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RUMOS ITAÚ CULTURAL MÚSICA – EDIÇÃO 2007/2009 RELATÓRIO PARA DISCUSSÃO

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EDIÇÃO 2007-2009

PROJETO RUMOS ITAÚ CULTURAL MÚSICA –

FORMAÇÃO PROFISSIONAL E TRABALHO NAS NARRATIVAS DE MÚSICOS PREMIADOS

REALIZAÇÃO: OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

RELATÓRIO PARA DISCUSSÃO

LILIANA ROLFSEN PETRILLI SEGNINI

PROFESSORA TITULAR UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO - DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS

COLABORADORAS:

DILMA FABRI MARÃO PICHONERI SOCIÓLOGA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO – UNICAMP DOUTORANDA EM EDUCAÇÃO

MARINA PETRILLI SEGNINI PSICÓLOGA – PSICANALISTA

FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO – FMUSP MESTRANDA DO CURSO DE TERAPIA OCUPACIONAL

Julho 2009

RUMOS ITAÚ CULTURAL MÚSICA – EDIÇÃO 2007/2009 RELATÓRIO PARA DISCUSSÃO

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

P. 5

I MÚSICA, MERCADO DE TRABALHO E POLÍTICAS PÚBLICAS I.I – OS MÚSICOS ENTREVISTADOS NAS CLASSIFICAÇÕES OCUPACIONAIS E NAS ESTATÍSTICAS NACIONAIS. I.II – SINGULARIDADES DO MERCADO DE TRABALHO DOS PROFISSIONAIS DOS ESPETÁCULOS E DAS ARTES, COMPARADO COM O MERCADO DE TRABALHO NO BRASIL. I.III – TRABALHO FORMAL – DIREITO RESTRITO A UM PEQUENO NÚMERO DE MÚSICOS. I.IV – MÚLTIPLAS FORMAS DE TRABALHO NO CAMPO DA MÚSICA. I.IV. I – MÚSICO PROFESSOR: OPÇÃO OU ESTRATÉGIA? I.IV. I.I – CRESCIMENTO DO ENSINO SUPERIOR EM MÚSICA. I.IV. II – COOPERATIVA DE MÚSICA: UMA ESTRATÉGIA DIANTE DO MERCADO DE TRABALHO? I.IV. III – OUTRAS FORMAS DE TRABALHO PARA PODER “FAZER UM CACHÊ”. I.IV. IV – PRODUTORES E LEIS DE INCENTIVO EM UM MERCADO DE TRABALHO CADA VEZ MAIS COMPETITIVO. I.IV. V – INOVAÇÕES TECNOLÓGICAS E NOVAS FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO EM MÚSICA.

P. 14 P. 15 P. 19 P. 20 P. 25 P. 27 P. 31 P. 34 P. 38 P. 42 P. 49

II RELAÇÕES DE GÊNERO NO CAMPO DA MÚSICA II. I – O MUNDO DA MÚSICA É PREDOMINANTEMENTE MASCULINO.

P. 52 P. 52

III HETEROGÊNEOS CAMINHOS LEVAM À FORMAÇÃO PROFISSIONAL

P. 63

CONSIDERAÇÕES FINAIS P. 68 BIBLIOGRAFIA P. 75

RUMOS ITAÚ CULTURAL MÚSICA – EDIÇÃO 2007/2009 RELATÓRIO PARA DISCUSSÃO

3

ÍNDICE DE TABELAS

Tabela I

Profissionais dos espetáculos e das artes – Classificação Brasileira de Ocupações (CBO 2002) – Conjunto das Ocupações no Brasil (Números absolutos e %).

p. 19

Tabela II

Participação dos ocupados do grupo Profissionais dos espetáculos e das artes, de acordo com a CBO 2002, no total de ocupados no Brasil, por posição na ocupação – 2006.

p. 20

Tabela III

Profissionais da música, por posição na ocupação no Brasil. p. 21

Tabela IV

Músicos premiados entrevistados, por posição na ocupação. p. 27

Tabela V

Matrícula em formação de professor de música, por categoria administrativa e região do Brasil.

p. 31

Tabela VI

Participação dos ocupados do grupo Profissionais dos espetáculos e das artes no total de ocupados no Brasil, segundo o sexo, 2004 .

p. 52

Tabela VII

Matrículas em música, por categoria administrativa e região do Brasil. p. 66

ÍNDICE DE GRÁFICOS

Gráfico I

Músicos premiados entrevistados, por região do Brasil. Números absolutos. p. 10

Gráfico II

Músicos premiados entrevistados, por posição na ocupação. Números absolutos.

p. 22

Gráfico III

Músicos premiados, por escolaridade. Números absolutos. p. 32

Gráfico IV Músicos premiados entrevistados, por curso superior. Números absolutos. p. 33 Gráfico V Profissionais da música, segundo o sexo. p. 53 Gráfico VI Emprego para profissionais da música, segundo o sexo. p. 53 Gráfico VII Músicos premiados entrevistados, segundo o sexo. Números absolutos. p. 54 Gráfico VIII Músicos premiados entrevistados, por escolaridade e segundo o sexo. Em

porcentagem. p. 61

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ÍNDICE DE IMAGENS

Foto I

Grupo Monte Pascoal formado por cinco músicos instrumentistas – Rumos Itaú Cultural Música, 21/6/2008. Foto: Acervo Itaú Cultural.

p. 23

Foto II Grupo Adolfo Paradoxos, formado por músicos instrumentistas. Apresentação de Fábio Mendes – Rumos Itaú Cultural Música, 12/7/2008. Foto: Acervo Itaú Cultural.

p. 24

Foto III Quarteto Radamés Gnatalli formado por três músicos instrumentistas e uma mulher, Carla Rincon (violino) – São Paulo, 23/6/2008. Foto: Acervo Itaú Cultural.

p. 25

Foto IV Duo Gisbranco: Bianca Gismonti e Claudia Castelo Branco, pianistas e professoras – Rumos Itaú Cultural Música, 23/5/2008. Foto: Acervo Itaú Cultural.

p. 28

Foto V Rogério Gulin, viola caipira – Rumos Itaú Cultural Música, 19/6/2008. Foto: Acervo Itaú Cultural.

p. 30

Foto VI Ana Luiza e Luiz Felipe Gama. Grupo formado por três músicos intérpretes e uma cantora – Rumos Itaú Cultural Música, 22/8/2008. Foto: Acervo Itaú Cultural.

p. 31

Foto VII Sons do Cerrado, grupo formado por nove integrantes, entre eles a cantora Andrea Luisa – Rumos Itaú Cultural Música, 16/8/2008. Foto: Acervo Itaú Cultural.

p. 34

Foto VIII Grupo Axial, formado por quatro instrumentistas, entre eles Felipe Julian, e uma cantora – Rumos Itaú Cultural Música, 22/5/2008. Foto: Acervo Itaú Cultural.

p. 37

Foto IX Grupo Soda Acústica, formado por músicos instrumentistas e voz de Rinaldo dos Santos Silva – Rumos Itaú Cultural Música, 24/5/2008. Foto: Acervo Itaú Cultural.

p. 40

Foto X Wado e sua banda – Rumos Itaú Cultural Música, 25/5/2008. Foto: Acervo Itaú Cultural.

p. 41

Foto XI Delcio Carvalho, cantor e compositor – Rumos Itaú Cultural, 12/7/2008. Foto: Acervo Itaú Cultural.

p. 45

Foto XII Catia de França – instrumentista, cantora, arranjadora, compositora – Rumos Itaú Cultural Música, 24/5/2008. Foto: Acervo Itaú Cultural.

p. 46

Foto XIII Cantadeiras do Souza. Marly (primeira à esquerda) canta com seu grupo música de raiz – Rumos Itaú Cultural Música , 19/06/2008. Foto: Acervo Itaú Cultural.

p. 48

Foto XIV Érika Machado e seu grupo formado por homens instrumentistas – Rumos Itaú Cultural Música, 4/9/2008. Foto: Acervo Itaú Cultural.

p. 51

Foto XV Alessandra Leão. “Quando toco bem, frequentemente cumprimentam meu marido, o Caçapa” – Rumos Itaú Cultural Música, 24/5/2008. Foto: Acervo Itaú Cultural.

p. 57

Foto XVI Alzira Spíndola – Rumos Itaú Cultural Música, 31/7/2008. Foto: Acervo Itaú Cultural.

p. 58

Foto XVII Jussara Silveira (voz), André Mehmari (piano) e Arthur Nestrovski (letras e violão) – Rumos Itaú Cultural Música, 30/7/2008. Foto: Acervo Itaú Cultural.

p. 59

Foto XVIII Bumba Boi de Maracanã – Rumos Itaú Cultural Música, 8/9/2008. Foto: Acervo Itaú Cultural Rumos.

p. 63

RUMOS ITAÚ CULTURAL MÚSICA – EDIÇÃO 2007/2009 RELATÓRIO PARA DISCUSSÃO

5

INTRODUÇÃO

Indagar a sociedade brasileira – para melhor compreendê-la – é o objetivo deste

texto. Para tanto, entre tantas possibilidades, um recorte específico, com base em uma

questão específica: Como se inscrevem nesta sociedade os artistas da música? Quais

configurações expressam? O que informam sobre as instituições que lhes possibilitam

acesso à formação e ao trabalho? Em que condições deram os primeiros passos no

mundo da música? Como percebem a relevância atribuída ao trabalho artístico que

desenvolvem? Enfim, o que é possível apreender da sociedade brasileira considerando

um grupo de músicos como narradores de experiências vividas socialmente?

O artista sempre esteve sujeito a estruturas sociais que lhe possibilitaram a

realização do trabalho artístico em determinadas condições históricas, sistemas de

interações nomeados pelo sociólogo alemão Norbert Elias configurações.1

Com base na vida de Mozart, como indivíduo, artista na corte austríaca, o autor

recupera as dimensões ontogênicas naquele momento histórico e elabora um modelo

teórico de análise: recuperar as pressões sociais que agem sobre o indivíduo, não

somente como narrativa histórica, mas como estudo sociológico que recupera a

configuração de uma época (Elias, 1994).

Na Alemanha como na França, os músicos eram muito dependentes dos favores,

da proteção e, por consequência, do gosto dos círculos aristocráticos e do patriciado

burguês urbano que o imitava. De fato, até a geração de Mozart, para ser socialmente

reconhecido como artista, e ser ao mesmo tempo capaz de alimentar sua família, um

compositor tinha que assegurar uma posição na rede das instituições da corte e da

aristocracia e seus prolongamentos.

Em uma grande maison principesca, ressalta Elias, “os músicos eram tão

indispensáveis quanto os confeiteiros, cozinheiros ou criados (valet de chambre),

ocupavam o mesmo status que os últimos na hierarquia da corte [...] Esta era a estrutura

1 Ver: Segnini, Liliana R. P. Relações de gênero nas profissões artísticas: comparação Brasil-França. In: Costa, Albertina de Oliveira; Sorj, Bila; Bruschini, Cristina; Hirata, Helena (org.). Mercado de trabalho e gênero – comparações internacionais. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getulio Vargas, vol. 1, p. 337-354, 2008.

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fixa, o quadro oferecido para se desenvolverem, não importa qual fosse o talento

musical individual” (p. 22-23).

Mozart toma a decisão de deixar Viena e seu mecenas para ser autônomo em um

mercado de trabalho que não havia ainda integrado essa possibilidade.

Assim, Elias destaca um princípio de tensão entre a produção artística e o

trabalho cotidiano realizado por Mozart, em um contexto que não reconhecia a

superioridade de seu valor artístico, nem a necessidade de independência – material e

estética – dos criadores e intérpretes (Heinich, p. 47). Não existia, como já era

observado na literatura, um público consumidor fora da Corte, o que determinava uma

dependência total dos músicos em relação à nobreza e ao clero.

É um desafio tentar reelaborar no presente as questões propostas por Elias a

músicos que não mais se inscrevem na sociedade da Corte, mas na sociedade organizada

em torno do Estado Moderno e do Mercado, na qual é consolidado um “sistema

musical”, no sentido atribuído por Antonio Cândido à literatura (Segnini, 2008). O

sociólogo e crítico literário, em sua análise clássica sobre a formação da literatura

brasileira (reeditada em 2006), reconhece a íntima relação entre literatura, em um dado

contexto, e sua realização concreta, isto é, autores, obra e público leitor em constante

interação. A mesma reflexão pode ser deslocada para o campo da música, possibilitando

a constituição da “cadeia produtiva da música” (Prestes Filho, 2007), criadora de valor

econômico e simbólico.

No presente, conforme analisa Yúdice, a cultura na “globalização acelerada” e

do “capitalismo cultural” torna-se um recurso.

A desmaterialização característica de várias fontes de crescimento econômico [...] e a maior distribuição de bens simbólicos no comércio mundial (filmes, programas de televisão, música, turismo etc.) deram à esfera cultural um protagonismo maior que em qualquer outro momento da história da modernidade (Yúdice, 2006: 26).

Nesse contexto, o que significa “ser socialmente reconhecido como artista e ser

ao mesmo tempo capaz de alimentar sua família” na sociedade contemporânea, na qual

novas dimensões se colocam e outras tantas são reiteradas com significações diversas a

ser exploradas? Essa pergunta, elaborada por Elias para um músico da corte austríaca, é

reformulada neste estudo indagando, por meio de entrevistas, as narrativas de músicos

RUMOS ITAÚ CULTURAL MÚSICA – EDIÇÃO 2007/2009 RELATÓRIO PARA DISCUSSÃO

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profissionais que encontram na música – popular ou erudita – uma profissão, uma forma

de expressão, um meio de vida. Indagações como essa nortearão este relatório.

SOBRE O CAMPO DE PESQUISA

Os músicos selecionados pelo Rumos Itaú Cultural Música, edição 2007/2009,

constituem o campo desta pesquisa.

Este projeto refere-se a uma iniciativa de apoio à produção acadêmica e artística

que, em atividade desde 1997, mostrou estar sintonizada com a criatividade brasileira.

Em tempo de grandes transformações sociais e demandas no mundo inteiro pela

diversidade cultural, o programa Rumos dá sua colaboração para o fomento e o

desenvolvimento de centenas de trabalhos acadêmicos, obras e artistas das mais

variadas expressões e regiões do país. Os programas são voltados tanto para iniciantes,

com o objetivo de revelar novos valores, como para quem já possui trabalhos

consolidados nas áreas de expressão propostas. Ao premiar projetos vindos de todos os

recantos do Brasil, o programa Rumos descentraliza e amplia o eixo de produção

cultural e possibilita uma distribuição de bens culturais mais equitativa na sociedade.

Desde sua criação, o Rumos selecionou 655 projetos e suas atividades atingiram dois

milhões de pessoas (www.itaucultural.org.br, em 17/10/2008).

Entre os 2.222 inscritos em 2008, 50 foram selecionados na categoria

Mapeamento, resultado de concorrido processo seletivo, entre músicos e musicistas de

todas as regiões do país e diversas formas de expressão estética, sintetizadas em música

de raiz, popular e erudita. Representantes de diferentes clivagens sociais – classe,

gênero, etnia, geracional – compõem tanto o grupo inscrito como o premiado; neste

último, 39 músicos foram entrevistados.

RUMOS ITAÚ CULTURAL MÚSICA – EDIÇÃO 2007/2009 RELATÓRIO PARA DISCUSSÃO

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RUMOS ITAÚ CULTURAL MÚSICA – EDIÇÃO 2007/2009 RELATÓRIO PARA DISCUSSÃO

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Rumos Itaú Cultural Música 2007/2009 – Músicos entrevistados

Elaboração: Liliana Segnini e Flávia Módolo, 2008.

A predominância dos músicos premiados da região Sudeste reitera as estatísticas

nacionais e as próprias entrevistas, no sentido de destacar a relevância dessa região para

a música no país.

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Gráfico I

Músicos premiados entrevistados, por região do Brasil. Números absolutos

Fonte: Observatório Itaú Cultural, 2008. Elaboração: Liliana Segnini.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A análise recorreu ao cruzamento de várias fontes e métodos de pesquisa: dados

institucionais (estatísticas, classificação ocupacional [Classificação Brasileira de

Ocupações – CBO 2002]) se somaram às entrevistas de longa duração, aos cadernos de

campo elaborados com o objetivo de captar o não dito/não gravado nos momentos de

entrevista e à análise de fotografias como registro de relações sociais. As entrevistas de

longa duração, gravadas em áudio, foram realizadas com 39 músicos (veja listagem a

seguir), entre os 50 premiados pelo Rumos (brevemente serão disponibilizadas pelo

Observatório de Atividades Culturais do Itaú Cultural, criando-se, assim, um banco de

dados para consultas e pesquisas futuras). As entrevistas em profundidade, nas suas

diferentes formas – biografias, histórias de vida, trajetórias sociais –, expressam

legitimidade científica na compreensão da sociedade; possibilitam a apreensão não só

de questões aguardadas pelo pesquisador em decorrência do conhecimento acumulado

sobre o objeto, mas, sobretudo, informam aspectos inesperados, constituindo

caleidoscópios sociais que informam dimensões da realidade social brasileira.

As entrevistas não obedeceram a um roteiro fechado; todos os músicos foram

informados sobre os objetivos da pesquisa e da entrevista, e foi-lhes proposto que

discorressem sobre suas histórias de vida considerando as trajetórias familiares,

educacionais e de formação musical, a inserção e o desenvolvimento da carreira, as

RUMOS ITAÚ CULTURAL MÚSICA – EDIÇÃO 2007/2009 RELATÓRIO PARA DISCUSSÃO

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formas de procura do trabalho, as expectativas para o futuro. A ordem cronológica da

representação das experiências narradas foi determinada pelos próprios entrevistados,

raramente interrompidos. Assim, reitera-se a análise de Queiroz sobre a relevância das

narrativas individuais na análise dos fenômenos sociais:

A história oral pode captar a experiência efetiva dos narradores, mas destes também recolhe tradições e mitos, narrativas de ficção, crenças existentes no grupo [...] a história de vida se define como o relato de um narrador sobre sua existência através do tempo, tentando reconstituir os acontecimentos que vivenciou e transmitir a experiência que adquiriu. Narrativa linear e individual dos acontecimentos que ele considera significativos, através dela se delineiam as relações com os membros de seu grupo, de sua profissão, de sua camada social, de sua sociedade global, que cabe ao pesquisador desvendar (Queiroz, 1991:05; grifo da autora).

Algumas entrevistas foram realizadas na presença de mais de um integrante do

grupo premiado, como o Duo Gisbranco, por exemplo, formado por Bianca Gismonti e

Claudia Castelo Branco. Nesses casos, quando possível, privilegiou-se uma narrativa

individual (Claudia); também se considerou, no entanto, as informações trazidas por

Bianca, ampliando as possibilidades de compreensão do contexto social por elas

expresso. Dessa forma, foi reiterada a análise de Elias – os indivíduos informam

configurações sociais quando singularmente suas trajetórias são analisadas.

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RELAÇÃO DOS MÚSICOS ENTREVISTADOS:

# Entrevistado Idade Sexo Grupo/Banda Cidade 1 Adolfo Almeida Junior 48 H Adolfo e Paradoxos Porto Alegre

2 Alessandra Leão 28 M Alessandra Leão Recife

3 Alexandre Simões 27 H H2P São Paulo

4 Alzira Espíndola 51 M Alzira E São Paulo

5 Ana Fridman 44 M Ana Fridman São Paulo

6 Andrea Luisa de Oliveira Teixeira 38 M Sons do Cerrado Goiânia

7 Beto Mejia 26 H Móveis Coloniais de Acaju Brasília

8 Bianca Gismonti 26 M Duo Gisbranco Rio de Janeiro

9 Carla Rincon 34 M Quarteto Radamés Gnatalli Rio de Janeiro

10 Cátia de França 61 M Catia de França Rio de Janeiro

11 Cláudia Castelo Branco 27 M Duo Gisbranco Rio de Janeiro

12 Delcio Carvalho 69 H Delcio Carvalho Rio de Janeiro

13 Eliezer Teixeira 58 H As Cantadeiras do Souza Jequitibá

14 Enzo Banzo 29 H Porcas Borboletas Uberlândia

15 Érika Machado 31 M Erika Machado Belo Horizonte

16 Felipe Julián 32 H AXIAL São Paulo

17 Flavio Macedo 41 H Monte Pascoal Belo Horizonte

18 Gustavo de Camargo Telles 30 H Pata de Elefante Porto Alegre

19 Idson Ricart 35 H Idson Ricart Quixadá

20 Ive Luna 36 M Cravo da Terra Florianopolis

21 Izabel Padovani 43 M Izabel Padovani Trio São Paulo

22 Jorge Anzol 40 H Los Porongas São Paulo

23 Jussara Silveira 49 M Jussara Silveira Rio de Janeiro

24 Luis Felipe Gama 38 H Ana Luiza e Luis Felipe Gama São Paulo

25 Luis Felix de Oliveira Campo 30 H La Pupuna Belem

26 Luiz Paixão 59 H Luiz Paixão Aliança

27 Luiz Rogério Gulin (Rogério Gulin) 47 H Rogério Gulin Curitiba

28 Marco Mattoli 43 H Clube do Balanço São Paulo

29 Maria José Silva 45 M Bumba Boi de Maracanã São Luis

30 Marly Souza 57 M As Cantadeiras do Souza Jequitibá

31 Oswaldo Schlickmann Filho (Wado) 30 H Wado Maceió

32 Paula Santoro 42 M Paula Santoro Belo Horizonte

33 Paulo Pereira Cruz (Paulo Cruz) 61 H Reisado Encanto das Caraíbas Arcoverde

34 Rinaldo dos Santos Silva (Rinaldos Santos) 43 H Soda Acustica Porto Velho

35 Rubi 46 H Rubi São Paulo

36 Thiago Balduzzi Rocha de Souza Silva (Munha) 29 H Satanique Samba Trio Brasilia

37 Ulisses Galetto 42 H Grupo Fato Curitiba

38 Vitor Luis Dias Barbosa (Vitor Pirralho) 26 H Vitor Pirralho e Unidade Maceió

39 Wagner Merije 29 H Coletivo Universal São Paulo

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A análise das 39 entrevistas foi realizada por meio de sua desconstrução e

reconstrução, destacando temas em diferentes etapas, no interior de um mesmo processo

analítico: gravação das entrevistas conduzidas pelas pesquisadoras; transcrição na

íntegra;2 leitura da transcrição para verificação da fidedignidade do texto; seleção dos

temas que emergem de acordo com os objetivos da pesquisa, bem como daqueles

considerados relevantes, mas não aguardados previamente; elaboração de arquivos

aglutinando por temas as entrevistas, evidenciando-se, assim, aproximações,

redundâncias e singularidades nas trajetórias. A seleção dos principais temas e trechos

de entrevistas correspondentes abordados pelos músicos e musicistas, compõe os anexos

I a VI deste relatório. A leitura e a releitura das entrevistas que esse processo

determinou possibilita a elaboração da análise informando as temáticas abordadas, quer

pela recorrência dos fenômenos sociológicos presentes, quer pela singularidade dos

mesmos. A análise dessas entrevistas consiste no desafio deste relatório, estruturado em

torno das hipóteses anteriormente indicadas, sistematizadas nestes tópicos:3

I – Música, mercado de trabalho e políticas públicas.

II – Relações de gênero no campo da música.

III – Heterogêneos caminhos levam à formação profissional

A indicação de novas possibilidades analíticas presentes neste material de

pesquisa, assim como uma síntese do que foi salientado neste relatório, constitui suas

considerações finais.

2 As transcrições foram realizadas por profissionais contratados pelo Observatório Itaú Cultural.

3 Esta análise expressa a reflexão elaborada pela pesquisadora e suas colaboradoras, considerando as informações obtidas por meio das entrevistas realizadas com os músicos selecionados; não corresponde, necessariamente, a posição institucional do Observatório Itaú Cultural.

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I – Música, mercado de trabalho e políticas públicas

A música achou um caminho em mim

Marco Mattoli

É possível considerar a arte – atividade que implica forte engajamento do artista

– como um trabalho e o artista como um trabalhador, e, dessa forma, integrar a atividade

artística na esfera do trabalho e dos constrangimentos singulares que a constituem

(Rannou e Roharik, 2006). A arte, como salienta Becker já em suas primeiras e

pioneiras obras sobre o trabalho dos artistas, é uma atividade reconhecida, transmitida,

apreendida, organizada, celebrada. Como toda atividade, obedece a regras, a

imposições, insere-se em uma divisão do trabalho, em organizações, profissões, relações

de emprego, carreiras profissionais (2006, p.27).4

No entanto, ao se avaliar o trabalho do artista, costuma-se privilegiar sua

performance ou obra, expressões resultantes de processos de trabalho que possibilitam a

interpretação, a criação. Raramente são observadas e contextualizadas as relações

profissionais e de trabalho implícitas nesses processos. Revela-se a obra, mas o trabalho

que a elabora é quase sempre silenciado ou, pior ainda, ofuscado por idealizações

(Segnini, L., 2006).

O trabalho artístico se inscreve também (mas não só) na lógica de mercado e

essa vinculação expressa as configurações do próprio momento histórico. As tensões

entre arte, trabalho e profissão evidenciam que o trabalho que produz arte é submetido a

controles criados na esfera da produção do valor, mesmo que os referidos controles

sejam justificados em nome da “qualidade artística” e não do valor criado, de difícil

mensuração – é verdade –, mas não deslocado da esfera ampliada de acumulação do

capital.

Essas tensões exprimem complexidade na tentativa de compreender, sobretudo,

o sentido das relações sociais na relação entre produção artística e mercado, inclusive

mercado de trabalho.

4 Ver: Segnini, Liliana. Criação rima com precarização: análise do mercado de trabalho artístico no Brasil. Comunicação apresentada no XIII Congresso Brasileiro de Sociologia, Recife, 25/5 a 1/6/2007. GT29 Trabalho, precarização e políticas públicas.

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I.I – Os músicos entrevistados nas classificações ocupacionais e nas

estatísticas nacionais5

A definição moderna do assalariamento, não mais submetida à lógica da Corte,

implica condições e relações sociais institucionalizadas pelo Estado e expressas no

mercado de trabalho.

Castel reconhece que na construção social do assalariamento algumas condições

são observadas. Entre essas condições, ele destaca que as políticas públicas garantiram o

reconhecimento por meio da institucionalização das estatísticas nacionais sobre

mercado de trabalho, das relações de trabalho (e de não trabalho) e da legislação

específica que as regulamenta. Das condições selecionadas pelo autor, destacam-se

duas, aqui reproduzidas:

• A identificação precisa do que os estatísticos chamam de população

ativa: identificar e mensurar aqueles que estão ocupados e aqueles que não o estão,

as atividades intermitentes e as atividades em tempo integral, os empregos

remunerados e os não remunerados;

• A inscrição em um direito do trabalho que reconhece o trabalhador como

membro de um coletivo dotado de um estatuto social, além da dimensão

puramente individual do contrato de trabalho (Castel, 1999, p. 420).

O que as estatísticas nacionais sobre as especificidades do trabalho artístico em

música informam? O que elas revelam sobre suas especificidades no contexto da

sociedade salarial, em um mercado cada vez mais competitivo? Qual o lugar

predominante de homens e mulheres no mercado de trabalho em arte, sobretudo na

música? Quais diferenciações e hierarquizações são observáveis em suas carreiras? Em

que medida o mundo do espetáculo informa, com cores ainda mais vivas, o complexo

espetáculo do mundo do trabalho no presente?

Conhecer, sistematizar, classificar o mercado de trabalho de um país significa

elaborar parâmetros que informam relações econômicas, políticas e sociais. Trata-se de

5 Segnini, Liliana R. P. (coordenadora). Projeto temático Fapesp “Formação e Trabalho no Campo da Cultura: músicos, professores e bailarinos”. A análise dos dados estatísticos referentes ao mercado de trabalho e à formação no ensino superior no Brasil, no campo da música, considerou três fontes: PNAD/IBGE - Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio/Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; RAIS/MTE - Relação Anual de Informações Sociais/Ministério do Trabalho e Emprego; Censo do Ensino Superior – Ministério da Educação. Período de 1990 a 2004. Dados atualizados em 2008, incorporando 2006, pelo estatístico Neale El-Dash para o Observatório Itaú Cultural.

RUMOS ITAÚ CULTURAL MÚSICA – EDIÇÃO 2007/2009 RELATÓRIO PARA DISCUSSÃO

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uma das políticas públicas elaboradas pelo Estado, no processo de consolidação do

mercado de trabalho urbano e industrial (Segnini, 2005). As estatísticas expressam

construções sociais, contradições, conflitos, acordos.

No Brasil, a composição das ocupações que constituem o mercado de trabalho

dos Profissionais dos espetáculos e das artes é descrita pela CBO, base das estatísticas

nacionais. Os artistas da música, na classificação do Ministério do Trabalho e Emprego

no Brasil (MTE), se inscrevem no Grande Grupo 2 (Profissionais das ciências e das

artes), subdividido em Subgrupo Principal 26 (Comunicadores, artistas e religiosos) e

Subgrupo 262 (Profissionais dos espetáculos e das artes). É neste último subgrupo que

se inscrevem os grupos ocupacionais 2621 (Produtores de espetáculos); 2622 (Diretores

de espetáculos e afins); 2623 (Cenógrafos); 2624 (Artistas visuais e desenhistas

industriais); 2625 (Atores); 2626 (Músicos compositores, arranjadores, regentes e

musicólogos); 2627 (Músicos intérpretes); 2628 (Artistas da dança, exceto dança

tradicional e popular); 2629 (Designer de interiores de nível superior)6 – (grifos da

autora).

Na descrição das atividades realizadas pelo Grupo 2627 (Músicos intérpretes)7, a

CBO informa que eles:

Interpretam músicas por meio de instrumentos ou voz, em público ou em estúdios de gravação e para tanto aperfeiçoam e atualizam as qualidades técnicas de execução e interpretação, pesquisam e criam propostas no campo musical.

As “condições gerais de exercício da profissão”, ou melhor, como trabalham,

informam que os músicos intérpretes:

Dedicam-se à música erudita e popular e costumam exercer suas atividades organizando-se em grupos sob formato de duos, trios, quartetos, bandas, coros, orquestras e também individualmente, em carreiras solo. Podem combinar essas duas modalidades ou se especializar em uma delas. A maioria trabalha como autônomo para empresas e instituições diversas, públicas ou privadas, apresentando seu trabalho nos mais variados ambientes e para os mais diversos públicos; apenas uma pequena parcela é empregada, geralmente em corpos musicais estáveis, vinculados à esfera pública estadual e

6 A separação dos profissionais da música nos dois grupos citados representa o resultado de três dias de discussão com cada um deles, em 2001. A proposta inicial do MTE em subdividi-los em músicos eruditos e músicos populares não foi aceita pelos grupos porque eles alegaram que são músicos, não importa o gênero musical. A CBO informa políticas públicas e a construção das estatísticas nacionais. Não tem poder de regulamentação da profissão. 7 www.mtecbo.gov.br (consulta realizada em 22/11/2008).

RUMOS ITAÚ CULTURAL MÚSICA – EDIÇÃO 2007/2009 RELATÓRIO PARA DISCUSSÃO

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municipal ou a universidades. Seus horários de trabalho costumam ser irregulares e, em algumas das suas atividades, alguns profissionais podem permanecer em posições desconfortáveis.

As atividades que caracterizam o trabalho dos artistas no Grupo 2626: Músicos

compositores, arranjadores, regentes e musicólogos8 mostram que eles:

compõem e arranjam obras musicais, regem e dirigem grupos vocais, instrumentais ou eventos musicais. Estudam, pesquisam e ensinam música. Editoram partituras, elaboram textos e prestam consultoria na área musical.

Mostram também que:

trabalham com música popular e erudita em atividades culturais e recreativas, em pesquisa e desenvolvimento, na edição, impressão e reprodução de gravações. É comum atuarem concomitantemente no ensino. A grande maioria dos profissionais trabalha por conta própria, exceção feita aos poucos empregados registrados, vinculados a corpos musicais estáveis, em geral, estaduais ou municipais. O trabalho se desenvolve individualmente e em equipes, geralmente em horários irregulares, com deslocamentos constantes para exercê-lo. Em algumas atividades, podem trabalhar sob condições especiais como, por exemplo, em posições desconfortáveis por longo tempo, em ambientes confinados (poço da orquestra no teatro), sob ruído intenso.

Ainda na descrição desse documento, produzido pelo Estado brasileiro por

solicitação da Organização Internacional do Trabalho (OIT) é reconhecido que:

o processo de formação dos músicos e intérpretes é bastante heterogêneo,

podendo ocorrer em conservatórios musicais, junto a professores especialistas ou

em cursos de nível superior em música, de forma isolada ou cumulativamente. Há,

também, profissionais autodidatas, alguns dos quais se especializam no exercício

das suas atividades, no mercado de trabalho.

As descrições realizadas na CBO sobre as condições de trabalho do músico são

reafirmadas nas estatísticas do mercado de trabalho no Brasil e nas entrevistas

realizadas nesta pesquisa; no entanto, estas últimas possibilitam ir além do já descrito

porque informam processos de trabalho, dificuldades, desafios, frustrações, conquistas

vivenciadas no cotidiano. 9 Enfim, informam relações sociais vividas e suas

8 www.mtecbo.gov.br (consulta realizada em 22/11/2008).

9 As descrições das ocupações na CBO 2002 foram realizadas a partir de discussões em grupo com músicos representantes de diversas regiões do Brasil, gêneros musicais e etnias e do sexo masculino e feminino, etnias diversas.

RUMOS ITAÚ CULTURAL MÚSICA – EDIÇÃO 2007/2009 RELATÓRIO PARA DISCUSSÃO

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contradições, modos de vida. As descrições constituem a base da captação dos dados

que mostram as estatísticas do mercado de trabalho no Brasil, inclusive para a música.10

10 Instituto Brasileiro de Estatísticas/Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio – IBGE/PNAD. Nesta base de dados, a CBO Domiciliar é considerada para a captação dos mesmos; ela difere da CBO 2002, já indicada na página anterior, em alguns grupos ocupacionais, entre eles os próprios Músicos, inscritos em dois grupos:

- 262 – Profissionais de Espetáculos e Artes: 2624 – Compositores, músicos e cantores;

- 376 – Artistas de Artes Populares e Modelos: 3762 – Músicos e cantores populares;

Considerando os objetivos específicos desta pesquisa – músicos – estes dois grupos foram considerados na composição dos Profissionais de Espetáculos e das Artes. No entanto, não foram considerados neste agrupamento os Artistas Visuais e Desenhistas Industriais posto tratar-se de uma família ocupacional de artistas que raramente se apresentam ao vivo e esta é uma das especificidades centrais na presente análise. Estes últimos artistas serão objeto de análise do próximo relatório do Observatório Itaú Cultural, em elaboração.

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I.II – SINGULARIDADES DO MERCADO DE TRABALHO DOS PROFISSIONAIS DOS

ESPETÁCULOS E DAS ARTES, COMPARADO COM O MERCADO DE TRABALHO NO BRASIL.

A primeira constatação refere-se à permanente expansão desse grupo

ocupacional, muito além do crescimento dos ocupados no mercado de trabalho no

Brasil. No país, a população ocupada cresceu 16% entre 1992 e 2001, enquanto o grupo

de ocupações selecionado nesta análise, para compor o grupo de Profissionais dos

espetáculos e das artes, registrou um aumento de 67% no mesmo período

(PNAD/IBGE, 2006). No entanto, ainda é bastante restrita sua participação no total dos

ocupados no mercado de trabalho, composto de quase 83 milhões de trabalhadores.

Entre eles, somente 215 mil (0,26%) inscrevem-se nesse grupo ocupacional. Entre os

artistas, os músicos representam o maior crescimento em números absolutos: de 50.839,

em 1992, para 118.431 músicos, em 2006 (soma dos dois grupos ocupacionais

referentes à música). Esses dados informam que os músicos representam 51% dos

profissionais agrupados na rubrica Profissionais dos espetáculos e das artes, composta

por ocupações selecionadas privilegiando o espetáculo ao vivo.

TABELA I PROFISSIONAIS DOS ESPETÁCULOS E DAS ARTES – CLASSIFICAÇÃO BRASILEIRA DE

OCUPAÇÕES (CBO 2002) – CONJUNTO DAS OCUPAÇÕES NO BRASIL (NÚMEROS

ABSOLUTOS E %) 2002 2004 2006

N. A. % N. A. % N. A. %

Produtores de espetáculos 25.937 13 27.567 13 49.745 21

Coreógrafos e bailarinos 8.192 4 7.039 3 7.256 3

Atores, diretores de espetáculos e afins 17.808 9 12.649 6 15.726 7

Compositores, músicos e cantores 27.829 14 24.161 11 18.180 8

Decoradores de interiores e cenógrafos 34.061 17 32.428 15 42.431 18

Músicos e cantores populares 84.067 42 110.709 52 100.251 43

Total 197.894 100 214.553 100 233.589 100

Fonte: IBGE/PNAD 2006. Elaboração de Liliana Segnini (grifo da autora). Colaboração Neale El-Dash.

No entanto, reiterando o que já foi informado na descrição da atividade realizada

na CBO 2002, e antecipando o que será observado nas entrevistas, as estatísticas

registram a menor participação dos artistas em geral e dos músicos, em particular, no

RUMOS ITAÚ CULTURAL MÚSICA – EDIÇÃO 2007/2009 RELATÓRIO PARA DISCUSSÃO

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mercado formal de trabalho (com carteira assinada) e a predominância do trabalho sem

vínculo empregatício, nomeado sem carteira ou conta própria.

TABELA II PARTICIPAÇÃO DOS OCUPADOS DO GRUPO PROFISSIONAIS DOS ESPETÁCULOS E DAS

ARTES, DE ACORDO COM A CBO 2002, NO TOTAL DE OCUPADOS NO BRASIL, POR

POSIÇÃO NA OCUPAÇÃO – 2006 Ocupados no Brasil % Ocupados no grupo

Profissionais dos espetáculos e das artes

%

Formal 31.091.969 37,5 23.793 10

Sem carteira 15.177.598 18,3 65.472 28

Conta própria 18.015.385 21,8 132.001 57

Empregador 3.430.993 4,1 6.350 3

Não remunerado 5.407.550 6,5 5.973 3

Trabalhador doméstico 6.415.209 7,8

Autoconsumo 3.278.207 4

Total 82.816.911 100 233.589 100

Fonte: IBGE/PNAD 2006. Elaboração de Liliana Segnini. Colaboração Neale El-Dash.

I.III – TRABALHO FORMAL – DIREITO RESTRITO A UM PEQUENO NÚMERO DE

MÚSICOS

O trabalho com registro em carteira, considerado formal, no Brasil compreende

37,5% dos trabalhadores ocupados; no grupo selecionado para compor os Profissionais

dos Espetáculos e das Artes essa porcentagem é reduzida para 10% (PNAD, 2006). A

situação é reiterada, com cores ainda mais intensas, no campo da música, no qual

somente 7% (8.673) têm acesso a esse tipo de contrato. Trinta por cento (35.669) dos

artistas se declaram sem carteira e 58% (68.236) por conta própria. Esses números

representam a soma dos dois grupos ocupacionais referentes às ocupações em música,

no Brasil, ou seja, “Compositores, músicos e cantores” (18.180) e Músicos e cantores

populares (100.251).

RUMOS ITAÚ CULTURAL MÚSICA – EDIÇÃO 2007/2009 RELATÓRIO PARA DISCUSSÃO

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TABELA III PROFISSIONAIS DA MÚSICA, POR POSIÇÃO NA OCUPAÇÃO NO BRASIL 1992 2001 2002 2004 2006

Formal 5.455 7.456 6.470 12.928 8.673

Sem carteira 23.946 25.646 41.978 37.600 35.669

Conta própria 20.454 49.403 55.613 79.818 68.236

Empregador - 2.971 3.319 3.421 4.529

Não remunerados 984 1.679 4.516 1.103 1.324

Total 50.839 87.155 111.896 134.870 118.431

Fonte: IBGE/PNAD 2006. Elaboração de Liliana Segnini. Colaboração Neale El-Dash.

O número de empregos formais é ainda menor se considerado os dados da

RAIS/MTE11, nos quais é possível observar quase mil empregos formais a menos do

que indicado pela PNAD/IBGE. No entanto, a RAIS registra o crescimento do número

dos empregos formais em música que passaram de 6.937, em 2004, para 7.700, em

2007. Esse crescimento refere-se à contratação de homens – 927 músicos a mais em

empregos formais. Em relação à contratação de mulheres, foram reduzidos 164 postos

de trabalho para elas na mesma área. Esses dados reafirmam que a música é um espaço

de trabalho predominantemente masculino, desde sempre, não só no Brasil. Essa

questão será retomada posteriormente.

A docência no ensino superior público e o trabalho em orquestras também

públicas constituem as principais possibilidades de trabalho formal para o artista da

música, tanto no Brasil como em outros países industrializados (Ravet, 2003;

Coulangeon, 2004). No entanto, observa-se, desde o início dos anos 1990, a redução

sistemática desses postos de trabalho por meio das reestruturações e dos fechamentos de

orquestras (Segnini: 2007. op. cit.).

11 Decreto 76.900, de 23/12/75. A RAIS capta somente o emprego formal no país.

RUMOS ITAÚ CULTURAL MÚSICA – EDIÇÃO 2007/2009 RELATÓRIO PARA DISCUSSÃO

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Gráfico II Músicos premiados entrevistados, por posição na ocupação. Números absolutos

Fonte: Observatório Itaú Cultural, 2008. Elaboração Liliana Segnini.

Salários estáveis e direitos vinculados ao trabalho são condições vividas por

somente 4 entre os 39 músicos entrevistados, quer seja pela docência no ensino superior

quer seja por pertencer a uma formação orquestral. Trata-se dos músicos Flávio Macedo

(Monte Pascoal, de Belo Horizonte), Adolfo Almeida (Adolfo Paradoxos, de Porto

Alegre), Carla Rincon (Quarteto Radamés Gnatalli, do Rio de Janeiro) e Andrea Luisa

de Oliveira Teixeira (Sons do Cerrado, de Goiânia). Para eles, a música representa o

principal trabalho, principal fonte de recursos financeiros. Eles fazem parte do reduzido

grupo já citado de 7% dos músicos com contrato formal de trabalho, de acordo com o

IBGE/PNAD.

Eu me formei em 95. No final de 96, comecei a trabalhar na Universidade do Estado [...] Nós todos [do Grupo Monte Pascoal] somos professores universitários. Só o Eduardo, que é percussionista da Orquestra Sinfônica de Minas Gerais, sua atividade principal. Todos nós [...] vivemos de música; toda a renda é através da música. Não só através do quarteto, mas de outros grupos que a gente toca, a atividade acadêmica [...] Na verdade, como músico, você tem que ter vários caminhos, vários meios (Flávio Macedo, do Grupo Monte Pascoal, 21/6/2008).

RUMOS ITAÚ CULTURAL MÚSICA – EDIÇÃO 2007/2009 RELATÓRIO PARA DISCUSSÃO

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Grupo Monte Pascoal formado por cinco músicos instrumentistas – Rumos Itaú Cultural Música, 21/6/2008. Foto: Acervo Itaú Cultural.

Os músicos salientam que o desenvolvimento do profissional nesse campo exige

ir além do emprego e construir vários caminhos, redes, contatos – considerados

necessários, sobretudo no planejamento do amanhã –, vislumbrando exigências

artísticas demandadas pelo próprio artista (realização pessoal) e também pela

competitividade do mercado. A questão financeira decorre dessas relações.

Acaba que você exerce várias atividades, tudo dentro da música. Na verdade, como músico, você faz cachê. Pode fazer cachê em orquestra, em outros grupos, como big band [...] Tenho um duo de música instrumental [...] A gente tem que dar um jeito, né? (Flávio Macedo, do Grupo Monte Pascoal, 21/6/2008).

Entre a criação da orquestra e o hoje, no qual é possível “receber em dia”, um

longo caminho foi trilhado por esses músicos nos meandros da relação entre direitos

sociais e política, relação esta sempre tensa nas orquestras, submetida à lógica política e

de mercado.

A orquestra foi encampada pelo Estado. Todos aqueles que estavam [tornaram-se] funcionários públicos. E eles acharam melhor, naquele período, que todos que entrassem fossem funcionários CLT12. Tinha um exame, não era um concurso, era apenas um teste. Então, fui contratado como CLT, era um emprego formal, normal.

12 Consolidação das Leis do Trabalho. Decreto-lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943.

RUMOS ITAÚ CULTURAL MÚSICA – EDIÇÃO 2007/2009 RELATÓRIO PARA DISCUSSÃO

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Vários anos depois que mudou a política, eles resolveram abrir concursos; daí a gente prestou concurso público. Então, dez anos depois que eu estava na orquestra, passei a ser funcionário público efetivo. Mas já era um contrato legal [...] Minha situação até hoje é como funcionário estadual, público [...] Houve um concurso recente na orquestra, e as pessoas que entraram também entraram estatutário, no regime diferente do nosso. No nosso regime também estamos em extinção. E a situação daqui para a frente não se sabe como vai ser, porque pode mudar, existem forças políticas tentando fazer da [orquestra] uma Fundação de Direito Público, uma Oscip13 (Fabio Mendes, do Grupo Adolfo Paradoxos, 12/7/2008).

Grupo Adolfo Paradoxos, formado por músicos instrumentistas. Apresentação de Fábio Mendes – Rumos Itaú Cultural Música, 12/7/2008. Foto: Acervo Itaú Cultural

Contrato formal, salário garantido, possibilidades de trabalho frequentemente

desejadas pelo músico como trabalhador, nem sempre pelo músico como artista.

Eu trabalhava na Sinfônica Brasileira e na Petrobras Sinfônica ao mesmo tempo [...] dava aula, quer dizer não tinha vida. Dois anos atrás, resolvi sair da sinfônica e a grande repressão que tive de meus colegas foi: “Você vai sair do CLT e vai para um contrato?” [...] A sinfônica, este mês em junho, está em R$ 5 mil e a Petrobras em R$ 4 mil, mas vou te falar o que isso verdadeiramente significa: na Sinfônica e na Petrobras você não pode fazer mais nada, você trabalha tanto [...] Estou saindo exatamente por isso! E também não tem nenhum crescimento artístico naquela orquestra (Carla Rincon, do Quarteto Radamés Gnatalli, 23/6/2008).

13 Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público. Lei 9.790 de 1999.

RUMOS ITAÚ CULTURAL MÚSICA – EDIÇÃO 2007/2009 RELATÓRIO PARA DISCUSSÃO

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Quarteto Radamés Gnatalli formado por três músicos instrumentistas e uma mulher, Carla Rincon (violino) – São Paulo,

23/6/2008. Foto: Acervo Itaú Cultural

Carla Rincon refere-se às crescentes dificuldades nas relações de trabalho em

orquestras, emprego mais estável para o músico, que o substitui pela docência.

Claro que estou pensando no amanhã [...] Minhas intenções são ensinar mais ainda, porque quero sair da orquestra. As orquestras são... uma questão econômica, elas não me brindam com nenhum crescimento artístico (Carla Rincon, do Quarteto Radamés Gnatalli, 23/6/2008).

I.IV – MÚLTIPLAS FORMAS DE TRABALHO NO CAMPO DA MÚSICA

O trabalho artístico é, por excelência, flexível, seja em termos do conteúdo do

trabalho, seja em termos locais, horários ou contratos. A instável condição de trabalho e

carreira do artista é reconhecida, historicamente, em vários países, inclusive no Brasil.

Hoje, essa condição é ainda mais intensa, em decorrência do crescimento das formas

precárias de trabalho no próprio mercado, no contexto da mundialização e das

reestruturações (Sennet, 1999; Castel, 1995). O trabalho artístico constitui “verdadeiros

laboratórios de flexibilidade”, conforme análise de Pierre-Michel Menger, sociólogo

francês, no livro-síntese de suas pesquisas realizadas há mais de uma década sobre o

trabalho artístico na França – Portrait de l´Artiste en Travailleur (Menger, 2002).

RUMOS ITAÚ CULTURAL MÚSICA – EDIÇÃO 2007/2009 RELATÓRIO PARA DISCUSSÃO

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Trabalho flexível, frequentemente precário, somado à exigência de elevado grau

de engajamento por parte do trabalhador, caracteriza o mercado de trabalho no presente

(Linhart, 2007); essas características sintetizam as especificidades do trabalho e da

profissão do artista. Nesse sentido, o artista pode ser considerado uma metáfora do

trabalho no mundo contemporâneo.

O autoemprego, o free-lancing e as diversas formas atípicas de trabalho (intermitência, tempo parcial, vários cachês, vários empregadores) constituem as formas dominantes da organização do trabalho nas artes (Menger, op. cit).

Heterogeneidade na vivência das formas instáveis de trabalho é a característica

central do mercado de trabalho artístico. Essa constatação leva o autor a destacar um

paradoxo:

Que ironia que as artes que, desde há dois séculos, têm cultivado uma posição radical em relação a um mercado todo-poderoso apareçam como precursoras da flexibilidade, ou até da hiperflexibilidade (Menger, op. cit.).

A produção dos espetáculos, também não só no Brasil, se organiza por projetos e

demanda constante reorganização dos fatores de produção; impõe uma flexibilidade

máxima ao trabalhador artista. A existência de um “exército artístico de reserva

altamente qualificado” é pré-condição para a manutenção dessa forma de organização

do espetáculo ao vivo. É necessário recrutá-lo de maneira rápida, por meio de redes de

conhecimento e audições pelas quais são identificados os melhores artistas para cada

espetáculo, para responder a cada edital, de acordo com diferentes possibilidades de

remuneração – cachês (Menger, op. cit.).

Os músicos entrevistados destacam a permanente condição instável do artista,

bem traduzida nas estatísticas – 85% se declaram por conta própria e 3% sem carteira,

totalizando 88% de trabalhadores artistas sem vínculo empregatício formal. Assim,

reiteram as estatísticas referentes aos músicos no mercado de trabalho brasileiro, os

quais, conforme já dito, também 88% entre eles não têm vínculo empregatício formal.

RUMOS ITAÚ CULTURAL MÚSICA – EDIÇÃO 2007/2009 RELATÓRIO PARA DISCUSSÃO

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TABELA IV MÚSICOS PREMIADOS ENTREVISTADOS, POR POSIÇÃO NA OCUPAÇÃO Posição na ocupação N. A. %

Com carteira 4 10

Sem carteira 1 3

Conta própria 33 85

Não remunerado 1 3

Total 38 100

Fonte: Observatório Itaú Cultural, 2008. Elaboração: Liliana Segnini.

Entre as várias formas que os músicos encontram para “dar um jeito” e continuar

na profissão, é possível destacar algumas questões que informam as dificuldades vividas

e as estratégias, caminhos para superá-las no mundo do trabalho no campo da música.

Entre elas, a docência, o trabalho cooperado, o “fazer um cachê”, a realização de outros

tipos de trabalho, o tornar-se produtores diante de várias possibilidades de trabalho, tais

como aprender as regras das leis de incentivo à cultura, dos frequentes e crescentes

editais e das redes de relacionamento entre artistas e produtores, a produção de

espetáculos e discos, sobretudo nas oportunidades abertas pelas novas tecnologias da

informação. Todos os entrevistados reconhecem esse campo de trabalho instável,

competitivo, difícil, mas apaixonante.

I.IV. I – MÚSICO PROFESSOR: OPÇÃO OU ESTRATÉGIA?

Os 16 professores de música informam que gostam de ensinar: Adolfo Almeida,

Bianca Gismonti, Claudia Castelo Branco, Flávio Macedo, Felipe Julian, Carla Rincon,

Rogério Gulin, Eliezer Teixeira, Alzira Espíndola, Ana Fridman, Andrea Luisa de

Oliveira Teixeira, Ulisses Galetto, Paula Santoro, Ive Luna, Maria José Silva, Beto

Mejia. No entanto, a docência em música nem sempre é uma opção do artista; significa,

de acordo com os relatos, mais uma das estratégias para se manterem no campo da

música e conquistar estabilidade financeira.

RUMOS ITAÚ CULTURAL MÚSICA – EDIÇÃO 2007/2009 RELATÓRIO PARA DISCUSSÃO

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Duo Gisbranco: Bianca Gismonti e Claudia Castelo Branco, pianistas e professoras – Rumos Itaú Cultural Música, 23/5/2008. Foto: Acervo Itaú Cultural.

A docência em música é realizada, sobretudo por meio de aulas particulares e

constituem formas instáveis de trabalho, como informam Bianca Gismonti e Claudia

Castelo Branco, pianistas do Duo Gisbranco. Elas reconhecem que, mesmo gostando de

seus alunos, de ministrar aulas, interpretar é o objetivo maior de suas carreiras.

Comecei a dar aula quando saí da casa dos meus pais, até um pouco antes. Foi mais ou menos em 2001 quando começou a surgir essa história de ter a própria vida financeira. Comecei a dar aula primeiro para filhos de amigos próximos, pessoas relacionadas com o meu pai e com a minha mãe. Isso foi aumentando e, desde então, sou completamente professora, tenho vários alunos. A Claudia também, a gente já deu aula junta, em escola [...] [alunos] é a possibilidade de renda, no meu caso [...] Gostaria de ter poucos [...] E hoje, com certeza, não posso não ter tantos. Porque a gente toca muito, mas ainda é um processo de investimento, não são todos os shows que a gente faz que a gente ganha. Então, minha renda é com aula! Mas torço e sei que vai chegar o dia que vou poder ter os alunos que gosto, sem precisar daquela renda (Bianca Gismonti, do Duo Gisbranco, 23/5/2008).

Rogério Gulin se descreve como “um paranaense que toca viola caipira, tem

uma formação de violão, compõe, tem um grupo de música caipira, um grupo de world

music, e [dá] aula. Sou pai de quatro filhos. Uma pessoa normal”. Ele trabalha somente

como músico, para tanto exerce cinco atividades concomitantes na área, em vários

RUMOS ITAÚ CULTURAL MÚSICA – EDIÇÃO 2007/2009 RELATÓRIO PARA DISCUSSÃO

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lugares diferentes: professor no conservatório, integrante da orquestra de cordas (recebe

um salário da Fundação de Cultura), integrante do Viola Quebrada (que segundo Gulin

é o grupo mais rentável), integrante do Terra Sonora e músico independente, com esse

trabalho solo apresentou-se no Rumos.

Aula particular é um curso que você marca dez alunos por semana e tem um dinheiro na hora. Aquele dinheiro da gasolina, do mercado do dia seguinte. Não se pode contar com cachê como uma coisa certa, às vezes demora três meses [para recebê-lo]. É como tocar e receber num bar, já toquei, mas não toco mais. Os cachês são demorados. A aula particular é uma subsistência, pega-se um dia por semana e dedica-se aquele dia àqueles alunos [...] Foi uma coisa que a vida me levou a fazer. As pessoas me procuravam: “Quero ter aula com você” [...] Dou aula em um conservatório em Curitiba que é mantido pela Fundação Cultural. É legal, eu gosto. Porque vejo como uma formação de plateia também. De 50 alunos que pego, um ou dois vão se dedicar à profissão. Durante toda a vida que tive como professor, meia dúzia de alunos saiu para ter uma carreira. Então, esses outros todos são pessoas que vão ao show, compram CD, viram amigos. Acho importante isso, é uma formação de plateia mesmo [...] O importante são os trabalhos que estou fazendo: o conservatório que eu dou aulas. Nesse conservatório, também toco numa orquestra que se chama Orquestra à Base de Corda. É um grupo com dez músicos; tem três violões, viola caipira, bandolim [Nele] recebo um salário mensal. Então, uma vez por mês, duas vezes por mês, a gente tem que dar um espetáculo [...] Tem O Viola Quebrada, que é um grupo de música de resgate, música caipira, já gravou Pixinguinha, já tocamos em São Paulo, a gente está sempre tocando. Esse é o grupo que mais me dá retorno financeiro, já gravamos cinco discos. Tem também o trabalho com o Terra Sonora, que é um grupo legal, a gente já viajou para o Chile duas vezes, viajamos bastante. E [além disso] meu trabalho solo (Rogério Gulin,19/6/2008).

RUMOS ITAÚ CULTURAL MÚSICA – EDIÇÃO 2007/2009 RELATÓRIO PARA DISCUSSÃO

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Rogério Gulin, viola caipira – Rumos Itaú Cultural

Música, 19/6/2008. Foto: Acervo Itaú Cultural.

Os professores particulares também vivenciam contratos de trabalho

intermitentes, sem vínculo e direitos sociais. No entanto, a aula particular fundamenta a

origem da relevância do mestre, como referência na formação de um músico, reiterada

mesmo em instituições, como as universidades públicas. “Fui aluno de..., quando eu

estava na universidade X” – essa é a forma recorrente de se apresentarem.

Então, comecei tendo aula [...] muito novinho em escolas [...] ou com os amigos do meu pai [...] Tive um professor que foi importante para mim, que é o Laércio de Freitas, um grande arranjador, um grande pianista [...] “Tio” era o apelido dele [...] É um grande camarada, um grande sujeito, nem sei se ele se lembra de mim [...] Depois, fui para um conservatório [...] E posteriormente estudei na Escola Municipal aqui em São Paulo, com a Ilda Fiori, grande pianista! (Ana Luiza e Luiz Felipe Gama, 22/8/2008).

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Ana Luiza e Luiz Felipe Gama. Grupo formado por três músicos intérpretes e uma cantora – Rumos Itaú Cultural Música, 22/8/2008. Foto: Acervo Itaú Cultural.

I.IV. I.I – CRESCIMENTO DO ENSINO SUPERIOR EM MÚSICA

As matrículas em formação de professor de música, no ensino superior, em um

curto período entre 2000 e 2005, registram um crescimento, em números absolutos, de

894 para 5.263, de forma predominante em instituições públicas, sobretudo nas regiões

Norte, Sul e Sudeste do país.

TABELA V MATRÍCULA EM FORMAÇÃO DE PROFESSOR DE MÚSICA, POR CATEGORIA

ADMINISTRATIVA E REGIÃO DO BRASIL 2000 2001 2002 2005

Pública Privada Pública Privada Pública Privada Pública Privada

Norte 134 0 136 0 127 0 1081

Nordeste 366 60 373 54 374 40 903 128

Sudeste 60 0 116 0 124 25 1041 397

Sul 237 0 253 0 245 0 1175 113

Centro-Oeste 37 0 71 0 99 0 425

Total 834 60 949 54 969 65 4625 638

Fonte: Inep/MEC, Censos do Ensino Superior, cruzamentos especiais. Elaboração Liliana Segnini. Colaboração Neale El-Dash.

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Entre os músicos premiados entrevistados, 25 completaram a formação no

ensino superior; representam 64% do grupo, número ainda mais expressivo que o dos

músicos no Brasil com esse grau de escolaridade (60%, IBGE/PNAD 2006), muito além

quando considerado o restrito grupo composto somente de 8,1% da população ocupada

no mercado de trabalho no Brasil.

GRÁFICO III MÚSICOS PREMIADOS, POR ESCOLARIDADE. NÚMEROS ABSOLUTOS

Fonte: Observatório Itaú Cultural, 2008. Elaboração: Liliana Segnini.

Música no ensino superior é opção de dez dos entrevistados, representando

assim 40% do grupo. Outros cursos, como jornalismo e letras (3 músicos em cada

curso), artes plásticas (2), biologia, comunicação social, ciências contábeis, direito,

história, pedagogia e teatro, foram realizados, frequentemente, ao mesmo tempo que

continuavam tocando, no sentido de atender a uma solicitação familiar por uma

formação “séria” que lhe possibilitasse “sustento”.

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GRÁFICO IV MÚSICOS PREMIADOS ENTREVISTADOS, POR CURSO SUPERIOR. NÚMEROS ABSOLUTOS

Fonte: Observatório Itaú Cultural, 2008. Elaboração: Liliana Segnini.

Eu me formei em piano [...] Minha mãe falava: “A herança que a gente tem pra vocês é o estudo”. Então, tenho medo, você sabe como é a música no Brasil! É difícil, é muito difícil o emprego que te dê uma renda, então acho que, mesmo que você faça um curso de música, deve fazer outro curso, um que possa te dar um apoio, numa hora de maior necessidade. São todos advogados: meu pai, minha mãe e meus três irmãos. Fiz psicologia [...] Eu já era casada e já tinha um filho, e pensei “vou terminar o curso de psicologia porque música realmente é muito difícil no Brasil!”. Mas nunca trabalhei com psicologia. Graças a Deus, o meu sustento é a música. Então, eu me formei na Universidade Federal de Goiás em piano, depois fiz o mestrado em música no Conservatório Brasileiro de Música, no Rio de Janeiro (Andrea Luisa, do Sons do Cerrado, 16/8/2008; grifos da autora).

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Sons do Cerrado, grupo formado por nove integrantes, entre eles a cantora Andrea Luisa – Rumos Itaú Cultural Música, 16/8/2008. Foto: Acervo Itaú Cultural.

O piano como paixão e o receio de um futuro incerto levaram Andrea para a

psicologia e Luiz Felipe Gama para o curso de física, na Universidade de São Paulo

(USP).

Piano, sempre piano, em todos esses casos, piano [...] Então, quer dizer, eu tinha como paixão fundamental as artes, em particular a música, mas [...] aconteceu que quando fui prestar vestibular [...] Para ficar um cara com formação, fui fazer física (Luiz Felipe Gama, 22/8/2008; grifos da autora).

Luiz Felipe não terminou o curso de física, ficou com a música.

I.IV.II – COOPERATIVA DE MÚSICA: UMA ESTRATÉGIA DIANTE DO MERCADO

DE TRABALHO?

A Cooperativa de Música foi criada em São Paulo, em 2003, por 26 músicos

cooperados fundadores. Em 2008, mais de mil músicos e técnicos já eram associados.

Trata-se de “uma iniciativa pioneira na área do cooperativismo cultural, vindo juntar-se

a outras cooperativas de arte e cultura e fortalecer todo o setor”

(www.cooperativademusica.com.br).

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A Cooperativa visa criar condições de trabalho para seus cooperados,

possibilitando acesso à elaboração de projetos para concorrerem às leis de incentivo,

responder aos editais, gravar CD, fornecendo documentos legais e fiscais. Dessa forma,

terá por objetivo:

a) Produzir, beneficiar, adquirir ou construir infraestrutura necessária

para a produção de espetáculos, CDs, DVDs, livros e manifestações artísticas

ligadas à música e à prestação artística ou técnica do cooperado;

b) A reunião de artistas e técnicos em atividades voltadas para a música, para sua

defesa socioeconômico-cultural, proporcionando-lhes condições para o exercício

de suas atividades e seu aprimoramento profissional;

c) Promover a difusão da doutrina cooperativista e seus princípios ao

quadro social;

§ Único – A Cooperativa de Música atuará sem discriminação política,

racial, religiosa ou social e não visará ao lucro.

Art. 3º – Representando seus cooperados, a Cooperativa de Música

poderá celebrar contratos com pessoas física e jurídica de direito público ou

privado;

Art. 4º – Nos contratos celebrados, a Cooperativa de Música representará

os cooperados individual ou coletivamente, agindo como sua mandatária;

Art. 5º – Os cooperados praticarão os atos que lhe forem concedidos pela

Cooperativa de Música, individual ou coletivamente, havendo obrigatoriedade de

obediência aos termos do contrato celebrado.

Art. 6º – Todo relacionamento dos cooperados com a Cooperativa de

Música, no que tange à organização de seu trabalho, seu oferecimento ao

público, à contratação dos seus serviços, ao recebimento de contra-prestação

devida e ao retorno das sobras líquidas do exercício de conformidade com a

produção de cada um, com respeito ao item 7 do artigo 4º da Lei nº 5.764/71,

constituirá ato cooperativo previsto em Lei.

Art. 7º – A Cooperativa de Música poderá ministrar cursos, oficinas e

seminários para aperfeiçoamento e aprimoramento técnico-profissional de seus

associados, e se for o caso estendê-los a outros artistas e ao público em geral.

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Art. 8º – A Cooperativa de Música poderá incentivar e promover,

juntamente com órgãos públicos ou privados, intercâmbio cultural entre seus

associados e grupos, artistas ou entidades de outra localidade, através de shows,

cursos, oficinas, palestras, debates, festivais e mostras de música, em sua área de

ação ou em lugares onde haja interesse pela produção musical cooperativada.

Art. 9º – A Cooperativa de Música promoverá ainda a educação

cooperativista e participará de campanhas de expansão do cooperativismo e de

modernização de suas técnicas (Disponível em

www.cooperativademusica.com.br. Consulta realizada em 14/4/2009).

Luiz Felipe Gama e Felipe Julian, músicos selecionados pelo Rumos e

cooperados fundadores, salientam o papel político da cooperativa. Luiz Felipe

acrescenta os riscos que a cooperativa pode representar para o trabalho de músico de

seus dirigentes diante da crescente solicitação burocrática.

É uma experiência muito rica, muito importante para mim do ponto de vista humano, da formação como cidadão, formação política portanto; tudo isso! Mas eu realmente sinto que precisava chegar ao fim meu papel de dirigente da cooperativa, entendeu? Até porque essas coisas são muito perigosas, de repente você vai virando um burocrata do cooperativismo (Luiz Felipe Gama, 22/8/2008).

No entanto, a cooperativa só se fortalece pela sua relevância em termos

econômicos, argumentos reiterados por Felipe Julian.

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Grupo Axial, formado por quatro instrumentistas, entre eles Felipe Julian, e uma cantora – Rumos Itaú Cultural Música, 22/5/2008. Foto: Acervo Itaú Cultural.

Ele exemplifica, reafirmando o poder político de negociação da cooperativa e a

possibilidade de redução de custos, inclusive nos impostos.

Ao mesmo tempo que conseguimos construir um instrumento político por meio do qual podemos sentar no gabinete do secretário de Estado da Cultura, também conseguimos constituir uma empresa na qual somos sócios, onde posso emitir notas fiscais pelo serviço que eu prestar, entendeu? [...] E a cooperativa tem impostos menores, mas veja, existe uma série de controvérsias tributárias, importantes hoje no Brasil, acerca do que deveríamos e o que não deveríamos pagar. De cada nota fiscal emitida, a cooperativa fica com 3% do valor. E existem dentro da cooperativa algumas orquestras e alguns conservatórios que pagam todos os músicos, quer dizer, 100 músicos, 50 professores, todo mês, pela cooperativa. Então passou a ter um volume de dinheiro circulando (Felipe Julian, 6/6/2008).

Felipe Julian informa que a arrecadação da Cooperativa possibilita a realização

de várias atividades que favorecem as condições de trabalho dos cooperados, tais como

criação de um selo próprio para a gravação e a divulgação de CDs, assistência jurídica,

cursos de gestão cultural, organização de planos de saúde, com especial atenção às

grávidas.

Ele reconhece que a multiplicação de cooperativas fraudulentas – “coopergatos”

– determinou a revisão da legislação, na tentativa de minimizar os riscos de

precarização do trabalho.

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Uma lei recém-aprovada nesta semana na Câmara dos Deputados foi para o Senado, que regulamenta as cooperativas de trabalho. Isso é um problema sério, quer dizer, qual é a diferença entre uma cooperativa regular de trabalho de pessoas que vão produzir sapato e a “coopergato”, que é aquele cara que tinha uma fábrica de sapato e que demitiu todo mundo, e para não pagar os direitos trabalhistas inventou uma cooperativa para os caras fazer sapatos como um cooperado. Isso é um problema importante, a lei não tem luz que ilumine com clareza esse problema. O Ministério Público tende a entender como fraudulenta toda relação de trabalho mais sistemático e coletivo que se dê via cooperativa (Felipe Julian, 6/6/2008).

Reconhecendo legítima a questão analisada por Felipe Julian, sobretudo no

presente, no qual as formas ditas flexíveis de trabalho se expandem apoiadas em

“coopergatos” e considerando a informação sobre o crescimento da cooperativa por

meio da entrada de músicos que pertencem a formações orquestrais e de professores de

escolas de música, resta indagar o ambíguo papel que a cooperativa desempenha, ora

apoiando músicos para se inserirem no mercado de trabalho, ora possibilitando a

precarização dos vínculos sociais de trabalho em instituições relacionadas à música.

I.IV. III – OUTRAS FORMAS DE TRABALHO PARA PODER “FAZER UM CACHÊ”

Rinaldo é técnico judiciário de Rondônia. Nasceu em Osasco, São Paulo (seu pai

era operário na Ford). Aprendeu a tocar violão de maneira autodidata, com livros de

partitura de banca de jornal. Nos anos 1980, ao mesmo tempo que trabalhava na

biblioteca da USP, tentou montar uma banda, mas não teve sucesso por não conseguir

se submeter aos padrões estéticos que se fazia na época. Ficou afastado da música por

muito tempo. Foi em Rondônia que conseguiu retornar ao trabalho musical,

organizando a banda Soda Acústica.

[Em Rondônia] consegui emprego público federal. Consegui entrar na Universidade Federal, fiz o curso de letras. Estou fazendo uma pós-graduação. Comecei uma graduação de música agora. Voltei a compor, a me interessar por música assistindo a um pessoal que tem por ali [...] Montei uma banda com colegas de sala de aula,

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que são os meninos que vão tocar com a gente amanhã (Rinaldo dos Santos Silva, da banda Soda Acústica, 24/5/2008).

Soda Acústica é uma banda formada por um grupo de músicos que se conheceu

na Faculdade de Música de Porto Velho e que pretende fazer um som “diferente”,

experimental. No entanto, apesar de ser reconhecido na região e realizar várias

atividades no meio artístico, como composição de trilha sonora, Rinaldo não poderia

deixar de trabalhar como técnico judiciário. Segundo ele, é essa atividade que lhe

possibilita manter-se no trabalho artístico com boas condições financeiras.

Sou técnico judiciário [risos]. Fico lidando com um monte de processo. Já fiz um esforço e acho que vou conseguir trabalhar em uma área administrativa, não tão exigente, tão corrida. Porque isso está interferindo na minha produção [...] Trabalho das 11 às 18. Só que fui sendo tragado pela máquina e ganhando algumas funções e já estava trabalhando das 8 às 18, não por exigência, mas pela responsabilidade que eu tinha, pela resposta que eu tinha que dar. Saí de férias agora e falei: não quero mais essa função e quero trabalhar em um lugar onde eu não precise pensar muito. Porque há muito tempo eu não componho. E não quero isso para mim, não (Rinaldo dos Santos Silva, da banda Soda Acústica, 24/5/2008).

“Tocar na noite” é uma das formas recorrentes de trabalho informadas pelos

músicos, sempre considerada exigente, mal remunerada, instável.

Sobre se conseguiria sobreviver apenas da música, Rinaldo diz:

Talvez sim, mas eu teria que fazer uma coisa que não quero – tocar na noite [...] Gostaria de o tempo todo estar envolvido com a música de um jeito ou de outro [...] Mas eu não poderia agora sair do meu emprego, eu preciso dele. Por exemplo, o Sesc me convidou para ser professor de trilha sonora num curso de teatro que eles vão oferecer. Então, projetos assim, se forem aparecendo mais... (Rinaldo dos Santos Silva, da banda Soda Acústica, 24/5/2008).

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Grupo Soda Acústica, formado por músicos instrumentistas e voz de Rinaldo dos Santos Silva – Rumos Itaú Cultural Música, 24/5/2008. Foto: Acervo Itaú Cultural.

Wado acredita que, mais que uma carreira, está buscando construir uma obra.

Ele tem 30 anos e nasceu em Florianópolis, mas aos 8 anos mudou-se com a mãe e os

irmãos para Maceió, onde formou-se jornalista pela Universidade Federal de Alagoas.

Na família, encontrou no tio violinista, irmão de sua mãe, incentivo para tocar algum

instrumento; ele afirma possuir uma formação mais autodidata: “Tenho três meses de

aula de violão ao todo. Sou compositor, bom compositor e músico mediano”.

Acho que é assim, estou construindo uma carreira [...] Na verdade, não estou construindo carreira nada, estou tentando construir uma obra [...] Trabalho para ter uma obra, os discos que fiz. Tento manter uma construção, que não é linear, mas que faz um sentido para mim (Wado, 25/5/2008).

Atualmente, diz com certa ironia que, para se manter financeiramente como

músico, é diagramador no Jornal de Alagoas. Conta que os membros de sua banda

vivem de música, mas fazendo várias outras coisas no meio artístico: tocando em outras

bandas, produzindo etc. Ele revela a dificuldade para sobreviver de música no Brasil.

Este é o primeiro emprego onde tenho uma experiência como jornalista, pois parti primeiro para a música. E para mim é necessária esta experiência com jornalismo [...] Para eu poder almoçar. Porque não adianta você ficar brincando de artista e [...] passar fome. Acho que não é você que escolhe ser artista, você pode

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tentar ser artista, mas não é filantropia [...] Quando faço um evento particular em Maceió, tiro uns 3.500 [reais]. Esse valor é dividido com a banda. Por isso tenho que trabalhar com outra coisa, porque é muito ruim. E ainda sou um dos que melhor pagam em Alagoas. Aqui a gente está recebendo 4.500 reais. O Sesc me pagou 6 mil no dia 8 agora, mas os custos são muito grandes [...] Aqui vou perder 31% de imposto de 4.500! E vou pagar o quê!? Quinhentos reais para cada músico? Num trabalho que a gente faz uma vez ou duas vezes por mês!? [...] Digo para os músicos: se o outro cara vai te pagar melhor, o que posso fazer? (Wado, 25/5/2008).

Wado e sua banda – Rumos Itaú Cultural Música, 25/5/2008. Foto: Acervo Itaú Cultural.

Tenho dois músicos que vivem exclusivamente de música; para tanto, por exemplo, o meu pianista toca numas 15 bandas. E ele tem um estúdio de gravação; então, ele trabalha o dia inteiro com música para poder viver de música (Wado, 25/5/2008).

A constante “múltiplas atividades” possibilita a permanência desses

profissionais no campo da música, caracteriza as trajetórias descritas, reafirma, de

diferentes formas, a angústia provocada pela incerteza da profissão em relação ao

futuro. Múltiplas atividades – essa seria a resposta contemporânea à pergunta elaborada

por Norbert Elias ao contexto da Corte sobre o significado de “ser socialmente

reconhecido como artista e ser ao mesmo tempo capaz de alimentar sua família”.

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I.IV. IV – PRODUTORES E LEIS DE INCENTIVO EM UM MERCADO DE TRABALHO

CADA VEZ MAIS COMPETITIVO

Tornar-se produtor de seus próprios trabalhos e de outros músicos é uma das

atividades assumidas por 20 músicos, entre os entrevistados: Adolfo Almeida,

Alessandra Leão, Alexandre Simões, Alzira Spíndola, Ana Fridman, Andrea Luisa,

Eliezer Teixeira, Felipe Julian, Gustavo Telles, Idson Ricart, Ive Luna, Luiz Felipe

Gama, Luiz Félix, Rogério Gulin, Marco Mattoli, Paula Santoro, Munha, Ulisses

Galetto, Vitor Pirralho e Wagner Merije. Dessa forma, mantêm-se no campo da música

e se tornam conhecedores do complexo campo da produção musical e de espetáculos e

gravações, e aprendem a trabalhar com projetos para leis de incentivos à cultura e

editais.

Alessandra Leão iniciou sua carreira musical em brincadeiras de rua, frevo de

bloco e boi de carnaval, inspirada nas músicas tradicionais de Pernambuco e do

Recôncavo Baiano. Começou a trabalhar na área das artes no teatro e na dança e se

aproximou da música tradicional por meio dos meninos do Mestre Ambrósio. Começou

a tocar aos 17 anos e logo depois, em agosto de 1997, ajudou a fundar o Comadre

Florzinha, grupo feminino só de percussão e voz. Elas conquistaram relativo sucesso, e

tocaram na América do Norte e na Europa. No entanto, na volta da turnê em 2000 o

grupo se desfez por uma série de pequenas complicações internas e financeiras. Depois

do término do grupo Comadre Florzinha, Alessandra ficou sem trabalhar com música,

embora tocasse às vezes com Silvério, músico pernambucano. Seu distanciamento

durante, aproximadamente, quatro anos decorre de imposições familiares. Em 2003,

quando retoma suas atividades no campo musical, inicia seu trabalho como produtora,

participando de importantes projetos como o Dossiê Samba de Roda, considerado

patrimônio nacional pela Unesco.

Comecei a ler sobre tudo a respeito de leis de incentivo e a escrever o projeto, escrevemos para o Ministério [e também] esse do Segura o Cordão, que o Caçapa fez os arranjos, para o Fundo de Cultura, lei de incentivo estadual. Foi aprovado [...] Cantei no disco e fiz toda a produção! O que para mim foi ótimo, porque comecei a entender todo o processo do disco, desde a elaboração até a prestação de contas. Então, fiz tudo! E aí fui assim, enchendo o saco da Secretaria da Fazenda para entender e fazer a prestação de

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contas, enchendo o saco do Fundo de Cultura para entender os trâmites burocráticos. E comecei a trabalhar com produção de forma mais empenhada, organizada, estruturada. Fui convidada para fazer assistência e produção de um espetáculo de dança de um grupo de Portugal, em Recife [...] de janeiro [de 2008] para cá, elaborei um curso básico de produção cultural para músicos [...] Tanto para show e CD quanto de projeto de lei de incentivo que todo mundo agora quer fazer, o que é muito bom. Nesse curso [...] sempre digo: não nivele o cachê por baixo, jogue para cima ou o mantenha na média. Se você nivela o cachê por baixo, você nivela o mercado todo. E em Pernambuco, de um modo geral, tem uma produção cultural, produção da gestão, muito forte. Tem uma prefeitura que investe muito nisso, é muito bom que a cultura seja democratizada e seja na rua. Mas, quando ela é só oferecida assim, ninguém paga para consumir, então se cria uma dependência enorme do Estado para trabalhar (Alessandra Leão, 24/5/2008).

Cresce a relevância do profissional da produção do espetáculo no mercado da

indústria cultural, que cada vez mais mobiliza recursos, torna-se mais complexa, mais

competitiva, com possibilidades de financiamento federal, estadual ou municipal por

meio das leis de incentivo à cultura. No Brasil, o Estado representa a principal

instituição – suporte financeiro na concretização das atividades artísticas; no entanto,

sobretudo nos últimos 20 anos é observada, cada vez mais crescente e relevante, a

presença das grandes corporações, de capital estatal ou capital privado, no

financiamento do trabalho artístico (Segnini, 2006, p. 321 a 327). Essa é uma das razões

que determinam o crescimento do número desses profissionais nas estatísticas, bem

como o número também crescente de publicações especializadas e cursos de formação

profissional na área.

De acordo com o IBGE/PNAD, o grupo ocupacional Produtores de espetáculo,

composto de 25.937, em 2002, em um breve período teve crescimento significativo –

em 2006, já foram registrados 49.745 profissionais atuando na área. Nesse grupo de

músicos selecionados pelo Rumos, observa-se que todos têm produtores; no entanto, 20,

entre eles, exercem duplo papel – músicos e produtores de si mesmos.

O reconhecimento da importância de um bom produtor se faz presente em todas

as entrevistas e se constitui em um divisor de águas geracional: os jovens músicos

(mesmo que não tão jovens) reconhecem o mercado e seu agente – o produtor – e a este

profissional atribuem importância crucial.

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[a competitividade] é muita! E cada vez mais você tem que ser mais profissional. Hoje em dia, ser talentoso e tocar bem já não é mais suficiente, você tem que ter isso e o resto todo. Tem que ter um bom show, um bom disco, um bom direcionamento para sua carreira. Tem que saber onde se colocar, os programas que você pode fazer e os que não pode. Porque nem tudo você pode fazer [...] Tem coisa que pode te queimar, pode te aborrecer, então você tem que saber direcionar o trabalho para não ficar dando murro em ponta de faca, para poder ter uma coisa mais linear, ascendente, não ficar rodando no mesmo lugar. E o músico tem que se preocupar com o tocar bem, então, é importante ter alguém parceiro, alguém que cuide da outra parte (Luciana, proprietária da Delira Música, produtora do Duo Gisbranco, 23/5/2008)

Encontrar um espaço no mercado, “um repertório que só a gente toca”, é

considerado crucial para as pianistas que se conheceram no ensino superior de música

na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e até hoje estão juntas buscando

qualidade, diferenciação, singularidade.

A gente optou por fazer um repertório que só a gente toca [...] A gente faz uma coisa que pode ser que o mundo não goste, mas pelo menos não tem comparativo, é só a gente que faz. É uma música completamente criativa, não somente interpretativa. Já o pianista erudito é muito difícil, porque ele toca um repertório que está há séculos e séculos sendo tocado e é uma coisa que beira a perfeição (Bianca Gismonti, Duo Gisbranco, 23/5/2008).

Os mais velhos, como o reconhecido músico brasileiro Delcio Carvalho,

lamentam ter dedicado uma vida inteira à composição sem atribuir tanta importância ao

mercado e seus mecanismos.

Delcio informa que conseguia trabalho por meio dos contatos que ele mesmo

fazia; hoje, consegue-se apenas por meio do produtor.

Sempre fui muito sozinho. Eu dava a cara a tapa! E agora não, agora preciso de gente. Tem a Betinha, a Beta, tem várias pessoas que me conduzem, que me levam, e eu devia ter feito isso há tempos, há bastante tempo (Delcio Carvalho, 12/7/2008).

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Delcio Carvalho, cantor e compositor – Rumos Itaú Cultural, 12/7/2008. Foto: Acervo Itaú Cultural.

Ele diz que poderia, caso direito autoral fosse respeitado no Brasil, ser rico.

Relata que uma vez em Portugal chegou ao hotel e a faxineira cantava “Sonho Meu”,

música de sua autoria. Nesse sentido, afirma que a riqueza é o reconhecimento, e

ressalta o Rumos como um importante espaço, assim como o Projeto Petrobras – pelo

qual regravou sua obra em três CDs.

Já vamos entrar na história do direito autoral, que todo mundo deve saber. Se você não sabe por conhecer, sabe por ouvir dizer. Que você faz o sucesso e não ganha o condizente com o que seria necessário [...] Tua música corre o mundo, “Sonho Meu”, por exemplo, corre o mundo todo [...] Lá em Portugal, minha mulher quase caiu dura, chorou e tudo! A faxineira estava varrendo a casa e cantando “Sonho Meu”. Mas aí era para eu estar bem, rico e tal, e nada! [...] A riqueza [...] é o reconhecimento. Não sei por que não chamam, quando me chamam eu falo, me abro, mas quando nada, eu fico na minha, totalmente. E esse projeto de vocês aqui do Itaú é uma maravilha. (Delcio Carvalho, 12/7/2008).

Catia de França ressalta a importância da produtora em sua carreira, assim como

realiza críticas às políticas públicas de incentivo à cultura no Brasil.

Consegui [viver de música] porque sempre aparecia coisa, era efervescente o Rio [...] Tinha sempre projeto paralelo para os alternativos. Não era essa coisa: tem que pagar uma gravadora grande. O Rio de Janeiro era outro. Hoje em dia não, você abre o

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jornal do Brasil e são só as mesmas pessoas, não tem mais um circuito para quem está chegando (Catia de França, 24/5/2008).

Catia de França – instrumentista, cantora, arranjadora, compositora – Rumos Itaú Cultural Música, 24/5/2008. Foto: Acervo Itaú Cultural.

Catia informa que as leis de incentivo expressam uma lógica perversa; o objetivo

inicial era divulgar, de forma a contemplar a diversidade cultural do Brasil; no entanto,

hoje são os músicos que possuem grande penetração no mercado que estão sendo

contemplados.

Eu me lembro que isso foi feito [sobre a Lei Rouanet] justamente para trazer esse sopro, trazer à tona esses nomes esquecidos. Mas parece que ultimamente “os cabeças coroadas” estão tendo acesso – hoje mesmo ouvi as pessoas conversando: “Mas é possível o XZ!? Um milhão para fazer uma história, 500 mil para fazer uma historia?”. Porque são pessoas que já estão, já são, entendeu? [...] Eu me lembro que, quando fiz disco, a gente chegava e tinha dinheirinho, o selo era americano [...] Entrei no estúdio e fiz a gestação do meu primeiro LP – durante uma semana fazendo as bases, num hotel bom, o Othon, e o dinheiro rolando e se chamando as melhores sanfoneiras da época, guitarrista, baixista, os melhores músicos – foram nove horas [de trabalho], um horário confortável. Não era como hoje: “Saia porque tem que entrar outro”. Mas agora, quando é uma coisa de baixa categoria [...] vende 1 milhão de cópias, 2 milhões, disco de platina. Você vê DVD de qualidade péssima com o selo de uma grande empresa brasileira. Cadê a avaliação? Então isso tem jogo político dentro, é muito perigoso! [...] Você até se assusta,

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porque isso não pode ficar encoberto. Daqui a pouco vai haver protesto! (Catia de França, 24/5/2008).

Rogério Gulin reitera a fala de Catia de França dizendo que realiza uma série de

trabalhos por meio de leis de incentivo estaduais e municipais; no entanto, ressalta que

ser contemplado pela Lei Rouanet (lei federal de incentivo à cultura) é muito difícil,

pois as empresas não querem associar a marca a algo não tão mediático e comercial

como o trabalho que realiza.

Pela lei de incentivo não é tão difícil. É um dinheiro que ele vai gastar e receber propaganda, o cara não é bobo, ele não tá tirando do bolso dele para dar, é um desconto no imposto dele. Já a Lei Rouanet é mais difícil porque geralmente as pessoas falam: “Por que vou investir no Rogério Gulin, se posso patrocinar a Fernanda Montenegro?” [...] Acho uma falha da lei, teria que haver certa restrição. Investir no fandango, no fandangueiro, no folclore, como a Petrobras faz, que é superimportante. A gente lançou um livro chamado o Museu Vivo de Fandango, que uma associação do Rio fez. O fandango [é tocado] em todo o litoral do Paraná e no litoral sul de São Paulo, então a gente pesquisou, gravou todos os 350 fandangueiros. Foi um trabalho superlegal com senhores que já estão morrendo, pai da cultura. Então, esse é um projeto superimportante, para mais de 1 milhão de reais, superlouvável, sensacional (Rogério Gulin, 19/6/2008).

Dois pilares sustentam a estabilidade do grupo Monte Pascoal, na fala de Flávio

Macedo: o trabalho da produtora e as leis de incentivo à cultura. No entanto, reconhece

que as leis federais e estaduais são de difícil acesso. Flávio menciona a importância de

projetos do Sesc, de projetos como o Rumos e do Projeto Pixinguinha da Petrobras na

construção de espaços de trabalho e na divulgação da música brasileira.

O que é que acontece num grupo quando se está começando? O próprio artista é produtor dele mesmo. No caso nosso, fui produtor durante muitos anos [...] até a coisa chegar a um ponto que para mim não dava mais, porque tem que estudar, tem que tocar, e a demanda de produção é uma coisa muito grande e, realmente, acho que você tem que ter uma pessoa profissional. Não sou profissional de produção nem quero ser, sou músico [...] Aí eu consegui uma das maiores produtoras que tem em Belo Horizonte, uma referência forte em Minas Gerais, uma produtora grande: Universo Produção. Eles trabalham muito com cinema, fazem o Festival de Cinema de Tiradentes, de Ouro Preto, e tem alguns grupos musicais, mas a gente tem um trabalho fantástico, uma parceria. Nosso trabalho cresceu, cresceu muito [...] Tem uma direção que é uma coisa importante. Normalmente músico só pensa em tocar [...] Uma coisa que dá sustentabilidade para o nosso trabalho são as leis de incentivo à cultura, que funcionam muito bem no Estado de Minas Gerais. Nosso

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disco foi gravado através de lei, fizemos várias turnês através da lei de incentivo [...] nem sempre você consegue tocar através de projetos como esse [Rumos] ou do Sesc [...] E o projeto das leis de incentivo é onde você cria uma estrutura, de fazer turnê, de fazer disco [...] A Rouanet é muito difícil, é muito difícil. A estadual, felizmente, a gente já tem conseguido, por já termos uma estrada. Mas não é fácil (Flávio Macedo, do Grupo Monte Pascoal, 21/6/2008).

Cantadeiras do Souza, apesar de ser um grupo de música de raiz que não se

considera profissional da música, também se utilizam das leis de incentivo fiscal, desde

que Eliezer Teixeira passou a integrá-lo. Contabilista aposentando, Eliezer mora em São

Paulo e se considera um pesquisador da Escola do Folclore Nacional. Ele encontrou o

Cantadeiras numa pesquisa pelo interior de Minas Gerais e ficou encantado pela riqueza

do grupo. Elas cantam Folia de Reis, Folia de São Sebastião, Folia do Divino, Folia de

Nossa Senhora do Rosário: “um ecletismo incrível”, segundo ele. Diferentemente de

Marly (uma das integrantes), o músico preocupa-se em divulgar o trabalho do grupo, e

conta que, apesar da dificuldade de conseguir recursos por meio das leis de incentivo,

eles trabalham vinculados a elas. Diz que, além de ser produtor e integrante do grupo,

compõe e tem um projeto educacional. Foi bastante enfático ao afirmar que é correto

com suas obrigações de produtor: é filiado à Ordem dos Músicos do Brasil e paga seus

músicos regiamente, assim como os direitos autorais.

Cantadeiras do Souza. Marly (primeira à esquerda) canta com seu grupo música de raiz – Rumos Itaú Cultural Música , 19/06/2008. Foto: Acervo Itaú Cultural.

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I.IV. V – INOVAÇÕES TECNOLÓGICAS E NOVAS FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DO

TRABALHO EM MÚSICA

A produção e a divulgação independente de trabalhos no campo da música

encontram novos espaços e possibilidades. Para alguns, trata-se de um momento

privilegiado, no qual as grandes gravadoras não mais representam a única forma de

produção de seus trabalhos, e a gravação de CD torna-se cada vez mais viável, tanto

pelo domínio da técnica como de seus custos. Os depoimentos a seguir objetivam

registrar um período de mudanças, na fala dos músicos que as vivenciam, os quais

possibilitarão uma possível comparação com o que ocorrerá a alguns anos.

Móveis Coloniais de Acaju é uma banda de estilo singular e representa um

significativo exemplo dos que se apoiam nas novas possibilidades tecnológicas, de

produção e gestão do grupo. Constituída em 1998, teve seu primeiro disco – Idem –

lançado em 2005. É formada por André Gonzáles (voz), BC (guitarra, bandolim e

cavaquinho), Beto Mejia (flauta transversal), Eduardo Borém (gaita cromática, teclados

e escaleta), Esdras Nogueira (sax barítono), Fabio Pedroza (baixo), Leonardo Bursztyn

(guitarra), Paulo Rogério (sax tenor), Renato Rojas (bateria) e Xande Bursztyn

(trombone).

Beto Mejia começou a estudar música quando era criança, foi do piano à flauta

transversal. Mesmo parado por um tempo – formou-se em biologia –, decidiu-se pela

música como profissão. Ressalta, em sua entrevista, a importância do mercado e de

formas alternativas para conquistá-lo.

Acho que é o momento de ser independente, nacionalmente está se integrando [o mercado fonográfico independente]. A gente tentou com vários selos de Brasília, ficamos com a Monstros, que era um dos maiores selos independentes: negociamos e tal, e [decidimos que iríamos] lançar com ele! Mas eles fazem tiragem de mil cópias, a gente quer fazer 3 mil [...] Tudo bem, a gente faz sozinho! Quanto é que custa? [...] A gente não tem dinheiro [...] Tudo bem, a gente divide isso aí, cada um dá um tanto a mais, mas de boa. E vamos fazer essas 3 mil cópias [...] A gente acabou fazendo isso. Muitas coisas trouxeram visibilidade. O Abujamra foi muito importante, foi belíssimo, eu falei “Nossa, o cara realmente editou o CD!” [...] E a gente organizou os shows de lançamento. Em Brasília, acho que foi um marco! [...] Fiz venda de CD, eu fazia isto: a pessoa mandava e-mail, mandava para minha conta, depositava, mais o frete [...] aí aumentou muito o custo, e falamos: “Deixa quieto”. Hoje, a gente pretende estruturar melhor o site. Porque para fazer tem que fazer direito. O site é a maior ferramenta de alcance. A gente teve uma

RUMOS ITAÚ CULTURAL MÚSICA – EDIÇÃO 2007/2009 RELATÓRIO PARA DISCUSSÃO

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experiência nesses festivais. Por exemplo, a gente tinha feito um festival em Belém, não tinha como chegar o CD lá [...] O lance de divulgação era pela internet, onde se tinha o CD inteiro para baixar [...] A internet é uma ferramenta superimportante, a gente investe nisso. No disco novo, a gente está criando um hotsite, que já está no ar, que é basicamente de interação com o público. No qual o público vai poder ouvir música, poder baixá-las [...] A relação com a internet a gente sabe que é superimportante. Hoje, a gente investe nisso (Beto Mejia, da banda Móveis Coloniais de Acaju, 6/3/2009).

As mudanças no mundo fonográfico são também referidas por Felipe Julian,

Érica Machado, Wado e Gustavo Telles. Assim como dito por Beto Mejia, as novas

tecnologias possibilitam a gestão dos seus próprios trabalhos.

Nós vivemos de música. É possível, sim. Eu abandonei minha outra atividade, que era o jornalismo, e vivemos de música. Aí entra outra questão, inclusive eu comentei contigo que acho que muito do que aconteceu com a gente deve-se ao fato de a gente ser competente, talentoso, e de ter essa sorte, não? Mas não é só isso! Aí entra outro aspecto, é aí que entra minha outra função dentro da banda [...] que é a questão da articulação, da organização, e de tu conseguir enxergar com clareza o que quer, o que faço para conseguir isso, e não ficar esperando. E eu acredito, eu consigo ver, hoje, na música do século XXI, neste cenário musical, principalmente no qual a gente está inserido, que é muito legal o que está acontecendo, porque podemos chamar isso de tendência, mas não é exatamente uma tendência porque tendência tem a ver com moda, e sim, digamos que tudo converge hoje para que os artistas, os músicos tenham não só uma postura “Ah, eu sou artista! A gravadora que gere para mim a minha carreira, minha empresária que vai cuidar desses assuntos, não!?”. Hoje, os artistas são impelidos, são incitados a cuidar das suas carreiras, né? A gerir as suas carreiras; e a gente tem um cuidado com isso. No caso, na Pata, nós mesmos é que gerimos nosso trabalho, e, obviamente, a gente vai fazendo parcerias: se trabalha com empresários, com produtos, mas a gerência é nossa, a gente tem domínio sobre nosso trabalho. Isso é algo que vem acontecendo, não só aqui no Brasil, mas em escala mundial. É mais uma tendência, um caminho a ser seguido, e o mercado fonográfico também, nós vivemos uns períodos de mudanças extremamente fortes (Gustavo Telles, Pata de Elefante, 9/7/2008).

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Érika Machado e seu grupo formado por homens instrumentistas – Rumos Itaú Cultural Música, 4/9/2008. Foto: Acervo Itaú Cultural.

A entrevista de Érika Machado revela as dificuldades para a inserção no

mercado e as condições de trabalho na área da música. Assim, ela gravou seu primeiro

CD: “gravação caseira”, sem recursos financeiros, que rapidamente se transformou num

sucesso de venda no mercado alternativo ao ser disponibilizada para um camelô da

cidade de Belo Horizonte. Foram vendidas 750 cópias.

Era meu primeiro CD ao vivo, chamava Baratinho, e eu resolvi colocá-lo nesse projeto de “intervenção humana”, num camelô, no centro da cidade, mas não era camelô de disco pirata. Eram aquelas barraquinhas que compravam discos usados e revendiam [...] Coloquei 25, mas era a primeira vez. Vendi 750 cópias, a 8 reais cada [...] Como eu fazia todo impresso, colorido, bonitinho, na etiquetinha, não ganhava muito dinheiro, a moça que vendia ganhava 2 reais, eu ganhava 1, e o resto era o custo do CD (Érika Machado, 4/9/2008).

É inegável a existência de um “sistema musical”, tal como pensado por Antonio

Cândido (2006) para a literatura, cada vez mais profissional, mais complexo e

competitivo, no qual os músicos tentam encontrar brechas produzindo seus próprios

espetáculos, gravando e distribuindo seus próprios CDs, construindo sites nos quais

disponibilizam suas músicas para download (compreendido como divulgação e não

pirataria). Trata-se de novas possibilidades face aos custos reduzidos e ao domínio da

técnica.

RUMOS ITAÚ CULTURAL MÚSICA – EDIÇÃO 2007/2009 RELATÓRIO PARA DISCUSSÃO

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II – RELAÇÕES DE GÊNERO NO CAMPO DA MÚSICA

As estatísticas nacionais e as entrevistas realizadas neste projeto reafirmam a

predominância dos homens, no universo da música. Outras análises sociológicas já

haviam salientado essa questão, reiterada nesta pesquisa (Segnini, 2006; Ravet, 2003;

Buscatto, 2005)

II. I – O MUNDO DA MÚSICA É PREDOMINANTEMENTE MASCULINO

No mundo do trabalho dos espetáculos e da arte, a participação dos homens é

superior à das mulheres tanto no interior do próprio grupo – 67% – como na

comparação com os ocupados no mercado de trabalho no Brasil – 58%.

Tabela VI Participação dos ocupados do grupo Profissionais dos Espetáculos e das Artes no total de ocupados no Brasil, segundo o sexo, 2004 Ocupados no Brasil % Ocupados

Espetáculos e Artes

% Arte/Brasil

Mulheres 34.739.267 42 70.826 33 0,20%

Homens 48.077.644 58 143.727 67 0,30%

Total 82.816.911 100 214.553 100 0,26% Fonte: PNAD, IBGE 2006. Elaboração Liliana Segnini.

Na composição do grupo ocupacional, é observada a intensa participação dos

homens, apesar do recente crescimento do número de mulheres. Em 1992, entre 50.839

músicos, somente 5% eram mulheres. Em 2006, 14 anos depois, as musicistas

representam 18% (15.235) dos ocupados (118.431) que se declaram músicos. No

período de 2004 a 2006, essa tendência se inverte e é possível perceber a discreta

redução do número de mulheres na música.

RUMOS ITAÚ CULTURAL MÚSICA – EDIÇÃO 2007/2009 RELATÓRIO PARA DISCUSSÃO

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Gráfico V Profissionais da música, segundo o sexo

Fonte: IBGE/PNAD. Elaboração Liliana Segnini. Colaboração Neale El-Dash.

Considerando somente o trabalho formal, com registro em carteira, mensurado

anualmente pelo Ministério do Trabalho e Emprego – Rais, a presença das mulheres se

manteve em toda a década dos anos 1990, em torno de 20%, registrando ligeiro

crescimento a partir de 2001.

É observado o crescimento de empregos formais em música no período de 1989

a 2007 (de 5.546, em 1989, para 7.700, em 2007). No entanto, nos últimos dois anos,

2004 e 2006, o crescimento referido reitera a preponderância dos homens no mundo da

música – 927 músicos a mais em empregos formais. Em relação à contratação de

mulheres, foram reduzidos 164 postos de trabalho para elas na mesma área. Portanto, é

possível afirmar que a situação das mulheres não é ainda consolidada, sobretudo nas

orquestras, espaço possível para o trabalho com registro em carteira profissional.

Gráfico VI Emprego para profissionais da música, segundo o sexo

Fonte: MTE/Rais. Elaboração Liliana Segnini. Colaboração Neale El-Dash.

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Os premiados pelo Rumos Itaú Cultural reiteram o sentido apontado pelos dados

nas estatísticas nacionais. Entre os 39 músicos premiados e entrevistados, 24 são

homens (62%) e 15 são mulheres (38%). Elas informam as dificuldades vivenciadas no

cotidiano profissional, seja na música erudita, seja na popular ou de raiz.

Gráfico VII Músicos premiados entrevistados, segundo o sexo. Números absolutos

Fonte: Observatório Itaú Cultural, 2008. Elaboração: Liliana Segnini.

A diferença numérica, em alguns relatos de experiências vividas, é traduzida por

desigualdades superadas com dificuldade e resistência; em outros, algumas vantagens

no mercado competitivo de trabalho. O Duo Gisbranco compreende a questão

reconhecendo a predominância dos colegas no campo da música, inclusive no piano.

Há mulheres na música, mas infelizmente [...] nesse meio [...] a maciça maioria é de homens [...] as pessoas veem com muito bons olhos duas mulheres, duas pessoas jovens tocando piano [...] pouquíssimas mulheres [...] seguem essa carreira (Bianca Gismonti, Duo Gisbranco, 23/5/2008).

A reflexão de Bianca é complementada por Claudia, que inclui possíveis

preconceitos em relação à capacidade artística de uma mulher.

Talvez [...] as pessoas duvidem da sua capacidade pelo fato de você ser mulher. Mas aí a gente vai lá e toca! E a pessoa gosta! Acho que existe algum preconceito. Este ano está acontecendo orquestras de mulheres e eu fico reparando, muitas, que são instrumentistas, estão mostrando serviço. Acho que é engraçado, a gente vai fazer festival e só tem a gente de mulher. Você chega ao teatro e só tem homens. Aí ficam [...] te olhando e você fica se achando estranha. Ainda é muito pouca mulher, tem festival que eu vou e só tem homem tocando (Claudia Castelo Branco, Duo Gisbranco, 23/5/2008).

RUMOS ITAÚ CULTURAL MÚSICA – EDIÇÃO 2007/2009 RELATÓRIO PARA DISCUSSÃO

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A forma de resistência predominante nas desigualdades vividas é elaborada por

meio de muito trabalho e qualidade artística

Ah! Então, a gente é meio homem macho. A gente é superfoco. Estudamos todos os dias [risos] (Bianca Gismonti, Duo Gisbranco, 23/5/2008).

Alessandra Leão, em 2006, realizou seu primeiro trabalho solo, contemplado

pelo Programa Petrobras Cultural/2007: O Brinquedo de Tambor (CD), produzido e

arranjado em parceria com o violeiro Caçapa, que é seu marido. Depois, gravou o Folia

de Santo, que considera um trabalho mais coletivo com algumas composições e arranjos

de autoria própria. No final de 2008, lançou seu segundo trabalho solo. Já trabalhou ao

lado de músicos como Antônio Carlos Nóbrega, Siba, Silvério Pessoa e Zé Neguinho do

Coco.

Sua entrevista revela aspectos que destacam a complexa relação entre trabalho

artístico e relações de gênero. A família, que não é do meio artístico, apoiou suas

escolhas profissionais até o momento em que Alessandra se tornou mãe. Assim, foi

questionada pelos pais sobre seu futuro financeiro e profissional. Nessa época, ela

namorava Caçapa, seu companheiro musical e atual marido, e estava numa fase de

bastante reconhecimento no meio artístico – voltava de uma turnê pelos Estados Unidos

com o grupo Comadre Florzinha. Embora desfeito logo na volta da turnê, Alessandra

visualizava possibilidades na carreira artística como musicista, inclusive nesse grupo.

A interdição familiar, conforme descrito por Alessandra na entrevista, é

reveladora da condição da mulher na nossa sociedade: “Eu era a caçula, a primeira a

estar grávida, e sem ser casada”. O casal, Alessandra e Caçapa, não possuíam

autonomia financeira e, portanto, viveram durante longo período na casa dos pais dela.

Segundo a artista, os pais a apoiaram, inicialmente, possibilitando condições para dar

continuidade às atividades como artista e mãe, embora a reação deles, num primeiro

momento, fora de apreensão: “Obviamente minha mãe ficou louca e meu pai vermelho

quando souberam da gravidez”, diz ela.

Dessa forma, Alessandra conta que foi um susto quando voltou da turnê e ouviu

de seus pais: “Você tem um filho e a realidade é outra, não dá mais para ficar

brincando de música”.

Os pais da artista, preocupados com o futuro da filha e do neto, impuseram-lhe

uma atividade administrativa num dos negócios da família: gerenciar uma clínica

RUMOS ITAÚ CULTURAL MÚSICA – EDIÇÃO 2007/2009 RELATÓRIO PARA DISCUSSÃO

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médica dentro de um shopping center em Recife. Assim, conforme conta, sua carreira

ficou comprometida. Essa passagem de sua trajetória aponta para uma reflexão sobre as

especificidades das relações de gênero e o trabalho artístico, na qual é possível

considerar que Alessandra sofreu duas violências à sua autonomia – por ser mulher e

por ser artista.

E aí eu continuei cantando ainda com o Silvério, mas sempre aquela angústia de não poder viajar por muito tempo, só poder fugir um dia da semana, por mais que fosse dona [da clínica médica] [...] não existia flexibilidade, era sempre a primeira que chegava e a última que saía. Comecei a trabalhar das 8 da amanhã às 10 da noite, praticamente todo dia. E a música ficou em último, [era] o último plano da minha vida [Ela] ficou para quarta-feira de manhã; o tempo que eu tinha para ensaiar com o Silvério. Quando comecei a me questionar “O que eu estou fazendo aqui?”, tive logo um calo nas cordas vocais; eu passava o dia falando, mas muito contrariada (Alessandra Leão, 24/5/2008).

Caçapa, por sua vez, não concordou com a ida de Alessandra para a clínica

médica, e nunca deixou de fazer sua música. Observam-se aqui as ambiguidades e as

contradições que a relação arte, trabalho e gênero colocaram a essa mulher, mãe e

artista.

O Caçapa nunca concordou, nunca! Ele dizia: “Não existe isso, não pare, vai dar um passo para trás, como você quer chegar aqui? Mantenha seu foco”. Ele sempre ficou louco [...] sempre [ficou] com a música! Quando largou a arquitetura falou: “É isso, acabou, fechou”, nunca teve outra possibilidade (Alessandra Leão, 24/5/2008).

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Alessandra Leão. “Quando toco bem, frequentemente cumprimentam meu marido, o Caçapa” – Rumos Itaú Cultural Música, 24/5/2008. Foto: Acervo Itaú Cultural.

Alessandra, contudo, revela que sua música é influenciada pela condição da

mulher. Conta que sua família é de mulheres fortes que não são o estereótipo de

“mulherzinhas”. Seu primeiro grupo foi composto somente de mulheres que faziam

percussão e voz. A percussão é um campo predominantemente masculino no mundo da

música. De acordo com Alessandra, o meio da música tradicional é praticamente

interditado às mulheres. Atualmente o grupo, por ela criado, se apresenta como

Alessandra Leão. Nesse grupo, composto apenas de homens, ela é a vocalista e toca

pandeiro. No entanto, muito comumente, ao se apresentarem para um público de música

tradicional, Caçapa, seu marido, é quem recebe os cumprimentos pelo trabalho dela.

Venho dessa família muito numerosa, muito feminina. Somos quatro irmãs, só tenho um irmão, quer dizer, agora tenho mais um irmão pequeno de 2 anos [...] É um universo muito feminino e de mulheres muito fortes, não era nada “mulherzinha”. Então, isso repercutiu quando entrei na Comadre Florzinha. Essa visão da mulher de ser vítima, complacente, quieta nunca foi o perfil da minha casa. Acho que isso é uma característica muito forte que trago no meu trabalho, nas minhas composições, isso repercute diretamente na minha profissão artística [...] Quando toco e reconhecem a qualidade do trabalho, cumprimentam meu marido pelo que faço [...] Hoje não mais, mas há dez anos, quando eu começava a tocar nas brincadeiras, os homens vinham e tiravam o coco da minha mão; não era instrumento para mulher na tradição pernambucana. É uma região muito machista! (Alessandra Leão, 24/05/08).

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Alzira Spíndola – Rumos Itaú Cultural Música, 31/7/2008. Foto: Acervo Itaú Cultural.

Alzira Maria Miranda Espíndola, 51 anos, ensino médio incompleto, cantora,

compositora e instrumentista. Nasceu em Campo Grande, em Mato Grosso do Sul.

Autodidata: aos 11 anos aprendeu a tocar violão observando seus irmãos mais velhos e

amigos. Hoje, cuida da técnica vocal com cursos e aperfeiçoamentos. Alzira tem sete

irmãos, com exceção de uma irmã que é considerada a “ovelha branca”, pois é dona de

casa, os demais estão trabalhando no campo artístico, como Humberto Espíndola, artista

plástico, e Tetê Espíndola, cantora. Alzira iniciou sua carreira musical em 1977, com o

lançamento do LP Tetê e o Lírio Selvagem, grupo do qual fazia parte com seus irmãos

Tetê, Geraldo e Celito.

Ela relata uma carreira difícil, mas reconhecida pelos pares e público. No

entanto, sua condição de mulher, mãe e artista a levou a trilhar complexos caminhos.

Foi um período muito difícil. O marido que eu arrumei era meu empresário. E aí o que acontecia? Eu tinha que trabalhar, porque o trabalho dele era me colocar trabalhando. Eu tinha as crianças pra cuidar e não tinha estrutura nenhuma. Eu trabalhava muito! À noite, eu lavava roupa, tinha que fazer tudo. Então, foi bem difícil pra mim. Mas eu era muito nova [...] Tinha um gás! Tinha saúde [...] Eu não tinha um minuto pra sentar e falar “O que está acontecendo com a minha vida?”. O neném chorava, a roupa tinha que secar, lavar, amassar uma coisa, passar na peneira, lavar mamadeira. E ao mesmo tempo eu tinha que tocar e pensar no meu repertório e saber o que eu ia oferecer na praça pra ganhar um cachê (Alzira Espíndola, 31/7/2008).

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Jussara Silveira (voz), André Mehmari (piano) e Arthur Nestrovski (letras e violão) – Rumos Itaú Cultural Música, 30/7/2008. Foto: Acervo Itaú Cultural.

Claudia, Bianca, Alessandra, Felipe Julian, Alzira Espíndola, Jussara Silveira,

Ana Fridman, Carla Rincon, Érika Machado, Izabel Padovani e Paula Santoro

reafirmam análises elaboradas para outros campos de pesquisa referentes às relações

sociais de sexo, que reconhecem que os grupos sexuados não são os produtos de

destinos biológicos, mas antes construtos sociais; esses grupos constroem-se por tensão,

oposição, antagonismo, em torno de um desafio, o do trabalho (Kergoat, Daniéle, 2002).

O trabalho, tal como considerado pela autora, citando Hirata, é “produtor de vivência”

e, nesse sentido, tem duplo estatuto. No plano coletivo, inclui o trabalho profissional

(em suas múltiplas possibilidades), bem como o trabalho doméstico, que tem

significado a disponibilidade permanente do tempo das mulheres para o serviço da

família. No plano individual, Kergoat recupera a perspectiva analítica que considera que

a atividade de trabalho é produção de si mesma. Por essa razão, a autora propõe que

pensar sociologicamente as relações sociais de sexo no trabalho significa recuperar os

aspectos coletivos e subjetivos. A esfera produtiva, sobretudo nas funções consideradas

relevantes, ainda é predominantemente atribuída aos homens, da mesma forma que a

esfera reprodutiva às mulheres. A implicação dessa forma social de divisão do trabalho

pode ser percebida por meio de dois princípios organizadores: o de separação e o de

hierarquia. Isso quer dizer que se observa na sociedade a existência de trabalhos

RUMOS ITAÚ CULTURAL MÚSICA – EDIÇÃO 2007/2009 RELATÓRIO PARA DISCUSSÃO

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considerados masculinos (tocar coco, na música de raiz, ou piano, na música popular ou

erudita) e femininos (cantar) e, mais ainda, que os primeiros valem mais, tanto em

termos econômicos como em termos de status.

De acordo com as diferenças observadas nas formas que podem assumir, no

tempo e no espaço, essas desigualdades variam segundo os contextos históricos e os

lugares observados. No entanto, Kergoat adverte para o risco de se compreender essa

situação como imutável e aponta para a qualificação profissional com uma das

possibilidades de elaboração de desafios a essa ordem aparentemente “natural”,

significando uma possibilidade concreta de superação, de elaboração de utopias, de

espaços igualitários de trabalho, de reivindicações e de exercício da cidadania (Segnini,

2006).

As mulheres selecionadas pelo Rumos reafirmam as estatísticas nacionais sobre

sua escolaridade mais elevada, quando comparada à dos homens, muito embora essa

situação positiva não se traduza no mercado de trabalho na mesma direção.

RUMOS ITAÚ CULTURAL MÚSICA – EDIÇÃO 2007/2009 RELATÓRIO PARA DISCUSSÃO

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GRÁFICO VIII

MÚSICOS PREMIADOS ENTREVISTADOS, POR ESCOLARIDADE E SEGUNDO O SEXO. EM PORCENTAGEM

Fonte: Observatório Itaú Cultural. Elaboração Liliana Segnini.

Felipe Julian reconhece a dificuldade vivida por mulheres no mundo do trabalho

em música, no qual elas são principalmente intérpretes cantoras, trabalho menos

valorizado que o dos intérpretes instrumentistas. Nesse sentido, o preconceito está

relacionado com a qualificação, nem sempre reconhecida, mas considerada um dom

natural.

Dificulta a trajetória das mulheres em tudo! [...] Acho que aí deve ter outra questão, mais coerente com o universo musical: naturalmente as mulheres são melhores cantoras que os homens, artisticamente. E, dentro do preconceito dos músicos, um cantor não é músico. As piadas típicas de ensaios musicais são para falar que a cantora errou, que não é capaz, que é tão desafinada que desmaiou e, ao voltar em si, voltou em si bemol [risos] – milhões de piadinhas preconceituosas que fazem parte desse folclore. Acho que isso as colocam numa posição meio de “coringa”: ela tem algum trabalho em que canta, mas também trabalha em outra coisa. Então talvez ela será vista como meia musicista [...] Há preconceito ao exigir que os cantores toquem instrumentos, o que de fato é bom pra eles. Mas também há um preconceito deles [dos músicos] de que cantar qualquer um canta. Você não precisou fazer faculdade pra cantar ou estudar “com não sei quem” [refere-se a um mestre renomado] para cantar. Quer dizer, também poderiam não ter feito, mas isso é um preconceito. Eu também poderia ter aprendido a tocar violão; são esses os meandros das sutilezas das reações [preconceituosas] (Felipe Julian, do Grupo Axial, 6/6/2008).

RUMOS ITAÚ CULTURAL MÚSICA – EDIÇÃO 2007/2009 RELATÓRIO PARA DISCUSSÃO

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Torna-se relevante ressaltar que os músicos entrevistados, quando indagados

sobre a condição da mulher na música, frequentemente informam que nunca haviam

pensado na questão; citaram, para afirmar que essa dimensão é equivocada, a musicista

brasileira Chiquinha Gonzaga. Resta questionar: a singularidade de um caso pode

ocultar a predominância de um fenômeno social a ser mais bem compreendido?

RUMOS ITAÚ CULTURAL MÚSICA – EDIÇÃO 2007/2009 RELATÓRIO PARA DISCUSSÃO

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III – HETEROGÊNEOS CAMINHOS LEVAM À FORMAÇÃO

PROFISSIONAL

Heterogeneidade. Essa é a palavra-síntese dos muitos caminhos que possibilitam

a formação de um músico, frequentemente analisada sob o equivocado registro de

vocação ou dom. Esta pesquisa recuperou diferenciados e árduos processos de

formação, os quais jamais são interrompidos, sob o risco de o artista perder a

possibilidade de continuar a exercer a profissão. As entrevistas revelam trajetórias

singulares de formação no campo musical, que exprimem várias dimensões sociológicas

que contribuem nesse processo, tais como a origem socioeconômica, o estímulo das

famílias ao aprendizado musical (frequentemente seguido de interdição, quando a opção

passa a ser profissão), as relações sociais de gênero, a relevância do mercado no

contexto de mudanças políticas públicas. Expressam também o papel do Estado na

institucionalização da formação do artista, por meio de conservatórios e da criação de

cursos de ensino superior, sobretudo nas universidades públicas, bem como seu papel de

legitimador das certificações profissionais por meio dos sindicatos e de ordens

profissionais. Entre tantas formas heterogêneas de formação, uma só voz coletiva afirma

dois aspectos: a relevância do mestre – o artista formador, nem sempre um professor – e

a formação permanente, constante desafio.

Bumba Boi de Maracanã – Rumos Itaú Cultural Música, 8/9/2008. Foto: Acervo Itaú Cultural Rumos.

RUMOS ITAÚ CULTURAL MÚSICA – EDIÇÃO 2007/2009 RELATÓRIO PARA DISCUSSÃO

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Maria José Silva (do Bumba Boi de Maracanã), Marly (do Cantadeiras do

Souza) e Paulo Pereira Cruz (do Reisado Encanto das Caraíbas) representam a música

tradicional, de raiz – uma forma de transmissão do conhecimento de uma arte, de uma

brincadeira, de uma expressão religiosa inscrita na tradição cultural de um grupo. Não

se trata de uma formação profissional voltada para o mercado, embora se inscrevam

nele via leis de incentivo.

Mulher, mulata, 58 anos, ensino médio completo. Marly é casada, tem sete filhos

e se considera dona de casa. Nasceu em Jequitibá, em Minas Gerais. Cantou sempre

incentivada pelo pai, mestre Juvercino. Desde menina, participava de todas as

manifestações populares, espontaneamente, como rituais religiosos, manifestações

festivas.

Só fico em casa mesmo [...] Tenho sete filhos [...] Ele [marido] trabalhava em uma fazenda. Agora aposentou, trabalha, mas não como empregado (Marly Souza, do grupo Cantadeiras do Souza, 19/6/2008).

Marly é uma das integrantes do Cantadeiras do Souza, formado por mulheres do

povoado de Souza, região rural do município de Jequitibá: Djanira Gonçalves Campelo,

Marlene Gonçalves Souza, Erci Vicente de Paula, Raimunda Gonçalves Carvalho e

Marly Maria de Souza. Eliezer Teixeira é o produtor e também instrumentista e voz do

grupo. Marly, Djanira, Raimunda e Marlene são irmãs.

A história de Marly traz uma característica peculiar no grupo dos músicos

entrevistados neste projeto; a atividade artística não é vista como trabalho. A música é

uma tradição familiar, e Marly canta pelo prazer de cantar. Ela conta que não costumam

receber cachê; embora, por causa do trabalho de seu produtor, Eliezer Teixeira, tenham

vindo três vezes a São Paulo para cantar no Sesc.

A gente vem com aquela felicidade, só de tá vindo fazer esse trabalho, a gente já nem pensa em dinheiro [...] Igual quando a gente vem aqui às vezes, eles dão algum dinheiro assim, por eles [Sesc] [...] Canto por tradição [...] Acho uma coisa muito bonita, não deve morrer. Porque tem a convicção religiosa, sou muito religiosa [...] Sou católica, ministra da Sacristia, eu e mais duas irmãs que estão no grupo. Então, se o padre não vai, a gente mesmo faz a celebração. Podemos [dar comunhão] com a ordem do Bispo [...] Tenho a carta do Bispo me autorizando a isso (Marly Souza, do grupo Cantadeiras do Souza, 19/6/2008).

RUMOS ITAÚ CULTURAL MÚSICA – EDIÇÃO 2007/2009 RELATÓRIO PARA DISCUSSÃO

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Ela conta que Eliezer Teixeira se tornou membro do grupo para substituir a voz

e a regência de seu pai, falecido em 2007. Eliezer preocupa-se em mantê-los, por meio

de editais, prêmios e festivais, em apresentações pelo Brasil. Ele compreende, mesmo

que ainda de forma tímida, a necessidade de uma visão mercadológica do grupo

Cantadeiras do Souza e busca espaços onde possam se apresentar.

Somos seis pessoas com o produtor, que também está no grupo [...] Ele é de Alagoas, mas tem muitos anos que mora aqui [em São Paulo] [...] Ele entrou no lugar do meu pai, o mestre Juvercino [...] Não, não é sempre [que se apresentam], porque tem duas das minhas irmãs que moram em Sete Lagoas, só mesmo quando tem algum evento ou alguma coisa assim. Aí a gente se reúne (Marly Souza, do grupo Cantadeiras do Souza, 19/6/2008)

Delcio Carvalho, assim como Marly, é autodidata, formado não pela própria

família mas “na noite”. Em sua narrativa, informa que a real formação foi no Morro do

Querosene no Rio de Janeiro. Nessa época, convivia com Jamelão, Nelson Sargento e

outros grandes sambistas. Ainda nesse período, era como “comparsa” das óperas no

Teatro Municipal do Rio de Janeiro, espécie de figurante, e trabalhava como garçom

num bar no centro. Os clientes pediam e ele cantava. E, informalmente, aprendeu com

os cantores líricos a tratar a voz.

Delcio considera a composição Esperança Perdida – 1962, cantada por Leny

Andrade – o marco inicial de sua carreira. Por meio dela, ficou conhecido

nacionalmente. Começou a cantar em São Paulo, nos bares e nas casas de samba. Ele

conta que não se ganhava cachê, eram os clientes que davam algum dinheiro conforme

pediam as músicas; se não soubessem, improvisavam, diz Delcio. E assim diariamente

ele pesquisava, informava-se e se formava na música. Estuda até hoje, mas não

formalmente. Teve mestres, parceiros na vida.

O crescimento da formação em música no ensino superior brasileiro, já

observado desde o início dos anos 1990, sobretudo na região Sudeste e no ensino

público, é confirmado nas entrevistas de dez músicos, entre os 39 que participam do

grupo de entrevistados. São eles: Adolfo Almeida Junior, Ana Fridman, Andrea Luisa

de Oliveira Teixeira, Bianca Gismonti, Carla Rincon, Claudia Castelo Branco, Felipe

Julian, Flávio Macedo, Ive Luna, Luis Felix de Oliveira Campo.

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Tabela VII

Matrículas em música, por categoria administrativa e região do Brasil

2000 2001 2002 2005

Pública Privada Pública Privada Pública Privada Pública Privada

Norte 40 0 42 0 221 0 359

Nordeste 461 0 499 0 489 0 1.080

Sudeste 1.447 595 1.399 788 1.728 727 4.214 2.350

Sul 358 81 422 67 467 73 1.221 234

Centro-Oeste 216 0 211 0 251 0 609

Total 2.522 676 2.573 855 3.156 800 7.483 2.584

Fonte: INEP/MEC, Censos do Ensino Superior, cruzamentos especiais. Elaboração Liliana Segnini. Colaboração Neale El-Dash.

A formação acadêmica, para Flávio Macedo, é fundamental. A estrutura da

formação acadêmica em música no Brasil possibilita acesso à formação “realmente

sólida”.

Minha trajetória a partir da universidade mudou toda a minha vida [...] Quando me preparei para o vestibular, vi o que era a música. Hoje, como professor universitário, vejo a importância da universidade como referência para se ter uma formação realmente sólida [...] Em Londres [...] você vai a uma biblioteca de música e um andar é só de CD, outro só de partituras, de música de orquestra [...] Andares falando só de música. E tem material original, você não toca com xerox! E a gente aqui [...] tem muito a caminhar (Flávio Macedo, do Grupo Monte Pascoal, 21/6/2008).

O Duo Gisbranco é composto de duas musicistas que cursaram música no ensino

superior. Ambas são natural do Rio de Janeiro. Bianca Gismonti é bacharel em piano

pela UFRJ. Iniciou seus estudos aos 10 anos no curso de música (CMAA) coordenado

pelo professor Antônio Adolfo; em 1997, foi aluna de piano e teoria musical da

professora Sara Cohen. Participou de diversas turnês nacionais e internacionais ao lado

de seu pai, o músico Egberto Gismonti, incluindo países como Espanha, Cuba, Israel e

Dinamarca.

Claudia Castelo Branco é formada em iniciação musical pela UFRJ e bacharel

em piano pela mesma instituição. Iniciou seus estudos de piano aos 5 anos. Em 2007,

concluiu o mestrado em composição na Unirio. Ao longo desses anos, participou de

festivais de música e concursos de piano, tendo acumulado diversos prêmios. Também

realizou cursos no exterior. Em 2001, estudou composição no Ithaca College, em Nova

York, com bolsa obtida por meio do concurso Ibeu/IIE.

RUMOS ITAÚ CULTURAL MÚSICA – EDIÇÃO 2007/2009 RELATÓRIO PARA DISCUSSÃO

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Claudia e eu tivemos o privilégio de vir de famílias que puderam bancar [a formação]. Mas vários amigos da gente, que é a maioria avassaladora da faculdade, são pessoas que têm condições muito baixas. E que fazem esforços sobrenaturais para conseguir estudar. Não têm piano. Moram em lugares distantes da universidade e têm que estudar na faculdade. Então, é bonito ver, porque a pessoa tem um superesforço, mas é difícil! (Bianca Gismonti, do Duo Gisbranco, 23/5/2008).

Ambas destacam a importância do suporte socioeconômico no processo de

formação e reiteram as perspectivas presentes na fala de Adolfo quanto à relevância do

ensino superior em música.

Para ele, a importância da formação profissional no ensino superior possibilita

ampliar e sedimentar o conhecimento na área da música, e também criar e aumentar a

rede de contatos. No entanto, ele não acredita que tal formação seja essencial para o

trabalho do músico, talvez somente para os compositores o espaço acadêmico seja

fundamental.

Eu não tinha bem a noção, mas hoje vejo que a faculdade é praticamente inútil, digamos assim, em termos profissionais [...] Hoje estou fazendo mestrado, e tenho um contato que está me valendo muito, que é com um professor de música e tecnologia [...] A universidade, não sei como é aqui em São Paulo, mas pelo Brasil é muito atrasada [com] um currículo muito antigo. Por outro lado [...] não para o emprego profissional, mas como músico, como informação geral de música e como contato com outros músicos, a Universidade tem a sua valia [...] Difícil a carreira de compositor fora e dentro [da universidade]. Porém, a única possibilidade é dentro [...] Faço parte de um dos primeiros grupos de compositores que se chama Ex-máquinas, todos ex-alunos que resolveram se organizar para tocar suas músicas. Atualmente tem outros grupos surgindo lá, então para isso a universidade é um fomento interessante. E ali, em Porto Alegre, nem todos os instrumentos têm [cursos] na universidade, alguns têm bons professores, então, depende do caso, depende do instrumento, pode ser bom ir para a universidade ou não (Adolfo Almeida, do Adolfo Paradoxos, 12/7/2008).

A formação em música, no ensino superior, tem múltiplos significados: espaço de formação e

pesquisa, mas também o estabelecimento de redes de contato no campo profissional. No entanto, não é

considerada fundamental para o trabalho do músico, mas, sim, para a carreira docente, opção no campo

da música mais estável como trabalho de longo prazo.

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Considerações finais

A música e o riso derrubam qualquer ditadura.

Catia de França, 24/5/2008

Na verdade, não sei direito quando começa porque eu já nasci com música, foi uma coisa que, enfim, já é natural na família toda. Claro que teve o momento que optei pela música, mas ela já estava na minha vida (Bianca

Gismonti, do Duo Gisbranco, 23/5/2008).

Como se inscrevem nesta sociedade os artistas da música? Quais configurações

expressam? O que informam sobre as instituições que lhes possibilitam acesso à

formação e ao trabalho? Em que condições deram os primeiros passos no mundo da

música? Como percebem a relevância atribuída ao trabalho artístico que desenvolvem?

Enfim, o que é possível apreender da sociedade brasileira considerando um grupo de

músicos como narradores de experiências vividas? Essas questões orientaram esta

pesquisa, cujos resultados selecionados foram analisados neste relatório, retomados

nestas considerações finais.

Os músicos selecionados pelo Rumos Itaú Cultural Música 2007/2009

constituíram o objeto da pesquisa. Entre os 2.222 inscritos em 2008, 50 foram

selecionados na categoria Mapeamento, resultado de concorrido processo seletivo, entre

músicos e musicistas de todas as regiões do país e diversas formas de expressão estética,

sintetizadas em música de raiz, popular e erudita. Representantes de diferentes clivagens

sociais – classe, gênero, etnia, geracional – compõem tanto o grupo inscrito como o

premiado; neste último, 39 músicos foram entrevistados

O objetivo metodológico deste relatório foi procurar responder às questões

propostas por Norbert Elias, já explicitadas no início deste trabalho, analisando

trajetórias de músicos que não mais se inscrevem na sociedade da Corte, mas na

sociedade organizada pelo Estado e pelo mercado. O trabalho artístico se inscreve

também (mas não só) na lógica de mercado e essa vinculação expressa configurações

observáveis no presente momento histórico.

O que foi possível compreender na análise dos dados – estatísticas e entrevistas

– que informam especificidades desse grupo de músicos selecionados, possibilitando ir

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além da singularidade de um caso e trazer para a discussão elementos para a reflexão da

própria sociedade brasileira?

Em primeiro lugar, uma observação metodológica: os dados convergem entre si,

reafirmam a relevância da articulação do cruzamento de métodos na pesquisa; as

informações referentes aos músicos selecionados pelo Rumos ratificam as estatísticas

nacionais e ambos são reiterados nas entrevistas.

Por exemplo: a predominância dos músicos premiados da região Sudeste (São

Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro) reiteram os dados macro – estatísticas nacionais –,

bem como as próprias entrevistas, no sentido de destacar a relevância dessa região para

a música no país, em diferentes aspectos (o número de profissionais da música, de vagas

no ensino superior em instituições públicas e de editais, e as verbas captadas por meio

das leis de incentivo), traduzidos em número de espetáculos ao vivo.

No mercado de trabalho brasileiro, os Profissionais dos espetáculos e das artes

(CBO, 2002) representam o maior grupo. As especificidades desse mercado, quando

comparado com o mercado de trabalho no país, são também observadas nesse restrito

grupo de músicos selecionados pelo Rumos Itaú Cultural Música 2007/2009.

• O mundo da música é predominantemente masculino: no total de 118.431

que se declaram músicos na PNAD/IBGE (2006), 82% são homens; no Rumos,

62%.

• Os músicos são mais escolarizados que a população ocupada no Brasil,

na qual somente 8,1% dos trabalhadores possuem 15 anos ou mais de estudo;

enquanto 60% dos músicos na PNAD/IBGE (2006) possuem esse grau de

instrução, um pouco aquém dos 64% dos entrevistados Rumos.

• Quanto à faixa etária, ambos os grupos (PNAD e Rumos) apresentam a

mesma porcentagem: 42% se concentram entre 25 e 39 anos. Trata-se, portanto, de

um grupo jovem, mas experiente. As mulheres são mais escolarizadas que os

homens nas duas fontes de dados, reiterando assim o que é possível observar em

outros setores da economia.

• Quanto à posição na ocupação no mercado de trabalho, é possível afirmar

que se trata de um trabalho predominantemente informal (nomeado por conta

própria ou sem carteira – 88%), ainda mais informal que a população ocupada no

RUMOS ITAÚ CULTURAL MÚSICA – EDIÇÃO 2007/2009 RELATÓRIO PARA DISCUSSÃO

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país (62%). O restrito índice de vínculos formais de trabalho refere-se, sobretudo,

aos corpos estáveis em formações orquestrais e ou nas atividades de docência.

Salários estáveis e direitos vinculados ao trabalho são condições vividas somente

por 4 entre os 39 músicos entrevistados (10%). No entanto, as duas formas de

trabalho desejadas pelos músicos, se asseguram renda, não significam as maiores

fontes de prazer e de realização pessoal na criação e na interpretação no campo

musical, conforme entrevistas. No Rumos, os músicos com contratos formais de

trabalho foram premiados em projetos alternativos que realizam; pois salientam

que o desenvolvimento do profissional exige ir além do emprego e construir vários

caminhos, redes, contatos, considerados necessários, sobretudo no planejamento

do amanhã, vislumbrando exigências artísticas sempre demandadas pelo próprio

artista (realização pessoal), mas também pela competição no mercado. A questão

financeira decorre dessas relações.

• O trabalho artístico é, por excelência, flexível, seja em termos do

conteúdo do trabalho, seja em termos locais, horários ou contratos. A instável

condição de trabalho e carreira do artista é reconhecida, historicamente, em vários

países, inclusive no Brasil. Para esse grupo Rumos, o trabalho não é diferente. Os

músicos entrevistados destacam a permanente condição instável do artista, bem

traduzida nas estatísticas – 85% se declaram por conta própria e 3% sem carteira,

totalizando 88% de trabalhadores artistas sem vínculo empregatício formal.

Entre as várias formas que os músicos encontram para “dar um jeito” e continuar

na profissão, é possível destacar algumas questões que informam dificuldades vividas e

as estratégias, caminhos para superá-las no mundo do trabalho no campo da música.

Além da possibilidade de realização de outros tipos de trabalho, totalmente distantes da

música, foi possível observar um conjunto relevante de trabalhos adstritos ao fazer

música: ser professor particular e produtor de espetáculos e de música foram

possibilidades alternativas recorrentes.

A docência em música é realizada sobretudo por meio de aulas particulares e

constituem formas instáveis de trabalho. Eles reconhecem que, mesmo gostando de seus

alunos, de ministrar aulas, compor, arranjar e interpretar é o objetivo maior de suas

carreiras.

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• É expressivo o crescimento do número de produtores no mercado de

trabalho no campo artístico (aproximadamente 100%), sobretudo na música.

O conhecimento dos complexos meandros dos projetos, dos editais, dos

concursos e das leis de incentivo torna-se necessário em um contexto cada vez mais

regido pelo mercado competitivo. Cresce a relevância do profissional da produção do

espetáculo no mercado da indústria cultural, que cada vez mais mobiliza recursos, torna-

se mais complexa, mais competitiva, com possibilidades de financiamento federal,

estadual ou municipal por meio das leis de incentivo à cultura. No Brasil, o Estado

representa a principal instituição – suporte financeiro na concretização das atividades

artísticas; no entanto, sobretudo nos últimos 20 anos é observada, cada vez mais

crescente e relevante, a presença das grandes corporações, de capital estatal ou capital

privado, no financiamento do trabalho artístico (Segnini, 2006, p. 321 a 327). Essa é

uma das razões que determinam o crescimento do número desses profissionais nas

estatísticas, bem como o número também crescente de publicações especializadas e

cursos de formação profissional na área. O reconhecimento da importância de um bom

produtor se faz presente em todas as entrevistas e se constitui em um divisor de águas

geracional: os jovens músicos (mesmo que não tão jovens) reconhecem o mercado e seu

agente – o produtor – e a este profissional atribuem importância crucial. Dois pilares

sustentam a estabilidade de vários grupos: o trabalho da produtora e as leis de incentivo

à cultura. No entanto, eles reconhecem que as leis federais e estaduais são de difícil

acesso, pois privilegiam os artistas já renomados no mercado. Nesse grupo de 39

músicos, 20 são também produtores, ou seja, 56%.

• A cooperativa de música torna-se uma das respostas políticas dos

músicos para se fortalecerem no mercado. No entanto, é ambíguo o papel que ela

desempenha, ora apoiando músicos para se inserirem no mercado de trabalho, ora

possibilitando a precarização dos vínculos sociais de trabalho em instituições

relacionadas à música, tais como orquestras e escolas, que contratam seus músicos

via cooperativa, reduzindo os custos (e os direitos) vinculados ao trabalho.

• A produção e a divulgação independente de trabalhos no campo da

música encontram novos espaços e possibilidades. Para alguns, trata-se de um

momento privilegiado, no qual as grandes gravadoras não mais representam a

única forma de produção de seus trabalhos. É inegável a existência de um “sistema

musical”, tal como pensado por Antonio Cândido (2006) para a literatura, cada

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vez mais profissional, mais complexo e competitivo, no qual os músicos tentam

encontrar brechas produzindo seus próprios espetáculos, gravando e distribuindo

seus próprios CDs, construindo sites nos quais disponibilizam suas músicas para

download (compreendido como divulgação e não pirataria). Trata-se de novas

possibilidades face aos custos reduzidos e ao domínio da técnica nas quais

produtores e consumidores se aproximam por meio de novas configurações. O

mercado se reconfigura.

• “Tocar na noite” é uma das formas recorrentes de trabalho informadas

pelos músicos, no entanto, sempre considerada exigente, mal remunerada e

instável.

A constante “múltiplas atividades” possibilita a permanência desses

profissionais no campo da música, caracteriza as trajetórias descritas, reafirma, de

diferentes formas, a angústia provocada pela incerteza da profissão em relação ao

futuro. Múltiplas atividades – essa seria a resposta contemporânea à pergunta elaborada

por Norbert Elias ao contexto da Corte sobre o significado de “ser socialmente

reconhecido como artista e ser ao mesmo tempo capaz de alimentar sua família”. No

entanto, elas se diferenciam quando se trata de músicos que interpretam música de raiz,

popular ou erudita. Os primeiros, mesmo que recorram a produtores, ONGs e leis de

incentivo, fazem música no interior de um grupo social mais restrito – a família, a

comunidade –, interior do qual as hierarquias expressam tradições. No campo da música

erudita, é observado o mais elevado grau de institucionalização, seja no processo de

formação, seja no processo de trabalho, realizado frequentemente em orquestras e

grupos de câmara. Quando interpretam música popular, entretanto, suas práticas

relativas aos processos de trabalho que concretizam os aproximam do que foi observado

para o conjunto dos músicos populares. Estes, em suas diferentes linguagens e estéticas,

trabalham considerando a dupla dimensão: a criação/interpretação da música e sua

divulgação por meio de múltiplas possibilidades – produtores, leis de incentivo,

cooperativas, internet, autogestão e tantas outras.

• É reduzido o número de mulheres no campo da música, quando

comparado com o do mercado de trabalho no Brasil (PNAD, 2006). As mulheres

representam 56% da população economicamente ativa brasileira; 42% da

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população ocupada. No trabalho no campo Profissionais do espetáculo e das artes,

elas representam 33% do grupo; considerando somente o trabalho em música,

representam somente 18%. No entanto, no grupo dos premiados no Rumos, as 15

mulheres selecionadas representam 38%.

As mulheres musicistas, tal como na população ocupada brasileira, são mais

escolarizadas que os homens, muito embora essa situação positiva não se traduza no

mercado de trabalho na mesma direção. Elas afirmam que precisam demonstrar que são

ainda mais capazes que os músicos para transpor as barreiras que as impedem de

participar, como intérpretes instrumentistas, tanto na música erudita (com maior

possibilidade, é verdade) como na música popular. Elas predominam na qualidade de

intérpretes cantoras, trabalho nem sempre reconhecido como música.

• O crescimento do número de profissionais da música no país é

acompanhado pelo crescimento de um campo econômico cada vez mais

competitivo, no qual a presença do Estado se faz também por meio da formação

profissional. Desde o início dos anos 1990, cresce o número de matrículas no

ensino superior em música, sobretudo em instituições públicas, inclusive para

professores de música. No grupo, 16 músicos são também professores, ou seja,

38%.

Este relatório possibilita desdobramentos e, nesse sentido, serão destacados

temas a ser ainda aprofundados, levando em conta a potencialidade presente nestes

dados de pesquisa, sobretudo nas entrevistas. Em sua elaboração, temáticas orientaram

a subdivisão das entrevistas, conforme anexos de I a VI: família, formação

(escolarização e formação profissional), trabalho, políticas públicas, mas há muito

ainda a ser compreendido, explorado. Por essa razão, a sugestão é que cada uma

dessas categorias seja analisada separadamente.

Resta indagar, com base neste material, qual a importância do Rumos Itaú

Cultural na formação e na carreira dos músicos selecionados. As respostas iniciais

podem ser sintetizadas na afirmação de que neste contexto tão competitivo – no qual

não basta ser bom, é necessário ser singular – os prêmios reconhecidamente sérios

representam uma forma de divulgação e os colocam em evidência no meio musical.

Todos os entrevistados se referiram às pesquisas que fizeram sobre a trajetória dos

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músicos premiados em edições anteriores e constataram a relevância para a carreira

deles.

Acompanho sempre o que acontece e sei da importância de um prêmio desses. Ser selecionado dentro de um universo de mais de 2 mil inscrições no Brasil [...] é um privilégio! Uma coisa muito feliz para a gente! [...] Já passamos por vários projetos bacanas, fizemos o Pixinguinha, que é um projeto fantástico também, viajamos por sete capitais brasileiras (Flávio Macedo, do Grupo Monte Pascoal, 21/6/2008).

Outro dia entrei no site do Rumos e [encontrei] pessoas que foram selecionadas nos outros anos: André Mehmari, Toninho Ferraguti, pessoas que, em algum momento, eram desconhecidas do grande público, mas o Rumos percebeu a qualidade e a criatividade do trabalho deles. E hoje em dia eles já estão superestabelecidos. Então, morro de esperança. Porque a gente tá participando disso [do Prêmio Rumos] agora e, quem sabe daqui a 5 anos? [...] Como o Prêmio Visa que a gente queria fazer, mas não tem aparecido (Claudia Castelo Branco, do Duo Gisbranco, 23/5/2008).

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