e a

distribuição dos sedimentos podem, em termos genéricos, apresentar-se em 3 etapas

no espaço: nas “vertentes” ou “bacias de cabeceiras”, com predomínio de material

mais grosseiro no leito e um processo de escavação vertical do leito, sendo este

profundo e pouco largo; na fase conhecida como “calha”, há maior acúmulo de água

no rio que na fase anterior, com velocidade do escoamento menor (menor

declividade), sendo uma fase de transição. Inicia-se o processo de sedimentação de

partículas, com ligeiro assoreamento do leito. Na última fase, conhecida como “várzea”

ou “planície aluvial”, verifica-se grande acúmulo de material no leito do rio, havendo

alargamento da seção e redução da profundidade. O fundo do rio, nesta etapa,

normalmente apresenta material de textura fina (argila e silte) e a velocidade do

escoamento é baixa, uma vez que este estará próximo ao seu ponto de deságüe.

Figura 3.3 Comportamento fluvial numa bacia hidrográfica (Adaptado de Bordas &

Semmelmann, 2001).

Referências Bibliográficas

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