fungibilidade recursal no processo civil brasileiro

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FACULDADE UNYLEYA CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PROCESSUAL CIVIL JOSÉ AUGUSTO TOMÉ BORGES FUNGIBILIDADE RECURSAL NO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO: REQUISITOS E HIPÓTESES DE SUA APLICAÇÃO NO ÂMBITO DO STF E DO STJ Brasília DF 2019

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Page 1: FUNGIBILIDADE RECURSAL NO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO

FACULDADE UNYLEYA CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PROCESSUAL CIVIL

JOSÉ AUGUSTO TOMÉ BORGES

FUNGIBILIDADE RECURSAL NO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO: REQUISITOS E HIPÓTESES DE SUA APLICAÇÃO NO ÂMBITO DO

STF E DO STJ

Brasília – DF 2019

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JOSÉ AUGUSTO TOMÉ BORGES

FUNGIBILIDADE RECURSAL NO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO: REQUISITOS E HIPÓTESES DE SUA APLICAÇÃO NO ÂMBITO DO

STF E DO STJ

Artigo apresentado à Faculdade UnyLeya como requisito parcial para obtenção do título de especialista em Direito Processual Civil. Orientador: Prof. Esp. Manuel Maia Jovita

Brasília – DF 2019

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Dedico a todos os que me ajudaram nesta caminhada constante rumo ao crescimento profissional e, de igual maneira, a todos que desejam aprofundar os seus conhecimentos no âmbito do direito processual civil brasileiro.

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Resumo: O presente artigo se propõe ao estudo das mudanças ocorridas no ordenamento jurídico pátrio a partir da entrada em vigor da Lei nº 13.105/2015, atual Código de Processo Civil Brasileiro, a respeito da fungibilidade recursal. Por meio de breve compilação do conteúdo expresso na legislação brasileira, do posicionamento da doutrina processualista e da jurisprudência das Cortes Superiores de uniformização da jurisprudência nacional (STF e STJ), é possível compreender quais são os requisitos e as hipóteses de aplicabilidade da fungibilidade dos recursos no âmbito das referidas cortes em matéria cível.

Palavras-chave: Fungibilidade. Recursos. Legislação. Doutrina. Jurisprudência. Processo civil. Requisitos. Hipóteses. STF. STJ. Abstract: This article proposes to study the changes that have taken place in the Brazilian legal system since the entry into force of Law no. 13.105 / 2015, current Brazilian Civil Procedure Code, regarding fungibility of appeals. By means of a brief compilation of the contents expressed in the Brazilian legislation, the positioning of procedural doctrine and the jurisprudence of the Superior Courts of uniformity of the Brazilian jurisprudence (STF and STJ), it is possible to understand what the requirements and hypotheses of applicability of the fungibility of the appeals in the scope those courts in civil matters

Keywords: Fungibility. Appeals. Legislation. Doctrine. Jurisprudence. Civil procedure. Requirements. Hypotheses. STF. STJ.

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LISTA DE ABREVIATURAS

AgR ou AgRg - Agravo Regimental

ARE - Agravo em Recurso Extraordinário

AREsp - Agravo em Recurso Especial

CPC - Código de Processo Civil

DJe - Diário da Justiça Eletrônico

ED ou EDcl - Embargos de Declaração

FPPC - Fórum Permanente de Processualistas Civis

STF - Supremo Tribunal Federal

STJ - Superior Tribunal de Justiça

RE - Recurso Extraordinário

REsp - Recurso Especial

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1 INTRODUÇÃO

A presente pesquisa se propõe a estudar o fenômeno da fungibilidade recursal (possibilidade de se receber e julgar um recurso específico, embora tenha sido inicialmente interposto outro) no direito processual civil brasileiro contemporâneo. Assim, analisa-se o referido instituto de acordo com a legislação processual vigente (Lei nº 13.105/2015 – Código de Processo Civil), passando por uma breve análise da legislação anterior a respeito da matéria, da doutrina processualista civil, bem como do entendimento das Cortes de uniformização da jurisprudência nacional (Supremo Tribunal Federal, em matéria constitucional; e Superior Tribunal de Justiça, em legislação federal), a fim de conhecer e analisar as hipóteses e os requisitos para aplicação da fungibilidade recursal no ordenamento jurídico brasileiro atual.

Analisando brevemente o histórico da legislação processual civil brasileira, verificamos que o princípio da fungibilidade dos recursos estava explicitamente previsto no Código de Processo Civil de 1939 (Decreto-Lei nº 1.608, de 18 de setembro de 1939), o qual estabelecia que a parte não seria prejudicada pela interposição de um recurso por outro, salvo a hipótese de má-fé ou erro grosseiro. Por outro lado, a codificação processual de 1973 (Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973) não previu de forma expressa a fungibilidade recursal, no entanto a jurisprudência pátria permaneceu aplicando o referido instituto e mantendo, em linhas gerais, os mesmos requisitos básicos de aplicabilidade. No atual contexto, a fungibilidade não foi prevista de forma expressa como princípio recursal no Código de Processo Civil de 2015 (Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015), no entanto previu-se expressamente duas hipóteses de aplicação da fungibilidade recursal.

Analisando a doutrina de Theodoro Júnior (2017, p. 972), a respeito dos recursos excepcionais, percebe-se que o erro da parte em usar o recurso especial em vez do extraordinário, e vice-versa, tornou-se irrelevante por expressa previsão legal. Nesse sentido, “se tal é autorizado perante esses recursos, nada impedirá que a fungibilidade seja também observada em relação aos recursos ordinários”, ou seja, as hipóteses de aplicação da fungibilidade recursal previstas na Lei nº 13.105/2015 (atual CPC) não são taxativas, de modo que tal princípio pode ser aplicado, também, em outras situações.

Uma vez analisado brevemente o histórico legal do princípio da fungibilidade, possibilitando melhor contextualização das regras estipuladas no atual Código de Processo Civil, resta verificar, ainda, quais seriam os requisitos de aplicabilidade existentes. De acordo com Neves (2016), encontramos os seguintes requisitos de aplicabilidade: I – existência de dúvida fundada a respeito do recurso cabível no caso concreto; II – inexistência de erro grosseiro; e III – inexistência de má-fé.

Quanto à aplicação da teoria do prazo menor como requisito para fungibilidade recursal (segundo a qual caracteriza-se a má-fé quando a parte interpõe propositalmente o recurso de maior prazo quando o correto seria outro de prazo menor, o qual já teria decorrido), o referido autor esclarece que a unificação dos prazos recursais prevista no art. 1.003, § 5º, do atual CPC tende a superar o entendimento jurisprudencial existente a respeito da matéria.

Na condição de operador do direito, mais precisamente de servidor do Supremo Tribunal Federal, atuante na área de recursos cíveis, faz-se necessário

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aprofundar os conhecimentos a respeito dos requisitos e das hipóteses de fungibilidade recursal, de acordo com o atual Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015), com a jurisprudência do STF e do STJ e com a doutrina processualista.

Portanto, justifica-se a presente pesquisa, a fim de apresentar uma breve compilação a respeito da matéria, com o objetivo de esclarecer melhor o instituto da fungibilidade recursal, sua função e aplicabilidade no âmbito das Cortes Superiores de uniformização da jurisprudência nacional (STF e STJ). Desse modo, contribui-se para o aperfeiçoamento dos trabalhos no âmbito dos tribunais mencionados, seja pelos servidores que neles atuam seja pelos procuradores que, perante eles, interpõem seus apelos.

Considerando a natureza do tema abordado, a metodologia adotada é eminentemente teórica, mais precisamente de compilação do conteúdo. No desenvolvimento da presente pesquisa, utilizou-se de técnicas de pesquisa histórica, análise de conteúdo e estudo de casos, com o objetivo de identificar as inovações que o atual Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015) trouxe ao ordenamento jurídico brasileiro a respeito da fungibilidade recursal. Além disso, objetiva-se, também, analisar o entendimento das cortes de uniformização da jurisprudência nacional (STF, em matéria Constitucional; e STJ, em legislação federal) a respeito do fenômeno da fungibilidade recursal, por meio do estudo de precedentes das referidas Cortes, bem como do posicionamento da doutrina processualista civil.

2 CONCEITO DE FUNGIBILIDADE RECURSAL

Inicialmente, para melhor compreensão do conteúdo abordado na presente pesquisa, faz-se necessário esclarecer o conceito do objeto estudado. Desse modo, de acordo com Plácido e Silva, em sua obra Vocabulário Jurídico (2009, p. 648), verificamos que o termo “fungível” possui origem no latim: fungibilis (cumprir, satisfazer). Assim, “entende-se, no conceito jurídico, tudo que possa ser substituído. [...] fungível tem o sentido de referir-se ao que satisfaz, ou cumpre suas funções[...]”. Desse modo, conclui-se que a fungibilidade está relacionada com a “substitutibilidade de uma coisa por outra”.

Outro conceito importante a ser definido é o de recurso, termo associado a diversos significados de acordo com o contexto utilizado e com a área de conhecimento objeto de estudo. Para fins desta pesquisa, no campo do direito processual civil brasileiro, adota-se, por sua clareza e precisão, o conceito apresentado por Alexandre Freitas Câmara (2018, p. 495): “Recurso é o meio voluntário de impugnação de decisões judiciais capaz de produzir, no mesmo processo, a reforma, a invalidação, o esclarecimento ou a integração do pronunciamento impugnado.”

Uma vez esclarecidos e contextualizados os conceitos de fungibilidade e de recurso, o objeto da presente pesquisa torna-se mais evidente: trata-se de estudo voltado à aplicação da fungibilidade no direito processual civil brasileiro na esfera recursal, mais precisamente no âmbito das Cortes Superiores de uniformização da jurisprudência nacional (STF e STJ). A respeito da fungibilidade recursal, destacam-se os ensinamentos de Daniel Amorim Assumpção Neves (2016, p. 2663):

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Como o próprio nome sugere, fungibilidade significa troca, substituição, e no âmbito recursal significa receber um recurso pelo outro, mais precisamente receber o recurso que não se entende como cabível para o caso concreto por aquele que teria cabimento. Trata-se notoriamente de flexibilização do pressuposto de admissibilidade recursal do cabimento, considerando-se que, em regra, recurso que não é cabível não é recebido/conhecido. A fungibilidade se funda no princípio da instrumentalidade das formas, amparando-se na ideia de que o desvio da forma legal sem a geração do prejuízo não deve gerar a nulidade do ato processual.

Desse modo, entende-se por fungibilidade recursal o princípio ou o mecanismo processual que possibilita ao Tribunal o conhecimento, a análise e o julgamento de um recurso específico, que seja mais apropriado ao caso concreto, embora a parte tenha inicialmente interposto recurso diverso, em respeito aos princípios da instrumentalidade das formas, da primazia do julgamento do mérito e da celeridade processual/razoável duração do processo.

3 HISTÓRICO DA FUNGIBILIDADE RECURSAL NA LEGISLAÇÃO PROCESSUAL CIVIL BRASILEIRA

A fungibilidade recursal foi introduzida oficialmente no ordenamento jurídico brasileiro por meio do Código de Processo Civil de 1939, Decreto-Lei nº 1.608, de 18 de setembro de 1.939, o qual previa expressamente que: “Art. 810 Salvo hipótese de má-fé ou erro grosseiro, a parte não será prejudicada pela interposição de um recurso por outro, devendo os autos ser enviados à Câmara, ou à turma a que competir o julgamento.”

A respeito da fungibilidade recursal na vigência do referido estatuto processual, Pedro Batista Martins (1957, apud JORGE, 2011, p. 271) esclarece o seguinte:

O art. 810 do CPC/1939 justificava-se, basicamente, pela complexidade da sistemática recursal brasileira então vigente, no qual havia, na realidade uma promiscuidade em matéria de recursos. Eram frequentes, no diploma passado, as situações de perplexidade das partes quando lhes cabia determinar o recurso cabível de determinada decisão.

Verifica-se, desse modo, que, na vigência do primeiro Código de Processo Civil Brasileiro, a fungibilidade recursal se justificava em razão da diversidade de recursos existentes e da falta de precisão a respeito da incidência de cada um deles, razão pela qual previu-se expressamente a possibilidade de se conhecer e julgar um recurso por outro, a fim de evitar eventuais prejuízos às partes. Nos dizeres de Nery Júnior (2014, p. 149), a fungibilidade, entre os recursos na vigência do Código de Processo Civil de 1939, “funcionava como tábua de salvação para as partes, relativamente ao complicado sistema recursal regulado por aquele diploma.”

Num segundo momento, com a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 1973, Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, deixou de existir a previsão expressa que autorizava a aplicação do princípio da fungibilidade dos recursos, o que não significou a extinção do referido princípio do ordenamento jurídico

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pátrio. Na prática, a doutrina e a jurisprudência permaneceram adotando a fungibilidade recursal com respaldo, entre outros fundamentos, no princípio da instrumentalidade das formas, disposto no artigo 250 do referido código, a saber:

Art. 250. O erro de forma do processo acarreta unicamente a anulação dos atos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem necessários, a fim de se observarem, quanto possível, as prescrições legais. Parágrafo único. Dar-se-á o aproveitamento dos atos praticados, desde que não resulte prejuízo à defesa.

Corroborando o posicionamento adotado na vigência do estatuto processual de 1973, a respeito da fungibilidade recursal, Nelson Nery Júnior ressalta que os princípios são, em regra, normas de caráter geral que decorrem do próprio sistema jurídico e não necessariamente precisam estar previstos no texto legal de maneira expressa para serem considerados válidos e dotados de eficácia jurídica. Desse modo, embora não haja previsão legal expressa, “a fungibilidade dos recursos não repugna o sistema do CPC que, contém hipóteses capazes de gerar dúvida objetiva a respeito da adequação do recurso ao ato judicial recorrível.” (2014, p. 148).

De uma forma geral, durante a vigência do Código de Processo Civil de 1973, apesar de inexistir previsão legal expressa, a fungibilidade recursal continuou sendo aplicada com base no entendimento doutrinário existente e na experiência prática dos tribunais mantendo-se, de certa forma, o mesmo requisito básico: inexistência de erro grosseiro, associado à existência de dúvida objetiva (fundada) a respeito de qual é o recurso adequado ao caso concreto.

Uma nova fase no processo civil brasileiro iniciou-se recentemente com a entrada em vigor da Lei nº 13.105/2015, atual Código de Processo Civil, em que tampouco houve previsão expressa a respeito do princípio da fungibilidade dos recursos. Sobre o referido princípio na atual legislação Civil, destacamos os ensinamentos de Cassio Scarpinella Bueno (2018, p. 1107):

O princípio justifica-se no sistema processual civil sempre que a correlação entre as decisões jurisdicionais e o recurso cabível, prescrita pelo legislador gerar algum tipo de dúvida no caso concreto. Os usos e as aplicações do CPC de 2015 já fizeram aparecer fundadas dúvidas quanto à natureza jurídica de certas decisões e, consequentemente, quanto ao recurso delas cabível. É o que basta para justificar a incidência do princípio da fungibilidade para franquear a admissão de um recurso no lugar do outro, como indico nas devidas passagens do Manual.

Não obstante inexistir dispositivo legal expresso a respeito do conceito e dos requisitos de aplicação da fungibilidade recursal, o atual Código de Processo Civil previu expressamente duas hipóteses de sua aplicabilidade, conforme se verifica no artigo 1024, § 3º, (fungibilidade entre Embargos de Declaração e Agravo Interno); e artigos 1032 e 1033 (fungibilidade entre o Recurso Extraordinário e o Recurso Especial, e vice-versa).

Thamay e Andrade (2015, p. 7), em seu artigo intitulado Comentários sobre a fungibilidade recursal: do Código de 1939 ao Novo Código de Processo Civil, dividiram o histórico da fungibilidade recursal no processo civil brasileiro em três fases (previsão, ausência e casuística) diretamente relacionadas à forma como cada codificação processual abordou o princípio da fungibilidade recursal.

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Desse modo, podemos concluir que, historicamente, a fungibilidade recursal no processo civil passa basicamente por três momentos distintos, de acordo com a legislação vigente à sua época, cada qual com características próprias, a saber:

I) Primeiro momento: previsão expressa (durante a vigência do Código de Processo Civil de 1939).

II) Segundo momento: ausência de previsão expressa (durante a vigência do CPC de 1973), a qual não impossibilitou a sua aplicação.

III) Terceiro momento: previsão de situações específicas de aplicabilidade (iniciada com a entrada em vigor do atual Código de Processo Civil, Lei nº 13.105 de 16 de março de 2015), o que não implica dizer que as hipóteses expressamente previstas são taxativas.

4 A FUNGIBILIDADE RECURSAL NO ATUAL CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL: HIPÓTESES DE APLICABILIDADE NO ÂMBITO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Conforme anteriormente dito, a Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015, atual Código de Processo Civil, diferentemente do estatuto processual de 1939, não previu de maneira expressa o conceito e os requisitos de aplicabilidade do princípio da fungibilidade. Contudo, de maneira diversa do estatuto processual de 1973, previu expressamente duas hipóteses de incidência do princípio da fungibilidade dos recursos, conforme dispositivos legais abaixo transcritos:

Art. 1.024 [...] § 3o O órgão julgador conhecerá dos embargos de declaração como agravo interno se entender ser este o recurso cabível, desde que determine previamente a intimação do recorrente para, no prazo de 5 (cinco) dias, complementar as razões recursais, de modo a ajustá-las às exigências do art. 1.021, § 1o. Art. 1.032. Se o relator, no Superior Tribunal de Justiça, entender que o recurso especial versa sobre questão constitucional, deverá conceder prazo de 15 (quinze) dias para que o recorrente demonstre a existência de repercussão geral e se manifeste sobre a questão constitucional. Parágrafo único. Cumprida a diligência de que trata o caput, o relator remeterá o recurso ao Supremo Tribunal Federal, que, em juízo de admissibilidade, poderá devolvê-lo ao Superior Tribunal de Justiça. Art. 1.033. Se o Supremo Tribunal Federal considerar como reflexa a ofensa à Constituição afirmada no recurso extraordinário, por pressupor a revisão da interpretação de lei federal ou de tratado, remetê-lo-á ao Superior Tribunal de Justiça para julgamento como recurso especial.

Verifica-se, por meio dos citados dispositivos legais, que o atual Código

de Processo Civil estabelece expressamente a fungibilidade entre os recursos de Embargos de Declaração e o Agravo Interno e dos Recursos Extraordinário e Especial entre si, especificando as adequações necessárias conforme o caso.

A primeira hipótese, introduzida formalmente pelo artigo 1.024, § 3º, do atual CPC, o qual prevê a possibilidade de o tribunal receber os Embargos de Declaração como Agravo Interno, trata da tipificação de uma prática já bastante adotada no âmbito dos tribunais pátrios.

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Muitas vezes a parte recorrente opõe Embargos de Declaração em face de decisão monocrática do relator do recurso com vistas à reforma ou à revisão do julgado. Considerando que o dito recurso se destina somente à integração da decisão recorrida, eliminando eventuais erros materiais, omissões, contradições ou obscuridades (art. 1.022 do CPC), para modificação do mérito da decisão, o recurso mais apropriado seria o Agravo Interno, com a finalidade de submeter o recurso à apreciação do órgão colegiado competente, na forma prevista pelo artigo 1.021 do CPC: “Contra decisão proferida pelo relator caberá agravo interno para o respectivo órgão colegiado, observadas, quanto ao processamento, as regras do regimento interno do tribunal”.

Mesmo antes do advento do atual Código de Processo Civil, a convertibilidade dos Embargos de Declaração em Agravo Interno já era prática comum, inclusive no âmbito das Cortes Superiores, conforme se observa nos seguintes precedentes do Supremo Tribunal Federal: ARE 669900-ED, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgamento em 10/04/2012, publicado no DJe em 08/05/2012; RE 716405-ED, Rel. Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgamento em 04/02/2014, publicado no DJe em 18/02/2014; e do Superior Tribunal de Justiça: EDcl no Ag 540263 / SP, Rel. Min. FRANCISCO PEÇANHA MARTINS, Segunda Turma, julgamento em 16/12/2004, publicado no DJe em 28/03/2005, p. 239; e EDcl no Ag 489655 / RS, Rel. Min. LAURITA VAZ, Quinta Turma, julgamento em 21/08/2003, publicado no DJe em 06/10/2003, p. 304. Desse modo, verifica-se que o legislador apenas formalizou uma hipótese de aplicação da fungibilidade recursal já utilizada pelos tribunais brasileiros.

A respeito da fungibilidade prevista no art. 1.024, § 3º, do atual Código de Processo Civil, Daniel Amorim Assumpção Neves (2016) menciona ser elogiável a ressalva prevista no referido dispositivo de que o Tribunal deverá intimar o recorrente para complementar suas razões recursais, ajustando às exigências do art. 1.021, § 1º, tendo em vista que, até então, da forma como os tribunais convertiam os Embargos de Declaração em Agravo Interno, o recorrente tinha o agravo julgado sem ter a oportunidade de arrazoá-lo adequadamente, o que eventualmente poderia acarretar-lhe prejuízos.

A segunda hipótese, fungibilidade entre o Recurso Extraordinário e o Recurso Especial, revela-se como uma das inovações introduzidas pela atual codificação processual civil. Muito elogiada pela doutrina, essa hipótese de substitutibilidade dos recursos excepcionais é vista como uma forma de impedir a ausência de prestação jurisdicional em situações de ofensa reflexa à Constituição Federal, uma vez que, inexistindo a fungibilidade entre tais recursos, existiria a possibilidade de o STJ não conhecer do apelo especial, considerando ser a matéria debatida de índole constitucional e, por outro lado, o STF entender, na mesma causa, que eventual ofensa à Constituição se daria de maneira indireta, necessitando de prévia análise de legislação infraconstitucional, o que é incabível em sede de Recurso Extraordinário, de modo que a tese recursal ficaria sem apreciação por parte de ambas as Cortes Superiores.

De acordo com Neves (2016), a inovação do atual Código de Processo Civil, ao consagrar a fungibilidade recursal entre os recursos excepcionais (Recurso Extraordinário, ao Supremo Tribunal Federal; e Recurso Especial, perante o Superior Tribunal de Justiça), contrariou a jurisprudência existente até então. Esta julgava inviável a aplicação da fungibilidade entre tais recursos por

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considerar tal hipótese como erro grosseiro. Corroborando sua tese, o jurista indica o seguinte precedente do STJ: AgRg no AREsp 571.026/PE, rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 21/10/2014, DJe 28/10/2014, o qual restou assim ementado:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. MANIFESTAÇÃO SOBRE OFENSA A DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS. IMPOSSIBILIDADE. COMPETÊNCIA DO STF. ANÁLISE DE DIREITO LOCAL POR ESTA CORTE SUPERIOR. NÃO-CABIMENTO. APLICAÇÃO ANALÓGICA DA SÚMULA N. 280 DO STF. ALÍNEA “C” DO PERMISSIVO CONSTITUCIONAL. NECESSIDADE DE COTEJO ANALÍTICO ENTRE PARADIGMAS E DECISÃO IMPUGNADA. 1. O Superior Tribunal de Justiça não tem a missão constitucional de interpretar dispositivos da Lei Maior, cabendo tal dever ao Supremo Tribunal Federal, motivo pelo qual não se pode conhecer da dita ofensa ao art. 5º da Constituição da República vigente. 2. Aplica-se a Súmula n. 280 do Supremo Tribunal Federal (por analogia) quando a parte pretende que se aprecie a controvérsia à luz de direito local - como ocorre no caso, em que se alega violação ao art. 5º, parágrafo único, I e II, da Lei Estadual n. 13.241/07 e à Lei Complementar Estadual n. 137/08. 3. O recurso não merece passagem também pela alínea “c” do permissivo constitucional, pois a simples transcrição de trechos de votos e de ementas considerados paradigmas não é suficiente para dar cumprimento ao que exigem os arts. 541 do CPC e 255 do RISTJ. 4. “Constitui erro grosseiro a interposição de Recurso Especial em vez de Recurso Extraordinário, sendo inaplicável o invocado princípio da fungibilidade recursal” (v.g.: AgRg no AREsp 373.792/SE, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 10/06/2014, DJe 04/08/2014). 5. Agravo regimental não provido. (grifei)

Apesar de contrariar a jurisprudência até então existente a respeito da matéria, o jurista Daniel Amorim Assumpção Neves destaca que a inovação introduzida pelo atual Código de Processo Civil se trata de uma medida benéfica, a propósito:

Trata-se de salutar medida, em especial para aquelas hipóteses de verdadeiro limbo jurisdicional, quando o Superior Tribunal de Justiça não conhece recurso especial alegando tratar-se de decisão violadora de norma constitucional e o Supremo Tribunal Federal não conhecer recurso extraordinário interposto contra a mesma decisão afirmando que a violação ao texto constitucional é reflexa. (2016, p. 2664)

Ainda a respeito do princípio da fungibilidade recursal na atual legislação brasileira, ressalta-se que é entendimento pacífico na doutrina que as hipóteses de aplicação da fungibilidade recursal indicadas expressamente no atual Código de Processo Civil não são taxativas.

Conforme demonstrado na introdução, o jurista Humberto Theodoro Júnior (2017) deixa clara a possibilidade de aplicação da fungibilidade entre outros recursos além daqueles para os quais há previsão expressa no atual CPC. Corrobora, também, esse entendimento o enunciado 104 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “O princípio da fungibilidade recursal é compatível com o CPC e alcança todos os recursos, sendo aplicável de ofício.”

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Não obstante o posicionamento uniforme da doutrina no sentido de que outras hipóteses de fungibilidade não expressamente previstas no atual Código de Processo Civil podem ser aplicadas, destaca-se, por oportuno, a doutrina de Alexandre Freitas Câmara (2018), que sequer reconhece como fungibilidade recursal as hipóteses dos artigos 1.024, § 3º; 1.032 e 1.033 da Lei nº 13.105/2015. Para o referido autor, em virtude do princípio da primazia da resolução do mérito (art. 4º do atual CPC), que também se aplica aos recursos, deve-se procurar sempre sanar os vícios processuais que possam ser sanáveis, razão pela qual existem duas regras distintas: a da convertibilidade e a da fungibilidade dos recursos.

Veja-se a explicação do mencionado jurista a respeito da matéria: A regra da convertibilidade dos recursos se aplica em dois casos apenas. A interposição de recurso especial em caso em que seria admissível o recurso extraordinário acarreta a conversão daquele neste, na forma do art. 1.032. Do mesmo modo, a interposição de recurso extraordinário em caso em que seria adequada a interposição do recurso especial também acarreta a conversão, nos termos do art. 1.033. Há, aí, a conversão de um recurso em outro. Com estes casos não se confunde a hipótese de apresentação de recurso rotulado como embargos de declaração que, na verdade, tem conteúdo de agravo interno (art. 1.024, § 3º). Neste caso, o que se deve fazer é reconhecer que o verdadeiro recurso interposto foi o agravo interno (e não embargos de declaração, apesar do rótulo equivocado), determinando-se a intimação do recorrente para complementar sua petição de forma a atender o disposto no art.1.021, §1º). Já a regra da fungibilidade se aplica nos demais casos (FPPC, enunciado 104). Sempre que um recurso inadequado for interposto no lugar do recurso adequado será possível admitir o ‘recurso errado’ no lugar do ‘recurso certo’ (sem que haja necessidade de conversão) se não houver erro grosseiro na sua interposição nem má-fé do recorrente. Em primeiro lugar, é preciso recordar a possibilidade de haver dúvida quanto ao recurso adequado. A dúvida de que aqui se trata, porém – e é preciso ter isto bem claro –, é a que resulta de divergência doutrinária ou jurisprudencial acerca do ponto. Havendo divergência acerca do recurso adequado para impugnar determinado tipo de decisão judicial, será possível admitir-se (já que fungíveis entre si) qualquer dos recursos cujo cabimento seja sustentado por alguma das correntes doutrinárias ou jurisprudenciais em disputa. Perceba-se que não se trata, aqui, de converter um recurso em outro, mas de admitir o ‘recurso errado’ no lugar do ‘recurso certo’. (2018, p. 504)

Analisando a tese supracitada, entende-se que a ideia de fungibilidade,

sob a perspectiva do referido autor, ainda está muito atrelada aos conceitos e aos requisitos introduzidos pelo Código de Processo Civil de 1939 (o qual estabelecia como requisitos a inexistência de má-fé e de erro grosseiro – que se justificaria pela dúvida objetiva causada por divergência existente na doutrina ou jurisprudência), motivo pelo qual o autor estabelece a distinção de duas espécies de substitutibilidade entre recursos: uma sob a ótica da legislação revogada (tradicionalmente intitulada de fungibilidade recursal) e a outra pelas hipóteses de substitutibilidade introduzidas pela Lei nº 13.105/2015 (intituladas pelo autor como convertibilidade dos recursos).

Considerando que a referida distinção não implica em resultados práticos, limitando-se ao campo teórico, para grande parte da doutrina, as hipóteses

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previstas nos artigos 1.024, § 3º, 1.032 e 1.033 do atual Código de Processo Civil tratam de fungibilidade recursal. Desse modo, para simplificar a compreensão do fenômeno estudado no presente artigo, entende-se pela sinonímia entre fungibilidade e convertibilidade recursal.

Importante destacar, ainda, que o direito está em constante evolução, por isso cabe à legislação acompanhar as mudanças ocorridas na prática jurídica e na sociedade. Desse modo, se em tempos passados a legislação brasileira reconhecia a existência de erro grosseiro como fato impeditivo para aplicação do princípio da fungibilidade recursal, a atual legislação processual autorizou a utilização desse mecanismo entre recursos para os quais, em tese, vislumbra-se a existência de erro grosseiro.

A interposição de Embargos de Declaração em vez de Agravo Regimental poderia ser caracterizada como erro grosseiro, uma vez que se tratam de recursos com finalidades claramente distintas, não havendo imprecisão legislativa nem divergência entre sua aplicação na doutrina ou na jurisprudência.

No entanto, conforme já demonstrado, era comum que os Tribunais aplicassem a fungibilidade entre tais recursos com vistas aos princípios da instrumentalidade das formas e da celeridade processual. Ocorre que, na vigência do estatuto processual anterior, da forma como a fungibilidade era aplicada, o recorrente poderia ser prejudicado por não ter oportunidade de arrazoar corretamente o recurso interposto, razão pela qual acertadamente o atual Código de Processo Civil estabeleceu regra a qual autoriza que o Tribunal aplique a fungibilidade entre tais recursos desde que possibilite ao recorrente complementar suas razões recursais (§ 3º do artigo 1.024).

No que diz respeito à parte final do § 3º do artigo 1.024 do atual Código de Processo Civil, embora a interpretação literal do artigo leve a crer que a intimação do recorrente para complementar as razões recursais seja pré-requisito para a conversão dos Embargos de Declaração em Agravo Interno pelo tribunal, as Cortes Superiores têm firmado entendimento de que não é obrigatória a intimação da parte recorrente para complementar as razões recursais caso já tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida nos embargos. Comprovam esse entendimento os seguintes precedentes do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal:

PROCESSO CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AUSÊNCIA DE OMISSÃO. PROCEDIMENTO DO PARÁGRAFO 3º DO ARTIGO 1.024 DO CPC. DESNECESSIDADE. REGULARIDADE RECURSAL. EMBARGOS REJEITADOS.

1. Consoante a literalidade do artigo 1.022 do Código de Processo Civil, os embargos de declaração são cabíveis para esclarecer obscuridade,

eliminar contradição, suprir omissão de ponto ou questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento e/ou corrigir eventual erro material.

2. O procedimento do parágrafo 3º do artigo 1.024 do Código de Processo Civil visa salvaguardar o recorrente de eventual deficiência de impugnação recursal no recebimento de seus aclaratórios como agravo interno pela aplicação do princípio da fungibilidade, evitando que seu recurso deixe de ser conhecido à falta de impugnação específica dos fundamentos da decisão recorrida.

3. Não há cerceamento de defesa, ilegalidade, irregularidade procedimental ou prejuízo no recebimento dos aclaratórios como

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agravo interno sem prévia intimação para complementação de razões na hipótese em que não há deficiência da impugnação recursal, tanto que o recurso foi regularmente conhecido e apreciado pela Corte Especial.

4. Embargos de declaração rejeitados. (STJ, EDcl nos EDcl no RE no AgInt no AREsp 1159136 / SP, Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Corte Especial, julgamento em 11/12/2018, DJe 14/12/2018

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO AGRAVO INTERNO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. VIOLAÇÃO AO DIREITO ADQUIRIDO E À COISA JULGADA. INEXISTÊNCIA. VIOLAÇÃO AO ART. 37, X E XV, DA CF/88. INOCORRÊNCIA.

1. O órgão julgador pode receber, como agravo interno, os embargos de declaração que notoriamente visam a reformar a decisão monocrática do Relator, sendo desnecessária a intimação do embargante para complementar suas razões quando o recurso, desde logo, exibir impugnação específica a todos os pontos da decisão embargada. Inteligência do art. 1.024, § 3º, do Código de Processo Civil de 2015. 2. O STF, no julgamento do ARE 748.371-RG/MT (Rel. Min. GILMAR MENDES, Tema 660), rejeitou a repercussão geral da violação ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito, à coisa julgada ou aos princípios da legalidade, do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, quando se mostrar imprescindível o exame de normas de natureza infraconstitucional. 3. O acórdão recorrido está em consonância com a jurisprudência desta CORTE, segundo a qual não há direito adquirido ao reajuste de 47,94% previsto na Lei nº 8.676/93, revogada pela Medida Provisória 434/94, que foi reeditada pelas Medidas Provisórias 457/94 e 482/94 e, posteriormente, convertida na Lei nº 8.880/94. 4. Embargos de declaração recebidos como agravo interno, ao qual se nega provimento.

(STF, ARE970482-ED, Rel. Min. Alexandre de Moraes, Primeira Turma, julgado em 15/06/2018, publicado no DJe 27/06/2018

Por outro lado, a fungibilidade entre o Recurso Extraordinário e o Recurso Especial, em situações de ofensa reflexa à Constituição Federal, que, em tese, poderia afastar a incidência de erro grosseiro por se tratar de hipótese capaz de gerar dúvidas para o recorrente, era tida pela jurisprudência dos tribunais pátrios como hipótese de erro inescusável, conforme já mencionado anteriormente. Desse modo, para resguardar que o recorrente não tenha eventuais prejuízos, a atual codificação processual formalizou também a fungibilidade entre ditos recursos, possibilitando que o recorrente faça as adequações necessárias se for o caso (conversão do Recurso Especial em Extraordinário).

Quanto à aplicação da fungibilidade entre os recursos Extraordinário e Especial, ressaltamos que a jurisprudência das Cortes Superiores se firmou no sentido de que a referida inovação não se aplica a recursos interpostos em face de acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 1973. Nesse sentido, há os seguintes julgados no âmbito do Supremo Tribunal Federal: ARE 1108356-ED-AgR, Rel. Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgamento em 26/10/2018, publicado no DJe 13/11/2018; e do Superior Tribunal de Justiça: (EDcl no AgRg no REsp 1316890/PR, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 01/09/2016, DJe 14/09/2016).

Ainda a respeito da fungibilidade recursal entre os recursos excepcionais (Recurso Especial e Recurso Extraordinário), cabe ressaltar que, embora o atual

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Código de Processo Civil não restrinja expressamente a incidência do instituto, a jurisprudência das Cortes Superiores tem se firmado no sentido de que o disposto nos artigos 1.032 e 1.033 do CPC só se aplica em situações em que não houve interposição simultânea dos recursos Especial e Extraordinário. Vejam-se os seguintes julgados: do Superior Tribunal de Justiça: REsp 1674459/RS, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 03/08/2017, DJe de 12/09/2017; do Supremo Tribunal Federal: ARE 1094010 AgR, Rel. Min. Edson Fachin, Segunda Turma, julgado em 20/04/2018, DJe 02/05/2018.

Verifica-se, portanto, não ser o caso de criar nova nomenclatura para diferenciar a aplicação do fenômeno da fungibilidade recursal de acordo com as inovações do atual Código de Processo Civil em relação àquelas situações já tradicionalmente aplicadas, mas sim de entender que a nova legislação processual se atentou a situações que rotineiramente aconteciam na vigência do estatuto processual anterior, as quais eventualmente poderiam gerar prejuízos à parte recorrente, e criou mecanismos que visam dar maior efetividade aos recursos.

Uma vez identificadas as hipóteses de fungibilidade expressamente previstas na atual legislação processual civil, e reconhecendo juntamente com a doutrina que elas não são taxativas, resta verificar outras hipóteses em que as Cortes Superiores de uniformização da jurisprudência nacional, Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça, têm efetivamente aplicado o referido princípio além daquelas previstas no Código de Processo Civil.

Analisando a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, verificamos que a hipótese mais comum de substitutibilidade de recursos é a conversão dos Embargos de Declaração em Agravo Interno (ou Regimental), prevista no § 3º do art. 1.024 do atual CPC. No entanto, identificamos, também, as seguintes hipóteses de aplicação da fungibilidade recursal nos recursos cíveis de competência da referida Corte e citamos alguns julgados a título de exemplo:

I) Pedido de Reconsideração recebido e julgado como Agravo Interno: RCD nos EDcl no AREsp 1223378 / SP, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgamento 16/10/2018, DJe 23/10/2018; RCD no REsp 1703033 / SP, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgamento em 16/10/2018, DJe 22/10/2018; RCD no AREsp 886650 / SP, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 17/05/2016, publicado no DJe 25/05/2016.

II) Petição no Recurso Especial recebida como Agravo Interno: PET no REsp 1468841 / PE, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, Julgado em 06/03/2018, publicado no DJe 16/03/2018; PET no REsp 1228458 / SC, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, julgado em 13/06/2017, publicado no DJe 27/06/2017; PET no AREsp 527320 / PR, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 24/05/2016, publicado no DJe em 01/06/2016.

III) Agravo nos próprios autos recebido e julgado como Agravo Interno: AgInt no RMS 56953 / SP, Rel. Min. Ricardo Vilas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 03/09/2018, DJe 13/09/2018.

Embora haja expressa previsão legal para a substitutibilidade dos Embargos de Declaração em Agravo interno, o procedimento inverso é considerado pelo Superior Tribunal de Justiça como hipótese de erro grosseiro ou inescusável, de modo a afastar a incidência do princípio da fungibilidade recursal. A propósito, os seguintes julgados: AgInt nos EDcl no AgRg no REsp

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1543497 / PE, Rel. Min. FRANCISCO FALCÃO, Segunda Turma, julgamento em 06/12/20; AgInt no REsp n. 1.693.319/RS, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 19/4/2018, DJe 23/5/2018 e AgInt no AgInt no AREsp n. 1.186.212/RS, Rel. Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, julgado em 16/10/2018, DJe 25/10/2018. 18, DJe 13/12/2018.

Pesquisando sobre o princípio da fungibilidade na vigência do atual Código de Processo Civil, no âmbito do Supremo Tribunal Federal, verifica-se que a maioria das vezes em que o STF invocou o referido princípio foi para converter os Embargos de Declaração em Agravo Regimental (ou Interno). No entanto, encontramos também as seguintes situações que, embora não estejam expressamente previstas na legislação processual, a Suprema Corte Brasileira aplicou a fungibilidade recursal.

I) Pedido de Reconsideração recebido e julgado como Agravo Regimental: ARE734382, Rel. Min. Cármem Lúcia, Segunda Turma, julgado em 31/05/2016, DJe 13/06/2016.

II) Petição recebida como Embargos de Declaração: RE 955791-AgR-ED, Rel. Min. Roberto Barroso, Primeira Turma, julgado em 06/02/2017, DJe 22/02/2017.

Não obstante os exemplos práticos acima expostos corroborem o entendimento doutrinário de que as hipóteses de fungibilidade recursal previstas no atual Código de Processo Civil não são taxativas, de modo que a substitutibilidade possa ser aplicada a todos os recursos, conforme enunciado 104 do Fórum Permanente de Processualistas Civil, já anteriormente citado, verifica-se que os requisitos existentes para a aplicação do referido princípio, dentre os quais destaca-se a inexistência de erro grosseiro, restringem de maneira considerável a sua aplicabilidade, conforme será demonstrado a seguir.

5 REQUISITOS E PROCEDIMENTO DE APLICAÇÃO DA FUNGIBILIDADE RECURSAL NO ÂMBITO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Apesar dos benefícios oriundos do princípio da fungibilidade recursal, que proporciona maior efetividade aos recursos, evitando eventuais prejuízos à parte recorrente, cumpre esclarecer que a sua aplicação não é a regra, mas a exceção, e deve observar alguns requisitos específicos além daqueles necessários para a interposição do próprio recurso.

De uma maneira geral, a doutrina costuma classificar os requisitos recursais em intrínsecos e extrínsecos. De acordo com Nery Júnior (2014), os requisitos intrínsecos do recurso são analisados levando-se em consideração o conteúdo e a forma da decisão recorrida, são eles: cabimento, legitimidade e interesse recursal; por sua vez, os requisitos extrínsecos estão relacionados a fatos exteriores e posteriores à decisão recorrida, tais como: tempestividade, regularidade formal, preparo e inexistência de fato impeditivo ou extintivo do direito de recorrer.

Além dos referidos requisitos, que se aplicam a todos os recursos de um modo geral, para a aplicação do princípio da fungibilidade, o recurso deve preencher também os requisitos específicos para o caso, por exemplo, o esgotamento das instâncias ordinárias e o prequestionamento nos recursos Especial e Extraordinário, e a demonstração fundamentada da existência de repercussão geral no caso específico do Recurso Extraordinário.

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Como dito anteriormente, o Código de Processo Civil de 1939 previa como requisitos para aplicação da fungibilidade recursal a inexistência de má-fé e erro grosseiro. Durante a vigência do CPC de 1973, a doutrina e a jurisprudência relativizaram o requisito da inexistência de má-fé e mantiveram a inexistência de erro grosseiro, que se justificava pela existência de dúvida objetiva na doutrina ou na jurisprudência a respeito de qual seria o recurso cabível no caso concreto.

A propósito do requisito da inexistência de má-fé na vigência da legislação processual civil de 1973, ressalta-se o posicionamento de Flávio Cheim Jorge:

A má-fé, pelo fato de ser fenômeno inteiramente subjetivo e cuja identificação torna-se, muitas vezes, até mesmo impossível, deixou de ser considerada como requisito para a incidência ou não do princípio da fungibilidade. No sistema passado, a sua existência já era muito questionada, mesmo havendo previsão legal para tanto, fato que fez com que praticamente toda a doutrina a desconsiderasse para a averiguação ou não da fungibilidade. (2011, p. 275)

Observa-se que, durante a vigência do Código de Processo Civil de 1973, em que havia prazos diferenciados para os diversos recursos previstos, a jurisprudência firmou entendimento de que, para aplicação do princípio da fungibilidade o recurso inadequadamente interposto deveria ser tempestivo de acordo com o prazo do recurso adequado, de modo que, ainda que o recorrente tivesse interposto o recurso inapropriado no respectivo prazo legal, se não tivesse observado o prazo do recurso adequado, o tribunal não aplicaria a fungibilidade recursal. Esse entendimento foi fortemente criticado pela doutrina, veja-se:

Apesar de severamente criticado pela melhor doutrina, o Superior Tribunal de Justiça, na vigência do revogado diploma processual, vinha sistematicamente aplicando a teoria do prazo menor para se aferir a existência de má-fé na interposição do recurso. Pelo incorreto entendimento do tribunal, considerava-se recorrente de má-fé aquele que na dúvida entre dois ou mais recursos, escolhesse o que tivesse o maior prazo e nele recorresse, o que demonstraria, na visão do tribunal, sua malícia em aproveitar de mais tempo para a interposição de recurso 230. Dessa forma, só era aplicado o princípio da fungibilidade quando o recorrente, ao escolher o recurso a ser interposto, o fazia no menor prazo sempre que entre os recursos que gerassem a dúvida existissem prazos diferentes (NEVES 2016, p. 2.668).

No entanto, conforme esclarecido por Daniel Amorim Assumpção Neves

(2016), essa questão a respeito de qual é o prazo a ser observado para que o recurso possa ser considerado tempestivo para incidência da fungibilidade recursal tende a ser superada na vigência do atual Código de Processo Civil, tendo em vista a unificação dos prazos de todos os recursos, exceto os Embargos de Declaração, conforme disposto no artigo 1.003, § 5º.

Atualmente, no âmbito das Cortes Superiores de uniformização da jurisprudência nacional, o § 3º do art. 1.029 do Código de Processo Civil dispõe que “o Supremo Tribunal Federal ou o Superior Tribunal de Justiça poderá desconsiderar vício formal de recurso tempestivo ou determinar sua correção, desde que não o repute grave”. Da simples leitura do referido artigo, verifica-se que a tempestividade do recurso é requisito indispensável para que as ditas

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Cortes possam superar eventuais vícios, inclusive para fins de aplicação da fungibilidade recursal, bem como as Cortes não podem desconsiderar ou sanar os erros que considere grave.

Constata-se, portanto, que atualmente encontramos dois requisitos na legislação para a aplicação da fungibilidade recursal no âmbito das Cortes Superiores: a tempestividade, que já é requisito extrínseco de todo e qualquer recurso; e a inexistência de erro grave ou grosseiro, nos moldes do que já era exigido desde a vigência do CPC de 1939, sendo este último requisito específico para incidência do princípio da fungibilidade dos recursos.

A respeito do requisito da inexistência de erro grosseiro, destacamos os ensinamentos de Marinoni e Arenhart (apud NEVES 2016, p. 2.667) de que o princípio da fungibilidade não serve “para tutelar o erro crasso, gerado pela extrema imperícia do patrono, mas para evitar injustiças diante de erros justificáveis”. Assim, de uma forma geral, a doutrina tem apresentado a existência de dúvida objetiva (ou fundada) como fator capaz de afastar o chamado erro grosseiro, uma vez que, havendo controvérsia a respeito de qual o recurso cabível no caso concreto, originada por imprecisão legislativa, divergência na doutrina ou na jurisprudência, é justificável que o recorrente possa se confundir a respeito de qual seja o recurso adequado.

Ressalte-se que para afastar a ocorrência do erro grosseiro, a dúvida deve ser fundada com base em divergência existente na doutrina, na jurisprudência ou em imprecisão legislativa, sendo externa ao recorrente. Desse modo, a simples confusão pessoal do patrono da causa em situações em que a lei é clara a respeito de qual é o recurso adequado e não há divergência nem na doutrina nem na jurisprudência a respeito da matéria, não justifica a aplicação do princípio da fungibilidade recursal.

A respeito da complementariedade entre a ausência de erro grosseiro e existência de dúvida objetiva, veja-se a lição de Fredie Didier Júnior e Leonardo José Carneiro da Cunha:

Na verdade, inexistência de erro grosseiro e a existência de ‘dúvida objetiva’ são as duas faces de uma mesma moeda. Poder-se-ia dizer, em resumo, que o requisito para aplicação da fungibilidade seria um só: a inexistência de ‘dúvida objetiva’, pois havendo tal dúvida não há erro grosseiro; não havendo a dúvida, haverá erro grosseiro. (DIDIER JR.; CUNHA 2009, apud THAMAY; ANDRADE 2015, p. 4)

Como exemplo de erro grosseiro no âmbito da jurisprudência das Cortes Superiores, ressalta-se o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal de que a interposição de Recurso Extraordinário quando o correto seria a interposição de Recurso Ordinário constitui erro inescusável. Veja-se:

AGRAVO INTERNO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ACÓRDÃO DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. WRIT DENEGADO. SÚMULA 22/TSE. INTERPOSIÇÃO DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO AO INVÉS DE RECURSO ORDINÁRIO. INADMISSIBILIDADE. ERRO GROSSEIRO. ART. 102, II, “A” DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE. RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO CONHECIDO. RECURSO INTERNO DESPROVIDO. 1. As decisões denegatórias de mandado de segurança, quando proferidas em instância originária pelos Tribunais Superiores, admitem, exclusivamente, impugnação por intermédio de

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recurso ordinário (art. 102, II, “a”, da CRFB/88), que ativará a inafastável competência recursal ordinária desta Corte Constitucional. 2. A interposição de recurso extraordinário em face de decisão denegatória de mandado de segurança originário configura flagrante erro grosseiro na escolha do instrumento (Súmula STF 272), tornando incabível aplicar o princípio da fungibilidade para recebê-lo como recurso ordinário em mandado de segurança. Precedentes desta Corte: ARE 1.047.026 AgR, Relator Min. Celso de Mello, Segunda Turma, DJe 22.09.2017; RMS 21.336 AgR, Relator Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, DJ 30.06.1995, e RMS 21.498, Relator Min. Moreira Alves, Primeira Turma, DJ 02.10.1992. 3. In casu, tratando-se de recurso extraordinário interposto em face de acórdão do Tribunal Superior Eleitoral que denegou a segurança pleiteada, o não conhecimento do recurso é medida que se impõe, mercê de seu flagrante descabimento. 4. Agravo interno DESPROVIDO por manifesta improcedência, com aplicação de multa de 2 (dois) salários mínimos, ficando a interposição de qualquer recurso condicionada ao prévio depósito do referido valor, em caso de decisão unânime (CPC/2015, art. 1.021, §§ 4º e 5º, c/c art. 81, § 2º). (RMS 35628 AgR, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 12/11/2018, DJe 29/11/2018)

O Superior Tribunal de Justiça firmou o mesmo entendimento a respeito do Recurso Especial incorretamente interposto no lugar do Recurso Ordinário. A propósito: AgRg no AREsp 533229 / SP, Rel. Min. OG Fernandes, Segunda Turma, julgado em 10/04/2018, DJE em 17/04/2018.

Ainda no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, Daniel Amorim Assumpção Neves (2016) indica, dentre outros, os seguintes casos considerados como erro grosseiro: pedido de reconsideração contra decisão colegiada; interposição de agravo de instrumento contra sentença proferida em mandado de segurança; interposição de embargos infringentes contra julgamento unânime; interposição de apelação contra decisão interlocutória que exclui litisconsorte do processo; interposição de embargos infringentes contra decisão monocrática; interposição de apelação quando cabível recurso ordinário constitucional; e interposição de agravo de instrumento quando cabível agravo regimental (interno).

Desse modo, embora seja entendimento pacífico na doutrina a possibilidade de se aplicar a fungibilidade entre todos os recursos, verifica-se que a ocorrência de erro grosseiro ou inescusável tende a afastar a incidência do princípio da fungibilidade recursal na maioria das vezes, consequentemente a substitutibilidade dos recursos não é a regra geral, mas a exceção.

Quanto ao procedimento a ser adotado para aplicação da fungibilidade recursal, não há previsão legal de procedimento específico para esse fim, devendo o tribunal aplicá-lo de ofício (Enunciado 104 FPPC). Uma vez convertido, o recurso seguirá o tramite regulamente previsto para o recurso em que se converteu.

Ressalte-se que, como dito anteriormente, para incidir a fungibilidade recursal, o recurso deve preencher todos os seus requisitos, razão pela qual, para evitar prejuízos ao recorrente, o atual Código de Processo Civil determinou, nas hipóteses expressamente previstas para a incidência da substitutibilidade de recursos, que o recorrente deverá ser intimado para complementar as razões recursais. É o caso da conversão dos Embargos de Declaração em Agravo Interno, na qual o tribunal deverá intimar a parte para complementar suas razões

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recursais, impugnando especificamente os fundamentos da decisão recorrida, adequando o recurso ao disposto no artigo 1.021, § 1º, do atual Código de Processo Civil.

No mesmo sentido, para a conversão do Recurso Especial em Recurso Extraordinário o recorrente deverá ser intimado para complementar as razões recursais, a fim de demonstrar a repercussão geral da matéria e se manifestar a respeito da questão constitucional em debate (art. 1.032 do CPC). Desse modo, caso o recorrente faça os ajustes solicitados no prazo estabelecido, aplica-se a fungibilidade recursal e o recurso seguirá os trâmites do recurso adequado perante o órgão competente, caso o recorrente não se manifeste, não se aplicará a regra da substitutibilidade e o recurso interposto não será conhecido ou será julgado improcedente, conforme o caso.

CONCLUSÃO

Da presente análise, constatou-se que, com a entrada em vigor do atual Código de Processo Civil, Lei nº 13.105/2015, algumas mudanças foram introduzidas no ordenamento jurídico brasileiro a respeito da aplicação do princípio da fungibilidade recursal, inclusive quanto aos requisitos e às hipóteses de sua aplicabilidade no âmbito das Cortes Superiores de uniformização da jurisprudência nacional (Supremo Tribunal Federal, em matéria constitucional; e Superior Tribunal de Justiça, em sede de legislação federal) em matéria cível.

Ao proceder análise do conceito de fungibilidade e recurso no contexto do processo civil brasileiro, verificou-se que a fungibilidade recursal pode ser entendida como o princípio ou o mecanismo processual que, em respeito aos princípios da instrumentalidade das formas e da primazia do julgamento do mérito, possibilita ao tribunal conhecer, analisar e julgar um recurso específico, o qual entende ser mais apropriado ao caso concreto, embora a parte tenha inicialmente interposto recurso diverso.

Historicamente, constatou-se que a fungibilidade recursal no processo civil brasileiro passou por três momentos distintos, de acordo com a legislação vigente à época, cada qual com características próprias. Num primeiro momento, durante a vigência do Código de Processo Civil de 1939, a fungibilidade entre os recursos estava expressamente prevista, excetuando-se a sua aplicação aos casos de má-fé e de erro grosseiro. Em seguida, iniciou-se uma nova fase com a vigência do CPC de 1973, em que não mais havia previsão expressa a respeito da fungibilidade recursal. No entanto, o referido princípio permaneceu sendo utilizado com base na doutrina e na jurisprudência, sem muitas alterações quanto ao que já era aplicado até então.

Por fim, com a entrada em vigor da Lei nº 13.105/2015, atual Código de Processo Civil, iniciou-se novo período no qual, embora não se tenha previsto expressamente a fungibilidade como princípio recursal, instituiu-se formalmente duas hipóteses de sua aplicação: entre o recurso de Embargos de Declaração e o Agravo Interno (Art. 1.024, § 3º); e entre os recursos Extraordinário e Especial entre si (artigos, 1.032 e 1.033).

Desse modo, analisando o atual Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015), foi possível identificar as inovações que o novo estatuto processual trouxe ao ordenamento jurídico brasileiro ao prever expressamente duas hipóteses de aplicabilidade do princípio da fungibilidade recursal. Na

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primeira delas, o atual CPC apenas formalizou uma prática já costumeira no âmbito dos tribunais pátrios de receber os Embargos de Declaração opostos em face de decisão monocrática do relator do recurso como Agravo Regimental (ou Agravo Interno). Nesse ponto, a inovação restringiu-se a determinar que o tribunal possibilite ao recorrente que adeque suas razões recursais ao disposto no art. 1.021, § 1º.

A segunda hipótese se trata de verdadeira inovação, contrariando a jurisprudência das Cortes Superiores a respeito da matéria, visto que, até então, a substituição entre o Recurso Especial e o Recurso Extraordinário era considerada erro grosseiro, a afastar a incidência da fungibilidade. Elogiada pela doutrina, essa inovação possibilitou o livre trânsito da tese recursal entre as Cortes Superiores, inclusive determinando ao STJ que intime o recorrente para ajustar suas razões recursais, a fim de que seja possível a conversão do Recurso Especial em Extraordinário.

Verificou-se, ainda, que é pacífico na doutrina que as hipóteses de aplicação do princípio da fungibilidade recursal expressamente previstas no atual CPC não são taxativas, entendimento esse consolidado no enunciado 104 do Fórum Permanente de Processualistas Civis.

Constatou-se, também, que a jurisprudência de ambas as Cortes Superiores (STF e STJ) tem corroborado esse entendimento e aplicado a substitutibilidade recursal em outras situações além daquelas previstas nos artigos 1.024, §3º; 1.032 e 1.033 do atual Código de Processo Civil.

Quanto aos requisitos necessários para aplicação do princípio da fungibilidade recursal pelos tribunais pátrios, inclusive as Cortes Superiores, verificou-se que o recurso deve preencher todos os respectivos requisitos (intrínsecos e extrínsecos) para que o princípio possa ser aplicado, bem como, apesar das mudanças ocorridas na legislação processual civil brasileira, a existência de erro grosseiro permanece como fato apto a afastar a incidência do referido princípio.

Constatou-se, também, que a ausência de erro grosseiro é comprovada pela existência de dúvida objetiva a respeito de qual é o recurso cabível, posto que o recorrente não pode ser prejudicado em razão de dúvida fundada em imprecisão legislativa ou em divergência existente na doutrina ou na jurisprudência. Desse modo, conclui-se que a complementariedade entre dúvida objetiva e ausência de erro grosseiro caracteriza-se como único requisito específico para aplicação da fungibilidade recursal.

Por fim, o objetivo geral da presente pesquisa – identificar os requisitos e as hipóteses de aplicação do princípio da fungibilidade recursal no âmbito do STF e do STJ, de acordo com o Código de Processo Civil de 2015, a doutrina processualista e a jurisprudência das referidas Cortes – foi alcançado, com a ressalva de que o presente estudo abordou de forma exemplificativa e não exauriente as hipóteses de incidência da fungibilidade recursal, uma vez que, não sendo taxativas, novas situações podem surgir em que os tribunais entendam pela substitutibilidade de um recurso por outro.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus pelo dom da vida e por todos os desafios e oportunidades que encontrei em meu caminho, dentre os quais se incluem a graduação na área jurídica e esta especialização em direito processual civil. Agradeço, também, aos professores, aos colegas de trabalho, aos companheiros de curso, e a todos que, de alguma maneira, contribuíram para o desenvolvimento deste artigo e, principalmente, àqueles que sempre estiveram presentes em minha vida.