124 os dias

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Sei aceitar como ninguém a inutilidade dos dias voláteis. Habituei-me à presença imposta desses dias, a que não sou capaz de dar um nome ou uma razão e é com condescendência que suporto a maldição da sua passagem. Vale-me que deles tenho as mãos lavadas, pois que se de nada me servem, se nada me ocorre das horas vasas com que se vestem, não me venha pedir por isso ninguém contas. Antes de me julgarem pelo desperdício dos meus dias sem marés, perguntem-me se os quis, (lembram-se de me ouvir implorar que me fossem dados? Quando foi que confessei que tinha, de um deles que fosse, a esperança de o viver? Nunca.)

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Page 1: 124 os dias

Sei aceitar como ninguém a inutilidade dos dias voláteis. Habituei-me à presença imposta desses dias, a que não sou capaz de dar um nome ou uma razão e é com condescendência que suporto a maldição da sua passagem. Vale-me que deles tenho as mãos lavadas, pois que se de nada me servem, se nada me ocorre das horas vasas com que se vestem, não me venha pedir por isso ninguém contas.

Antes de me julgarem pelo desperdício dos meus dias sem marés, perguntem-me se os quis, (lembram-se de me ouvir implorar que me fossem dados? Quando foi que confessei que tinha, de um deles que fosse, a esperança de o viver? Nunca.)

Os meus dias sem seiva, divergentes, deslocados, para mim tão estranhos, é aos pés que os acho e neles tropeço. Serenamente resignado com o absurdo abandono em que se espraiam.

31.07.10 Texto e fotografia: Joaquim Marques