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1.º aula EAD; 3ºano Tema: Estética Problema Filosófico? Podemos definir a arte? Quais são as suas concepções? Isto é arte? O conceito de belo, como já discutimos, é eminentemente histórico. Cada época e cada cultura têm seu padrão de beleza próprio. Na contemporaneidade, exemplificada pela obra de Leda Catunda, é comum a incorporação do cotidiano, do efêmero e dos valores difundidos pelos meios de comunicação de massa ao universo da arte. Neste trabalho, o cotidiano nos é dado pelo material sobre o qual a pintura foi feita: o cobertor com estampa de onça é a realidade concreta, compartilhada pelo observador/público. A arte grega e o conceito de naturalismo O naturalismo constitui uma noção fundamental que marcou profundamente grande parte da arte ocidental, da antiga Grécia até o final do século XIX, com uma única interrupção, durante a Idade Média. (Grupo de Laocoonte – Cópia romana possivelmente de Hagesandro, Atenodoro e Polidoro de Rodes – Séc. I d.C. – Mármore – Altura: 2,13 m – Museus do Vaticano, Roma) Conceito de naturalismo O naturalismo, segundo Harold Osborne, pode ser definido como a ambição de colocar diante do observador uma semelhança convincente das aparências reais das coisas. A admiração pela obra de arte, nessa perspectiva, advém da habilidade do artista em fazer a obra parecer ser o que não é, parecer ser a realidade e não a representação. Na atitude naturalista, podemos distinguir algumas variações, dentre as quais as mais importantes são o realismo e o idealismo.

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1.º aula EAD; 3ºano Tema: Estética Problema Filosófico? Podemos definir a arte? Quais são as suas concepções?

Isto é arte? O conceito de belo, como já discutimos, é eminentemente histórico. Cada época e cada cultura têm seu padrão de beleza próprio. Na contemporaneidade, exemplificada pela obra de Leda Catunda, é comum a incorporação do cotidiano, do efêmero e dos valores difundidos pelos meios de comunicação de massa ao universo da arte. Neste trabalho, o cotidiano nos é dado pelo material sobre o qual a pintura foi feita: o cobertor com estampa de onça é a realidade concreta, compartilhada pelo observador/público.

A arte grega e o conceito de naturalismo O naturalismo constitui uma noção fundamental que marcou profundamente grande parte da arte ocidental, da antiga Grécia até o final do século XIX, com uma única interrupção, durante a Idade Média.

(Grupo de Laocoonte – Cópia romana possivelmente de Hagesandro, Atenodoro e Polidoro de Rodes – Séc. I d.C. – Mármore – Altura: 2,13 m – Museus do Vaticano, Roma) • Conceito de naturalismo

O naturalismo, segundo Harold Osborne, pode ser definido como a ambição de colocar diante do observador uma semelhança convincente das aparências reais das coisas. A admiração pela obra de arte, nessa perspectiva, advém da habilidade do artista em fazer a obra parecer ser o que não é, parecer ser a realidade e não a representação. Na atitude naturalista, podemos distinguir algumas variações, dentre as quais as mais importantes são o realismo e o idealismo.

O realismo mostra o mundo como ele é, nem melhor nem pior. É característico, por exemplo, da arte renascentista do século XV. Já o idealismo retrata o mundo nas suas condições mais favoráveis. Na verdade, mostra o mundo como desejaríamos que fosse, melhorando e aperfeiçoando o real. É o padrão da arte grega, que não retrata pessoas reais, mas pessoas idealizadas. Foram os gregos que elaboraram a teoria das proporções do corpo humano usadas para qualquer representação, em pintura ou escultura, qualquer que fosse a realidade do modelo. O rosto, por exemplo, era dividido em três partes de igual tamanho: um terço seria ocupado pela testa, um terço pelos olhos e nariz, e o terço restante, pela boca e pelo queixo. O naturalismo foi uma atitude dominante na arte ocidental por muitos séculos, com exceção, como veremos, do período medieval. Com o movimento impressionista, no século XIX, houve outra ruptura com essa atitude, pois os artistas passaram a dar primazia às variações da luz e não aos objetos representados. Essa mudança de atitude se deve, em parte, ao aparecimento do "bisavó' da máquina fotográfico da guerra o tipo-, que fixa as imagens do mundo de forma mais rápida, econômica e precisa do que a tela pintada. Por essa razão, os artistas, principalmente os pintores, tiveram de repensar a função da arte e o espaço específico da pintura. • O naturalismo na arte grega

Na Grécia Antiga não havia a ideia de artista no sentido que hoje empregamos, uma vez que a arte estava integrada à vida. As obras de arte dessa época eram utensílios (vasos, ânforas, copos), edificações (templos) ou instrumentos educacionais. O artífice que os produzia era considerado um trabalhador manual, do mesmo nível do agricultor ou do ferramenteiro. Ele era um artesão, tinha domínio de numa sociedade que considerava o trabalho manual indigno.

Tékhne Em grego, abrange tanto a habilidade manual em fazer alguma coisa, principalmente em metal, como o saber fazer e as profissões ligadas ao trabalho manual. Designava também a arte, para a qual não havia um nome específico, uma vez que ela envolvia esse "saber fazer" manual. Hoje, a técnica se distingue da arte por sua eficácia impessoal. Um objeto técnico pode ser fabricado por qualquer indivíduo competente e adequadamente equipado.

(VASO GREGO/imagem: Google) Platão (séc. V a.C.) recusa-se a dar valor autônomo ao que chamamos de arte. Para ele, existe uma ordem metafísica e ética no mundo, sendo tarefa da filosofia descobri-la por meio do pensamento racional. A arte só poderia ter valor se representasse corretamente essa ordem ou

nos ajudasse a agir de acordo com ela. Contudo, Platão reconhece o poder da poesia sobre a alma humana e dá indícios de que aprecia os prazeres que ela proporciona. Com relação à beleza, termo que ele usa com muitos sentidos diferentes, entre eles desejabilidade, valor de troca e agradabilidade à visão e à audição, ela não está relacionada às artes. Platão critica, inclusive, os sofistas e os retóricos por não saberem fazer a distinção entre o que é belo porque dá prazer, do que é genuinamente bom e benéfico. Para ele, a beleza em si é uma forma, acessível somente ao intelecto. Platão faz a crítica da beleza no mundo sensível, dizendo que é variável (algo pode ser belo em um momento e não em outro), e é relativa (algo é belo em relação a algum aspecto mas não a outros; é belo para um observador e não o é para outro). Do outro lado, a beleza como forma não é variável - "sempre é: não se torna, nem acaba, não brilha, nem desvanece" (Symposium 21Ia). Nesse período (sécs. V e IV a.C.), a função da arte era criar imagens de coisas reais, que tivessem aparência de realidade. Para que esse objetivo fosse atingido, foram desenvolvidas técnicas que permitiam produzir cópias da aparência visível das coisas. Há várias anedotas que ilustram bem isso, embora poucos exemplares da pintura grega tenham chegado até nós. Dizem que Apeles pintou um cavalo com tanto realismo que cavalos vivos relinchavam ao vê-lo. Outra história conta que Parrásio pintou uvas tão reais que passarinhos tentavam bicá-las. Na verdade, talvez essas pinturas só possam ser consideradas realistas em relação à estilização da pintura que a precedeu ou à pintura egípcia, por exemplo. Por outro lado, temos de admirar a fidelidade anatômica das esculturas gregas, tais como a Vitória de Samotrácia e o Discóbulo. Essa atitude perante a arte está fundada sobre o conceito de mímese. Para Platão, a mímese seria a imitação não da ideia (essência universal) da coisa, mas tão somente de sua aparência, isto é, de um objeto concreto e particular. Além disso, só se pode imitar algo a partir de um ponto de vista, não de todos, fazendo com que a imitação não seja exata, mas parcial. Portanto, ela está longe da verdade. No polo oposto, Aristóteles afirma que a mimese é natural para as pessoas desde a infância, por ser um modo de aprendizado. A mímese resulta em conhecimento porque copia corretamente o objeto e o simplifica. No que diz respeito à tragédia, ela é a mímese de uma ação, de um acontecimento, e não das paixões. É um processo ativo de seleção de partes para apresentação. Não é passivo, cópia automática, como supunha Platão. Aristóteles traz de volta a necessidade da habilidade para se fazer poesia: o poeta é um compositor-criador de tramas, e não de versos. Embora a poesia não seja mímese do universal, Aristóteles sustenta que, mesmo que os objetos da mímese não sejam universais, eles podem resultar em um processo que apresente universais, porque a tragédia não trata de assuntos banais.

(IMAGEM: GOOGLE) Entretanto, é no sentido de cópia ou reprodução exata e fiel da realidade que a palavra mímese

passa a ser adotada pela teoria naturalista. E as obras de arte, nessa perspectiva, são avaliadas segundo o padrão de correção estabelecido por Platão: Mímese. Do grego, mímesis,

normalmente traduzida por "imitação", significava muito mais que isso para os gregos. Para Platão, as palavras "imitam a realidade". Nesse caso, a tradução mais correta pa ra mímese

talvez fosse "representar", e não "imitar". Para Aristóteles, a arte "imita" a natureza. Arte, para ele, no entanto, englobava todos os ofícios manuais, indo da agricultura ao que hoje chamamos de belas-artes. Por isso, a arte, enquanto poiésis, ou seja, "construção", "criação a partir do nada", "passagem do não ser ao ser", imita a natureza no ato de criar, e não a aparência das coisas. A estética medieval e a estilização Na Europa ocidental, durante a Idade Média, não houve grande interesse pelas artes, consideradas coisas terrenas ligadas à cultura pagã, capazes de prejudicar o fortalecimento da alma e do espírito. Entretanto, em virtude do analfabetismo generalizado das populações dos feudos, a Igreja Católica utilizou-se da pintura e da escultura para fins didáticos, ou seja, para ensinar a religião e infundir o temor do julgamento final e das penas do inferno. As obras de arte assumiram a condição de símbolos que manifestavam a natureza divina e canalizavam a devoção do homem para a divindade suprema. Por isso, a postura naturalista é abandonada em prol da estilização, isto é, da simplificação dos traços, da esquematização das figuras e do desapego aos detalhes individualizantes. A estilização respondia melhor à necessidade de universalização dos princípios da religião cristã. A arte bizantina do mesmo período mostrava extraordinária homogeneidade a partir de sua codificação, no século VI, até a queda de Constantinopla, em 1453. Preocupada com a expressão religiosa e com a tradução da teologia em forma de arte, a Igreja Ortodoxa bizantina padronizou a expressão artística, abolindo a representação do volume em pinturas e mosaicos, preferindo as figuras chapadas, cujas vestes possuíam linhas sinuosas. Mantidas suas características próprias, tanto no Ocidente quanto no Império Bizantino prevaleceu a ideia de que a beleza não era um valor independente dos outros, mas o refulgir da verdade no símbolo. A obra de arte, assim, nos permitiria alcançar a visão direta da perfeição da natureza divina. Desse ponto de vista, a beleza era uma qualidade mais bem apreendida pela razão do que pelos sentidos, e correspondia ao pensamento religioso dessa época, marcado pelo desejo de ascender do mundo sensual das sombras, das aparências, à contemplação direta da perfeição divina

• Agostinho

Agostinho (354-430) ultrapassou a noção da mímese platônica porque considerava a arte humana um símbolo do significado da arte de Deus. À pergunta: "Uma coisa é bonita porque nos agrada ou nos agrada porque é bonita?", ele responde: 'Agrada porque é bonita'. Agostinho elaborou "uma rigorosa teoria do belo como regularidade geométrica'. Ao tratar da ordem e da música, considera o número como medida de comparação que leva à ordenação das partes iguais dentro de um todo integrado e harmônico. O gosto pela proporção, o próprio conceito de beleza como ordenação dos objetos ao que deve ser, pressupõe um conceito anterior da ordem

ideal, dado por iluminação divina. Não podemos esquecer das origens platônicas do pensamento aristotélico em que o ideal precede o real, este mera cópia daquele. Esse conceito ideal de beleza fundamenta a objetividade do julgamento da beleza real, concreta, e é fonte das normas para a produção do belo. • Tomás de Aquino

Coube a Santo Tomás de Aquino (séc. XIII) retomar o pensamento de Aristóteles, ao qual teve acesso por meio das traduções árabes, e recuperar o mundo sensível que havia sido considerado fonte de pecado durante quase toda a Idade Média. Adaptou o conceito de "forma' que justifica a existência das coisas individuais. Afirmava que as formas dependiam de Deus e tinham a chave do Ser das coisas: são elas que conferem unidade, verdade, bondade, ou seja, que permitem que as coisas individuais possuam, por derivação, os atributos transcendentais de Deus. Se o mundo é criação de Deus, terá as marcas de sua origem e será a encarnação simbólica do lagos divino. Pode, assim, ser objeto de nossa atenção e interpretação. Como para Agostinho, beleza e bondade não eram atributos diferentes: eram modos diferentes de olhar aspectos diversos das mesmas coisas. A beleza é o aspecto agradável da bondade, pois o belo é agradável à cognição, ao passo que o bom está relacionado ao desejo. Por isso só o ser humano tem prazer nas coisas sensíveis porque sensíveis.

O naturalismo renascentista O Renascimento artístico, ocorrido entre os séculos XIV e XV na Europa, passou a dignificar o trabalho do artista ao elevá-lo à condição de trabalho intelectual. Consequentemente, a obra de arte assumiu outro lugar na cultura de então. Nesse contexto, as artes foram buscar um naturalismo crescente, mantendo estreita relação com a ciência empírica que despontava na época e fazendo uso de todas as suas descobertas e elaborações em busca do ilusionismo visual. A perspectiva científica, a teoria matemática das proporções, que possibilitam a criação da ilusão da terceira dimensão (profundidade) sobre uma superfície plana, as conquistas da astronomia, da botânica, da fisiologia e da anatomia são incorporadas às artes. Além de ser criação da inteligência e imitação da natureza, a estética renascentista era regida pela ideia de que a beleza é propriedade objetiva das coisas, consistindo na ordem, na harmonia e na proporção, expressas matematicamente. Na visão do Renascimento, a arte tinha atingido a perfeição na Antiguidade e, por isso, merecia ser estudada. O naturalismo renascentista se distingue do naturalismo grego porque faz uso das conquistas da ciência para atingir um realismo cada vez maior nas representações.

Racionalismo e academismo: a estética normativa Descartes (séc. XVII) não elaborou uma teoria estética, mas seu método e conclusões em relação à teoria do conhecimento foram decisivos no desenvolvimento da estética neoclássica. A busca da clareza conceitual, do rigor dedutivo e da certeza intuitiva dos princípios básicos invadiu o campo da teoria da arte. Combinaram-se elementos cartesianos e aristotélicos nos conceitos polissêmicos, isto é, com muitos sentidos, de razão e natureza. Artistas e críticos identificaram o seguir a natureza com o seguir a razão, uma vez que a natureza humana consiste em ser racional. Por isso, o racionalismo estético, nos séculos XVII e XVIII, tentou

estabelecer normas sólidas para o fazer artístico, mediante a dedução de um axioma fundamental e evidente por si mesmo. Esse axioma pode ser expresso nos seguintes termos: a arte é uma imitação da natureza que inclui o universal, o normativo, o essencial, o característico e o ideal. A natureza deve ser representada em abstrato, com as características da espécie. O princípio básico da arte, portanto, continua a ser a imitação, embora de cunho idealista. Posteriormente, esses princípios foram reduzidos a um sistema, dando origem ao academismo, isto é, ao classicismo ensinado pelas academias de arte. Era a chamada estética normativa, que estabeleceu regras para o fazer artístico, limitando a criatividade e a individualidade da intuição artística. O academismo acabou por estrangular a vida da atitude naturalista na arte, abrindo espaço para indagações e propostas novas.

(IMAGEM: GOOGLE)

Os empiristas ingleses Para John Locke (1637-1704), a beleza não é uma qualidade das coisas em si, é um sentimento na mente de quem as contempla. Uma vez que os julgamentos de beleza não se referem a nenhum objeto fora do sujeito, somente ao sentimento de prazer trazido à tona pela percepção do objeto, eles só se referem a si mesmos. Sua verdade ou falsidade depende apenas da presença ou da ausência de prazer na mente de quem os percebe. Parece, então, que não pode haver um padrão de gosto, pois, assumindo que somos capazes de detectar a presença e a ausência de prazer em nossas mentes, todos os julgamentos de beleza serão verdadeiros e, por isso, todos os gostos igualmente válidos. Toda a composição criada pelo artista se insere dentro de um ideal clássico em que a ordem, a clareza e a lógica são de suma importância. O grupo de pastores - dois de cada lado - encontra-se na frente de uma lápide, na mítica Arcádia, região grega símbolo da vida bucólica. A composição é racional, quase matemática, seguindo linhas diagonais precisas e planos bem organizados. David Hume (1711-1776) apresenta uma divisão do "mecanismo do gosto" em dois estágios: • o primeiro estágio é perceptivo, isto é, aquele em que percebemos qualidades nos objetos; • o segundo é um estágio afetivo, no qual sentimos o prazer da beleza ou o desprazer da

"deformação", ativados pela percepção dessas qualidades. Uma vez que passamos pelos dois estágios para chegar ao julgamento da beleza, as diferenças nesses julgamentos se dividem em duas categorias: • as que surgem somente no estágio 2 e que são puramente afetivas; • as que surgem no estágio 1, tendo, portanto, origem na percepção. Quando as diferenças de gosto são puramente afetivas, não podemos considerar um gosto superior ou inferior ao outro, como sustentava Locke. Quando, entretanto, as diferenças decorrem da percepção, podemos ter um padrão para considerar um gosto superior ao outro. Segundo ele, temos um padrão para preferir certas percepções e não outras. O fato de existirem obras de arte universais, que agradam a muitas pessoas por séculos e em várias partes do mundo, demonstra que a mente naturalmente tem prazer na percepção de certas propriedades, o que significa que a mente opera a partir de "princípios de gosto''. Hume aponta duas fontes da diferença de gosto: os diferentes humores dos indivíduos e as diferentes culturas, ou seja, as maneiras e as opiniões particulares de uma época ou país. E, por causa dessas diferenças no gosto, afirma que o padrão só existe quando juízes verdadeiros dão um veredito conjunto. Ao distinguir meras diferenças de gosto das diferenças baseadas na percepção, e ao defender que essas últimas têm um padrão na realidade da matéria, Hume oferece uma base valiosa para a compreensão das normas estéticas. Kant e a critica do juízo estético A Crítica do juízo, elaborada em 1790, é o tratado que funda a estética filosófica moderna, pois integra a teoria estética a um sistema filosófico completo cuja influência é tão clara hoje quanto nas décadas posteriores à sua publicação. O desejo de sistematização levou Kant (1724-1804) ao exame crítico da faculdade humana de sentir prazer, descobrindo o terceiro ramo da filosofia que se juntaria à filosofia teórica (metafísica) e à filosofia prática (ética), cujas bases são os princípios a priori. Kant se ocupa, em primeiro lugar, do julgamento estético, expressando de maneira lógica muitas das ideias e doutrinas dos estetas ingleses do século XVIII e modelando-as em um sistema coerente. Parte da seguinte questão: há condições a priori para se fazer julgamentos baseados no prazer, ou seja, o julgamento de que algo é belo? A epistemologia e a metafísica kantianas propõem a divisão entre sensibilidade e entendimento. "Sensibilidade é a habilidade passiva de ser afetado pelas coisas por meio das sensações:' Isso não se dá no nível do pensamento nem mesmo da experiência em qualquer sentido significativo. O entendimento, por outro lado, não é sensível. É a faculdade de produzir pensamentos. A experiência se dá pela síntese desses dois poderes da mente: a sensação material é apreendida e ordenada dentro de um conceito, resultando em um pensamento ou julgamento. Ao julgamento de que algo é belo, Kant dá o nome de "julgamento de gosto''. Ele começou por distinguir a base lógica do juízo estético da base lógica dos juízos sobre outras fontes de prazer e da base dos juízos de utilidade e de bondade. Estabeleceu, também, a distinção entre percepção estética e formas de pensamento conceitual "belo é o que agrada independentemente de um conceito", indo contra a estética cartesiana e racionalista. A seguir, dividiu a beleza em duas espécies: a beleza livre, que não depende de nenhum conceito de perfeição ou uso; e a beleza dependente desses conceitos. Os juízos estéticos, para Kant, estão relacionados à primeira espécie de beleza. • O prazer desinteressado

Para que se possa fazer o julgamento de gosto, é preciso que o objeto desse julgamento gere em nós uma satisfação ou insatisfação totalmente desinteressada, isto é, não relacionada ao uso que o objeto possa ter para nós. Quando se diz que algo é belo, diz-se que ele produz satisfação. A partir do conceito de prazer desinteressado, Kant diferencia os juízos estéticos dos juízos morais, dos juízos sobre a utilidade e dos juízos baseados no prazer dos sentidos. A experiência do belo se dá no sensível e independe de qualquer interesse de outro tipo. O gosto é a faculdade de julgar um objeto ou um modo de representação por uma satisfação ou insatisfação inteiramente independentes do interesse. Ao objeto dessa satisfação chama-se belos Para Kant, portanto, a beleza reside primordialmente na atitude desinteressada do sujeito, em relação a qualquer experiência.

• Prazer universal

Os julgamentos de gosto não podem ser demonstrados, isto é, não pode haver uma regra que force alguém a reconhecer algo como belo. Julgar a beleza implica que se sinta prazer imediatamente na experiência do objeto. O prazer pode ser universalmente comunicável se for baseado não na mera sensação, mas em um estado de espírito que seja também universalmente comunicável. E já que os únicos estados de espírito universalmente comunicáveis são os cognitivos, de algum modo o prazer do belo deve ter sua base na cognição. O julgamento de belo não faz referência a um conceito, mas é baseado na cognição em geral, isto é, no livre jogo das faculdades cognitivas: imaginação e entendimento, em mútua harmonia. Ele toma uma forma conceitual, pois definimos beleza como se fosse uma propriedade das coisas: "Isso é belo''. O prazer do belo vem da percepção da forma do objeto, em contraste com as sensações ou conceitos que ele desperta. Por isso, a estética kantiana é chamada de formalista. Julgamento. Para Kant, significa experiências que resultam em uma afirmação sobre algo ou, mais genericamente, a consciência de que acontece algo. O que garante a universalidade dos juízos estéticos é o fato de que todos os seres humanos têm a mesma faculdade de julgar, assim como a razão também é idêntica para todos. Todos sentem prazer na experiência do belo porque ele se funda no elemento subjetivo necessário ao conhecimento em geral e que todas as pessoas têm - caso contrário, não haveria comunicação. A teoria estética kantiana é sistemática e global, relacionando nossa experiência e julgamento da beleza e da arte a conceitos epistemológicos, metafísicos e éticos. Influenciou Hegel, Schiller, Schopenhauer, Nietzsche e muitos escritores e filósofos do século XX.

A estética romântica As ideias fundamentais da estética romântica, desenvolvida na Europa ao longo de um século (me ados do séc. XVIII a meados do séc. XIX), podem ser resumidas pelas expressões gênio,

imaginação criadora, originalidade, expressão, comunicação, simbolismo, emoção e sentimento. Genialidade é normalmente definida como o "conjunto de disposições naturais pelas quais um indivíduo sai do ordinário ou do comum, revelando-se alguém superdotado de um poder de criação que se manifesta no domínio das artes". "Para se julgar objetos belos, torna-se necessário o gosto; mas para as belas artes é necessário o gênio", afirma Kant. O filósofo descreveu o gênio artístico de tal maneira que influenciou os românticos, dando origem ao mito do gênio: alguém de uma pequena elite, dotado de uma extraordinária e inexplicável capacidade criativa. As ideias kantianas de que mesmo o gênio precisava fazer esforço e ser treinado e que a imaginação criativa precisa da disciplina do entendimento foram deixadas de lado. Para os românticos, a criatividade não envolvia esforço, prática ou disciplina, uma vez que sublinhavam somente seus aspectos espontâneos. Visto dessa forma, o gênio era essencialmente original e expressava sua natureza superior por meio de obras pelas quais as pessoas comuns entrariam em contato com ele e comungariam com sua personalidade.

(IMAGEM: GOOGLE) A imaginação, por sua vez, passou a ser vista como faculdade captadora de verdade, acima da razão e, às vezes, superior a ela e ao entendimento, sendo um dom especial do artista. Era, ao mesmo tempo, criadora e reveladora da natureza, dentro de uma visão romantizada do idealismo transcendental kantiano que circunscrevia a forma da experiência à capacidade configuradora da mente. É a imaginação que nos permite compreender os sentimentos dos outros e comunicar-lhes os nossos. Pelo seu poder de recombinar impressões sensíveis e dados da experiência, é fonte de invenção e originalidade. O conceito romântico de imaginação criadora não era, como vemos, um conceito psicológico, e jamais foi claramente definido. Quanto ao simbolismo, no período romântico adquire especial relevância a ideia de que a obra de arte é um símbolo, é a encarnação material de um significado espiritual. Enfim, o romantismo concebe a arte como expressão das emoções pessoais de um artista cuja personalidade genial se torna o centro de interesse. A modernidade e o formalismo A revolução estética iniciada no século XVIII, quando se propôs a atenção desinteressada como marca da percepção estética e o sentimento como forma de cognição, foi completada nos últimos cem anos, passando a apreciação estética a ser o único valor das obras de arte. Nas palavras de André Malraux, crítico francês do século XX, a Idade Média tinha tanta noção do que entendemos pelo termo arte quanto a Grécia ou o Egito, que careciam de uma palavra para exprimi-lo. Para que essa ideia pudesse nascer, foi preciso que se separassem as obras de arte de sua função. [ ... ] A metamorfose mais profunda principiou quando a arte já não tinha outra finalidade senão ela mesma. É essa independência da obra de arte tanto em relação à intenção do autor quanto a valores e propósitos não propriamente estéticos que vai caracterizar a produção do século XX. • A ruptura do naturalismo

A partir do momento em que o ser da arte não é representar naturalisticamente o mundo, nem promover valores, sejam eles sociais, morais, religiosos ou políticos, torna-se possível encontrar a especificidade da arte enquanto promotora da experiência estética. Ao lado disso, encontramos o repúdio à estética sistemática e certo ceticismo quanto às possibilidades de definição da beleza. A nova atitude estética advém do estado de espírito cauteloso, empírico e analítico que não quer generalizar, mas que se mantém atento às características individuais de cada forma de arte. Isso possibilitará a cada uma empreender experimentações, na busca da sua linguagem

específica e característica, ao discutir o papel das vanguardas. Com a dissolução da atitude naturalista, os artistas passam a menosprezar o assunto ou tema das suas obras para valorizar o fazer a obra de arte. Qualquer assunto serve, ou mesmo nenhum assunto, como é o caso da arte abstrata e da música atonal. Desse modo, a obra de arte adquire um estatuto próprio de obra, isto é, ela não tem por função representar nenhum aspecto da realidade exterior, pois ela é a própria realidade. Realidade especial, diferente da realidade do nosso cotidiano: realidade da obra de arte. Apesar de essa ruptura ter condicionado praticamente toda a produção artística do século XX, a postura naturalista continuou a predominar em outros campos, principalmente nos meios de comunicação de massa, como a tevê, o cinema, o rádio. • O formalismo

O formalismo é uma posição acerca da natureza da arte que tem implicações importantes para os limites da apreciação artística. Segundo Carrol Noel, o formalismo é a resposta historicamente situada para desenvolvimentos significativos no mundo da arte: o triunfo da música orquestral pura e o aparecimento da pintura moderna que rompera com o naturalismo. Essas novas formas artísticas ocasionaram uma grande transformação no gosto, questionando se todas as formas musicais estimulavam as emoções banais e cotidianas como o medo, a raiva, a alegria etc. Os defensores da arte moderna propunham, ao contrário, que o objeto da atenção musical deveria ser a estrutura musical. Clive Bell, famoso crítico inglês, por sua vez, negava que a pintura se limitasse à representação e às emoções associadas à representação de acontecimentos, lugares e pessoas, sustentando que o tema real de uma pintura devesse ser o que chamava de forma significativa: o jogo de arranjos surpreendentes, de linhas, cores, formas, volumes, vetores e espaço. A defesa empreendida por Bell da atitude formalista foi extremamente importante para o desenvolvimento da estética filosófica no século XX. Ao definir arte como a forma significativa, preconizava que a verdadeira obra de arte de pintura dirige-se à imaginação, estimulando o público a apreender a obra como uma configuração organizada de linhas, cores, formas, espaços etc. Rejeitou tanto a noção de que a pintura fosse uma imitação da natureza (naturalismo) como uma expressão das emoções de seu criador (expressionismo). Pode-se estender sua visão da pintura para outras artes: a música seria a apresentação temporal da forma auditiva; a dança e a arquitetura modernas têm na forma a sua principal característica; embora não se possa negar o conteúdo representacional na literatura, os formalistas russos defendiam que esse conteúdo servia a procedimentos literários como estruturas narrativas, estruturas de cada tipo de poema, alternância de pontos de vista etc. O formalismo proposto por Bell para as artes visuais, especialmente a pintura e a escultura, tornou-se uma teoria da arte bastante ampla e muito importante para a apreciação e a crítica de arte. Entretanto, podem-se fazer algumas críticas à sua abrangência. Embora seja muito adequado para a interpretação da arte moderna e de vanguarda, o formalismo não explica os ready-made, os objetos comuns selecionados e apresentados como arte a fim de provocar insights conceituais, pois eles não têm forma significativa. Além disso, o conceito de forma significativa é bastante vago para poder ser aplicado a todo tipo de arte e passar a ser um critério do que é ou não é arte.

(IMAGEM: GOOGLE)

O pós-modernismo Vivemos uma época de pós-tudo. A velocidade da transmissão da informação na sociedade pós- industrial, dominada pelos meios de comunicação de massa, pelos microcomputadores, pela internet e pela comunicação por satélites, faz surgir uma estética adequada a essas condições de vida. O pós-modernismo, movimento iniciado na arquitetura italiana dos anos 1950, coloca-se como reação à busca da universalidade e racionalidade, propondo a volta do passado por meio de materiais, formas e valores simbólicos ligados à cultura local.

Happenings. Espetáculos teatrais, sem um texto definido, que se constroem a partir da interação atores-público; Performances. Referem-se a espetáculos, seja de teatro, música ou artes visuais, que se utilizam de várias linguagens artísticas; Intervenções. Manifestações artísticas que interferem na vida da cidade.

(IMAGEM: GOOGLE) O termo, portanto, começou a ser usado por artistas, e chegou à filosofia quando os pós-estruturalistas e desconstrutivistas (Derrida, Baudrillard, Lyotard) passaram a ter grande influência nos Estados Unidos. Os filósofos pós-modernistas criticam a ideia de que se pode chegar à verdade - como as coisas são em si - por meio das faculdades naturais. Para eles, o acesso às coisas é mediado pela linguagem que constrói o que erradamente supomos ser o mundo real. São também contra a ideia de que há uma natureza humana partilhada por todos e que nos dá a racionalidade. Afirmam, ao contrário, que a racionalidade é uma construção histórica e cultural, não uma capacidade natural. Os principais postulados do pós-modernismo são: ·não é possível haver uma interpretação verdadeira de uma obra; • uma obra de arte não é boa nem tem propriedades formais intrínsecas; o mérito artístico é função das contingências históricas e culturais; • a arte e os produtos culturais humanos, em geral, moldam a cognição humana de tal maneira que se torna impossível ir além das narrativas, textos, discursos, "vocabulários" ou paradigmas dominantes a fim de estabelecer sua verdade e, desse modo, sua adequação. • Características da estética pós-moderna

A estética pós-moderna caracteriza-se pela desconstrução da forma. No romance, no cinema, no teatro não há mais uma história a ser contada ou personagens fixas. As coisas vão acontecendo, aparentemente sem ligações causais. Caracteriza-se ainda pelo pastiche e ecletismo que permitem juntarem-se as coisas mais variadas e até mesmo antagônicas na mesma obra; pelo uso da paródia, discurso paralelo que comenta e, em geral, ridiculariza o discurso principal; pelo uso da metalinguagem, isto é, da citação de outras obras; pela incorporação do cotidiano e da estética dos meios de comunicação de massa; pela efemeridade, ou pequena duração, de muitas de suas obras. Não existe um estilo único, tudo vale dentro do pós-tudo.

O pensamento estético no Brasil Na verdade, é difícil separar totalmente a atividade de crítica de arte daquela que propõe novas questões estéticas, porque o crítico também pensa a arte, não abstratamente, mas a partir de certas obras. Há críticos importantes no Brasil, que fundamentam seu trabalho em conhecimento

profundo da história da arte. Aracy Amaral, Walter Zanini, Angélica de Moraes, Lisette Lagnado, na área de artes visuais; Helena Katz, na dança; Ismail Xavier, Arnir Labaki, Jean-Claude Bernardet, no cinema; Ênio Squeff e Miguel Wisnik, na música; Mariângela Alves de Lima, no teatro; entre tantos outros. Na verdade, antes de serem críticos de arte, eles são intelectuais, às vezes também artistas, que pensam a linguagem específica à qual se dedicam, para poder analisar as características da produção em arte. De outro lado, temos a própria produção artística: artistas apresentam suas obras, instauram suas poéticas particulares, dando continuidade ao que já foi produzido, criando "famílias com similaridades" - para não se usar o termo escolas, que não têm mais sentido na contemporaneidade - ou rompendo com essa "tradição' e abrindo novos caminhos. Às vezes, esses mesmos artistas se posicionam e refletem sobre suas linhas de trabalho, escrevem manifestos, donde os termos "estética da fome", "estética tropicalista'' etc. Se levarmos em conta, entretanto, a ideia de que uma das características do filósofo é a de se posicionar criticamente diante da tradição, a fim de compreender as questões de seu tempo e elaborar um novo discurso, veremos que será somente na segunda metade do século XX que os intelectuais passarão a exercer esse papel no meio artístico brasileiro. Nesse momento, eles vão além da análise e crítica das obras ou movimentos para criar, a partir do panorama das artes de seu tempo, novas categorias de análise, indicando e discutindo a mudança de paradigmas, bem como a importância destes no contexto da cultura local e global. Entre eles, cumpre destacar a atuação de Anatol Rosenfeld e Benedito Nunes, em literatura e teatro; Mario Pedrosa, nas artes plásticas; Décio Pignatari, analisando a mídia; e José Teixeira Coelho Netto. Este último tem-se distinguido por sua produção crítica em várias áreas: teatro, arquitetura, cinema, artes visuais, de acordo com o espírito pós-moderno em que as claras fronteiras entre as artes foram derrubadas, prevalecendo a crítica da cultura como um todo. Seus textos levantam polêmicas cruciais a partir da desconstrução de paradigmas estabelecidos. Mesmo com a atuação desses pensadores, a reflexão estética no Brasil ainda não forma um corpo teórico consistente. **(Conteúdo extraído do livro didático: Filosofando – Introdução à Filosofia, São Paulo;

Moderna, 2009. Pg.437 - 449; Maria Lúcia de Arruda Aranha/ Maria Helena Pires

Martins)