11/02/2016 itaú cultural
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20160211
nami – rede feminista de arte urbana | série ‘gêneros’
Panmela Castro, professora há 18 anos, é idealizadora e fundadora da Rede Nami. Dando continuidade à
reflexão sobre gêneros, a grafiteira fala sobre seu projeto que promove o direito das mulheres por meio das
artes urbanas. Na conversa, Panmela comenta as ações de valorização das mulheres no universo do grafite,
a atuação em diversas comunidades cariocas e como é levar a questão do gênero para os muros da cidade.
(foto: acervo pessoal)
Você pode falar sobre o surgimento da Nami e os principais desafios de atuação junto àcomunidade Tavares Bastos?
Ainda muito nova, fui vítima de violência doméstica, e o grafite surgiu em minha vida como uma maneira de
me ressocializar depois de uma separação que me tornou depressiva e isolada. Após conquistar visibilidade
como grafiteira, percebi que poderia usar esta força para que outras moças não passassem pela mesma
experiência negativa que eu havia vivenciado. Então, dois anos após a aprovação da Lei Maria da Penha,
iniciei oficinas em que o grafite era ferramenta de comunicação para a promoção e o conhecimento da lei e,
nami – rede feminista de arte urbana | série ‘gêneros’
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principalmente, para pensar a posição da mulher na sociedade. A metodologia das oficinas foi considerada
inovadora e eu recebi minha primeira homenagem internacional na categoria de direitos humanos.
Com o crescimento da demanda e a percepção de que o trabalho funcionava de uma forma muito efetiva e
positiva, convidei minhas amigas para fundar a Nami; estas chamaram outras amigas, e foi assim que
fundamos essa rede que hoje possui mais de 500 participantes e que já dialogou com mais de cinco mil
mulheres pelo Brasil. Na Rede Nami nós acreditamos que homens e mulheres são iguais em seus direitos, e
é a partir dessa ideia que são construídas as políticas e os projetos da ONG. Propomos uma busca pela
superação das desigualdades de gênero que levam, apenas no Brasil, à morte de uma mulher vítima de
violência doméstica a cada meia hora. Exigimos respeito aos direitos das mulheres sobre suas vidas e o
rompimento do legado histórico de opressão por gênero no plano pessoal, econômico, político e social.
O escritório da Nami fica na comunidade Tavares Bastos, que possui um grande museu de street art (arte de
rua) em construção, criado pela rede. Mas se limita aí a atenção especial com o local, já que a nossa
proposta é visitar e dialogar com mulheres de diferentes comunidades.
(foto: acervo pessoal)
Existe diálogo entre a Rede Nami e as ações de valorização das mulheres e políticasculturais (secretarias de cultura, centros culturais, Secretaria de Políticas para asMulheres) desenvolvidas na comunidade? Como ele acontece?
Apesar do desejo de atuar com certa independência, desde a criação da organização fomos abraçadas e
fortalecidas pela Secretaria de Políticas para as Mulheres, tanto em nível federal quanto em estadual e
municipal. Formalmente, para os tipos de projetos que realizamos é necessário, em sua maioria, fortalecer
parcerias com a Secretaria de Educação do Rio de Janeiro, por exemplo. Isso porque inserimos no
calendário das escolas do Estado as oficinas do projeto Graffiti pelo Fim da Violência Doméstica e o Centro
Integrado de Atenção à Mulher (Ciam), que encaminha a esses espaços profissionais especialistas em
violência doméstica que sejam qualificadas para facilitar os debates nessas oficinas.
Nosso foco principal é uma transformação íntima, que acontece com o diálogo de mulher para mulher. Mas,
de toda forma, algumas vezes é necessário ir além. Neste ano enviamos para o Marcelo Dughettu,
presidente do Instituto Eixo Rio – plataforma de articulação criada pela prefeitura da cidade do Rio de Janeiro
para potencializar a cena urbana da cidade –, e para a Ana Rocha, secretária na Secretaria Especial de
Políticas para as Mulheres do Rio de Janeiro (SPMRio), uma carta abordando a necessidade de diálogo
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entre os dois espaços. Isso porque o Instituto Eixo Rio faz um trabalho relevante com os grafiteiros da
cidade, no entanto, sem qualquer tipo de política de gênero, o que se traduz em ações opressoras e não
inclusivas em relação às artistas mulheres. Um caso em que isso fica evidente é o da inauguração da
primeira galeria municipal de arte urbana, em Botafogo, onde também está localizada a sede do Instituto Eixo
Rio. Na estreia do espaço não foi convidada nenhuma artista mulher. Então, na carta, pedimos ainda que
sejam trazidos à tona os processos curatoriais e as prestações de contas – e, semanas depois, continuamos
sem receber um retorno.
O grafite é o meio que vocês utilizam como manifestação artística e como posicionamentocontra o machismo (incluindo a conscientização da Lei Maria da Penha e o Disque 180,entre outros). Você pode comentar sobre o processo de inclusão e formação das mulheresdentro do universo do grafite e se existe alguma ação de desenvolvimento dessasartistas?
Desde o surgimento da Nami houve a preocupação de inserir mais mulheres nessa cena que é tão machista.
Os processos tradicionais de entrada na arte urbana acabam excluindo a participação das mulheres, então,
tratamos de construir espaços em que elas possam dar seus primeiros passos rumo a seu fortalecimento
como artista ou arteeducadora. Grande parte das artistas grafiteiras que temos no Rio de Janeiro de alguma
forma se formaram ou se fortaleceram a partir dessas políticas internas abordadas pela Nami.
Em 2015, apoiadas pela Fundação Ford, realizamos um curso de formação de seis meses para mulheres
negras e habitantes de periferias, que denominamos AfroGrafiteiras. Nos encontros, elas aprenderam e
aperfeiçoaram a técnica do grafite e também abordaram a questão do pensamento acerca da arte urbana.
Mas, ainda mais importante, essas mulheres receberam noções de empreendedorismo social e economia
criativa, discutindo as novas tecnologias de comunicação e informação e o feminismo negro. Ao final da
formação, elas expuseram obras criadas especialmente para seus lançamentos com artistas na Galeria
Scenarium e no Espaço Cultural Heloneida Studart (Cedim), com apoio da Brazil Foundation, e estagiaram
como arteeducadoras em seis oficinas da Nami realizadas em diferentes locais do estado do Rio de Janeiro,
como na escola prisional do Departamento Geral de Ações Socioeducativas (Degase).
(foto: Elisete Maisão)
Na pesquisa Percepção da Sociedade sobre Violência e Assassinato de Mulheres,realizada pelo Data Popular junto ao Instituto Patrícia Galvão, 91% consideraram que hojeos assassinatos de mulheres por parceiros, atuais ou não, são mais cruéis em
comparação com o passado (confira a pesquisa aqui). Com base em suas percepções,qual é a realidade vivida nas comunidades em que a Rede Nami tem atuado?
A Rede Nami tem atuado em comunidades por toda a cidade do Rio de Janeiro e na Baixada Fluminense.
Pela minha experiência pessoal nas andanças, e conversando com diversas pessoas, eu acredito que esse
dado vem à tona não pelo fato de que hoje a violência se agrava, mas por acreditar que depois da Lei Maria
da Penha e de todas as campanhas privadas e públicas sobre o assunto, as mulheres estão denunciando e
falando mais sobre o tema. Apesar de ainda ser tabu, hoje a mulher está mais confiante para se expor, pois
existe um movimento que não aceita mais a violência contra a mulher e que acredita que falando a respeito
ela conseguirá algum tipo de apoio.
Eu percebo essa transformação principalmente nas oficinas em escolas, quando vejo que uma parte
considerável da nova geração de homens que está se formando deixa de agredir a mulher. E isso acontece
não porque ele tem medo de ser preso, mas porque realmente entende a mulher de outra forma, como um
ser autônomo e que precisa ser verdadeiramente respeitado.
A Rede Nami faz algum mapeamento ou registro histórico dos impactos e mudanças nascomunidades por onde desenvolvem oficinas e outras ações?
É importante entender o trabalho da Nami como uma semente plantada no imaginário de cada pessoa
participante de uma oficina. Semente essa que cresce conforme a pessoa passa e observa as situações
debatidas nos encontros. Cada oficina é realizada apenas uma vez em cada lugar, deixando nele o
conhecimento e seguindo para a multiplicação no próximo. Assim, pretendemos levar as ideias para o maior
número de pessoas possível dentro de nossa capacidade institucional.
Em 2014, apoiados pelo Instituto Avon, realizamos a pesquisa Geração Maria da Penha: Percepções sobre a
Violência Doméstica contra a Mulher, com alunos de 14 a 19 anos de escolas do município e do Estado
participantes de nossas oficinas. (Acesse a pesquisa aqui.)
(foto: Clarissa Pivetta)
Como foi a criação do mural Diversidade, que aconteceu no evento Semana Global da Cufa(Central Única das Favelas), em Nova York? O que foi apresentado e debatido no evento?(Para mais informações sobre o evento, acesse aqui.)
Você acredita em uma corrente do bem? Ainda muito nova no grafite, fui homenageada em um prêmio
nacional muito importante, com grafiteiras da década, e escolhida em uma categoria que era, teoricamente.
masculina. A partir desse reconhecimento, eu despontei para o mundo. Esse prêmio era o Hutúz, organizado