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O esbulho e a função social da propriedade. Primeiramente, agradeço aos organizadores por poder participar deste encontro. É uma honra estar à mesa com juristas tão ilustres, homenageando-os na pessoa do Professor Fernando da Costa Tourinho Filho. Os temas escolhidos para expor a vocês, originaram-se de processos cíveis que tramitaram na 19ª. Câmara Cível ( possessória e função social da propriedade), e na 9ª. Câmara Cível (cessão de direito litigioso), que serviram de laboratório jurídico para a formação das idéias que se desenvolveram, caracterizando o exercício de ensinamentos doutrinários e da legislação, para o caso em concreto, propiciando a aplicação do direito vivo ao caso concreto. Quando integrava a 19ª Câmara Cível, deparamos-nos com a interposição de um agravo de instrumento (de n. 70003343488, cujo acórdão está publicado na Revista Ajuris 84, t. II, pág. 616 e segs.) oriundo da comarca de Passo Fundo/RS, uma vez que o magistrado de primeiro grau, titular da 1ª. 1

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Page 1: 1 · Web viewO Professor de Direito Constitucional JOSÉ AFONSO DA SILVA, em sua obra doutrinária intitulada de “Curso de Direito Constitucional Positivo” (18ª ed., Ed. Malheiros,

O esbulho e a função social da propriedade.

Primeiramente, agradeço aos organizadores por poder participar

deste encontro. É uma honra estar à mesa com juristas tão ilustres,

homenageando-os na pessoa do Professor Fernando da Costa Tourinho Filho.

Os temas escolhidos para expor a vocês, originaram-se de

processos cíveis que tramitaram na 19ª. Câmara Cível ( possessória e função

social da propriedade), e na 9ª. Câmara Cível (cessão de direito litigioso), que

serviram de laboratório jurídico para a formação das idéias que se

desenvolveram, caracterizando o exercício de ensinamentos doutrinários e da

legislação, para o caso em concreto, propiciando a aplicação do direito vivo

ao caso concreto.

Quando integrava a 19ª Câmara Cível, deparamos-nos com a

interposição de um agravo de instrumento (de n. 70003343488, cujo acórdão

está publicado na Revista Ajuris 84, t. II, pág. 616 e segs.) oriundo da

comarca de Passo Fundo/RS, uma vez que o magistrado de primeiro grau,

titular da 1ª. Vara Cível, indeferiu pretensão dos autores de ação de

reintegração de posse, de liminarmente se verem restituídos na posse de parte

de área rural de sua propriedade (3 ha), invadida por agricultores sem terra –

MST, sob o fundamento de que os autores/agravantes deveriam ter

demonstrado o atendimento, pela propriedade, de sua função social.

Os proprietários da terra invadida sustentavam não ser caso

sequer de exame da mencionada funcionalidade social da propriedade;

disseram que estavam demonstrados todos os requisitos do artigo 927, do

Código de Processo Civil – posse anterior, esbulho, sua data e a perda da

posse – e pretenderam a concessão da liminar negada.

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Os desembargadores Carlos Rafael dos Santos Jr. e Mário José

Gomes Pereira, entenderam que a questão posta naqueles autos, dizia com a

necessidade, ou não, da investigação acerca do atendimento da denominada

função social da propriedade, em sede de ações de reintegração de posse e,

como tal, passaram a examinar a questão posta, desconsiderando que segundo

o regramento do Código de Processo Civil, em seus artigos 926 a 933, o

debate haveria de se limitar à questão da posse.

O Relator do agravo, Des. Carlos Rafael dos Santos Jr., sob o

fundamento de que caberia ao juiz, como intérprete da norma jurídica, a

função de dar vida concreta ao preceito abstrato, cabendo extrair do direito

positivo sua verdadeira concepção teleológica, adequando-o a cada fato

concreto que lhe venha a ser submetido e que, nessa atividade, muitas vezes,

haveria de se buscar novos rumos, não devendo, pois, o juiz se satisfazer com

a interpretação jurídica tradicional – tese com a qual eu também concordo - ,

resolveu de construir uma nova exegese da norma a respeito da posse e da

propriedade imóveis, dando vida efetiva, segundo ele, ao conceito da função

social da propriedade, que certamente não encontraria lugar no texto

constitucional por circunstância, salientou, de simples diletantismo.

Nesse sentido, o Desembargador-Relator:

1. considerou que a denominada função social da propriedade

não era novidade no ordenamento jurídico brasileiro, haja vista sua previsão

constitucional remontar à Constituição de 1934(art.115) e também na carta

política outorgada em 1969(Emenda Constitucional n° 1/69), figurando no

Título III, que disciplinava a Ordem Econômica e Social, então no artigo

160, inciso III, assim redigido:

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Art. 160. A ordem econômica e social tem por fim realizar o desenvolvimento nacional e a justiça social, com base nos seguintes princípios:I – liberdade de iniciativa;II – valorização do trabalho como condição da dignidade humana;III – função social da propriedade;IV – harmonia e solidariedade entre as categorias sociais de produção;V – repressão ao abuso do poder econômico, caracterizado pelo domínio dos mercados, a eliminação da concorrência e o aumento arbitrário dos lucros; eVI – expansão das oportunidades de emprego produtivo.

Considerou, o Des.-Relator, que a Constituição Federal

atual, promulgada em 05 de outubro de 1988, teria mantido o status

de norma constitucional da denominada função social da propriedade.

Todavia, nesta última (de 1988), teria sido incluída no

Título II, Dos Direitos e Garantias Fundamentais, entre os Direitos e

Deveres Individuais e Coletivos.

Na nova Carta Política, pois, o tema encontra disciplina no

artigo 5°, incisos XXII e XXIII, que têm a seguinte redação.

Art. 5°. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residente no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos seguintes termos:XXII – é garantido o direito de propriedade;XXIII – a propriedade atenderá a sua função social;

Entendeu o Desembargador-Relator que esta ação, do

constituinte de 1988, de transportar a função social da propriedade do

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Título que tratava da Ordem Econômica e Social, para o Título que

contém os Direitos e Garantias Fundamentais do cidadão brasileiro,

por certo haveria de ter algum efeito no mundo jurídico pós 1988.

Ressaltou posição doutrinária e jurisprudencial no sentido

de que a ação de reintegração de posse não possibilitaria,

conceitualmente, sequer o exame da questão da propriedade.

Contudo, considerou desacertada esta visão quando se

tratava, como no caso, de questão, não obstante possessória, em que

se materializava conflito de interesses coletivos e individuais.

Salientou, ainda, que não se poderia esquecer, no ponto, que a posse

é, também, um dos direitos inerentes ao domínio, como o estabelecia

o artigo 524, do Código Civil Brasileiro de 1916.

Ressaltou que com a promulgação da Lei n° 8.629/93,

que tem a finalidade de examinar, investigar, aferir, a produtividade

das propriedades rurais, por certo iriam instruir levantamentos de

áreas aptas à desapropriação para fins de reforma agrária, mas

também serviriam de instrumental probatório ao Poder Judiciário, que

teria então base segura para o exame deste novo enfoque que o

direito de propriedade merece.

Reconheceu, aquele ilustre desembargador, que o tema

ainda demandaria modificação legislativa no âmbito do processo civil,

com a sistematização da investigação judicial da função social da

propriedade em cada caso concreto submetido ao Judiciário.

Todavia, o Juiz não poderia deixar de decidir pela falta de

norma infraconstitucional de cunho procedimental, face ao atraso

legislativo.

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De todo o exposto, chegou à seguinte conclusão:

“Não há mais como se vedar, ao Juiz, a investigação

acerca da função social da propriedade , quando se vê o Judiciário

diante de conflitos agrários como o ora em pauta. Sustentar o

contrário, a meu juízo, significa negar vigência ao próprio Texto Maior,

submetendo-o a garrote de norma processual que tem por finalidade,

exatamente, dar efetividade ao direito material, jamais impedir seu

exercício. E isto é violar a lei”.

Assim, em sede de liminar, manteve a decisão do juiz de

primeiro grau, salientando que:

“os autores não demonstraram, através da Declaração de Propriedade própria, o grau de utilização e eficiência de exploração da área objeto da possessória, nos termos e forma previstos na Lei n°8.629/93, única prova legal – e documental por natureza – que autorizaria a imediata reintegração . A prova mencionada, ademais, poderia ter sido obtida pelos proprietários da

área muito antes do conflito instalado”.

“(...)

“E não feita esta demonstração imediata, sem qualquer

resquício de dúvida se há de aguardar a instrução, quando além de

outros meios de prova possíveis, a imediação que o magistrado

manterá com a prova trará os esclarecimentos necessários ao desate

da questão posta em juízo.

Negou, pois, provimento ao agravo de instrumento, e

manteve a decisão recorrida, com a finalidade de que, durante a

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instrução que, segundo ele, deveria se efetivar com a prova da função

social da propriedade invadida

O eminente Des. Mário José Gomes Pereira acompanhou o Desembargador Carlos Rafael, tecendo considerações

no sentido de que “a propriedade não pode ser encarada apenas

como direito civil de usar, fruir, dispor e reivindicar (art. 524 do Código

Civil/16, e 1.228 CCv/2002), mas à luz dos preceitos constitucionais

vigentes”.

E, a partir daí, sustentou que estávamos vivendo uma

nova fase de predomínio do social sobre o individual e neste contexto

o direito de propriedade não mais se revestiria do caráter de absoluto

e intangível de que outrora se impregnava, mas estaria sujeito a

limitações ditadas pelo interesse público e pelos princípios da justiça e

do bem comum.

Assim, entendeu que a inserção da função social da

propriedade no rol dos direitos e garantias fundamentais ( art. 5º, inc.

XXII – “é garantido o direito de propriedade”, e inc. XXIII – “a

propriedade atenderá a sua função social”) significaria que a mesma

teria sido considerada, pelo constituinte, como regra fundamental,

apta a instrumentalizar todo o tecido constitucional e, por via de

conseqüência, todas as normas infraconstitucionais.

Restaria então, segundo o Des. Mário, adaptar-se e

integrar-se o preceito do Código de Processual Civil (art. 927) à nova

situação constitucional, ou seja, fazer uma interpretação atualizadora

desse código com o objetivo de torná-lo compatível com o princípio

constitucional, colocando o constituinte, entre os requisitos para a

concessão de liminar nas ações de manutenção ou de reintegração

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de posse, a prova de que o possuidor estaria imprimindo ao exercício

de sua posse um efeito social.

Considerou que o Poder Judiciário não poderia e nem

deveria ficar à margem dessa questão legal, que representa hoje o

mais fundo conflito social brasileiro: o que coloca, de um lado da

refrega, vastos contingentes de trabalhadores rurais sem-terra e, do

outro, proprietários de glebas de grandes extensões.

Enfim, concluiu que o requisito da prova do cumprimento

da função social serviria como um critério mais objetivo para o juiz

posicionar-se frente à reintegração de posse, e negou a liminar então

pleiteada pelos proprietários/agravantes.

Saliento que o atual CCv/2002, em seu art. 1.228 e

parágrafos, prevê a função social da propriedade e da posse, mas

condiciona à desapropriação como único remédio para privar o

proprietário da coisa.

A seguir, passei a examinar o agravo de instrumento, na condição de vogal, tecendo as seguintes considerações.

Justiça célere é que, talvez, busquem os sem-terras. Mas

não adianta buscar uma justiça célere que não traz justiça, ao não

serem observados os princípios legais e constitucionais vigentes,

viciando, de nulidade absoluta, qualquer tentativa de descumprimento

da Ordem Social.

O Desembargador WELLINGTON PACHECO BARROS,

da 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do RS, ao discorrer sobre a

“Função Social da Propriedade” em sua obra denominada “Curso de

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Direito Agrário e Legislação Complementar” (Ed. Livraria do

Advogado, 1996, págs. 40/41), assim se manifesta:

“Cumprir os requisitos que abrangem o princípio da função social da propriedade é exigência ínsita a todo imóvel urbano ou rural no País. Por via de conseqüência, todo proprietário de bens imóveis, para que se diga titular desse direito, tem, antes, de atender aqueles dispositivos constitucionais, uma vez que a condição de satisfação social que acompanha o bem se traduz em obrigação superior para quem lhe é titular.

“Na esfera específica do imóvel rural, tem, portanto, o proprietário a obrigação de aproveitar sua terra racional e adequadamente, utilizando-a, contudo, de forma a preservar o meio ambiente e os recursos naturais nela existentes, com observância das leis que regulam as relações de trabalho e uma exploração que favoreça o seu bem-estar e os dos trabalhadores que nela trabalhem.

“Evidentemente, que ao estabelecer condições para que se entenda o imóvel rural cumprindo a sua função social, o legislador previu também sanções para o caso de seu descumprimento.

“E a maior penalidade imposta é a desapropriação por interesse social, com a finalidade exclusiva de reforma agrária, conforme dispõe o art. 184 da CF. Ou seja, por não atender a função social, o proprietário sofre intervenção da União que, respeitando o princípio do devido processo legal, da indenização prévia e justa, lhe retira a propriedade. Este é um tipo de

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desapropriação específica – para reforma agrária. Assim, a terra é tomada do proprietário pela desapropriação, por interesse social, e, no momento seguinte, redistribuída em parcelas menores para certos beneficiários catalogados em lei, os vulgarmente chamados de sem-terras”.

E o citado art. 184 da CF/88 dispõe, em seu caput, que:

“Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização...”.

O parágrafo 2O do mesmo artigo estabelece:

“O decreto que declarar o imóvel como de interesse social, para fins de reforma agrária, autoriza a União a propor a ação de desapropriação”.

Daí a competência da União para dizer, através do devido

processo legal - que é a ação de desapropriação para fins sociais -, se

a terra é produtiva ou não.

E isso após uma vistoria na área suspeita de

descumprimento do uso adequado para dar à propriedade o fim a que

se destina, qual seja de produzir alimentos para o povo.

O roteiro de vistoria – como é feita esta - é o seguinte no

que diz respeito ao TRABALHO DE CAMPO:

1. Ao ser notificado da vistoria, o proprietário recebe uma

lista de documentos que deverá apresentar durante a visita dos

fiscais. A relação inclui cópia da planta do imóvel, notas fiscais de

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transporte, venda ou estocagem da produção e vacinação dos

animais referentes aos 12 meses anteriores à data de notificação.

2. As vistorias são realizadas a partir de 72 horas após a

notificação.

3. Ao chegar à propriedade, os técnicos do Incra recolhem

os documentos. A partir dos registros sobre vacinação, por exemplo,

podem confirmar se o número de animais informados pelo proprietário

confere e se está de acordo com o exigido legalmente para assegurar

a produtividade.

4. Os técnicos também fazem análises da topografia do

imóvel, medindo o perímetro da área e conferindo com o proprietário a

localização de plantações ou pastagens feitas durante o ano anterior.

A análise de resquícios no solo é outra forma de aferir dados sobre

produção.

Juntamente com o TRABALHO DE CAMPO, HÁ UM

OBSERVADOR À DISTÂNCIA QUE FAZ USO DA TECNOLOGIA,

COM IMAGENS DE SATÉLITE.

Para tanto, o INCRA mantém convênio com o Instituto

Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), que tem o seguinte ritual:

1. As informações observadas no imóvel pelo

trabalho de campo são confrontadas com os

registros de imagens de satélite feitas ao

longo dos 12 meses anteriores. Como um

espião espacial, o satélite registra imagens a

cada 16 dias de todo o Estado (por ex. o

RS). Conforme a demanda de interesse, o

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INCRA seleciona determinado ponto para

análise e solicita as fotos específicas ao

INPE.

2. As marcações de satélite permitem identificar

áreas e estágios de produção. As áreas de

produção agrícola, por exemplo, são

registradas em vermelho. Nuances como

época de colheita e preparação do solo

também são identificadas. Segundo o

INCRA, os técnicos podem realçar o

contraste de cores para facilitar a análise,

mas não manipular a foto.

3. Cruzando a documentação, as fotos de

satélite e as medições realizadas ‘in loco’, os

técnicos determinam a produtividade do lote.

4. O objetivo é verificar o grau de utilização da

terra, que deve obedecer padrões

estipulados pela lei. No caso do arroz, por

exemplo, a produtividade mínima exigida é

de 3,4 toneladas por hectare, enquanto a

média gaúcha é superior a cinco toneladas.

5. A conclusão do processo leva de UM A DOIS

MESES após a vistoria.

6. O laudo do imóvel, com a classificação se

produtivo ou não, é apresentado ao

proprietário, que tem 15 dias para recorrer

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junto ao INCRA. Pode anexar novos

documentos ou justificativas, que serão

analisados pelo INCRA e podem resultar

num novo parecer.

7. Em caso de nova discordância, o proprietário

pode recorrer à Justiça.

Imaginem, assim, os prejuízos que poderiam ter ocorrido

caso os invasores permanecessem nas terras invadidas, tendo em

vista o procedimento acima destacado, que levaria cerca de dois (2)

meses para ser concluído. Não haveria razoável duração da ação de

reintegração de posse, com os meios que garantissem a celeridadade

de sua tramitação, conforme, hoje, estabelece o art. 5º, inc. LXXVIII,

da CF/88, conforme determina a Emenda Constitucional n. 45, de

8.12.2004.

Não há dúvidas de que os invasores são sem-terras, do

Movimento denominado MST – não reconhecido oficialmente como

Associação de Classe ou algo assemelhado -, e que pretendem a

reforma agrária a qualquer custo. Mesmo que para isso tenham que

invadir áreas rurais, cujos proprietários estão a cultivá-las,

desobedecendo o processo legal, conforme acima destaquei.

Não há dúvidas de que os sem-terras não estão à procura

de um melhor aproveitamento da propriedade privada, mas sim

querendo usar o esbulho possessório como meio político de obrigar

os Governos Federais e Estaduais a tomarem uma atitude

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desapropriatória de terras, para resolver a tão almejada reforma

agrária e urbana.

CELSO RIBEIROS BASTOS (“Curso de Direito

Administrativo”, Ed. Saraiva, 1994, pág 208) ensina, no item de sua

obra denominado de “Pressupostos da desapropriação”, que:

“A Constituição Federal indica como pressuposto da

desapropriação a utilidade pública, a necessidade pública e o

interesse social.

“(...)

“Diz-se de interesse social a desapropriação que objetiva

solucionar os chamados problemas sociais. O Estado, ao

desapropriar, tem como meta dar à propriedade privada, seja ela

urbana ou rural, um melhor aproveitamento.

“A Constituição Federal prevê três hipóteses diferentes

para a desapropriação por interesse social:

“a) a do art. 5O, XXIV, cujas hipóteses de interesse social

estão elencadas no art. 2O da Lei n. 4.132, de 10 de setembro de

1962. São algumas: construção de casas populares, estabelecimento

e manutenção de colônias ou cooperativas agrícolas. Pode ser

promovida pela União, Estados , Municípios, Distrito Federal e

Territórios.

“b) a do art. 182 da CF/88 e da Lei 4.132/62, art. 2O, inc. I.

Trata-se de hipótese nova de desapropriação, cujo objetivo é atender

à função social da propriedade urbana expressa no plano diretor do

Município;

“c) a do art. 184 da CF/88, que prevê a desapropriação

para fins de reforma agrária. Está disciplinada pelo Decreto-Lei n. 554,

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de 26 de abril de 1969, e pelo Estatuto da Terra, arts. 18 a 23. Esta

desapropriação é privativa da União”.

Posto isso, afasto por completo qualquer discussão a

respeito da função social da propriedade em área invadida, face à

ausência do devido processo legal: que seria em sede de ação de

desapropriação, após percorrido o trâmite administrativo acima

referido.

O princípio do devido processo legal “não se exaure na

observância das formas da lei para a tramitação das causas em juízo.

Compreende algumas categorias fundamentais como a garantia do

juiz natural (CF, art. 5O, inc. XXXVII) e do juiz competente (CF, art. 5O,

inc. LIII), a garantia de acesso à justiça (CF, art. 5O, inc. XXXV), de

ampla defesa e contraditório (CF, art. 5O, inc. LV) e, ainda a de

fundamentação de todas as decisões judiciais (art. 93, inc. IX). Faz-se

modernamente uma assimilação da idéia de devido processo legal à

de processo justo”. (Humberto Theodoro Jr., “Curso de Direito

Processual Civil”, vol. I, 34ª ed., Ed. Forense, 2000, págs. 22/23).

O beneplácito de juízes e tribunais à tese de que os sem-

terras são alçados à condição de juízes de uso, ou não, da terra sob

os padrões de interesse social, distorcem a nossa legislação

processual.

Essa competência pertence à autoridade pública, em

processos regularmente instaurados para fim de desapropriação. A

ninguém mais.

O povo em geral sabe que os sem-terras estão usando de

meio inadequado de chamar a atenção das autoridades competentes

para resolver o problema social neste País, mas com prejuízos

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irreparáveis para a população na medida em que estão obstruindo

meios produtivos que servem para alimentar as pessoas.

No nosso País, instalado que está um Estado Democrático

de Direito, que adota o sistema republicano e a separação de

Poderes (CF, arts. 1O e 2O ), onde somente a lei, em seu sentido

formal e material, como ato do Parlamento, pode inovar a ordem

jurídica, isto é, criar modificar ou extinguir direitos de quem quer que

seja, somente através do devido processo legal pode-se discutir a

função social da propriedade.

Não é desrespeitando as leis e agindo de forma temerária e revolucionária, nos moldes de guerrilha, dentro de um Estado Democrático de Direito, onde todo cidadão tem assegurado o exercício do legítimo direito de defesa da propriedade e de seu uso privado, quebrando a paz social e a tranqüilidade jurídica e legal, que alcançarão, os “sem”, a justa reforma agrária ou urbana.

As normas constitucionais estabelecidas nos incisos XXII e

XXIII, do art. 5O, da CF/88, as quais afirmam ser “garantido o direito

de propriedade” e que “a propriedade atenderá a sua função social”,

devem ser interpretada em conjunto com a próxima regra maior

estabelecida no inciso posterior, XXIV, no sentido de que “a lei

estabelecerá o procedimento para desapropriação, por necessidade

ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia

indenização em dinheiro”. E a Lei Complementar n. 76, de 6.7.1993,

estabeleceu o processo judicial de desapropriação, atendendo ao

comando constitucional.

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O Professor de Direito Constitucional JOSÉ AFONSO DA

SILVA, em sua obra doutrinária intitulada de “Curso de Direito

Constitucional Positivo” (18ª ed., Ed. Malheiros, págs. 797/798)

quando trata da “Função social da propriedade rural” e diz que esta

também está inserida no princípio da ordem econômica (art. 170, III,

CF/88), traz lições importantes sobre esta conjugação de artigos da

Carta Maior, ao afirmar:

“O regime jurídico da terra ‘fundamenta-se na doutrina da

função social da propriedade, pela qual toda a riqueza produtiva tem

uma finalidade social e econômica, e quem a detém deve fazê-la

frutificar, em benefício próprio e da comunidade em que vive’. Essa

doutrina, como observa Sodero, trouxe um novo conceito de direito

de propriedade rural que informa que ela é um bem de produção e

não simplesmente um bem patrimonial; por isso, quem detém a posse

ou a propriedade de um imóvel rural tem a obrigação de fazê-lo

produzir, de acordo com o tipo de terra, com a sua localização e com

os meios e condições propiciados pelo Poder Público, que também

tem responsabilidade no cumprimento da função social da

propriedade agrícola.

“Essa doutrina foi acolhida pela Constituição, que declara

que toda propriedade atenderá sua função social (art. 5º, XXIII), que é

um princípio da ordem econômica (art. 170, III). Por isso também se

exige que a propriedade rural cumpra sua função social, mediante o

atendimento, simultâneo, de cinco requisitos, que a Constituição

apresenta no art. 186: (a) aproveitamento racional e adequado; (b)

utilização adequada dos recursos naturais disponíveis; (c)

preservação do meio ambiente; (d) observância das disposições que

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regulam as relações de trabalho; (e) exploração que favoreça o bem-

estar dos proprietários e dos trabalhadores. Não basta que a

propriedade cumpra um desses elementos. É necessário que atenda

a todos simultânea e concomitantemente. Não requer, porém, que

sejam eles observados sempre da mesma forma por todas as

propriedades, independentemente de sua localização, tamanho e

qualidade das terras. Por isso, determina que os requisitos serão

cumpridos segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em

lei, mas, na falta desta, os princípios contidos nos requisitos devem

ser observados.

“A produtividade é um elemento da função social da

propriedade rural. Não basta, porém, ser produtiva para que ela seja

tida como cumpridora do princípio. Se ela produz, mas de modo

irracional, inadequado, descumprindo a legislação trabalhista em

relação a seus trabalhadores, evidentemente que está longe de

atender a sua função social. Apesar disso, a Constituição estabeleceu

que a lei garantirá tratamento especial à propriedade produtiva e

fixará normas para o cumprimento dos requisitos relativos a sua

função social. De certo modo, isso está previsto em relação a

qualquer propriedade rural, pois é isso mesmo que significa a

cláusula, constante do art. 186, ao estatuir que a função social será

cumprida pela observância simultânea dos requisitos enumerados,

segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei. A

proibição de desapropriação da propriedade produtiva, para fins de

reforma agrária, com pagamento de indenização mediante títulos da

dívida agrária, é, a nosso ver, absoluta, sendo inútil procurar

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interpretação diferente com base em nossos desejos. Isso não seria

científico”.

Aproveito para deixar a seguinte questão no ar : como

agirão, no futuro, os sem-terras quando forem assentados e vierem a

sofrer uma invasão da suposta área que lhes seja destinada?

Exercerão o direito à legítima defesa da propriedade? Irão requerer a

proteção Estatal para a garantia da ordem pública através da Força

Pública? Requererão liminar para imediata desocupação dos

“invasores”? Ou será que só é válido o desrespeito à lei e ao devido

processo legal por parte de quem tem o título de “sem”?

Quem não tem direito à posse, nela não pode ser mantida.

Vejam vocês que a área invadida destinava-se à atividade

de agricultura (plantio de milho, soja e trigo) e pecuária (produção de

carne).

A permanência de invasores, que ingressaram de forma

esbulhativa na área dos agravantes, mostrava-se esbulhatória e, por

conseqüência, estavam a causar prejuízos quiçá irreparáveis aos

proprietários da terra.

É do conhecimento público que as invasões promovidas

pelos sem-terras têm trazido danos irreparáveis aos proprietários de

imóveis rurais, com a morte de gado, devastação de áreas verdes e

cortes de árvores para a elaboração de barracas improvisadas, etc..

Os argumentos lançados pelos eminentes magistrados que comigo votaram para manter a invasão, são de natureza moral e de caráter político-social.

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No entanto, a questão social invocada é conhecida e existe não só na zona rural, como também nas cidades com o direito à habitação e suprimento das necessidades básicas de sobrevivência. Porém, o Judiciário, onde os conflitos deságuam já em grau de enfretamento, não tem o poder material, nem jurídico para solucionar eficazmente tais problemas de politica-social do Estado.

É do meu conhecimento de que o Juiz não é um mero interpretador das leis, que deve humanizá-las, afeiçoá-las aos princípios de justiça, mas adstrito aos limites constitucionais.

Nas invasões coletivas, com argumento moral a embasar o pedido, os dados concretos, caso a caso, é que ditarão a Justiça, nos limites da lei civil e do embasamento constitucional vigente, em face da ausência de disposições específicas próprias.

Os Governos, ao longo de décadas, vêm descurando do problema social. Não reservam suas energias e recursos para reduzi-lo, e encaminhá-lo, de forma competente, a uma situação, se não ideal, pelo menos mais justa.

Com as ineficiência e burocracia, ao invés do dar um equacionamento, no caso específico da produção agrícola e repartição da terra para finalidades produtivas, alimenta, de um lado, a insegurança dos produtores e proprietários, com decréscimo da necessária produção de alimento e, de outro, alimenta o conflito, mantém grupos ociosos , desvinculados do trabalho, massa esta que torna improdutiva a terra invadida, até pela força da circunstância da provisoriedade da instalação.

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Uma das condições para o ingresso da ação de

reintegração de posse, nunca foi e nem encontra respaldo legal na

legislação processual (art. 926 e seguintes do CPC/), a necessidade

de o proprietário esbulhado ter que juntar comprovante oficial de que

sua terra é tida como produtiva, como a Declaração de Propriedade

própria, ou o grau de utilização e eficiência de exploração da área

como determina a Lei 8.629/93, eis que para a reintegração na posse

basta aos autores da ação provar a sua posse, o esbulho praticado

pelos réus, a data do esbulho, bem como a perda da posse.

Enfim, permitir-se em ação de reintegração de posse a

discussão a respeito da produtividade ou não da terra invadida, por

eventual descumprimento de preceito constitucional (art. 186 CF/88),

seria, repito, quebrar a paz social, pois, as conseqüências, seriam

nefastas à manutenção da ordem pública, e, a partir de então, todas

as invasões de terras tidas como produtivas, virariam o objeto a ser

perseguido pelos “sem”.

Com isso, perderia a sociedade como um todo, eis que

não haveria mais a segurança jurídica necessária para o exercício do

direito pelo seu povo, seja ele proprietário de terras ou não.

Por estes fundamentos, votei, naquela ocasião, pelo

deferimento da liminar de reintegração de posse aos agravantes,

tendo restado vencido pela maioria.

Evidente ficou que a decisão dos magistrados já citados,

foi eminentemente política.

Mais tarde, em 04.4.02, em sede de Med. Cautelar em

Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2.213-0/DF, tendo como

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relator o em. Min. Celso de Mello, julgada em 4.4.02 (o agr. Instr. ora

em análise foi julgado em 06.11.2001), o mesmo entendimento

esposado por este que vos fala, assim constou na ementa:

“MED. CAUT. EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 2.213-0 DISTRITO FEDERAL

RELATOR: MIN. CELSO DE MELLOREQUERENTE: PARTIDO DOS TRABALHADORES – PTADVOGADOS: MÁRCIO LUIZ SILVA E OUTROSREQUERENTE: CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES

NA AGRICULTURA – CONTAGADVOGADAS: IVANECK PEREZ ALVES E OUTROSREQUERIDO: PRESIDENTE DA REPÚBLICA

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – A QUESTÃO DO ABUSO PRESIDENCIAL NA EDIÇÃO DE MEDIDAS PROVISÓRIAS – POSSIBILIDADE DE CONTROLE JURISDICIONAL DOS PRESSUPOSTOS CONSTITUCIONAIS DA URGÊNCIA E DA RELEVÂNCIA (CF, ART.62, CAPUT) – REFORMA AGRÁRIA – NECESSIDADE DE SUA IMPLEMENTAÇÃO – INVASÃO DE IMÓVEIS RURAIS PRIVADOS E DE PRÉDIOS PÚBLICOS – INADMISSIBILIDADE – ILICITUDE DO ESBULHO POSSESSÓRIO – LEGITIMIDADE DA REAÇÃO ESTATAL AOS ATOS DE VIOLAÇÃO POSSESSÓRIA - RECONHECIMENTO, EM JUÍZO DE DELIBAÇÃO, DA VALIDADE CONSTITUCIONAL DA MP Nº 2.027-38/2000, REEDITADA, PELA ÚLTIMA VEZ, COMO MP Nº 2.183-56/2001 – INOCORRÊNCIA DE NOVA HIPÓTESE DE INEXPROPRIABILIDADE DE IMÓVEIS RURAIS – MEDIDA PROVISÓRIA QUE SE DESTINA, TÃO-SOMENTE, A INIBIR PRÁTICAS DE TRANSGRESSÃO À AUTORIDADE DAS LEIS E À INTEGRIDADE DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA – ARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE INSUFICIENTEMENTE FUNDAMENTADA QUANTO A UMA DAS NORMAS EM EXAME – INVIABILIDADE DA IMPUGNAÇÃO GENÉRICA – CONSEQÜENTE INCOGNOSCIBILIDADE PARCIAL DA AÇÃO DIRETA – PEDIDO DE MEDIDA CAUTELAR CONHECIDO EM PARTE E, NESSA PARTE, INDEFERIDO.

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POSSIBILIDADE DE CONTROLE JURISDICIONAL DOS PRESSUPOSTOS CONSTITUCIONAIS (URGÊNCIA E RELEVÂNCIA) QUE CONDICIONAM A EDIÇÃO DE MEDIDAS PROVISÓRIAS.

- A edição de medidas provisórias, pelo Presidente da República, para legitimar-se juridicamente, depende, dentre outros requisitos, da estrita observância dos pressupostos constitucionais da urgência e da relevância (CF, Art. 62, “caput”).

- Os pressupostos da urgência e da relevância, embora conceitos jurídicos relativamente indeterminados e fluidos, mesmo expondo-se, inicialmente, à avaliação discricionária do Presidente da República, estão sujeitos, ainda que excepcionalmente, ao controle do Poder Judiciário, porque compõem a própria estrutura constitucional que disciplina as medidas provisórias, qualificando-se como requisitos legitimadores e juridicamente condicionantes do exercício, pelo Chefe do Poder Executivo, da competência normativa primária que lhe foi outorgada, extraordinariamente, pela Constituição da República. Doutrina. Precedentes.

- A possibilidade de controle jurisdicional, mesmo sendo excepcional, apóia-se na necessidade de impedir que o Presidente da República, ao editar medidas provisórias, incida em excesso de poder ou em situação de manifesto abuso institucional, pois o sistema de limitação de poderes não permite que práticas governamentais abusivas venham a prevalecer sobre os postulados constitucionais que informam a concepção democrática de Poder e de Estado, especialmente naquelas hipóteses em que se registrar o exercício anômalo e arbitrário das funções estatais.

UTILIZAÇÃO ABUSIVA DE MEDIDAS PROVISÓRIAS – INADMISSIBILIDADE – PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS

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PODERES - COMPETÊNCIA EXTRAORDINÁRIA DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA.

- A crescente apropriação institucional do poder de legislar, por parte dos sucessivos Presidentes da República, tem despertado graves preocupações de ordem jurídica, em razão do fato de a utilização excessiva das medidas provisórias causar profundas distorções que se projetam no plano das relações políticas entre os Poderes Executivo e Legislativo.

- Nada pode justificar a utilização abusiva de medidas provisórias, sob pena de o Executivo – quando ausente razões constitucionais de urgência, necessidade e relevância material – investir-se, ilegitimamente, na mais relevante função institucional que pertence ao Congresso Nacional, vindo a converter-se, no âmbito da comunidade estatal, em instância hegemônica de poder, afetando, desse modo, com grave prejuízo para o regime das liberdades públicas e sérios reflexos sobre o sistema de “check and balances”, a relação de equilíbrio que necessariamente deve existir entre os Poderes da República.

- Cabe, ao Poder Judiciário, no desempenho das funções que lhe são inerentes, impedir que o exercício compulsivo da competência extraordinária de editar medida provisória culmine por introduzir, no processo institucional brasileiro, em matéria legislativa, verdadeiro cesarismo governamental, provocando, assim, graves distorções no modelo político e gerando sérias disfunções comprometedoras da integridade do princípio constitucional da separação de poderes.

Configuração, na espécie, dos pressupostos constitucionais legitimadores das medidas provisórias ora impugnadas. Conseqüente reconhecimento da constitucionalidade formal dos atos presidenciais em questão.

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RELEVÃNCIA DA QUESTÃO FUNDIÁRIA – O CARÁTER RELATIVO DO DIREITO DE PROPRIEDADE – A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE – IMPORTÃNCIA DO PROCESSO DE REFORMA AGRÁRIA – NECESSIDADE DE NEUTRALIZAR O ESBULHO POSSESSÓRIO PRATICADO CONTRA BENS PÚBLICOS E CONTRA A PROPRIEDADE PRIVADA – A PRIMAZIA DAS LEIS E DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO.

- O direito de propriedade não se reveste de caráter absoluto, eis que, sobre ele, pesa grave hipoteca social, a significar que, descumprida a função social que lhe é inerente (CF, Art. 5º, XXIII), legitimar-se –á a intervenção estatal na esfera dominial privada, observados, contudo, para esse efeito, os limites, as formas e os procedimentos fixados na própria Constituição da República.

- O acesso à terra, a solução dos conflitos sociais, o aproveitamento social e adequado do imóvel rural, a utilização apropriada dos recursos naturais disponíveis e a preservação do meio ambiente constituem elementos de realização da função social da propriedade. A desapropriação, nesse contexto – enquanto sanção constitucional imponível ao descumprimento da função social da propriedade – reflete importante instrumento destinado a dar conseqüência aos compromissos assumidos pelo Estado na ordem econômica e social.

- Incumbe, ao proprietário da terra, o dever jurídico-social de cultivá-la e explorá-la adequadamente, sob pena de incidir nas disposições constitucionais e legais que sancionam os senhores de imóveis ociosos, não cultivados e/ou improdutivos, pois só se tem por atendida a função social que condiciona o exercício do direito de propriedade, quando o titular do domínio cumprir a obrigação (1) de favorecer o bem-estar dos que na

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terra labutam; (2) de manter níveis satisfatórios de produtividade; (3) de assegurar a conservação dos recursos naturais; e (4) de observar as disposições legais que regulam as justas relações de trabalho entre os que possuem o domínio e aqueles que cultivam a propriedade.

O ESBULHO POSSESSÓRIO – MESMO TRATANDO-SE DE PROPRIEDADES ALEGADAMENTE IMPRODUTIVAS – CONSTITUI ATO REVESTIDO DE ILICITUDE JURÍDICA.

- Revela-se contrária ao direito, porque constitui atividade à margem da lei, sem qualquer vinculação ao sistema jurídico, a conduta daqueles que – particulares, movimentos ou organizações sociais – visam, pelo emprego arbitrário da força e pela ocupação ilícita de prédios públicos e de imóveis rurais, a constranger, de modo autoritário, o Poder Público a promover ações expropriatórias, para efeito de execução do programa de reforma agrária.

- O processo de reforma agrária, em uma sociedade estruturada em bases democráticas, não pode ser implementado pelo uso arbitrário da força e pela prática de atos ilícitos de violação possessória, ainda que se cuide de imóveis alegadamente improdutivos, notadamente porque a Constituição da República – ao amparar o proprietário com a cláusula de garantia do direito de propriedade (CF, art. 5º, XXII) proclama que “ninguém será privado (...) de seus bens, sem o devido processo legal” (art. 5º, LIV).

- O respeito à lei e a autoridade da Constituição da República representa condição indispensável e necessária ao exercício da liberdade e à prática responsável da cidadania, nada podendo legitimar a ruptura da ordem jurídica, quer por atuação de movimentos sociais (qualquer que seja o perfil ideológico que ostentem), quer por iniciativa

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do Estado, ainda que se trate da efetivação da reforma agrária, pois, mesmo esta, depende, para viabilizar-se constitucionalmente, da necessária observância dos princípios e diretrizes que estruturam o ordenamento positivo nacional.

- O esbulho possessório, além de qualificar-se como ilícito civil, também pode configurar situação revestida de tipicidade penal, caracterizando-se, desse modo, como ato criminoso (CP, art.161, §1º, II; Lei nº 4.947/66, art. 20).

- Os atos configurados de violação possessória, além de instaurarem situações impregnadas de inegável ilicitude civil e penal, traduzem hipóteses caracterizadoras de força maior, aptas, quando concretamente ocorrentes, a infirmar a própria eficácia da declaração expropriatória. Precedentes.

O RESPEITO À LEI E A POSSIBILIDADE DE ACESSO À JURISDIÇÃO DO ESTADO (ATÉ MESMO PARA CONTESTAR A VALIDADE JURÍDICA DA PRÓPRIA LEI) CONSTITUEM VALORES ESSENCIAIS E NECESSÁRIOS Á PRESERVAÇÃO DA ORDEM DEMOCRÁTICA.

- A necessidade de respeito ao império da lei e a possibilidade de invocação da tutela jurisdicional do Estado – que constituem valores essenciais em uma sociedade democrática, estruturada sob á égide do princípio da liberdade – devem representar o sopro inspirador da harmonia social, além de significar um veto permanente a qualquer tipo de comportamento cuja motivação derive do intuito deliberado de praticar gestos inaceitáveis de violência e de ilicitude, como os atos de invasão da propriedade alheia e de desrespeito à autoridade das leis da República.

RECONHECIMENTO, EM JUÍZO DE DELIBAÇÃO, DA LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DA MP Nº 2.027 –

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38/2000, REEDITADA, PELA ÚLTIMA VEZ COMO MP Nº 2.183-56/2001.

- Não é lícito ao Estado aceitar, passivamente, a imposição, por qualquer entidade ou movimento social organizado, de uma agenda político social, quando caracterizada por práticas ilegítimas de invasão de propriedades rurais, em desafio inaceitável à integridade e à autoridade da ordem jurídica.

- O Supremo Tribunal Federal não pode validar comportamentos ilícitos. Não deve chancelar, jurisdicionalmente, agressões inconstitucionais ao direito de propriedade e à posse de terceiros. Não pode considerar, nem deve reconhecer, por isso mesmo, invasões ilegais da propriedade alheia ou atos de esbulho possessório como instrumentos de legitimação da expropriação estatal de bens particulares, cuja submissão, a qualquer programa de reforma agrária, supõe, para regularmente efetivar-se, o estrito cumprimento das formas e dos requisitos previstos nas leis e na Constituição da República.

- As prescrições constantes na MP 2. 027-38/2000, reeditada, pela última vez, como MP nº 2.183-56/2001, precisamente porque têm por finalidade neutralizar abusos e atos de violação possessória, praticados contra proprietários de imóveis rurais, não se mostram eivadas de inconstitucionalidade (ao menos em juízo de estrita delibação), pois visam, em última análise, a resguardar a integridade de valores protegidos pela própria Constituição da República. O sistema constitucional não tolera a prática de atos, que, concretizadores de invasões fundiárias, culminam por gerar – considerada a própria ilicitude dessa conduta – grave situação de insegurança jurídica, de intranqüilidade social e de instabilidade da ordem pública.

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AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE E DEVER PROCESSUAL DE FUNDAMENTAR A IMPUGNAÇÃO.

- O Supremo tribunal Federal, no desempenho de sua atividade jurisdicional, não está condicionado as razões de ordem jurídica invocadas como suporte da pretensão de inconstitucionalidade deduzida pelo autor de ação direta. Tal circunstância, no entanto, não suprime, à parte, o dever processual de motivar o pedido e de identificar, na Constituição, em obséquio ao princípio da especificação das normas, os dispositivos alegadamente violados pelo ato normativo que pretende impugnar.

Impõe-se, ao autor, no processo de controle concentrado de constitucionalidade, sob pena de não conhecimento (total ou parcial) da ação direta, indicar as normas de referência – que, inscritas na Constituição da República, revestem-se, por isso mesmo, de parametricidade - , em ordem a viabilizar a aferição da conformidade vertical dos atos normativos infraconstitucionais. Precedentes (RTJ 179/35-37, v.g.)”

Enfim, os juízes que venceram na maioria de votos,

seguiram a linha do direito tido como alternativo, pois tentaram fazer

do processo de agravo de instrumento o meio para, politicamente,

pressionarem o governo federal à reforma agrária.

Deixo, neste ponto, a advertência feita pelo

Desembargador do Tribunal de Justiça deste Estado, Sérgio

Cavallieri, em sua posse na presidência ocorrida em 1º de fevereiro

deste ano, quando destacou em seu pronunciamento, no item “As

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fontes da Justiça”, a seguinte passagem que bem ilustra o meu modo

de ver sobre a aplicação do direito ao caso concreto:

“Todos reconhecem que o Judiciário é o guardião da

Constituição e das leis. Poucos compreendem, entretanto, o alcance

dessa missão. Na realidade, ela é muito mais ampla do que se

percebe, porque o Judiciário é o guardião da própria Justiça, cujas

fontes, que devem ser preservadas, vão além da Constituição e das

leis; chegam aos valores éticos, morais e espirituais que regem a

sociedade. É por isso que o Judiciário moderno não mais se limita a

aplicar cega e automaticamente as leis aos casos concretos, não mais

é apenas a boca da lei, como proclamavam os positivistas ortodoxos.

A sua missão é muito mais ampla na medida em que tem que

interpretar e ajustar as leis às reais necessidades da sociedade”

“Nessa tarefa, a toda evidência, não vai o juiz ao ponto de

uma total independência dos ditames da lei, como querem os

defensores do chamado direito alternativo. Não temos mandato eletivo

para fazer revolução com a caneta, nem para imprimir ação política às

nossas decisões. Essa nunca foi e nem será a função do juiz, mas sim

do político, para a qual é eleito. Mas embora tenha o juiz que se

pautar pela moldura jurídica estabelecida na lei, deve decidir com

flexibilidade, atentando para o sentimento ético da sociedade em

geral, e da comunidade jurídica em particular”. (Revista Justiça

Cidadania, Edição 55, de fevereiro de 2005, pág. 8/9).

OUTRO PONTO que passo a expor, trata da cessão de

direito litigioso, na forma do art. 42, do CPC.

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Naquele primeiro ponto, do esbulho e da função social da

propriedade, restou demonstrado o agir dos adeptos do direito

alternativo. Neste ponto, que ora passo a examinar, vocês verão o

exercício da jurisdição por juiz não alternativo, mas que decidiu

radicalmente, extremamente processualista, na lide.

Numa primeira leitura, pode parecer não ter grandes

divagações processuais.

No entanto, a complexidade de direito processual aflorou

no momento em que o magistrado de primeiro grau considerou

temerária a atuação dos autores de uma ação de indenização, um

estrangeiro e outro brasileiro, extinguindo o feito sem julgamento do

mérito.

Dos autos da apelação cível n. 70008239170, j. em

10.11.2004, da qual fui relator na 9ª. Câmara Cível do Tribunal de

Justiça do Estado do RS, NED SMITH JR., brasileiro, e a empresa

DYRFORD INVESTMENT S/A, estrangeira, ajuizaram ação de

indenização contra DISCOUNT BANK e OUTROS ( Cetro Corretora de Títulos e Valores Imobiliários Ltda., Ernesto Corrêa da Silva Filho, Prodesenho Participações Societárias Ltda., Credibanco S/A Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários), visando à

devolução de mais de dois milhões de dólares que investiram para a

compra de ações no Brasil, na Bolsa de Valores, mas que, segundo

os autores, foram mal aplicados pelos réus.

Nos autos já havia um agravo de instrumento interposto

em que o Juiz Convocado Luiz Roberto de Assis Brasil, deferira

caução pleiteada por uma das co-rés, sob o argumento de se tratar de

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empresa estrangeira, fixada no Uruguai e sem imóvel no Brasil que

pudesse garantir eventual condenação em custas e honorários

advocatícios da parte contrária, na forma do art. 835, do CPC.

Sustentou, aquele magistrado, o fato de a ação proposta por NED

SMITH JR. e pela empresa DYRFORD INVESTMENT S/A, alcançar a

pretensão indenizatória de US$ 2 milhões (dois milhões de dólares) e

o fato de considerar ainda o feito como complexo. E assim decidiu nos

demais agravos interpostos pelos outros co-réus (fls. 812/816;

862/866).

O magistrado “a quo”, por sua vez, fixou caução em 20% sobre o valor atribuído à causa, face à AI provido pelo Tribunal de Justiça.

Fixado novo valor à causa, em 06.6.03, na razão de R$

3.526.600,00, o magistrado “a quo” determinou à autora estrangeira

DYRFORD que recolhesse as custas complementares e a caução de

20% sobre aquele valor.

Foi juntado aos autos o Instrumento de Cessão de Direitos firmado pela co-autora estrangeira DYRFORD e pelo co-

autor brasileiro NED SMITH em 09.12.02, relativo ao valor pretendido

na inicial, pedindo, então, a substituição processual daquela

(DYRFORD), para que NED atuasse na defesa direta do direito

próprio, na forma do art. 42, do CPC.

Por outro lado, juntaram os autores declaração de renda

relativa ao ano de 2000, quando o co-autor brasileiro NED teria obtido

a renda tributável de R$ 12.000,00 anual, objetivando a isenção do

recolhimento das custas processuais, uma vez que somente ele ficaria

no pólo ativo.

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Após vista às partes, que se manifestaram de forma

contundente a respeito de pretenso conluio dos autores para não

pagar caução, o magistrado “a quo” sentenciou o feito, extinguindo-o

e indeferindo a gratuidade pleiteada.

Fundamentou a sentença, argumentando, em síntese,

considerar a cessão como uma “manobra” dos autores “para evitar

providências necessárias ao prosseguimento, e que importam em

despesas e risco com a solução de mérito”.

Prosseguiu o magistrado “a quo”:

“Ora, não é crível que quem aposte tamanhas

importâncias em bolsa de valores seja incapaz de satisfazer despesas

processuais.

NED sequer juntou sua declaração de renda completa.

Por outro lado, tudo indica que NED se confunde com a

pessoa jurídica, pois aparece como presidente (fl.85), com a custódia

de ações (fl.1213), e co-autor neste processo quando o investimento

foi em nome da pessoa jurídica (fl.58 -71).

A cessão só ocorreu após decisão sobre a necessidade de

caução, e diante da confusão entre os autores, facilmente poderia ser

realizada.

Além disso, a substituição processual, no curso da lide,

depende do consentimento da parte contrária. E no caso o cedente já

era parte, não podendo ser excluído sem tal consentimento.

Nesse contexto, a manobra dos autores deve ser repelida,

e é de tal ordem que impõe a extinção do processo sem julgamento

de mérito, já que descumpridas, com clara má-fé, as determinações

para complementação de custas e oferecimento de caução.

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Indefiro, pois, a substituição processual e a gratuidade,

extinguindo o processo sem julgamento de mérito.

Deixo de aplicar pena por litigância de má-fé, pois entendo

que a sucumbência é suficiente para tal.

Ante o exposto, indefiro a substituição processual e a

gratuidade requeridas, e julgo extinto o processo sem julgamento de

mérito, pela falta de cumprimento das determinações quanto ao

preparo e caução.

Condeno os autores, solidariamente, ao pagamento das

custas e honorários dos advogados dos réus, que fixo, para cada um

dos três grupos de réus, em R$ 100.000,00 (cem mil reais), levando

em conta o valor da causa, sendo que a soma dos honorários não

atinge 10% desse.

Intime-se.

Porto Alegre, 22 de setembro de 2003. JUIZ DE DIREITO.”

Posteriormente, através de embargos de declaração, a

sucumbência sofreu alterações, chegando os honorários advocatícios

ao patamar de R$ 340.000,00 (fl. 1313), sendo que por ter sido alto o

valor fixado, o magistrado deixou de aplicar pena de litigância de má

fé aos autores (ver na fundamentação da sentença).

Em sede de apelação, os autores pediram a reforma da

sentença, sob a alegação de que o investimento de mais de dois

milhões de dólares os deixou sem quaisquer condições financeiras de

pagar as custas exigidas e, muito menos, prestar a caução de 20% 33

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sobre o valor corrigido da causa. Pediram a concessão da justiça

gratuita e explicaram que a cessão ocorreu após a determinação de

caução “pro expensis”, mas de boa fé e que “...não pode ser vista

como ardilosa, contrária à boa fé, a iniciativa que possibilita, como

única alternativa, a mantença em aberto das portas do Judiciário, à

parte que não dispõe de recursos financeiros para sustentar litígio

com adversários poderosos. Ainda mais se essa alternativa possui

respaldo no próprio sistema jurídico. Resta ponderar que o fato do

apelado Ned Smith se confundir com a pessoa jurídica da Dyrford,

como pressuposto pela sentença apelada, antes de ser um fator de

desabono da cessão de crédito e da cessão da posição contratual, se

apresenta como circunstância abonadora e justificadora. Se Ned é ao

mesmo tempo credor, por título próprio e por titularidade da Dyrford,

então, nada mais legítimo e natural de que Ned Smith – o co-autor, de

nacionalidade brasileira – assuma a posição processual da Dyrford,

para continuar na batalha judicial contra aqueles que literalmente lhe

conduziram pela mão à bancarrota”. Pediu a Dyrford a sua

substituição processual, com a conseqüente desnecessidade de Ned

prestar caução, por residir no Brasil e, assim, inaplicável a ele o art.

835, do CPC; ou, subsidiariamente, determinar a extinção do feito

apenas com relação a co-autora Dyrford, continuando o processo de

conhecimento apenas tendo Ned no pólo ativo.

CETRO CORRETORA DE TÍTULOS E VALORES

MOBILIÁRIOS LTDA. também apelou, mas para solicitar aumento da

verba honorária fixada na sentença, bem como visando o

reconhecimento de litigância de má fé dos autores, “já que a pena por

litigância de má fé tem o caráter punitivo, o que significa que a sua

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função é a de coibir, impedir que a parte pratique atos que tumultuem

o processo, firam a ética e a dignidade da justiça”.

Antes, requereu hipoteca judicial incidente sobre o imóvel

de propriedade do autor Ned Smith, matriculado sob n. 77.732, Livro

n. 2, fl. 1, com base no art. 466 do CPC. O magistrado “a quo” deferiu

a hipoteca à fl. 1319, sobre 50% do imóvel, “já que adquirido pela

mulher e diante da notícia de divórcio” desta com Ned.

Os apelos foram recebidos, sendo que o dos autores

recebeu a seguinte decisão: “Quanto à apelação dos autores, resolvo

recebê-la para evitar agravo, e porque existe outra, afim de que o

órgão recursal decida sobre o conhecimento”.

As demais rés contra-razoaram, suscitando preliminar de

deserção do apelo dos autores, face à falta de preparo e dizendo ser

incabível a concessão da gratuidade por falta de provas da

necessidade de Ned. Pediram a manutenção da sentença.

Às fls. 1442/1443, os co-réus Prodesenho e Ernesto

Corrêa da Silva Filho pediram a anotação da hipoteca judicial também

em seus nomes, bem como a hipoteca judicial de outro imóvel.

Este foi o breve relato da lide.

Vejam vocês que, por decisão de primeiro grau, os autores

tiveram negado o direito constitucional de terem suas ponderações

apreciadas pelo Poder Judiciário, em completa afronta ao art. 5º, inc.

XXXV, da CF/88.

A sentença, que no meu ver não andou bem, destacou os

seguintes tópicos para fulminar liminarmente a pretensão dos autores:

1. procedeu a novo exame de “admissibilidade da inicial”,

face ao proceder dos autores em efetivarem cessão do direito litigioso;

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2. a cessão teria ocorrido para safar-se a pessoa jurídica

estrangeira de prestar a caução determinada.

3. não autorizou a substituição processual de

DYRFORD por NED, até por que, explicou, sendo parte no processo,

somente com a concordância dos réus tal poderia ocorrer.

4. indeferiu a gratuidade a NED e, por isso, julgou

extinto o feito “pela falta de cumprimento das determinações quanto

ao preparo e caução”.

Examinando tais itens em conjunto, assinalei que o

indeferimento da substituição processual requerida pela DYRFORD,

e a gratuidade solicitada por NED, com a conseqüente extinção do

processo sem julgamento de mérito, pela falta de cumprimento das

determinações quanto ao preparo e caução, merecia uma melhor

análise.

A cessão de direito litigioso entre os co-autores,

encontra respaldo no art. 42, “caput”, do CPC, que diz: “A alienação

da coisa ou do direito litigioso, a título particular, por ato entre vivos,

não altera a legitimidade das partes”.

Vejam que a cessão ocorreu durante a litispendência,

uma vez que as partes já estavam definidas nos pólos ativos e

passivos. O crédito, objeto do litígio, era suscetível de ser alcançado pela sentença. Estes eram os requisitos autorizadores do

ato extrajudicial praticado.

A afirmação dos réus da impossibilidade de poder ser

cedido direito sobre o qual havia apenas uma expectativa, não

afastava a possibilidade de cessão. Tanto que a doutrina autoriza,

conforme ensina o Desembargador CARLOS ALBERTO ALVARO DE

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OLIVEIRA (“Alienação da Coisa Litigiosa”, 2ª. edição, Forense, Rio de

Janeiro, 1986, págs. 60/61):

“Diversa é a natureza do direito litigioso inexoravelmente

fadado a ser superado pela sentença. Em realidade, entre o início da

litispendência e a sentença desenvolve-se o ‘iter’ processual e nele o

direito litigioso, que é o seu elemento. Essa posição do direito litigioso,

entre dois momentos estáticos, a sua instável precariedade, que

decorre da sua incerteza, importa conferir-lhe caráter essencialmente

‘dinâmico’. O direito litigioso é, assim, constante vir a ser, à espera de

sua superação pela sentença”.

“No momento da sentença (sempre compreendida aqui,

‘brevitatis causa’, como o provimento jurisdicional transitado em

julgado), ao restabelecer-se a unidade, já não se tem o direito litigioso,

nem sequer o direito litigioso acertado, mas tão-só o direito material

acertado. O desenvolvimento do processo, rumo à sentença,

envolvendo o direito litigioso, constitui ‘mediação’ necessária para que

se verifique a ‘mudança qualitativa’ da coisa julgada, com toda a sua

imutabilidade. O direito litigioso é o elemento material dessa

mediação, necessário e imprescindível porque sem ele não haveria

processo e muito menos sentença”.

“Essa situação precária do direito litigioso, fruto da sua

dinâmica, do devir que representa, é, de conseqüência, ‘objetiva’,

independendo do conhecimento ou da vontade do adquirente. É tão

objetiva essa incerteza, consubstancial ao direito controvertido, que a

parte pode estar subjetivamente convicta de que vai ganhar a

demanda e perdê-la, ou pensar que vai perder e ganhar. O direito

litigioso ao ser transmitido, leva, assim, objetivamente, toda a sua

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dinâmica, a sua precariedade, com ou sem vontade, com ou sem

conhecimento do adquirente. É o seu modo de existir, tendendo ao

direito material, mas distinto dele. O adquirente sucede, pois, no

direito litigioso, e a ‘fortiori’, no vir a ser do direito litigioso”.

“O fato de que o direito material exista ou não, no

momento da alienação, é totalmente irrelevante. Se o direito material

não existe ou o alienante não é o seu titular, só será possível

estabelecer ao final quando for prolatada a sentença; enquanto não

for acertado o direito, quem é o indicado como possível adquirente

permanece numa posição processual, como sucessor no vir a ser do

direito litigioso e, em momento posterior, como destinatário da eficácia

da sentença. Transmite-se, assim, o próprio direito litigioso com todas

as suas conseqüências, positivas ou negativas” (“Alienação da Coisa

Litigiosa”, 2ª. edição, Forense, Rio de Janeiro, 1986, págs. 60/61).

Continua, o hoje Desembargador deste Tribunal, ALVARO

DE OLIVEIRA:

“Assim, sempre que a sentença possa alcançar o bem ou

o direito objeto da transferência, no curso do processo, incide o art.

42. Pense-se, por exemplo, na pretensão reivindicatória em que

ambas as partes disputam a posse, com base no domínio do bem

imóvel; a alienação do bem reivindicado por qualquer delas e que será

alcançado pela futura sentença importa alienação de coisa litigiosa, no

sentido do art. 42. Diversamente, em ação de cobrança de uma

dívida, a alienação por parte do demandado de um bem qualquer de

seu patrimônio não importará alienação de coisa litigiosa, porque aí a

sentença não se referirá ao bem alienado, mas ao crédito alegado

pelo autor. Em tal caso, a proteção do eventual direito do credor

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deverá alicerçar-se no instituto da fraude à execução, previsto no art.

593, II. Na mesma hipótese, a cessão pelo autor de seu eventual

crédito constituirá cessão de direito litigioso para os fins do art. 42,

posto alcançável pela sentença o crédito alegado, por ela reconhecido

ou negado” (ob. cit. Pág. 65; o grifo é nosso).

Considerei possível, portanto, a cessão de direito litigioso, que ocorreu em 09.12.02 (fls. 1176), após a determinação

judicial de 06.6.03 a DYRFORD para que prestasse caução de 20%

do valor atribuído à causa.

No entanto, no que diz respeito à substituição processual

pleiteada pela DYRFORD, uma vez não consentida pela parte

contrária, como aliás lhe facultava o parágrafo 1º, do art. 42,

determinei que ela permanecesse no pólo ativo, numa “legitimação extraordinária”, no dizer de ALVARO DE OLIVEIRA (ob. cit. Pág.

197).

Reconhece-se, pois, a possibilidade da cessão de direito

litigioso havida entre os co-autores, sem que isso importe em conluio para o fim de não prestar a caução determinada pela empresa

estrangeira.

Não vislumbrei, conforme já analisado acima, qualquer

tentativa de conluio por parte dos autores, com a finalidade de

descumprir decisão judicial para que a DYRFORD não prestasse

caução. Até porque um dos autores, NED, possui bens imóveis no

Brasil e que poderiam garantir eventuais despesas a final, tanto que

foi requerida hipoteca judicial pelas co-rés e, nesta ocasião,

apontaram tais bens.

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Ao contrário, pois, do afirmado pelos réus, a despeito da demanda ser temerária – pelo menos por ora assim não parece, eis que demonstrado o aporte dos dólares junto aos réus e sua aplicação na Bolsa de Valores neste País, fato que não é negado no processo -, o co-autor NED SMITH teve imóvel de sua

propriedade gravado de hipoteca judicial após a sentença,

demonstrando que eventual condenação em custas e honorários

advocatícios poderiam ser suportados por ele.

A hipoteca restou levantada, face à desconstituição da

sentença que condenava os autores em elevada verba honorária, bem

como ao NED foi alcançada a gratuidade em 2º grau, a fim de evitar a

deserção de seu recurso de apelação, oportunizando ao juízo de

primeiro grau que procedesse à investigação a respeito da

continuidade da necessidade ou não com mais elementos probantes,

oportunizando ainda a realização de perícia e o prosseguimento do

feito.

A caução determinada, pois, fica dispensada, face à

cessão de direito litigioso à co-autor brasileiro.

A hipoteca judicial, face à desconstituição da sentença,

perde sua razão de ser, eis que por ser considerada como um efeito

“anexo” daquela, tendo sido anulada não há mais condenação em

custas e honorários advocatícios que autorizaria a constrição, na

forma do art. 466, do CPC.

Ao tratar sobre o tema (art. 466), MARÇAL JUSTEN

FILHO (AJURIS 78/154 e segs.) afirma que “...a hipoteca judiciária é

conseqüência que a própria lei, em seus precisos termos, ‘adiciona’ à

sentença condenatória – daí porque sua qualificação de efeito ‘anexo’.

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É então eficácia ‘externa’ à sentença em si; ‘plus’ que decorre

unicamente da lei”.

“Precisamente por isso, é absolutamente desnecessária

menção à hipoteca judicial na sentença condenatória que a constitui.

Mas ainda, é dispensável decisão propriamente dita – posterior à

sentença – que a ‘defira’: a partir da sentença ela já existe. Também

por esse motivo, não pode o juiz indeferi-la, nem se exige prévio

requerimento do interessado. Ou seja: o ‘fato gerador’ da hipoteca

judiciária não é o pedido da parte ou a decisão do juiz, mas a

existência fática de uma sentença condenatória”.

“A doutrina é unânime em qualificar a hipoteca judicial

como efeito ‘anexo’ da sentença condenatória, que decorre da própria

lei e independe de pedidos das partes ou de decisão do juiz”. (Cita os

autores de livros que assim se manifestaram em suas obras).

Entende o citado Professor MARÇAL JUSTEN FILHO que

a determinação do juiz após a sentença não infringe o disposto no art.

463 do CPC, pois se trata de “...meio de formalização e efetivação

prática de um efeito” da sentença.

Também destaca que fica excluída a idéia de que o

instituto da hipoteca judicial seja uma forma de “tutela de urgência” e

que sequer, pois, tem natureza cautelar. Diz MARÇAL: “...porque não

é ‘tutela de urgência’, não há de se falar em ‘responsabilidade

objetiva’ do beneficiário (CPC, art. 811), no caso de cassação ou reforma da sentença-título constitutivo da hipoteca”.

“A regra do art. 811 do CPC – explícita para as cautelares,

extensível às antecipatórias – tem na sua base a consideração de que

aquele que ‘requer’ a medida arca com os riscos de prejuízo para o

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adversário, se derrotado ao final. É o mesmo princípio que rege a

responsabilidade objetiva na execução provisória (art. 588, I): o

suposto credor tem a opção de desde logo dar início à atuação

executiva ou aguardar o trânsito em julgado – e assume o risco ao

optar pela segunda alternativa.”

“Mas não se pode impor semelhante risco àquele que pura

e simplesmente obteve sentença condenatória, por si só bastante

para a hipoteca. Não se concebe responsabilidade objetiva em virtude

da obtenção de sentença depois revista”. Indispensável, portanto,

apuração de que tenham os réus litigado de má fé para conseguirem

a sentença condenatória (no caso a sucumbência imposta na

sentença desconstituída), caso os autores queiram responsabilizá-los

por eventual dano que tenham sofrido com a restrição imposta em

decorrência de lei (da existência do art. 466, do CPC).

Sendo efeito “anexo” da sentença condenatória que deixou

de existir, resta levantada a restrição imposta pelo art. 466 do CPC,

assim como vai indeferido o pedido formulado neste grau de

jurisdição, pelos co-réus PRODESENHO e ERNESTO CORREA DA

SILVA FILHO, às fls. 1442/1443.

Aliás, apenas de passagem aponto às partes a leitura

proveitosa do artigo “Hipoteca judiciária e devido processo legal”,

publicada na Revista Forense 341/157, Revista Jurídica 273/24, da

autoria de JOSÉ ROGÉRIO CRUZ E TUCCI, que, ao contrário do

Professor Marçal – este entende que a determinação judicial de

hipoteca judiciária é mero despacho -, defende a necessidade de ser

observado o princípio constitucional do contraditório e da ampla

defesa, a fim de que o juiz possa apurar, através de perícia se for o

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caso, até quanto pode ser disponibilizado o patrimônio do “devedor”

(aqui tanto faz se autor ou réu da ação), frente ao valor dado como

“devido” na sentença.

O feito restou assim ementado:

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. BOLSA DE VALORES. APLICAÇÃO DE DÓLARES EM COMPRA DE AÇÕES. ALIENAÇÃO DE DIREITO LITIGIOSO. ART. 42 DO CPC. POSSIBILIDADE ENTRE CO-AUTORES, DISPENSANDO-SE A PRESTAÇÃO DE CAUÇÃO POR PARTE DA CEDENTE, EMPRESA ESTRANGEIRA, POIS O CESSIONÁRIO É BRASILEIRO. INEXISTÊNCIA DE CONLUIO PARA DESCUMPRIMENTO DE DETERMINAÇÃO JUDICIAL DE PRESTAÇÃO DE CAUÇÃO POR CO-AUTORA ESTRANGEIRA.Possível a cessão de direito litigioso entre co-autores, desde que a cessão ocorra durante a litispendência e o crédito seja suscetível de ser alcançado pela sentença, com todas as conseqüências do art. 42 do CPC. Determinada a prestação de caução à empresa estrangeira, a cessão de direito litigioso ao co-autor brasileiro dispensa aquela determinação.Manutenção da co-autora no pólo ativo, em face de sua “legitimação extraordinária”.Sentença desconstituída e, por conseqüência, sem efeito a determinação judicial de primeiro grau, de constituição de hipoteca judicial por força do art. 466 do CPC, pois, o que autorizaria o registro na matrícula imobiliária de imóvel pertencente ao autor brasileiro – a sua condenação ao pagamento de custas e honorários advocatícios -, com a anulação da sentença

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de improcedência, cessa aquele direito decorrente da lei processual. Gratuidade deferida em 2º grau, evitando o reconhecimento de deserção do apelo do autor NED, postergando o exame da necessidade de forma mais apurada em 1º grau, com a produção de documentos a amparar a pretensão dos autores, caso entenda-se necessário.APELO DOS AUTORES PARCIALMENTE PROVIDO. PREJUDICADO APELO DE CO-RÉ VISANDO AUMENTO DE VERBA HONORÁRIA.

Enfim, não poderia ter o magistrado extinguido o feito sem

julgamento do mérito sob a alegação de conluio, quando era possível

a cessão do direito litigioso entre co-autores.

O equilíbrio do magistrado, não sendo nem liberal e nem

radical, é o fundamental para a distribuição da justiça.

Tenho dito.

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