ciencia politica - paulo bonavides

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  • ORELHA: PAULO BONAVIDES Doutor honoris causa pela Faculdade

    de Direito da Universidade de Lisboa; Professor Emrito da faculdade de

    Direito da Universidade Federal do Cear; Professor Visitante nas

    Universidades de Colonia (1982), Tennessee (1984) e Coimbra (1989);

    Lente no Seminrio Romnico da Universidade de Heidelberg (1952-

    1953); Membro Correspondente da Academia de Cincia da Rennia do

    Norte-Westflia (Alemanha); Membro Correspondente do Instituto de

    Derecho Constitucional y Poltico, da faculdade de Cincias Jurdicas e

    Sociais da Universidade Nacional de La Plata, na Argentina; Membro

    Correspondente do Grande Colgio de Doutores da Catalunha

    (Espanha); Membro do Comit de Iniciativa que fundou a Associao

    Internacional de Direito Constitucional (Belgrado); Membro da

    Association Internationale de Science Politique (Frana), da

    Internationale Vereinigung fuer Rechtsund Sozialphilosophie

    (Wiesbaden, Alemanha), da Academia Brasileira de Letras Jurdicas, do

    Instituto Ibero-americano de Direito Constitucional, da Ordem dos

    Advogados do Brasil e do Instituto dos Advogados Brasileiros; Niemann

    fellow-Associate da Universidade de Harvard (1944-1945); prmio

    Carlos de Laet da Academia Brasileira de Letras (1948) e Prmio

    Medalha Rui Barbosa da Ordem dos Advogados do Brasil (1996).

    Dentre suas obras cabe destacar:

    Curso de Direito Constitucional (10a ed., 2000);

    Teoria do Estado (3a ed., 1995);

    Reflexes - Poltica e Direito (3a ed., 1998);

    A Constituio Aberta (2 ed., 1996); e

    Do Estado Liberal ao Estado Social (6a ed., 1996),

    todas por esta Editora, alm de Poltica e Constituio: os Caminhos da

    Democracia (1985) e Constituinte e Constituio (2a ed., 1987).

    CONTRA CAPA: CINCIA POLTICA - Paulo Bonavides: Esta edio,

    revista e atualizada, um acontecimento de relevo na bibliografia

    poltica do Pas. Raramente uma obra desse gnero, versando a

    temtico da cincia do governo, teve to vasta aceitao no meio

  • universitrio brasileiro quanto esta do Professor Paulo Bonavides.

    Desde muito, ela se tornou uma espcie de vade mecum dos estudantes

    de Cincia Poltica. Vazado em linguagem lmpida e elegante,

    transcendeu as estantes de toda uma gerao de alunos das nossas

    Universidades at lograr, com igual xito e abrangncia, a familiaridade

    de um crculo cada vez mais amplo de leitores, em todos os meios

    cultos, onde o interesse pelo fenmeno poltico e pelo destino das

    instituies que nos governam preocupao de cada dia.

    Clssica, didtica e atraente, esta obra faz jus ao prestgio e influncia

    de que desfruta, tanto nas esferas acadmicas como noutras faixas do

    pblico volvido para essa matria, sem dvida fascinante.

    Quanto ao Autor, trata-se de um publicista consagrado, nacional e

    internacionalmente, figurando, sem favor, como disse o Ministro

    Oswaldo Trigueiro, entre os precursores da Cincia Poltica em nosso

    Pas.

    http://groups.google.com/group/digitalsource

  • CINCIA POLTICA

  • PAULO BONAVIDES

    CINCIA POLTICA

    10 edio (revista, atualizada)

    9a tiragem

  • CINCIA POLTICA PAULO BONAVIDES

    1 ed. 1967; 2a edio 1972; 2a edio, 2 tiragem, 1974; 3a edio, 1976; 4a edio, 1978; 5a edio, 1983; 6a edio, 1986;

    7 edio, 1988; 8a edio, 1992; 9a edio, 1993; (todas pela Companhia Editora Forense)

    10a edio, 1a tiragem, 1994; 2 tiragem, 06.1995; 3a tiragem, 04.1996; 4a tiragem, 02.1997; 5a tiragem, 07.1997; 6a tiragem, 01.1998; 7a tiragem, 02.1999; 8a tiragem, 01.2000.

    ISBN 85-7420-023-9

    Direitos reservados desta edio por MALHEIROS EDITORES LTDA.

    Rua Paes de Arajo, 29, conjunto 171 CEP 04531-940 So Paulo SP

    Tel.: (0xx11) 3842-9205 Fax: (0xx11) 3849-2495

    URL: www.malheiroseditores.com.br e-mail: [email protected]

    Composio Helvtica Editorial Ltda.

    Capa Vnia Lcia Amato

    Impresso no Brasil Printed in Brazil

    04-2000

  • A Yeda, a presena de sempre, no sofrimento e nas alegrias

    A

    Raimundo Pascoal Barbosa Paulo Lopo Saraiva

    Demcrito Rocha Dummar Hildebrando Espnola

    Roberto tila Amaral Vieira Willys Santiago Guerra

    Ciro Gomes

    memria de Annibal Fernandes Bonavides

  • SUMRIO APRESENTAO, PREFCIO DA 1 EDIO, PREFCIO DA 2 EDIO, PREFCIO DA 3 EDIO, PREFCIO DA 4 EDIO, CAPTULO I CINCIA POLTICA 1. Conceito de Cincia 2. Naturalistas versus idealistas (espiritualistas, historicistas e culturalistas) 3. A Cincia Poltica e as dificuldades terminolgicas 4. Prisma filosfico 5. Prisma sociolgico 6. Prisma jurdico 7. Tendncias contemporneas para o tridimensionalismo. CAPTULO 2 A CINCIA POLTICA E AS DEMAIS CINCIAS SOCIAIS 1. A Cincia Poltica e o Direito Constitucional 2. A Cincia Poltica e a Economia 3. A Cincia Poltica e a Histria 4. A Cincia Poltica e a Psicologia 5. A Sociologia Poltica, uma nova ameaa Cincia Poltica?. CAPTULO 3 A SOCIEDADE E O ESTADO 1. Conceito de Sociedade 2. A interpretao organicista da Sociedade 3. A rplica mecanicista ao organicismo social 4. Sociedade e Comunidade 5. A Sociedade e o Estado 6. Conceito de Estado; 6.1 Acepo filosfica; 6.2 Acepo jurdica; 6.3 Acepo sociolgica 7. Elementos constitutivos do Estado. CAPTULO 4 POPULAO E POVO 1. Conceito de populao 2. Desafio do fantasma malthusiano ao Estado Moderno 3. A exploso demogrfica ameaa o futuro da humanidade 4. O pesadelo dos subdesenvolvidos 5. O pessimismo das estatsticas 6. A posio privilegiada dos pases desenvolvidos 7. Conceito poltico de povo 8. Conceito jurdico 9. Conceito sociolgico. CAPTULO 5 A NAO 1. Nao: um conceito equvoco? 2. O erro de tomar insuladamente elementos formadores do conceito de nao: raa, religio e lngua 3. O conceito voluntarismo de nao 4. O conceito naturalstico de nao 5. Passos notveis da obra de Renan fixando o conceito de nao 6. A nao organizada como Estado: o princpio das

  • nacionalidades e a soberania nacional. CAPTULO 6 DO TERRITRIO DO ESTADO 1. Conceito de Territrio 2. O problema do mar territorial 3. Os limites do mar territorial brasileiro 4. Subsolo e plataforma continental; 4.1 A ONU e a plataforma continental; 4.2 O Brasil e a plataforma continental 5. O espao areo 6. O espao csmico 7. Excees ao poder de imprio do Estado 8. Concepo poltica do Territrio 9. Concepo jurdica do Territrio; 9.1 A teoria do Territrio-Patrimnio; 9.2 A teoria do Territrio-Objeto; 9.3 A teoria do Territrio-Espao; 9.4 A teoria do Territrio-Competncia. CAPTULO 7 O PODER DO ESTADO 1. Do conceito de poder 2. Imperatividade e natureza integrativa do poder estatal 3. A capacidade de auto-organizao 4. A unidade e indivisibilidade do poder 5. O princpio de legalidade e legitimidade, 6. A soberania, 110. CAPTULO 8 LEGALIDADE E LEGITIMIDADE DO PODER POLTICO 1. O princpio da legalidade 2. O princpio da legitimidade 3. Como se formou o princpio da legalidade e a espcie de legitimidade que esse princpio procurou estabelecer 4. A crise histrica da legalidade e legitimidade do poder 5. A considerao filosfica do problema da legitimidade 6. Os fundamentos sociolgicos da legitimidade; 6.1 A legitimidade como representao de uma teoria dominante do poder; 6.2 As trs formas bsicas de manifestao da legitimidade: a carismtica, a tradicional e a legal ou racional 7. O aspecto jurdico da legitimidade 8. A legitimidade no exerccio do poder 9. A legalidade e a legitimidade do poder como temas da Cincia Poltica. CAPTULO 9 A SOBERANIA 1. O problema da soberania 2. Formao histrica do conceito de soberania 3. Afirmao absoluta, afirmao relativa e negao do princpio de soberania 4. Traos caractersticos da soberania 5. O titular do direito de soberania: as doutrinas teocrticas e as doutrinas democrticas 6. Doutrinas teocrticas; 6.1 Doutrina da natureza divina dos governantes; 6.2 Doutrina da investidura divina; 6.3 Doutrina da investidura providencial 7. As doutrinas democrticas; 7.1 A doutrina da soberania popular; 7.2 A doutrina da soberania nacional 8. Reviso do conceito de soberania. CAPTULO 10 A SEPARAO DE PODERES 1. Origem histrica do princpio: soberania e separao de poderes 2.

  • Os precursores da separao de poderes 3. A doutrina da separao de poderes na obra de Montesquieu 4. Os trs poderes: legislativo, executivo e judicirio 5. As tcnicas de controle como corretivo para o rigor e rigidez da separao de poderes 6. Primado da separao de poderes na doutrina constitucional do liberalismo 7. Em busca de um quarto poder: o moderador 8. Declnio e reavaliao do princpio da separao de poderes. CAPTULO 11 O ESTADO UNITRIO 1. Do Estado unitrio 2. O Estado unitrio centralizado e as formas de centralizao; 2.1 Centralizao poltica; 2.2 Centralizao administrativa; 2.3 Centralizao territorial e centralizao material; 2.4 Centralizao concentrada; 2.5 Centralizao desconcentrada 3. Vantagens e desvantagens da centralizao 4. O Estado unitrio descentralizado: a descentralizao administrativa 5. O Estado unitrio descentralizado e o Estado federal. CAPTULO 12 AS UNIES DE ESTADOS 1. As Unies de Estados; 1.1 Unies partidrias e Unies desiguais; 1.2 Unies de Direito Internacional e Unies de Direito Constitucional; 1.3 Unies simples e Unies institucionais 2. A Unio Pessoal 3. A Unio Real; 3.1 Teoria jurdica da Unio Real; 3.2 Do conceito de Unio Real; 3.3 Aspectos jurdicos, polticos e administrativos de Unio Real; 3.4 Exemplos histricos de Unio Real 4. A Confederao 5. A Commonwealth 6. As Unies desiguais: o Estado protegido e as modalidades de Protetorados 7. Outras formas de Unies desiguais; 7.1 O Estado vassalo; 7.2 O Estado sob mandato e administrao fiduciria 8. Do Protetorado imperialista ao Protetorado ideolgico (e imperialista). CAPTULO 13 O ESTADO FEDERAL 1. Conceito de Estado federal 2. O Estado federal como Federao; 2.1 Distino entre Federao e Confederao; 2.2 A lei da participao e a lei da autonomia 3. O Estado federal em si mesmo frente aos Estados-membros; 3.1 O lado unitrio da organizao federal; 3.2 A supremacia jurdica do Estado federal sobre os Estados federados 4. Os Estados-membros como unidades constitutivas do sistema federativo 5. A crise do federalismo: ocaso ou transformao da ordem federativa e sua repercusso no Brasil. CAPTULO 14 AS FORMAS DE GOVERNO 1. Formas de governo e formas de Estado 2. A classificao de Aristteles: monarquia, aristocracia e democracia 3. O acrscimo romano classificao de Aristteles: o governo misto (Ccero) 4. As modernas classificaes das formas de governo: de Maquiavel e

  • Montesquieu 5. Formas fundamentais e formas secundrias de governo (Bluntschli) 6. As formas de governo segundo o critrio da separao de poderes: governo parlamentar, governo presidencial e governo convencional 7. A crise da concepo governativa e as duas modalidades bsicas de governo: governos pelo consentimento e governos pela coao. CAPTULO 15 O SISTEMA REPRESENTATIVO 1. O sistema representativo e as doutrinas polticas da representao 2. A doutrina da duplicidade, alicerce do antigo sistema representativo da poca do liberalismo 3. A Revoluo francesa consolida a doutrina da duplicidade 4. Apogeu na aplicao constitucional da doutrina da duplicidade 5. Declnio da duplicidade no sculo XX 6. A crtica de Rousseau ao sistema representativo 7. A doutrina da identidade: governantes e governados, uma s vontade 8. A doutrina da identidade supe o pluralismo da sociedade de grupos 9. O princpio democrtico da identidade uma nova iluso do sistema representativo 10. Na dinmica dos grupos e das categorias intermedirias se acha a nova realidade do princpio representativo 11. A decomposio da vontade popular determinou a crise do sistema representativo: do princpio da representao profissional aos grupos de presso no Estado contemporneo 12. Uma nova teoria da representao poltica, de fundamento marxista: a representao como simples relao entre governantes e governados (Sobolewsky). CAPTULO 16 0 SUFRGIO 1. O sufrgio 2. o sufrgio direito ou funo? 3. O sufrgio como direito de funo (doutrina italiana) 4. O sufrgio restrito 5. O sufrgio universal 6. Restries ao sufrgio universal; 6.1 Nacionalidade; 6.2 Residncia; 6.3 Sexo; 6.4 Idade; 6.5 Capacidade fsica ou mental; 6.6 Grau de instruo; 6.7 A indignidade; 6.8 O servio militar; 6.9 O alistamento 7. A propagao do sufrgio universal 8. Sufrgio pblico e sufrgio secreto 9. Sufrgio igual e sufrgio plural 10. Modalidades de sufrgio plural; 10.1 Sufrgio mltiplo; 10.2 Sufrgio familiar 11. Sufrgio direto e sufrgio indireto 12. A participao do analfabeto. CAPTULO 17 OS SISTEMAS ELEITORAIS 1. Da importncia dos sistemas eleitorais 2. O sistema majoritrio de representao 3. As vantagens do sistema majoritrio 4. Os inconvenientes do sistema majoritrio 5. O sistema de representao proporcional 6. Efeitos positivos da representao proporcional 7. Efeitos negativos da representao proporcional 8. Problemas da representao proporcional: a determinao do nmero de candidatos eleitos (sistemas adotados) 9. O problema das sobras eleitorais e os mtodos empregados para resolv-lo 10. O problema da eleio dos

  • candidatos nas listas partidrias 11. As clusulas de bloqueio (Sperrklauseln) e a ameaa repressiva que pesa sobre os pequenos partidos 12. O sistema eleitoral brasileiro: princpio majoritrio e princpio de representao proporcional. CAPTULO 18 0 MANDATO 1. Da natureza do mandato 2. O mandato representativo 3. Traos caractersticos do mandato representativo; 3.1 A generalidade; 3.2 A liberdade; 3.3 A irrevogabilidade; 3.4 A independncia 4. O mandato imperativo; 4.1 Ascenso contempornea do mandato imperativo. CAPTULO 19 A DEMOCRACIA 1. Do conceito de democracia 2. A democracia direta: sua prtica tradicional no Estado-cidade da Grcia; 2.1 As bases da democracia grega: a isonomia, a isotimia e a isagoria; 2.2 O elogio histrico da democracia na antigidade clssica 3. A democracia indireta (representativa) e a impossibilidade do retorno democracia direta; 3.1 Os traos caractersticos da democracia indireta; 3.2 A democracia semidireta 4. A democracia semidireta no sculo XX. Apogeu e declnio de seus institutos 5. A democracia e os partidos polticos: a realidade contempornea do Estado partidrio. CAPTULO 20 OS INSTITUTOS DA DEMOCRACIA SEMIDIRETA 1. Os institutos da democracia semidireta 2. O referendum; 2.1 Modalidades de referendum; 2.2 O critrio da classificao do referendum; 2.3 O referendum consultivo; 2.4 O referendum arbitral; 2.5 As vantagens do referendum; 2.6 Os inconvenientes do referendum; 2.7 Sntese dos resultados do referendum no constitucionalismo contemporneo 3. O plebiscito 4. A iniciativa 5. O direito de revogao; 5.1 O recall; 5.2 O recall dos juizes e das decises judicirias; 5.3 O Abberufungsrecht 6. O veto. CAPTULO 21 O PRESIDENCIALISMO 1. As origens americanas do sistema presidencial de governo 2. Os princpios bsicos do presidencialismo 3. Relaes entre Executivo e Legislativo na forma presidencial de governo 4. Os poderes do Presidente da Repblica 5. O poder presidencial nos Estados Unidos 6. O poder presidencial no Brasil (as atribuies do Presidente da Repblica) 7. A modernizao do poder Executivo e o perigo das ditaduras constitucionais 8. O Ministrio 9. O Ministrio no presidencialismo brasileiro 10. A figura constitucional do Vice-Presidente; 10.1 A inutilidade do cargo; 10.2 Um Vice-Presidente para ser ouvido e no apenas visto; 10.3 O Vice-Presidente nas crises da sucesso presidencial; 10.4 A valorao deliberada da Vice-Presidncia nos Estados Unidos; 10.5 A substituio do Presidente em caso de

  • incapacidade 11. A Vice-Presidncia no presidencialismo brasileiro 12. O Congresso e a competncia das Cmaras no sistema presidencial 13. O presidencialismo, tcnica da democracia representativa 14. Os vcios do presidencialismo 15. O impeachment e a ausncia de responsabilidade presidencial 16. A eleio do Presidente da Repblica e o impeachment no sistema presidencial brasileiro 17. Elogio do sistema presidencial de governo 18. O presidencialismo no Brasil: surpresa e intempestividade de sua adoo 19. O malogro da experincia presidencial e o testemunho idneo de Rui Barbosa. CAPTULO 22 O PARLAMENTARISMO 1. A formao histrica do sistema parlamentar: o governo representativo e a monarquia limitada como ponto de partida 2. O parlamentarismo dualista (monrquico-aristocrtico) ou parlamentarismo clssico; 2.1 A igualdade entre o executivo e o legislativo; 2.2 A colaborao dos dois poderes entre si; 2.3 A existncia de meios de ao recproca no funcionamento do executivo e do legislativo 3. O parlamentarismo monista (democrtico), caracterstico do sculo XX 4. Do governo parlamentar ao governo de assemblia (governo convencional) 5. Crise e transformao do parlamentarismo: as tendncias racionalizadoras contemporneas 6. Do pseudo-parlamentarismo do Imprio (um parlamentarismo bastardo) ao Ato Adicional de 1961, com o malogro da nova tentativa de implantao do sistema parlamentar no Brasil. CAPTULO 23 OS PARTIDOS POLTICOS 1. Da definio do partido poltico 2. O conceito de partido do sculo XX 3. A impugnao doutrinria dos partidos polticos 4. Partidos e faces 5. O elogio do partido poltico e a compreenso de sua importncia essencial para o Estado moderno 6. Omisso e presena dos partidos na literatura poltica e jurdica 7. Os partidos polticos como realidade sociolgica: sua ausncia dos textos constitucionais 8. Os partidos polticos como realidade jurdica: tendncia contempornea para inseri-los nas Constituies 9. As modalidades de partidos: partidos pessoais e partidos reais (Hume), partidos de patronagem e partidos ideolgicos (Weber), partidos de opinio e partidos de massas (Burdeau), partidos do movimento e partidos da conservao (Nawiasky). CAPITULO 24 OS SISTEMAS DE PARTIDOS 1. Sistema bipartidrio 2. O sistema multipartidrio 3. O partido nico 4. A teoria marxista do partido poltico 5. A representao profissional e os partidos polticos 6. O partido poltico na Inglaterra 7. O partido poltico nos Estados Unidos.

  • CAPTULO 25 O PARTIDO POLTICO NO BRASIL 1. A escassez de estudos sobre o partido poltico no Brasil 2. Conservadores e liberais, no Imprio, reduzidos a um s partido: o do poder 3. Mentalidade antipartidria e estadualismo dos partidos na Repblica Velha 4. A reforma eleitoral e o partido poltico depois da Revoluo de 1930 5. O retrocesso do Estado Novo: extino dos par-tidos polticos e malogro do partido nico 6. A institucionalizao jurdica dos partidos polticos no Brasil (o avano da Constituio de 1946) e a crise do partido nacional 7. Requisitos para a formao dos partidos e evoluo do sistema partidrio nas constituies brasileiras 8. O novo Estado partidrio do Constitucionalismo brasileiro; 8.1 O regime representativo e democrtico; 8.2 A personalidade jurdica; 8.3 A atuao permanente; 8.4 A fiscalizao financeira; 8.5 A disciplina partidria; 8.6 O mbito nacional; 8.7 A vedao de coligaes partidrias 9. A dimenso sociolgica do partido poltico brasileiro. CAPTULO 26 REVOLUO E GOLPE DE ESTADO 1. Controvrsias em torno do conceito de revoluo 2. Conceito histrico-cultural 3. Conceito sociolgico 4. Conceito jurdico 5. Conceito poltico 6. Origem e causa das revolues 7. As distintas fases da ao revolucionria 8. A crtica da Revoluo 9. A reforma 10. A contra-revoluo 11. O golpe de Estado 12. A tcnica do golpe de Estado 13. Golpe de Estado e revoluo. CAPTULO 27 OS GRUPOS DE PRESSO E A TECNOCRACIA 1. Conceito e importncia dos grupos de presso 2. Os grupos de presso e os partidos polticos 3. Modalidades dos grupos e sua organizao 4. A tcnica de ao e combate dos grupos de presso 5. A institucionalizao dos grupos de presso 6. O aspecto negativo 7. O aspecto positivo 8. Corretivos ao dos grupos 9. Na tecnocracia, a terceira ameaa?. CAPTULO 28 A OPINIO PUBLICA 1. A opinio pblica, um dos temas de mais difcil caracterizao na Cincia Poltica 2. Do conceito de opinio pblica 3. A opinio pblica e sua apario no pensamento poltico 4. Pensadores polticos e estadistas proclamam o poder da opinio pblica 5. O Estado liberal e o dogma da opinio pblica 6. O Estado autoritrio e a opinio pblica 7. A sociedade de massas e a natureza irracional da opinio pblica 8. Possvel restaurao do prestgio da opinio pblica no Estado democrtico de massas 9. A opinio pblica e os meios de propaganda. BIBLIOGRAFIA

  • APRESENTAO

    O Professor Paulo Bonavides, da Faculdade de Direito da

    Universidade do Cear, figura, sem favor, entre os precursores da

    Cincia Poltica em nosso pas. Os vrios trabalhos que tem publicado,

    principalmente esta Cincia Poltica, so brilhante atestado de ntida

    vocao universitria, a servio de uma especialidade acadmica que,

    cada dia, se torna mais importante no plano do ensino superior.

    Desde os gregos, os fatos relativos ao governo da sociedade

    humana vm sendo objeto de estudos, em que se destacaram filsofos e

    pensadores que exerceram influncia profunda e duradoura na cultura

    ocidental. Mas a concepo de uma cincia particular, nesse campo,

    de data recente. aos anglo-saxes que devemos a prioridade na

    fixao de seu contedo e na definio de seus propsitos. Tanto na

    Gr-Bretanha como nos Estados Unidos, os fatos relacionados com a

    formao e o funcionamento do governo as ideologias, os partidos, as

    eleies, os sistemas de organizao do Estado vm sendo, desde o

    sculo passado, objeto do ensino e pesquisa, em numerosas

    universidades. O empirismo do ensino jurdico naqueles pases,

    certamente ter concorrido para o desenvolvimento desses estudos, fora

    do mbito das escolas de direito.

    Nos pases latinos, a comear naturalmente pela Frana, somente

    a partir da ltima guerra que se vm retirando os estudos sobre o

    Estado e o governo da rbita do direito constitucional, a que estiveram

    por longo tempo relegados.

    Como observa Maurice Duverger, a nova orientao do ensino

    universitrio produziu duas conseqncias fundamentais. Por um lado,

    j no se estudam apenas as relaes polticas disciplinadas pelo direito

    positivo, mas tambm as que como os partidos, a opinio pblica, a

    propaganda, os grupos de presso existem, como at h pouco

    ocorria, inteiramente margem da lei. Por outro lado, operou-se

    sensvel modificao no prprio campo do ensino tradicional, de vez que

  • as instituies de governo j no so apreciadas apenas sob o ngulo

    jurdico. Tornou-se necessrio verificar em que medida elas funcionam

    de conformidade com o direito estabelecido, e at que ponto seu

    funcionamento transcorre fora do quadro legal. Passou-se, sem dvida,

    a dar mais importncia aos fatos do que a textos artificiais,

    freqentemente divorciados da realidade poltica.

    O objeto da Cincia Poltica, de certo modo, ainda o de

    Aristteles. Mas a configurao de uma disciplina universitria, para o

    nosso tempo, pressupe orientao metodolgica e objetividade de

    pesquisa compatveis com as exigncias da cincia moderna.

    Decerto, a Cincia Poltica opera sobre terreno que, alm de

    movedio, ainda no est perfeitamente delimitado. Como assinala o

    Professor Bonavides, ela ainda assenta em conceitos polmicos no s

    quanto ao mtodo como tambm quanto definio de seu objetivo.

    O livro que ele agora publica representa valiosa contribuio para

    o desenvolvimento da Cincia Poltica em nosso pas, onde o ensino da

    especialidade, ainda preso ao currculo jurdico, prejudicado por

    deficincias notrias.

    D-nos o Professor Bonavides, neste seu excelente livro, uma

    segura viso do progresso da Cincia Poltica nos pases onde ela est

    mais adiantada, particularmente quanto doutrina alem, que , para

    ns, a menos acessvel.

    Pela clareza expositiva e pelo seguro domnio da matria, o novo

    livro do Professor Bonavides parece-me destinado a ampla aceitao e

    larga influncia nos meios universitrios brasileiros. , assim, um livro

    que honra a Universidade do Cear, conhecida por seu esprito

    renovador e que conta com professores da mais alta qualificao como o

    Professor Bonavides, para o adequado desempenho de sua misso

    cientfica e cultural.

    OSWALDO TRIGUEIRO

  • PREFCIO DA 1 EDIO

    A presente Cincia Poltica livro que se destina ao estudante das

    nossas Universidades e escolas avulsas de ensino superior, nas quais

    h disciplinas relacionadas com o estudo doutrinrio das instituies

    polticas fundamentais.

    ademais trabalho que pode ser lido e meditado com possvel

    interesse pelo pblico em geral, preocupado com os temas polticos de

    nossa poca, de cujas nascentes tericas e constante evolver buscamos

    dar conta, mostrando igualmente o perfil de certas idias e sistemas de

    elaborao institucional do Estado moderno, em sua feio

    contempornea.

    O captulo primeiro expe, largamente, o problema da

    caracterizao da Cincia Poltica e sua vinculao com a Filosofia, a

    Sociologia e a Cincia do Direito. A determinao conceitual da Cincia

    Poltica, a fixao de seu objeto, as relaes com a Teoria Geral do

    Estado que se estendem, de maneira polmica, desde a diligncia

    identificadora at um claro delimitar de rbitas, intransigente postulado

    por alguns publicistas a tudo isso passamos revista, num pas como

    o Brasil, onde, nos ltimos anos, uma gerao de brilhantes escritores

    polticos vem abrindo novos horizontes a tais estudos, e dando, no

    raro, contributos de excepcional valia.

    Na parte respeitante ao territrio, acreditamos haver suprido uma

    lacuna expositiva dos nossos compndios de Teoria Geral do Estado,

    que, usualmente, omitem o captulo acerca das doutrinas que fixam a

    natureza jurdica da base territorial do Estado.

    A mesma afirmativa procede no tocante largueza e

    desenvolvimento com que nos reportamos ao regime representativo,

    fundamento institucional de limitao do poder dos governantes, bem

    como princpio peculiar de organizao da autoridade no Estado

    moderno, e sobretudo aos partidos polticos instrumentos estes

    essenciais participao organizada das massas no processo poltico do

  • sculo XX, e a que, alis, consagramos trs vastos captulos, um dos

    quais votado exclusivamente ao exame e interpretao da realidade

    partidria em nosso Pas.

    Sempre que possvel, como no parlamentarismo e no

    presidencialismo, debatemos o curso poltico das instituies

    brasileiras, a cujo comentrio e reflexo no ficamos estranhos. E

    temas, como a legalidade e legitimidade do poder, cujo conhecimento

    histrico e doutrinrio se nos afigura de gritante contemporaneidade

    para julgamento e avaliao das transformaes institucionais havidas

    no Brasil, aps os extraordinrios sucessos de 1964, aparecem aqui

    versados de maneira larga e minudente, com indicao das fontes

    bibliogrficas fundamentais.

    Em suma, o modo de encarar os fenmenos e as instituies

    polticas no pde fugir ao trao pessoal do autor, manifestada no livro

    Do Estado Liberal ao Estado Social, e em mais escritos, que se acham

    esparsos em publicaes especializadas. Conseguintemente, as formas

    polticas do nosso sculo, ao serem aqui expostas, vm marcadas pela

    nota social que as destacam de seu antecedente cunho individualista,

    nos quadros do Estado liberal.

    PAULO BONAVIDES

  • PREFCIO DA 2 EDIO

    A favorvel e excepcional acolhida dada a este livro no meio

    universitrio brasileiro animou-se presente edio, que vai bastante

    ampliada, e em alguns pontos sensivelmente modificada, em busca de

    feio definitiva.

    Cuidado especial e constante do Autor tem sido o de oferecer

    sobre a matria deste compndio viso imediata dos problemas sobre os

    quais procura a Cincia Poltica assentar sua ordem de indagaes

    bsicas.

    Abrangem os acrscimos a insero de captulos como os

    dedicados aos grupos de presso e a tecnocracia, a revoluo e o golpe

    de Estado, a opinio pblica, os sistemas eleitorais, e a cincia poltica

    e as demais cincias sociais. Reformulou-se por completo o captulo

    sobre sistema representativo e emprestou-se tratamento autnomo ao

    tema nao. Considerveis ampliaes se fizeram tambm tocante aos

    assuntos povo e populao, com atento exame das dificuldades polticas

    e sociais que a exploso demogrfica da segunda metade do sculo XX

    suscitou de forma angustiante e ameaadora. Enfim, os

    desenvolvimentos mais recentes dos temas polticos na esfera da teoria

    e dos conceitos foram levados em conta, tendo em vista a atualizao da

    obra e sua possibilidade de atendimento s exigncias curriculares,

    para preparao adequada daqueles que se introduzem nesses estudos

    de importncia cada vez mais alta.

    Afigura-se-nos assim haver melhorado a qualidade dessa

    contribuio despretensiosa. Almejamos unicamente dar ao estudante e

    ao pblico brasileiro um instrumento de iniciao que, sem perder de

    vista o progresso da Cincia Poltica, tenha por principal ponto de apoio

    a parte constitutiva menos exposta s objees de quantos produzem

    argumentos com que negar quela disciplina a autonomia penosamente

    propugnada. Autonomia diga-se sem temor longe ainda de vencer

    a tempestade de contestao e incertezas que desde muito rodeia o

  • objeto da Cincia Poltica.

    PAULO BONAVIDES

  • PREFCIO DA 3 EDIO

    Temos qualificadas razes para exprimir, ao ensejo da terceira

    edio desta Cincia Poltica, a firme convico de haver entregue ao

    nosso estudante universitrio um instrumento til de iniciao e

    orientao pertinente aos temas polticos fundamentais.

    A rapidez com que, em menos de dez anos, vimos se sucederem

    vrios lanamentos desta obra, adotada desde muito como livro-texto

    nas principais Universidades e casas isoladas de ensino superior do

    Pas, comprova o alto grau de penetrao que vem logrando nos meios

    acadmicos e culturais.

    A Cincia Poltica, ainda h pouco uma disciplina balbuciante ou

    semidesconhecida no Brasil, deita de ltimo profundas razes na

    cultura nacional, indicativas do reconhecimento cada vez mais largo da

    importncia atribuda aos estudos sobre o Poder e o Estado.

    A precedente edio confirmara, alis, nosso livro como realmente

    prestante, por atender no campo da teoria e da informao poltica a

    necessidades atualizadoras indeclinveis. Os acrscimos substanciais

    introduzidos emprestaram-lhe uma unidade temtica, volvida tanto

    para aspectos tericos como para o desenvolvimento da realidade

    poltica brasileira, conforme havamos assinalado j no Prefcio.

    Recebeu a crtica competente as modificaes feitas de uma forma

    que nos anima a conservar a obra dentro da estrutura estabelecida,

    sem necessidade de alteraes mais amplas. No exclui isso, todavia, a

    possibilidade futura de eventuais alargamentos, medida que a reflexo

    assim o aconselhe ou a dilatao do progresso cientfico na esfera

    poltica faa da mudana de mtodo ou da insero de novos temas

    uma exigncia indispensvel preservao dos padres a que sempre

    aspiramos.

    Demais, observamos que a aceitao deste livro no se cingiu

    rbita universitria nem disciplina especfica da Cincia Poltica nos

    currculos acadmicos, mas alcanou matrias afins e reas menos

  • especializadas, em que entram distintas categorias de um pblico vido

    de inteirar-se dos fundamentos da ao poltica relativa a uma

    sociedade gravemente vulnerada por crises e abalos no sistema de

    convivncia humana traado dentro do quadro da civilizao

    contempornea.

    Daqui se infere, portanto, que o raio de interesse dos assuntos

    ventilados transcende a destinao notoriamente didtica do presente

    texto.

    PAULO BONAVIDES

  • PREFCIO DA 4 EDIO

    O estudo da Cincia Poltica, como sempre o entendemos,

    preparao terica indispensvel decifrao da realidade poltica num

    determinado meio social. No h Cincia Poltica neutra nem

    indiferente, insulada na teorizao pura ou no conhecimento

    exclusivamente tcnico das variaes de comportamento, fora da

    finalidade que lhe emprestam os valores da vida, da doutrina ou da

    ideologia.

    O fenmeno do poder, as competies de grupos e indivduos para

    lograr influxo sobre a formao da vontade oficial ou apoderar-se dos

    instrumentos estatais de deciso, bem como as instituies existentes e

    os canais abertos ao curso dessa ao, constituem o substrato de toda a

    matria poltica, cujo entendimento requer e impe exigncias de fundo

    terico que, a nosso ver, esta obra satisfaz.

    Prova sobeja e plena do que acabamos de afirmar a presente

    edio, veculo, mais uma vez, dum texto que ministra, em bom nvel

    universitrio, ao estudante brasileiro, os princpios fundamentais sobre

    os quais assenta a Cincia Poltica.

    PAULO BONAVIDES

  • 1

    CINCIA POLTICA

    1. Conceito de Cincia 2. Naturalistas versus idealistas (espiritualistas, historicistas e culturalistas) 3. A Cincia Poltica e as dificuldades terminolgicas 4. Prisma filosfico 5. Prisma sociolgico 6. Prisma jurdico 7. Tendncias contemporneas para o tridimensionalismo.

    1. Conceito de Cincia

    De Aristteles a Kant no se faz atenta discriminao entre os

    conceitos de cincia e filosofia.

    E quase se pode dizer que a separao conceitual pertence

    idade moderna. S se vai tornar consciente na medida em que aumenta

    o hiato entre as posies metafsica e naturalista, por conseqncia da

    crise havida nos estudos filosficos, desde o Renascimento, quando

    Bacon e Aristteles se definiam como plos opostos da reflexo

    filosfica.

    De um lado, a atitude escolstica, espiritualista, de razes crists,

    aristotlicas e platnicas.

    De outro, o comeo da atitude que seculariza o pensamento

    filosfico em escolas recentes, as quais s chegam, no entanto, ao pleno

    amadurecimento de suas teses mais professadamente

    antiespiritualistas depois da abertura de horizontes pela filosofia

    kantista.

    Com efeito, foi a filosofia crtica que, embora confessadamente

    idealista, determinou, pela ambigidade de interpretaes a que deu

    lugar, os impulsos e sugestes indispensveis de onde saram

    concepes de todo opostas ao idealismo.

    A cincia, segundo Aristteles, tinha por objeto os princpios e as

    causas.

    Santo Toms de Aquino, por sua vez, a definiu como assimilao

  • da mente dirigida ao conhecimento da coisa (Summa contra Gentiles, 1

    II, cap. 60).

    Viu Bacon na mesma a imagem da essncia e Wolff declarou que

    por cincia cumpre entender o hbito de demonstrar assertos, isto ,

    de inferi-los, por conseqncia legtima, de princpios certos e

    imutveis.

    Tudo que possa ser objeto de certeza apodtica cincia para

    Kant.

    A este conceito acrescentou outro, mais em voga, j de todo

    desembaraado de implicao filosfica, e a que no haviam chegado,

    com mxima clareza, os seus predecessores.

    Com efeito, diz Kant nos Elementos Metafsicos das Cincias da

    Natureza que por cincia se h de tomar toda srie de conhecimentos

    sistematizados ou coordenados mediante princpios.1

    Depois de Kant, com a ao intelectual dos positivistas e

    evolucionistas, torna-se cada vez mais preciso o conceito de cincia,

    ficando quase todos acordes em design-la como o conhecimento das

    relaes entre coisas, fatos ou fenmenos, quando ocorre identidade ou

    semelhana, diferena ou contraste, coexistncia ou sucesso nessa

    ordem de relaes.2

    A caracterizao da cincia implica, segundo inumerveis autores,

    a tomada de determinada ordem de fenmenos, em cuja pluralidade se

    busca um princpio de unidade, investigando-se o processo evolutivo, as

    causas, as circunstncias, as regularidades observadas no campo

    fenomenolgico.

    Com Spencer baqueiam todas as vacilaes e dificuldades

    porventura ainda existentes. Sua frmula de caracterizao das mais

    perfeitas, simples e ntidas que se conhecem.

    H, segundo ele, trs variantes do conhecimento: conhecimento

    emprico ou vulgar, conhecimento no unificado; conhecimento

    cientfico, conhecimento parcialmente unificado e conhecimento

    filosfico, conhecimento totalmente unificado.

    Com Littr a reduo conceitual de Spencer acerca dos distintos

  • ramos do conhecimento reaparece na bela frase que os compndios

    usualmente reproduzem: a cincia a generalizao da experincia, e a

    filosofia, a generalizao da cincia.

    As quatro cincias fundamentais que a inspirao positivista,

    evolucionista e pragmatista do sculo XIX aponta como classificao

    inabalvel seriam: a Fsico-Qumica, que estuda os fenmenos do mundo

    inorgnico; a Biologia, que se ocupa dos fenmenos do mundo orgnico;

    a Psicologia, que abrange os fenmenos do mundo psquico, e a

    Sociologia, que trata dos fenmenos do mundo social.

    Separada a cincia da filosofia, sem graves atritos, aparecendo a

    primeira como ordem de conhecimentos parcialmente unificados e a

    segunda como conhecimento completamente unificado dos fenmenos

    que servem de objeto a toda atividade cognoscitiva, resta saber se

    ponto pacfico a classificao das cincias da resultante.

    Aqui temos outra vez o cisma entre espiritualistas e positivistas,

    pois ao lado da classificao de Comte Pai do Positivismo concorre

    outra, no menos difundida, que a classificao dos filsofos

    neokantistas, da escola de Baden.

    Segundo Comte, as cincias so abstratas e concretas. As

    abstratas, na explicao de Stuart Mill, referida pelo professor Joaquim

    Pimenta,3 so aquelas que se ocupam das leis que governam os fatos

    elementares da natureza, ao passo que as concretas, como cincias

    tributrias, ou secundrias, se referem a aspectos particulares dos

    fenmenos, por exemplo, a geologia, a mineralogia em relao fsica e

    qumica, a botnica e a zoologia, em relao biologia, e assim por

    diante.4

    No Curso de Filosofia Positiva as cincias abstratas so

    apresentadas de forma hierrquica, segundo a ordem de generalidade e

    simplicidade decrescente e a ordem da complexidade e especializao

    crescente. As cincias, do modo como as disps Comte, vm seriadas de

    tal sorte que a cincia seguinte depende da antecedente, no sendo

    porm a recproca verdadeira. ordem lgica se acrescenta a ordem

    valorativa, isto , das cincias inferiores se passa s cincias

  • superiores, segundo o grau de importncia humana progressiva.5 A

    unidade das cincias do mundo com as cincias do homem perfeita,

    figurando as ltimas no grau mais elevado de dignidade do

    conhecimento, onde os fenmenos fenmenos da sociedade so,

    pelo seu mximo teor de complexidade, os mais difceis de prever e os

    mais fceis de modificar, obrigando o cientista verdadeiro ao estudo

    prvio das primeiras cincias da srie, at que lhe permita o acesso ao

    ramo mais nobre da cincia a Sociologia, cincia da humanidade,

    Coroamento de toda a formao cientfica.

    As seis cincias fundamentais do Curso de Filosofia Positiva de

    Comte so a Matemtica, a Astronomia, a Fsica, a Qumica, a Biologia

    e a Sociologia. Por volta de 1850, acrescentou Comte uma stima

    cincia fundamental a Moral. Com respeito a esse prolongamento da

    srie por Comte, escreve Laubier: Tendo por objeto o estudo do

    indivduo, como a Sociologia o da Humanidade, a Moral considera no

    homem, no somente a inteligncia e a atividade, como a Sociologia,

    mas tambm o sentimento. Desta sorte a cincia mais complexa, a

    nica completa, porquanto verdadeiramente concreta: considera seu

    objeto, o indivduo humano, em sua totalidade, ao passo que as demais

    no conservam seno certas propriedades dos seres com abstrao dos

    demais.6

    A cincia, tomada pela valorao positivista, est acima da

    filosofia, na medida em que esta se confunde com a metafsica.

    A lei dos trs estados ou lei da evoluo, que Augusto Comte

    exps no tomo III do Sistema de Poltica Positiva, coloca a humanidade e

    o conhecimento em trs fases sucessivas de desdobramento: o estado

    teolgico, temporrio e propedutico, em que o homem busca as causas

    e tudo explica, na nsia de conhecimento absoluto ou supremo, pela

    interveno de divindades, nele imperando os telogos e militares, com

    o sentimento de conquista dominante em toda a sociedade; o estado

    metafsico, de transio, em que entidades abstratas explicam os

    fenmenos ou os fatos se ligam a idias, que j no so completamente

    preternaturais, nem simplesmente naturais, mas abstraes

  • personificadas, dominando nesse estado intermedirio os filsofos e

    juristas com a sociedade animada por um sentimento de defesa; enfim,

    chega-se ao estado cientfico, que o estado positivo ou fsico, ponto

    final da escala do conhecimento e grau superior de formao definitiva

    da cincia, com o imprio dos sbios, cientistas e tcnicos, com o

    abandono das antigas preocupaes de conhecimento absoluto pela

    investigao das causas, to caracterstica dos dois perodos

    antecedentes, com a limitao da inteligncia ao conhecimento relativo,

    que permite a formao da cincia e a verificao das leis. A a razo

    humana, tendo deixado de parte a fico dos telogos, do estado inicial,

    e desprezado a abstrao dos metafsicos, do estado intermedirio, se

    entrega de todo aos processos de demonstrao. O emprego desses

    processos fez possvel a apario da cincia, isso ocorreu no estado

    positivo.

    A classificao das cincias de Augusto Comte, estabelecendo a

    unidade do campo cientfico, no foi acolhida com entusiasmo pelas

    esferas idealistas da Alemanha, onde os neokantistas de Marburgo e de

    Baden renovaram a discusso do problema, tais as dvidas que se

    erguiam acerca da natureza das cincias do homem, nomeadamente as

    cincias histricas, do esprito, da sociedade e da cultura.

    Windelband, Rickert, Stammler, e fora daquele crculo, mas

    navegando tambm na corrente do idealismo, Dilthey, certificaram-se

    sobretudo da importncia que toma para a relao social, objeto

    daquelas cincias, certos dados que no entram no campo da

    fenomenologia da natureza e portanto das cincias naturais.

    Estes dados, operando corte dicotmico entre cincias da

    natureza e cincias da sociedade, vm separ-las em duas rbitas

    distintas e autnomas, que alguns, exagerando as implicaes da

    oposio idealista, tomam por irredutveis: o desenvolvimento em

    Windelband, a finalidade em Stammler, a vontade em Dilthey,

    elementos com que o homem empresta ao fenmeno social e s relaes

    entre esses fenmenos certa estrutura de que carece a ordem

    fenomnica da natureza.

  • 2. Naturalistas versus Idealistas (espiritualistas, historicistas e culturalistas)

    Essa reviravolta metodolgica na classificao das cincias, que

    trouxe por resultado fecundo e imediato a retomada de prestgio das

    correntes idealistas, foi obra sobretudo dos filsofos j referidos:

    Dilthey, Windelband e Rickert.

    Logrou Dilthey na Alemanha quase o mesmo destino que Krause,

    fundador de escola entre estrangeiros, sagrado como mestre de juristas

    na Espanha e na Amrica Latina, e, no entanto, filsofo

    semidesconhecido e obscuro no seio de seus patrcios.

    A glria de Dilthey comeou singularmente ao enveredar ele pelos

    caminhos da crtica, ocupando-se, dentre outros, de Goethe e

    Hoelderlin. J septuagenrio deu estampa Vivncia e Poesia, obra que

    logrou extraordinrio xito literrio.

    O filsofo trabalhava silenciosamente na Universidade de Berlim,

    preso intimidade de reduzido crculo de discpulos.

    Lastima-se Ortega y Gasset que, tendo freqentado por aqueles

    anos do comeo do sculo referida Universidade, hajam as

    circunstncias concorrido para que jamais se aproximasse da obra do

    mestre, a quem tantas afinidades de pensamento vieram depois prend-

    lo e em cujas idias confessadamente descobriu o seu alter ego

    filosfico.

    Passara Dilthey por algo parecido com o que aconteceu a

    Nietzsche, tomado a princpio pelos seus contemporneos como simples

    poeta-filsofo. A arrogante ctedra universitria da Alemanha por pouco

    no o ignorou totalmente. Envolveu a Nietzsche naquele gelado

    desprezo que s a grandeza do gnio poderia um dia romper, para da

    fixar-se na imortalidade e no assombro das geraes subseqentes,

    rendidas venerao do filsofo, do estilista, do poeta.

    V Ortega y Gasset em Dilthey o mais importante vulto da

    filosofia na segunda metade do sculo XIX.

  • Acontece, porm, que a obra de Dilthey, graas influncia que

    exerceu, aos debates que provocou, intensidade com que suas teses

    so a cada passo reexaminadas e onde cada fragmento concentra como

    que um micro-mundo de idias, permitindo em toda linha e

    profundidade a mais ampla reaveriguao da histria, faz que ele

    pertena, indubitavelmente, ao quadro dos pensadores mais vivos que

    agitaram a primeira metade deste sculo.

    Naquela obra inacabada, alteia-se, sobretudo, o livro que Dilthey

    no pde concluir e que tantas preocupaes lhe causou no curso da

    vida, como espinho de frustrao, prestes sempre a mago-lo: a

    Introduo s Cincias do Esprito, que alis, no dizer de Ortega, sua

    obra capital, sua nica obra.

    De efeito, toda a fora da originalidade de Dilthey se representa

    naquelas pginas inconclusas, naquela obra apenas esboada, que

    lembra uma catedral gigantesca, cuja abbada no se fez, certo, mas

    cujo perfil basta j para encher-nos distncia do mais grato assombro

    e da mais consoladora admirao.

    O pensador filho de um sculo historicista, onde se completam

    imperecveis monumentos de anlise, investigao e restituio do

    passado, em termos de alta probidade e rigoroso labor cientfico.

    Berlim se torna o centro da cincia histrica e Dilthey, no dizer

    elegante de Ortega y Gasset, ouve ou trata a Bopp, o fundador da

    lingstica comparada; a Boechk, o arquifillogo; a Jacob Grimm, a

    Mommsen, ao gegrafo Ritter, a Ranke, a Treitschke. Com a gerao

    anterior dos Humboldt, Savigny, Nieburh, Eichhorn, formam estes

    gigantes a formidvel falange da chamada escola histrica.7

    Respirando essas idias, fez-se ele historiador.

    Mas o que impressiona em sua obra menos o filsofo da histria

    que o iniciador da reviso crtica da teoria da cincia.

    Aqui nos apartamos de Ortega y Gasset, que viu em Dilthey

    principalmente o historiador.

    A dimenso dos temas que ele versou do idia da envergadura

    necessria para um filsofo tornar-se a atual, novo, original, fecundo.

  • Tudo isso Ortega y Gasset encontrou com imperfeies no

    pensador nervoso de idias e copioso de conceitos que foi o insigne

    Dilthey.

    A nosso ver porm maior ainda que o intrprete da histria o

    autor da nova agrupao das cincias. A profunda vocao dos estudos

    histricos f-lo ir alm dos conceitos positivistas sobre a natureza das

    cincias.

    Se uma idia mxima consente alis dizer desse crtico da razo

    histrica: aqui temos um gnio, essa idia no foi outra seno a que

    separou em duas esferas distintas as cincias do esprito das cincias

    da natureza.

    Dilthey aparece a para os idealistas como o valente emancipador.

    de estranhar que Ortega y Gasset, tendo reconhecido a

    importncia capital da Introduo s Cincias do Esprito, no se haja

    fixado nesse ponto, para nele firmar os crditos do historiador-filsofo

    s glrias da imortalidade.

    Que fez Dilthey sob esse aspecto? Que passo deu ele para iniciar e

    encorajar o vigoroso processo de reabilitao ulterior dos movimentos

    idealistas?

    Nada mais que tomar as cincias histricas, cincias do homem,

    da sociedade e do Estado, j ento sem arrimo filosfico, por se

    afrontarem, desde Hegel, com aquela crise de estrutura decorrente da

    enormidade do predomnio naturalista e dar-lhes ento os cimentos de

    nova solidez, referindo-as todas a essa categoria, que, tomando a

    designao ainda rstica de Cincias do Esprito, foi sobremodo

    aperfeioada com as correes e acrscimos de Windelband e Rickert,

    filsofos neokantistas da escola de Baden.

    Em discurso de posse na Academia de Cincias de Berlim, assim

    compendiou Dilthey as aspiraes intelectuais de sua obra: Comecei a

    fundamentar as cincias particulares do homem, da sociedade e da

    histria. Busco-lhes o fundamento e a conexo na experincia,

    independente da metafsica; pois os sistemas dos metafsicos decaram,

    e apesar disso continua a vontade a exigir como sempre que propsitos

  • firmes guiem a vida dos indivduos e presidam direo da sociedade.

    O sculo filosfico quis transformar a vida atravs de uma teoria

    abstrata e geral da natureza humana. Esta teoria mostrou-se ao mesmo

    tempo triunfante e insuficiente e at certo ponto eversiva na sua

    arrogncia. Nosso sculo reconheceu, com a escola histrica, a

    historicidade do homem e de toda a ordem social. Cumpre todavia levar

    a cabo a fundamentada explicao das novas concepes. Exige-se o

    emprego de conceitos e mtodos mais apuradamente psicolgicos, que

    acompanhem o crescimento da vida histrica; deve-se sobretudo

    patentear e tomar na devida conta, em todas as realizaes humanas,

    como tambm nas da inteligncia, a totalidade da vida da alma, a ao

    do homem completo, volitivo, sensitivo, intelectivo.8

    teoria do conhecimento de Dilthey, como observou Glockner, se

    depara esse problema bsico, de cuja soluo tudo o mais depende: o

    do entrelaamento do mundo da experincia externa (natural) com o

    mundo da conscincia interna (espiritual).

    Pondera aquele moderno historiador da filosofia: Tanto do ponto

    de vista externo das cincias naturais como da polaridade interna das

    cincias do esprito possvel explicar esse entrosamento. O propsito

    de Dilthey assenta em demonstrar que se pode seguir este ou aquele

    caminho e empreender em bases empricas a anlise dos fatos da

    conscincia.

    Reside tambm no mago de sua posio que tanto se h-de

    proceder no assunto por via de sistematizao construtiva como da

    reflexo histrica.9

    A experincia exprime o mesmo autor tem para o cientista

    da natureza, s voltas sempre com realidades externas, significado

    inteiramente distinto daquele que toma na regio das cincias do

    esprito.

    Aqui, fala-nos Dilthey em palavras que Glockner transcreve

    textualmente: Indivduos e fatos compem os elementos desta

    experincia, sua natureza submerso, no objeto, de todas as foras

    afetivas; o prprio objeto s se constri paulatinamente sob as vistas da

  • cincia em progresso.10

    O aforismo de Dilthey de que no vasto crculo das coisas s o

    homem compreensvel ao homem denota que o princpio fundamental

    das cincias do esprito no se confunde com o princpio que rege as

    cincias da natureza.

    Naquelas, que tm por escopo, segundo Dilthey, a realidade

    histrico-social, h compreenso; ns as compreendemos; no seu

    objeto a alma vive, as foras emocionais operam, a auto-reflexo como

    que domina. De seu contedo lgico, de suas funes racionais, quase

    no h que falar, pois o que importa, tocante matria social e

    histrica, captar-lhe o sentido.

    Nas cincias da natureza, ao contrrio, toma o cientista o

    fenmeno para explic-lo, ordenando-a habitualmente segundo a

    causalidade da lei que o governa.

    Clebre historiador da filosofia e fundador de uma das correntes

    mais fecundas da filosofia neokantista, Windelband, quando reitor da

    Universidade de Estrasburgo, proferiu ali o clebre discurso de 1894

    intitulado Histria e Cincia da Natureza, enaltecido como captulo

    dos mais celebrados de sua clssica e afamada obra Preldios, onde o

    eminente filsofo da escola de Baden, quase em concomitncia com

    Dilthey, interveio na questo metodolgica das cincias.

    O sentido antinmico da filosofia de Kant, filsofo de quem j se

    disse que depois dele nenhum princpio novo se criara, reponta na

    obra de Windelband ostentando aquela nitidez, que alis jamais faltou a

    alguns neokantistas de altssimo merecimento filosfico, como, por

    exemplo, no campo das letras jurdicas o insigne Gustavo Radbruch.

    A primeira antinomia de Windelband consiste no corte entre as

    cincias racionais filosofia e matemtica e as cincias da

    experincia.

    Estas, que nos interessam particularmente, so aquelas, segundo

    Windelband, cuja misso se cifra no conhecer determinada realidade,

    quando esta se faz acessvel experincia.11

    Com as palavras do filsofo, podemos dizer que nas cincias da

  • experincia o que se busca pelo conhecimento do real a generalizao

    sob a forma de lei natural, ou o particular debaixo de determinada

    forma histrica.12

    Chega assim Windelband a nomear as primeiras, cincias das

    leis, as segundas, cincias dos acontecimentos; aquelas se ocupam do

    que sempre existe, estas daquilo que alguma vez j existiu.13

    Cunha Windelband para o pensamento cientfico novas

    expresses: cincias nomotticas e cincias idiogrficas.

    Mas ambas adverte sempre guardam invariavelmente esse

    ponto comum de contato: so cincias da experincia, o que faz que

    tanto o naturalista como o cientista social ou historiador venham das

    mesmas premissas, do mesmo ponto lgico de partida: as experincias,

    os fatos da percepo.14

    E se distanciam, por outra parte, na considerao gnosiolgica e

    axiolgica dos fatos.

    Um, o naturalista, vai, segundo a linguagem de Windelband,

    procura de leis; o outro, o historiador, de acontecimentos.

    O primeiro no se contenta com o fenmeno insuladamente, que

    carece ainda de valor cientfico; o segundo toma o fato como realidade j

    valorada em si mesma; aquele inclina o pensamento abstrao, este

    contemplao; ali se pedem teorias e leis, aqui valores e verdades.

    Faz ainda Windelband a ressalva de que aceitaria as designaes

    tradicionais de cincias naturais e cincias histricas, contanto que

    nessas perspectivas metodolgicas se inclusse a psicologia entre as

    cincias da natureza.15

    Assinala o filsofo que o dualismo por ele estabelecido

    puramente formal, entende com os fins do conhecimento, que num caso

    procura a lei geral, noutro o acontecimento histrico, particular, nada

    tendo pois que ver com o contedo do conhecimento em si.

    O mesmo objeto pode sujeitar-se licitamente tanto investigao

    nomottica como idiogrfica, sendo, por conseqncia, relativo o

    contraste entre o que sempre idntico e o que nico e individual.

    Tal acontece por exemplo com determinado idioma que, atravs

  • de todas as variaes de expresso, permanece formalmente o mesmo.

    A despeito porm de toda sua unidade formal, esse idioma na vida

    da linguagem algo singular e transitrio.16

    Depois que Schopenhauer negara histria o valor de cincia

    autntica, por ocupar-se sempre do particular e nunca do geral, era de

    todo compreensvel o empenho do grupo neokantista em investigar o

    carter cientfico daquela ordem de estudos para chegar a concluses

    afirmativas e animadoras, pertinentes a chamada parte idiogrfica das

    cincias da experincia.

    As antinomias de Windelband, que o estimularam busca de

    nova fundamentao cientfica, so quase as mesmas de Kant:

    realidade e valor, fato e idia, causalidade e finalidade, o ser e o dever

    ser, com o problema j de sua respectiva conexo.

    Toda essa reao idealista contra o positivismo, o empirismo e o

    ceticismo, tocante ao mtodo e aos fundamentos das cincias do

    esprito, encontra por fim seu ponto culminante na obra de Rickert,

    antigo discpulo e sucessor de Windelband na ctedra de Heidelberg.

    O idealismo alemo que acometera, com Dilthey, a

    preponderncia naturalista no pensamento cientfico, se comportara de

    incio, com tal timidez, que aquele filsofo se vira compelido a sacrificar

    a metafsica na fundamentao da cincia.

    Rickert idealista kantiano. Mas idealista que no ignora a

    dimenso de suas foras, com plena conscincia da consolidao que

    seu trabalho intelectual h-de emprestar aos esforos antecedentes de

    Dilthey e Windelband.

    Conservando a mesma linha de combate ao emprego do mtodo

    naturalista como nico exclusivamente cientfico, entra Rickert na

    querela filosfica para aprofundar o debate em torno da autonomia,

    mtodos e fundamentos das cincias do esprito.

    Deparamo-nos j com nova nomenclatura em sua obra.

    Plenamente capacitado da delicadeza e das dificuldades de classificar as

    cincias, Rickert as distribui tambm em dois ramos fundamentais:

    cincias da natureza e cincias da cultura.

  • Depois de apontar os equvocos que poderiam decorrer da

    terminologia de Windelband cincias nomotticas e cincias

    idiogrficas aquelas ocupando-se do geral e estas do particular ou do

    especial, assinala Rickert que antes lhe apraz referir-se a um mtodo

    individualizador e a outro generalizador, no se estabelecendo a esse

    respeito diferena absoluta, mas to-somente relativa, sem o que

    ningum jamais poder compreender-lhe o pensamento.17

    O mtodo generalizador se aplica diz ele s cincias da

    natureza e o individualizador s cincias da cultura.

    Sua teoria da cincia puramente formal e no destri, ao

    contrrio das objees que se lhe fizeram, a unidade da cincia.

    A nfase de seus trabalhos, adverte o mesmo Rickert, no foi

    posta na distino entre o mtodo generalizador e o mtodo

    individualizador. Mas em demonstrar os fundamentos que impem a

    considerao da vida cultural no apenas por via genrica seno

    tambm por via especfica, pelos caminhos da individualizao.

    E como a toda cultura aderem valores, fora empregar

    combinada-mente as formas de tratamento da realidade cultural, a

    saber, a individualizadora, e a decorrente de um processo de

    investigao das relaes de valores.

    S a esta altura que se perde a possibilidade de unificar lgica e

    formalmente a realidade estudada.18

    As disciplinas se separam em campos distintos, quanto aos

    mtodos empregados, na medida em que tenhamos, de um lado,

    cincias avalorativas, doutro, cincias cujo objeto implique valores ou

    relaes de valores tornando-se, por conseqncia, decisivo o problema

    de valor para a teoria do mtodo nas cincias.

    A mesma realidade pode ser objeto, segundo Rickert, de dois

    pontos de vista distintos: a realidade natureza quando a tomamos

    com referncia ao geral, e histria, se nos detivermos no exame do

    especial e particular. Emprega-se no primeiro caso o mtodo

    generalizador das cincias da natureza; no segundo o mtodo

    individualizador da histria.19

  • Com essa distino acrescenta Rickert possumos o

    almejado princpio formal da diviso das cincias e quem quiser

    logicamente chegar a uma teoria cientfica h de tomar por base

    indispensvel essa distino formal.20

    Lugares h na obra de Rickert onde suas idias acerca do carter

    das cincias da natureza so expostas com rara transparncia e

    limpidez.

    Haja vista quando ele acentua o contraste das mesmas com as

    cincias histrico-culturais. Diz Rickert ento que na mais ampla

    acepo da palavra nenhum objeto em princpio pode furtar-se ao

    tratamento natural-cientfico, pois natureza a realidade conjunta

    psquico-corporal, tomada genericamente, com indiferena aos

    valores.21

    O cientista da natureza neutraliza-se perante os valores e as

    valorizaes dos objetos. Toma-os livres do que neles h de individual.

    O especial, tanto na fsica como na psicologia, apenas um exemplar

    e a cincia comea, para ele, quando esses exemplares reunidos

    permitem a inferncia de leis de relaes conceituais ou gerais.22

    A concluso que tomamos de autores que to longe conduziram o

    debate metodolgico para salvar as chamadas cincias do esprito ou da

    cultura que da por diante j se pode falar com mais segurana em

    dois mundos distintos: o da natureza e o da sociedade.

    No primeiro, h leis naturais, fixas, permanentes, eternas,

    imutveis com toda a inviolabilidade do determinismo fsico-mecnico;

    no segundo imperam as mudanas, as diferenciaes, o

    desenvolvimento.

    O primeiro o mundo da homogeneidade, o segundo, o da

    heterogeneidade.

    No primeiro h conservao, certeza, uniformidade, repetio. No

    segundo rege a infinita diversidade, a probabilidade, o desenvolvimento,

    a teleologia.

    No primeiro, basta um fenmeno para levar lei geral, basta um

    exemplar da srie para conhecer-se toda a espcie; no segundo, tudo se

  • passa de modo distinto e cada fenmeno , em si mesmo, uma espcie,

    algo irreversvel que, segundo Jellinek, existiu uma s vez e nunca se

    reproduzir em condies idnticas, seno, no melhor dos casos, em

    condies anlogas, da mesma forma que na infinita massa dos seres

    humanos nunca reaparecer o mesmo indivduo (Jellinek).

    3. A cincia poltica e as dificuldades terminolgicas

    O reexame da teoria da cincia pelas escolas neo-idealistas da

    Alemanha a que nos reportamos, tem capital importncia para aclarar

    as dificuldades metodolgicas, quase intransponveis, com que se

    defronta toda a cincia social, sobretudo, no caso vertente, a cincia

    poltica.

    Abriu caminho esse reexame ao reconhecimento dos obstculos

    levantados ao investigador. F-lo alis com tal vigor que hoje raro

    cientista social hesita em confessar os embaraos com que se depara

    para chegar a apreciveis resultados na rbita de sua disciplina.

    A cincia poltica indiscutivelmente aquela onde as incertezas

    mais afligem o estudioso, por decorrncia de razes que a crtica de

    abalizados publicistas tem apontado reflexo dos investigadores,

    levando alguns a duvidar se se trata aqui realmente de cincia.

    Quais so essas razes?

    O professor Orlando Carvalho enumerou em seu prestantssimo

    ensaio Caracterizao da Teoria Geral do Estado algumas dessas

    dvidas com que se afrontam os estudiosos da matria social, os quais,

    desde Sumner Maine a Orlando, haviam assinalado j o carter

    movedio e oscilante do vocabulrio poltico, as variaes semnticas

    dos termos de que se serve o cientista social de pas para pas, com as

    mesmas palavras valendo para os investigadores do mesmo tema,

    coisas inteiramente distintas, como, por exemplo, a palavra democracia,

    a que se emprestam variadssimas acepes, ameaando imergir num

    caos sem sada os mais competentes e idneos esforos de fixao

  • conceitual.

    At mesmo a expresso Estado, ao redor da qual se levanta

    vastssima e respeitvel literatura j centenria, trazendo o selo de

    contribuio monumental de afamados pensadores e filsofos, no pde

    forrar-se ao crculo vicioso de incertezas e objees, quanto

    determinao exata do significado de que se reveste.

    Compilam-se da antigidade aos nossos dias, nos textos mais

    autorizados da reflexo filosfica e jurdica, copiosos conceitos que

    servem apenas de atestar quo longe nos achamos ainda da

    caracterizao satisfatria.

    Da porque Bastiat, com fina ironia, anunciava em meados do

    sculo XIX, prmio de 50.000 francos a quem lhe respondesse a

    contento a interrogao que ele fizera ao pedir que lhe definissem o

    Estado.

    Esse esmorecimento de Bastiat corrobora o que Hegel dissera da

    cincia do Estado, tomando-a por primeira das cincias, pela

    importncia e pelas complicaes que a envolvem.

    O reitor Lowell de Harvard, citado pelo professor Carvalho,

    interveio tambm com pessimismo no debate, para lembrar que falta

    cincia poltica esse requisito indispensvel cincia moderna: a

    nomenclatura ininteligvel ao homem educado, o que permite a todo

    leigo ocupar-se, com a mais santa e incorrigvel leviandade, daquilo

    onde se detm ou naufragam em dificuldades amargas, cientistas e

    filsofos insignes, ao versarem conceitos como os de governo, nao,

    liberdade, democracia, socialismo, etc.

    Tem-se sobretudo referido que o trabalho do cientista da natureza

    extraordinariamente facilitado pela circunstncia de os fenmenos

    terem a exterioridade parte do observador ou as substncias de que

    trata, por exemplo, o qumico, no seu laboratrio, poderem ser pesadas

    ou medidas, ou ainda a experincia do fsico, como assinalou Lord

    Bryce, no ter mais requisito de renovao que a vontade do

    investigador, fazendo que este, sempre por via da experincia e da

    observao, possa chegar ao conhecimento de leis perfeitamente exatas

  • e uniformes.

    Mas se o oxignio, o enxofre e o hidrognio se comportam da

    mesma maneira na Europa, na Austrlia ou em Srius, se qualquer

    mudana na composio do elemento qumico encontra no cientista

    condies fceis e seguras de exame e esclarecimento, o mesmo no se

    d com o fenmeno social e poltico.

    Fica este sujeito a imperceptveis variaes, de um para outro

    pas, at mesmo na prtica do mesmo regime; ou de um a outro sculo,

    de uma a outra gerao.

    As instituies, conservando por vezes o mesmo nome, j

    passaram todavia pelas mais caprichosas alteraes.

    O material de que se serve assim o cientista social cria pela

    extrema mutabilidade de sua natureza, no somente bices quase

    invencveis ao estudioso, como torna penosssimo seno impossvel o

    reconhecimento, na Cincia Poltica, de leis fixas, uniformes,

    invariveis.

    Obstculo igualmente srio, que se soma aos demais j referidos e

    de feio no menos desalentadora, decorre da impossibilidade em que

    fica o observador de neutralizar-se perante o fenmeno que estuda, para

    da alcanar concluses vlidas, lcitas, imparciais, objetivas, que no

    sejam fruto de inclinaes emocionais passageiras ou de juzos

    preformados na mente do observador.

    A conscincia de quem observa no raro se liga ao fenmeno ou

    processo. Sua aderncia a determinado Estado, seu lastro ideolgico,

    sua vivncia em certa poca, suas reaes psicolgicas em presena dos

    mais distintos grupos, desde a igreja, o sindicato e a comunidade at

    famlia e escola, fazem desse observador unidade irredutvel, capaz de

    emprestar ao fenmeno observado todo o feixe de peculiaridades que o

    acompanham, recebidas ou inatas.

    Por mais que forceje no chegar ele nunca a captar o fenmeno

    social imparcialmente, emancipado do crculo vicioso ou da camada

    densa de preconceitos que o rodeiam.

    Com essas ponderaes pessimistas, mas acauteladoras, h de

  • atuar pois o estudioso da sociedade, que, com o mnimo de dogmatismo

    inconsciente, se proponha a versar o contedo dificlimo das cincias

    sociais, rigorosamente advertido j de seus embaraos.

    Onde entram atos e sentimentos humanos, s a considerao

    despretensiosa dos aspectos histricos, jurdicos, sociolgicos e

    filosficos, ontem e hoje, neste ou naquele Estado, dar problemtica

    poltica da sociedade o aproximado teor de certeza que vir um dia

    galardoar o esforo do cientista social, honesto e incansvel, cujo

    trabalho, antes da frutificao, sempre tomou em conta a medida

    contingente das verdades que se extraem do comportamento dos grupos

    e da dinmica das relaes sociais.

    4. Prisma filosfico

    A Cincia Poltica, em sentido lato, tem por objeto o estudo dos

    acontecimentos, das instituies e das idias polticas, tanto em sentido

    terico (doutrina) como em sentido prtico (arte), referido ao passado,

    ao presente e s possibilidades futuras.

    Tanto os fatos como as instituies e as idias, matrias desse

    conhecimento, podem ser tomados como foram ou deveriam ter sido

    (considerao do passado), como so ou devem ser (compreenso do

    presente) e como sero ou devero ser (horizontes do futuro).

    H sempre, em face dos problemas dessa investigao, pertinente

    a fatos, instituies e idias, no importa o tempo histrico ontem,

    hoje, amanh em que os tomemos, aquilo que os alemes chamam

    sein ou sollen, o primeiro designando a realidade que , o segundo a

    realidade do dever ser.

    Nessa mesma e larga acepo, cabe o exame das instituies, dos

    fatos e das idias referidas aos ordenamentos polticos da sociedade

    debaixo do trplice aspecto: filosfico, jurdico ou poltico propriamente

    dito e sociolgico.

    Mas nem todos os autores, tratadistas e publicistas que versam

  • temas de Cincia Poltica, se pem de acordo com fixar, de maneira to

    ampla, como vimos acima, o contedo e a conformao desta disciplina.

    Parte toda a Cincia Poltica de conceitos polmicos, quanto ao

    mtodo, quanto extenso de seus limites, quanto ao nome que se h-

    de eleger para essa categoria de estudos, conforme teremos mais

    adiante ensejo de patentear.

    Passemos no entanto revista aos distintos aspectos que permitem

    acentuar com mais nfase o carter transitrio da disciplina, ao qual se

    h preponderantemente reduzido, consoante o tratamento que lhe

    ministra o filsofo, o socilogo ou o jurista.

    Desde a mais alta antigidade clssica, principalmente desde

    Scrates, Plato e Aristteles, os assuntos polticos impressionam o

    gnero humano, sequioso de conhec-los e aprofund-los.

    Aristteles conclui na Grcia um ciclo de estudos polticos

    conscientemente especulativos.

    Mas nos fragmentos das constituies que o filsofo estagirita

    analisa, assim como nas ltimas pginas polticas de Plato, seu

    predecessor, que no Livro das Leis passara j do Estado ideal e

    hipottico ao Estado real e histrico, avultam consideraes de ndole

    sociolgica, antecipaes que deixam de ser puramente filosficas.

    Na Europa medieva a filosofia se enlaa com a teologia ao ocupar-

    se de temas polticos.

    E quando estes se definem, moderna e contemporaneamente,

    numa cincia j organizada e autnoma, conservam alguns de seus

    cultores a posio tradicional de prestgio de anlise filosfica, dando

    nos manuais, tratados e compndios de cincia poltica lugar sempre

    honroso e destacado, seno por vezes predominante, ao aspecto

    estritamente filosfico dos problemas.

    Entre os pensadores de lngua inglesa, Field, Laski e Bertrand

    Russel tomaram posio de tericos ou teorizantes, impulsionando a

    cincia poltica, sob inspirao filosfica.

    Na Alemanha, Carl Schmitt e Rudolf Smend.

    Nos pases de lngua francesa, Dabin, Marcel de La Bigne de

  • Villeneuve e outros.

    A Filosofia conduz para os livros de Cincia Poltica a discusso

    de proposies respeitantes origem, essncia, justificao e aos

    fins do Estado, como das demais instituies sociais geradoras do

    fenmeno do poder, visto que nem todos aceitam circunscrev-lo apenas

    clula mater, embriognica, que no caso seria naturalmente o Estado,

    acrescentando-lhe os partidos, os sindicatos, a igreja, as associaes

    internacionais, os grupos econmicos, etc.

    Convive o debate filosfico ademais com a investigao sociolgica

    e com a fixao jurdica dos fatos, normas e instituies polticas,

    arredando assim a possibilidade de ousadamente afirmarmos a

    existncia de um monismo filosfico entre autores polticos de nosso

    sculo, que rotulam seus livros com o nome de Cincia Poltica ou

    Teoria Geral do Estado.

    5. Prisma sociolgico

    Outra dimenso importantssima que toma a Cincia Poltica a

    de cunho sociolgico.

    O estudo do Estado, fenmeno poltico por excelncia, se constitui

    um dos pontos altos e culminantes da obra genial de Max Weber.

    O profundo socilogo fez com o Estado aquilo que Ehrlich fizera j

    com a sociologia jurdica. Deu-lhe a consistncia do tratamento

    autnomo.

    Com efeito, na sociologia poltica de Max Weber, abre-se o

    captulo de fecundos estudos pertinentes poltica cientfica,

    racionalizao do poder, legitimao das bases sociais em que o poder

    repousa: inquire-se ali da influncia e da natureza do aparelho

    burocrtico; investiga-se o regime poltico, a essncia dos partidos, sua

    organizao, sua tcnica de combate e proselitismo, sua liderana, seus

    programas; interrogam-se as formas legtimas de autoridade, como

    autoridade legal, tradicional e carismtica; indaga-se da administrao

  • pblica, como nela influem os atos legislativos, ou como a fora dos

    parlamentos, sob a gide de grupos socio-econmicos poderosssimos,

    empresta democracia algumas de suas peculiaridades mais

    flagrantes.23

    A Cincia Poltica, na sua constante sociolgica, no pode

    tampouco ignorar as razes histricas da evoluo poltica.

    Esse retrato retrospectivo, esse mergulho no passado das

    instituies devem-se com mais nitidez e originalidade a Gumplowicz e

    Oppenheimer.

    Traou este ltimo o penoso roteiro que se estende, atravs dos

    mais agudos transes e das mais amargas vicissitudes, do Estado de

    conquista ao Estado de cidadania livre. Como forma de coao sobre os

    homens, o Estado se acha fadado a desaparecer, desde que a escravido

    antiga e a escravido capitalista, outrora forosas, se tornavam

    doravante suprfluas.

    Se em Atenas, observa Oppenheimer, ao lado de cada cidado

    livre trabalhavam cinco homens escravos, na sociedade contempornea

    a cada cidado livre corresponde o dobro de escravos, mas escravos

    doutra espcie, doutro cativeiro, escravos de ao que no tm de

    padecer ou suar quando trabalham!

    E o fim do Estado, segundo o mesmo socilogo, inspirado decerto

    na profecia marxista, ser sua diluio no automatismo da sociedade

    futura.24

    Outro escritor poltico no menos digno e autorizado pela

    excelncia de sua orientao sociolgica Vierkandt, que contribui

    fixao dos quadros da Cincia Poltica, em seus vnculos com a

    sociologia, ao estudar principalmente o moderno Estado nacional.

    Acentua ele o carter classista do Estado e da sociedade, a

    dinmica da luta pelo poder na sociedade moderna, os partidos como

    representao de interesses e as tendncias e movimentos reformistas

    que se operam este sculo, com respeito s relaes de trabalho,

    educao, sade espiritual da juventude, e o papel da igreja, etc.25

    Seguindo igual trajetria, aparece a verso sociolgica da obra de

  • Stier-Somlo, inclinado sobretudo ao estudo da poltica cientfica, seus

    problemas, sua significao, suas tarefas, sua possvel sistematizao.

    Desse elenco de primeira ordem faz parte ainda um pensador da

    fina estirpe de Mannheim. Sua Ideologia e Utopia desses livros que

    assinalam a fisionomia intelectual de determinada poca. Sente-se nele

    toda a vibrao mental da sociedade. A sociologia tomada por base da

    Cincia Poltica, cava ali suas razes mais profundas.

    Os temas de reconstruo social, de diagnose e interpretao dos

    momentos crticos da democracia, de anlise dos conceitos polticos, de

    estimativas acerca da planificao, da liberdade e do poder tecem a

    matria sociolgica que serve de substrato a alguns dos captulos mais

    fascinantes de nossa Cincia.

    Ao dado jurdico de sua obra, o professor alemo Georg Jellinek,

    outro clssico da Cincia Poltica, acrescenta com nfase no menos

    rigorosa o aspecto sociolgico.

    Sua teoria do Estado se revela predominantemente social,

    situando-o na esfera metodolgica dos dualistas, ou seja, dos que

    tomam a Cincia Poltica segundo o binmio Direito e Sociedade.

    A estante clssica da sociologia inclui, por ltimo, esse nome

    glorioso para a Cincia Poltica que foi o de Hermann Heller, cuja obra

    inacabada tem todos os primores de esquematizao genial.

    Lanou cimentos indestrutveis compreenso da doutrina do

    Estado como sociologia, como cincia da realidade, como teoria das

    estruturas. Estudou, com rigor, no seu monumental Staatslehre, o

    mtodo e a misso da teoria do Estado, a realidade social, o Estado

    propriamente dito, com seus pressupostos histricos, bem como as

    condies culturais e naturais da unidade estatal, sua essncia e

    finalidade, lastimando-se no haja concludo o plano da obra, que

    todavia um fragmento de grandeza e imortalidade. Honra as alturas a

    que pode chegar o raciocnio poltico de um pensador.

  • 6. Prisma jurdico

    Tem sido tambm a Cincia Poltica objeto de estudo que a reduz

    ao Direito Poltico, a simples corpo de normas.

    Tendncia de cunho exclusivamente jurdico vem representada

    por Kelsen, que constri uma Teoria Geral do Estado, onde leva s

    ltimas conseqncias, no estudo da principal instituio geradora de

    fenmenos polticos, o seu formalismo de inspirao kantista e funda

    em bases estritamente monistas, de feio jurdica, a nova teoria que

    assimilou o Estado ao Direito e tantos protestos arrancou de filsofos e

    pensadores durante as ltimas dcadas.

    O Estado, segundo Kelsen, pertencendo ao mundo do dever ser,

    do sollen, se explica pela unidade das normas de direito de determinado

    sistema, do qual ele apenas nome ou sinnimo.

    Quem elucidar o direito como norma elucidar o Estado. A fora

    coercitiva deste nada mais significa que o grau de eficcia da regra de

    direito, ou seja, da norma jurdica.

    O Estado, organizao de poder, para Kelsen, se esvazia de toda a

    substantividade. Os elementos materiais que o compem territrio e

    populao se convertem, respectivamente, na tpica e revolucionria

    linguagem do antigo professor vienense, em mbito espacial e mbito

    pessoal de validade do ordenamento jurdico.

    A doutrina de Kelsen tem sua originalidade em banir do Estado

    todas as implicaes de ordem moral, tica, histrica, sociolgica,

    criando o Estado como puro conceito, agigantando-lhe o aspecto formal,

    retinta-mente jurdico, escurecendo a realidade estatal com seus

    elementos constitutivos, materiais, conforme vimos. Chega hipertrofia,

    j descomunal, do elemento formal o poder, posto que dissimulado

    este na santidade inviolvel de normas concebidas como direito puro.

    Essa teoria, que faz de todo Estado Estado de Direito, por situar

    Direito e Estado em relao de identidade, uma vez aceita apagaria na

    conscincia do jurista o sentido dos valores e na sentena do

    magistrado os escrpulos normais de eqidade, do mesmo modo que

  • favoreceria o despotismo das ditaduras totalitrias, por emprestar base

    jurdica a todos os atos do poder, at mesmo os mais inconcebveis

    contra a vida e a moral dos povos. O exemplo e experincia da

    Alemanha nazista recente para mostrar at onde podem chegar as

    conseqncias de um positivismo normativista, maneira kelseniana.

    Criticou-se a Kelsen, e com razo, o haver criado uma Teoria do

    Estado sem Estado e uma Teoria do Direito sem Direito.

    Entre os publicistas clebres da Frana, no sculo XX,

    encontramos autores mais preocupados com o aspecto jurdico da

    Cincia Poltica do que propriamente com as suas razes na filosofia e

    nos estudos sociais.

    No so to radicais quanto Kelsen, que reduziu o Estado a

    consideraes exclusivamente jurdicas. Mas fazem da Teoria Geral do

    Estado um apndice ou introduo ao Direito Pblico, nomeadamente

    ao Direito Constitucional, no hesitando em versar temas pertinentes

    ao Estado em livros de Direito Constitucional, segundo velha tradio,

    ilustrada, dentre outros, por Duguit, com o seu monumental tratado,

    cuja primeira parte, votada ao Estado, abrange certas anlises onde a

    cada passo toma o socilogo o lugar do jurista.

    Em Carr de Malberg, depara-se-nos outro clssico dessa

    orientao, que se inclina mais para o Direito do que para a Sociologia

    ou a Filosofia.

    7. Tendncias contemporneas para o tridimensionalismo

    A orientao que toma na Cincia Poltica a Filosofia, a Sociologia

    e o Direito com predominncia ou exclusividade vem cedendo lugar ao

    emprego da anlise tridimensional, que abrange a teoria social jurdica

    e a teoria filosfica dos fatos, das instituies e das idias, expostas em

    ordem enciclopdica, de modo a dar inteira e unificada viso daquilo

    que objeto desta disciplina.

    Fez o publicista alemo Hans Nawiasky, da Baviera, o esforo

  • mais competente e idneo que se conhece por ultrapassar o

    unilateralismo e bilateralismo dos cientistas polticos que o

    antecederam, dando sua Teoria Geral do Estado tratamento

    tridimensional, ao estudar o Estado como idia, como fato social e como

    fenmeno jurdico.

    Os autores franceses que publicaram obras mais recentes de

    Cincia Poltica esto fugindo tambm estreiteza de seus

    predecessores, e apesar da impopularidade dos nomes de Teoria Geral

    do Estado e Cincia Poltica na sua literatura especializada, j fizeram

    todavia a esse respeito considerveis concesses epgrafe desta

    disciplina, inclinando-se mais para a expresso Cincia Poltica, com a

    qual batizou Georges Burdeau seu excelente tratado sobre a matria.

    No somente passou o pensamento francs a acatar a

    denominao de Cincia Poltica, consagrada j no meio cultural anglo-

    saxnico, como emprestou nos ltimos anos a esses estudos significado

    mais sociolgico e filosfico do que, em verdade, jurdico, como

    preconizava a tradio ora proscrita.

    Juristas da envergadura de Duverger, Vedel, Marcel de La Bigne

    de Villeneuve acompanham a tendncia universalizada de adotar o

    estudo da Cincia Poltica sob o trplice aspecto tantas vezes aqui

    referido, a saber, o aspecto tridimensional, abrangendo por conseguinte

    a considerao jurdica, sociolgica e filosfica.

    Como se v, no reina acordo entre os escritores polticos dos

    principais pases ocidentais acerca dos limites da disciplina de que nos

    ocupamos.

    Nem sequer a respeito do nome pelo qual possamos todos

    reconhec-la. No mundo anglo-americano, a Cincia Poltica ou versa a

    experincia poltica vivida e acumulada nas instituies (onde as foras

    polticas competitivas impem os interesses em jogo), com feio de

    estudo pragmtico, ou despreza fortemente o lado terico.

    Na Alemanha, os juristas que cresceram no culto e superstio do

    poder, deram-lhe o nome da Teoria Geral do Estado, com variaes de

    mtodo e contedo e s nas ltimas dcadas se iniciaram numa Cincia

  • Poltica propriamente dita com independncia do condicionamento

    jurdico, com contribuies prprias, mas debaixo de um visvel influxo

    das correntes americanas, cujo pragmatismo excessivo, todavia, no

    perfilhavam.

    A designao de Teoria Geral do Estado entrou enfraquecida em

    Frana e s chegou ao Brasil em 1940, durante a ditadura. Teve

    ingresso no currculo das Faculdades de Direito por convenincia

    ditatorial e no por imperativos pedaggicos ou prescrio didtica.

    Com efeito, a Constituio de 1937 deparava resistncia nas escolas,

    por parte de velhos professores de formao democrtica, que se

    recusavam a interpret-la.

    Que fez pois a ditadura? Criou a Cadeia de Teoria Geral do

    Estado, para a qual removeu a parte mais obstinada do magistrio,

    ficando com lugares vagos destinados ao preenchimento de confiana

    por mestres acomodados a lecionar o constitucionalismo dos autores do

    golpe de Estado de 1937.

    No Brasil, vingam irmmente os termos Cincia Poltica e Teoria

    Geral do Estado. Tem este ltimo maior acolhida no meio jurdico. Por

    Cincia Poltica, estudiosos h porm neste Pas que entendem a

    considerao do fenmeno poltico em sua mxima amplitude, qual se

    manifesta na pluralidade das fontes geradoras.

    Outros se abraam tradicionalmente ao Estado como fonte

    primria, no enxergando nos demais grupos sociais, nacionais ou

    internacionais, seno fontes secundrias, cuja autonomia, direta ou

    indiretamente, deriva do ordenamento estatal, que permanece, em

    ltima anlise, matriz de toda a fenomenologia poltica.

    Estes no vem razo para sustentar por conseqncia a sutileza

    daqueles que do preferncia, por mais lata, expresso Cincia

    Poltica, e ignoram ou negam pois a suposta largueza de mbito da

    Cincia Poltica, cuja circunferncia para eles coincide com a da Teoria

    Geral do Estado.

    Por haver equivalncia de reas e de objeto, seria a mesma

    matria, apenas com nomes distintos.

  • A simpatia na escolha, para os que raciocinam dessa forma, recai

    naturalmente sobre a Teoria Geral do Estado, cujas razes, a despeito

    da origem, se aprofundaram com mais fora que as da Cincia Poltica.

    O nome desta, soprado ultimamente com intensidade, atravs da leitura

    e influncia de autores americanos e ingleses, ganha todavia

    largussimo terreno.

    1. Kant, Metaphysische Anfangsgruende der Naturwissenschaft. Prefcio, 2 e 3.

    2. Joaquim Pimenta, Enciclopdia de Cultura.

    3. Idem, ibidem, p. 45.

    4. Idem, ibidem, pp. 45-46.

    5. Augusto Comte, Sociologie.

    6. Jean Laubier, apud Augusto Comte, ob. cit., p. XI.

    7. Ortega y Gasset, apud Kant, Hegel, Dilthey, p. 144.

    8. Wilheim Dilthey, Gesammelte Schriften, V, p. 11.

    9. Hermann Glockner, Die europaeische Philosophie, von Anfangen bis zur Gegenwart, pp. 1.063-1.064.

    10. W. Dilthey, Gesammelte Schriften I, 2 ed., p. 109 da Einleitung in die Geisteswisseschaften I, Erstes einleitendes Buch, XVI.

    11. Wilhelm Windelband, Praeludien, V. I/II, p. 141.

    12. Wilhelm Windelband, ob. cit., p. 141.

    13. Idem, ibidem, p. 145.

    14. Idem, ibidem, p. 145.

    15. Idem, ibidem, p. 148.

    16. Wilhelm Windelband, ob. cit., p. 145.

    17. Heinrich Rickert, Kulturwissenschaft und Naturwissenschaft sechste und siebente Auflage, pp. VII e VIII.

    18. Idem, ibidem.

    19. Heinrich Rickert, ob. cit., p. IX.

    20. Idem, ibidem, pp. 55-56.

    21. Idem, ibidem, p. 56.

    22. Idem, ibidem, p. 97.

    23. Heinrich Rickert, ob. cit., p. 97.

    24. Max Weber, Staatssoziologie.

    25. Franz Oppenh