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Processo Penal Prof. Danilo Pereira Apostila 1. O Processo Penal: o direito de punir; pretensão punitiva e lide penal; o processo penal. Sistemas processuais: inquisitivo, acusatório e misto. O direito de punir Uma das tarefas essenciais do Estado é regular a conduta dos cidadãos por meio de normas objetivas sem as quais a vida em sociedade seria praticamente impossível. São assim estabelecidas regras para regulamentar a convivência entre as pessoas e as relações destas com o próprio Estado, impondo aos seus destinatários determinados deveres, genéricos e concretos, aos quais correspondem os respectivos direitos ou poderes das demais pessoas ou do Estado. Esse conjunto de normas, denominado direito objetivo, exterioriza a vontade do Estado quanto à regulamentação das relações sociais, entre indivíduos, entre organismos do Estado ou entre uns e outros. Disso resulta que é lícito um comportamento que está autorizado ou não está vedado pelas normas jurídicas. Essa possibilidade de comportamento autorizado constitui o direito subjetivo, faculdade ou poder que se outorga a um sujeito para a satisfação de seus interesses tutelados por uma norma de direito objetivo. Mas o direito objetivo, ao mesmo tempo em que possibilita as atividades lícitas, é um sistema de limites aos poderes e faculdades do cidadão, que está obrigado pelo dever de respeito aos direitos alheios ou do Estado. Quem se afasta do imperativo das regras jurídicas fica submetido à coação do Estado pelo descumprimento de seus deveres, eis que seriam inócuas as normas se não estabelecessem sanções para 1

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Apostila 1. O Processo Penal: o direito de punir; pretensão

punitiva e lide penal; o processo penal. Sistemas processuais:

inquisitivo, acusatório e misto.

O direito de punir

Uma das tarefas essenciais do Estado é regular a conduta dos cidadãos

por meio de normas objetivas sem as quais a vida em sociedade seria

praticamente impossível. São assim estabelecidas regras para

regulamentar a convivência entre as pessoas e as relações destas com o

próprio Estado, impondo aos seus destinatários determinados deveres,

genéricos e concretos, aos quais correspondem os respectivos direitos ou

poderes das demais pessoas ou do Estado. Esse conjunto de normas,

denominado direito objetivo, exterioriza a vontade do Estado quanto à

regulamentação das relações sociais, entre indivíduos, entre organismos

do Estado ou entre uns e outros. Disso resulta que é lícito um

comportamento que está autorizado ou não está vedado pelas normas

jurídicas. Essa possibilidade de comportamento autorizado constitui o

direito subjetivo, faculdade ou poder que se outorga a um sujeito para a

satisfação de seus interesses tutelados por uma norma de direito objetivo.

Mas o direito objetivo, ao mesmo tempo em que possibilita as atividades

lícitas, é um sistema de limites aos poderes e faculdades do cidadão, que

está obrigado pelo dever de respeito aos direitos alheios ou do Estado.

Quem se afasta do imperativo das regras jurídicas fica submetido à

coação do Estado pelo descumprimento de seus deveres, eis que seriam

inócuas as normas se não estabelecessem sanções para aqueles que as

desobedecem, lesando direito alheio, pondo em risco a convivência social

e frustrando o fim perseguido pelo Estado. A sujeição de todos às normas

estabelecidas pelo Estado somente pode ser obtida com a cominação,

aplicação e execução das sanções previstas para as transgressões

cometidas, denominadas ilícitos jurídicos. Essas sanções, em princípio,

são o “ressarcimento” dos danos e prejuízos causados pela conduta

proibida. Por vezes, porém, tais sanções se mostram insuficientes para

coibir determinados ilícitos. Há certos deveres que, por sua

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transcendência social, ou seja, sua importância, devem ser reforçados

com outras normas, destinadas a fazer possível a convivência dos

indivíduos em sociedade. São deveres que devem ser obedecidos em

favor de toda a comunidade, sem o que não poderia existir a paz jurídica.

Em caso de infração a esses deveres, a exigência de que se sancione o

ilícito transcende a esfera jurídica do interesse particular para afetar a

própria comunidade social e política. Nessa hipótese, em que se lesa ou

põe em perigo direito que interessa à própria sociedade, o Estado, cuja

finalidade é a consecução do bem comum, investido por isso no direito de

punir (jus puniendi), institui sanções penais contra o infrator.

Esse direito de punir do Estado, entretanto, não é arbitrário, mas sim

delimitado nos países civilizados pelo princípio de reserva legal e, no

Brasil, é previsto na Constituição Federal: “não há crime sem lei anterior

que o defina, nem pena sem prévia cominação legal” (art. 5°, XXXIX).

Prevendo o Estado, através da lei, quais são os fatos que constituem

infrações penais (crimes e contravenções) e cominando as sanções

correspondentes (penas, medidas de segurança, efeitos da condenação),

cria o direito penal objetivo, definido como o “conjunto de normas

jurídicas que o Estado estabelece para combater o crime, através

das penas e medidas de segurança”. É um direito regulador,

normativo, obrigatório, coativo e sancionatório. Suas normas distinguem-

se de outras, como as religiosas, morais, consuetudinárias etc., pois

emitem imperativos, que assumem forma positiva (mandato) ou negativa

(proibição). Assim, o direito penal, em sentido objetivo, é o conjunto de

normas que descrevem os delitos e estabelecem as sanções, e, em sentido

subjetivo, o direito de punir do Estado (jus puniendi). Definindo

abstratamente os fatos que devem ser considerados como infrações

penais e cominando para os seus autores as sanções correspondentes,

estabelece o Estado os limites do jus puniendi em um plano abstrato. No

instante, porém, em que alguém pratica um fato previsto na lei penal,

aquele jus puniendi desce do plano abstrato para o concreto, pois, já

agora, o Estado tem o dever de infligir a pena ao autor da conduta

proibida. O jus puniendi, portanto, pode ser definido como o direito que

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tem o Estado de aplicar a pena cominada no preceito secundário

da norma penal incriminadora, contra quem praticou a ação ou

omissão descrita no preceito primário, causando um dano ou lesão

jurídica. A punição ao autor da lesão social representa a justa reação do

Estado contra o autor da infração penal, em nome da defesa da ordem e

da boa convivência entre os cidadãos. E como os interesses tutelados

pelas normas penais são, sempre, eminentemente públicos, sociais,

impõe-se a atuação do Estado, não como simples faculdade de impor

medidas penais, mas como obrigação funcional de realizar um dos

fins essenciais de sua própria constituição, que é a manutenção e

reintegração da ordem jurídica. O Estado não tem, apenas, o direito

de punir, mas, sobretudo, o dever de punir. O jus puniendi ou o poder de

punir é uma manifestação da soberania estatal, e enquadra-se na

categoria dos direitos públicos subjetivos do Estado porque este intervém

na relação jurídica como soberano. Mas o direito- poder de punir só pode

realizar-se, como será visto, através do processo penal.

Pretensão punitiva e lide penal

Em razão da convivência do homem com os outros homens podem surgir

conflitos de interesses quando os de um se opõem aos de outro. O mesmo

ocorre quando esses interesses em conflito pertencem de um lado ao

Estado e de outro a um homem. Com a prática de um ilícito penal, surge

um conflito de interesses entre o direito subjetivo de punir do Estado (jus

puniendi in concreto) e o direito de liberdade do indigitado autor da

infração (jus libertatis). Trata-se de um conflito de interesses regulado

pelo direito que, no dizer de Carnelutti, é “uma situação favorável à

satisfação de uma necessidade que exclui a situação favorável de uma

necessidade diversa”. Dessa exigência de subordinação do interesse

alheio ao interesse próprio resulta a existência de uma pretensão. Esta

existe, portanto, quando uma das partes afirma contra uma outra, que se

compete, em um conflito de interesses, a proteção do direito. Na esfera

penal, da exigência de subordinação do interesse do autor da infração

penal ao interesse do Estado, resulta a pretensão punitiva. Havendo

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oposição de uma parte à pretensão de outra, passa a existir a lide. Lide

existe quando, no conflito de interesses, uma parte se opõe à pretensão

da outra. Logo, o conflito de interesses passa a ser uma lide em virtude

do comportamento das partes: uma que pretende, outra que resiste à

pretensão. A lide é, pois, o conflito de interesses qualificado pela

pretensão de um dos interessados e pela resistência do outro. No

campo penal, opondo-se o titular do direito de liberdade à

pretensão punitiva, e não podendo o Estado impor, de plano, o seu

interesse repressivo, surge a lide penal. Mesmo que o autor da

conduta punível não queira resistir à pretensão do Estado, deve fazê-lo,

pois o Estado também tutela o jus libertatis do imputado autor do crime.

Diante da auto-limitação que se impõe o próprio Estado, a pretensão

punitiva somente pode ser exercida tendo como instrumento o direito de

ação (jus persequendi ou jus persecutionis). É com o direito de ação,

consistente em obter do juiz a sentença sobre a lide deduzida no

processo, que o Estado demonstra a existência do jus puniendi no caso

concreto a fim de ser aplicada a sanção penal adequada sem a violação do

jus libertatis do autor da infração penal.

Dessa forma, temos sempre um conflito de interesses só solucionável pela

jurisdição que o compõe através do processo, o meio utilizado para tanto,

após ser acionada pelo Estado-administração (no caso de ação penal

pública), ou um eventual substituto processual seu, em se tratando de

ação penal de iniciativa privada.

O processo penal

Praticado um fato que, aparentemente ao menos, constitui um ilícito

penal, surge o conflito de interesses entre o direito de punir do Estado e o

direito de liberdade da pessoa acusada de praticá-lo. Esse conflito não

pode ser dirimido pela auto-defesa, que é o emprego da força e, portanto,

a negação do próprio direito com a prevalência do mais forte sobre o

mais fraco. Tampouco se pode empregar a auto-composição, que envolve

a submissão de um dos titulares de menor resistência. Assim, no Estado

moderno a solução do conflito de interesses, especialmente no campo

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penal, se exerce através da função jurisdicional do Estado no que se

denomina processo e, em se tratando de uma lide penal, processo penal.

É a forma que o Estado impõe para compor os litígios, inclusive de

caráter penal, através dos órgãos próprios da administração da

Justiça. Como na infração penal há sempre uma lesão ao Estado, este,

como Estado-Administração, toma a iniciativa de garantir a observância

da lei recorrendo ao Estado-Juiz para, no processo penal, fazer valer sua

pretensão punitiva. Só assim o Estado pode exigir que o interesse do

autor da conduta punível em conservar sua liberdade se subordine ao

seu, que é o de restringir o jus libertatis com a inflição da pena. A

Constituição Federal consagra a imprescindibilidade da atuação do órgão

jurisdicional através do processo, estabelecendo os princípios do devido

processo legal e do juiz natural.

Devido processo legal

O princípio do devido processo legal está fixado na Constituição

Federal no art. 5°, LIV: “ninguém será privado da liberdade ou de seus

bens sem o devido processo legal”. Sua origem remonta à Carta Magna

inglesa, de 1215, em que se estabelecia a garantia de que a aplicação de

sanção só poderia ser efetuada de acordo com a lei da terra (by the law of

the land). A expressão foi alterada em 1355, quando o Rei Eduardo III foi

obrigado pelo parlamento a aceitar um Estatuto que se referia ao devido

processo legal (due process of law). Tal garantia passou para colônias

americanas e, posteriormente, foi incorporada pelo sistema constitucional

federal dos Estados Unidos da América, em 1791 (V emenda) e em 1867

(XIV emenda). O fim originariamente visado pelo princípio era o da

proteção individual, por meio de uma limitação posta ao poder, mas hoje

se entende que é uma cláusula aberta, indeterminada, mas não vazia de

conteúdo, dela defluindo vários princípios que a jurisprudência,

atendendo a sua origem, evolução e finalidade, vai reconhecendo e

aplicando aos casos concretos.

Inobservância do devido processo legal

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Toda lei que não observar determinados critérios de elaboração

legislativa, infringindo garantias fundamentais do indivíduo, será

considerada inconstitucional por infringência deste princípio superior.

Como se percebe, a sua enunciação no Texto Constitucional não é inútil;

pelo contrário, ela tem permitido o florescer de toda uma construção

doutrinária e jurisprudencial que tem procurado agasalhar o réu contra

toda e qualquer sorte de medidas que o inferiorize ou impeça de fazer

valer as suas autênticas razões.

Juiz natural

O princípio do juiz natural ou do juiz constitucional (nulla poena sine

judice) está inscrito no artigo 5°, LIII, da CF (ninguém será processado

nem sentenciado senão pela autoridade competente) e no mesmo artigo,

inc. XXXVII (não haverá juízo ou tribunal de exceção). Significa que a lei

penal não pode ser aplicada senão seguindo-se as formas processuais

estabelecidas na lei, ou em outras palavras: o direito penal material

não pode ser realizado senão pela via do direito processual penal,

de sorte que ninguém pode ser punido senão mediante um juízo

regular e legal. O Estado pode exercitar seu direito à repressão somente

pela forma processual e perante os órgãos jurisdicionais estabelecidos na

lei.

Órgãos estatais atuantes em um processo

O Estado e o Direito estabelecem um sistema de órgãos públicos,

perfeitamente diferenciados em sua atividade, como a Polícia, o

Ministério Público, os Juízes e Tribunais, com a finalidade comum de

prevenção e repressão das infrações penais. A Polícia tem como função

primordial impedir a prática dos ilícitos penais e descobrir a ocorrência

desses ilícitos e a autoria deles. O Ministério Público representa o

interesse do Estado na imposição da sanção aos delinqüentes, procurando

assegurar a imparcialidade do órgão jurisdicional. A imposição da pena e

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sua posterior execução exige a imparcialidade daquele que vai exercer a

função decisória, ou seja, se o acusado é culpado ou inocente; é a

atividade do Juiz. Para a resolução da lide entra em atividade o poder

jurisdicional do Estado, cujo órgão se coloca eqüidistante dos titulares em

choque, para dar a cada um o que é seu, o que o faz mediante a aplicação

de norma ditada, para o caso, pela ordem jurídica. A solução da lide é

realizada através de atos em que cada uma das partes tem oportunidade

de demonstrar a prevalência de seu interesse sobre o da outra: a

acusação em obter o reconhecimento da pretensão punitiva; a defesa em

não sofrer restrição ao seu direito de liberdade.

Definição de processo

Ao conjunto desses atos, que visam a aplicação da lei ao caso concreto, se

dá o nome de processo. O processo soluciona a lide, ou seja, compõe o

litígio.

definição formal: é o conjunto de atividades e formas, mediante as

quais os órgãos competentes, preestabelecidos na lei, observando certos

requisitos, promovem, julgando, a aplicação da lei penal em cada caso

concreto, ou, a série de sucessão de atos que se realizam e desenvolvem

no tempo, sujeitos a normas de procedimento, e através do qual se realiza

a atividade jurisdicional, mediante o exercício pelo órgão jurisdicional

penal de seus poderes, com o concurso das partes e terceiros na

atividade cooperadora que ela requer. No processo se desenvolve uma

série de atos coordenados visando à composição da lide, e esta se

compõe, fica solucionada, quando o Estado, através do Juiz, depois de

devidamente instruído com as provas colhidas, depois de sopesar as

razões dos litigantes, dita sua resolução com força obrigatória.

definição material: materialmente o processo é uma relação jurídica

autônoma, diversa do direito material discutido, de caráter público, entre

o Estado-Juiz e as partes. Existe no processo um complexo de vínculos

jurídicos que se estabelecem não só entre as partes acusadora e acusada

mas entre estas e o julgador.

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Na esfera penal, o Estado-Administração tem o direito subjetivo público

de exigir a tutela jurisdicional no exercício do jus puniendi; o acusado

tem o direito subjetivo de liberdade a ser assegurado; e o Estado-Juiz tem

a obrigação de proferir a decisão, dever decorrente da sujeição daqueles

ao poder jurisdicional.

Finalidade do Processo Penal

Duas são as finalidades:

1. finalidade mediata: penal se confunde com a finalidade do Direito

Penal, ou seja, é a proteção da sociedade, a paz social, a defesa dos

interesses jurídicos, a convivência harmônica das pessoas no território da

nação.

2. finalidade imediata: é conseguir, mediante a intervenção do juiz, a

realização da pretensão punitiva do Estado derivada da prática de uma

infração penal, em suma, a realização do direito penal objetivo. Incidindo

sobre uma situação concreta, o Estado, no processo, torna efetiva,

através dos órgãos judiciários, a ordem normativa do Direito Penal, com o

que assegura a aplicação de suas regras e preceitos. Para solucionar com

exatidão o litígio penal, o juiz, no processo, deve apurar a verdade dos

fatos a fim de aplicar, com justiça, a lei penal.

Sistemas processuais

Segundo as formas com que se apresentam e os princípios que os

informam são três os sistemas processuais utilizados na evolução

histórica do direito: o inquisitivo, o acusatório e o misto.

Sistema inquisitivo

No sistema inquisitivo encontra-se mais uma forma auto-defensiva de

administração da justiça do que um genuíno processo de apuração da

verdade. Tem suas raízes no Direito Romano, quando, por influência da

organização política do Império, se permitiu ao juiz iniciar o processo de

ofício. Revigorou-se na Idade Média, através do Tribunal da Inquisição,

influenciado por um “Direito Penal da Igreja”. Diante da necessidade de

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afastar a repressão criminal dos acusadores privados e alastrou-se por

todo o continente europeu a partir do Século XV diante da influência da

Igreja e só entrou em declínio com a Revolução Francesa.

Suas características são:

1. não existem regras de igualdade e liberdade processuais, o réu é visto

como mero objeto da persecução;

2. o processo é normalmente escrito e secreto e se desenvolve em fases

por impulso oficial (pelo próprio juiz), a confissão é elemento suficiente

para a condenação, permitindo-se inclusive a tortura para sua obtenção;

3. reunia na mesma pessoa as funções de acusar e julgar, e as vezes, até

mesmo defender;

Sistema acusatório

O sistema acusatório tem suas raízes na Grécia e em Roma, instalado com

fundamento na acusação oficial, embora se permitisse,

excepcionalmente, a iniciativa da vítima, de parentes próximos e até de

qualquer do povo. Floresceu na Inglaterra e na França após a revolução,

sendo hoje adotado na maioria dos países americanos e em muitos da

Europa. No direito moderno, tal sistema implica o estabelecimento de

uma verdadeira relação processual com o actum trium personarum

(ato de três personagens), ou seja, juiz, autor e réu. Características

marcantes do sistema acusatório:

1. o contraditório, como garantia político-jurídica do cidadão;

2. existe, em decorrência do contraditório, igualdade de direitos e

obrigações entre as partes;

3. o processo é público, excepcionalmente permite-se uma publicidade

restrita ou especial;

4. as funções de acusar, defender e julgar são atribuídas a pessoas

distintas e, logicamente, não é dado ao juiz iniciar o processo (ne

procedat judex ex officio);

5. o processo pode ser oral ou escrito;

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6. a iniciativa do processo cabe à parte acusadora, que poderá ser o

ofendido ou seu representante legal, qualquer cidadão do povo ou um

órgão do Estado.

Sistema misto

O sistema misto, ou sistema acusatório formal, é constituído de uma

instrução inquisitiva (de investigação preliminar e instrução preparatória)

e de um posterior juízo contraditório (de julgamento). Embora as

primeiras regras desse processo fossem introduzidas com as reformas da

Ordenança Criminal de Luiz XIX (1670), a reforma radical foi operada

com o Code D'Instruction Criminelle de 1808, na época de Napoleão,

espalhando-se pela Europa Continental no século XIX. É ainda o sistema

utilizado em vários países da Europa e até da América Latina.

No direito contemporâneo, o sistema misto combina elementos

acusatórios e inquisitivos em maior ou menor medida, segundo o

ordenamento processual local e se subdivide em duas orientações,

segundo a predominância na segunda fase do procedimento escrito ou

oral, o que, até hoje, é matéria de discussão. Assim, são suas

características:

1. uma fase preliminar inquisitiva;

2. julgamento com as garantias do sistema acusatório.

Sistema processual adotado no Brasil

No Brasil, a Constituição Federal assegura o sistema acusatório no

processo penal. Apesar disso, não pode se afirmar ser aqui adotado um

sistema acusatório puro, pois há resquícios do inquisitorialismo no

inquérito policial. Vejamos as principais características do sistema

processual brasileiro (acusatório não puro):

1. as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais

incumbem às polícias civis – artigo 144 e parágrafos da CF/88.

2. estabelece o contraditório e a ampla defesa, com o meio e recursos a

ela inerentes – art. 5o, inciso LV CF

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3. a ação penal pública é promovida, privativamente, pelo Ministério

Público – art. 129, I CF, embora seja assegurado ao ofendido o direito à

ação penal privada subsidiária da pública – art. 5o, LIX CF;

4. a função de julgar está afeta a juízes constitucionalmente investidos –

arts. 5o, LIII e 92 CF

5. A CF obriga a motivação das decisões judiciais – art. 93, IX CF, e a

publicidade dos atos processuais, podendo a lei restringi-la apenas

quando a defesa da intimidade ou o interesse público o exigirem – art. 5o,

LX.

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