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Mario Mario Possas Possas 2 III.1. Modelos evolucionários de inovação e dinâmica industrial endógena 1. O Modelo Nelson & Winter O modelo de Nelson & Winter (N&W) é o pioneiro nesta linha e uma referência para os demais. É um modelo dinâmico setorial de simulação para testar as trajetórias geradas sob distintas hipóteses de parâmetros e alguns fatos estilizados (N & W, 1982, caps. 12 e 13). É importante, no entanto, antes de apresentar o modelo, considerar os principais elementos da teoria evolucionária desses autores, bem como possíveis limitações, de forma que o arcabouço do modelo seja explicitado mais claramente.

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Page 1: 1 Mario Possas CONCORRÊNCIA E MUDANÇA TECNOLÓGICA Prof. Mario Possas, IE/UFRJ III – Indústria e Tecnologia (II): Inovações e Dinâmica Industrial (2)

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III.1. Modelos evolucionários de inovação e dinâmica industrial endógena

1. O Modelo Nelson & Winter

O modelo de Nelson & Winter (N&W) é o pioneiro nesta linha e uma referência para os demais. É um modelo dinâmico setorial de simulação para testar as trajetórias geradas sob distintas hipóteses de parâmetros e alguns fatos estilizados (N & W, 1982, caps. 12 e 13).

É importante, no entanto, antes de apresentar o modelo, considerar os principais elementos da teoria evolucionária desses autores, bem como possíveis limitações, de forma que o arcabouço do modelo seja explicitado mais claramente.

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Além das características gerais de uma teoria evolucionária (noções de processo evolutivo, trajetórias não-deterministas, geração endógena de variedade e sua seleção), a abordagem de N&W identifica as correspondências entre elementos biológicos e econômicos: fenótipos → firmas; genes → rotinas (formas organizacionais); populações → indústrias (mercados); mutações → inovações; adaptabilidade (fitness) → lucratividade.

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As principais dificuldades nessa analogia seriam:

(i) a correspondência duvidosa entre genes e rotinas;

(ii) a analogia fraca com mecanismos de replicação;

(iii) a caracterização imprecisa do atributo de adaptabilidade (fitness) do mecanismo de seleção; e

(iv) o fato crucial de que as mutações não são aleatórias, mas objeto de busca motivada e direcionada, o que altera o próprio processo de seleção.

Vejamos cada um com mais detalhe.

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(i) A correspondência duvidosa entre genes e rotinas é de certo modo reconhecida pelos próprios autores. Talvez para contornar objeções, seu conceito de rotinas é o mais amplo possível, abarcando desde procedimentos técnicos bem especificados de produção até critérios ou parâmetros de reposição de estoques, de investimentos, de P&D e de publicidade. Para cumprir função análoga à dos genes, como reconhecem os autores, é necessária sua persistência no tempo (elo de ligação entre resultados passados e oportunidades presentes), sem o que nenhum processo evolucionário seria viável.

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(ii) A analogia fraca com os mecanismos biológicos de replicação poderia não ser um problema, dado que a rigor “um mecanismo específico de replicação não é requerido para que o processo de seleção opere”, mas tão somente a “variação de comportamento” (Vromen, 1995). Porém, é indispensável que tal comportamento permaneça estável, isto é, as rotinas têm que ser duradouras. Inconsistências nas rotinas prejudicam o processo de seleção, recaindo no problema anterior.

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(iii) A dificuldade de caracterização da adaptabilidade (fitness) também ocorre na seleção econômica. Vale registrar o tradicional risco de raciocínio circular, também presente na analogia econômica (um atributo seria “mais adaptado” ao mercado por ter sido selecionado por ele), do qual a “lucratividade” em que aparentemente apostam N&W pode ser um exemplo, dado que a busca de maiores lucros é o óbvio objetivo comum às empresas. Talvez competitividade tenha chance de ser um atributo menos circular, se os seus fatores determinantes forem especificados em cada caso.

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(iv) O fato de as “mutações” econômicas (inovações) não serem aleatórias talvez seja a diferença de maior alcance em relação à evolução biológica. A intencionalidade da busca por inovações é crucial, e tem duas dimensões: a inovação propriamente e o esforço adaptativo (aprendizado). Daí a conclusão de Vromen de que existem a rigor dois mecanismos evolucionários de seleção em economia: a adoção de uma inovação, ou a seleção propriamente dita, e a adaptação (principalmente por aprendizado) ao ambiente por ela modificado.

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Tratemos a seguir do modelo N&W (1982, caps. 12 e 13). Este assume as seguintes hipóteses básicas, em geral simplificadoras: O objeto da análise é uma indústria, com n firmas

inicialmente iguais, produzindo um produto homogêneo, e na qual ocorre progresso técnico na forma de inovação de processo. O objetivo é descrever sua trajetória por simulação.

As técnicas apresentam coeficientes fixos (retornos constantes), sendo utilizada em cada firma a cada momento a técnica de maior produtividade.

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As firmas operam a plena capacidade, utilizando ativos correspondentes à tecnologia de máxima produtividade.

O preço (uniforme) é determinado no mercado, dada exogenamente a demanda do mercado e a oferta de cada firma.

Assim, dada a tecnologia, a produção e os custos de cada empresa, resulta sua margem e taxa de lucro .

As firmas podem ter diferentes estratégias de P&D, consubstanciadas em diferentes gastos em P&D inovativo e imitativo como proporção do capital.

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No modelo, as inovações são tratadas como processos estocásticos, em duas fases: na 1a, a probabilidade de sucesso inovativo (imitativo) é proporcional ao gasto em P&D - se imitativo, a partir da tecnologia de fronteira (“best practice”) da indústria; se inovativo, a partir de uma distribuição de níveis tecnológicos (expressos em produtividade) em torno de um crescimento estocástico da fronteira.

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Na 2a fase, obtém-se com certeza uma cópia da tecnologia best practice, se for imitação; ou uma seleção aleatória sobre a distribuição de alternativas tecnológicas disponíveis no deslocamento da fronteira, se for inovação. Como não há “retrocesso técnico”, apesar de esse deslocamento ser aleatório, não pode haver diminuição da produtividade.

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Gera-se então uma dinâmica em cada firma, e no conjunto da indústria, a partir de dois mecanismos: (i) o investimento, que cria nova capacidade a partir da lucratividade alcançada, aumentando a produção e reduzindo o preço de mercado; e (ii) os gastos em P&D, que afetam a probabilidade de sucesso inovativo ou imitativo e, com isso, o nível de produtividade desta capacidade instalada, que entrará em operação no período seguinte.

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O resultado final do modelo é uma trajetória dinâmica da indústria em questão, cuja “estrutura” passa a ser endógena, expressa em variáveis tais como market shares e rentabilidade de cada empresa a cada momento, e que podem variar sob distintas hipóteses de simulação. O desempenho das empresas individuais, em termos de variáveis como produtividade e rentabilidade e a respectiva média da indústria, assim como variáveis definidas diretamente ao nível da indústria, como o preço, são também determinadas endogenamente pelas simulações.

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2. Outros modelos: aperfeiçoamentos

O modelo de simulação de Dosi, Silverberg e Orsenigo (1988) é complementar ao de Nelson & Winter: embora em continuação à linha neo-schumpeteriana/evolucionária, contém elementos adicionais importantes.

Um aspecto central, que chama a atenção diretamente mas talvez não seja o principal, é que o modelo tenta simular uma bifurcação de uma trajetória tecnológica (mudança significativa de direção) em lugar da evolução “normal” desta, por inovações incrementais.

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Outros aspectos, talvez ainda mais importantes, são:

O modelo introduz aprendizado, ausente do modelo N&W, segundo uma curva crescente (a taxas decrescentes) com a produção acumulada utilizando a nova tecnologia.

A adoção de uma nova tecnologia depende de um cálculo de rentabilidade esperada com um forte componente de expectativa quanto à rapidez desse aprendizado e do ganho de eficiência resultante.

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Os preços, diferenciados, são determinados por estratégia das empresas, por influência de dois fatores: (i) o mark up desejado sobre custos variáveis unitários, expressando seu poder de mercado e liderança de preços; e (ii) o preço médio do mercado, expressando falta de liderança ou propensão ao conluio.

Os market shares são definidos por uma equação diferencial extraída da biologia – “replicator equation”, de R. Fisher – pela qual sua variação proporcional é função crescente da competitividade da firma em relação à média da indústria.

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O modelo Possas, Koblitz et alii (2001) segue nessa mesma linha, mas procurando uma integração com o de N&W, do qual é mantida a introdução estocástica de inovações incrementais. Outros aspectos diferenciadores do modelo são: Separação entre preços e decisões de produção;

estas são baseadas em projeção de vendas anteriores (expectativas extrapolativas).

Procedimento análogo para decisões de investimento em nova capacidade, baseadas em projeção de vendas anteriores.

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Os investimentos em nova tecnologia (modernização da planta) dependem de um cálculo de rentabilidade esperada comparativa com as “safras” de equipamentos a serem repostos.

Ambos os tipos de investimento estão sujeitos a uma restrição financeira, que depende do grau de endividamento da empresa.

Outros aspectos deste modelo acompanham em algum grau o modelo de Silverberg et alii, com aperfeiçoamentos; destacando-se os seguintes:

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Preços obedecem à equação de Kalecki na seguinte forma, com 0 < θ < 1:

.

A equação replicator é utilizada na forma discreta, determinando os market shares:

, onde E

é a competividade:

,, , 1 1 1

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Es sE

1 2,, ,

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A busca tecnológica, em 2 estágios, segue processos estocásticos como em N&W:

10 estágio:

20 estágio:

- Se imitação, obtém produtivdade da fronteira tecnológica;

- Se inovação, obtém produtividade de acordo com a distribuição log-normal:

Log(Ni,t) ~ N(2).

, , ,Pr( 1) 1 exp( )n n i i t i t nd p x a

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A produtividade de cada equipamento/tecnologia é dada por:

, onde h é um fator de aprendizado:

.

Havendo sucesso inovativo/imitativo, haverá investimento na nova tecnologia se houver recursos e se a produtividade alcançada passar pelo critério de rentabilidade (payback):

tjitjitji h ,,0

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Algumas simulações deste modelo serão apresentadas a seguir.