1. introdução o objetivo deste trabalho é discutir o tema supervisão

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(Artigo publicado no Livro “Avaliação de Riscos – Manual de Boas Práticas”. São Paulo, Abrapp/ICSS/Sindapp, 2008, p. 157-173.) A supervisão baseada em riscos na previdência complementar no Brasil: estágio atual e perspectivas Ricardo Pena e Geraldo Galazzi 1 Resumo : O trabalho ressalta a importância da supervisão baseada em riscos para o segmento da previdência complementar fechada. Para esse fim, faz breve incursão em aspectos conceituais de riscos e de gestão de riscos. A supervisão baseada em riscos é abordada em seus itens gerais para fundos de pensão, além de uma síntese da experiência internacional e nacional no tema, chegando ao ambiente brasileiro de previdência complementar, seu estágio atual e perspectivas. O objetivo do trabalho é discutir a metodologia da supervisão baseada em risco e sua aplicação para o regime de previdência complementar fechada no Brasil. A conclusão apresenta proposta de recomendação da Secretaria de Previdência Complementar a ser envida ao Conselho de Gestão de Previdência Complementar, os desafios a serem enfrentados por regulador, supervisor e o próprio sistema na implementação dessa abordagem, assim como a oportunidade que representa a aprovação da Superintendência Nacional de Previdência Complementar (PREVIC) como facilitador desse processo. Sumário : 1. Introdução 2. Gestão de Riscos 3. Aspectos gerais da supervisão baseada em riscos para fundos de pensão 4. Experiência internacional de supervisão baseada em riscos 5. A supervisão baseada em riscos no Brasil 6. A supervisão baseada em riscos no ambiente da previdência complementar 7. Estágio atual e perspectivas da supervisão baseada em riscos para a previdência complementar no Brasil 8. Conclusão 9. Referências bibliográficas. Palavras-chave : riscos; gestão de riscos; supervisão baseada em riscos; fundos de pensão; previdência complementar; regulação e supervisão; fiscalização. 1. Introdução O objetivo deste trabalho é discutir o tema supervisão baseada em riscos como abordagem de supervisão a ser utilizada amplamente pelas autoridades reguladora e supervisora do regime de previdência complementar, operado pelas entidades fechadas de previdência complementar, no desenvolvimento de suas competências legais. No intuito de facilitar a compreensão, antes de adentrar no objetivo estabelecido, fez-se breve explanação a respeito de aspectos conceituais de riscos e de gestão de riscos como processo organizacional, de forma a construir uma linha de raciocínio da origem até a possibilidade de se atuar, no âmbito do sistema de fundos de pensão, com uma abordagem de supervisão baseada em riscos. 1 Ricardo Pena é economista e demógrafo, com pós-graduação em finanças e atuária pela Faculdade de Economia e Administração da USP e doutor pela Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG. É Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil do Ministério da Fazenda. Foi Diretor de Assuntos Econômicos e atualmente exerce o cargo de Secretário de Previdência Complementar do Ministério da Previdência Social. É professor de pós-graduação em Previdência Complementar pela FGV-DF e autor do livro “A demografia dos fundos de pensão”, da coleção MPS, 2007. Geraldo Galazzi é administrador, com especialização em Engenharia da Informação pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e mestrando em Administração pela Universidade de Brasília (UNB). É Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil do Ministério da Fazenda em atividade, desde 2007, na Coordenação Geral de Planejamento e Acompanhamento da Ação Fiscal do Departamento de Fiscalização da Secretaria de Previdência Complementar do Ministério da Previdência Social. 1

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Page 1: 1. Introdução O objetivo deste trabalho é discutir o tema supervisão

(Artigo publicado no Livro “Avaliação de Riscos – Manual de Boas Práticas”. São Paulo, Abrapp/ICSS/Sindapp, 2008, p. 157-173.)

A supervisão baseada em riscos na previdência complementar no Brasil: estágio atual e perspectivas

Ricardo Pena e Geraldo Galazzi 1

Resumo: O trabalho ressalta a importância da supervisão baseada em riscos para o segmento da previdência complementar fechada. Para esse fim, faz breve incursão em aspectos conceituais de riscos e de gestão de riscos. A supervisão baseada em riscos é abordada em seus itens gerais para fundos de pensão, além de uma síntese da experiência internacional e nacional no tema, chegando ao ambiente brasileiro de previdência complementar, seu estágio atual e perspectivas. O objetivo do trabalho é discutir a metodologia da supervisão baseada em risco e sua aplicação para o regime de previdência complementar fechada no Brasil. A conclusão apresenta proposta de recomendação da Secretaria de Previdência Complementar a ser envida ao Conselho de Gestão de Previdência Complementar, os desafios a serem enfrentados por regulador, supervisor e o próprio sistema na implementação dessa abordagem, assim como a oportunidade que representa a aprovação da Superintendência Nacional de Previdência Complementar (PREVIC) como facilitador desse processo. Sumário: 1. Introdução 2. Gestão de Riscos 3. Aspectos gerais da supervisão baseada em riscos para fundos de pensão 4. Experiência internacional de supervisão baseada em riscos 5. A supervisão baseada em riscos no Brasil 6. A supervisão baseada em riscos no ambiente da previdência complementar 7. Estágio atual e perspectivas da supervisão baseada em riscos para a previdência complementar no Brasil 8. Conclusão 9. Referências bibliográficas. Palavras-chave: riscos; gestão de riscos; supervisão baseada em riscos; fundos de pensão; previdência complementar; regulação e supervisão; fiscalização. 1. Introdução

O objetivo deste trabalho é discutir o tema supervisão baseada em riscos como abordagem

de supervisão a ser utilizada amplamente pelas autoridades reguladora e supervisora do regime de

previdência complementar, operado pelas entidades fechadas de previdência complementar, no

desenvolvimento de suas competências legais.

No intuito de facilitar a compreensão, antes de adentrar no objetivo estabelecido, fez-se

breve explanação a respeito de aspectos conceituais de riscos e de gestão de riscos como processo

organizacional, de forma a construir uma linha de raciocínio da origem até a possibilidade de se

atuar, no âmbito do sistema de fundos de pensão, com uma abordagem de supervisão baseada em

riscos. 1 Ricardo Pena é economista e demógrafo, com pós-graduação em finanças e atuária pela Faculdade de Economia e Administração da USP e doutor pela Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG. É Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil do Ministério da Fazenda. Foi Diretor de Assuntos Econômicos e atualmente exerce o cargo de Secretário de Previdência Complementar do Ministério da Previdência Social. É professor de pós-graduação em Previdência Complementar pela FGV-DF e autor do livro “A demografia dos fundos de pensão”, da coleção MPS, 2007. Geraldo Galazzi é administrador, com especialização em Engenharia da Informação pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e mestrando em Administração pela Universidade de Brasília (UNB). É Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil do Ministério da Fazenda em atividade, desde 2007, na Coordenação Geral de Planejamento e Acompanhamento da Ação Fiscal do Departamento de Fiscalização da Secretaria de Previdência Complementar do Ministério da Previdência Social.

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Page 2: 1. Introdução O objetivo deste trabalho é discutir o tema supervisão

Assim, o presente trabalho compõe-se, além desta introdução, de sete tópicos. O segundo é

dedicado à gestão de riscos. O terceiro, o quarto, o quinto, o sexto e o sétimo tópicos contemplam a

supervisão baseada em riscos em fundos de pensão; internacionalmente; no Brasil; no ambiente da

previdência complementar e o estágio atual, além das perspectivas dessa abordagem de supervisão

nesse ambiente. O oitavo tópico dedica-se a concluir os escritos.

2. Gestão de riscos

O futuro é incerto. Decorrentes dessa incerteza advêm os riscos. Porém, em sentido estrito,

nem toda incerteza é risco. A incerteza passa a ser risco quando comporta em si a possibilidade de

causar impacto em pelo menos um objetivo dentro de determinado contexto em análise. Assim, ao

partir da trilogia futuro, incerteza e risco, pode-se definir risco como a incerteza futura que pode ser

mensurada em termos de probabilidade e impacto em relação a um objetivo planejado.

Os riscos podem ser concebidos tanto como ameaça quanto como oportunidade. Na

concepção como ameaça, os riscos têm como conseqüência a possível materialização de perdas

(downside), enquanto que, na concepção como oportunidade, têm como conseqüência a

possibilidade de materialização de ganhos (upside).

O risco se faz presente em toda atividade humana, inclusive viver é uma constante superação

e aproveitamento de riscos cotidianos, nesse sentido pronunciou-se João Guimarães Rosa em sua

obra-prima, o romance Grande Sertão: Veredas, “viver é negócio muito perigoso...” (ROSA, 2001,

p. 26).

Dessa forma, a atividade econômica, como uma das atividades humanas, é permeada de

riscos dos mais variados tipos. Atualmente, com a complexidade e volatilidade em que estão

envolvidos os negócios econômicos e com a ampliação de seus horizontes para a esfera global, os

riscos têm assumido comportamento exponencial a moldar a dinâmica dos negócios modernos e

imprimindo-lhes todo tipo de desafio.

Ao assumir que o comportamento dos riscos está se desenvolvendo exponencialmente, é

imperioso que as organizações estabeleçam um processo formal e estruturado de gestão de riscos

com o objetivo de minimizá-los, quando se tratar de ameaça, ou aproveitá-los, quando se tratar de

oportunidade. Fundamental nesse processo é mensurar os riscos e estabelecer o apetite da

organização em relação a eles a fim de alcançar o necessário equilíbrio entre a exposição a riscos e

a capacidade para suportá-la.

Esse comportamento dos riscos, aliado a fatos, como, por exemplo, a quebra do banco inglês

Barings em 1995 e outros escândalos subseqüentes (Enron, 2001), fez com que a gestão de riscos

viesse a ganhar contornos metodológicos e passasse a ser um processo formal nas organizações,

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Page 3: 1. Introdução O objetivo deste trabalho é discutir o tema supervisão

inicialmente nas instituições financeiras bancárias, visando estabelecer controle sobre adversidades

e dar maior estabilidade ao mercado e segurança a investidores, clientes e órgãos de supervisão.

Atualmente, além da atividade bancária, a aplicação da gestão de riscos tem-se estendido

para outras organizações financeiras, a exemplo das seguradoras de modo geral, e também para

organizações privadas, para entes públicos e suas respectivas organizações públicas.

Nas organizações privadas, até mesmo por força de ordenamento legal dos órgãos

supervisores, os bancos estão mais avançados em termos de formalização de estrutura e de

metodologia para a gestão de riscos. Contudo, nas organizações privadas a gestão de riscos vem

sendo adotada gradativamente e, mesmo que não se encontrem referidas formalidades, observam-se

ações estratégicas para evitar, transferir e partilhar riscos, como pode ser notado nas decisões de

terceirização, contratação de seguros e desenvolvimento partilhado de projetos.

Para os entes públicos e respectivas organizações, no que diz respeito à melhoria da

capacidade de governo de lidar com o risco e a incerteza, observa-se que os governos têm três

papéis em relação à gestão de riscos. Quanto a sua própria atividade de Estado, prestador de serviço

à coletividade ou empreendedor, os governos são responsáveis pela gestão dos riscos dessas

atividades. Quanto aos riscos sem origem específica, cabe aos governos a responsabilidade de

proteger a população ou abrandar as conseqüências. Finalmente, quando indivíduos e organizações

impõem riscos uns aos outros, a responsabilidade dos governos é estabelecer e aplicar as regras para

reger essa relação como agente regulador e supervisor.

Em termos conceituais, “pode-se entender gestão de riscos como o processo sistemático de

identificar, avaliar, classificar e mitigar os fatores de riscos que poderiam atrapalhar os objetivos

estratégicos de uma organização. Não se trata simplesmente de reduzir o trade-off entre risco e

retorno, mas de otimizá-lo.”

Do conceito apresentado, pode-se extrair que o processo de gestão de riscos na organização,

além de permitir o conhecimento e o monitoramento da exposição a todos os tipos de risco, deve ser

estruturado, desenhado e executado de forma integrada a outros processos e áreas de negócio e

alinhado à estratégia organizacional, a fim de agregar valor para a organização e para todos que nela

tenham qualquer tipo de interesse (stakeholders), ou seja, é um processo que vem ao encontro do

estabelecimento de uma efetiva governança corporativa na organização.

Normalmente, o processo de gestão de riscos envolve um ciclo composto pela identificação,

avaliação (mensuração), mitigação (tratamento) e monitoramento dos riscos. A norma australiana e

neozelandesa de gestão de riscos (2004) traz, porém, uma metodologia mais ampla em que o

processo compreende sete etapas: comunicação e consulta; estabelecimento dos contextos;

identificação de riscos; análise de riscos; avaliação de riscos; tratamento de riscos; monitoramento e

análise crítica.

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Page 4: 1. Introdução O objetivo deste trabalho é discutir o tema supervisão

Em fundos de pensão, a gestão de riscos atuariais pode ser visualizada de um ponto de vista

ortodoxo, em que citados riscos são reduzidos a elementos de volatilidade que entram nos modelos

matemáticos, a exemplo dos riscos biométricos e os riscos de mercado. No entanto, uma visão

moderna dessa gestão de riscos deve levar em conta outros fatores intervenientes, como os riscos

institucionais que influenciem no sucesso ou fracasso da gestão estruturada desses riscos.

Desse entendimento, percebe-se que o escopo deve ser ampliado para outros tipos de risco,

como o estratégico, o sistêmico, o operacional, o legal, de crédito, de liquidez, de solvência, tudo

considerado de forma integrada, a fim de objetivamente alcançar efetiva gestão dessa categoria de

risco, no constante desafio de manter a solidez dos planos de benefícios.

Nesse sentido, há entendimento de que uma efetiva gestão de riscos, dentre outros atributos,

é aquela que mantém equilíbrio entre a exposição a riscos e os controles estabelecidos. De outro

modo, se há desequilíbrio, com a exposição a riscos assumindo maior peso, há excesso de exposição

e os objetivos organizacionais estão comprometidos, ou, ainda, se a fonte de desequilíbrio for maior

peso verificado no lado dos controles, há excesso de custos para mitigar a exposição a riscos e

engessamento organizacional na busca de seus objetivos.

A adoção gradual da gestão de riscos pelas organizações, a sua relevância nos contextos

organizacionais, assim como a sua maturidade vêm permitindo o avanço do tema para outras áreas

do conhecimento. Dessa forma, as áreas de auditoria e de supervisão têm evoluído no sentido de

provocar e incorporar o progresso da gestão de riscos nas organizações, com a inclusão desse tema

em suas propostas de trabalho, empregando as denominações auditoria baseada em riscos e

supervisão baseada em riscos. Essa última é mais afeita a órgãos públicos de supervisão com

competência legal para regular e supervisionar o mercado.

Nesse aspecto, a adoção da abordagem de supervisão baseada em riscos, por órgãos

reguladores e supervisores no desenvolvimento de suas atribuições regimentais, está em

consonância com a responsabilidade dos governos de regular e, por conseqüência, supervisionar as

relações de mercado quando indivíduos e organizações impõem riscos uns aos outros.

3. Aspectos gerais da supervisão baseada em riscos para fundos de pensão

As atividades de supervisão dos fundos de pensão, de modo geral, desenvolvem-se segundo

duas abordagens.

Uma tradicional que, dentre outras particularidades, verifica a conformidade com as leis e

regulamentos e tem como foco mais perceptível os fatos presentes e passados.

Outra baseada em riscos, evolução e aprimoramento da abordagem tradicional, que centra

em aspectos do supervisionado que serão verificados mais intensa e detalhadamente e tem nos

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Page 5: 1. Introdução O objetivo deste trabalho é discutir o tema supervisão

eventos futuros o seu foco principal, ou seja, aqueles aspectos das atividades do regulado sujeitos a

maiores riscos que possam atentar contra os princípios de uma efetiva governança corporativa de

qualidade.

Em maiores detalhes, a abordagem tradicional verifica a conformidade, não contempla

especificidades, e, sobretudo, é reativa, pois atua sobre os sintomas. A abordagem baseada em

riscos, por sua vez sem deixar de observar a conformidade, utiliza-se de uma ampla visão do

sistema e do ambiente, visa à sólida estabilidade do sistema, verifica a exposição a riscos e os

controles sobre eles exercidos, induzindo, portanto, à gestão de riscos, e, essencialmente, é proativa,

pois, de forma prudencial, atua sobre as causas e está atenta às adversidades e oportunidades

decorrentes de cenários de incertezas futuras.

Uma satisfatória atividade de supervisão deve observar as duas abordagens mencionadas.

Resumidamente, a tradicional porque se constitui em risco legal o supervisionado não estar em

conformidade com o ordenamento jurídico a que se sujeita, mormente em países de direito

positivado, como é o caso do Brasil. Já a baseada em riscos porque a atuação do supervisor,

prioritariamente, deve estar atenta aos aspectos essenciais, discernindo-os dos acidentais, ao

supervisionar o sistema sob sua área de competência.

Tabela 1 – Características gerais das abordagens de supervisão aplicadas aos fundos de pensão.

TRADICIONAL BASEADA EM RISCOS Reativa (sintomas, fatos presentes e passados) Proativa (causas, riscos e controles) Prescritiva Prudencial Conformidade Escopo ampliado Uniformidade Diferenciação Induz a evitar riscos Induz à gestão de riscos Maior relação esforço/resultado Menor relação esforço/resultado Visão mais pontual Visão sistêmica e pontual Intermitente Contínua

Fonte/Elaboração dos autores.

A tabela 1 traz uma visão geral das características da atuação de supervisão que considere as

duas abordagens, sendo que entre a abordagem tradicional e a baseada em riscos não se encontra

uma linha divisória claramente delineada. O que deve ocorrer na prática é a percepção de que, em

determinada ação específica, a atividade de supervisão está mais próxima de uma ou de outra

abordagem, conforme se aproxima de uma de suas características. Quanto à atuação em si, o órgão

supervisor pode lançar mão da abordagem baseada em riscos sempre que as condições de evolução

e aprimoramento permitirem e forem mais oportunas, e da tradicional sempre que esta se mostrar a

mais adequada à necessidade, ou, ainda, utilizar-se das duas abordagens a fim de alcançar um

resultado mais coeso.

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Page 6: 1. Introdução O objetivo deste trabalho é discutir o tema supervisão

A supervisão baseada em riscos pode ser aplicada de forma direta e indireta. Salienta-se que

as duas formas devem coexistir na mais absoluta integração e harmonia, no sentido de que a indireta

subsidia a direta e esta retroalimenta aquela, na busca por fatos e eventos de risco, com a finalidade

de alcançar a higidez do sistema supervisionado.

4. Experiência internacional de supervisão baseada em riscos

Internacionalmente, a regulação e supervisão baseadas em riscos têm sido objeto de

recomendação do Comitê da Basiléia de Supervisão Bancária, em busca de convergência

internacional de atuação de autoridades supervisoras de cada país em relação à atividade bancária.

Especificamente para fundos de pensão, o Banco Mundial (BIRD) está implementando um

projeto de supervisão baseada em riscos, em conjunto com a International Organisation of Pension

Supervisors (IOPS), na Holanda, Dinamarca, Austrália e México e, seguindo esses pioneiros, a

África do Sul, Quênia, Alemanha, Reino Unido e Croácia estão se movendo, numa segunda geração

de sistemas de supervisão baseada em riscos. Na América Latina, além do México, contudo sem

exaurir, Brasil e Chile têm caminhado no sentido da supervisão baseada em riscos em relação a

fundos de pensão.

De acordo com a IOPS, “o principal objetivo da supervisão de pensão privada é promover a

estabilidade, segurança e boa governança de planos e fundos de pensão e proteger o interesse dos

seus membros e beneficiários”.

Para isso, estabeleceu dez (10) princípios de supervisão a serem seguidos na atividade de

supervisão de fundos e planos de pensão pessoais e ocupacionais, em que são consideradas uma

série de diversidades, dentre elas, a estrutura do supervisor, a forma de contribuição, a

obrigatoriedade ou faculdade para participação, de modo a identificar boas práticas que possam ser

aplicadas universalmente. A tabela 2 compila os mencionados princípios e traz um breve resumo da

descrição de cada um deles.

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Page 7: 1. Introdução O objetivo deste trabalho é discutir o tema supervisão

Tabela 2 – Princípios de supervisão da previdência privada, segundo a IOPS (2006) Nº Princípio Enunciado 1 Objetivos As leis nacionais devem assinalar claramente e explicitar os objetivos para as

autoridades supervisoras de pensão. 2 Independência Autoridades supervisoras de pensão devem ter independência operacional. 3 Recursos adequados Autoridades supervisoras de pensão exigem adequados recursos financeiros,

humanos e outros. 4 Poderes adequados Autoridades supervisoras de pensão devem ser dotadas de poderes de investigação

e de execução necessários para cumprir suas funções e alcançar seus objetivos. 5 Orientação para o risco Supervisão de pensão deve buscar mitigar os maiores riscos potenciais para o

sistema de pensão. 6 Proporcionalidade e

consistência Autoridades supervisoras de pensão devem assegurar que as exigências de investigação e execução são proporcionais aos riscos que estão sendo mitigados e que suas ações são consistentes.

7 Consulta e cooperação Autoridades supervisoras de pensão devem consultar o sistema supervisionado e cooperar com outras autoridades supervisoras.

8 Confidencialidade Autoridades supervisoras de pensão devem tratar informações confidenciais apropriadamente.

9 Transparência Autoridades supervisoras de pensão devem conduzir suas operações de maneira transparente.

10 Governança A Autoridade supervisora deve aderir a seu próprio código de governança e deve ser responsável.

Fonte: IOPS, 2006. Elaboração dos autores.

Os sistemas de pensão privada dos países pioneiros na implantação da supervisão baseada

em riscos citados têm características bastante distintas. A Holanda e a Dinamarca têm sistemas

semi-obrigatórios por força de acordos de trabalho a que se vincula a maioria dos trabalhadores,

enquanto a Austrália e o México têm sistemas obrigatórios. A cobertura da força de trabalho fica

inferior no México com 29%, na Dinamarca é de 80% e na Holanda e Austrália é de 90%. Também

em relação ao PIB, o México apresenta a menor proporção com 8% e a Austrália, Holanda e

Dinamarca estão com 104%, 120% e 124%, respectivamente.

A Austrália, Holanda, Dinamarca e México têm, pela ordem, 1.004, 700, 111 e 18 fundos de

pensão. A estrutura legal dos fundos de pensão é ocupacional na Holanda, ocupacional e aberto na

Dinamarca e Austrália e aberto no México. Na Austrália e no México os planos são na modalidade

de contribuição definida, na Holanda predomina o plano de benefício definido e na Dinamarca, o

plano de contribuição definida.

Numa avaliação preliminar dos primeiros resultados da implementação da abordagem de

supervisão baseada em riscos nesses países, o Banco Mundial concluiu que a referida abordagem de

supervisão é aplicável à diversidade de características dos sistemas de pensão de cada um, e que há

diferença em sua aplicação, sendo que para os planos de benefício definido o foco é a solvência e

para os planos de contribuição definida é o dever fiduciário do administrador. Alertou que a

supervisão baseada em riscos em fundos de pensão deve estar alinhada à natureza de seus riscos,

como, por exemplo, à natureza de longo prazo no desenvolvimento de suas atividades.

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Page 8: 1. Introdução O objetivo deste trabalho é discutir o tema supervisão

Essa linha de atuação tem levado a uma tendência mundial de adoção de mecanismos

baseados em riscos para priorizar as ações de regulação e supervisão, com o objetivo de alcançar

melhor qualidade de planejamento e execução das atividades de supervisão, utilização mais efetiva

dos recursos de que se dispõe em prol da solidez do sistema supervisionado e em benefício de seus

usuários.

5. A supervisão baseada em riscos no Brasil

No Brasil, o Conselho Monetário Nacional, o Banco Central do Brasil, a Comissão de

Valores Mobiliários, o Conselho Nacional de Seguros Privados, a Superintendência de Seguros

Privados, o Conselho de Gestão de Previdência Complementar e a Secretaria de Previdência

Complementar, órgãos integrantes da estrutura normativa e de supervisão do sistema financeiro

nacional, têm atuações em consonância com a regulação e supervisão baseadas em riscos, conforme

pode ser observado em atos legislativos emanados pelos entes citados, seguindo tendência mundial

de adoção de mecanismos baseados em riscos para priorizar as ações de regulação e supervisão.

O Banco Central do Brasil (Bacen) foi pioneiro, desde 1998 (Resolução 2554), na adoção

dessa abordagem de supervisão no Brasil. A sua atuação tem como princípios os três pilares de

Basiléia, quais sejam: exigência de capital mínimo, processo de revisão da supervisão e disciplina

de mercado.

O contexto de mudanças no cenário mundial, a partir dos anos 1980, afetou o sistema

financeiro internacional e os órgãos reguladores e supervisores. As operações financeiras

alcançaram maior complexidade, a internacionalização financeira avançou e surgiram problemas

com organizações que operam nesse sistema e com o próprio controle das operações realizadas.

Esse ambiente tornou-se preocupante para reguladores e supervisores e fez com que o Comitê da

Basiléia viesse a produzir orientações para o enfrentamento da situação.

Baseado nessas orientações, o Bacen passou a empregar a metodologia de supervisão

global, consolidada e contínua, que veio a ser denominada internacionalmente de supervisão

baseada em riscos, e representou a primeira grande mudança em sua forma de atuação. Na prática, o

Bacen se utiliza de procedimentos de supervisão indireta e direta com escopo e periodicidade

variáveis, conforme as características de cada instituição financeira, empregando sistema de

apuração e registro de riscos.

A programação de supervisão do Banco é anual, com revisão semestral, podendo haver

excepcionalidades em razão de fatos novos. Ela é feita a partir de informações internas, do mercado,

de autoridades supervisoras internacionais, de outros órgãos, da imprensa, de cenários

macroeconômicos, do resultado de inspeções anteriores, das auditorias, do acompanhamento

8

Page 9: 1. Introdução O objetivo deste trabalho é discutir o tema supervisão

indireto e do sistema de riscos. A esse conjunto de informações são agregadas orientações da

diretoria e do departamento de supervisão, para análise e fechamento da programação das atividades

de monitoramento das operações bancárias.

Atualmente, o Bacen encontra-se numa segunda grande mudança para uma nova supervisão

baseada em riscos das instituições financeiras. Sob essa ótica, o foco parte da estrutura legal e

regulamentar que formam os mandatos legais da autoridade supervisora. Os riscos passam a ser

analisados do ponto de vista da exposição do supervisor, no sentido de não cumprir adequadamente

com os seus mandatos. A ação passa a ser a maximização de recursos para as ações que possam

mitigar os riscos do supervisor. A partir dessa concepção, o Bacen incorpora a dimensão de

governança na sua relação com a sociedade e com o setor público.

A Superintendência de Seguros Privados (Susep) vem atuando, desde 2002, com vistas a

adequar seus instrumentos normativos e implementar efetivamente a supervisão baseada em riscos.

O objetivo é supervisionar e fiscalizar focado na gestão de riscos das companhias seguradoras, com

a finalidade de assegurar a solvência e a capacidade econômico-financeira dos supervisionados.

As diretrizes da supervisão baseada em riscos naquele órgão supervisor compreendem: (i)

divulgar e implementar a cultura de riscos; (ii) monitorar os controles internos das empresas; (iii)

monitorar a adequação de capital, o passivo atuarial e a qualidade dos ativos; e (iv) acompanhar o

cenário econômico-nacional e internacional e seus efeitos sobre o mercado.

Para a atuação baseada em riscos, o escopo é a avaliação da governança corporativa, do

sistema de controles internos e do gerenciamento dos riscos. A metodologia empregada visa ao

entendimento do modelo de negócios das sociedades e entidades, por meio de seus principais

processos, identificando os principais riscos e controles internos.

Na prática, a atuação da Susep como supervisor dá ênfase a avaliações mais qualitativas,

considerando questões de organograma, processos, fluxos de trabalho, gestão, pessoas e sistemas

informatizados. Ao final dos trabalhos, é possível estabelecer um prazo para adequações e é feito

acompanhamento posterior do supervisionado.

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) encontra-se em fase de implantação da

abordagem de supervisão baseada em riscos. Em dezembro de 2006, o Conselho Monetário

Nacional, por meio de resolução, determinou que a CVM adotasse modelo de regulação e

supervisão baseado em riscos para o mercado de capitais.

O modelo de supervisão baseada em riscos da CVM partiu de referência internacional da

Financial Services Authority (FSA), autoridade reguladora e supervisora do Reino Unido para os

mercados financeiro, de capitais e de seguros. Esse modelo está em sintonia com a segunda grande

mudança na forma de supervisão do Bacen, ou seja, a regulação e a supervisão baseada em riscos na

CVM prioriza as atividades daquela autarquia com a finalidade de alcançar o cumprimento dos

9

Page 10: 1. Introdução O objetivo deste trabalho é discutir o tema supervisão

mandatos legais a ela conferidos. Assim, risco de a CVM não cumprir adequadamente seus

mandatos legais é o conceito de risco por ela adotado.

Metodologicamente, a supervisão baseada em riscos na CVM é realizada em função do grau

de risco que o supervisionado representa, apurado em uma matriz de probabilidade e impacto. Para

supervisionados com grau de risco alto, a supervisão é intensiva, enquanto no extremo oposto há

um monitoramento básico.

Alternativamente, quando o risco é comum a um grupo de supervisionados, a CVM emprega

a supervisão temática. Por esse método, o tema que representa risco é selecionado e a ação de

supervisão perpassa todos os supervisionados daquele grupo.

O planejamento de supervisão baseada em riscos da CVM ocorre na forma de um plano

bienal tornado público pelo Conselho Monetário Nacional a partir de proposição da CVM, em que

serão definidas as prioridades de regulação e de fiscalização a serem observadas nos dois anos

seguintes. O monitoramento do plano é feito por intermédio de relatório semestral.

6. A supervisão baseada em riscos no ambiente da previdência complementar

A previdência social no Brasil está calcada basicamente em três regimes. O regime geral de

previdência social que engloba a força de trabalho da iniciativa privada, o regime próprio de

previdência dos servidores públicos e o regime de previdência complementar operado por entidades

abertas e fechadas.

O regime de previdência complementar operado pelas entidades fechadas é regulado pelo

Conselho de Gestão de Previdência Complementar (CGPC) e supervisionado pela Secretaria de

Previdência Complementar (SPC) do Ministério da Previdência social (MPS). Esse regime é

composto por, aproximadamente, 370 entidades fechadas de previdência complementar (EFPC) que

administram 1.050 planos de benefícios, que reúnem 2.360 patrocinadores e 250 instituidores, com

6,7 milhões de pessoas a ele vinculados, na condição de participantes, de assistidos e dependentes, e

com 456 bilhões de ativo garantidor, representando 17% do PIB.

Em termos de transição da abordagem tradicional de supervisão para a baseada em riscos,

pode-se remontar ao item 27 da exposição de motivos da LC 109/2001, que, em 1999, já sinalizava

que o objetivo do supervisor não é arrecadar recursos por meio de multas, mas inibir a prática de

irregularidades, assegurar a solvência do regime e defender o direito dos participantes e assistidos.

Em desenvolvimento a esse embrião, seguiu-se a Resolução CGPC nº 13, de 2004, que

estabelece princípios, regras e práticas de governança, gestão e controles internos a serem

observados e determina que todos os riscos que possam comprometer a realização dos objetivos da

EFPC devem ser continuamente identificados, avaliados, controlados e monitorados.

10

Page 11: 1. Introdução O objetivo deste trabalho é discutir o tema supervisão

Na mesma linha, a Resolução do CMN nº 3.456, de 2007, evidenciou a preocupação da

gestão de riscos no processo de aplicação dos recursos garantidores dos planos de benefícios. Ela

dispõe que a entidade fechada de previdência complementar (EFPC) deve identificar, avaliar,

controlar e monitorar os riscos sistêmico, de crédito, de mercado, de liquidez, operacional e legal e

a segregação de funções do gestor e do agente custodiante, bem como observar o potencial conflito

de interesses e a concentração operacional, com o objetivo de manter equilibrados os aspectos

prudenciais e a gestão de custos.

Além das duas normas apontadas que fazem referências mais diretas, no sentido da SPC está

supervisionando as EFPC e os planos de benefícios que administram de acordo com a qualidade e

maturidade da gestão de riscos, a legislação do regime, como um todo, traz uma série de

dispositivos prudenciais, e por isso estão em sintonia com a abordagem de supervisão baseada em

riscos. Essa constatação pode ser observada nas ementas dos instrumentos legais do regime e

também ao destacar dispositivos legais internamente a esses instrumentos voltados para o

desenvolvimento prudencial da gestão de planos de benefícios pelas EFPC.

Recentemente, o governo federal enviou ao Congresso Nacional o projeto de lei nº

3962/2008, propondo a criação da Superintendência Nacional de Previdência Complementar

(PREVIC). Da exposição de motivos depreende-se que a regulação e a formulação de políticas e

diretrizes da previdência complementar permanecem no âmbito do MPS, ficando as atribuições

regulatórias a cargo do Conselho Nacional de Previdência Complementar em substituição ao atual

CGPC. As atribuições de julgamento, inclusive em instância recursal, permanecerão sob a

responsabilidade da Câmara de Recursos da Previdência Complementar, função acumulada pelo

CGPC atualmente. Ressalta-se também que a PREVIC, autarquia de natureza especial, vinculada ao

MPS, será o instrumento de fiscalização das EFPC.

É perceptível a convergência da iniciativa de lei proposta com a abordagem de supervisão

baseada em riscos, no que diz respeito à atuação dos órgãos reguladores e supervisores. De modo

geral, percebe-se a nítida segregação de funções entre formulação de políticas e diretrizes,

regulação, julgamento e fiscalização. Mais especificamente, a criação da PREVIC vem ao encontro

dos princípios da IOPS, pois proporcionará maior independência operacional, recursos próprios e

poderes adequados para exercer suas atribuições, estando ainda mais afastada de qualquer

interferência.

Assim, estão sendo dados passos importantes que permitem e reforçam a iniciativa da SPC

em transigir de uma atuação baseada unicamente na abordagem tradicional de supervisão para

incorporar a supervisão baseada em riscos.

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Page 12: 1. Introdução O objetivo deste trabalho é discutir o tema supervisão

7. Estágio atual e perspectivas da supervisão baseada em riscos para a previdência

complementar no Brasil

Atualmente, de acordo com a legislação, diversas ações da SPC, em suas diversas áreas,

estão em sintonia com a abordagem de supervisão baseada em riscos para os fundos de pensão.

Em busca de um regime sólido, levando-se em conta a proatividade da abordagem de

supervisão baseada em riscos, pode-se afirmar que a previsão legal de autorização prévia e expressa

de constituição e funcionamento das EFPC, das reorganizações societárias relativas a elas, das

retiradas de patrocínio e das transferências de planos previdenciários é uma atividade consistente

com essa abordagem de supervisão, de forma que o regime se constitua e evolua em adequada

exposição a riscos.

Como já foi dito, a atividade de supervisão baseada em riscos pode ser realizada direta (on-

site) e indiretamente (off-site). Nesse sentido, diretamente, a SPC formula, aprova e executa seu

programa anual de fiscalização (PAF) – documento síntese da fiscalização dos fundos de pensão –

com base em uma matriz de risco e, indiretamente, realiza o monitoramento contínuo das ações de

gestão e operações das EFPC em relação aos planos de benefícios por ela administrados.

O planejamento é centralizado na Secretaria – a execução é descentralizada para os

escritórios regionais de fiscalização – e resulta no programa anual de fiscalização a partir de

indicadores-chave de risco para os planos de benefícios, sendo que os planos são posicionados em

uma matriz de risco de acordo com a probabilidade e o impacto de sua exposição a riscos. Esse

posicionamento na matriz vai demonstrar uma alta, média ou baixa exposição a riscos do plano

previdenciário.

Os planos com alta exposição a riscos (ver figura 1) demandam uma ação de supervisão

direta (on-site) da Secretaria, os de média exposição recebem ação de supervisão indireta (off-site)

mais intensa e, eventualmente, podem receber uma ação direta, enquanto os de baixa exposição são

monitorados de acordo com os trabalhos de rotina.

Figura 1 – Matriz de Risco dos planos de benefícios operados pelas EFPC.

Probabilidade

Alta probabilidade Alta probabilidade Alto impacto Baixo impacto

(RISCO ALTO) (RISCO MÉDIO)

Baixa probabilidade Baixa probabilidade Baixo impacto Alto impacto

(RISCO BAIXO) (RISCO MÉDIO)

Impacto Fonte/Elaboração dos autores.

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Page 13: 1. Introdução O objetivo deste trabalho é discutir o tema supervisão

O monitoramento contínuo (ação de supervisão indireta) realizado por meio de informações

recebidas das EFPC, de outras autoridades supervisoras e de atores relacionados (Cetip, BM&F,

CBLC, Anbid e Selic), tem a importante finalidade de identificar operações que possam implicar

riscos para o regime e que demandam ação interventiva por parte da Secretaria. Ademais, essa

atividade, além de subsidiar o desenvolvimento da supervisão direta, serve como sinalizador de

eventuais necessidades de ajustes no programa anual de fiscalização, como base para

desenvolvimento de estudos, pesquisas, atualizações regulatórias e para produção de relatórios

gerenciais.

A fiscalização (ação de supervisão direta) é realizada de forma descentralizada, a partir do

programa anual de fiscalização, pelos auditores lotados nos seis escritórios regionais de supervisão.

Esse tipo de fiscalização pode ser geral, modular e específica, e resulta na não identificação de

irregularidades, em situações que demandam análise mais aprofundada, recomendações,

determinações, em situações corrigidas pelo infrator e, em última instância, no auto de infração.

Tabela 3 – Programa Anual de Fiscalização da SPC: resultados do 1º semestre/2008.

Início Desenvolvimento Finalização Conclusão

(situação verificada – 1º Sem/2008)

Escritório Regional

“in loco”

Fato Regular (23%)

Análise (4%)

PAF Recomendação (19%)

2008: 153 Planos (controles) Fiscalização

Relatório de

Determinação (40%)

CGPA e CGFD (2)

§2º, Art. 22 (7%)

(consulta)

COC/Defis (1) Auto Infração (7%)

Fonte: DEFIS/SPC.

Elaboração dos autores.

(1) COC/Defis: Comitê de Orientação e Consulta do Departamento de Fiscalização.

(2) CGPA e CGFD: Coordenação-Geral de Planejamento e Acompanhamento da Ação Fiscal e Coord. Geral de Fiscalização Direta.

A título de exemplo, a tabela 3 traz o resultado das fiscalizações realizadas pela Secretaria

de Previdência Complementar no 1º semestre de 2008, que apontam para seis (6) tipos de resultado:

a não identificação de irregularidade dos itens de risco verificados; situações ainda pendentes de

análise pelas áreas técnicas da SPC; recomendação; determinação, aplicação do parágrafo 2º do art.

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Page 14: 1. Introdução O objetivo deste trabalho é discutir o tema supervisão

22 do Decreto 4.942, de 2003, que trata da não aplicação de penalidade diante de correção; e a

lavratura do auto de infração aos dirigentes dos fundos de pensão.

A partir do estágio em que se encontra, levando em conta as possibilidades atuais das

ferramentas técnicas informatizadas e de comunicação de dados, a necessidade de o órgão público

supervisor melhor alocar os recursos finitos à sua disposição, a amplitude geográfica e a

complexidade crescente dos negócios, e considerando, ainda que, o negócio das EFPC é fazer a

gestão de riscos de suas atividades como administradoras de planos de benefícios, torna-se

imprescindível a SPC ampliar e acelerar o processo de evolução na aplicação da abordagem de

supervisão baseada em riscos ao sistema supervisionado.

8. Conclusão

Com vistas a ampliar e acelerar a sua atuação de supervisão baseada em riscos, a SPC está

em vias de submeter ao CGPC uma proposta de recomendação para que a Secretaria possa

implementar, em bases legais e com horizonte temporal compatível, a aplicação dessa abordagem

de supervisão no desenvolvimento de suas competências regimentais de supervisão do regime de

previdência complementar operado pelas EFPC.

Em sentido amplo, o objetivo da recomendação é que a Secretaria venha a ter uniformidade

de atuação baseada em riscos, implante uma metodologia integrada para aplicação dessa abordagem

e tenha estrutura específica para desenvolvê-la, coordená-la e atualizá-la, de forma que a sua

aplicação por todas as áreas da Secretaria venha a induzir o sistema supervisionado à efetiva gestão

de sua exposição a riscos. Assim, a população coberta pela previdência complementar pode usufruir

de benefícios condizentes com as contribuições aportadas em um longo período contributivo e com

as reservas a partir delas formadas.

Esse processo pode ser potencializado com a aprovação da PREVIC pelo Congresso

Nacional. Como já foi defendido, é perceptível a convergência da iniciativa de lei proposta com a

abordagem de supervisão baseada em riscos, mormente nos aspectos estratégicos relativos à

segregação de funções e independência operacional.

Nesse sentido, merece destaque o fato de que a institucionalização da PREVIC vai

demandar mudanças nos atuais valores, cultura, processos de trabalho do órgão supervisor,

portanto, na esteira dessas mudanças, forma-se clima mais favorável para a efetiva implementação

dessa abordagem.

Para citar um exemplo de facilitação desse processo, tem-se, pelo projeto de lei, a criação de

novos cargos que vai demandar a realização de concurso público para provimento. Isso significa

oportunidade de formação de novos profissionais, tendo por base a orientação para a supervisão

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Page 15: 1. Introdução O objetivo deste trabalho é discutir o tema supervisão

baseada em riscos, sem a resistência dos valores e culturas arraigados em profissionais egressos da

estrutura predecessora.

Por fim, deve-se considerar que a implementação da abordagem de supervisão baseada em

riscos não é um processo que ocorre em curto espaço de tempo. Corroboram essa assertiva os

desafios enfrentados nessa tarefa por órgãos reguladores e supervisores, e pelo sistema

supervisionado dos fundos de pensão.

Para ambos, ou individualmente, os desafios se apresentam (i) na produção de ordenamento

legal e regulamentar compatível; (ii) na atribuição de poderes adequados; (iii) na criação de

estrutura organizacional específica; (iv) no desenvolvimento e informatização de metodologia; (v)

na coleta, comunicação e trabalho de dados; (vi) na capacitação e gestão de pessoas; (vii) no tempo

de implementação necessário; (viii) na subjetividade da análise do risco; (ix) na maturidade da

gestão de riscos do sistema; e, no divisor de águas nesse processo, (x) na internalização da cultura

de riscos.

Em síntese, o desafio dos fundos de pensão é fazer a efetiva gestão de riscos, e o dos órgãos

reguladores e supervisores é exercer seus mandatos legais orientados para os riscos, a fim de

conduzir o sistema de previdência complementar para um ambiente mais favorável à solidez

sustentável.

9. Referências Bibliográficas

1. BACEN. A implementação de Basiléia II no Brasil: o pilar 2. Apresentação realizada por Carlos Donizeti Macedo Maia, em 27/6/2008. 2008a.

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4. CGPC. Resolução CGPC No 13. Brasília: 2004.

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Page 16: 1. Introdução O objetivo deste trabalho é discutir o tema supervisão

9. IOPS – International Organisation of Pension Supervisors. IOPS principles of private pension supervision. IOPS, 2006.

10. MPS. Exposição de motivos da Lei Complementar 109, item 27. Brasília: 1999.

11. PROJETO DE LEI 3962/2008. Cria a Superintendência Nacional de Previdência Complementar – PREVIC. Brasília: 2008.

12. REINO UNIDO. Risk: improving government’s capability to handle risk and uncertainty. London, UK: Gabinete de governo, unidade de estratégia, 2002. Disponível em <http://www.cabinetoffice.gov.uk/strategy/work_areas/~/media/assets/www.cabinetoffice.gov.uk/strategy/su%20risk%20pdf.ashx>. Acesso em: 26 de agosto de 2008.

13. RIECHE, F. C. Gestão de riscos em fundos de pensão no Brasil: situação atual da legislação e perspectivas. Revista do BNDS. Rio de Janeiro, v. 12, n. 23, p. 219-242, jun. 2005.

14. RODRIGUES, J. A. Gestão de risco atuarial. São Paulo: Saraiva, 2008.

15. ROSA, J. G. Grande sertão: veredas. 19a ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.

16. STEWART, F. Experiences and challenges with the introduction of risk-based supervision for pension funds. International Organisation of Pension Supervisors, 2007.

17. SUSEP. Supervisão baseada em risco: controle das regras de capital. Apresentação realizada em 25/10/2007. 2007

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