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116 – Desafios no processo de urbanização de grandes favelas: o caso da
Rocinha, na cidade do Rio de Janeiro.
LEITÃO, Gerônimo (1)
(1)Professor Doutor
Escola de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense Programa de Pós-Graduação
em Arquitetura e Urbanismo da UFF
Rua Francisco Otaviano 60/707
Copacabana – Rio de Janeiro – RJ
CEP: 22080040_
Resumo
O artigo em questão descreve, de forma sucinta, o processo de estruturação de uma das maiores favelas
cariocas – a Rocinha, localizada na zona sul da cidade – , abordando as várias etapas da evolução da
ocupação urbana dessa comunidade. Além dessa descrição, são abordados aspectos relativos às
carências de infra-estrutura básica na Rocinha e seus impactos no ambiente construído. Por último, é
feita uma breve análise dos desafios presentes nos programas de urbanização de grandes favelas, a partir
do projeto que está sendo implementado pelo governo federal – em associação com o governo do estado
do Rio de Janeiro – nessa comunidade, dentro do conjunto de intervenções denominado PAC (Plano de
Aceleração do Crescimento).
Abstract
The article describes, in a brief way, the structuring process of one of the biggest slums of Rio de Janeiro -
Rocinha, located in the south area of the city -, focusing the several stages of the evolution of that
community's urban occupation. Are also described other aspects as the absence of basic infrastructure in
Rocinha and the impacts of this absence on the environment built. Finally, it is made a short analysis of
the present challenges in the programs of urbanization of great slums, starting from the project that is
being implemented by the federal government - in association with the government of the state of Rio de
Janeiro - in that community, inside of the group of interventions that have been denominated PAC (Plan of
Acceleration of the Growth).
Introdução
Para uns, a Rocinha é a maior favela da América Latina. Desde 1986, é uma das regiões administrativas
da cidade do Rio de Janeiro. Muitos afirmam que é uma verdadeira cidade, com vários “bairros”. Alguns
cearenses chegam mesmo a dizer que “a Rocinha é a segunda maior cidade do Ceará, depois de
Fortaleza”, tal o número de “conterrâneos” que lá vivem. São muitas as divergências quanto ao número
de moradores da Rocinha. Variadas fontes apontam números que oscilam entre 45 mil e 200 mil
habitantes.
Ocupando, atualmente, uma área de, aproximadamente, 453.440 metros quadrados, na encosta dos
morros Dois Irmãos e Laboriaux, a Rocinha limita-se na parte mais baixa com a auto-estrada Lagoa-Barra
(RJ-071) e se desenvolve até os pontos mais altos, margeando a Estrada da Gávea. O terreno ocupado
pela favela apresenta forma de concha e é constituído de uma parte plana que representa o núcleo
central, junto à entrada do Túnel Dois Irmãos, desenvolvendo-se, em seguida, por terrenos de grande
declividade até o topo do morro. Tem como vizinhos os bairros da Gávea e de São Conrado – duas áreas
residenciais das elites cariocas. Essa proximidade evidencia, especialmente para o olhar do visitante
estrangeiro, as disparidades da distribuição de renda em nosso país: afinal, não é necessário caminhar
muito mais do que um quilômetro para ir do “inferno” dos precários casebres de madeira – localizados em
áreas de risco na encosta, sem água corrente e esgoto – ao “céu” das sofisticadas lojas de um dos mais
requintados shopping-centers do Rio de Janeiro, onde é possível encontrar os mais caros artigos de
consumo.
Os dados apresentados pelo Relatório de Desenvolvimento Humano do Rio de Janeiro 1– elaborado pela
Organização das Nações Unidas, em parceria com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e a
Prefeitura – confirmam essa polarização social: a Gávea tem o segundo maior IDH (Índice de
Desenvolvimento Humano) da cidade – 0,89, numa escala de 0 a 1 –, enquanto a Rocinha tem o quarto
pior – 0,59. Quanto à educação, metade da população da Gávea tem nível superior, enquanto que
somente 2% de seus moradores são analfabetos. O oposto ocorre na Rocinha: 20% dos cidadãos que lá
vivem não sabem ler nem escrever e apenas 2% tiveram acesso a cursos universitários. Enquanto que a
escolaridade média na Gávea alcança 12 anos de estudo, na Rocinha reduz-se a quatro anos. Ainda no
campo da educação: na Gávea, apenas 5% das crianças de 7 a 14 anos estão fora da escola, porém, na
Rocinha, 25% das crianças não tem acesso à escolas.
No que se refere à renda, a disparidade é tão acentuada quanto nos índices relativos à educação: a renda
per capita da Gávea é 10 vezes maior do que a da Rocinha. Na Gávea, apenas 1% dos moradores
ganham menos de meio salário mínimo por mês. Na Rocinha, esse número alcança 41%. Na Gávea, a
renda média mensal é de R$ 2.042, na Rocinha, apenas R$ 214. A taxa de mortalidade infantil na
Rocinha é cinco vezes mais alta do que na Gávea. Os moradores desse bairro, no entanto, vivem, em
média, 13 anos a mais do que aqueles que vivem na Rocinha.
1 “Bairros vizinhos, Rocinha e Gávea são o exemplo mais gritante da miséria e riqueza cariocas”– Jornal do
Brasil, 25 de março de 2001.
Rocinha (no primeiro plano) e São Conrado (ao fundo): os extremos se encontram. (Foto do autor)
Por sua vez, no que diz respeito ao acesso à infra-estrutura de saneamento básico, 99% dos moradores
da Gávea dispõem de rede de esgoto oficial, ao passo que na Rocinha, 60% da população não possui
esgotamento sanitário adequado. Entretanto, é possível encontrar, nessa comunidade favelada, áreas
relativamente bem providas de infra-estrutura – abastecimento de água, esgotamento sanitário, vias
pavimentadas, iluminação pública –, como no caso do Bairro Barcelos (setor localizado na parte baixa do
morro, junto ao acesso do Túnel Dois Irmãos). Porém, também é possível encontrar locais de ocupação
mais recente, onde as construções são bastante precárias, desprovidas de qualquer infra-estrutura e, não
raro, situadas em áreas de risco. A Rocinha é, também, o lugar “onde as coisas acontecem primeiro”,
afirma uma liderança comunitária local, destacando os projetos inovadores de geração de renda e de
promoção social que tiveram início lá.
A área ocupada pela Rocinha possuía, originalmente, características rurais. Os primeiros registros
apontam a existência no local, em meados da década de 20, de uma grande fazenda, parcialmente
ocupada. Nessa fazenda, de propriedade da Companhia Castro Guidão, na parte mais elevada do
terreno, observava-se, ainda, a presença de uma densa floresta, remanescente da Mata Atlântica. Entre
1927 e 1930, a companhia loteou a fazenda e procedeu a venda de lotes de 270 metros quadrados a
particulares – uma conseqüência da intensificação do processo de ocupação da zona sul do Rio de
Janeiro, nesse período2.
2 Aspectos Humanos da favela carioca. Suplemento Especial de O Estado de São Paulo, 1960.
Os primeiros ocupantes desse loteamento implantado ao longo de uma tortuosa estrada de terra batida –
a atual Estrada da Gávea – eram, em sua maioria, pequenos comerciantes portugueses e operários de
fábricas situadas nas proximidades (provavelmente as fábricas de tecidos do Jardim Botânico), que aí
chegaram em 1930. Não dispondo de recursos suficientes para o cumprimento das exigências legais,
surgiram problemas financeiros que levaram a companhia imobiliária responsável pelo empreendimento à
falência (Andrade, 2002).
A falência da companhia Castro Guidão, o desinteresse dos herdeiros pelo destino do empreendimento, a
melhoria das condições de acesso à área – com a pavimentação e iluminação da Estrada da Gávea – e,
particularmente, os boatos de que essas seriam “terras do governo” ou “sem dono”, teriam sido os fatores
determinantes para o crescimento da ocupação irregular da Rocinha, tendo como origem as ruas
originalmente previstas no loteamento. Iniciou-se, desse modo, o processo de ocupação da antiga área
rural que, partindo do sopé do morro, se estenderia, ao longo dos anos, na direção dos terrenos à
montante, segundo normas não escritas, que estabeleciam limites e procedimentos para os que ali
chegavam.
De acordo com Drummond (1981), por volta de 1940, a maioria dos moradores da Rocinha ocupava,
basicamente, três áreas distintas: o trecho localizado no sopé da encosta, a faixa de terreno ao longo da
estrada da Gávea e os lotes situados naquela que é apontada como a primeira rua da comunidade, na
época, não mais do que um caminho: o Caminho do Boiadeiro. Drummond (1981) destaca que, nesse
período, as condições gerais do ambiente construído eram, ainda, bastante precárias, sendo a região
conectada à cidade, exclusivamente, através da estrada da Gávea, uma vez que o Túnel Dois Irmãos só
seria construído anos mais tarde, na década de 1970.
Em meados da década de 1940, a redemocratização do país, com o fim do regime autoritário do Estado
Novo, faria com que as favelas se tornassem importantes redutos eleitorais, o que estimulou práticas
clientelistas de políticos nestas comunidades (Andrade, 2002). Na Rocinha, há que se destacar, nesse
período, a atuação de um candidato a vereador, que se apresentava como proprietário de terras naquela
área e incentivou a ocupação de terrenos na encosta, sobretudo, por migrantes vindos do nordeste do
país (Segala, 1991).
A partir de 1950, ampliou-se a ocupação da área, ocorrendo, segundo Drummond (1981), um processo de
transformação em barracos de madeira dos abrigos precários, localizados nas áreas inicialmente
ocupadas. Nesse mesmo período, surgem, nas partes mais altas da encosta, novas e precárias
construções, com características semelhantes àquelas existentes na primeira fase de ocupação da
Rocinha: a favela prosseguia, assim, na sua expansão morro acima, tendo a estrada da Gávea e as ruas
Um, Dois, Três e Quatro como vetores de crescimento.
O primeiro recenseamento da Rocinha, realizado em 1950, aponta a existência de 4.513 habitantes numa
área que, devido à dispersão das moradias e ao caráter rarefeito da ocupação, apresentava
características distintas de outras favelas cariocas, onde se observava um maior adensamento de
edificações. A abertura do Túnel Dois Irmãos, ligando os bairros da Gávea e de São Conrado, assim
como o conjunto de túneis e vias elevadas conectando estes à Barra da Tijuca, consolidariam o papel da
Rocinha como locus da força de trabalho que contribuirá para a construção e a manutenção da “novíssima
Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro” (Abreu, 1987). Do mesmo modo, a construção de hotéis de alto
luxo e de outros empreendimentos imobiliários, no bairro vizinho de São Conrado, gerando novas
oportunidades de emprego, também contribuíram, para a expansão da favela nesse período. Muitos dos
novos moradores da Rocinha eram oriundos de outras favelas, que haviam sido removidas da zona sul da
cidade, entre meados dos anos sessenta e o início da década de 1970.
Em 1980, relata Drummond (1981), todo o espaço passível de ocupação na encosta havia sido ocupado:
na parte baixa, o casario alcançava uma densidade máxima, enquanto que moradias mais precárias
situavam-se em trechos periféricos da favela. “A favela”, afirma esse autor (1981:74), “está agora
saturada de habitantes, limitada pelas escarpas inacessíveis da encosta e pela auto-estrada que liga o
novo bairro de São Conrado à cidade”. Nos anos 1990, a expansão da Rocinha prossegue: ao mesmo
tempo em que, nos diferentes “bairros” da comunidade ocorre a verticalização das moradias existentes
com o acréscimo de novos pavimentos, outras áreas, vizinhas à favela, são ocupadas.
Há divergências no que diz respeito à quantificação do expressivo processo de crescimento populacional
da Rocinha, ao longo dos últimos trinta anos. Em 1985, segundo dados apresentados pela Pastoral de
Favelas, a Rocinha teria 250 mil habitantes3. Por sua vez, os dados referentes à população e ao número
de domicílios, divulgados pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro4 em 1993, seriam de 42.882
habitantes e de 11.947 moradias, o que, comparado com os levantamentos produzidos anteriormente pela
União Pró-Melhoramentos dos Moradores da Rocinha (UPMMR), poderia sugerir a ocorrência de um
êxodo na comunidade, o que, efetivamente, não se deu5. Os levantamentos mais recentes, do Censo
2000, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), indicam uma população de
56.313 habitantes na Rocinha. Contudo, as lideranças comunitárias locais afirmam, convictas, que
200.000, 250.000 e, até mesmo, 300.000 pessoas vivem na “maior favela da América Latina”. Ao
superestimar o número de habitantes, essas lideranças procuram reafirmar a idéia de que a Rocinha é
uma “cidade”, o que reforça, também, o peso político de suas reivindicações junto ao poder público por
investimentos e, sobretudo, em infra-estrutura.
No que diz respeito às ações do poder público, até o inicio da década de 1980, não ocorreram
intervenções significativas, no sentido de promover a melhoria das condições de vida dos moradores
locais. Em pesquisa realizada pela Prefeitura Municipal, em 1980, os principais problemas apontados
pela população da Rocinha eram, em ordem decrescente de prioridade: segurança, iluminação pública,
coleta do lixo, drenagem, esgotamento sanitário e abastecimento d’água. Os resultados desse
levantamento surpreenderam, em parte, os técnicos, que imaginavam a regularização da posse da terra
como sendo uma das reivindicações prioritárias. As informações coletadas pareciam revelar, entretanto,
que muitos dos entrevistados identificavam mudanças na relação existente entre o Estado e as
comunidades faveladas, sendo, assim, descartado o temor da remoção da favela.
No começo dos anos 1980, a relação entre o poder público e as comunidades faveladas realmente
começava a passar por alterações expressivas, decorrentes, sobretudo, do processo de redemocratização
3 “Melhorias estimulam especulação imobiliária na favela”. – Jornal do Brasil, 24 de novembro de 1985. 4 Obtidos através dos resultados preliminares do censo demográfico realizado em 1991, pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística. 5 De modo a melhor avaliar os números encontrados nessas diferentes pesquisas, seria necessário analisar
as metodologias adotadas e comparar os critérios definidos para sua realização.
em curso na sociedade brasileira. Nesse momento, em que são realizadas as primeiras eleições livres
desde 1964, para os Executivos municipal e estadual, diferentes grupos políticos destacam a necessidade
de se “resgatar a dívida social existente junto às comunidades faveladas”, através de intervenções
urbanísticas e da realização de programas de promoção social.
Essa mudança na relação do Estado com as comunidades faveladas também foi percebida pelos
moradores da Rocinha: os dados relativos a equipamentos comunitários e infra-estrutura disponível,
apresentados em relatório pelo IPLANRIO, em 1993, revelam que, em dez anos, havia ocorrido um
significativo aumento dos investimentos públicos na comunidade. O sistema de abastecimento d’água
encontrava-se parcialmente implantado, estimando-se que 80% da população tenha sido atendida por
rede pública, sendo a qualidade do sistema considerada regular. A coleta de lixo, apesar de ainda serem
observados pontos de acúmulo em alguns locais, foi ampliada, tendo sido, inclusive, criado pela
Companhia Municipal de Limpeza Urbana (COMLURB) um núcleo de atendimento aos moradores,
semelhante aos existentes em outros bairros da cidade. Em 1988, grande parte da Rocinha já dispunha
de rede de iluminação pública, implantada pela Companhia Municipal de Energia / RioLuz. No que se
refere à energia elétrica domiciliar, observava-se a existência de rede de distribuição regular da Light em
todo os “bairros” que integram a comunidade, embora, ainda, se verificasse a existência de muitas
ligações clandestinas – os chamados “gatos” –, sobretudo nas áreas de ocupação mais recente.
Contudo esses investimentos foram insuficientes para alterar o quadro de salubridade na Rocinha. As
conseqüências das precárias condições de salubridade do ambiente construído podem ser constatadas,
também, nos registros do posto de saúde existente na Estrada da Gávea – UACPS Dr. Albert Sabin –,
realizados em 20006. De acordo com esses registros, o grande número de atendimentos a doenças
respiratórias ocorre “não só pelas características climáticas do bairro, mas também pelas condições de
localização das habitações (casas sem ventilação, sem permeabilidade da luz solar, próximas a pedras) e
a forma de concentração familiar nestas moradias, sendo sua maioria casas em aglomeração subnormal”.
O terceiro maior atendimento pediátrico, por sua vez, é voltado para o tratamento de infecções de pele,
devido à falta de saneamento básico – “que é verificado através de valas que percorrem as ruelas, becos,
casas onde em épocas de chuvas tem-se o transbordamento do valão, levando ao aumento de casos de
hepatite A, leptospirose” (Butler & Carneiro de Carvalho, 2000).
Em 2005, o governo do estado do Rio de Janeiro promoveu, em convênio com o Instituto de Arquitetos do
Brasil – Seção Rio de Janeiro, o “Concurso Nacional de Idéias para a Urbanização do Complexo da
Rocinha”, com o objetivo de selecionar uma proposta de intervenção urbanística, que não só viabilizasse a
urbanização da comunidade, mas, também, propusesse soluções para o crescimento ordenado da
Rocinha. O projeto desenvolvido por uma equipe interdisciplinar formada por 22 profissionais, 8
estagiários e duas lideranças locais – coordenada pelo arquiteto Luiz Carlos Toledo – foi selecionado,
tendo como principais propostas:
• “Completar a infra-estrutura de saneamento (água, esgoto e águas pluviais) e da coleta e
remoção de resíduos sólidos (lixo)”;
6 Perfil Epidemiológico da População da Rocinha. Ingrid Rocha Butler & Maria Helena Carneiro de Carvalho,
Rio de Janeiro, 2000.
• Garantir melhores condições de acessibilidade, melhorando as condições de circulação
na Estrada da Gávea, prolongando e alargando, sempre que possível as demais ruas que
servem a comunidade, criando áreas de estacionamento e derrubando as barreias físicas
que hoje dificultam a circulação de pedestres;
• Estabelecer limites ao crescimento horizontal e vertical da Rocinha através de eco-limites
e de uma legislação urbanística adequada ás características locais;
• Adotar um Plano Diretor de Habitação que possibilite a relocação na própria comunidade
das famílias que tiverem que deixar suas casas em função das obras de urbanização ou
por se localizarem em áreas de risco;
• Implantar na Rocinha uma fábrica de elementos pré-fabricados em argamassa armada
para a fabricação das lajes das novas edificações, de escadas drenantes e de placas de
contenção de encosta;
• Valorizar a cultura e a forte identidade da Rocinha criando um "corredor cultural" e
preservando a memória do bairro através do tombamento de edificações e espaços
considerados notáveis;
• Implantar uma forte infra-estrutura cultural através de salas de cinema e teatro, centros
culturais, pequenas bibliotecas e espaços para o desenvolvimento das artes, plásticas,
música, dança, etc.
• Dar um tratamento especial às áreas de contacto da Rocinha com os bairros vizinhos da
Gávea e, em especial de São Conrado, onde a Rocinha certamente ocupará, se já não
ocupa, o papel de principal centro de comércio e serviços do Bairro;
• Localizar, nestas áreas de transição entre a cidade formal e a informal, equipamentos de
interesse comum que possam atrair as populações da Rocinha e dos Bairros Vizinhos;
• Implantar na Rocinha uma série de equipamentos urbanos entre os quais duas creches
referência, mercado público, unidade pré-hospitalar, escola técnica etc”. 7
Em março de 2008, foi anunciado pelo governo federal – em associação com o governo do estado do Rio
de Janeiro – o início das obras de urbanização em três grandes favelas cariocas, entre as quais a
Rocinha, cujo custo previsto é de R$ 900 milhões. Dentre os desafios previstos nas intervenções
urbanísticas nessas comunidades, a questão da violência – decorrente da presença expressiva de grupos
de narcotraficantes – levou o governo estadual a traçar estratégias de ação policial, de modo a garantir a
execução das obras, em condições de segurança para operários e moradores. Contudo, ainda não há
informações precisas sobre como serão essas ações de segurança pública e, conseqüentemente, sobre
sua eficácia para viabilizar condições adequadas para a realização das obras, que podem vir a ter seus
cronogramas de execução comprometidos por eventuais situações de conflito entre facções de
narcotraficantes e policiais.
Por outro lado, as próprias autoridades estaduais temem que a infra-estrutura de saneamento que será
implantada na Rocinha venha a ser comprometida, caso sejam mantidos os índices de crescimento da
comunidade. De acordo com o censo do IBGE, ao longo da década passada, a Rocinha cresceu 3%ao
7 Fonte: Memorial do projeto apresentado pela equipe do arquiteto Luiz Carlos Toledo, 2005.
ano, enquanto a cidade do Rio de Janeiro teve como crescimento o índice 0,73%. Mais do que o
crescimento populacional em si, a questão a ser considerada é que este crescimento ocorreu de forma
desordenada, com ocupações em áreas de risco e verticalização das moradias existentes – um processo
que, muitas vezes, coloca em risco a estabilidade das edificações, devido a problemas estruturais ou de
geotecnia. O ordenamento do uso e ocupação do solo na Rocinha é, portanto, uma questão central não
só para que as obras de urbanização realizadas alcancem os resultados pretendidos, mas, sobretudo,
para assegurar melhores condições de vida aos moradores da Rocinha – mas, isto será possível em uma
favela?
Reconhecer a peculiaridade da estruturação espacial da favela, com suas práticas e dinâmica próprias
parece ser o primeiro passo para evitar mecanismos de controle de uso e ocupação do solo, concebidos a
partir da lógica que estrutura a cidade oficial – como, na década de 80, propunha, de forma pioneira entre
nós, Carlos Nelson Ferreira dos Santos. Definir um conjunto de normas edilícias básicas – que deverão
ter como objetivo principal a garantia de condições mínimas da habitabilidade para os moradores da
favela –, amplamente discutidas e pactuadas pelos diferentes grupos representativos da população
favelada, poderá ser o próximo passo.
Por sua vez, algumas ações do poder público podem potencializar e otimizar as práticas dos diferentes
agentes que participam do processo de produção da moradia na favela. Viabilizar a implantação de
programas de assessoria técnica à quem constrói – com a participação ativa da universidade pública – é
uma das ações possíveis. Outra seria a criação de linhas permanentes de financiamento, com taxas de
juros baixos, para a aquisição de materiais de construção destinados à melhoria das condições de
habitabilidade das moradias existentes e à realização de ampliações que atendam ao estabelecido pelas
normas consensuais de ordenamento arquitetônico/urbanístico. Uma terceira ação seria o
estabelecimento de parcerias com organizações não-governamentais, que já atuam nas comunidades
faveladas, para a difusão junto aos moradores das informações referentes às normas edilícias pactuadas,
bem como a fiscalização do cumprimento dessas regras. A incorporação, nesse processo de
ordenamento do habitat da favela, das redes de organizações não-governamentais, cuja atuação é cada
vez mais relevante no cotidiano de seus moradores, poderá levar à superação das dificuldades de caráter
operacional, até aqui observadas nas iniciativas promovidas pelo poder público municipal.
Acreditamos, portanto, que a implementação de ações como essas podem contribuir significativamente
para promover uma nova forma de ordenamento da expansão das favelas – desta vez de forma coerente
com a dinâmica particular de produção do habitat destes assentamentos informais –, neste início do
século XXI.
Bibliografia
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ANDRADE, L. S. – Espaço Público e Favelas: Uma análise da dimensão pública dos espaços coletivos
não edificados na Rocinha. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Geografia – UFRJ ,
Rio de Janeiro, 2002.
BUTLER, I. R. & CARVALHO, M. H. C. – Perfil Epidemiológico da População da Rocinha. Cópia
xerográfica, Rio de Janeiro, junho de 2000
DRUMMOND, D. – Architectes des favelas. Bordas, Paris, 1981.
LEITÃO, G. – Dos barracos de madeira aos prédios de quitinetes: Uma análise do processo de produção
da moradia na favela da Rocinha,ao longo de cinqüenta anos. Tese de Doutorado. Programa de Pós-
Graduação em Geografia – UFRJ , Rio de Janeiro, 2004.
SEGALA, L. – O Riscado do Balão Japonês: trabalho comunitário na Rocinha (1977-1982). Dissertação
de Mestrado em Antropologia Social – Museu Nacional / UFRJ, Rio de Janeiro, 1991.