lvr curso de direito constitucional [paulo bonavides 15º ed]

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u "E que honra é para a Universidade de Lisboa e a sua Faculdade de Direito o poderem receber ,1 \como seu Doutor honoris causa esse Homem do seu Tempo, esse Homem do seu Universo, esse Homem | da mesma Familia cultural, que é o Senhor Professor Doutor Paulo Bonavides. | ) Homem do seu Tempo, também porque, tendo vivido intensamente, como poucos, este século, não; se limitou à posição cômoda de testemunha distante, de observador asséptico, inodoro e incolor, antes; F militou em causas apaixonadas, todas elas radicadas numa visão corajosa da libertação da Humanidade. Só que esse Homem do seu Tempo é, do mesmo modo, um Homem do seu Universo (...) porque nasceu * e se fez universal, nas andanças constantes que assinalaram e assinalam a sua peregrinação pelo mundo (...) porque o seu pensamento jurídico traduz muitas das mais fundas e estimulantes preocupações doutrinárias da atualidade. Homem da mesma Família cultural que nos honramos de integrar (...) pela língua em que sempre escreveu Direito, como escreveu prosas não jurídicas e intervenções jornalísticas. Magnífico Reitor, Senhores Doutores (...) na Universidade há gratidão. Pode ser lenta, esquiva, limorata. Mas, chega sempre. Em vida ou em morte. E quando chega em vida, e em vida ainda cheia de sonhos e de amanhãs, bem-vinda seja ela. Hoje, chegou a gratidão da Faculdade de Direito e da Universidade de Lisboa ao Senhor Doutor Paulo Bonavides. Agradecemos-lhe o ter sido e continuar a ser um homem'do' seu século, intervindo nele, decifrando antecipadamente o seu curso. E porque lhe agradecemos tudo isto, queremos que se junte aos doutores honor/s causa que, ao longo dos anos, nos foram enobre-^ cendo. Temos a certeza de que, lá no alto, nesse colégio eterno de doutores - longe das vicissitudes do imediato -, uma satisfação, incontida se espelhará nos rostos de um Duguit, de um Jos-.' serand, de um Lambert, de um Politis, de um Sanchez Albornoz. Quem melhor do que o Senhor Professor- Doutor Paulo Bonavides para exprimir a riqueza. criativa e a pujança da eterna juventude do Bra- sil, ele que foi, é e será, na sua salutar insatis- fação e irrequietude de pensamento, exem- plo de criatividade e de incansável ju-; ventude eterna ao serviço do Espíri- to?" M arcelo Rebelo de S ousa (Catedrático de Direito. Constitucional da Uni- versidade de Lisboa)

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    "E que honra p ara a U niversidade de Lisboa e a sua Facu ldade de Direito o poderem receber ,1 \co m o seu Doutor honoris ca u sa esse H om em do seu Tempo, esse H om em do seu Universo, esse H om em |

    da m esm a Fam ilia cultural, que o Senhor Professor Doutor Paulo Bonavides. |) H om em do seu Tempo, tam bm porque, tendo vivido intensam ente, com o poucos, este sculo, n o ;

    se limitou posio cm oda de testemunha distante, de observador assptico, inodoro e incolor, antes; F militou em causas apaixo n ad as, todas elas radicadas numa viso cora josa d a libertao d a H um anid ade.

    S que esse H om em do seu Tempo , do mesmo modo, um H om em do seu Universo (...) porque nasceu * e se fez universal, nas a n d an as constantes que assinalaram e a ss in a la m a sua peregrinao pelo m undo

    (...) porque o seu pensamento jurdico traduz muitas d as m ais fundas e estimulantes preocupaes doutrinrias d a atualidade. H om em d a m esm a Fam lia cultural que nos honram os de integrar (...)

    pela lngua em que sem pre escreveu Direito, com o escreveu prosas no jurd icas e intervenes jornalsticas.

    M agnfico Reitor, Senhores Doutores (...) na U niversidade h gratido. Pode ser lenta, esquiva, lim orata. M as, chega sempre. Em vida ou em morte. E quando chega em vida,

    e em vida a in d a cheia de sonhos e de a m a n h s, b em -vind a seja e la . Hoje, chegou a gratido da Faculdade de Direito e d a U niversidade de Lisboa ao Senhor Doutor

    Paulo Bonavides. A gradecem os-lhe o ter sido e continuar a ser um hom em 'do' seu sculo, intervindo nele, decifrando antecipadam ente o seu curso.

    E porque lhe agradecem os tudo isto, querem os que se junte aos doutores honor/s causa que, ao longo dos anos, nos foram enobre-^

    cendo. Temos a certeza de que, l no alto, nesse colgio eterno de doutores - longe das vicissitudes do im ediato - , um a satisfao,

    incontida se espelhar nos rostos de um Duguit, de um Jos-.' serand, de um Lam bert, de um Politis, de um Sanchez

    Albornoz. Q u e m m elho r do que o Senhor Professor- Doutor Paulo Bonavides p ara exprim ir a riqueza.

    criativa e a pu ja n a d a eterna juventude do B rasil, ele que foi, e ser, na sua salutar insatis

    fao e irrequietude de pensamento, exemplo de criatividade e de incansvel ju -;

    ventude eterna a o servio do Esprito?"

    M a r c e l o Rebelo d e S o u s a

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    versidade de Lisboa)

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  • SUMRIO

    Prefcio, 17Prefcio quinta edio, 23 Prefcio sexta edio, 27 Prefcio stima edio, 29 Prefcio oitava edio, 33

    Captulo 1 - O DIREITO CONSTITUCIONAL

    1. Do conceito de Direito Constitucional, 35 - 2. A origem, a formao e a crise do Direito Constitucional, 3 6 - 3 . Direito Constitucional Geral, Direito Constitucional Especial e Direito Constitucional Com parado, 41 - 4. As relaes do Direito Constitucional com outras Cincias, 43: A) O Direito Constitucional e o Direito Administrativo, 43; B) O D ireito Constitucional e o Direito Penal, 45; C) O Direito Constitucional e o Direito Processual, 45; D) O Direito Constitucional e o Direito do Trabalho, 46; E) O Direito Constitucional e o Direito Financeiro e Tributrio, 46; F) O Direito Constitucional e o Direito Internacional, 47; G) O Direito Constitucional e o Direito Privado, 48; H) O Direito Constitucional e a Cincia Poltica, 49; I) O Direito Constitucional e a Teoria Geral do Estado, 50 - 5. Mtodo de ensino, 50 - 6. As fontes do Direito Constitucional, 52 - 7. Com entrios bibliografia brasileira de Direito Constitucional, 54: A) O bras gerais de D ireito C onstitucional, 55; B) Obras de Teoria Geral do Estado, 56; C) A bibliografia bsica sobre as Constituies brasileiras, 57; D) A bibliografia sobre temas especiais de Direito Constitucional, 63.

    Captulo 2 - A CONSTITUIO

    1-. A Constituio, 80 - 2. O conceito material de Constituio, 80- 3. 0 conceito formal, 81 - 4. As Constituies rgidas e as Constituies flexveis, 83 - 5. As Constituies costumeiras e as Constituies escritas, 84 - 6. As Constituies codificadas e as Constituies legais, 87 - 7. As Constituies outorgadas, as Constituies pactuadas e as

  • 8 C U R S O D F. D I R E I T O C O N S T I T U C I O N A L

    Constituies populares, 89 - 8. Constituies concisas e Constituies prolixas, 91.

    Captulo 3 - 0 SISTEMA CONSTITUCIONAL

    1. A Constituio e o sistema constitucional, 93 - 2. A teoria m aterial da Constituio, 100 - 3. A teoria m aterial da Constituio e a ju risprudncia da Suprema Corte americana, 102 - 4. A contribuio de Carl Schmitt teoria material da Constituio, 103 - 5. A Escola de Zurique e a teoria material da Constituio, 1 0 5 - 6 . 0 conceito de sistema, 107- 7. A concepo tradicional de sistema no Direito: sistema extrnseco e sistema intrnseco, 109 8. A ressurreio da noo de sistema na segunda metade do sculo XX e as principais correntes sistmicas da atualidade, 115 - 9. A moderna concepo de sistem a jurdico: a Teoria Dialgica do Direito, 123 10. O sistem a constitucional em face da concepo sistmica contempornea, 127 - 11. A concepo de sistema e a hermenutica constitucional, 129.

    Captulo 4 - O PODER CONSTITUINTE

    1. A teoria do poder constituinte, 141 - 2. O conceito poltico de poder constituinte: o poder constituinte originrio, 146 - 3. O conceito jurdico de poder constituinte: o poder constituinte constitudo, 149 - 4. A natureza do poder constituinte constitudo, 151 - 5. A teoria do poder constituinte segundo a doutrina da soberania nacional, 153 - 6. teoria do poder constituinte segundo a doutrina da soberania popular, 155 - 7. A titularidade do poder constituinte, 157 - 8. Teoria e legitimidade do poder constituinte, 1 5 9 - 9 . O poder constituinte legtimo e o poder constituinte usurpado na histria constitucional do Brasil, 161.

    Captulo 5 - A TEORIA FORMAL E A TEORIA MATERIAL DA CONSTITUIO

    1. O dissdio dos constitucionalistas, 1 7 0 - 2 . O positivismo e a teoria formal da Constituio, 171 - 3. O antiform alism o no Direito Constitucional contemporneo, 175 - 4. A teoria cientfico-espiritual da Constituio e da mudana constitucional (Smend), 178 - 5. A teoria material da Constituio no constitucionalism o suo, 1 8 0 -6 . Os cons-

    . titucionalistas da tpica, 183 - 7. A crise de juridicidade das Constituies, 184 - 8. A existncia de um segundo poder constituinte origina-

  • SUMRI O 9

    rio, 1 8 6 - 9 . Crise constituinte e crise constitucional, 188 - 10. As duas crises constituintes: a do titular (o sujeito do poder constituinte) e a do objeto (a Constituio), 193.

    Captulo 6 - A REFORMA DA CONSTITUIO

    1 . 0 poder de reforma constitucional, 196 - 2. As limitaes expressas ao poder de .reforma, 198: A) Limitaes temporais, 199; B) Limitaes circunstanciais, 200; C) Limitaes materiais, 200 - 3. As lim itaes tcitas, 202 - 4. O processo de reforma: A) A iniciativa da reforma, 204; B) O rgo de reforma, 205; C) A adoo definitiva da reforma, 207 - 5. A via permanente de reforma na Constituio de 1988: a emenda constitucional, 207 - 6. A via extraordinria e transitria de reforma: a reviso, 209 - 7. O parlamentarismo e suas modalidades bsicas: o parlamentarismo dualista e o parlamentarismo monista, 211 8. A controvrsia acerca da superioridade do parlamentarismo sobre o presidencialism o, 212 - 9. A experincia parlam entar do Imprio: o pseudoparlamentarismo do Segundo Reinado, 214 - 10. A experincia parlamentar da Repblica: o parlamentarismo dualista do Ato Adicional, 217 - 11. Crtica ao parlamentarismo do Ato Adicional, 218 - 12. O problema da Federao no sistema parlamentar, 219 - 13. Implantao e evoluo do presidencialismo no Brasil, 220 - 14. O plebiscito e a reforma constitucional, 222.

    Captulo 7 - A TEORIA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS

    1. Do conceito poltico e filosfico ao conceito jurdico das Constituies: dois sculos de crise constitucional, 225: A) O carter poltico das Declaraes de Direitos e dos Prem bulos, 226; B) A segunda fase constitucional das Cartas liberais, 228; C) A crise constitucional do Estado liberal e a Constituio de Weimar, 231; D) Com a pro- gram aticidade entra porm em crise o conceito ju rd ico de Constituio, 232; E) A normatividade das Constituies do Estado social e o carter jurdico das normas programticas, 236 - 2. A classificao das norm as constitucionais e os distintos critrios classificatrios, 237 - 3 . 0 problem a do destinatrio das normas constitucionais, 239 - 4. As diversas classificaes elaboradas pela doutrina, 241 - 5. As normas constitucionais programticas, 244 - 6. As normas constitucionais im ediatam ente preceptivas, 250 - 7. As normas constitucionais de eficcia diferida, 251

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    Captulo 8 - DOS PRINCPIOS GERAIS DE DIREITO AOS PRINCPIOS CONSTITUCIONAIS

    1. O conceito de princpio, 255 - 2. A carncia de normatividade dos princpios na Velha Hermenutica: seu carter meramente program- tico, 258 - 3 . 0 jusnaturalismo e a fase metafsica e abstrata dos princpios (o contributo de Del Vecchio a um a restaurao jusnaturalista), 259 - 4 . 0 positivismo jurdico e 0 ingresso dos princpios nos Cdigos como fonte normativa subsidiria, 2 6 2 - 5. Com o ps-positivismo, os princpios passam a ser tratados como direito, 264 - 6. Boulanger, o mais in- signe precursor da normatividade dos princpios, 266 - 7. A posio dbia de Emilio Betti acerca da normatividade dos princpios (a crise da Velha Hermenutica), 268 - 8. Os princpios abertos (Larenz e Grabitz) e os princpios informativos (Esser), 270 - 9. Os princpios so nonnas e as nonnas compreendem as regras e os princpios, 271 - 10. A cam inhada doutrinria para a normatividade dos princpios e a contribuio de Crisafulli, 272 - 11. Princpios gerais, princpios constitucionais e disposies de princpio, 273 - 12. Os princpios fundamentam sistema ju rdico e tambm so nonnas (normas primrias), 275 - 13. O juspublicis- mo ps-positivista detemiina a hegemonia normativa dos princpios (Mil- ler e Dworkin), 276 - 14. Os distintos critrios para estabelecer a distino entre regras e princpios (Alexy), 277 - 15. O conflito de regras se resolve na dimenso da validade, a coliso de princpios na dimenso do valor, 279 - 16. As objees ao conceito de princpio de Alexy, 280 - 17. A teoria dos princpios hoje o corao das Constituies: a contribuio de Dworkin na idade do ps-positivismo, 281 - 18. As distintas dimenses dos princpios: fiindamentadora, interpretativa, supletiva, inte- grativa, diretiva e limitativa (Trabucchi e.Bobbio), 283 - 19. A conexida- de da jurisprudncia dos valores ou jurisprudncia dos princpios com a jurisprudncia dos problemas (a Tpica), 284 - 20. A jurisprudncia dos princpios, enquanto jurisprudncia dos valores, domina a idade do ps- positivismo, 285 - 21. Os princpios so as norm as-chaves de todo o sistema jurdico, 286 - 22. A teoria contempornea dos princpios: do tratamento jusprivatista dos Cdigos ao tratamento juspublicstico nas Constituies, com o advento de um novo Estado de Direito, 288 - 23. Os princpios gerais de Direito e os princpios constitucionais, 289 - 24. A teoria dos princpios no Direito Constitucional brasileiro, 294.

    Captulo 9 - 0 CONTROLE DA CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS

    1. O controle da constitucionalidade, uma conseqncia das Constituies rgidas, 296 - 2 . 0 controle formal, 297 - 3 . 0 controle material,

    10 C U R S O DE D I R E I TO C O N S T I T U C I O N A L

  • S U M R I O

    298 - 4. O controle por um rgo poltico, 299 - 5. O controle por um rgo jurisdicional, 301: A) O controle por via de exceo (controle concreto), 302; B) O controle por via de ao (controle abstrato), 307 - 6. O sistema americano de controle da constitucionalidade das leis, 3 1 1 - 7 . A excluso das questes polticas tocante ao controle jurisdicional da constitucionalidade das leis, 317 - 8. O sistema brasileiro de controle da constitucionalidade das leis, 325: A) A via de exceo, um controle j tradicional, 326; B) A moderna introduo da via de ao, 327; C) Controvrsia sobre a iniciativa do controle por via de ao no Direito C onstitucional brasileiro, 331; D) A soluo do problema pela Constituio de 1988, 332 9. O controle abstrato de constitucionalidade: nulidade e incompatibilidade de normas jurdicas inconstitucionais, 333.

    Captulo 10 - AS INOVAES INTRODUZIDAS NO SISTEMA FEDERATIVO PELA CONSTITUIO DE 1988

    1. A dimenso federativa conferida ao Municpio pela Constituio de 1988, 344 - 2. ,M unicpio brasileiro na vanguarda dos m odelos autonomistas, 347 - 3. A teoria do poder municipal em face do Estado, 348 - 4. A batalha pelo pouvoir municipal na Europa, 350 - 5. O poder do M unicpio, um poder pr-estatal na Constituio de 1988, 351 - 6. A teoria constitucional das garantias institucionais e a autonomia do M unicpio, 353 - 7. A garantia institucional do mnimo intangvel na autonomia do Municpio, 354 - 8. A autonomia financeira do M unicpio e o Estado-m em bro, 356 - 9. A constitucionalizao administrativa das Regies, 357 - 10. A marcha para uma constitucionalizao poltica das Regies, 358.

    Captulo 11 - O ESTADO BRASILEIROE A CONSTITUIO DE 1988

    1. As trs pocas constitucionais do Brasil, 361: A) O constitucio- nalismo do Imprio: a presena da inspirao francesa e inglesa, 362; B) O constitucionalismo da Primeira Repblica: a adoo do modelo americano, com o federalismo e o presidencialismo, 364; C) O constitucionalismo do Estado social: o advento da influncia das Constituies de Weimar e Bonn, 366 - 2. E a Constituio de 1988 uma Constituio do Estado social?, 370 - 3. Carter absoluto ou relativo dos direitos sociais: o problema de sua aplicabilidade, 373 - 4. A teoria dos direitos fundamentais no Estado social, 375 - 5. A importncia do principio da igualdade, 376 - 6. A interpretao constitucional do princpio da igual-

  • 12 C U R S O D E D IR E I T O C O N S T I T U C I O N A L

    dade, 377 - 7. A crise dos direitos sociais no Brasil e a Constituio de 1988, 378 - 8. A natureza da Constituio no Estado social da dem ocracia, 380 - 9. A Constituio de 1988 e a crise constituinte no Brasil, 381 - 10. Os principais momentos da crise constituinte no Imprio e na Repblica, 384 - 11. A terceira crise do Estado constitucional: a crise de inconstitucionabilidade, 388 - 12. A crise de inconstitucionabili- dade e a ingovemabilidade, 390. ' '

    1. O princpio da proporcionalidade, 392 - 2. O princpio da pro- 4 porcionalidade e seus elementos parciais.ou subprincpios, 396 - 3. O 4 l;|princpio da proporcionalidade enquanto princpio constitucional e fim- * damento de um novo Estado de Direito, 398 - 4. As vacilaes e ambi- \-*i]giiidades terminolgicas, 402 - 5. O princpio da proporcionalidade na Alemanha, 407 - 6. O princpio da proporcionalidade na Sua, ustria, |Frana, Itlia e Espanha, 411 - 7. O princpio da proporcionalidade e a s ' normas de aplicao de direitos fundamentais, 418 - 8. O Legislativo e o Judicirio em face do princpio da proporcionalidade: da constitucio- riklidade formal constitucionalidade material, 420 - 9. E o princpio ;da proporcionalidade uin princpio de interpretao?, 425 - 10. A crti- ^c a princpio da proporcionalidade, 428 - 1 1 .0 "princpio da proporcionalidade e a Constituio da Repblica Federativa do Brasil, de 5 de ' ' outubro de 1988, 434.

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    Captulo 13 - A INTERPRETAO DA CONSTITUIO !

    1. A interpretao das normas jurdicas., 437: A) A classificao jquanto s fontes, 438; B) A classificao quanto aos meios, 440; C) A iclassificao quanto aos resultados, 444 - 2. Os m todos clssicos de interpretao, 445: A) O mtodo lgico-sistemtico, 445; B) O mtodo histrico-teleolgico, 446; C) O mtodo voluntarista da Teoria Pura do tDireito, 447 - 3. Subjetivistas e objetivistas na teoria da interpretao,452: A) Os subjetivistas, 452; B) Os objetivistas, 4 5 3 - 4 . Avaliao dos Im todos de interpretao, 456 - 5. A C onstituio interpretada, 458 ]- 6. A natureza poltica das normas constitucionais, 459 - 7. A importncia da interpretao clssica da Constituio, 464 - 8. A interpretao da Constituio na doutrina americana, 467: A) A doutrina dos poderes implcitos, 472; B) Crtica doutrina dos poderes implcitos, 474

    Captulo 1 2 - 0 PRINCIPIO CONSTITUCIONAL DA PROPORCIONALIDADE E A CONSTITUIO DE 1988

  • SUMRI O 13

    - 9. A moderna interpretao da Constituio, 476 - 10. O mtodo in- tegrativo ou cientifico-espiritual de interpretao da Constituio, 477 -1 1 .0 mtodo interpretativo de concretizao, 480 - 12. Crtica aos modernos mtodos de interpretao constitucional, 483.

    Captulo 14 - OS MTODOS DE INTERPRETAOCONSTITUCIONAL DA NOVA HERMENUTICA

    1 .0 mtodo tpico de interpretao constitucional, 488 - 2. O mtodo racionalista de concretizao criado pela teoria material da Constituio, 496 - 3. Um mtodo concretista de inspirao tpica (a nova hermenutica constitucional de Friedrich Mller), 498 - 4 . A crtica aos mtodos positivistas, 501 - 5. Perfil e crise das Constituies, 502 - 6.A Constituio referida a uma estrutura de nonnatividade, 504 - 7. Uma estruturao concretista do Direito e da realidade: o mbito da norma fundamenta a normatividade, 506 - 8. A metdica estniturante na concretizao das normas constitucionais, 507 - 9. O mtodo concretista da Constituio aberta, 509: A) A interpretao da Constituio em sentido estrito e em sentido lato, 509; B) Quem so os intrpretes da Constituio na acepo lata?, 511; C) Pluralismo, racionalismo crtico e mudana constitucional na teoria da Constituio aberta , 513; D) A democracia na Constituio aberta e a crtica nova metodologia, 515 - 10.O mtodo de interpretao conforme a Constituio, 517.

    Captulo 1 5 - AS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS E AS GARANTIAS INSTITUCIONAIS

    W NA CONSTITUIO DE 1988

    1. Conceito de garantia: distino entre direitos e garantias, 525 -2. As garantias constitucionais, 529 - 3. O teor individualista das antigas garantias constitucionais, 530 - 4. As garantias constitucionais: garantia da Constituio e garantia dos direitos subjetivos, 532 - 5. As garantias constitucionais desprovidas do contedo subjetivo individualista: a transio para as garantias institucionais, 534 - 6. As garantias institucionais, 536 - 7. Enfraquece as garantias institucionais a proteo dos direitos individuais?, 538 - 8. A teoria constitucional das garantias institucionais, 539 - 9. A garantia institucional protege a essncia da instituio, 541 - 10. Os direitos fundamentais e as garantias institucionais,

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    14 C U R S O DE DIREITO C O N S T IT U C IO N A L .

    545 - 12. As garantias constitucionais qualificadas e as garantias cons-i titucionais simples, 548 - 13. As novas garantias constitucionais de na-

    tureza processual introduzidas na Constituio de 1988, 550 - 14. O? princpio da separao de poderes, garantia mxima de preservao da

    Constituio democrtica, liberal e pluralista, 554.

    Captulo 16 - A TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

    1. Caracterizao, conceito, natureza e universalidade dos direitos fundamentais, 560 - 2. Os direitos fundamentais da primeira gerao, 562 - 3. Os direitos fundamentais da segunda gerao, 564 - 4. A teoria objetiva dos direitos fundamentais: os valores e as garantias institucionais corno abertura de caminho para a universalidade concreta desses direitos, 565 - 5. Os direitos fundamentais da terceira gerao, 569- 6. Os direitos fundamentais da quarta gerao, 570 - 7. A nova universalidade dos direitos fundamentais, 573 - 8. A Declarao Universal dos Direitos do Homem, 574 - 9. A teoria da crise poltica (crise constituinte) e os direitos fundamentais, 575 - 10. A Declarao Universal e a proteo dos direitos sociais no Brasil, 577,

    Captulo 1 7 - A INTERPRETAO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

    1. A interpretao dos direitos fundamentais e a Nova Hermenutica, 579 - 2. O velho Direito Constitucional da separao de poderes e o novo Direito Constitucional dos direitos fundamentais: do positivismo formal em decadncia ao ps-positivismo material em ascenso, 584 -3. A necessidade de fazer eficazes os direitos fundam entais e a insufi-

    \ cincia da Velha Hermenutica, 592 - 4. A teoria material da Constitui-! o e a interpretao dos direitos fundamentais, 598 - 5. As teses bsi

    cas de K irchhof acerca da interpretao dos direitos fundamentais, 601- 6. A concretizao, mtodo especfico de interpretao da Constituio e dos direitos fundamentais, 604 - 7. As teorias de direitos fundamentais e sua relevncia interpretativa, 608: A) As classificaes de Scheuner, Grabitz, Wilke, Mller e Bckenfrde, 608; B) A teoria libe-

    : ral dos direitos fundamentais, 613; C) A teoria institucional dos direitos fundamentais, 616; D) A teoria dos valores, 623; E) Qual a teoria que

    ! deve prevalecer?, 629 - 8. A interpretao dos direitos fundamentais segundo a Constituio de 1988: o problema hermenutico dos direitos sociais em face da expresso direitos e garantias individuais do art. 60, 4, IV, da Lei Maior, 636.

  • S UMRI O 15

    C aptulo 18 - A R EFO RM A DA C O N STITU I O DE 1988:O BALANO DAS M UDANAS INTRODUZIDAS

    1. A reform a constitucional, 648 - 2. A reform a constitucional pela via excepcional da reviso (art. 3a do Ato das Disposies Constitucionais Transitrias), 648: A) A instalao do Congresso Revisor, 649;B) As causas determinantes do malogro da reviso, 650; C) As reformas empreendidas pelo Congresso Revisor, 652; D) A ilegitimidade da reviso, 654 - 3. A reforma pela via norm al de em enda (art. 60 da Constituio Federal), 654: A) O primeiro ciclo de emendas, 656; B) O segundo ciclo de emendas, 659; C) O carter privatista e desnacionali- zador das cinco emendas j promulgadas no segundo ciclo da reforma, 660 - 4. O prosseguimento da reforma, 662 - 5. A lentido das emendas, 663 - 6. A emenda da: reeleio e outras emendas, 664 - 7. A crise da Constituio, 667

    Bibliografia, 671

    Apndice - Constituio da Repblica Federativa do Brasil, de 5.10.1988, 699

    A nexo - Lei n. 9.868, de 10.11.1999, 801 - L e i n. 9.882, de 3.12.1999, 805

  • PREFCIO

    0 Curso de Direito Constitucional, ora dado estampa, segue substancialmente a m esm a linha de propsitos atualizadores traada e enunciada em nosso Direito Constitucional, que h doze anos saa dos prelos saudando o prxim o advento da reconstitucionalizao do Pas - consumada afinal com a Constituio de 5 de outubro de 1988 - e ao mesmo passo deplorando o descrdito em que cara o estudo da mat-v-r. ria por obra da ilegitimidade do sistema de poder instaurado no Brasil pela ditadura de 1964.

    Com o restabelecimento da ordem democrtica, logo floresceu no mbito dos estudos constitucionais uma literatura jurdica dotada de amplo teor de contemporaneidade - o mesmo preconizado em nosso livro- e volvida para o exame, entre outros, de graves problemas de interpretao, os quais, faz-se mister reiterar, compem a medula de todo o Direito Constitucional. No pode este compreender-se nem explicar-se fora de seus apertados vnculos com a hermenutica e a ideologia do poder.

    E impossvel desmembrar a disciplina constitucional de suas razes valorativas tanto quanto o neutralizar a Constituio perante as correntes de idias que fazem a eficcia, a vida e o significado de seus preceitos. O Direito Constitucional no habita uma esfera terica acima dos valores existenciais; ele a Constituio mesma na mxima amplitude enquanto form a e contedo.

    A chave da inteligncia dos textos constitucionais est pois em eleger um mtodo volvido para a anlise de toda a realidade circunjacente ao exerccio do poder, a qual determina, em cada poca e a cada passo, o sentido e a natureza das regras inscritas no cdigo supremo. Daqui se infere a fundam ental importncia da herm enutica constitucional, bem como a impossibilidade de versar a matria jurdica pertinente organizao dos poderes e ao estatuto das liberdades.sem arrimo numa teoria material da Constituio; pra a qual, desde j, convergem as tendncias mais em voga do constitucionalismo contemporneo.

    Em verdade, o Direito Constitucional tem sido historicamente o campo de batalha de inumerveis sistemas doutrinrios, servidos no raro de arraigados preconceitos de escola que tanto dificultam o avano

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    cientifico de semelhante ramo do conhecimento. As mais clebres polmicas feridas nesse domnio tiveram invariavelmente um cunho m enos jurdico do que ideolgico: primeiro, a de Jellinek com Boutmy, ao comeo deste sculo; a seguir, a de Carl Schmitt com Kelsen, em C olnia, sobre decisionismo e normativismo; cerca de quatro dcadas depois a de Forsthoff contra os constitucionalistas da tpica e da ju risprudncia dos valores, aquele contestando e estes afirmando a natureza jurdica do Estado social e, por derradeiro, j em nossos dias, com provveis e futuros reflexos sobre o D ireito Constitucional, o duelo em curso de Roberto Walter, o chefe da nova gerao de kelsenianos de Viena, com Gunther Winkler, um jurista dissidente, abraado, por inteiro, demolio do normativismo sem limites.

    Radicalizar posies conduz, porm, a resultados perniciosos, ao mesmo passo que embarga o caminho a um a investigao cientfica do fenmeno constitucional. Kelsen no desatualizou Jellinek da mesma forma que Schmitt no destruiu Kelsen. Mas o Direito Constitucional sem Jellinek, Schmitt e Kelsen seria um regato de idias e no a caudal de conceitos e mximas de que so afluentes as obras dos trs juristas. S os passionais empobrecem, por equvocos e preconceitos, o contributo de to conspcuas nascentes do pensamento constitucional contemporneo.

    Por mais que os normativistas do formalismo digam o contrrio ou fulminem com os raios da ortodoxia a assertiva, a obra de Kelsen tam bm enriquece a teoria material da Constituio. Leia-se neste manual o captulo sobre a interpretao constitucional na Teoria Pura do Direito. De uma atenta leitura, no resultar difcil enfileirar o nome do insigne jurista, pelos seus conceitos de hermenutica, entre os grandes Mestres precursores da nova direo do constitucionalismo que se refez.1

    1. Por ocasio do congresso dos Professores alemes de Direito Pblico, ocorrido cm Viena nos dias 23 e 24 de abril de 1928, Kelsen m esm o j confessava, em rplica a Tricpcl c aos que o incriminavam de sustentar um form alism o radical, que, sem o conceito material de Constituio, no era possvel resolver o problem a da jurisdio constitucional, uni tios temas ali debatidos.

    Assim sc exprimiu 0 clebre jurista: Concernente ao estabelecim ento de um conceito de Constituio, que forma o fundamento do problema da jurisdio constitucional. devo, a seguir, esclarecer iim equivoco no qual. ao que me parece, incorreu o Sr. Triepcl. Em polemica comigo, partiu ele da suposio de que eu me baseio num conceito formal de Constituio. M inhas explanaes, todavia, ho dem onstrado, po rventura. que eu me coloco inteiramente no terreno de um conceito material da C onstituio. Aquilo que se entende por Constituio em sentido formal de m aneira alguma basta para fundamentar o problema da jurisdio constitucional. Foi isto, precisamente. o que eu intentei demonstrar c a essa constatao atribuo o m aior peso' ( Was min die Bestimmung des Verfassimgsbegriffcs betrifft, der ja die G nm dlage

    IS C U R S O D E DI R EI TO C O N S T I T U C I O N A L

  • P R EF C I O 19

    A mocidade acadmica, a classe parlamentar, o meio forense e a cidadania ativa no podem ficar longe dos progressos doutrinrios mais recentes do Direito Constitucional positivo. Urge, por conseguinte, colocar ao seu alcance uma obra didtica que preencha eventuais lacunas de atualizao, como, por exemplo, aquela pertinente fam iliaridade com um princpio at certo ponto estranho, introduzido de ltim o na esfera do Direito Constitucional, proveniente do Direito Administrativo, e que j compe a gide do novo Estado de Direito da poca do ps- positivismo.

    Trata-se do princpio da proporcionalidade, consagrado em alguns Estados constitucionais da Europa como uma das colunas que do sustentao slida aos direitos humanos em face dos abusos do Estado.

    Em rigor, ingressamos com esse princpio na idade do segundo E stado de Direito, fruto de uma revoluo constitucional silenciosa, que o prtico de uma nova era para o constitucionalismo deste fim de sculo.

    A carncia de legitimidade do velho Estado das democracias ocidentais decretou o fim de uma teoria do Direito Constitucional precipua- mente assentada numa constatao formal da vigncia do princpio da separao de poderes. O antigo Estado de Direito tambm se preocupava mais com as liberdades individuais e a remoo da presena do Estado do que com a diminuio das desigualdades sociais. Nasceu em contrapartida o Estado social. Mas este logo fez preponderar - segundo crtica em grande parte procedente - o ngulo exclusivo das disparidades econmicas, cuja soluo se buscava pela insuficiente via das clusulas constitucionais programticas, entendidas ento como normas desprovidas de eficcia ou, quando muito, de eficcia mediata.

    Sem instrumentos processuais de apoio, o Estado social se converteu em figura de retrica poltica. Medidas estatais excessivamente intervencionistas lhe enfraqueceram a legitimidade, fazendo-o de todo suspeito conservao das liberdades do cidado.

    des 1roblenis der V erlassunsgenchtsbarkcit bildet, so muss iuh zuniiehst ein miss- verstndnis riehlig stellen, dass Herrn Triepcl, wie mir sclicint. uiitciiaufcn. Er ist in der Polemik gegen niieli vtm der Annalunc ausgegangen, dass ich eineirfbrm alen Vei- fassungsbegriff zugmndc lege. Meiiie Ausflimngen werden aber vielleicht gezeigt ha- bei.i, dass ich auf deni Boden eines durchaus matericllen Veiassungsbegriff stelie. Das. vvas man unter der Vcrfassung im formellen Sinnc vcrstelit. reicht in keiner VVeise aus. um das Problem der Verfassungsgerichtsbarkeit zu fundieren. Gerade das habe ich zu zeigen versuclit, und auf diese Feststelhmg lege ieli das grsste Gewicht - Hans Kel- sen. Ausspraehe viber die Bericlitc zuni ersten Beratungsgegenstand", in IVesen uni! Enlnickliui; i/ci Slaalsnerichslbirkeil. VVDSt., Heft 5. Berlin und Leipzig, 1928. p. 117).

  • 20 C U R S O DE D I R E I T O C O N S T I T U C I O N A L

    Mas este Estado social, sein embargo de sua frgil institucionalizao, no sucumbiu aos prim eiros percalos; arrastado pelas contradies entre as promessas constitucionais e o vazio normativo da realidade imperante, ele fez nascer do ventre de tais contradies, em substituio do prim eiro Estado de Direito, o Estado de Direito da segunda gerao, an imado a um a hermenutica constitucional que concretiza direitos e legitima, contra o monoplio do Estado, a ascenso e o pluralismo de novas fontes jurgenas, que tm mais que ver com a Sociedade do que com o velho aparelho estatal.

    a que entram em cortejo triunfal as direes metodolgicas de modernizao do Direito Constitucional, abrindo espao ao advento da tpica, da teoria m aterial da Constituio, do ps-positivismo, e de todos os movimentos renovadores, empenhados doravante em fazer a lei suprem a girar ao redor dos direitos fundamentais num grau em que mais importante garantir direitos do que simplesmente enunci-los mediante textos formais.

    O primeiro Estado de Direito pertenceu separao de poderes; o novo Estado de D ireito pertence aos direitos fundamentais e primacial- mente s garantias e salvaguardas que a Constituio ministra pelas vias processuais; mais o Estado da legitimidade do que propriamente o da legalidade em sua verso clssica. U m Estado em busca de meios com que aparelhar fins.

    O princpio constitucional da proporcionalidade se tomou, por conseguinte, um desses meios e veio a ser uma nova garantia da Constituio, que tanto protege o cidado contra as demasias do poder estatal como fortalece, na apreciao do caso concreto, a funo do ju iz perante o legislador ordinrio, sem descam bar obviamente no chamado Governo de ju izes - fantasma que acompanha a sociologia jurdica desde seu advento. Verdade que os direitos fundamentais se converteram tambm na essncia mesma das Constituies, sendo mais importante num certo sentido do que a prpria parte organizacional da soberania, aquela que dantes parecia concentrar todo o espirito da Constituio graas ao axioma da separao de poderes.

    Em contraste com o subjelivismo clssico cuja unilateralidade se acha de todo ultrapassada, os direitos fundamentais tomaram hoje uma dimenso objetiva, concretizante, axiolgica e universalista cada vez mais ciara e evidente. Tal dimenso j os transformou na razo de ser

    de todo o constitucionalismo da liberdade, o qual desce doutrinariamen- |te das esferas abstratas at chegar s regies concretas de sua consta

    tao efetiva, tendo por destinatrio derradeiro menos um indivduo.

  • PRITfCIO 2 1

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    ouma classe ou uma nao do que, em rigor, o gnero humano mesmo. ^Haja vista a esse respeito, para remover quaisquer dvidas, o constitu- cionalismo que produziu os direitos da terceira gerao, a saber, os do i Odesenvolvimento e da fraternidade, dos quais damos conta no captulo 3correspondente teoria dos direitos iundamentais.

    Sobre o conceito de legitimidade assenta, enfim, toda a teoria ma terial da Constituio. De tal maneira que princpios novos, como o da ( jproporcionalidade, configuram , conforme j assinalamos, um passo ^adiante em defesa do universo jurdico das liberdades humanas contra as inconstitucionalidades e exorbitncias do poder estatal. L r

    Em suma, o Curso de Direito Constitucional oferece a viso pano- 3rmica das mais importantes conquistas doutnnanas das ultimas dcadas, expostas, sempre que possvel,, com a ateno volvida para o quadro normativo da Constituio de 5 de outubro de 1988. Vista lu z de j ( 3tais conquistas, toma-se deveras fcil elucidar considervel parte da reali- j >dade constitucional do Pas, colocada assim ao inteiro alcance do aluno que no se contenta com a investigao superficial e meramente infor- ' < 3mativa de nossas instituies. 3

    E, por fim, um derradeiro esclarecimento: o presente Curso incorpora, rigorosamente atualizado, o texto do nosso antigo Direito Constitucional, cuja ltima edio - a terceira - foi estampada em 1988, ( 3pouco antes da promulgao da Constituio vigente. ^

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  • PREFCIO QUINTA EDIO

    Excedeu as expectativas do Autor a acolhida que o pblico proporcionou a este Curso de Direito Constitucional, agora em 5a edio, consideravelmente ampliado com a introduo de um novo captulo, de extrema relevncia terica, e sem dvida fundamental para a inteligncia dos ramos que o Estado de Direito contemporneo h tomado em seu af de consolidar compromissos bsicos com a democracia e a liberdade.

    Acrescentamos investigao doutrinria dessa espcie de Estado o estuco da importncia que os princpios gerais de Direito assumem,

    __ desfe o advento da teoria m aterial da Constituio, sobretudo a partirda reformulao terica a que foram submetidos como princpios constitucionais na dupla dimenso de normatividade e constitucionalidade. Essa dimenso lhes confere preeminncia incontrastvel no seio da ordem jurdica e sua respectiva hierarquia. A teoria material da Constituio se acha irresistivelmente vocacionada a executar e aplicar na poca do ps-positivismo os valores igualitrios da Justia, sem os quais a Sociedade se desloca do centro de gravitao de sua legitimidade para a esfera das incompreenses e ambigidades ocasionadas por uma doutrina exageradamente formalista, que durante largo tempo dominou quase todas as esferas do Direito.

    O positivismo dessa doutrina consagrava, por inteiro, a onipotncia legalista do Estado, bem perto, assim, de produzir, pela indiferena aos valores, a verso de um neo-absolutismo fadado a corroer e sacrificar, por via de conseqncia, as bases de sua prpria legitimao. Semelhantes bases, todavia, uma vez perdidas, como j aconteceu - e foi o caso da categoria positivista do Estado totalitrio - somente se restauram com a teoria material e substantiva da Constituio.

    Fonte conciliadora e removedora de discrepncias que em bargavam o reconhecimento terico da positividade dos princpios, essa teoria, sobre constitucionalizar tais princpios - e os melhores textos constitucionais contemporneos j os tm constitucionalizado com a energia de sua insero formal - instaura, em definitivo, queremos crer, um Estado principialista.

  • 24 C U R S O DE D I R E I T O C O N S T I T U C I O N A L

    Esse Estado funda-se teoricamente sobre a jurisprudncia dos valores, e a ele, sem dvida, pertence o futuro de todos os ordenamentos

    constitucionais que se empenharem numa caminhada sem retrocesso, cujo objetivo seja, acima de tudo, o primado da Justia em todas as relaes sociais que o Direito, mediante a Lei das Leis, chamado a disciplinar.

    Em verdade, os cognominados princpios gerais de Direito residem na Constituio, explcitos ou implcitos. Mas isto desde que a Constituio seja a de um Estado principialista, fundado na positividade dos valores da justia, da razo, da liberdade, da igualdade e da democracia, com os quais os princpios mesmos da ordem jurdica fundamental se identificam, graas a uma verso contempornea mais refinada e aperfeioada de Estado de Direito.

    A sobredita assertiva poder abrandar a controvrsia doutrinria acerca dos princpios, apontando para uma posio terciria de com preenso ou direo metodolgica, sem compromisso ostensivo j com as inspiraes do jusnaturalismo, j com as do positivismo legalista ou estadualista. Adm itida essa posio, cabe assinalar que ela tem pelo menos a vantagem de inculcar harmonia e rem over problemas e dificuldades de ordem terica, colocando-nos distncia daquele debate tradicional, ao nosso ver arcaico, entre posies clssicas da Cincia Jurdica - as do jusnaturalismo e do positivismo - que arrastavam, praticamente insolvel, at a nossa poca, o problema dos princpios.

    Pouco importa haja da parte da crtica adversa quem qualifique essa posio nova, de ltim o to influente, se no preponderante na doutrina jurdica de nossos dias, de neopositivista, e assinale, desse modo, a possvel conotao de positivismo, que se prende a um ingresso total dos princpios gerais na Constituio, de que, alis, deriva sua necessria e eficaz equivalncia aos princpios constitucionais.

    A constitucionalizao dos princpios - axioma juspublicslico de nosso tempo - faz lquida e inquestionvel a sua dimenso normativa, retirando-os da penumbra jusprivatista dos Cdigos, onde na escala normativa estiveram interiorizados durante mais de um sculo, como elementos supletivos e subsidirios, teis to-somente ao preenchimento de lacunas legais, para, a partir da, numa revoluo conceituai, os colocar no vrtice da pirmide jurdica, transformados doravante em ponto culminante da hierarquia normativa.

    Em verdade, no foi aquele nculcado neopositivisnio o constitu- cionalizador dos princpios, mas, do ponto de vista doutrinrio, o ps- positvismo, que, operando esse salto normativo e qualitativo, exprimiu

  • P R E F C IO QUINTA E D I O 25

    com todo o vigor suas posies abertas e inovadoras. Estas, uma vez consagradas, decretavam, obviamente, a superao tanto do velho positivismo como do jusnaturalismo renascente, ou seja, aquele do eterno retom o'' ou do cadver insepulto, de que tanto zombavam os co- rifeus do legalismo positivista mais ferrenho.

    Enfim, estamos persuadidos de que o nosso compndio de Direito Constitucional prossegue sua trilha atualizadora, decisivamente traada j na edio anterior, e agora alargada com a introduo de um Captulo sobre os princpios constitucionais. Outra coisa no so estes, em seu fundamento terico, seno os princpios gerais de Direito restitudos sua dimenso intrnseca de valores superiores proclamados pela melhor doutrina; aquela que o positivismo legalista clssico jamais reconheceu, por preferir outorgar aos princpios, na codificao dos sistemas jurdicos, positividade meramente subsidiria (post-legem ou post-consuetu- dinem), no havendo, assim, lugar para eles fora da seqncia auxiliar das fontes jurdicas especificadas e convocadas ao preenchimento das lacunas da lei.

    A constitucionalizao dos princpios, em termos de normatividade, funda o Estado pvipcipialista. mais um postulado da teoria material da Constituio aue triunfa com a idade do ps-positivismo. Fora dessa d o u trin a ram nosso entender, no possvel com preender as Constituies, muito menos as interpenetraes sociojurdicas elucidativas de sua normatividade. Salvo se as Cartas Magnas pudessem girar nas esferas abstratas e purificadas de um firmamento social e poltico, que no , todavia, o da nossa condio humana.

    P a u l o B o n a v i d e s

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  • PREFCIO SEXTA EDIO

    Tem sido um dos objetivos deste compndio manter o leitor, tanto quanto possvel, atualizado com as principais correntes doutrinrias que, de ltimo, contribuem, com extrem a fecundidade, para o alargamento do campo do Direito Constitucional.

    Nenhum a provncia do conhecimento jurdico assumiu dim enso to vasta quanto a desse ramo do Direito que faz gravitar em sua rbita todo o Direito Privado.

    Sem o Direito Constitucional associado Cincia Poltica, sem a N ova Hermenutica, sem a teoria objetiva e principia dos direitos fundamentais, sem as escolas de pensamento que vo surgindo nas esferas desse Direito, fica deveras difcil, se no impossvel, compreender e explicar as transform aes de alcance conceituai que renovam os seus institutos, presidem a^novas relaes dos Poderes, afetam a soberania, entrelaam m a is^ n a is o Direito Constitucional com o Direito Internacional e, sobretudo, impulsionam a formao sucessiva de distintas camadas, dimenses ou geraes de direitos fundamentais.

    Tais direitos j sobem, na escala temporal, com o advento da g lobalizao, ora em curso, aos da quarta gerao - democracia, inform ao e pluralismo dos quais esta edio se cupa com amplitude no captulo correspondente a este tema.

    Outros acrscimos de contedo, incorporados ao livro, versam sobre a m atria da reforma constitucional, que abrange duas fases capitais: uma j consumada, feita pela via excepcional da reviso, com base no art. 3- do Ato das Disposies Constitucionais Transitrias, apresentando resultados mui aqum das expectativas gerais; outra, pela via normal da Emenda, consoante o rito previsto no art. 60 da Constituio, e que, desdobrada era dois ciclos, um dos quais j expirou, ainda prossegue debaixo de um incandescente debate nacional de opinio.

    Com efeito, no seria de esperar o contrrio da parte da sociedade, porquanto assumem as reform as um peso e profundidade que, para faz-las de todo legtimas, nos parece fraca e inaceitvel sua sustentao no mandato constituinte dos reformadores, cumprindo talvez con-

  • 28 C U R S O DE D I R E I T O C O N S T I T U C I O N A L

    ferir-lhes mais densidade democrtica, mediante uma legitimao a ser extraida da aplicao dos m ecanism os plebiscitrios da Constituio mesma, de sua parte adormecida, em que jazem o refereiulum, o plebiscito e a iniciativa popular.

    Nas reformas em curso, onde tanto se faz meno de desconstitu- cionalizar o Estado, a Nao joga o seu futuro, o povo as suas liberdades, a cidadania o seu destino, como nunca aconteceu em nenhum a das nossas Constituintes do passado. E responsabilidade demais para recair sobre os ombros de um poder constitudo, como o poder de reforma constitucional.

    As deliberaes de um rgo de titularidade constituinte inferior provavelmente vo afetar as geraes vindouras, sendo imperativo da conscincia nacional subm et-las, por dever de legitimidade,' repetimos, ao titular derradeiro da soberania, que o povo nas um as.

    Com o propsito de facilitar ao aluno empenhado na leitura do captulo acerca das reform as constitucionais o acesso direto e imediato ao Direito Constitucional Positivo que rege o nosso ordenamento, anexamos a este livro o texto da Constituio Federal, acom panhado de todas as Emendas j promulgadas.

    P a u l o B o n a v i d e s

  • PREFCIO STIMA EDIO

    Com a presente edio, este Curso de Direito Constitucional adquire feio definitiva, de contedo doutrinrio, mediante o acrscimo de um Captulo acerca da interpretao dos direitos fundamentais, tema cuja importncia avulta, de ltimo, na teoria contempornea das Constituies.

    No possvel m ergulhar a fundo nos problemas constitucionais deixando de lado a hermenutica dos direitos fundamentais e da Constituio, veculo insubstituvel de acesso soluo desses problemas.

    Com a profuso, o alargamento e a multifncionalidade dos direitos fundamentais colocados numa dimenso nova de objetividade - status positivus ~, rompeu-se a unilateralidade subjetiva do status negati- vus, dominante durante toda a idade do liberalismo.

    A questo suprema^de uma sociedade confessadamente constitucional continua sendo a mesma da Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado qug_jDs^franceses incorporaram como Prem bulo sua Constituio de 3 de setembro de 1791: a de garantia dos direitos acrescida da separao de poderes. (Toute socit, dans laquelle la garantie des droits n est pas assure ni la sparation des pouvoirs determine, na pas de Constitution).

    Ontem, os cultores do constitucionalismo se preocupavam com o Estado e sua organizao; hoje, com a Sociedade e os seus direitos.

    Sendo aquela garantia parte essencial do conceito de constitucionalidade, elaborado em fins do sculo XVIII, ela se completa com o princpio da separao de poderes. Em nosso sculo, quer dizer, em nossos dias, referida garantia guarda, porm, a mesma atualidade, depois de se tornar muito mais difcil de alcanar ou concretizar-se, em razo das dimenses inditas que os direitos do homem derradeiramente assumiram debaixo da feio de direitos fundamentais .

    Corroborando o declnio definitivo do Estado liberal, so eles os direitos da liberdade enquanto expresso conjugada, sucessiva e cumulativa de quatro distintas geraes ou dimenses.

    Com efeito, contemplando os direitos da primeira gerao - os chamados direitos individuais de oposio ao Estado - , que os publicistas

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    conservadores e reacionrios insistem em considerar os nicos genuinamente fundamentais, a garantia dos direitos s favorecia ali, pelo ngulo material, uma pequena parcela da sociedade, embora pelo aspecto formal alargasse consideravelmente seu raio de abrangncia efetiva, logrando e proporcionando um elevado grau de positividade na proteo da cidadania diante do Estado e suas ofensas e agresses s liberdades do status negativas.

    de assinalar, ao mesmo passo, que a antiga garantia estabelece* ra, de maneira eficaz, para a proteo daqueles direitos, um feixe de mecanismos e normas processuais que at hoje nos ordenamentos jurdicos so a herana constitucional do terceiro estado, ou seja, da.burguesia governante.

    Transitando, porm, para os direitos do status positivus, verificamos estar em presena de direitos cuja vastido de contedo, proteo e amplitude funcional repercutem de modo extraordinrio sobre o papel do Estado e fazem mudar igualmente o semblante das relaes sociais. Isto grandemente por exigncia de prestaes estatais desconhecidas aos direitos, da primeira gerao impetradas num espao que envolve todas as classes. Para tais prestaes, o aparelho pblico detm um poder de resposta insuficiente, mngua de recursos e disponibilidades materiais. Fica, assim, patente a crise de garantia desses direitos, a saber, direitos de trs geraes subseqentes primeira, dos quais os mais sacrificados tm sido os direitos sociais, em virtude dos retrocessos havidos por derradeiro e configurativos de toda uma tragdia que ameaa desabar sobre o Estado social contemporneo.

    A dificuldade em afian-los fez extremamente atual a averiguao do velho axioma dos constituintes franceses de 1791, de que uma sociedade sem a garantia dos direitos - e esta garantia continua faltando entre ns respeitante a certos direitos fundamentais de sum a relevncia- no tem Constituio.

    E, portanto, a crise constituinte que aoita o Brasil, desfigurando-lhe a fisionomia poltica e social. Crise das estruturas e das instituies, em transcurso tanto 11a esfera do Estado como da Sociedade; crise que abala os fundamentos do nosso Estado social em gestao, e, caso no seja logo debelada, nos far perder a identidade nacional debaixo das presses de um neoliberalismo sem rumos e de uma globalizao sem limites.

    E de lastimar que se enfraquea assim 0 Estado e se aprofunde em matria constitucional a desorientao dos espritos.

    Numa ambincia internacional de governo, onde as prioridades sociais de vocao justicialista foram preteridas e se preconiza j aberta-

    30 C U R S O DE DI R E I TO C O N S T I T U C I O N A L

  • P R E F C I O S T IM A E D I O 31

    mente a extino das fronteiras que separam os povos pertencentes ao Segundo e Terceiro M undos, pela necessidade de reduzi-los a massas informes de consumidores da economia de mercado, regida unicamente por interesses especulativos de um neocapitalismo primitivo e arrogante, nessa ambincia, repetimos, a filosofia poltica da globalizao, arruinando a soberania e a Constituio, h de arruinar tambm o Estado nacional.

    Todas essas reflexes levantam, por igual, o problema de um gnero de inconstitucionalidade material versado no sobredito captulo pertinente hermenutica dos direitos fundamentais. Trata-se de tem a extrado da praxis e digno de profundos estudos na linha de seu desenvolvimento terico, para fazer mais compreensiva a realidade subjacente s regras formais da Constituio. Conceito novo, surge ele, a nosso ver, com a doutrina de um constitucionalismo da Sociedade aberta, sensvel temtica dos direitos fundamentais.

    Em rigor, estamos em presena de um a inconstitucionalidade proveniente das omisses governativas que perpetuam a Sociedade injusta dos privilgios de renda e poder.

    Ser de capital importncia, pois, para o domnio dos fenmenos polticos e constitucionai^de nossa poca a utilizao da metodologia interpretativa d a-N ev rlerm en u tica , ou seja, da teoria m aterial da Constituio.

    A sada da crise constituinte e a implantao de um Estado social de Direito dependem do coroamento da legitimidade da democracia enquanto direito da quarta gerao, passando, de necessidade, pelo meridiano dos direitos fundamentais e de sua hermenutica de concretizao. este o caminho para o Pas emergir das dificuldades que ora desesta- bilizam o regime constitucional, mergulhado 110 escndalo de uma ditadura dissimulada - a ditadura civil e executiva das medidas provisrias, que destri, desde os tecidos, a segunda face da garantia de constitu- cionalidade do sistema, a saber, aquela que entende com a separao de poderes, esculpida 11a mxima inquebrantvel do nmero 16 da D eclarao francesa.

    Em suma, reiteramos, no h Constituio sem garantia efetiva dos direitos fundamentais, no sentido almejado e gravado, de maneira irre- tocvel e lapidar, pelos patriarcas do constitucionalismo ocidental.

    A verdade abstrata do sculo XVIII tocante aos direitos humanos ser, por conseguinte, a verdade concreta do sculo XXI se a cincia das Constituies sobreviver s impugnaes neoliberais, embargando a

  • 32 C U R S O DE D I R E I T O C O N S T I T U C I O N A L

    dissoluo do Estado social, conservando a projeo de universalidade dos direitos fundamentais como direitos do gnero humano e fazendo dos instrumentos de consulta plebiscitria o futuro da Constituio e o penhor da legitimidade democrtica.

    P a u l o B o n a v i d e s

  • PREFCIO OITAVA EDIO

    As linhas estruturais desta obra se completaram na edio antecedente com a insero de um captulo acerca dos direitos fundamentais, tema que se nos afigura de capital importncia para a correta inteligncia dos fenmenos constitucionais de nossa poca.

    Os globalizadores contemporneos, abraados tarefa de minar as bases do Estado social, arruinam as franquias da igualdade e da liberdade, ao mesmo passo que embargam a concretizao das quatro dimenses dos direitos fundamentais respeitante dilatao das fronteiras de sua normatividade. No trepidam em debilitar os conceitos de nao, Estado e soberania e, de ltimo, j ameaam potencialmente dissolver tam bm o de direito constitucional, seguindo a linha intemacionalizante de um cosmopolitismo jurdico sem limites.

    Querem assim transubstanciar a crise da Constituio em crise do D ireito Constitucional, algo do/ponto de vista de concretude histrica incomparavelmente atroz para a salvaguarda da liberdade e o futuro dos direitos humanos, no concerto de instituies cada vez mais desfalcadas de contedo democrtico e aoitadas dos ventos da instabilidade que varrem os mercados da economia capitalista e derrubam Estados no cenrio internacional, como se fossem castelos de areia e no organismos de corpo e alma por onde perpassa a dignidade dos direitos da terceira gerao.

    Quando o gnero humano se supunha j a um passo dos direitos de quarta dimenso, entre os quais se insere a democracia, eis que a torrente neoliberal, despontando no horizonte poltico deste fim de milnio, coloca em grave risco todas as dimenses da liberdade, formuladas, desde o status negativas ao status positivus, pelo contrato social, e que tanto marcaram as lutas constitucionais do sculo. Tudo com o intento indissimulvel de fundar um novo poder feudal e inaugurar uma nova idade mdia. Carregando nas tintas .negras da imagem de Michelet, poder-se-ia dizer uma idade mdia de vinte sculos. De noite to longa, porm, a humanidade jamais se levantaria para a luz e a ressurreio.

    Tocante s transformaes de ordem constitucional havidas no ordenamento brasileiro, esta edio acrescenta um tpico ao Captulo 18,

  • 34 C U R S O DE DI R E I TO C O N S T I T U C I O N A L

    onde se faz o balano das mais recentes variaes no texto da Constituio, referindo ao mesmo passo dois projetos de emenda em tram itao no Congresso Nacional, os quais de certo modo comprometem a integridade do sistema representativo vigente.

    Trata-se de uma traioeira frmula de desmoralizao do Estatuto Fundamental, j em fase executiva. Combina medidas provisrias, p lebiscitos e miniconstituintes - o tringulo da exceo, constitutivo de um espao poltico no qual se movem correntes empenhadas em liquidar a democracia, o Estado social e os direitos fundamentais.

    O grau de aceitao deste compndio no meio acadmico deveras ilustrativo do interesse do estudante em descer s razes tericas que fundamentam as instituies representativas da democracia constitucional.

    No possvel desmembrar o estudo do direito positivo de um a anlise profunda s bases doutrinrias que lhe determinam o sentido, o contedo e o alcance. Nomeadamente em se tratando d Direito Constitucional, esturio de valores e princpios, os quais, por serem, pelo ngulo normativo, os mais altos na hierarquia do ordenamento jurdico do Pas, so, do mesmo passo, a chave de todas as solues de legalidade e legitimidade.

    P a u l o B o n a v i d e s

  • Captulo 1

    0 DIREITO CONSTITUCIONAL

    1. Do conceito de Direito Constitucional. 2. A origem, a form ao e a crise do Direito Constitucional. 3. Direito Constitucional Geral, D ireito Constitucional Especial e Direito Constitucional Comparado. 4. As relaes do Direito Constitucional com outras Cincias: A) O Direito Constitucional e o Direito Administrativo; B) O Direito Constitucional e o Direito Penal; C) O Direito Constitucional e o Direito Processual; D) O Direito Constitucional e o Direito do Trabalho; E) O Direito Constitucional e o Direito Financeiro e Tributrio; F) O Direito Constitucional e o Direito Internacional; G) O Direito Constitucional e o Direito Privado; H) O Direito Constitucional e a Cincia Poltica; I) 0 Direito Constitucional e a Teoria Geral do Estado. 5. Mtodo de ensino. 6. As fon tes do Direito Constitucional. 7. Comentrios bibliografia brasileira de Direito Constitucional: A) Obras gerais de Direito Constitucional; B) Obras de Teoria Geral do Estado; C) A bibliografia bsica sobre as Constituies brasileiras; D) A bibliografia sobre temas especiais de Direito Constitucional.

    1. Do conceito de Direito Constitucional

    Publicistas acorrentados a uma velha imagem de Pellegrini-Rossi costumam ver no Direito Constitucional o tronco do qual derivam todos os ramos do Direito Positivo (Pergolesi e Santi Romano).

    Sem o estudo da matria constitucional ficaria o D ireito Pblico ininteligvel, tanto quanto o Direito Privado sem o Direito Civil. No vai, assim, exagero quando se diz que o alargamento, em cada esfera da vida social, do mbito de ao do Estado acarreta considervel aum ento da importncia do Direito Constitucional nos estudos jurdicos.

    Em relao a toda a Cincia do Direito, toma ele o lugar de hegemonia que ontem coube ao Direito Civil. O Direito Constitucional da sociedade de massas e do Estado intervencionista do sculo X X cada vez mais se aparta da teoria pura do Direito e se acerca da Cincia Poltica.

    No seu conceito clssico, de inspirao liberal, o Direito Constitucional tem basicamente por objeto determinar a form a de Estado, a forma de governo e o reconhecimento dos direitos individuais (Esmein).

  • 3 6 C U R S O D E D I R E I T O C O N S T I T U C I O N A L

    Entendendo que o Direito Constitucional pode, em resumo, definir-se como o ordenam ento suprem o do Estado, Santi Romano postula, do ponto de vista material, a equivalncia dos termos Constituio e D ireito Constitucional.1 Igual concepo sustentou M aurice Duverger ao definir o Direito Constitucional pela natureza das instituies, ou seja, com o aquele que estuda a organizao geral do Estado, seu regime poltico e sua estrutura governam ental .2

    A natureza poltica caracterizadora do Direito Constitucional reaparece tambm em Videl e Prlot. C oncebe este ltimo o Direito Constitucional com o a cincia das regras jurdicas, segundo as quais se estabelece, transmite e exerce a autoridade pblica .3

    Em suma, o estabelecim ento de poderes supremos, a distribuio da competncia, a transm isso e o exerccio da autoridade, a formulao dos direitos e das garantias individuais e sociais so o objeto do D ireito Constitucional contem porneo. Revela-se este mais pelo contedo das regras jurdicas - a saber, pelo aspecto material - do que por efeito de aspectos ou consideraes form ais, dominantes historicamente, conform e veremos, no constitucionalism o do Estado liberal, ponto de partida que foi para a sistem atizao dessa importantssima disciplina do conhecim ento jurdico.

    2. A origem , a form ao e a crise do Direito C onstitucional

    A origem da expresso D ireito Constitucional, consagrada h cerca de um sculo, prende-se ao triunfo poltico e doutrinrio de alguns princpios ideolgicos na organizao do Estado moderno. Impuseram- se tais princpios desde a Revoluo Francesa, entrando a inspirar as formas polticas do chamado Estado liberal, Estado de direito ou Estado constitucional.

    Consubstanciava-se num a idia fundamental: a limitao da autoridade governativa. Tal limitao se lograria tecnicamente mediante a separao de poderes (as funes legislativas, executivas e judicirias atribudas a rgos distintos) e a declarao de direitos.

    O poder, segundo o constitucionalism o liberal, deveria mover-se, por conseguinte, em rbita especfica, a ser traada pela Constituio. Com o emprego do instrumento constitucional, aquela concepo res

    1. Principii di D iritto Costituzionale G ene rale, 2a ed., p. 2.2. D roit Constitutionnel et Institu tions Polittques, pp. 4 e 5.3. M areei Prlot, Prcis de D roit C onstitutionnel, 2a ed., p. 19.

  • O D I R E I T O C O N S T I T U C I O N A L 37

    tritiva da competncia dos rgos estatais se fez dominante. Ingressou, assim, o termo Constituio na linguagem jurdica para exprimir uma tcnica de organizao do poder aparentemente neutra. No entanto, encobria ela, em profundidades invisveis, desde o incio, a idia-fora de sua legitimidade, que eram os valores ideolgicos, polticos, doutrinrios ou filosficos do pensamento liberal.

    O liberalismo fez, assim , com o conceito de Constituio aquilo que j fizera com o conceito de soberania nacional: um expediente terico e abstrato de universalizao, nascida de seus princpios e dominada da historicidade de seus interesses concretos. De sorte que, exteriormente, a doutrina liberal no buscava inculcar a sua Constituio, mas o artefato racional e lgico, aquele que a vontade constituinte legislava como conceito absolutamente vlido de Constituio,aplicvel a todo o gnero humano, porquanto iluminado pelas luzes da razo universal.

    A quilo que, com o produto revolucionrio, fora to-som ente do ponto de vista histrico, a Constituio de um a classe se transformava pela imputao dos liberais no conceito genrico de Constituio, de todas as classes. Assim perdurou at que a crise social do sculo XX escrevesse as novas Declaraes de Direitos, invalidando o substrato m aterial individualista daquelas Constituies, j de todo ultrapassado.

    A noo jurdica e formal denima Constituio tutelar de direitos humanos parece, no entanto, consttnir-a-herana mais im portante e considervel da tese liberal. Em outras palavras: o princpio das Constituies sobreviveu no momento em que foi possvel discernir e separar na Constituio o elemento material de contedo (o ncleo da ideologia liberal) do elemento formal das garantias (o ncleo de um Estado de direito). Este, sim, pertence razo universal, traz a perenidade a que aspiram as liberdades humanas. O neoliberalismo do sculo XX o preserva nas Constituies democrticas do nosso tempo, porquanto, se o no acolhesse, jam ais poderia com elas exprim ir a frmula eficaz de um Estado de direito.

    A Frana, durante a expanso napolenica, comunicara Itlia os princpios da Revoluo. Eram os princpios de urna sociedade poltica fundada sobre o contrato social, de uma ordem jurdica apoiada na razo humana, de um Estado que se curvava liberdade individual. Cunhou-se, portanto, ao norte da Pennsula, batido pelas invases francesas, o termo diritto costituzionale, filho de idias francesas, criao dileta das ideologias antiabsolutistas.

    Lecionado em universidades italianas, como Ferrara, Pavia e Bolonha, o Direito Constitucional passou Frana, depois de 1830, quando

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    38 C U R S O DH D IR E IT O C O N S T I T U C I O N A L

    ali se institucionalizou em definitivo a ordem revolucionria da sociedade burguesa, fato ocorrido, segundo tudo indica, sob a monarquia liberal de Lus Felipe.

    Guizot, ministro da Instruo Pblica, determinou, em 1834, na Faculdade de Direito de Paris, a instalao da primeira cadeira de Direito Constitucional. Cometeu-a a um Professor italiano, Pelegrino Rossi, de Bolonha, especialista na matria. De Frana - onde a expresso constitucional chegou ao Dicionrio da Academia, um ano aps a iniciativa de Guizot - o Direito Constitucional se trasladou a outros pases, tomando-se de uso corrente no vocabulrio poltico e jurdico dos ltimos cem anos, perodo em que passou a designar o estudo sistemtico das regras constitucionais.

    Verifica-se, porm, que, ao instituir aquele ensino, Guizot tinha, seguramente, estabelecido j o mtodo e o contedo da disciplina recm- criada, concentrando-a ao redor de um texto - a Constituio - e de uma filosofia poltica - o liberalismo.

    Assim como o Direito Privado ganhara com a Revoluo o Cdigo de Napoleo, o Direito Pblico, graas a Guizot, ganhara com a Constituio aquele que, de futuro, seria o mais importante ramo da Cincia Jurdica: o Direito Constitucional, de caractersticas doutrinrias definidas. Um Direito Constitucional que aspirava a dar ao Estado as bases permanentes de sua organizao, segundo as correntes do pensamento jurdico, individualista e liberal, tomado ento por definitivo, absoluto, etemo, imutvel.

    ; Em virtude dessa origem histrica, sustentou-se, durante largo tempo, do ponto de vista doutrinrio, que o Direito Constitucional e a Constituio eram distintos. E o eram, precisamente, por admitir-se, em coerncia com a doutrina recm-exposta, a existncia de Estados sem Constituio, ou apenas com uma Constituio de fato, nos quais no haveria lugar para o Direito Constitucional. Pases dotados, pois, de Constituio de fato eram pases sem Direito Constitucional, segundo o entendimento que prevaleceu, durante a primeira metade do sculo XIX, entre as noes liberais da Europa continental.

    Cumpria, por conseguinte, distinguir, de acordo com as correntes do pensamento liberal-burgus, duas modalidades de Constituio: uma verdadeira, legtima, jurdica, e outra meramente sociolgica ou f- tica, reprovada pela conscincia jurdica, e que caracterizaria os Estados absolutistas e despticos.

    A primeira, Guizot, quando entregou a Rossi a ctedra de Paris, se propunha a fazer lecionar, ao passo que a segunda tinha ele em mente

  • O D I R E I T O C O N S T I T U C I O N A L 3 9

    combater. Com a primeira se definiam os Estados constitucionais; com a segunda, os Estados de fora.

    Gerou-se, pois, doutrinariamente, em conseqncia dessa dicotomia, a pretenso a um constitucionalismo legtimo, dogma que serviu durante o sculo XIX de base edificao e manuteno de sistemas polticos em que a observncia da liberdade individual, traando limites ao poder do Estado, constitua a nota decisiva do chamado Estado de direito.

    To forte se m anifestou esse sentimento confmador do poder do Estado atravs de uma Constituio que, ao lavrarem o primeiro documento constitucional produzido pela Revoluo Francesa, seus autores inseriram no art. 16 a disposio de que toda sociedade na qual no esteja assegurada a garantia dos direitos nem determinada a separao de poderes no possui Constituio.

    O Direito Constitucional era, ento, o direito da Constituio, direito dos povos livres, referido a determinado texto, ou seja, a um conjunto de instituies, regidas pela forma representativa, sob a inspirao do liberalismo, daquela doutrina que diminua ou confinava os poderes do Estado.

    Tendo, historicamente, por base a filosofia jurdica do regime liberal, o Direito Constitucional acompanhou a crise do velho Estado burgus, at tomar nova configurao conceituai, mais jurdica do que filo s fica, com a neutralizao, para o estudioso ou pesquisador, dos valores aderentes s instituies, objeto daquela disciplina; valores, por conseguinte, j de nenhuma interferncia na caracterizao da Constituio ou do Direito Constitucional. Esse Direito Constitucional professadamente cientfico ou cipoltico, o Estado liberal s o conheceu depois que seus ju ristas haviam, com mxima tranqilidade, cimentado um Estado de direito fora de todas as contestaes contra-revolucionrias do absolutismo.

    O perodo seguinte teve um desdobram ento constitucional cuja corrente a doutrina liberal no logrou interromper. A Constituio, que j deixara de assimilar-se genrica e exclusivamente a uma certa forma de organizao poltica - a do liberalismo individualista e sua ideologia - passou, doravante, numa acepo mais larga e precisa, a representar o espelho real de toda e qualquer organizao poltica.

    Pde, assim, se converter, segundo a observao aguda de Bur- deau, naquele canal por onde o Poder passa de seu titular, o Estado, para seus agentes de exerccio - os governantes.

    Ampliou-se e at certo ponto neutralizou-se, conseqentemente, o sentido do contedo constitucional, desatado, a seguir, de quaisquer consideraes doutrinrias ou ideolgicas.

  • 40 C U R S O DE D I R E I T O C O N S T I T U C I O N A L

    As regras fundamentais de estruturao, funcionamento e organizao do poder, no importa o regime poltico nem a forma de distribuio da competncia aos poderes estabelecidos, so, por conseguinte, a matria do Direito Constitucional. De modo que todo Estado ou toda sociedade politicamente organizada possui, como j assinalava Lassae, uma Constituio ou um Direito Constitucional.

    Aquela acepo de fundo racionalista e normativista, decorrente, historicamente, do domnio poltico da classe burguesa ao colher os primeiros frutos de sua vitria sobre os Estados da monarquia absoluta e sua respectiva organizao de poder, cedeu lugar, hoje, a uma concepo mais ampla e verdadeira, muito menos tmida, alis, aquela em que o Direito Constitucional , conjuntamente, tcnica do poder e tcnica da liberdade; um Direito Constitucional poltico, sem ser, porm, contra ou a favor das instituies que abrange ou encerra.4

    Enfim, para chegar a esse conceito, teve ele, primeiro, que refletir, conforme vimos, o ocaso do constitucionalism o, com a queda de um sistema de valores e a decomposio de um a doutrina arraigadamente individualista. No foi de emergncia fcil e suave, porquanto veio no torvelinho de um a crise, que hoje aoita principalmente o ordenamento jurdico dos pases constitucionais em desenvolvimento.

    Ainda agora a crise das Constituies continua sendo nesses pases a crise da substituio, cada vez mais acentuada, do modelo impossvel de um a espcie de constitucionalismo jurd ico por outro de constitucionalismo poltico. O constitucionalismo do Estado de direito (bem entendido: o Estado de direito da sociedade liberal) cede lugar ao constitucionalismo poltico e social. U m constitucionalismo, no raro, am- putador da ordem jurdica nas garantias fundamentais do cidado, em proveito daquela segurana que a razo de Estado comanda, legisla e impe, fazendo, todavia, inseguros, em termos de auferio de direitos, o cidado e a sociedade.

    Emerge, assim, das ideologias, dos fatos, da presso irresistvel das necessidades sociais, aquele constitucionalismo marcadamente poltico e social, com o qual j nos familiarizamos. de natureza instvel, dctil e flexvel, ao impetrar para todas as esferas de convivncia a presena normativa do Estado, como presena governante, rpida, dinmica, solucionadora de conflitos ou exigncias coletivas.

    E de observar, todavia, que no haver lugar para a liberdade e a segurana dos cidados no constitucionalismo social e suas instituies

    4. M areei Prlot, ob. cit., pp. 16 e 17.

  • O D I R EI T O C O N S T I T U C I O N AL 41

    polticas se este no se reconverter num constitucionalismo jurdico, que tenha j absorvido e assimilado todas as transformaes sociais, oriundas do angustiante processo de mudana e reacomodao do homem a urna sociedade tecnicamente revolucionada, desde os alicerces, pelos progressos da Cincia, sobre a qual o homem parece haver perdido a jurisdio dos lns.

    O Direito Constitucional deixa de ser, portanto, o que fora no sculo XIX: na doutrina, uma filosofia do Direito; na prtica, uma espcie de direito pblico do liberalismo.

    Ao term o de suas m ais recentes transformaes, alcanou ele o grau de autntica Cincia Jurdica: a cincia das normas e instituies bsicas de toda e qualquer modalidade de ordenaniento poltico.

    Podemos, enfim, concluir, com Prlot, que o termo direito constitucional, sem epteto nem determinativo, corresponde logicamente a qualquer conjunto de normas que venham a governar uma coletividade humana.5

    3. Direito Constitucional Geral, Direito Constitucional Especial e D ireito Constitucional Comparado __

    Abrange o D ireito Constitucional vrias Cincias Jurdicas que, ao lado de outras no jurdicas, como a Cincia Poltica, compem o elenco de matrias que se ocupam do ordenamento constitucional do Estado. Essas Cincias Jurdicas, integrantes do Direito Constitucional em sua mxima amplitude, so: o Direito Constitucional Especial, o Direito Constitucional Comparado e o Direito Constitucional Geral.

    Direito Constitucional Especial - O Direito Constitucional Especial trata do Direito de um determinado Estado; a saber, da organizao e funcionamento dos poderes constitucionais. E disciplina de carter ju- risprudencial, pertence ao Direito Positivo, e tem por objeto a anlise de uma Constituio, nacional ou estrangeira, exposta e interpretada de forma dogmtica e com fins programticos.

    cincia, como se costuma dizer, prtica, que consiste na averiguao, desenvolvimento, coordenao e sistematizao de conceitos, princpios, normas e institutos inteiros que, embora abstratos, so sempre positivos, na medida em que. se acham efetivamente contidos numa determinada Constituio estatal, e devam, em ltima anlise, servir

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    exata interpretao e aplicao das normas referidas a casos concretos para os quais o ordenamento do Estado tem eficcia.6

    Direito Constitucional Comparado - Quanto ao Direito Constitucional Comparado, ao contrrio do particular, tem por objeto no uma s Constituio, mas uma pluralidade de Constituies (Santi Romano). Resulta, assim, do cotejo de normas constitucionais de diferentes Estados, mediante critrios variveis.

    Um desses critrios consiste em confrontar no tempo as Constituies de um mesmo Estado, observando-se em pocas distintas da evoluo constitucional a semelhana e discrepncia das instituies que o Direito Positivo haja conhecido.

    Outro critrio de adoo cabvel o da comparao do Direito no espao, com anlise s Constituies de vrios Estados, vinculados estes, de preferncia, a reas geogrficas contguas.

    A mesma forma de Estado pode igualmente servir de critrio com parativo.

    De todas essas maneiras de fazer Direito Constitucional Comparado, a melhor, segundo Prlot, seria a primeira, cuja superioridade decorre de haver ali uma nica variante: o tempo, projetado sobre um mesmo solo, um mesmo povo, um a mesma tradio nacional .7 O segundo critrio, que consente, em m atria constitucional, comparar o D ireito nacional com o Direito estrangeiro, tem tido, porm, mais larga aplicao.

    O Direito Constitucional Comparado, segundo Santi Romano, no entra no quadro das Cincias jurisprudenciais, dogmticas, normativas, mas no campo das Cincias descritivas, sendo primeiro um mtodo do que, em rigor, uma Cincia. Constitui principalmente forma de conhecimento propedutico ou conjunto auxiliar de subsdios, cuja valia para o Direito Constitucional Geral sempre de ressaltar.

    Direito Constitucional Geral - O Direito Constitucional Comparado tem por escopo o exame das regras constitucionais de uma multiplicidade de ordenamentos jurdicos. Daqui extrai ele, com referncia ao poder, e independente das contingncias de tempo e lugar, uma srie de princpios, indagaes, conceitos e categorias que, unificados teoricamente, podero compor uma teoria geral de carter cientfico.

    6. Santi Romano, ob. cit., p. 23.7. Ob. cit., p. 23.

    42 C U R S O DF. D I R EI T O C O N S T I T U C I O N A L

  • O DI REI TO C O N S T I T U C I O N A L 43

    Ponto de convergncia de vrios ramos da Cincia constitucional, o Direito Constitucional Geral tem visto o seu estudo repartido entre posies dominantemente filosficas e posies preponderantemente ju rdicas. H os que entendem haver ali uma filosofia do Direito e outros que vem no Direito Constitucional Geral a parte fundamental da teoria geral do Direito Positivo ou, de modo mais preciso, a teoria geral do Direito Constitucional (Santi Romano).

    O Direito Constitucional Especial, o Direito Constitucional Com parado e o Direito Constitucional Geral guardam entre si inumerveis pontos de contato e interpenetrao. No se devem tom ar por disciplinas rigorosamente separadas. Ocasies h em que, pelo mtodo e fins alcanados, o Direito Constitucional Especial e o Direito Constitucional Geral se aproximam consideravelmente. Princpios e conceitos do D ireito C onstitucional Geral esto a cada passo servindo de subsdio e complemento exposio do Direito Constitucional Especial, do m esmo passo que o Direito Constitucional Geral vai buscar no Direito Constitucional Com parado importantes elem entos de referncia, doutrina, compreenso, anlise e investigao.

    4. A s relaes do Direito Constitucional com outras Cincias

    Divide-se o Direito Pblico em duas partes fundamentais: o Direito Pblico externo (Direito Internacional) e o Direito Pblico interno. O primeiro regula relaes entre Estados, o segundo marca a extenso da ordem jurdica relativamente a um determinado Estado.

    A disciplina bsica do Direito Pblico interno o Direito Constitucional, que fixa as normas fundamentais da organizao jurdica e condiciona, debaixo de seus princpios, os demais ramos do Direito Pblico, com os quais se relaciona.

    Afirma, a esse respeito, um excelente jurista que as Constituies clssicas continham somente princpios relativos ao governo e s garantias individuais: hoje em dia as leis fundamentais assinalam as bases primrias de toda organizao jurdica do Estado e da suas mltiplas e importantes relaes com outros ramos do Direito.'s

    A) O Direito Constitucional e o Direito Administrativo

    Das Cincias do Direito Pblico, aquela que se apresenta mais afim ao Direito Constitucional, , indubitavelmente, o Direito Administrativo.

    8. Mario Bcmaschina Gonzlez. ConsMucn P olticay Leyes Coinplenieiitarias. 2a cd., p. 31.

  • 44 C U R S O DE D I R E I T O C O N S T I T U C I O N A L

    Os laos so to ntimos que alguns tratadistas se confessam em dificuldade para estabelecer distino clara e vlida entre as duas matrias, ao mesmo passo que outros chegam a qualificar o Direito Administrativo como parte do Direito Constitucional, to slido e insubstituvel apoio este lhe oferece.9

    Distinguindo as duas Cincias Jurdicas, Holland vira no Direito Constitucional um a espcie de Direito em repouso , e no D ireito A dministrativo um Direito em movimento, o primeiro descrevendo a estrutura do poder, o segundo a funo dos rgos de governo.

    Criticada, corrigida e am pliada por M aitland, segundo refere O. Phillips, a distino ficou sendo esta: O Direito Constitucional entende com a estrutura e as regras gerais que regulam a funo, enquanto o Direito Administrativo trata dos detalhes da fitno. H, por conseguinte, diferena de grau e no de espcie, de convenincia e no de lgic a .10

    A conexo dos dois ramos reflete-se entre os ingleses at no ttulo dos compndios. No raro, aparecem eles sob a denominao conjunta de Direito Constitucional e Direito Administrativo. Ressaltam os juristas da Inglaterra que a ausncia, nesse pas, de uma Constituio faz difcil a delimitao dos assuntos referentes quelas disciplinas, ao contrrio, pois, do que se observa nos Estados Unidos, Frana e demais Estados, onde a presena do texto constitucional facilita enormemente aquela tare fa ."

    Expondo tambm a distino entre o Direito Constitucional e o D ireito Administrativo, um dos bons constitucionalistas chilenos escreve: O Direito Administrativo estuda os servios pblicos e o pessoal encarregado de realizar a funo administrativa do Estado. Poder-se-ia dizer que o Direito Administrativo est para o Direito Constitucional assim como o decreto est para a lei. Os rgos fundamentais dos Estados so m atria da Constituio e os rgos secundrios so m atria de uma

    9. O. Hod Phillips, cm seu D ireito A dm inistra tivo e C onstitucional (C onstitu- liona l and Adm inistrative Law, 3a ed.), assinala que, nos pases de Constituio escrita, com o a Fiana e os Estados Unidos, a distino mais fcil, posto que nem o Direito A dm inistrativo franes nem o Direito A dm inistrativo am ericano estejam codificados. A dificuldade da distino ocorre com maior intensidade nos pases de Constituio no escrita. V. aquele autor, ob. cit., p. 14.

    10. Holland, Jurisprudence , 13a ed., p . 374, e M aitland, C onstitucional His- to iy , pp. 526-539, apitd O. Hod Phillips, Constitutiona! and A dm inistrative Law , 3a ed., p. 13.

    1 1 .0 . Hod Phillips, ob. cit., p. 14.

  • O D I R EI T O C O N S T I T U C I O N A L 45

    lei; os servios postais e educacionais, de cobrana e arrecadao de impostos, de sade, trabalho e administrao local, entre outros, so partes do Direito Administrativo .

    As Constituies, em geral, trazem os princpios bsicos do Direito Administrativo. Haja vista, a esse respeito, a Constituio brasileira, que contm disposies de Direito Administrativo, como as concernentes desapropriao por necessidade ou utilidade pblica ou interesse social (arts. 182, 184 e 185), as que estabelecem os poderes ou atribuies do Presidente da Repblica e dos Ministros de Estado (arts. 84 e 87, pargrafo nico), bem como aquelas pertinentes Administrao Pblica, definindo o regime jurdico dos servidores pblicos civis e militares, e as referentes constitucionalizao administrativa das Regies, que se acham contidas nas quatro sees do Captulo VII do Ttulo III,-- relativo organizao do Estado (do art. 37 ao art. 43). So, ainda, de teor administrativo as que traam a competncia tributria dos M unicpios e lhes concedem autonomia, disciplinando aspectos da vida municipal (arts. 30 e 31).

    B) O Direito Constitucional e o Direito Penal

    O Direito Constitucional relaciona-se tajjibm pom outros ramos do Direito Pblico, ministrando as regras capitais de certos institutos.

    Com o Direito Penal, no caso da Constituio brasileira, a relao manifesta-se diante das garantias penais de natureza constitucional que se estendem do inciso XXXVII ao inciso LXVII do art. 5e do Captulo I, sobre direitos e deveres individuais e coletivos.

    C) O Direito Constitucional e o Direito Processual

    Vrios princpios da Constituio vinculam, em nosso Pas, os dois ramos do processo - o civil e o penal - ao Direito Constitucional.

    Com o Direito Judicirio Civil, esse vnculo se declara na concesso, pelo Poder Pblico, de assistncia judiciria aos necessitados (art. 5, LXXIV), na garantia do mandado de segurana para proteo de direito lquido e certo (art. 5a, LXIX), no direito de petio aos Poderes Pblicos contra abusos de autoridades (art. 5a, XXXIV, a) e no chamado direito de ao popular em defesa do patrimnio de entidades pblicas contra atos que lhe sejam lesivos (art. 5a, LXXII).

    12. M ario B. G onzlez, ob. cit., p. 32.

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    constitucional costumeira como a regra constitucional escrita so feitas e reformadas no Parlamento por idntico processo aplicvel feitura e revogao da lei ordinria, ou seja, um processo de expresso da vontade parlamentar por maioria simples.

    5. As Constituies costumeiras e as Constituies escritas

    At os fins do sculo XVIII preponderavam as Constituies costumeiras, sendo raras as leis constitucionais escritas, isto , as leis postas em documentos formais.

    As Constituies costumeiras ou consuetudinrias, fundadas no costume constitucional, cujos traos caractersticos declinamos no captulo anterior, coincidem historicamente, em larga parte, com a presena de regimes absolutists.

    Antecedem, pois, os modernos sistemas polticos de limitao interna do poder soberano em cada Estado, tendo logrado a preferncia dos que, aferrados conservadoramente teoria contra-revolucionria do comeo do sculo XIX, impugnaram o constitucionalismo liberal, cuja doutrina inspirou a apario das Constituies escritas.

    Denotando simpatia pela Constituio costumeira e criticando sobretudo a Constituio escrita, De Bonald, citado por Xifra Heras, pondera: No se pode escrever a Constituio, pois a Constituio existncia e natureza, e no se pode escrever nem a existncia nem a natureza, ao mesmo passo que De Maistre, igualmente lembrado por aquele coasttu- cionalista, asseverava com algum a dose de ironia: N o se faz um a Constituio como um relojoeiro faz um relgio .8

    Na poca contempornea inexistem Constituies totalmente costumeiras, semelhantes quela que teve a Frana no ancien regime, antes da Revoluo Francesa de 1789, ou seja, uma complexa massa de costumes, usos e decises judicirias (Barthlemy).

    H tambm Constituies parcialmente costumeiras, quais a da Inglaterra, cujas leis abrangem o direito estatutrio (statute law), o direito casustico ou jurisprudencial (case law), o costume, mormente o de natureza parlamentar (Parliamentary custom) e as convenes constitucionais (constitutional conven(ions).9

    Por outra parte deparam-se-nos Constituies complementadas em sua aplicao pelo costume, quais as Constituies escritas de certos pa

    8. Jorge X ifra Heras, Curso de Derecho Constitucional, t. I, 23 ed., pp. 78/79.9. O. Hod Phillips, Constitutional and Adm inistrative Law, 3a ed., p. 23.

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    ses, onde o elemento consuetudinrio entra igualmente como fator auxiliar e subsidirio importantssimo para completar e corrigir o texto constitucional lacunoso ou suprir, pela interpretao, partes obscuras e controversas da Constituio.

    Assim ocorre com a Constituio norte-americana, acerca da qual escreve Carl J. Friedrich, o constitucionalista de Harvard: Algum as das principais normas constitucionais dos Estados Unidos, que definem as peculiaridades de sua organizao poltica, no esto escritas na Constituio de 1787 nem nas emendas aprovadas posteriorm ente - por exem plo, a doutrina da reviso judicial, que permite aos tribunais decidir da constitucionalidade dos atos realizados pelos outros poderes - assim como os distintos aspectos do funcionamento dos partidos polticos. E tambm as normas escritas tm que ser sumamente flexveis, porque impossvel regulamentar com absoluta preciso as eventualidades do futuro.10

    De sorte que, a este aspecto, onde menos se conhece a Constituio provavelmente no seu texto, no sendo portanto de desprezar jam ais a parte submersa e invisvel das Constituies, aquela que transcorre com toda a fora e energia na ambincia sensvel da vida.

    As Constituies costumeiras recebem tambm a denom inao de Constituies no escritas, em bora possa haver costum es redigidos, como na Frana da realeza absoluta (Vedei).

    Estabelecendo a distino entre Constituies escritas e Constituies costumeiras, afirma M ario Gonzlez: Pode dizer-se que Constituies escritas so aquelas que foram prom ulgadas pelo rgo com petente; Constituies no escritas ou consuetudinrias aquelas que a prtica ou o costume sancionaram ou impuseram.11

    Quanto s Constituies escritas, foram em parte o fruto das lutas polticas inglesas que redundaram no triunfo parlamentar e, por outra parte, o produto doutrinrio do contrato social de Rousseau, que levou crena de que era mais adequado concretizar em um pacto ou contrato as normas de convivncia entre governantes e governados . Dessa forma nasceu a idia da Constituio escrita, do pacto ou estatuto fundamental posto no papel e sancionado pela autoridade (Mario Gonzlez).

    A primeira Constituio escrita que apareceu no mundo, em bases modernas, ou seja, dotada de carter nacional e limitativo foi, segundo Esmein, o Instrument of Government , promulgado por Crom well a

    10. Carl J. Friedrich, in La N uera Constitucin cie Puerto Rico, pp. 44/45.11. M ario Bernnscliina Gonzlez, Constitucin Poltica y Leyes C om plem enta -

    rias, 2* ed.. p. 78,

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    16 de dezembro de 1633, na Inglaterra. Continha esse instrumento de governo 42 artigos, servindo depois de padro ao constitucionalismo americano de ascendncia inglesa, conforme ponderou aquele publicista. Tomou-se ento o prottipo da Constituio dos Estados Unidos .12

    A Constituio escrita logrou tamanho prestgio que a palavra Constituio, conforme observa Barthlemy, se empregava no sculo passado com mais freqncia, seno unicam ente para designar aquela espcie de Constituio.

    Ficara assim a Constituio costum eira relegada a plano to secundrio que Tocqueville, na sua obra clssica sobre a demo