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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDESPós Graduação “lato sensu” – A VEZ DO MESTRE
Processo Civil
RENATA SERBER TAVARES VERÍSSIMO
A Tutela Antecipada e a Medida Cautelar
Rio de Janeiro2006
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RENATA SERBER TAVARES VERÍSSIMO
A Tutela Antecipada e a Medida Cautelar
Monografia apresentada como parte dos quesitos para obtenção do título de especialista em Processo Civil – Curso de Direito – Pós Graduação.Orientador: Jean Almeida
Rio de JaneiroUNIVERSIDADE CANDIDO MENDES - CAMPUS CENTRO
2006
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RENATA SERBER TAVARES VERÍSSIMO
A TUTELA ANTECIPADA E A MEDIDA CAUTELAR
Monografia apresentada para obtenção do Título de Especialista em Processo Civil, Pós Graduação A vez do Mestre, no dia 26/01/2006.
Aprovado em ___/___/2006.
BANCA EXAMINADORA
_____________________________________________Presidente: Professor Mestre
______________________________________________1º examinador:
______________________________________________
2º examinador:
4
A todos que participaram da minha caminhada até aqui, meu muito obrigada.
5
“Para que repetir os erros antigos,
quando há tantos erros novos a cometer!?”
(Bertrand Russel).
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RESUMO
O direito processual, para amenizar os efeitos nocivos da eternização dos processos,
faculta uma gama variada de medidas de urgência, dentre as quais a antecipação da tutela e as
medidas cautelares, capazes de conceder ao titular do direito lesado ou ameaçado de lesão,
uma proteção prévia que assegure a restauração provisória da ordem jurídica quebrantada, até
que se dê o provimento jurisdicional final, solucionador do conflito de interesses.
Muitos são aqueles, porém, que, com excessiva freqüência, confundem os diferentes
institutos da tutela antecipada, que tem índole meritória, satisfatividade finalística, intuito
exauriente, com o instituto da tutela cautelar, de nítida feição acautelatória de jurisdição. Isso
contribui, para o efetivo estabelecimento de uma aparente similitude entre ambos os institutos
processuais que, em sua essência, possuem objetivos completamente distintos.
Embora apresentem relevantes e numerosos pontos de contato e imponham à parte
postulante a comprovação de requisitos e pressupostos similares, a exigir a urgência incomum
da atividade judicante, diferem a tutela cautelar e a tutela antecipada em sua natureza jurídica,
especialmente em razão da finalidade a que se destinam.
Essas semelhanças e diferenças merecem análise mais detida. Ambas as espécies de
tutela pressupõem cognição sumária, regem-se pela instrumentalidade, são precárias e
fundadas em juízo de probabilidade. Na tutela antecipada, a precariedade exige um requisito
especial: só pode ser concedida se puder ser revogada a qualquer tempo, de forma eficaz.
Enquanto o juízo de probabilidade é mínimo na tutela cautelar, apresenta-se máximo na tutela
antecipada.
O presente trabalho analisará aspectos referentes à tutela antecipada e à medida
cautelar, destacando as suas características e requisitos, bem como suas semelhanças e
diferenças, demonstrando, também, a importância da lei 10.444/2002, que acrescentou o § 7º
7ao artigo 273 do Código de Processo Civil, tornando fungíveis as tutelas de urgência
antecipada e cautelar. O fato de serem essas duas modalidades de tutela jurisdicional de
urgência ontologicamente distintas, não significa que não possa haver um sistema unificado
de prestação das mesmas. É o que se pretende estudar.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO........................................................................................................................09
CAPÍTULO 1. NOÇÕES GERAIS SOBRE TUTELA ANTECIPADA E MEDIDA
CAUTELAR............................................................................................................................12
1.1 EVOLUÇÃO HISTÓRIA...................................................................................................12
CAPÍTULO 2. CARACTERÍSTICAS DAS MEDIDAS CAUTELARES.........................15
2.1 Requisitos Específicos das Medidas Cautelares
2.2 Classificação das Medidas Cautelares
CAPÍTULO 3. TUTELAS CAUTELARES E TUTELAS ANTECIPATÓRIAS.............22
3.1 FUNGIBILIDADE..............................................................................................................31
3.2 POSSÍVEIS DESDOBRAMENTOS .................................................................................33
CONCLUSÃO.........................................................................................................................34
REFERÊNCIAS .....................................................................................................................36
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INTRODUÇÃO
Antes de se realizar qualquer estudo sobre o processo cautelar, mister se faz, entender
de que forma e por que o jurisdicionado demonstrou necessidade de receber uma tutela
jurisdicional diferenciada.
É de conhecimento geral que, no âmbito do processo civil, a condição humana de
viver em sociedade, levou o desenvolvimento da jurisdição privada à jurisdição pública.
Como muito bem sintetiza o eminente professor baiano J. J. Calmon de Passos: “se a
liberdade é a marca eminente da condição individual do homem a sociabilidade é a marca de
sua humanidade”1. Ou seja, a aplicabilidade do conceito de justiça se transmudou do
particular, que normalmente se impunha pela força bruta, para o ente público que, de forma
imparcial e coerente, aplica a norma existente ao caso concreto.
Surge, desta maneira, o direito como um ordenamento das relações humanas, derivado
da convivência social, objetivando regulamentá-la via de um sistema de limitações entre os
interesses, vontades e ações do indivíduo.
Segundo Calamandrei, em uma síntese muito feliz, afirma que se for observado, sob
um aspecto puramente empírico, de que forma pode manifestar-se externamente a vontade do
Estado, dirigida no sentido de regular a conduta dos indivíduos em suas mútuas relações,
observa-se que todos os sistemas de produção de direito podem ser reduzidos a dois: o que se
pode chamar de formulação do direito para o caso singular e o que se denominaria de
formulação do direito por categorias ou da formulação legal”2.
Pelo primeiro sistema, o Estado somente intervem quando se configurasse uma
ameaça concreta à paz social, resolvendo um conflito de interesses existente entre indivíduos.
1 PASSOS, J.J.Calmon de. Comentários ao código de processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1984, p. 7.2 PASSOS, J.J.Calmon de, op. cit., p. 18-19.
10Já no segundo, e mais difundido entre a civilização ocidental, o Estado não aguarda que se
apresente a necessidade singular de intervenção, mas se antecipa no sentido de regulamentar
as relações entre os indivíduos antes mesmos que apareça a necessidade de intervenção.
Desta idéia é que chegou-se à conclusão de que o Estado é que teria a função e
obrigação de disseminar o “direito” ao caso concreto e normatizar, de forma antecipada, as
relações sociais. O que se poderia chamar de Jurisdição.
Assim, se o particular não deveria mais fazer justiça pelas próprias mãos, deveria ele
solicitar do ente público que o fizesse. Para movimentar esta máquina estatal o jurisdicionado
deveria buscar um meio pelo qual a norma seria aplicada ao seu caso concreto. Esse meio
denomina-se de processo.
E a busca do particular pela prestação jurisdicional almejada via do processo é a
corporificação do que viria a ser o direito de provocação deste jurisdicionado. A possibilidade
que este indivíduo tem de provocar no órgão jurisdicional uma atitude que venha a solucionar
seu problema, denomina-se ação.
Assim, segundo Ramiro Podetti, pode-se conclui que “jurisdição, processo e ação são
três elementos indissoluvelmente ligados a representam a triologia estrutural dos conceitos
básicos ou fundamentais do direito processual civil”3.
Da aplicação desta triologia estrutural, o jurisdicionado pode buscar a aplicação da
norma ao seu caso concreto. Contudo, em função da especificidade da matéria e o tecnicismo
processual, por vezes, a atuação do Estado se apresenta tardia. O transcurso natural e temporal
de um processo, da fase postulatória a fase decisória pode levar um certo tempo que, por
circunstâncias especiais, gera uma possibilidade de insegurança ao próprio direito postulado.
3 PODETTI, Ramiro apud THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo cautelar. São Paulo: Universitária de Direito, 1976, p. 50.
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Talvez o verdadeiro sentido de efetividade do processo esteja ligado diretamente ao
problema da celeridade em que a prestação jurisdicional chega ao jurisdicionado que, ao
tomar a decisão de recorrer a tutela jurisdicional, teme que ela chegue tardia. Este problema
da morosidade, e que é vivido por todos os sistemas de administração de Justiça, demonstra,
dia a dia, a necessidade de se adequar e desenvolver, cada vez mais, as várias formas de
tutela, como um fator de relevante importância na aplicação da verdadeira Justiça.
Por isso a presente pesquisa será dirigida a este propósito maior: o de buscar meios
alternativos mais céleres de prestação jurisdicional. E, nessa ótica, se coloca o Processo
Cautelar ora analisado.
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CAPÍTULO 1. NOÇÕES GERAIS SOBRE TUTELA ANTECIPADA E MEDIDA
CAUTELAR
1.1 EVOLUÇÃO HISTÓRIA
As medidas urgentes já eram conhecidas à época do direito romano. Contudo, todas
elas, postuladas via das fórmulas sacramentais, ainda não possuíam a autonomia do atual
Processo Cautelar como forma especial de jurisdição. Havia a l’operis novi nuntiatio, que
figurava como uma fase extrajudicial que precedia a judicial, e que funcionava como uma
notificação prévia de proibição de continuidade de uma obra. Também existia a cautio damni
infecti, que permitia ao requerente obter uma garantia de ressarcimento nos casos de perigo de
dano. Chegou-se a ter, até, uma figura similar ao nosso seqüestro, que consistia no depósito de
uma coisa em poder de uma terceira pessoa, a fim de que fosse conservada até o final da lide.
Foi na Alemanha que apareceram as primeiras tentativas de fixar uma concepção
processual dessa classe de medidas e de sistematiza-las. Contudo, foram os grandes
processualistas italianos que elaboraram, dentre posições divergentes, a doutrina da
autonomia do processo cautelar, diferenciando-o totalmente do processo cognitivo e o de
execução4.
Dentre estes processualistas italianos, e que teorizaram sobre o tema, se despontaram,
pelas abordagens realizadas, contribuindo sensivelmente para o aperfeiçoamento das
legislações mais modernas, Chiovenda, Calamandrei e Carnelutti.
4 CHIOVENDA. Instituições do direito processual civil (trad. Menegale). São Paulo: Saraiva, 1958, p. 270.
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Na Teoria de Chiovenda, as medidas cautelares já são consideradas ação, isto é, “ação
asseguradora”. Segundo o eminente mestre, “a medida provisória corresponde à necessidade
efetiva e atual de afastar o temor de um dano jurídico”5. Contudo, conforme avaliações
posteriores, faltou a Chiovenda completar o conceito de medida cautelar, ligando-a a condição
de que o receio do dano deve originar-se do perigo da demora na obtenção da tutela
jurisdicional comum.
Já Calamandrei, por seu turno, deu um grande passo no sentido de defender a condição
de instrumentalidade da medida cautelar. Como anotou Castro Villar, para Calamandrei as
providências cautelares nunca constituem um fim em si mesmas, pois estão preordenadas à
emanação de uma ulterior providência definitiva, cujo resultado prático asseguram
preventivamente. Dessa forma, nas medidas cautelares, segundo o mestre, mais que a
“finalidade de atuar o direito, existe a finalidade imediata de assegurar a eficácia prática da
providencia definitiva”6 .
Contudo, “a opinião de Carnelutti, sem dúvida a mais avançada sobre o tema de tutela
cautelar, sofreu sensível mutação ao longo de sua obra. Inicialmente entendeu que a ação
cautelar produzia “a sistematização de fato durante a lide”7. Depois passou a concebê-la como
uma “composição provisória da lide”. Mais tarde esse entendimento foi substituído pelo de
que o processo cautelar “serve à tutela do processo”, como instrumento não só para garantir
“a utilidade prática do processo definitivo”.
Por fim, aperfeiçoou a concepção do processo cautelar, concluindo que sua finalidade
é assegurar “o equilíbrio inicial das partes”, isto é, a tutela cautelar destina-se a “evitar no
limite do possível, qualquer alteração no equilíbrio inicial das partes, que possa derivar da
duração do processo”. Destacou, outrossim, o grande processualista, com rigor científico, a
5 CHIOVENDA, op. cit. p. 274.6 CALAMANDREI apud VILLAR, Castro. Medidas cautelares. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 53.7 CARNELUTTI apud THEODORO JÚNIOR, Humberto, op. cit., p. 52-53.
14posição do processo cautelar como destinado a realizar um dos fins da jurisdição – a
prevenção – figurando, assim, como um tertium genus do processo contencioso, ao lado do
processo de cognição e do processo de execução.
De tal arte, Carnelutti conseguiu libertar a tutela cautelar da imprópria conceituação de
que seria ela antecipação provisória da tutela definitiva, mesmo porque tal afirmação, por si
só, é insuficiente para explicar a razão de ser ou a finalidade ultima da cautela: por que
merece ser antecipada a tutela de mérito, se não se sabe, ainda, se a parte faz juz, realmente, à
proteção substancial? Essa explicação que encontrou com precisão foi, sem dúvida, o notável
Carnelutti, ao colocar o processo cautelar como instrumento de realização da tutela
jurisdicional, isto é, como meio hábil para garantir o exercício eficiente do monopólio da
Justiça.
Assim, para Carnelutti, a tutela cautelar existe não para assegurar antecipadamente um
suposto e problemático direito da parte, mas para tornar realmente útil e eficaz o processo
como remédio adequado à justa composição da lide”8. Nesta esteira é que se desenvolveu, até
os dias atuais, toda a problemática do processo cautelar.
8 THEODORO JÚNIOR, Humberto,op. cit., p 53.
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CAPÍTULO 2. CARACTERÍSTICAS DAS MEDIDAS CAUTELARES
Ao se analisar as principais peculiaridades do processo cautelar, deve-se, de início,
refletir se existe ou não um efeito satisfativo inserido nas pretensões cautelares.
O eminente professor Ovídio Baptista da Silva, em monografia específica sobre a
matéria, defende a existência de um direito substancial de cautela, invocando as lições de
Allorio e Pontes de Miranda, concluindo pela existência do caráter satisfativo da medida. “Se
devemos aceitar a autonomia da tutela cautelar, referindo-a não ao direito cautelado, mas a
uma situação objetiva de perigo, cremos que nos será lícito dizer que a ação assecurativa
protege sem satisfazer9.
Há um interesse de direito material que é satisfeito, qualquer que seja o resultado do
chamado processo principal; se devemos afirmar a existência de uma “res in judicium
deducta” da ação cautelar, somos levados a supor que essa tutela direta e imediata
correspondente à pretensão à segurança, tenha uma peculiar função satisfativa enquanto
atende a pressupostos específicos e acerta, de modo definitivo, sobre a “res in judicium
deducta”10.
Portanto, bastante razoável aceitar tal efeito sobre esta ótica, podendo ser considerado
como uma característica específica do processo cautelar.
Agora, como características amplamente reconhecidas do processo cautelar, podemos
citar a instrumentalidade, a provisoriedade, a revogabilidade e a autonomia.
Considerando que o processo cautelar tem por objetivo assegurar o bom resultado do
processo principal, podemos afirmar que ele tem natureza instrumental.
9 SILVA,Ovídio Batista da. Ações cautelares e o novo processo civil.São Paulo: Saraiva, 1974, p. 35-36.10 Ibidem, p. 32.
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A medida cautelar também está revestida da nota da provisoriedade, uma vez que seu
provimento não se reveste de caráter definitivo, já prevendo que seu fim está ligado ao
provimento definitivo.
Como a medida cautelar serve para prevenir uma situação de perigo, uma vez que o
risco venha a desaparecer, justificável a revogação ou modificação da medida, decorrendo
disso a sua revogabilidade.
A inegável autonomia do processo cautelar está vinculada ao seu fim, ao objetivo que
é almejado. Seu procedimento, por mais que esteja ligado ao provimento definitivo postulado
no processo principal, ocorre independentemente deste, possuindo uma função própria.
Contudo, podemos ainda extrair da medida cautelar outras características inerentes à
sua função. Como bem descreve o professor Luiz Guilherme Marinoni, em sua obra sobre a
tutela cautelar e antecipatória, pode-se enumerar outras características, tais como a urgência, a
preventividade, a sumariedade formal e material, a aparência, e a fungibilidade das medidas11.
Urgente porque se não existir tal característica, desnecessária a própria medida
cautelar. Preventiva é uma característica inerente ao processo cautelar uma vez que se busca
assegurar algo atempadamente. A sumariedade, tanto formal como material, é traço
indispensável para que a medida cautelar atinja a sua efetividade, seu procedimento deve
ocorrer de forma abreviada, e a análise do direito deve se dar de forma superficial.
A tutela cautelar tem como pressuposto o “fumus boni iuris”, ou seja, a aparência do
bom direito, devendo ser considerado como limite caracterizador deste tipo de tutela pois, se
tivermos mais que uma aparência, poderemos afirmar da desnecessidade da própria cautelar,
uma vez que o processo de cognição exauriente poderá ser deflagrado. Com relação à
fungibilidade das medidas cautelares, podemos afirmar que, como leciona o ilustre prof.
11 MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela antecipatória e julgamento antecipado da lide. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 72.
17Donaldo Armelin, “o juiz não está adstrito rigorosamente ao pedido da parte porque não se
cuida de direito material tutelável engastado no patrimônio do requerente”, mas sim de
garantir a eficácia do instrumento da prestação jurisdicional satisfativa, podendo, desta forma,
adequar ao pedido a tutela necessária.
Como pode-se observar, vários são os traços que distinguem a medida cautelar,
podendo-se afirmar, desde já, que esta tem papel preponderante na aplicação da verdadeira
Justiça.
2.1 Requisitos Específicos das Medidas Cautelares
Para que a tutela cautelar possa ser invocada e admitida, deverá ela preencher, além
das condições de qualquer ação, condições específicas. Tais requisitos, que se acham
consagrados uniformemente pela doutrina, costumam ser identificados nos conceitos de
“fumus boni iuris” e do “periculum in mora”.
Entende Calamandrei que o fim do processo cautelar é a antecipação dos efeitos da
providência definitiva, antecipação que se faz para prevenir o dano que pode advir da demora
natural da solução do litígio. Dada a urgência da medida preventiva, não é possível o exame
pleno do direito material do interessado, mesmo porque isto é objetivo do processo principal e
não do cautelar. Para a tutela cautelar, portanto, basta a provável existência de um direito a ser
tutelado no processo principal. E nisto constituiria o “fumus boni iuris”12.
Entretanto, segundo visão mais moderna, a presença do “fumus boni iuris”, ultrapassa
esta conceituação para concluir que a verificação que o juiz tem que fazer não está adstrita à
probabilidade da existência do direito material, mas sim à verificação efetiva de que
realmente a parte dispõe do direito de ação, direito ao processo principal a ser tutelado. 12 THEODORO JÚNIOR, Humberto,op. cit., p. 1976, p. 74.
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Quanto ao “periculum in mora”, segundo o entendimento de Liebman, “para a
obtenção da tutela cautelar, a parte deverá demonstrar fundado temor de que, enquanto
aguarda a tutela definitiva, venham a faltar as circunstâncias de fato favoráveis à própria
tutela”13. Deve-se lembrar, ainda, que a avaliação deste perigo, que tem de ser fundado, se
dará também de forma sumária e rápida, pois não se admite, pela própria natureza da medida,
a produção de prova exaustiva quanto à existência do perigo.
2.2 Classificação das Medidas Cautelares
Ao tratar da classificação a ser imposta sobre as medidas cautelares, encontramos
vários desencontros entre os doutrinadores, não só em razão da disparidade de fins que cada
um atribui à sua função, mas principalmente em virtude dos contornos imprecisos que cada
legislação atribui ao quadro prático das medidas cautelares do direito positivo de cada nação.
Para Calamandrei, as medidas cautelares devem ser dividas em quatro espécies:
a) Providências instrutórias antecipatórias, destinadas a assegurar provas;
b) Providências destinadas a assegurar o resultado prático de uma futura execução
forçada, cujo objetivo primordial é o de evitar a dispersão dos bens sobre que deve incidir a
execução;
c) Providências que decidem provisoriamente uma situação controvertida, com as
quais se procura evitar o advento de um dano irreparável em razão da demora na obtenção da
providência definitiva;
13 THEODORO JÚNIOR, Humberto, op. cit., p. 1976, p. 75.
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d) Providências cuja finalidade consiste na imposição de uma caução, que são
dirigidas a assegurar os eventuais danos que a concessão de outra medida cautelar possa
eventualmente acarretar para a parte contrária.
Já Carnelutti, em sua última análise do processo cautelar, classificou-as como:
a) Processo cautelar inibitório: quando a medida visa impedir a mutação de uma
situação;
b) Processo cautelar restitutório: quando a medida procura eliminar uma alteração da
situação já ocorrida;
c) Processo cautelar antecipatório: quando a medida importa antecipação da mutação
provável ou possível da situação das partes.
Para Zanzuchi a melhor classificação é a que leva em conta o objetivo visado, sendo
distribuída em:
a) Medidas que visam assegurar um estado de fato com vistas à futura execução
forçada ou à cognição;
b) Medidas que visam a por em prática preventivamente certas providências que,
realizadas mais tarde, careceriam de oportunidade e que, em suma, tendem a dar satisfação
antecipada ao direito controvertido;
c) Medidas que tendem a assegurar preventivamente a igualdade em que as partes
devem ser mantidas no processo ou a conservar a situação que devem gozar pelo fato de estar
na posse da coisa que se discute, ou a retificar, por razões de interesse social aquela que, em
última análise, poderia redundar em prejuízo de uma das partes.
Na visão de Rosenberg, a tutela cautelar se classifica em:
a) o arresto, como meio de assegurar futura execução por quantia certa;
b) medidas provisionais de segurança para garantir a realização de um direito, diverso
da dívida de dinheiro;
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c) medidas cautelares para regular um estado provisional, diante de uma relação
jurídica controvertida.
Uma classificação bastante difundida é a de Ramiro Podetti que considera a finalidade
e o objeto sobre o qual deve incidir o provimento, dividindo-os em três espécies:
a) Medidas para assegurar bens, compreendendo as que visam a garantir uma futura
execução forçada e as que apenas procuram manter um estado de coisa;
b) Medidas para assegurar pessoas, compreendendo providências relativas à guarda
provisória de pessoas e as destinadas a satisfazer suas necessidades urgentes;
c) Medidas para assegurar provas, compreendendo antecipação de coleta de elementos
de convicção a serem utilizados na futura instrução do processo principal.
A legislação processual civil brasileira, com relação ao momento de sua propositura,
divide as medidas cautelares em:
a) medidas cautelares preparatórias, sendo aquelas que são propostas antes da
propositura da ação principal;
b) medidas cautelares incidentais, compreendendo aquelas que são propostas já no
curso da ação principal, ou seja, durante o tramite da ação principal.
E no que diz a sua forma, o nosso código de Processo Civil distribuiu as medidas
cautelares em seu texto, classifica-as em:
a) medidas cautelares típicas ou nominadas, que englobam as medidas cautelares já
previstas pelo Código;
b) medidas cautelares atípicas ou inominadas, que prevêem a possibilidade de
surgimento de provimentos cautelares ainda não previstos pela legislação, que dependerão da
aplicabilidade do poder geral de cautela previsto ao magistrado.
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A presente pesquisa abordará, utilizando a primeira forma de classificação prevista por
nossa legislação processual em vigor, aspectos relativos às inovações previstas para as
denominadas tutelas antecipatórias.
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CAPÍTULO 3. TUTELAS CAUTELARES E TUTELAS ANTECIPATÓRIAS
A discussão que ora se apresenta parte da análise da hipótese de se admitir ou não que
uma medida cautelar possa alcançar um efeito satisfativo.
Foi a necessidade de se receber uma tutela jurisdicional efetiva face à existência de um
perigo que lhe comprometa é que levou a utilização da tutela cautelar como uma forma de se
atingir antecipadamente a satisfação pretendida via do processo principal. Contudo, desde já,
é certo dizer que a medida cautelar não pode ser satisfativa.
Como bem explica o prof. Luiz Rodrigues Wambier, “a expressa satisfatividade pode
ter uma série de sentidos, dos quais três são os importantes:
a) a satisfatividade pode consistir na coincidência entre o provimento principal e o
cautelar. Esta coincidência só pode haver no plano empírico, pois, juridicamente, a cautelar é
sempre provisória;
b) a satisfatividade pode referir-se à irreversibilidade dos efeitos da medida no plano
empírico;
c) a satisfatividade pode significar a prescindibilidade da ação principal.
A característica b, de regra, não pode mesmo estar presente se de processo cautelar se
trata, já que se trata de decisão proferida com base em “fumus” e, portanto, não deixaria
produzir efeitos insuprimíveis do mundo fático.
Todavia, ainda que a medida a ser concedida seja irreversível, mas seja a única forma
de proteger o direito provável do autor, deve-se concede-la, pois se deve sacrificar o direito
eventual (não provado) da outra parte em função da necessidade de proteger um direito que
aparenta ser bom, o do autor. Este é o princípio da proporcionalidade, a respeito do qual
23discorre a boa doutrina. Quanto às características a e c, não nos parecem façam desaparecer o
caráter da medida, ainda que presentes”14.
Afirma Luiz Guilherme Marinoni que “é imprescindível que a tutela não satisfaça a
pretensão própria do “processo principal” para que possa adquirir o perfil de cautelar”.
Continua o professor dizendo que “a sentença cautelar, realmente, não pode antecipar os
efeitos próprios da sentença do processo principal. Deveras, como escreveu Donaldo Armelin,
uma das formas de distorção do uso da tutela cautelar, “verifica-se sempre que se dá ao
resultado de uma prestação de tutela jurisdicional cautelar uma satisfatividade que não pode
ter”15.
Contudo, entende-se que tal discussão deve ir mais além. É evidente que uma
declaração judicial que gera um efeito satisfativo está adentrando no campo material, objeto
de discussão a ser apreciado via procedimento cognitivo ou de execução. Mas não se pode
negar que, caso ocorra a distorção salientada por Armelin, por mais que a tutela se dispa da
roupagem de uma medida cautelar, não deixa de atingir o seu objetivo, ou seja, o de acautelar
um suposto direito arraigado de probabilidade.
Tais distorções geraram em nosso ordenamento jurídico uma alteração substancial, e
de suma relevância, para a distribuição da prestação jurisdicional no menor espaço de tempo
possível, conseguindo atender, de início, o clamor do jurisdicionado por uma Justiça rápida e
eficaz.
Arruda Alvim sustenta que:
há uma tendência universal, também verificada no Brasil, no sentido de, por meio da lei, engendrarem-se institutos com essa finalidade de precipitar no tempo a satisfação da pretensão. A decisão proferida dentro de um sistema, mais célere, em que se prescinda da audiência, sem lesão às partes, corresponde à ambição generalizada de uma Justiça mais célere. A demora dos processos é um mal
14 WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso avançado de processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, P. 34.15 MARINONI, Luiz Guilherme, op. cit.,p. 77.
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universal. Essa tendência continuada dos legisladores, de tentarem agilizar a Justiça, tem sido a resposta correspondente ao grande aumento do acesso à Justiça, mercê do qual o aparato estatal tradicional, seja tendo em vista o seu tamanho, a sua eficiência, não tem logrado atender com a rapidez desejável. As motivações decorrente do tema do acesso à Justiça tendo em vista o tempo gasto no processo –maior ou menor interregno verificado entre a consumação da lesão a determinado patrimônio jurídico e sua recomposição – são as que informam basicamente a tutela antecipatória do art. 27316.
Buscando esta tão desejada prestação jurisdicional, o legislador brasileiro introduziu
em nosso Código de Processo Civil, mais especificamente no Título VII (Do Processo e do
Procedimento), Capítulo I (Das Disposições Gerais), artigo 273, a denominada tutela
antecipatória. Diz o referido artigo que “o juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar,
total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo
prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e: I – haja fundado receio de
dano irreparável ou de difícil reparação; ou II – fique caracterizado o abuso de direito de
defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu”.
Pois bem, poder-se-ía iniciar a discussão analisando se a antecipação de tutela,
prevista no referido art. 273 do CPC brasileiro, tem características de cautelar ou não. Sem
embargo dos que meditam sobre o assunto, achamos tal discussão de menor relevância.
Acreditamos sim ter traços de cautelar o citado procedimento, uma vez que garante a eficácia
da sentença almejada. Contudo, estamos analisando a hipótese de se antecipar o mérito, a
questão de fundo, e não simplesmente a garantia do processo principal.
A prof. Teresa Arruda Alvim Wambier17, em trabalho sintético, porém, de profunda
reflexão, assevera que “a antecipação de tutela vem prevista no art. 273 do CPC, com a sua
nova redação, determinada pela Lei 8.952/94. Trata-se de uma das mais expressivas e
polêmicas inovações trazidas por aquilo que se convencionou chamar de A Reforma do CPC.
16 ALVIM, Arruda. Manual de direito processual civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, vol. 3, p. 384.17 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Da liberdade do juiz na concessão de liminares e a tutela antecipatória. Aspectos polêmicos da antecipação de tutela. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 257.
25Quer na hipótese de aplicação do inc. I, quer na do inc. II, é necessário que a parte apresente
prova inequívoca da verossimilhança das alegações que faz.
O juiz, pois, para conceder ou não o pedido formulado pelo autor no sentido de que
sejam antecipados os efeitos da tutela pretendida, ou alguns deles, deve verificar se os
requisitos previstos no art. 273 e em seus incisos, ou num deles, estão presentes na situação.
Trata-se de uma inovação corajosa, em que o legislador assumiu o risco de permitir
que o juiz profira decisão com base em prova não exauriente.
O conceito de prova não exauriente (fumus boni iuris ou prova quantum satis) é
correlato ao de cognição sumária ou superficial. Nestas hipóteses, o juiz tem uma forte
impressão de que o autor tem razão mas não certeza absoluta, como ocorre na cognição
exauriente18.
Esse risco é, por assim dizer, compensado com a exigência expressa e explícita no
sentido de que a decisão, que concede a medida, seja fundamentada de modo claro e preciso e
de que também o seja a decisão que modifique ou revogue aquela anteriormente proferida
(art. 273, §§ 1o e 4o).
Hoje, à luz dos valores e das necessidades contemporâneas, se entende que o direito à
prestação jurisdicional é o direito a uma prestação efetiva e eficaz. Na verdade, pouco importa
se tenha sido concedida por meio de sentença transitada em julgado.
É, de fato, interessante observar que um mesmo princípio jurídico possa comportar
diferentes leituras, possa ter diversos significados ao longo do tempo.
Continua a professora dizendo que:
18 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, op. cit., p. 258.
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a função da tutela antecipatória é a de tornar a prestação jurisdicional efetiva. A necessidade dessa efetividade é a contrapartida que o Estado tem que dar à proibição da autotutela. A função da tutela cautelar é a de gerar tutela jurisdicional eficaz. Na clássica definição de Chiovenda, tem-se que o processo será efetivo se for capaz de proporcionar ao credor a satisfação da obrigação como se ela tivesse sido cumprida espontaneamente e, assim, dar-se ao credor tudo aquilo a que ele tem direito. A eficácia do provimento jurisdicional é a possibilidade de a decisão produzir transformações no mundo empírico, no plano real e concreto dos fatos, com o objetivo de gerar a satisfação do credor19.
Portanto, pode-se concluir que também a tutela cautelar tem fundamento
constitucional. É intuitivo que garantir às pessoas a tutela jurisdicional e prestar-lhes tutela
inefetiva e ineficaz é quase que o mesmo que não prestar a tutela. A tendência vem sendo, ao
longo do tempo, e principalmente nos últimos 30 anos, a de criar meios para que o processo
possa gerar resultados mais rapidamente.
As alterações introduzidas no CPC pela reformar envolvem, sem dúvida, certa dose de
risco. A tutela antecipada, tal qual esculpida no art. 273 do CPC, consiste indubitavelmente
numa das alterações mais importantes introduzidas pela Reforma do CPC.
Desta forma, exige-se, para antecipação de tutela, uma veemente aparência de bom
direito, somada, no caso do art. 273, I, ao periculum in mora, ou seja, ao perigo de que, não
sendo concedida a medida, venha a decisão final a ser ineficaz, ou haja grande risco de isto
ocorrer. No caso do art. 273, II, exige-se, ao lado do fumus boni iuris, que haja defesa
protelatória ou abuso do direito de defesa. Trata-se de uma quase inexorabilidade diante da
situação de uma real prova inequívoca da verossimilhança do direito.
Tentando traçar as diferenças e semelhanças entre a tutela cautelar e a tutela
antecipatória, pode-se dizer que “trata-se de tutela satisfativa no sentido de que o que se
concede ao autor liminarmente coincide, em termos práticos e no plano dos fatos (embora
reversível e provisoriamente), com o que está sendo pleiteado.
19 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, op. cit., p. 280.
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É importante que se observe que expressão satisfatividade comporta vários sentidos.
Um deles é o que se mencionou acima. Outro diz respeito à irreversibilidade da medida
concedida, no plano empírico. Outro, ainda, está ligado a prescindibilidade da ação principal
(ou de outra decisão, posterior, que confirme ou infirme a medida concedida).
Só no primeiro sentido é que se pode considerar satisfativa a tutela antecipatória. A
decisão interlocutória, através da qual o juiz antecipa os efeitos da tutela pleiteada, é
provisória, baseada em cognição sumária e passível de ser posteriormente confirmada ou
infirmada.
O art. 273 contem duas expressões aparentemente inconciliáveis, mas que não querem
senão dizer que o fumus, para que possam ser adiantados os efeitos da sentença final, há de
ser mais robusto, mais veemente, mais expressivo do que aquele exigido para a concessão de
liminar em ação cautelar.
E a razão evidente dessa diferença de graus consiste em que o caráter de
excepcionalidade das decisões liminares, através das quais se concede tutela antecipatória no
processo de conhecimento, parece ser efetivamente muito mais acentuado do que os das
decisões liminares proferidas no bojo de ações cautelares.
A probabilidade de que o autor tenha mesmo o direito que assevera ter há de ser
bastante acentuado para que possa ser concedida a tutela antecipatória. Disse o legislador que
da verossimilhança deve haver prova cabal (não do direito).
Trata-se, todavia, de cognição sumária, incompleta, não exauriente. Este é o principal
ponto em comum entre ambas as medidas, a cautelar e a antecipatória de tutela.
Como traço distintivo predominante não temos dúvida de que este reside no
pressuposto e na correlata finalidade da medida cautelar: seu pressuposto é o periculum in
mora (risco de dano à eficácia da providencia pleiteada), e sua finalidade ou função é a de
28evitar ou a de minimizar este risco. A tutela antecipatória pressupõe direito que, desde logo,
aparece como evidente e que por isso deve ser tutelado de forma especial pelo sistema.
Existe, todavia, um outro critério de que freqüentemente tem lançado a doutrina que,
no nosso entender, não é o principal. É justamente o da satisfatividade (no sentido da
coincidência entre a providência adiantada e aquilo que de fato se quer, isto é, o mérito).
Medida tipicamente cautelar é aquela em que se concede providência consistente em
pressuposto para a viabilização da eficácia da ação principal ou do provimento final, e não a
própria eficácia. Não são medidas coincidentes com o que se pleiteia afinal o arresto ou o
seqüestro. São, portanto, segundo esse critério, medidas cautelares.
Pode ocorrer, todavia, que a antecipação dos próprios efeitos da sentença seja
pressuposto para sua própria eficácia.
O art. 273, I, indubitavelmente introduziu em nosso sistema um tipo de tutela
antecipatória com feições nitidamente cautelares, pois que, embora de exija, para a sua
concessão, fumus robusto, reforçado, veemente, se requer também que haja perigo de eficácia
do pronunciamento final, pressuposto que corresponde à função cautelar.
O art. 273, II, consagra hipótese de tutela antecipatória pura: exige-se só o fumus. Na
verdade, defesa protelatória ou abuso de direito de defesa nada mais são do que circunstâncias
que vem a reforçar o fumus: os argumentos do autor são tão sólidos e tão convincente é a
prova documental juntada à inicial que a defesa não pode ser senão protelatória ou abusiva.
Portanto, tem-se que, tanto com base no n. I quanto com fulcro no n. II, pode a tutela
antecipada ser concedida inaldita altera parte. Pode, a fortiori, ser concedida depois da
contestação e, na verdade, a qualquer tempo, até na própria sentença, o que deve equivaler, no
plano prático, a uma decisão judicial no sentido de que a apelação não seja recebida no efeito
suspensivo, passando a sentença a produzir, desde logo, efeitos.
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Essa necessidade surge, por exemplo, no caso de a tutela antecipatória ser concedida
com base no art. 273, II, após a contestação, e de ser uma hipótese de julgamento antecipado
da lide, em que não deve haver audiência e o juiz deve, logo, sentenciar.
A tutela antecipada, embora, ao que tudo indica, deva ser instituto predominantemente
usado no 1o grau de jurisdição, pode ser concedida no tribunal, se já tiver sido proferida a
sentença de 1o grau de jurisdição.
No entendimento de Luiz Rodrigues Wambier, ainda que esta hipótese não venha a ser
comum, não vemos óbice a que se possa conceder a tutela antecipada no tribunal, tendo em
vista seus pressupostos e a sua finalidade”20.
Humberto Theodoro Júnior sustenta que a antecipação de tutela aplica-se, em tese, “a
qualquer procedimento de cognição, sob a forma de liminar deferível sem necessidade de
observância do rito das medidas cautelares. O texto do dispositivo legal em questão (art. 273
do CPC) prevê que a tutela antecipada, que poderá ser total ou parcial em relação ao pedido
formulado na inicial, dependerá dos seguintes requisitos:
a) requerimento da parte;
b) produção de prova inequívoca dos fatos arrolados na inicial;
c) convencimento do juiz em torno da verosimilhança da alegação da parte;
d) fundado receio do dano irreparável ou de difícil reparação; ou
e) caracterização de abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do
réu; e
f) possibilidade de reverter a medida antecipada, caso o resultado da ação venha a ser
contrário à pretensão da parte que requereu a antecipação satisfativa.
20 Luiz Rodrigues Wambier, op. cit., p. 352.
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Tanto a medida cautelar propriamente dita (objeto da ação cautelar) como a medida
antecipatória (objeto de liminar na própria ação principal) representam providências, de
natureza emergencial, executiva e sumária, adotadas em caráter provisório.
O que, todavia, as distingue, em substância, é que a tutela cautelar apenas assegura
uma pretensão, enquanto que a tutela antecipatória realiza de imediato a pretensão. A
antecipação de tutela somente é possível dentro da própria ação principal. Já a medida
cautelar é objeto de ação separada, que pode ser ajuizada antes da ação principal ou no seu
curso. Urge, pois, não confundir o regime legal das medidas cautelares (sempre não-
satisfativas) com o das medidas liminares de antecipação de tutela (de caráter satisfativo
provisório por expressa autorização da lei).
O prof. José Frederico Márquez afirma que, com a aplicação da regra do art. 273 do
CPC,
“o que se opera é a antecipação mesma dos efeitos da tutela pretendida pelo
demandante, realizando-se em momento procedimental prévio o direito objetivo que, não
fosse esse mecanismo, somente na fase executória do provimento jurisdicional se operaria.
Por isso mesmo, quem a invoca não se posiciona no pleito de medida que impeça o
perecimento do direito, ou que lhe assegure a possibilidade de exerce-lo no futuro. É que essa
antecipação dos efeitos da tutela, diversamente, já proporciona à parte o exercício imediato do
conteúdo do próprio direito por ela deduzido em juízo. Destarte, desde que preenchido os
pressupostos traçados nos incs. I e II, e no § 2o, a contrário sensu, do art. 273 do Código de
1973, poderá o legitimado ativo obter antecipadamente os efeitos do provimento jurisdicional
de mérito. Não será provimento jurisdicional liminar acautelatório, mas provimento decisório
31antecipatório do provimento sentencial, com idêntico ou menor teor quanto à matéria fática,
com o discrime único na provisoriedade21
Portanto, e como sustenta Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery, a tutela
antecipatória é, com relação aos efeitos da sentença de mérito “providência que tem natureza
jurídica mandamental, que se efetiva mediante execução lato sensu, com o objetivo de
entregar ao autor, total ou parcialmente, a própria pretensão deduzida em juízo ou os seus
efeitos. É tutela satisfativa no plano dos fatos, já que realiza o direito, dando ao requerente o
bem da vida por ele pretendido com a ação de conhecimento.
Com a instituição da tutela antecipatória dos efeitos da sentença de mérito no direito
brasileiro, de forma ampla, não há mais razão para que seja utilizado o expediente das
impropriamente denominadas ‘cautelares satisfativas’, que constitui em si uma contradictio in
terminis, pois as cautelares não satisfazem: se a medida é satisfativa, é porque, ipso facto, não
é cautelar. É espécie do gênero tutelas diferenciadas22.
Assim, claro ficou a diferença existente entre a tutela cautelar e a tutela antecipatória
ora prevista pela legislação brasileira.
3.1 FUNGIBILIDADE
A respeito do tema, não se pode deixar de mencionar a grande última novidade do
nosso Código de Processo Civil no que tange a Tutela Antecipatória do Mérito e a Medida
Cautelar.
Trata-se de substancial alteração no instituto da tutela antecipada, visto que o § 7º,
introduzido pela Lei nº 10.444/02, estabelece a fungibilidade entre a tutela antecipada e a
21 MÁRQUEZ, José Frederico. Código de processo civil comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 546.22 Ibidem,p. 547.
32medida cautelar. A partir de agora, o causídico não precisará ter receio em requerer uma tutela
em lugar de outra, uma vez que, conforme a novel redação do art. 273, § 7º, do Código
Processual Civil, fica autorizado ao órgão julgador conhecer e deferir a medida cautelar no
caso do autor requerer a antecipação de tutela quando, na verdade, é cabível a tutela cautelar,
desde que, obviamente, estejam presentes os pressupostos legais e imprescindíveis para a
concessão do provimento.
Assim, basta que o advogado tenha se equivocado ao pedir uma medida cautelar
dentro de um processo de conhecimento, atribuindo-lhe o rótulo de “tutela antecipada”. Isto
fará com que o juiz, analisando tal requerimento e verificando que a medida pretendida tem a
natureza cautelar, e, ainda estando presentes os requisitos desta, deverá concedê-la.
É necessário salientar que alguns doutrinadores pátrios têm entendido que este
parágrafo veio, praticamente, mitigar a aplicabilidade do processo cautelar na atividade
jurisdicional, pois é muito mais conveniente, cômodo e barato utilizar a antecipação da tutela.
Depreende-se, portanto, que, no tocante ao ponto de vista processual, não há óbice
algum no conhecimento de um pedido de liminar como antecipação de tutela ou como medida
cautelar, haja vista que o que define a natureza jurídica do pedido é a essência da pretensão
deduzida em juízo e não o eventual nomem juris que o requerente tenha, porventura, atribuído
em sua peça. Assim, cumpre ao magistrado, com lastro na instrumentalidade, na efetividade
do processo e na fungibilidade que tem sua razão de ser apenas na realização efetiva dos
direitos, conhecer do pedido segundo a sua natureza jurídica em função da essência do que é
postulado e não pelo rótulo que vem externando, uma vez que no ordenamento jurídico
brasileiro não há a chamada tipicidade de ações.
Em outras palavras, a regra do § 7º do artigo 273, proíbe ao juiz indeferir uma medida
cautelar sob o fundamento de que ela deveria ter vindo através de processo autônomo, bem
como indeferir tutela sumária satisfativa sob o fundamento de que esta não deve ser postulada
33em demanda autônoma. Não se pode negar o quanto importante foi essa modificação, a luz da
Celeridade e Eficiência da prestação jurisdicional que hoje tanto são buscadas.
3.2 POSSÍVEIS DESDOBRAMENTOS
Estando bastante claro que a tutela antecipatória prevista pela legislação brasileira não
se confunde com a tutela cautelar, uma vez que requerida pela parte, e preenchendo os
requisitos específicos, o julgador estará deferindo, de imediato, a possibilidade deste
postulante receber os efeitos da sentença que sentiria somente após o julgamento do mérito,
podemos desenvolver alguns raciocínios.
Se este tipo de tutela diferenciada veio a responder os anseios de uma sociedade que
clama por uma Justiça rápida, e sendo que este instituto permite ao jurisdicionado
experimentar conseqüências de seu direito postulado logo no início ou no curso de um
processo cognitivo, podemos imaginar que no âmbito das medidas cautelares, presenciaremos
uma alteração substancial no que se refere ao momento da propositura destas cautelares.
Sabe-se que as medidas cautelares podem ser propostas antes da ação de conhecimento
ou de execução, ou no seu curso. Contudo, se possível postular a antecipação de tutela
prevista pelo art. 273 do CPC brasileiro em qualquer momento do processo principal, até
mesmo após a sentença ou em grau de recurso, não verificaremos a necessidade de utilização
das medidas cautelares incidentais. Se tornarão, com o passar do tempo, de pouca utilização
prática. Caso haja necessidade de se assegurar uma situação de perigo durante o curso do
processo de conhecimento ou de execução, o postulante o poderá faze-lo via pedido de
antecipação de tutela.
34
E mais, se possível este requerimento em qualquer momento do procedimento
cognitivo, podemos considerar que poderá ser formulado por qualquer um dos litigantes,
desde que preenchidos os requisitos indispensáveis para a sua autorização, vez que a Lei
concede este direito à parte.
Concluindo, toda a busca realizada no sentido de dar ao cidadão uma Justiça mais
célere, via de inovações introduzidas em nosso ordenamento, desde que não atue sobre a
segurança jurídica, é proveitosa. Evidentemente, a novidade demanda de um certo tempo para
se verificar ser ela proveitosa ou não. Oxalá tenhamos certeza, amanhã, de que este tipo de
tutela diferenciada tenha vindo para ficar, a fim de prestar seus serviços ao Direito e a Justiça.
CONCLUSÃO
A antecipação da tutela ingressou no ordenamento jurídico nacional para purificar o
processo cautelar - antes utilizado indiscriminadamente para assegurar o direito, sem
satisfazê-lo, bem como para obtenção de medidas satisfativas de antecipação do mérito - de
sorte que, desde a sua vigência, a ação cautelar se destinará exclusivamente às medidas
cautelares típicas.
Não teria sentido que o legislador inserisse no mundo jurídico um instrumento
processual sem uma finalidade própria. Daí ser intuitiva a distinção, seja quanto aos
pressupostos, seja quanto à finalidade, entre antecipação da tutela e liminar em cautelar.
A tutela antecipada (de natureza cautelar - art. 273, I, do CPC) tem como requisitos,
a exemplo das liminares em cautelar, o fundado receio de dano irreparável ou difícil
reparação e a urgência do provimento, exigindo, além disso, prova que leve à quase certeza
do direito alegado, e se destina não apenas a assegurar o resultado útil de outro processo, mas
35a realização imediata do próprio direito material reivindicado, em caráter provisório. E nesse
ponto repousa sua característica fundamental.
Essa poderosa arma contra os males corrosivos do tempo no processo, traz em si a
possível natureza cautelar, e, embora não se confunda com as medidas cautelares, pode e
deve ser recebida como cautelar incidental, uma vez não satisfeitos os requisitos da
antecipação da tutela, uma vez que a lei 10.444/2002 acrescentou o § 7º ao artigo 273 e
trouxe a Fungibilidade. Augura-se que essa nova regra, seja o primeiro passo na formação de
uma nova cultura jurídica, que dispense a formação de dois processos (cognitivo e cautelar)
para que se obtenha um resultado que pode ser alcançado em um único processo.
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REFERÊNCIAS
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CALAMANDREI apud VILLAR, Castro. Medidas cautelares. Riod e Janeiro: Forense, 1999.
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MÁRQUEZ, José Frederico. Código de processo civil comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.
PASSOS, J.J.Calmon de. Comentários ao código de processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1984.
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WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso avançado de processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
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