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1ªedição

2015

G227p

15-22016

CIP-BRASIL.CATALOGAÇÃONAFONTESINDICATONACIONALDOSEDITORESDELIVROS,RJ

Garschagen,Bruno

Paredeacreditarnogoverno[recursoeletrônico]:porqueosbrasileirosnãoconfiamnospolíticos e amamoEstado/BrunoGarschagen. - 1. ed. -Riode Janeiro:Record,

2015.

recursodigital

Formato:epub

Requisitosdosistema:adobedigitaleditions

Mododeacesso:worldwideweb

Incluibibliografia

ISBN978-85-01-10503-5(recursoeletrônico)

1.Sociologia.2.Sociologiapolítica.3.Ideologia.4.Teoriacrítica.5.Livroseletrônicos.I.Título.

CDD:301CDU:316

Copyright©BrunoGarschagen,2015

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, armazenamento ou transmissão departesdestelivroatravésdequaisquermeios,sempréviaautorizaçãoporescrito.

TextorevisadosegundoonovoAcordoOrtográficodaLínguaPortuguesa.

DireitosexclusivosdestaediçãoreservadospelaEDITORARECORDLTDA.RuaArgentina,171–20921-380–RiodeJaneiro,RJ–Tel.:2585-2000

ProduzidonoBrasil

ISBN978-85-01-10503-5

SejaumleitorpreferencialRecord.Cadastre-se e receba informações sobre nossos lançamentos e nossaspromoções.

Atendimentodiretoaoleitor:[email protected](21)2585-2002.

SumárioAgradecimentos

Prefácio

IntroduçãoGoverno nos olhos dos outros é refresco, ou o frêmito da mentalidade estatista não

perdoanemofutebol

1.Oiníciodetudoquedeunoquedeu

CabralchegouaoBrasil,eafrotaviuaerva—masnãofumou

OescrivãoCaminhafoioprimeiroapedirumaboquinha

Quemtempadrinhonãomorrepagão

OsdegredadosqueaquificaramoEstadorepresentaram

OmitodoEstadoantesdopovoéoconsolodostolos

2.DoBrasilcolôniaaofadodePombal

As intervenções no Brasil colônia, ou de quando a Paraíba ainda não era “masculina,mulhermacho,sim,senhor”

MarquêsdePombal:oiluminismofrancêscontraPortugal

Deintervençãoemintervenção,Portugalencheuopapo

AlutadaIgrejacontraausuranossadecadadia

AburocraciacomoaalmapenadadoEstado

Impostoétãobomquedesmoralizouatéoleão

Obem-sucedidofracassodePombal

3.Pimentapatrimonialistanafeijoadadeteorias

Naprática,ateoriasemanifesta

Patrimonialismonãoénomederua

Ofeudalismoquenãohouveeocapitalismoquenãoveio

Centralizaçãoedescentralização:quemassinouocontratosocial?

OEstadopatrimonial,oudecomomodernizarparacontinuaromesmo

4.ComoeragostosaaminhamonarquiaD.JoãoVI,oreiquedeixouAdamSmithfalar(umpouquinho)

D.PedroI:daindependênciaaocrescimentodoEstado

Umaelitepolíticaaserviçodoimpério

Ospolíticosestavamerrados:ofimdaescravidãonãoacabariacomanação

D.PedroII:oimpériocontra-atacaaganânciadosempresários

5.Comtecomigo:opositivismodaRepúblicapresidencialista

DogolpedeEstadorepublicano,oudequandoépreferívelnãodormir

OpresentãodosrepublicanosparaD.PedroII

AugusteComte,opaidesantodoterreiromilitar

PositivismonoBrasil:militânciaedoutrinaçãonasescolas

Positivistasdebombachaechimarrão

6.Dr.Presidente,oudecomoaprendiaamaraindamaisoEstado

ARepúblicaVelhanasceuvelhaca

Coronelismo:osverdadeirosMundinhoFalcãoeRamiroBastos

Adeus,RepúblicaVelhadepresidentesadvogadosemaçons

Comoeragrande(ditador)opequenoVargas

ComooEstadoNovoestatizouaculturaecooptouaintelligentsia

OfimdeVargasnãofoiofimdovarguismo

7. Esses presidentes extraordinários e suas máquinas estataisinterventoras

Adeus,Vargas.Olá,JK.Oudecomoapolíticapodesemprepiorar

JânioQuadros,opresidentesembossaquetocavavassourinha

AmorteeamortedeJoãoGoulart

Ahistóriaserepetecomoditadura,nãocomofarsa

Tancredoeainfecçãoquequaseimpediuatransição

SirNey,ohomemquefalavamaranhês

OBrasilcolloriudemarrédesi

ItamarFranco,oestatistadecarteirinha

FHC:osocialistaqueprivatizou,masnãotragou

RumoàestaçãoSion,oudecomoLulacolocouoEstadoaserviçodoPT

Apresidentequefezdogovernoasuaimagemesemelhança,oupetistaachafeiotudooquenãoéespelho

8.NósqueamávamostantooEstado

Intervirecontrolar,bastacomeçar

Imaginário,mentalidadeeamorpeloEstado

Oparadoxodoestatismo

PorquenãoconfiamosnospolíticoseamamosoEstado?

Desfechofatalsemfatalismo

Notas

Bibliografia

AgradecimentosNão é fácil selecionar a quem agradecer. Especialmente porque se

trata domeu primeiro livro.Meu impulso inicial émostrar gratidão atodos aqueles que contribuíram nesta minha trajetória intelectual, masseriainviávelnesteespaço.Selecionar,portanto,épreciso.

Começo,então,fazendoumagradecimentoespecialàminhafamília:àminhamulherMichelleMucelini e aomeu filho Bernardo (pelo amor,paciênciaeleituradoscapítulos);àminhamãeMary,meunortemoralede afeto, e aosmeus irmãos e sobrinha; aosmeus tios, tias eprimos; àminha sogra; aomeupai; àminhaavóRuth e aomeuavôGipsy, que,alémde avós, também forampais e padrinhos.Meu avô, infelizmente,nosdeixouanosatrás,masasuaausênciafísicaécompensadapeloseulegadovirtuoso,umainfluênciamarcanteeconstantenaminhavida.

Minha gratidão e admiração ao editor Carlos Andreazza, cujotrabalho retoma a tradição dos grandes editores brasileiros.Andreazzaapostou e acreditou no projeto— e fez valiosas observações ao texto.EstendomeuagradecimentoàDudaCostaeàequipedaEditoraRecord.

MeumuitoobrigadoaindaaoamigoRodrigoConstantino,queé,semdúvida,opadrinhodestelivroeumincentivadordomeutrabalho.

Agradeço imensamente ao Leandro Narloch por ter me dado depresenteotítuloaomedizerumdiaquegostariaqueeuescrevesseumlivrochamado“Paremdeacreditarnapolítica”.

MeusagradecimentostambémaoprofessorRicardoVélezRodríguezpelaspreciosasobservaçõesesugestões;aoprofessorAntonioPaimpelaimportanteajuda;aosamigosMartimVasquesdaCunhaePedroSette-Câmarapeloscomentários;aoprofessoruniversitárioRicardodaCosta,acadêmicodoprimeiro time, pelas importantes sugestões; aoOlavodeCarvalhoeàRoxaneAndradepelaamizadeeporteremmeacolhidoem

2013para um encontro que posteriormenteme ajudouna feitura destelivro;aoamigoRodrigoGurgelpeloestímuloesugestõesdesdeoiníciodotrabalho.

EstendominhagratidãoaosamigosAlexCatharinoeMárciaXavierdeBrito,quemeajudaramcominestimávelincentivoeindicações,alémde teremmerecebidoem2013como fellownoTheRussellKirkCenter,onde trabalhei nomeu projeto de tese de doutorado em que parte dapesquisafoidegrandeproveitoparaestelivro.EmeumuitoobrigadoàAnnette Y. Kirk, presidente da instituição, pela honrosa oportunidade.AgradeçotambémaoHelioBeltrão,presidentedoInstitutoMisesBrasil,pelaamizadeeencorajamento.

Também sou muito grato ao João Pereira Coutinho, professor,referência intelectual e grande amigo, responsável pelaminha idaparaestudar emPortugal; e ao professor JoãoCarlos Espada, cuja amizade,obra intelectual e trabalho à frentedo InstitutodeEstudosPolíticosdaUniversidadeCatólicaPortuguesacontinuamsendofundamentaisnestaminhajornadaintelectual.

Um agradecimento especialíssimo ao casal de amigos LeonardoSerafini Penitente e Sabrina Klein, que acompanharam cada passo daelaboraçãodeste livro.Tiveoprivilégiode ter a ajuda fundamentaldoLeonardo, grande intelectual e professor universitário, que fez umaleituraminuciosado texto,apresentandocríticasenovasperspectivasebibliografia sobre os temas tratados. Sem o seu auxílio e incentivoprimorososestelivro,certamente,nãoseriaomesmo.Éumahonratê-locomoamigoeprofessor.

Por último, minha profunda gratidão ao amigo Fernando CarvalhoGomes, bússola moral e intelectual, que nos anos cruciais da minhaformação em Cachoeiro de Itapemirim me fez ver que era possível

superar as limitações intelectuais de uma típica cidade do interior doEspíritoSantopormeiodaliteraturaedavontadedeaprender.

PrefácioQuando BrunoGarschagenme contatou por causa deste livro, temi

queoautorfossepedirumaindenização.Otemadaobraeraorecorrenteestatismo político do Brasil desde os tempos coloniais? Pois bem: eu,comoportuguês,teriamuitasexplicaçõesparadar.

Em minha defesa, a única coisa que poderia dizer é que os víciosdenunciados nesta espantosa obra não são uma exclusividade dosbrasileiros. Eles continuam bem vivos do outro lado doAtlântico— ecomconsequênciasigualmentenefastas.Masquevíciossãoesses?

Resumindo uma longa história, o problema está enunciado nosubtítulo deste livro: os brasileiros desprezam os políticos e amam oEstado. Dito assim, o paradoxo exige uma pergunta suplementar: seexistedesprezopelospolíticoseamorpeloEstado,quetipodecriaturasos brasileiros imaginam que governa esse Estado? Seres perfeitos?Angelicais?Extraterrestresvindosdeoutragaláxia?

Eis as perguntas que os “Pais Fundadores” dos Estados Unidosformularam nos Federalist Papers. Para concluírem que uma sociedadepolítica livreégovernadapor leis,nãoporcaprichosmomentâneosdoshomens. Os Pais Fundadores conheciam a natureza humana e afalibilidadequeadefine.

Atitudediferentefoitomadapelosbrasileiros(epelosportugueses,jáagora): eles desconfiamdas raposas—mas, aomesmo tempo, queremmaisraposastomandocontadogalinheiro.

O primeiro mérito deste livro está na formulação inteligente doparadoxo. E, para lidar com ele, Bruno Garschagen faz uma viagemhistóricapara explicar a emergência e apersistênciadessamentalidadeestatista.

Ofiníssimohumorquehabitaaspáginasdaobrajávaleria,porsisó,asualeitura:Garschagenbebeudasmelhoreságuasdaironiaanglo-saxã,eissosevêemcadalinha.Masoautorconseguealgoraríssimonoensaiopolítico contemporâneo: conjugar elegância de estilo com umconhecimentodasfontesqueépuroprazerintelectualparaoleitor.

Eéassimque,pelapenairônicaeinformadadeGarschagen,viajamoscomosprimeirosportuguesesrumoàsterrasdeVeraCruz;conhecemoso“estatismo” iluministadoMarquêsdePombal, igualmente exportadopara o Brasil; e, depois da independência do país, acompanhamos aforma como o “Leviatã” foi engordando na teoria e na prática: pelopositivismo reinante no século XIX; pelo “jacobinismo” tropical daRepública Velha; pela ditadura de Getúlio Vargas; pela tutela dosmilitares a partir de 1964; e, lamentável consolação, pelos governantesque vieram com a democracia e que apenas prolongaram o queGarschagen define como uma cultura de “servidão, submissão edependência”.

ParausaralinguagemexpressivadeMichaelOakeshott,umpensadorcaroaBrunoGarschagen,oBrasilentregou-se,aolongodasuahistória,aos braços da “política da fé”: o governo apresentou-se, e foipassivamenteaceito,comooagentecapitaldodesenvolvimentodopaísrumoaumfuturoglorioso—eaindaporcumprir.

Peranteesteedificantequadro,sobraaperguntasacramental:mas,seosbrasileirosamamoEstado,ondeestáodrama?

Odrama,comoexplicaoautor,nãoestáapenasno fatoevidentedeque um Estado balofo tem de ser sustentado continuamente — ecrescentemente — com o trabalho, o suor e o dinheiro dos cidadãos.Nesta,comoemoutrasquestões,nãoháalmoçosgrátis.

As consequências são mais vastas: vão do empobrecimento que aonipresença do Estado em todas as áreas da vida coletiva implica até

chegarmos à corrupção endêmica que, sem surpresas, sazonalmentecatapulta o nome do Brasil para as primeiras páginas da imprensainternacional.

Além disso, convém relembrar um dos principais (e esquecidos)avisosqueFriedrichHayeklançounoseuTheRoadtoSerfdom:quandoogoverno trata os cidadãos como crianças, criando essa cultura de“servidão,submissãoedependência”,elesnuncachegarãoaconheceraverdadeira maturidade. Nunca chegarão, enfim, a serem livres esenhoresdoseudestino.

Disse no início que o paradoxo analisado por Garschagen tambémencontraeconaantigaMetrópole.Éporissoque,meioséculodepoisdaviagemdePedroÁlvaresCabral, sóesperoqueeste livropossa fazeraviagememsentidoinversoechegartambémaPortugal.ComoafirmavaoreferidoHayek,a“batalhadasideias”éanterioraqualquermudançapolíticasubstancial.

Que o mesmo é dizer: mudar uma cultura pressupõe discuti-la ecriticá-la primeiro. E, claro, mostrar também os caminhos alternativosparaqueoscidadãosinfantilizadospelaaçãodogovernopossamsairdacasapaternapelosprópriospés.

O livro de estreia de Bruno Garschagen é uma preciosidade paracomeçaressadifícilenecessáriajornada.

JoãoPereiraCoutinho

Introdução

Governonosolhosdosoutrosérefresco,ouofrêmitodamentalidadeestatistanãoperdoanemo

futebolAtéondelembro,meuprimeirocontatocomapolíticafoiedificante.

Eu e um vizinho, ambos com 7 anos de idade, fizemosmegafones depapel e começamos a chamar de bandidos, nome por nome, todos oscandidatos cujos santinhosnos foramentreguesdias antesnaquele anodeeleiçãoestadual.ÉramosumaespéciedeversãominiaturadopadreAntonioVieiraarecitaroseufamososermãodobomladrão.

O segundo contato já foi menos edificante, embora em parteoportuno. Era março de 1985. Cheguei à escola pela manhã e fuiinformadodequenãohaveria aula.Motivo?Opresidente recém-eleitoTancredoNeveshaviamorrido.

Aos9anosdeidade,comooleitordeveimaginar,noroldasminhaspreocupações mais sérias não constava saber os detalhes da políticanativa,peloqueanotícianãomeabalouinstantaneamente.

Fuiemborafeliz,salvoenganoporqueeraumdiadeaulas tediosas.Masnocaminhodevoltaparacasapenseiporquediabosamortedeumpresidentemeobrigavaaperderumdianocolégioquemeusavóstantoseesforçavamparapagar.Porqueumcolégiocatólicoprivadodecidiradispensar seus alunos por uma questão política que se passava emBrasília? Para mostrar minha indignação pública, fiz o único gestopolíticoqueestavanaépocaaomeualcance:pegueiumdocedeleiteeomordicomfervoranarquista.

Mais de duas décadas depois, naquelemomento da vida em que obrasileiro precisa decidir entre ser funcionário ou vítima do governo,decidilargartudooqueeuaindanãohaviaconstruídoparainiciaruma

vidaacadêmicacomoestudantedeteoriaefilosofiapolítica,eumanovaatividadeprofissional,que,na faltademelhor termoequivalenteaodeauxiliardeserviçosgerais,chamodeempreendedorintelectual.

Ao iniciar em 2007 omestrado no Instituto de Estudos Políticos daUniversidade Católica Portuguesa em Lisboa, que depoisme levaria aestudarnaUniversidadedeOxford,asleituras,observações,conversasereflexões sobreapolíticabrasileirameconduziramaumproblemaqueparecia dramático porque insolúvel: por qual razão nós, que tínhamosuma imagem tão compreensivelmente negativa sobre os políticos,achávamosqueogovernodeveriaresolverosproblemasdopaís?

Eraumraciocínioquenemmesmoaminha imaginação, treinadanaliteraturadeficçãonacionaleestrangeira,eracapazdecompreender.AnãoserquepartedasociedadebrasileiraconseguissevernasuarelaçãocomoEstadooqueninguémmaisvia:osgovernoseramformadosporanjoscelestiais,nãoporaquelesmesmospolíticosque todosamávamosinsultar.

Trêsexemplosse tornaramsimbólicosno iníciodoséculoXXIdessamaneira excêntrica de pensar a política e de se relacionar com asinstituições públicas no Brasil. O primeiro foram as manifestações dejunhode2013.Aproveitandoosprotestosemdefesadopasselivreparaestudantes no transporte coletivo, muitos brasileiros foram às ruas deformalegítimaprotestarpeloestadodapolíticaepelasituaçãodopaís,mas caíram numa contradição miserável ao pedir que o governoresolvesseosproblemasqueeleprópriocriou.

No Rio de Janeiro e em São Paulo, as organizações e os partidossocialistasecomunistassónãoesperavam,ecertamentenãodesejavam,queparteda sociedade se apropriassedoque estava acontecendoparaexporainsatisfaçãoacumulada.Mastantonocasodosorganizadoresdas

manifestaçõesquantodasociedadeasoluçãoparaosproblemaseraumasó:maisgoverno.

Osegundoexemplofoiaminúscula“MarchadaFamíliacomDeus”realizada em março de 2014, uma tentativa de reviver a “Marcha daFamíliacomDeuspelaLiberdade”havidaemmarçode1964.Aversãomaisrecentedamanifestaçãofoiocasamentoperfeitoentreanostalgiaea caricatura. Pedir ou aceitar uma intervenção militar é trocar umproblemaporoutro,eébemdiferentedeutilizarasForçasArmadasparaumafinalidadeespecíficasemqueissoresultenumaatribuiçãodepoderpolítico aos militares. Como o leitor verá neste livro, já tivemosexperiênciashistóricasdessetipoparaextrairmosdelasasdevidaslições.

Mais coerentes foram as passeatas realizadas em São Paulo emoutubroeemnovembrode2014.OsmanifestantespediraminvestigaçãoparaosescândalosdecorrupçãodoentãogovernodeDilmaRousseffe,seconfirmadasas suspeitas,que todososenvolvidos fossempunidoseque a presidente fosse destituída do cargo pelo Congresso Nacionalassim como acontecera com Fernando Collor de Mello, que resolveurenunciarantesdesofrero impeachment.E,gratanovidade,osprotestosde2015 tambémapresentarampublicamenteumaagendapela reduçãodoEstado.

O terceiro exemplo é o mais prosaico e, por isso mesmo, o maisnotávelna exposição crueldoamordeumaparceladapopulaçãopeloEstado. Como não faz parte do mundo político, tal amostra merecealgumasconsiderações.

Ostorcedoresnemhaviamserecuperadodaressacapeladerrotade7a 1 para a Alemanha, num jogo da semifinal da Copa do Mundorealizada no Brasil em 2014, e já havia jogadores, jornalistas,comentaristas e ministro do governo federal discutindo a proposta deumaintervençãoestatalnofutebolbrasileiro.Eaconversaavançoucomo

sefosseacoisamaisnormaldomundo.Diantedaideia,nãopareciatãoabsurdooBrasilperderde7a1numaCopadoMundo.

Felizmenteparaoesporte,umaintervençãodogovernoprovocariaasuspensãodoBrasilemcompetiçõesinternacionais.Agoraimagineumaseleçãodefuteboljogandocomomesmoníveldequalidadedeserviçosestataiscomoasaúdeeasegurançapública.AderrotaparaaAlemanhapassariaaserlembradacomsaudosismo.

O sociólogo Roberto DaMatta acha que o futebol, importado daInglaterra,trouxeaoBrasilumelementomoderno,comregrasdefinidase de aceitação voluntária, que fez com que nós, brasileiros,acreditássemosemnósmesmos.DaMattaconsideraque“ofutebolfoioprimeiromomento emqueacreditamosque erapossível fazer aviradadamodernidade,dademocracia,daigualdade,daobediênciaàsregras,daclarezadasregras”.1Será?

Muito embora eu não seja um estudioso da sociologia do futebolcomoDaMatta,2souumtantocéticoemrelaçãoàinfluênciaculturaldasregras do futebol em nosso comportamento e no convívio social.Especialmentenaquilo quenosdistanciadas sociedades que têm comomarcadistintivaorespeitovoluntáriopelasregraseaconfiançabaseadaemrelaçõesformais,nãoexclusivamentefamiliaresedeamizade.

Em termos gerais, de fato, os torcedores brasileiros aceitamvoluntariamenteasregrasdoesporte,valorizamacompetição,otalentoeameritocracianojogo,mascostumamserlenientesquandoseutimedocoração é favorecidopela arbitragemouquandoalgum jogador simulauma falta para induzir o juiz a erro e com isso ser beneficiado. Semcontarabenevolênciaouindiferençacomaformaheterodoxapelaqualos cartolas tratam o dinheiro do próprio clube.A relação do brasileirocomo futebol não émuitodiferente da que tem com a política.Mas épior.

Aúnicadiferençaentreosbrasileirosqueaceitamqueoseu timesecomportedemaneiraantidesportivaparavenceros jogoseaquelesqueaceitam que o governo seja cada vez mais intervencionista é que, nosegundo caso, todos sofremos as consequências de sua atuação, nãoapenasostimeseosseustorcedores.

O princípio e as regras que norteiam o futebol teriammuito a nosensinar,masasvicissitudesqueunemoesporteàvidasocialepolíticasão mais fortes do que as virtudes. Pedir que o governo resolva osproblemas do futebol é um dos zilhões de exemplos de como semanifesta o nosso amor pelo Estado.Um sentimento que se revela empraticamente todas as áreas da vida em sociedade com regularidade epontualidadederelógiosuíço.

Masdeondevemessamentalidade?Quaissãooselementosdenossatrajetóriapolíticaqueajudamaentenderaideiadequecabeaogovernoresolverosproblemassociais,políticoseeconômicos?Porqualrazãonósbrasileiros, apesar de não confiarmos nos políticos, a quem dedicamosinsultosdosmaiscriativosevariados,pedimosqueogovernointervenhasemprequesurgemproblemas?

Sãoasrespostasparaessasperguntasquetenteiencontraraolongodenossa história desde que os portugueses aqui chegaram para construirumpaísedeixaramumprofundolegadoculturalepolíticoqueajudaaexplicaranossarelaçãocomogoverno.Aoutraparteéexclusividadeeresponsabilidadenossa,aocontráriodochavãoqueculpaosportuguesese a Igreja Católica por todos os nossos infortúnios. Conhecer a nossahistória política — assim como as ideias, ideologias e os personagenscentrais da cadeia de comando — é a maneira mais adequada dedescobrirereconheceroserrosparapodermosreformaroqueprecisaserreformadoeeliminaroquedevesereliminado.

Para tentar esclarecer a origem da nossa peculiar relação com ogoverno,eanossasituaçãoatual,busquei informaçõeseexplicaçõesdeautores brasileiros e portugueses, numa bibliografia selecionada quetambémincluiutrabalhosacadêmicos(artigos,dissertaçõesdemestradoetesesdedoutorado).

Eis a ideia: reunir numa conversa intelectuais brasileiros querefletiramsobreaculturapolíticadoBrasil.Presumiquesóconseguiriadesvendarospontoscentraisqueestãoresumidosnotítulodestelivroapartirdeumdiálogoentreosfilhosdamesmapátria,edestescomosdanação que nos gerou. Por isso, são restritas as referências às ideias deautoresquenãobrasileiroseportugueses.

Dadaadificuldadedeencontrarlivrospopularescomumanarrativasequencial do governo no Brasil desde 1500, a começar pelo rei dePortugalnaépocadachegadadePedroÁlvaresCabral,decidicontarahistória ordenadamentemostrandoquemgovernou e emqualperíodo,além de um breve perfil de seus governos. O livro começa com D.Manuel I e termina comDilmaRousseff, comprovandoquenada é tãoruimquenãopossapiorar.

Priorizei a política nacional e a atuaçãodoPoderExecutivo federal,muitoemboraestejaimplícitonosexemplosqueutilizeiaparticipaçãodoLegislativoedoJudiciário,poderesinstitucionaisqueformamogovernoe sem os quais um político é incapaz de governar. Mesmo os doisimperadoresquetivemos,D.PedroIeD.PedroII,atuaram,notodoouemparte,sobumaConstituiçãoecomumParlamento.

Aoexporafaceintervencionistadogovernoedeseuslíderesaolongoda nossa trajetória, procurei identificar certa unidade responsável pelaformação de um ambiente cultural e de uma mentalidade estatistafavorávelàinterferênciadogoverno,apesardopoucoapreçoquesempretivemospelospolíticos.

O vínculo do intervencionismo e da mentalidade estatista com osindivíduoseaselitespolíticasqueestiveramnopodernãosignificaqueeles sejam iguais do ponto de vista ético,moral e ideológico.Não são.Seria inadequado comparar o imperador D. Pedro II com qualquerpresidentedoperíodorepublicano,assimcomoseriaumamaledicênciaequiparar os presidentes Prudente de Morais e José Sarney; CamposSaleseLuizInácioLuladaSilva;RodriguesAlveseDilmaRousseff.

Durante os dez meses de elaboração deste livro, tive sempre emmenteoleitornãoespecializadoquecertamentegostariadeconheceroseventos políticos por uma abordagem diferente e ter acesso ainformações que estão dispersas na bibliografia disponível. Tentei aquiexpor com rigor, paixão e humor uma espécie de história oculta dapolítica brasileira. Este é, portanto, um ensaio despretensiosamenteambiciosocujagenialidadesórivalizacomaminhamodéstia.

Se você, caro leitor, chegar ao fim deste livro sem ter bocejado oudormido,ecomasensaçãodequeaprendeualgosobreahistóriapolíticadonossopaís, terei cumprido omeumodesto propósito demostrar asorigense algunsdoselementos centraisqueajudamaexplicarporquenósbrasileirosamamosoEstado.

1O iníciode tudoquedeunoquedeu

Cabral chegou ao Brasil, e a frota viu a erva—mas nãofumou

Muitosbrasileiros,sepudessem,teriamescolhidooutropaísparatercolonizadooBrasil,nãoPortugal.Compreendoodelírio.Jáexperimenteital desatino. Queria que os ingleses tivessem desembarcado por aquiantes dos portugueses. A insânia só passou depois que comecei aconheceranossahistóriaeadePortugal,eapóstermoradoemLisboa,ondedesembarquei507anosdepoisdachegadadascaravelasnonossoterritório.

A aventura brasileira começa pouco mais de cinco séculos antes,quando, ao meio-dia de 9 de março do ano de 1500, as caravelasportuguesas partem de Lisboa. Cruzar o Atlântico desde Portugal nãodeve ter sido das experiênciasmais agradáveis. Nem tanto pelo calor,pela água podre, pela impossibilidade de banho regular, pela afávelcompanhia dos ratos, pelas doenças, pelas mortes, pela quantidadeinsuficiente de azeite e de vinho para a viagem, pela inexistência deinternet para postar as fotos no Facebook e no Instagram. Era, pois,segundo a versão mais plausível sobre a expedição,1 a expectativa dechegaràÍndiae,eventualmente,terdereverenciarumavaca.

Atesedachegadaintencionalaonossoterritóriotemseusdefensores,mas não há prova definitiva que a confirme. E se é verdade que duasexpediçõesespanholasnavegarampelacostabrasileiraantesdachegadadosportugueses,2anossadescobertasociológicacomeçacomachegadadaquela comandada por Pedro Álvares Cabral, que estranhamentealterou sua rota para a direita (oeste),3 certamente inaugurando aclivagemideológicaqueséculosmaistardetransformariaasredessociaisnomelhorprogramadiáriodehumorpolíticodopaís.

Nodia21deabril,aembarcaçãoprincipalerainformadadequehaviaterra à vista.Mas, antes da terra, o que se viumesmo foi uma grandequantidadedeervascompridas,chamadasdebotelhoederabo-de-asno,nomesquenãosãoexatamenteportadoresdebonspresságios.

Ditoefeito.

Namanhãdodiaseguinte,paradeixaroambienteaindamaisgrave,as embarcações se depararam com aves conhecidas como fura-buxos.Nãoédifícilpresumirafaltadeentusiasmodatripulaçãonachegadaaocontinentediantedaquelasprimeirasimpressõespovoadasderabos-de-asnoedefura-buxos.

Àtarde,finalmente,aterra.Oumelhor,ummonte,queCabraltratoulogo de batizar de Pascoal, num momento único de criatividademotivado por aquele ser o período seguinte ao da Páscoa. Para nãodesperdiçar aquela que provavelmente seria a sua última centelha deinventividade,ocapitão-moraproveitouaocasiãoparatambémbatizaroterritório de ilha deVera Cruz (ou daCruz),4 nome que, séculosmaistarde,designariaomaisimportanteestúdiocinematográficobrasileirodadécada de 1950 e cuja derrocada se deu em virtude de intervençõesestatais,comootabelamentodopreçodosingressoseainflação.

OescrivãoCaminhafoioprimeiroapedirumaboquinha

A chegada ao território foi registrada pelo escrivão Pero Vaz deCaminha,que lavroua certidãodenascimentodoBrasil.Odocumentohistórico inaugurou em prosa aquilo que posteriormente seriaidentificadocomoumaunívocarelaçãodobrasileirocomapolítica,comopoderpolíticoecomospolíticos,edestescomasociedadebrasileira,umvínculosobretudodeinteresse,paternalismo,dependência,servidão,troca de favores antes mesmo de haver país, brasileiros nativos,capitalismo de laços, empresários amigos, partidos políticos, os fundosdepensãoeoBNDES.

A necessidade de agradar o governante para obter algum favor,benesse ou privilégio, e a sua concordância em fazê-lo em troca devassalagem estão expostas exemplarmente no nosso registro denascimento.AntesCaminhativesseterminadoamissivacomumareceitadopasteldeBelém,defofosdeBelasoudebiscoitosdeBucelas.

Mesmosemtersidooficialmenteescolhidopararelataraviagemparao rei de Portugal, D. Manuel, Caminha descreveu a terra recém-descobertaeoqueláfezpartedatripulaçãoaodesembarcaretercontatocomosíndios,queseaproximaramdevidamente“pardos,nus,semcoisaalgumaquelhescobrissesuasvergonhas”.Séculosdepois,apráticadasvergonhasdescobertasseriabatizadadenaturismo.

SendoCaminhaumbeneficiário direto de uma benesse estatal, poisherdara do pai, Vasco Fernandes de Caminha, o cargo de mestre debalançadamoedadacidadedoPorto,tinhanafunçãoumaboafontederendaaodeterpoderesexclusivosdecobrarpelosserviçosdepesagemobrigatória.

Privilégiospolíticoscostumamgravarnoespíritodetodoequalquerbeneficiárioamarcadoservidorsemprefielaodetentordopoder.Seforparagarantirumasinecura,algumavantagemparasieparaosseus,nãoháquemediresforçosparaagradar,bajulareatenderpedidoseordens,

não importa de quem, nem de como venha. E talvez não seja umacoincidência o fato de o sobrenome Caminha significar, segundo umdessessitesnadaconfiáveisdedicadosapaiscuriososepoucocriativos,“jovemcriada”.

Arelaçãopeculiarentrequemdetémopoderpolíticoequembuscafavores pressupõe a célebre expressão de certa polícia militar carioca:“Quemquerrirtemquefazerrir.”Nãoésemfundamento,portanto,queCaminhaencerreassimasuadescritiva(epedinte)missiva:“Epoisque,Senhor, é certo que assi neste cargo que levo como emoutro qualqueroutracousaquedevossoserviçofor,VossaAltezahadeserdemimmuibemservido,aellapeçoquepormefazersingularmercêmandevirdailhadeSãoThoméJorged’Osouro,meugenro,oquedellarecebereiemmuitamercê”.5

Caminharatificouhabilmenteadedicaçãoaoreimencionandoasuafunção de escrivão e aproveitou para cavar para si próprio um futurocargo, o que chamaríamos hoje de uma boquinha, além de pedir umfavor singular, excêntrico, familiar: que o rei permitisse o retorno aPortugaldoseugenroJorged’Osouro,que,condenadoporroubarpão,vinho e galinhas de uma igreja, e de ferir um clérigo, fora degredadoparaa ilhadeSãoTomé.Tudo indicaqueo reiatendeuopedido,masnãosesabesed’OsourovoltouparaoPortooumorreu.6

O pedido de Caminha, o verdadeiro motivo para a elaboração dacarta na qual a narrativa do descobrimento foi um mero pretexto,inaugurouanossa excêntrica característica culturaldepedir favores aogoverno para conseguir cargos e privilégios, especialmente em setratandodeparentes.

Quemtempadrinhonãomorrepagão

DiziaeuqueCaminhaherdaradopaiocargodemestredebalançadacidadedoPorto,doqualseafastouparaembarcarrumoaoterritórioque

hoje conhecemos como Brasil. Sua história é a história de portuguesesdaquelaépocaeadebrasileirosdeépocasposteriores.

AnomeaçãodeCaminhaparaocargodemestredebalançadamoedapermiteentenderumhábitoque,adotadonacolôniaedesenvolvidoaolongodahistória,tornou-separtedaculturabrasileira,comoosamba,ofutebol, políticos suscetíveis à venda de seus préstimos e empresáriosdispostosacomprá-losemtrocadebenesses.

A concessão dos ofícios (tabelião, escrivão,mestre de balança) e deoutros privilégios (cartórios, monopólios comerciais, administração dealfândega)emPortugal(ametrópole)eraderesponsabilidadedorei,dascâmarasedosconselhos.NoBrasilenaÍndia,concedê-los,vendê-losouarrendá-los eram atos de competência do rei, do governador-geral, dogovernadordecapitania(pertencenteàcoroaportuguesaouhereditária)edascâmarasmunicipais.

Asbenesseseramdistribuídasaquemtivessesidoútilaorei.Comoopróprio Caminha, que, assim como tantos outros, foi beneficiado “emtroca de graça, favor, serviço do rei, que podia ser remunerado pelopróprioofício,cujapagaestavanosemolumentosecontratosdedízimos,alfândegas e monopólios, entre muitas formas de privilégiosprivatizados, ou pela concessão de mercês, títulos de nobreza,geralmente acompanhados de tenças e moradias”.7 Era o início daparceriapúblico-privadaquehojeprovocafrêmitosnosdecotesdecertospolíticosedeterminadosempresários.

Oscustoscomaconcessãodessesbenefícioseram“detalmontaque,numlevantamentode1607,osgastosdoreinonessarubricachegavama190 contos. Para efeito de comparação, no mesmo ano, o Estadoportuguês,vinculadoaoreidaEspanha,mascomadministraçãoprópria,teve 167 contos de receita advinda do império Atlântico (ilhas, Brasil,ÁfricaOcidental)”.8

Éavelhahistória(bom,nemtãovelha)dasconsequênciasdessetipode incentivo para os beneficiados e para a grande maioria nãobeneficiada.Seoscargoscobiçadoseumsortilégioderegaliasestavamàdisposição dos políticos para serem concedidos de forma a atenderinteresses circunstanciais, não erade causar espanto o fatodepartedasociedade se aproximar de quem pudesse fazê-lo a fim de obtervantagens e oferecer algo em troca. Qualquer semelhança com acontemporânea orientação do governo brasileiro para concederempréstimossubsidiadosparaempresasseletivamenteescolhidasémeracoincidência.

O resultado dessa relação é o estímulo para os privilegiadospreservaremerestringiremparasimesmosessesistemadebarganhaeodesestímulo de parte dos desprivilegiados para fazer algo diferente doqueseassociaraopoderpolíticoembuscadealgumprivilégio.

Lapidou-se no Brasil um sistema desenvolvido em Portugal cujaprova é o exemplopessoal de PeroVazCaminha e o conteúdoda suacarta.A economia dasmercês, ummodelo no qual o Estado distribuíaprivilégioseconcessõesapartirdeacordospactuadosentreorei,opoderlocaleosseussúditos,éaversãomedievaldocapitalismodecompadrio,capitalismodeEstadooucapitalismode laços,que teveaquiuma terrafértilegentil,pátriaamada,Brasil.

Já perdi a conta de quantas vezes ouvi histórias pouco edificantessobreanecessidadedeprestarsubmissãovoluntáriaapessoasinvestidasemdeterminado cargo ou funçãono governopara obter algumganho,umcontrato,umalicitação,umapromoção,umatransferência.

E se o detentor do poder político for um familiar, tanto melhor. Épossível construirumacarreirameteóricacomganhosvolumosos,diriaatémesmopornográficos.Àguisadeexemplomeramentehipotético, éplenamentepossívelserescolhidodesembargadordeumtribunalfederal

seseupaiforministrodoSupremoTribunalFederal(tantomelhorsesuamãe for desembargadora), ou dormir como (não com) monitor dezoológico e acordar sócio de uma grande empresa de telefonia. Nestecaso, é preciso ser filho do presidente da República. Isto, obviamente,jamaisaconteceunoBrasil.

OsdegredadosqueaquificaramoEstadorepresentaram

UmainformaçãoreveladoradacartadeCaminhaéqueocapitão-morda expedição, Pedro Álvares Cabral, que, portanto, agia em nome dacoroa portuguesa, ordenou a dois degredados que acompanhassem osíndioselápermanecessemparaconhecerseushábitosesuamaneiradeviver.Deixadosnapraia,fizeramoqueamaioriadenósfariacomigualintensidadeenenhumpudor:choraramcopiosamente.9

Osdegredadosnão sópassariamalgunsdias comos silvícolas,masficariam na ilha de Vera Cruz após o retorno das embarcações paraaprender“bemasuafalaeosentenderem”.Issopermitiriaconverterosíndiosemcristãosefazê-loscrerna“santafécatólica”.AobservaçãodeCaminha em sua carta ao reiD.Manuel reproduzia a visãopolíticadaépocasegundoaqualograndepapeldePortugalera“salvarestagente”.Emais:“estadeveseraprincipalsementequeVossaAltezaemeladevelançar”.10

Asemente,de fato, foiplantadaevicejou.Ospolíticosdasgeraçõessubsequentesnuncadeixaramde,emmaioroumenorgrau,proporumaagenda que, no fundo, tentasse “salvar” a sociedade brasileira delamesmaapartirdaampliaçãodopoderdasinstituiçõesedapromulgaçãodeleis.SónãonossalvavadoEstadoedogoverno.Aquiloqueeraumapromessadegarantiaformaldedireitoseliberdadesaolongodahistóriase convertia num poderoso instrumento de intervenção na vida dosbrasileiros.

Porquequalifiqueidereveladoraa informaçãoextraídadacarta?E,mais importante, qual é o elemento perturbador dessa informação?Justamente o fato de que o primeiro poder político que aquidesembarcoudeixoucomoseus representantesdoisdegredados,oque,naépoca,significavatersidocondenadoaoexíliodoReinodePortugalporhavercometidoumcrimepassíveldesançãopenal.

Compreendeu, leitor? Criminosos condenados e em plenocumprimento da pena permaneceram na terra recém-descoberta comorepresentantes da coroa portuguesa por decisão de seu representante,PedroÁlvaresCabral,quenãotomariataldecisãosenãocomaanuênciaprévia do rei. Mesmo que essa prática fosse comum nas descobertasportuguesas e nas de outras nações, não deixa de ser perturbadora. Écomo se o governo português tivesse deixado aqui José Dirceu e JoséGenoínocomoseusrepresentantes.

Emtermosdesimbologiapolítica,sãoessesosdoisfatossintomáticosda fundação do país: 1) a primeira representação oficial do governoportuguês a fincar pés em solo brasileiro era formada por criminososdegredados, que, obviamente, suplicaram para não ficar; 2) o escrivãoresponsável por descrever a nova terra no documento que setransformarianacarta fundadoradopaís,exercendoele,portanto,umafunção oficial do governo, solicitou ao rei uma futura sinecura e aextinção da pena de seu genro igualmente condenado e degredado nailhadeSãoTomé.

Nãoécommaledicênciaqueambososeventoshistóricospodemserconsiderados fundadores de certa prática social e política que sedesenvolveu ao longo de nossa história. E que, lapidada durante osséculosvindouros,àsvezeséexpostapublicamentecomonojulgamentodomensalão,realizadonoSupremoTribunalFederal(STF)em2014,quecondenou 25 dos 37 réus, todos ligados direta ou indiretamente aoPartidodosTrabalhadores(PT)ouaoseugoverno.

OmitodoEstadoantesdopovoéoconsolodostolos

É sintomático da nossa cultura responsabilizar a herança históricapelas nossas desventuras. Duas das principais justificativas são acolonização portuguesa e a herança católica. No primeiro caso, aindagozadecertoprestígio“asuposiçãodeque,nosprimeirosséculos,nãoteriahavidopovomassomenteEstado”.11Essemito,alicerçadona“teseda ‘ausência de povo’, tem sobrevivido [...] para justificar a aceitaçãopassivadadependênciadoEstado,tãopresenteemsucessivascamadasda população brasileira”.12 A cultura política da servidão existiu econtinuaaexistir,masasrazões,comoveráoleitor,sãooutras.

Um fato que atestaria a hipótese de que tivemos, no Brasil, Estadoantes do povo foi a vinda do governador-geral Tomé de Souza, quedesembarcou na Bahia em 1549 trazendo na mala um regimentoelaborado emLisboa e que serviria de base para a construçãodo país.Masantesdisso,em1534, játínhamosascapitaniashereditáriasapartirdadivisãodoterritório,cujaspartesforamentreguesaparticularescomrelaçõespróximascomacoroa.

Essesistemaestavamaisparaaconcessãodo territórioparaagentesprivadosdoquepropriamenteparaainstalaçãodeumEstadocomsuasinstituiçõespolíticas eburocraciaadministrativa,oque só foi acontecerdepois. Os portugueses inauguraram na época um tipo de parceriapúblico-privadaantesmesmodevirarmodinha.Eistonãoéumelogio.

Inicialmente, o Estado português limitou-se a exercer em nossoterritório “funções de defesa, a partir de pontos estratégicos no litoral,núcleos esses que serviram, progressivamente, para implantar ummínimodevidacultural”.13

Na esfera econômica, não há registro da presença estatal “nadisseminação das atividades produtivas no vasto território a ocupar”.MesmocomumapresençamaiornoBrasil colônia,oEstadoportuguês

nãotinhameiosdecontrolaroqueacontecia,dadaadimensãodopaís.Só mais tarde, “quando o processo de ocupação estava concluído”, ogovernoconseguiualcançaralgumasregiõeseasgrandespropriedadesparaimpor“ordenamentolegal,atravésdoscapitães-gerais”.14

Algunslivrosconfirmamque,nosprimeirosséculosdenossahistória,tivemospovoantesdoEstado:CulturaeopulênciadoBrasil,deAndréJoãoAntonil,Capítulos de história colonial eCaminhos antigos e povoamento, deCapistranodeAbreu,Vidaemortedobandeirante,deAlcântaraMachado,eInstituiçõespolíticasbrasileiras,deOliveiraViana.15

Portanto, não tem “qualquer sustentação a hipótese de que opovoamento do país, nos primeiros séculos, guardava inteiradependência do Estado”.16 Curiosamente, essa hipótese foi convertidanumfatohistóricoindiscutível,aceitoporpessoasdediferentesposiçõespolíticas, mas que ignoram a origem dessa tese ideológica sobre acolonizaçãoempreendidanoBrasil.

EmboranãohajaprovasdequemfoioautordasuposiçãodequeaquioEstadoprecedeuasociedade,éinteressantequeatesesegundoaqualaorigemdosnossosmalesestánoperíodocolonialtenhasidocriadapelopositivista Manoel Bomfim. Segundo ele, as consequências negativasmorais, sociais, políticas e econômicas eram resultado do modeloparasitáriodeexploraçãodascolôniaspelametrópole.ParaBomfim,“oparasitismodasmetrópoles,comooparasitismoemgeral,éfenômenodeordemeconômica,cujosefeitosserefletemsobretodaavidasocial”.17

Ahipótese formulada por Bomfim era baseada na teoria do Estadopositivo de Auguste Comte, e a chave para solucionar esse mal deorigem era, claro, positivista: a reformapela educação. Posteriormente,criou-se no Brasil a versão positivista do marxismo, resultado docruzamentodadoutrinapositivistacomavulgatamarxista,quereforçouaideiaapartirdaideologiadocolonialismo.18

Os nossos males, antes de serem de origem, são a realização deideologiastortasporgovernosoblíquos.

2Do Brasil colônia ao fado dePombal

AsintervençõesnoBrasilcolônia,oudequandoaParaíbaaindanãoera“masculina,mulhermacho,sim,senhor”

Passaram-se algumas décadas entre a chegada dos portugueses aoBrasil e o início efetivo daquilo que os historiadores batizaram deperíodocolonial.Quasetodosnóssabemosquenessaépocaoambientecomercialdomésticoeradominadopelogovernoportuguês,quedecidiao que poderia ou não ser feito baseado em critérios políticos eeconômicosquebeneficiavamquaseexclusivamentea realezaeos seusapadrinhados.

O que nem todos sabem é que nesse mesmo momento históricodesenvolveu-se no território um ambiente comercial empreendedor epróspero.Eassimofoiporqueacoroaportuguesanãotinhameiosparacontrolartudooqueacontecianumadimensãoterritorialtãovasta.Masondeogovernoportuguêsconseguiuinterviraeconomiafoigravementeafetada.EraoavessodotoquedeMidas.

Háexemplosnotáveisdosresultadoseconômicosdesastrososgeradospelaintervençãodacoroanopaístomandocomobasedecomparaçãoodesenvolvimentonas regiões ondeogovernoportuguêsnão conseguiuintervir. Ao contrário de certa perspectiva histórica,1 a economia doBrasil colônia era, dentro de seu território, comercialmente pujante,

formadaporumamaioriadepequenosempreendedoresenãoancoradaexclusivamente num sistema fundamentado nas grandes propriedadesruraisexportadoras.2

O Brasil colônia viveu um momento de grande crescimentoeconômicoentreofimdoséculoXVIIeoiníciodoséculoXVIIIporcontada expansão do seu mercado interno, e não das exportações. Esseambientedenegócios“aquecidoprovocavaelevaçõesgeraisdeproduçãoepreçosportodooterritório”,eveionummomentoemqueaeconomiaportuguesa, “dependentedas exportaçõesda colônia, estavanuma faserecessiva”.ArecuperaçãoeconômicadePortugal sedeu,emparte,“naesteiradodesenvolvimentocolonial”.3

AúnicaregiãodoterritórionacionalquenãoacompanhouasdemaisfoiaquenaépocaeraformadapelosatuaisestadosdaParaíbaedoRioGrandedoNorte.Numperíododeprosperidadecomercial,essapartedacolôniaviuos fluxosdecomércio seremreduzidospela combinaçãode“elevação dos preços dos insumos, queda nas importaçõesmonopolizadas—e contrabandoobrigatórioparapagarpelos escravosvindos do vizinho Recife”.4 A coroa portuguesa era muito hábil parafazercomqueascoisasdessemerrado.

Aorigemdoproblemafoiadecisãodogovernoportuguêsdesepararadministrativamenteaquela região, antes ligadaaPernambuco, com“oobjetivo central de desviar os fluxos de comércio para a metrópole,permitindo que os ganhos nas trocas ficassem com comercianteslisboetas”.5Écomodizoditado:farinhapouca,meupirãoprimeiro.

AintervençãodiretadacoroafoiadotadaporquePernambuco,entretodas as regiões brasileiras, “era a que apresentava o maior superávitcomercial com Lisboa: exportava bastante e fazia isso com complexasrelações entre o circuito interior do gado sertanejo, processamento

industrial dessa produção, algum controle sobre a compra e venda deescravosportraficantesrecifenses,exportaçõesdeaçúcarealgodão”.6

Comoeradeseesperar,comoconsequênciadessetipodeintervençãohouve uma queda acentuada dos negócios. Fracassou, portanto, atentativa do governo de se aproveitar do pujante desenvolvimentoeconômico de Pernambuco e assim “transferir receitas internas paranegociantesmetropolitanos”7quetinhamboaserentáveisconexõescomopoderpolíticosediadoemLisboa.Omercadoparaibanoencolheu,massobreviveugraçasàaçãodosempreendedoresdaregião.Tantotrabalhodeve ter consumido os estoques de carne de sol, chouriço doce erapadura.

A intervençãoda coroa portuguesa também incidiu sobre o sistemadecrédito,queestavaconcentradonasmãosdopoderpolíticocentralebeneficiavaapenasoprópriogovernodametrópoleeosapadrinhados.No século XIX, D. Pedro I repetiria o mesmo erro ao tomar vultososempréstimos, ao aumentar a impressão de moedas para quitá-los,gerando inflação, ao violar contratos e ao levar o Banco do Brasil àfalência.8

Apolíticaintervencionistadogovernoportuguêsnãosóinterrompeuo desenvolvimento da colônia, mas prejudicou a economia após aindependência9 e foi um importante entrave à chegada e aodesenvolvimentodocapitalismonopaís(considerandoqueocapitalismoaqui chegou). Esse atraso impediu o Brasil de prosperar e manteve adependência em relação à metrópole, além de reforçar a mentalidadeestatista.

Osdoisexemplosmostramcomoaatuaçãodogovernonaeconomianãoéumproblemanovoepodeserenquadradonalógicadaintervençãoestatal.10Ointervencionismo,tambémidentificadocomomercantilismo,éuma“normarestritivaimpostaporumórgãogovernamental,queforça

osdonosdosmeiosdeproduçãoeos empresários a empregaremestesmeiosdeumaformadiferentedaqueempregariam”.11

Quando um processo intervencionista se desenvolve num ambientedeideologiaestatista,“cadafracassodeumaintervençãogerademandaspornovasintervenções:aculpadosproblemasnuncaéaintervençãoemsi,masafalhaemaplicaraleieoegoísmodosagenteseconômicos”.12Oresultadoéaexigênciadeleisnovasemaisrigorosas.

A atuação da coroa portuguesa no Brasil e o desenvolvimento doEstadobrasileirodesdeentãoconfirmamatesedequeaindanãoexisteuma solução convincente para o problema da lógica de expansão doEstado,daqualointervencionismoéoresultado.

Ogovernoportuguêssónãoavançouparaasoutrasregiõesdopaísporpuraincapacidade,nãoporfaltadevontade(algoqueaconteceaindahoje).Desdeaquelaépoca,portanto,égraças(aDeuse)àincompetênciaeaoutraslimitaçõestécnicasqueogovernobrasileironãoémaiorparaalimentarasuagula.Énasfendasmantidasporessasfalhasqueatéhojenós brasileiros que não servimos ao governo conseguimos trabalhar eprosperar.

Paradoxalmente,aomesmo tempoquepermitiu, comoaindahoje,àsociedade“sobreviveraataquesextremamenteagressivos”dogoverno,“o fantástico grau de adaptabilidade da ação livre” se tornou “a causaúltimadaubiquidadeepermanênciadointervencionismo”.13FoiocasodaParaíbaedoRioGrandedoNorte.

O fantástico grau de adaptabilidade das pessoas pode explicar trêsexemplos emblemáticos: Guilherme Pompeu de Almeida, Antônio deAzevedo Sá e Gonçalo Lopes, três homens que construíram seusrespectivospatrimôniosestabelecendonegóciosegerindocorretamenteocapital acumulado, e não mediante a concentração de terras e/ouexportações. Suas trajetórias empresariais derrubam a explicação da

economia colonial brasileira calcada exclusivamente na formação deriquezacomoresultadodaposseedousodegrandesporçõesdeterrasenosnegóciosrealizadosentrelatifundiários.14

A forma como empreenderam num ambiente de incerteza e deintervenção do governo português, introduziram novas técnicas,identificaramnecessidades,ofereceramprodutosnomercado,aplicaramdinheiro em negócios de terceiros e se tornaram “sócios de risco nasdiversas atividades econômicas que dirigiam ou financiavam”15mostraqueaeconomiadomésticanacolôniaeramaisviçosadoqueacaricaturadomodelo latifundiário que nos foi ensinado na escola e em algumasuniversidades. Apesar disso, a lógica do intervencionismo foi maispoderosa,eoEstado,emsuamaiorparte,venceu.

Asinterferênciaseconômicas,nopassadoenopresente,sãopartedeum processo de ampliação gradual do Estado. As intervenções naeconomianãoserestringemenãoselimitam,desgraçadamente,àesferaeconômica. Pelo contrário.Abremumaveredapara avançar emoutroscampos da vida social com a pretensão de moldar nossas ações edecisões,edeinfluenciarnossoscomportamentosehábitos.

O governo, de interventor sistemático da vida econômica, passa ainterferir e a regular os diferentesmodos de vida com a finalidade deenquadrá-losàagendapolíticaouà ideologianopoderouaosprojetosdosgruposde interessesedosgruposdepressão,que,deminoritáriosarticulados,passamaditaros rumosdasociedade.Quandonosdamosconta,hátodaumamentalidade,umaculturaeumambienteconstruídosparadeteriorarosvalores,princípiosenormas—eservirquemestánopoder.

MarquêsdePombal:oiluminismofrancêscontraPortugal

Há em Lisboa uma bela avenida chamada Liberdade. Com poucomais de umquilômetro, construída entre 1879 e 1886, liga a praça dos

Restauradores à praça do marquês de Pombal. Morador da capitalportuguesadurantedoisanos,nãofoiláquepelaprimeiravezlieouvionomedomarquês,cujavidapolíticacontrariaapalavraquedánomeàavenida.Masfoiaprimeiravezqueovi, imponente, impávidocolosso.Suaestátuaestánoaltodomonumentoconstruídoemsuahomenagem,que não deixou de fora a aristocrática (e pouco higiênica) peruca e aescoltadeumleão,símbolodepoder.Hoje,oriscodeserridicularizadonuma homenagem émaior, e esse ridículo ainda pode ser transmitidonumprogramadeTV.

MasPombal,nascidoSebastiãoJosédeCarvalhoeMelo(1699-1782),foimaisdoqueumhomemdeperucaaoladodeumleão.Foiumadaspersonalidadespolíticasmaisnefastasdahistóriaportuguesaebrasileira,e sua atuação no séculoXVIII criou o primeiro “ismo” do processo deconstruçãoculturaledoambientepolíticoeeconômico.Opombalismo,este nada elegante substantivo, nos legou uma mentalidade e umaestruturaqueeramafacedeseucomandantepolítico:arrogante,tirânicoe autoritário.16 Pombal deixou sua marca gravemente intervencionistaemnossahistória.

Representante de uma elite de homens ilustrados que sabiam adimensão do abismo que já separava Portugal dos demais países daEuropaocidentalno séculoXVIII, foinomeadosecretáriodosNegóciosEstrangeiros no primeiro ministério formado pelo rei D. José I (1750-1777),que,em1750,sucedeuofalecidoD.JoãoV.PombalaproveitouaoportunidadecriadapeloterremotoquedestruiuboapartedeLisboaem1755paramostraraqueveio.

A forma como lidou coma catástrofe fez comque se transformasseemfiguracentraldogovernoportuguês.Orei reconheceuseu trabalhoao lhe dar plenos poderes para promover as grandes reformas pelasquaisficouconhecido.Nopalcodahistória,tornou-semaisconhecidodoqueoprópriorei.

Além do talento político e da coragem, Pombal soube lidar com asconsequências do terremoto graças à experiência, às informações e aosconhecimentos adquiridos no período emque atuou como embaixadorem Londres a serviço de D. João V. Certo de que o florescimento domundo civilizado era fruto do iluminismo francês e das conquistascientíficas,iniciouumabatalhacontratudoaquiloquenãorepresentasseoidealiluministaeoconhecimentológicoecientífico.

Umadesuas lutasmaisconhecidasfoi travadacontraos jesuítas,naépocaresponsáveispeloensinoemPortugalequetambémutilizavamaBíbliaeasobrasdeAristótelesedeSãoTomásdeAquinocomobasedainstrução. O Colégio das Artes e a Universidade de Coimbra eram asduas instituições administradas pelos religiosos e responsáveis pelaformaçãoda elitepolíticaportuguesa edeumaparcela significativadaelitepolíticaeintelectualbrasileiraduranteosprimeiroscinquentaanosdoséculoXIX.

Pombal justificou publicamente sua posição contrária dizendo queessemodelodeensinocondenavaPortugalaficarcadavezmaisdistantedos “métodos de investigação e raciocínio” que “se desenvolviam emoutros lugares, sobretudo na Inglaterra”.17 E que a consequência dainstruçãoministrada pelos jesuítas fora o isolamento de Portugal “dosavançosdaciênciamodernaqueseverificavamnonortedaEuropa”.18

Muitoembora,naépoca,acontribuiçãointelectualdosjesuítastenhatornadoaacademiaportuguesarespeitadaereconhecidanocontinente,Pombal tentava impor a ideia de que havia uma relaçãodireta entre oensino jesuítico e o subdesenvolvimento científico português. Pararesolver o problema, empreendeu uma reforma que representou umdurogolpenosjesuítas,que,alémdeperderemomonopólio,opodereainfluêncianaformaçãodaeliteportuguesa(ebrasileira),foramexpulsosdePortugaledascolônias.

Isso foi o que se viu. O que não se viu foi o resultado oculto dadecisão: a estatização completa do ensino em Portugal, com acentralização aindamaior do poder do governo, e o combate ferrenhoaos jesuítas, seguindo a orientação dos iluministas franceses que osconsideravamuminimigoasercombatidocomopartedeumambiciosoprojeto anticristão que pretendia não só eliminar todas as ordensreligiosas,masdestruiraprópriareligião.19

AsmedidasadotadaspelaadministraçãopombalinarepresentaramainauguraçãoemPortugaldoiluminismofrancês,queerarevolucionário,historicista e antirreligioso. Inimigos declarados da Igreja, “os filósofosfranceses não eram apenas anticlericais, porém abertamenteanticristãos”.20O instrumentoparaadisseminaçãode suas ideias eraaEnciclopédiaeditadaporDenisDiderot eque teve comocolaboradoresVoltaireeRousseau,cujostextosPombalmandouquefossemtraduzidospara o português.21 Como os jesuítas representavam um grandeobstáculoàentradadoiluminismonoensinodePortugal,egraçasaelesaUniversidadedeCoimbraforaprotegida,nãofoicoincidênciaadecisãodepersegui-losedefenestrá-los.

Comopartedoprojetopolíticode“centralizaçãodopoderestatalcoma feroz e calculada liquidação daNobreza e da Companhia de Jesus”,que,porironia,fora“fundadaem1534porSantoInáciodeLoyolaemaiscinco estudantes (espanhóis) da Universidade de Paris”,22 em 12 dejaneiro de 1759 Pombal expulsou os jesuítas de todo o territórioportuguês,oqueincluíaascolônias,porcrimedelesa-majestade.Em28dejunhodaqueleano,avançoucomoplanoaodeterminarqueoensinopúblicofossereestruturado“nomaisvivorepúdiodométodoatéentãopreconizado pela neoescolástica conimbricense”23 dentro daUniversidadedeCoimbra.24

No Brasil, o iluminismo francês foi em parte introduzido pelasreformaspombalinase tambémtrazidonabagagemporbrasileirosque

estudaramnaFrançaeemoutrospaísesdaEuropajácontaminados,emalgumamedida,pelanaturezadaquelacosmovisão ideológica.Devoltaaopaís,introduziramasideiasrevolucionáriasfrancesasnasacademias,sociedadesliteráriasesociedadessecretas,comoamaçonaria.

EntreofimdoséculoXVIIIeoiníciodoséculoXIX,médicos,maçonsepadres eramos“mais típicos representantesdo radicalismopolítico”,que também seduziu artesãos, soldados, alfaiates e escravos. Essesradicais estiveram por trás de várias rebeliões no país, como aInconfidência Mineira e a Conjuração Baiana.25 Mais tarde, comoveremos, os maçons teriam um papel fundamental no Império e naRepública.

Pombal seguiu comseuplano iluministadisfarçadodepreocupaçãocientíficaemproldodesenvolvimentodePortugal.Oobjetivopúblicodareformaquepropôserarecolocaropaísnuma“posiçãodignadentrodomundo civilizado e polido da Europa, posição de que fora afastado,assim acreditavam os pombalinos, pelo predomínio da escolásticajesuítica”,26oqueeraumamentiraparaencobrirsuasreaisintenções.

Para apagar os vestígios do ensino jesuítico e abrir o país para adoutrinação iluminista, a administração de Pombal modificou oconteúdoeométododeensinodasdisciplinas já contidasno currículo(como o latim e a retórica) e introduziu novas matérias, como amatemática e a filosofia (ciências naturais, física e química), tanto noColégio das Artes (em 1759) quanto na Universidade de Coimbra (em1772).

As Faculdades de Matemática e de Filosofia tiveram um papelfundamentalnanovaideiadeuniversidadeconcebidaporPombal.Masnãoseriaoensinodafilosofiadeentão,masdafilosofianatural,entendidacomo ciência aplicada, cuja finalidade era “formar pesquisadores de

recursos naturais, botânicos, metalurgistas, enfim, homens capazes deidentificarasriquezasdoReinoeexplorá-las”.27

Aretóricapolíticacontinuavaamesma:aciênciaaplicadaera“omeiohábilparaaconquistadariqueza”,enãosomenteo“processoadequadode gerir e explorar os recursos disponíveis, mas igualmente” para“inspirar a ação do governo (política) e as relações entre os homens(moral)”.28SegundoPombal,eradissoquePortugalprecisava.

O que os portugueses não sabiam era que as medidas daadministração pombalina, ao contrário do discurso cientificista,reduziramo“magistérioaoministério”aosubmeteroensinoaumatotaleconstrangedora“dependênciadopoderpolítico,emvezdeumasalutarliberdade de pensamento”. As novas diretrizes pedagógicas foramimpostas “por meio de medidas intimidatórias como o reparo, ademissãoeaprisão”.29Garantidoporessesistemapolicial,oensinofoiuniformizadoparaatenderumobjetivobastanteclaro:serviraoEstado.30

O projeto científico de Pombal, contudo, não avançou por váriasrazões.OerrofatalnãofoipretenderquePortugaladotasseummodelode desenvolvimento científico. Foi tentar impor o seu projeto de cimapara baixo, desconsiderando a realidade portuguesa e eliminando atradiçãodoensinodesenvolvidoatéaquelemomentopelos jesuítas.Emvezdareformaàmodainglesa,Pombalpreferiuagircomoumiluministaecortarcabeçasàmodarevolucionáriafrancesa.

Seoprojetocientífico foi fracassado,oprojetopolítico iluminista foivitorioso. Pombal deixou um profundo e negativo legado, e herdeiros.UmdosmaisconhecidosfoiD.RodrigodeSouzaCoutinho,ocondedeLinhares.AfilhadodePombaletreinadoparaserseusucessor,CoutinhofoiconvidadoporD. JoãoVIparachefiaroprimeirogovernodoreinoBrasil“apósatransferênciadaCorteparaoRiodeJaneiro”.31

Coube justamente a Coutinho aplicar no comando da políticabrasileira o iluminismo cientificista do padrinho, uma espécie dedoutrinadegovernobaseadana“suposiçãodequeaciêncianaturalestápronta e conclusa, cumprindo aplicá-la” para que Portugalreconquistasseasuagrandeza.Paraimplementaresseprojeto,foicriadanoRiodeJaneiroaRealAcademiaMilitar,quecomeçouafuncionarem1811.32

Transformada em Escola Politécnica em 1874, a instituição foi umadas portas de entrada e de doutrinação no país do positivismo deAuguste Comte. A união do cientificismo pombalino com a doutrinapositivista de Comte tornou possível, aos olhos de seus militantes,formulartantoumapolíticaquantoumamoralcientífica.33

Deintervençãoemintervenção,Portugalencheuopapo

No Brasil, a administração pombalina tomou decisões políticas queresultaram numa maior concentração de poder e num controle maisefetivo sobre a metrópole. A extinção das capitanias hereditárias e aalteração do estatuto político do Maranhão, que era diretamentevinculadoàmetrópole, foramexemplosdoprojetodePombal,quenãopretendia reformar as instituições políticas a ponto de enfraquecer edestruiramonarquiaabsolutistaportuguesa.

Como parte do processo de centralização de poder e de ganhoeconômico, a administração de Pombal usou o poder político paraestimularasatividadeseconômicasdacolôniaapartir,porexemplo,dacriação da indústria manufatureira e das companhias estatais decomércio.Ogovernoportuguês,preocupadocom“oiníciodadecadênciado ciclo do ouro”, com as “flutuações do preço do açúcar” e com a“semprepresentedominação inglesa”, tomoudecisõesqueprovocaramum“novosurtodefortalecimentodopoderestatal”,34quejáerarobusto.

A nova política baseada no mercantilismo subjugou ainda mais aeconomia brasileira ao Estado português, o que significava atualizar oprojeto de colocar a iniciativa privada a serviço do governo. QuandoPombalcantouseufado,quemdançoufoioBrasil.

A ideia mercantilista de que a riqueza das nações tinha origem nocomércio internacional eramotivomais do que suficiente para Pombalpretender subordinar ao Estado a relação entre os agentes privadosnacionais e estrangeiros, um equívoco tremendo que Adam Smith jáhaviaapontado,em1776,comapublicaçãodocélebreUma investigaçãosobreanaturezaeascausasdariquezadasnações.

Felizmente,osinstrumentosemecanismosparacontrolaraatividadedosbrasileirosnãoeram tão eficientesna épocaquantoo sãohoje.Porisso,acentralizaçãodopodereramaisaparentedoqueefetivaporcausadaincapacidadedogovernoportuguêsdecontrolar todooterritório.Adominação era, portanto, limitada a algumas regiões, que, no entanto,sofriamefetivamentecomocontrolepolíticoeeconômicodametrópole.

Umadasformasencontradaspelovice-reidePortugalparareduzirafragilidade de sua autoridade e preservar o poder sobre os capitães-geraisnamaioriadascapitaniasno finaldoséculoXVIIIerautilizarosconflitos entre os líderes regionais como instrumentos de controle.35

Quantomais antagonismos entre os poderes locais, menor a sua forçaconjunta emais reduzida a ameaça contra a coroa portuguesa.Dividirparaconquistar,senãoogovernoiriaselascar.

AlutadaIgrejacontraausuranossadecadadia

Omercantilismo e a política intervencionista implantados no Brasilpela administração de Pombal serviram de aliados às atividades dosrepresentantes da Inquisição na colônia. Juntos, contribuíram paraformarumamentalidadecontráriaàprosperidadeeaolucro.36

No Brasil, o Tribunal do Santo Ofício organizou um “aparelhorepressor permanente e de eficácia comprovada”.37 Sua atuaçãopermanente era garantida pela residência no país dos familiares dosvisitadores e comissários que eram responsáveis por municiá-los cominformações. Os representantes da Inquisição não respondiam àsautoridades religiosas do país, sequer aos bispos, e deveriam seratendidospelas autoridades civis.Naausênciadeambos, a informaçãoeratransmitidaaorepresentantelocal.

AeficáciadaestruturaderepressãomontadapeloTribunaldoSantoOfíciofoiposteriormenteconfirmadapelasuadecisivacontribuiçãoparaarruinar o setor açucareiro e, principalmente, emdecorrência domedoque inspirava, por gravar na cultura brasileira valores contrários aoempreendimentoprivado.

Uma das finalidades da presença do Tribunal do Santo Ofício poraqui era “coibir a usura dosmercadores que já não queriam vender adinheiro de contado, mas cobrando juros”.38 Havia uma linha muitotênue que diferenciava a condenação da usura, entendida como acobrança excessiva de juros para fazer dinheiro gerar dinheiro demaneirainsaciável,daperseguiçãodetodosaquelesqueprosperavameenriqueciam com o fruto do trabalho, pois a Igreja não condenava ariqueza,masaavareza,umdossetepecadoscapitais.

Naconfusãoentreoqueeraeoquenãoerausura,ainiciativaprivadaestava sempre no radar dos representantes do Santo Ofício. Como naépoca a Igreja era parte integrante do Estado português, a atuação doTribunal ampliava o controle do governo na economia, transmitindo àsociedade a informação de que era perigoso empreender e que omaisseguroeratrabalharparaogoverno,ouserseualiado.

Instaurou-se,então,“nopaísumverdadeiroefeitoparalisante”,39quedesestimulou na raiz o desenvolvimento do capitalismo no início da

nossahistória.Asaçõesdogovernoportuguês,especialmenteaexpulsãodosjudeuseacriminalizaçãodausura,contribuíramdecisivamenteparaimpediraformaçãodeumaculturafavorávelaoempreendedorismonoBrasil. Por isso, o que havia de privado estava de alguma formarelacionadoaogovernoou,formalmente,dependentedesuaautorização.

NumperíododahistóriaemqueaideiacontemporâneadeseparaçãoentreIgrejaeEstadosoariatãoinverossímilquantooseucontráriohojeem dia, equiparar o usurário a um criminoso comum, negar-lhe acomunhão e o sepultamento cristão, punir aquele que alugasse umimóvelaumusurárioouqueafirmassequeausuranãoerapecadoeramaçõespolíticas(dogovernoedaIgreja)fundamentaisparaconstruirumambientecontrárioàprosperidadeeàideiadecapitalismo.

Adiscussãopúblicapromovidaporpublicistasepreladoscondenavaa usura e os excessos da riqueza. Um exemplo didático dessa aversãopode ser encontrado nos Discursos político-morais (1758) de FelicianoSouzaNunes(1730-1808),nascidonoRiodeJaneiroedestacadomembrodaelitepolíticaeculturaldacidade.

Nolivro,doisdossetesdiscursossãoumataqueàriquezamaterial:

Asmaioresriquezasquepode lograrohomemé[sic]asalvação,a liberdadeeavida.Esecomariquezaexcessivaasalvaçãosearrisca,aliberdadeseperdeeavidaseestraga,comonãoviráohomemasertantomaisnecessitadoquantoformaisrico?Como não será a sua riqueza excessiva o mais certo prognóstico da sua maiornecessidadeemiséria?

Queseestragueavidacomosexcessosdariqueza,nãoénecessárioqueodiscursoomostre,bastaqueaexperiênciaoveja.[...]eporissodizSãoJerônimoquetodasasgrandesriquezassãofilhasounetasdainiquidadeouinjustiça,porqueumnãopodeacharoqueoutronão temperdido; concluindocomaquelasentençadeAristóteles,queoricoouéinjustooudoinjustoéherdeiro.40

Textos como esse aumentaram a ambiguidade na condenação dausura criada no passado pelo Tribunal do Santo Ofício e pela suamilitânciaintelectualedeixarammarcasprofundasnaculturabrasileira,

comoavisãoumtantonegativadoempreendedoredaempresaprivada,a condenação do trabalho como uma adversidade, e não como umarealização pessoal, e um afeto pela pobreza, que migrou da esfera dacaridadeparaadopaternalismoestatal.41

OproblemadaposiçãodaIgrejaemrelaçãoàseventuaisiniquidadesde alguns ricos e da vida dedicada ao dinheiro, algo perfeitamentecompreensível para uma religião dedicada a celebrar a vida espiritual,não material, era a maneira como essa mensagem era acolhidaculturalmente pela sociedade e politicamente pelo governo. Na esferacultural, desconfiança da iniciativa privada; no âmbito da política,controleeorientaçãoestataldaatividadeempresarial.

Asimpatiapelapobrezapresenteemnossatradiçãoculturalatéhoje“fomenta a crença da responsabilidade do Estado por tal fenômeno,quandoospaísesquea eliminaramnãoo fizeramgraçasà intervençãoestatalmaspelapráticadeumaeconomia livre,baseadanavalorizaçãodo trabalho, no apreço aos bem-sucedidos, no reconhecimento dalegitimidade do lucro, enfim, valores todos contrários ao que nos foilegadopelaContrarreformaeinculcadoàforçapelaInquisição”.42

AsituaçãoteriasidoumtantodiferentesePombaleosmembrosdaInquisiçãoportuguesa tivessemsido influenciados, comoo forampartedos jesuítas portugueses, pelos escolásticos espanhóis da Escola deSalamanca, intelectuais (e jesuítas) como Luís de Molina, Juan deMariana e Francisco Suárez, professor de teologia na Universidade deCoimbrade1597a1615.

BaseadosnaconcepçãodedireitosnaturaisdeSãoTomásdeAquino,os religiosos da Escola de Salamanca tinham uma posição favorável àeconomiademercadoedesenvolveram,nosséculosXVIeXVII, teoriasavançadas sobre economia demercado, prosperidade,moeda, inflação,direitoshumanosetiranicídio.43

NoBrasil, o Tribunal do SantoOfício começou a atuar no início danossa história. A primeira autoridade eclesiástica a ser investida depoderes inquisitoriais no país foi D. Antonio Barreiras. Em 1576,Barreiras foi nomeado bispo do Brasil e representante do SantoOfício,com“autoridadeparaouvirdenúncias,abrirdevassas,mandarprenderosfaltosos,oureceberosquelhefossemencaminhadospelosvigários,eremeter,aseguir,paraLisboa,aquantos julgasseincursosempenaquefugisseàsuaalçada”.44Porisso,nãoeralámuitointeligentedesagradá-lo.

Numambienteemquea Igrejaprometia salvarasalmaseoEstadoprometia salvar os homens, os brasileiros foram ensinados a acreditarque deveriam ser auxiliados por algum tipo de autoridade, política oureligiosa. Isto explica em parte por que essa mentalidade vicejou e sereveloutãoduradouracomopassardotempo.Masnãopodeservirdejustificativa(maisuma)paranosesquivarmosdenossaresponsabilidadepor termosoptadopor ideias epráticaspolíticasquenos colocaramnocaminho da servidão voluntária e involuntária diante do Estado e dogoverno.

AburocraciacomoaalmapenadadoEstado

OutrofilhofeiodauniãodopatrimonialismocomomercantilismonoBrasil foi a burocracia estatal. Parte estrutural da administraçãoportuguesae instrumento indispensáveldoprojetode intervençãoedecontrole da economia colonial, a burocracia teve enorme relevância nagestãodePombal.

Asupremaciaoficialdaburocraciageroudoisresultados.Oprimeirofoi o Estado patrimonialista português conferir a si próprio também afunção de ser o agente de modernização da colônia cujos resultadoseconômicos deveriam beneficiá-lo. Essa predominância da coroa naeconomia foi permitida pela concentração de poder naCasa deAvis e

ajudaaexplicaro“notávelimpulsoempresarialdePortugalnosséculosXVeXVI”.45

Notável impulso empresarial que não seria possível sem o dinheirodos mercadores que, em troca, ganharam influência junto à coroa. Ofinanciamentodosmonarcaspelosempresáriosestabeleceuumaaliançaentre mercantilismo e monarquia que favoreceu ambos, tanto naconcessão de privilégios comerciais quanto na defesa do regime e dasinstituiçõespolíticas.46

Noentanto,opoderfinanceiroeainfluênciapolíticalogocriaramum“antagonismoentreosmercadorescosmopolitaseanobrezaterritorial”pelacoincidênciaeconflitodeinteresses.MasaconciliaçãodosinteressesdosmercadoresdoEstadomonárquico, “satisfeitos comasmedidasdaCoroa”, se deu emvirtudedos “privilégios que o Estadomonárquico”concedeu“ànobrezaemtrocadoacordocomasreformas”.47

Aconsequênciadocompromissoentreanobrezaeosmercadoresfoi“empatarodestinohistóricodaburguesiaportuguesa,pois a formadeexplorar o comércio ultramarino não permitia a liberação das forçaseconômicas em que devia apoiar-se uma classe aspirante ao domíniopolíticodopaís”.48

Osegundoresultadodasupremaciaoficialdaburocraciafoicolocarasociedade brasileira numa posição inferior à do Estado. Essa condiçãohierárquica subalterna foi mais um dos elementos decisivos para aformaçãodamentalidadedeque cabeaopoderpolítico seroprincipaleixosocial,políticoeeconômico.

Há uma explicação plausível para esse arranjo posicional entregovernoesociedade.Naordemburocráticadeumsistemapatrimonial,osúdito estava numa posição de inferioridade em relação ao soberano.Nem um nem outro se sentiam “vinculados à noção de relações

contratuais,queditamlimitesaopríncipee,nooutrolado,asseguramodireitoderesistência,seultrapassadasasfronteirasdecomando”.49

Oresultadoeraclaro:“ocapitalismo,dirigidopeloEstado”,impediaaautonomia da iniciativa privada e ganhava “substância, anulando aesferadasliberdadespúblicas,fundadassobreasliberdadeseconômicas,de livre contrato, livre concorrência, livreprofissão, opostas, todas, aosmonopólioseconcessõesreais”.50

Ao longo da história brasileira, a burocracia se expandiu, e foramraras, breves e insuficientes as tentativas de reduzi-la. Talvez o únicoesforço sério tenha sido feito em 1979 com o Programa Nacional deDesburocratização.51 O ministério extraordinário existiu até 1986, e aburocracia voltou gradualmente a recuperar sua desimportânciamaligna. A estrutura e o papelório que haviam sido extintos ousimplificadosvoltaramaatrapalharavidadosbrasileiros.

Em2005,odecretonº5.378,assinadopelopresidenteLula,revogouodecreto dos militares para instituir o Programa Nacional de GestãoPública eDesburocratização, cujapreocupação é oqueogovernodevefazer,nãomaisoquedevedeixardefazer.Aburocraciavoltouaterumpresentegloriosoeumfuturopromissor.

Impostoétãobomquedesmoralizouatéoleão

Além da burocracia, a tributação é outro tema que desperta ossentimentosmais recônditos de políticos, economistas e intelectuais doregime. É uma espécie deViagra da atuação política, que não respeitanemoleão,oreidasselvas,desmoralizadoaoserconvertidoemsímbolodoimpostoderendaem1979.

Os tributos são elementos estruturais do Estado patrimonialistamantidosnahistórianativaporsuaeficácianapreservaçãodaexistênciaedopoderdoEstado,edosprojetosideológicosqueoalimentam.Semos recursos expropriados de forma coercitiva da sociedade,

eufemisticamente chamados de alocação de recursos, não haveriadinheiroparafinanciaraadministração,aburocracia,asinstituições,ouseja,paragarantiraexistênciadoEstadoeofuncionamentodogovernoedesuasrepresentaçõespolíticas.

O sistema tributário era parte estrutural do Estado português. Opatrimonialismoportuguêsviviaemfunção“dasrendasprovenientesdopatrimônio e do príncipe, convivendo com a fiscalidade periférica dosenhorioeda igreja,existindoasuapresençaaté finsdoséculoXVIIIeiníciodoséculoXIX”.52

Uma de suas características era o poder de polícia para garantir oaumento das receitas com os impostos e centralizar a fiscalidade napessoa do soberano. Além disso, o Estado fiscal se fundamentava “nareceitaprovenientedopatrimôniodocidadão(tributo)”.53

OprocessodecentralizaçãoocorridoemPortugalteveumadimensãopluridirecionalesemanifestouemváriosmomentoshistóricos:

sob a regência de D. João II (1481-95), com a expropriação daspropriedades“abusivamentesenhoreadas”depoisdeverificadosostítulospatrimoniais;comocerceamentodaliberdadedasjurisdiçõescriminais; com a ampliação do direito de apelação para as justiçasreais;ecomarenovaçãoda“mensagemouconfissãodevassalagemdosconselhosedonatáriosdocleroedanobreza”;

sob D. Manuel (1495-1521), com a expropriação do terço dacruciatadopapadoedodízimodosbenseclesiásticos;e

sob D. João III (1521-57), com a apropriação do título de grão-mestredasordensmilitares.54

DesdeocomeçodoséculoXV,osreisportuguesesseespecializaramemcontrairdívidas.Incompetenteparaadministrarasriquezasextraídasdas suas colônias e obtidas no comércio internacional, o Estado nunca

tinha recursos suficientes para financiar as altas despesas com asexpedições marítimas, com as conquistas das novas terras, com ascolonizações e com o alto custo da corte portuguesa (vida luxuosa,construção de palácios, manutenção dos cortesãos e dinheiro para oclero).55EmPortugal,osreisherdavamumacoroacravejadadedívidas.

O alto endividamento ao longo do tempo tinha dois resultadosprevisíveiseextremamentenegativosparaossúditosportugueses,tantoosnacionaisquantoosdascolônias:acobrançade impostoselevadoseos empréstimos feitos com grandes comerciantes, banqueiros einvestidores estrangeiros, que passaram a ter poder e influência nosnegócios da coroa portuguesa. Alguns, porém, foram extremamenteprejudicadospelocalotereal.56

NoBrasil,oprimeiroimpostofoicobradopelogovernoportuguêsem1530 e incidiu sobre o pau-brasil, cuja extração e venda eram asprincipaisatividadeseconômicasdaépoca.Opercentualestabelecidoerade 20% sobre o volume do material extraído, pago com a própriamatéria-prima.Quemcontrolavaoprocedimentoeramoscobradoresderendas, que, atuando em nome da coroa portuguesa, tinham poderesparaexerceraatividade,oqueincluíamandarparaaprisãotodoaquelequenãopagasseoimpostoemdiaouserecusasseapagar.57

Osrecursosarrecadadoscomostributoseramdestinadosafinanciaraadministraçãopúblicaemsolobrasileiro, remuneraros funcionáriosdoEstadoportuguês,construircidadesepagartropasmilitaresmercenáriasqueatuavamparacombatereexpulsarosestrangeirosquetentavamseestabelecernoBrasil.

Apartirdaí,ogovernoportuguêse,apósaindependência,ogovernobrasileirocriaramnovostributosedesenvolverammecanismosjurídicoseburocráticosdecobrança,alémdaspuniçõesparaosqueserecusassem

a pagar. Vários levantes sociais, como a famosa InconfidênciaMineira,tiveramostributoscomoumadasorigens.

Um dos aspectos interessantes é que, durante a monarquia, acobrançadetributosetaxasnoBrasilerarealizadaporparticulares,nãodiretamentepelogoverno.Masesteprocedimentocriouproblemasefoi“fonte constante de tensões entre os arrematantes, o erário e osprodutores e comerciantes”.O grandeproblema era que os cobradoresprivados“precisavamextrairdos‘contribuintes’valoresmaioresdoqueosdestinadosaopagamentodoscontratos”,ogoverno“tentavagarantira ampliação e o pronto pagamento dos valores arrematados” e osempreendedores eram “constantemente constrangidos peloscontratadoresquenãosótinhamodireitolegaldeestabeleceraformadecobrança, como também, namaioria das vezes, controlavam os corposmilitareslocais”.58

EssetratamentoentreogovernoeosparticularesaserviçodoEstadocriou uma relação de financiamento e concessão de privilégiosextremamente nociva para a sociedade, que pagava a conta de formadiretaouindireta.Comohoje,aliás.

Comparativamente, o avanço do governo nos bolsos do cidadãodurante amonarquia eramenor do que hoje pelo tamanho do Estadobrasileiro na época (quantomenor,menos problemas emenos gastos),pelas suas atribuições e pelo tamanho da população do país. Talvez oEstado também fosse menos guloso pela forma como pensava a elitepolíticadaépoca.JoséBonifáciodeAndradaeSilvafoicerteiroeousadoao afirmar que “nenhumanação sobrecarregadade impostos é própriaparagrandescoisas;sobretudoquandoosimpostosnãosãovoluntários”.Segundo ele, para as “nações justas e generosas”, os tributos deveriamser“voluntários,oudonativos”.59

A ideia do imposto como punição foi utilizada de forma bem-humorada por JoséMaria da Silva Paranhos, o intrépido barão doRioBranco,numacrônicaparaojornalAVidaFluminenseem16dejaneirode1875:60

Aí vão, pois, algumasmal-alinhavadas considerações em forma de projeto que,esperamo-lo,sejambemaceitasporgovernantesegovernados.Comoseverá,sãoelasfrutodeumapuradíssimoestudonãosódocoraçãohumano,mastambémdocoraçãodospotentadospolíticos,dospoetas impolíticos edemuitas outras classesmais oumenospolitiqueiras.Sebemque,profundonaformaegrandiosonofundo,oprojetoédetãosimplesintuiçãoquesepodereduziràexpressãoaseguir:

1) Imposto sobre cada promessa de candidato que não for cumprida pelodeputado:$500

2) Imposto sobre cada mentira posta em circulação pelos órgãos da opiniãopública:$800

3)Impostosobrecadaversodepé-coxoquesepublicar:$240

4) Imposto sobre erros de gramática cometidos pelos sapientíssimos escritorespúblicos—porerro:$020

5)Impostosobrecadaplagiatoquefordadoàestampa:$080

6) Imposto sobre cada apoiado de encomenda que for proferido na CâmaratemporáriaounoSenado:$010

Destarte, se arrecadarãopor anoalgunsmilhões, e os cofrespúblicos se acharãosempre prontos a fornecer meios para levar à realidade todas as necessidades emelhoramentos.

Ostributossãoimportantesparaogovernoporqueestabelecemumarelaçãodedependênciaedeservidão,porexpropriaçãoefavorecimento.Essa vinculação também cria e influencia a mentalidade estatista.Qualquer que seja a sua opinião sobre os impostos, você não podeignorar o fato de que qualquer governo fará uso político desseinstrumentoeconômicoparabenefíciopróprioedosseus.

Obem-sucedidofracassodePombal

O pombalismo foi o casamento do iluminismo francês com omercantilismo e o patrimonialismo, que passaram a coabitar e a seretroalimentarembenefíciodaselitespolíticaseempresariaisligadasao

governo.Umaveziniciadooprocesso,ointervencionismopareceganharvida própria porque é alimentado por várias cabeças que dele sebeneficiam.

As ações políticas e as consequências da administração de Pombalpermitementenderporqueseuprojetopolítico,quepretendiareformaraantigaordemestruturadanumaaversãoàiniciativaprivada,acabouporpotencializar o ambiente intervencionista e hostil às liberdades civis.Aproposta de civilizar Portugal pelo ensino e pelo desenvolvimentocientíficoeraumaartimanhaparainocularnaculturaportuguesaovírusdoiluminismofrancêsedetudoaquiloqueoalimentava.Deucerto.

A ruína política de Pombal, com o falecimento do rei D. José I e acoroaçãodeD.MariaIem1777,nãorepresentouofimdograndeprojetoiluminista, incluindo a ideia de que a civilização, a modernização e aprosperidadedeveriamserconsequênciadaaçãodogovernoenãodosmembros da sociedade. Para civilizar, modernizar e prosperar, asdecisões teriam que ser tomadas de cima para baixo a partir daconcentração de poder. E lá se foi, mais uma vez, a possibilidade desuperarmosopatrimonialismo.

AhistóriadePortugalnãocomeçacomomarquêsdePombal,masahistória cultural do Brasil, em suas dimensões política, econômica esocial,preservaaindahojemarcasprofundasdoseulegado,incluindoomercantilismo, o patrimonialismo e o cientificismo iluminista, queajudaramamoldar certamentalidade e abriramespaçoparadiferentesideologias e regimes políticos que, apesar das divergências,compartilharam a ideia de que cabe a umpoder político centralizar asdecisões desde uma estrutura administrativa e burocrática e se imporsobreasociedade.Éoquepretendomostrarnaspróximaspáginas.

3Pimenta patrimonialista nafeijoadadeteorias

Naprática,ateoriasemanifesta

O que seria de nós, estudiosos da política, sem conceitos quecomplicassema explicaçãoda realidade?De fato, cientistapolítico semteoria é como padre sem batina. Mas tentarei expor as concepçõesteóricasmaisimportantesparaanossahistóriasemparecerumreligiosonucomamãonobolso.

Boas teorias nos permitem compreender a nossa história política deumamaneiramais adequada.É comousar óculospara corrigir a visãodascoisas.Aliás,presumoquesejafalsaaideiasegundoaqualteoriaepráticapertencemadimensõesdiferentes.Ateoriaeapráticaestãonumplano horizontal; portanto, se equivalem em importância, além de seafetaremmutuamente.

Analisando a história das ideias políticas, não se pode afirmar queumateoriasejasempreanterioràsuaprática.Pelocontrário,oexercíciodapolíticaformalsurgecomoumafontelegítimadeformulaçõesteóricasque,ao longodasexperiênciashumanase testesnodecorrerdo tempo,foramorientandoaaçãodepolíticoseacriaçãoeodesenvolvimentodasinstituições.Hoje, porém, o exercício dapolítica formal é normalmentealicerçado ou orientado por um corpo ou conjunto de ideias que o

precede, o estrutura, o formaliza, o legitima e o explica.A criatura, defato,passouacriador.Paraobemeparaomal.

Boasideiaspolíticaspodemgerarbonsresultados,sejaporinfluência,pororientaçãooupor suaadequadaaplicação. Issonãoquerdizerquenãohajapossibilidadede, alémde ser eficaznaquiloque sepropunha,não produzir também consequências não intencionais, e assim criarnovosproblemas.Nãohá ideiacapazde impedirque issoefetivamenteocorra.

As ideiasde JohnLocke, por exemplo, tiveramnaFrançaumefeitosimilaraodoálcoolemestômagovazio,parausaraetílicametáforadeAnthony Quinton (1925-2010).1 Ele explicava com essa imagem que,enquantonaInglaterraasideiaspolíticasdeLockeforamutilizadasparaempreender a revolução de 1688, que conduziu o país à monarquiaconstitucional existente até hoje, na França incendiaram asmentes dosjacobinos2 e influenciaram o processo revolucionário que pretendeufundar uma nova sociedade e redimir a natureza humana através dapolítica. O resultado foi um banho de sangue que guilhotinoudemocraticamenteinimigoseartíficesdarevolução,comoRobespierreeSaint-Just.A igualdadepolítica na França começoupelo uso equitativodaguilhotina.

A virtude das boas ideias, porém, é ser não apenas o resultadobenéfico de sua aplicação política, mas uma influência positiva para asociedade numa escalamaior do que as suas estritas dimensões éticasconsequencialista (uma ação só é justa se conduzir aomelhor possíveldos resultados)eutilitária (todaequalqueração,paraseraprovadaourejeitada,estácondicionadaàsuapropensãoparaaumentaroureduzirobem-estardaspartesatingidaspelaação).

Além do mais, não seria arriscado afirmar que uma sociedadeculturalmente virtuosa, alicerçada em boas ideias, terá instrumentos

muitomaisadequadoseumacapacidademaiordelidarcomogovernoecom as eventuais consequências não intencionais na comparação comumasociedadesustentadaemideiasestúrdias.

Poroutrolado,umapolíticaruimquasesempretemorigememideiasou ideologias equivocadas, mal formuladas, assentadas em falsaspremissasou conclusõesque são estrategicamenteadornadas comboasintenções e promessas cientificamente ilusórias. Estas são apresentadascomumasedutoraretóricapolítica,queofereceumconfortoplenamentecompreensívelpara todos aqueles quevivemnumambiente repletodeintervençõesgovernamentaisenecessidadesmateriais(muitasdasquaisprovocadaspelaaçãodoprópriogoverno).

Peranteuma sociedade sobpressão, edeslocandoodiálogopara osseus próprios termos, os membros do governo criam armadilhas parajustificar asprópriasdecisõespolíticas, aparentemente benéficaspara opovo,masque,naverdade,osfavorecem.Nãoserásurpresa,portanto,omauresultadoproduzidopelaaplicaçãodeideiasmaléficas.

Isso acontece quando os políticos dizemque é preciso aumentar oucriar mais impostos para melhorar ou ampliar os serviços públicos(saúde, ensino etc.).Dessa forma, evitam a discussão sobre o papel dogoverno, sobre amoralidadedos tributos, sobre o volumeda cobrançaatual, sobre a impossibilidade de um poder político cumprir taispromessasemlargaescala.

Odebateé,assim,direcionadoaopercentualdeaumentoeaoqueogovernopodeedevefazer,nãoaoqueérelevante,ouseja,aquiloqueogoverno não deve fazer e o que não devemos compulsoriamentefinanciar.Nofim,somosludibriadosparaquesejapreservadaasituaçãolegal em que somos obrigados a pagar mais por aquilo quedecididamente não recebemos, nem receberemos (saúde, ensino,segurança,aposentadoriaetc.).

Umdossintomasdessabem-sucedidaestratégiapolíticaéobrasileiroreagirafirmandoque,porquepagaimpostosdemais, temdireitoàquiloque lhe foi prometido, inclusive pelaConstituição Federal de 1988.Aopedir que o governo dê em troca tudo aquilo que prometeu, está, nofundo,muitasvezessemperceber,concordandoqueogovernopode(oudeve) continuar cobrando o volume atual de impostos, bastando paraisso que continue a prometer os serviços públicos. Cumprir são outrosquinhentos.

Para entender como chegamos ao século XXI com esse modelopolíticoementalidadepolíticaénecessárioconhecerasteorias,osismos,queforamimportados,adaptadoseimplementadosàrealidadenacional.

Oconhecimentoe a compreensãodas ideologias e agendaspolíticaspodem ajudar a elucidar a curiosa relação das elites políticas com asociedadebrasileira,eadenósbrasileiroscomospolíticoseogoverno.Ea entender o cerne desse relacionamento sempre benéfico para ogoverno,para seus representantes e apadrinhados, epéssimoparanós,quelegitimamosefinanciamososistema.

Patrimonialismonãoénomederua

Dez entre onze sociólogos brasileiros utilizam o conceito depatrimonialismoparaexplicarpartedenossanaturezapolítica.Equandosociólogosbrasileirosconcordamsobrealgoéporqueestealgodeveestarerrado—um interessante fenômenoque atinge igualmente cientistas eanalistaspolíticos.Ograndeproblemaéqueaconcepção fazsentido,oquesignificaquetambémdevoestarenganado.

Mas não pretendo aqui fazer uma crítica ao conceito depatrimonialismo e propor uma alternativa teórica. Não é este o meupropósito. Fico, portanto, com o que já foi discutido exaustivamente equepareceplausível.Senonèvero,èbentrovato.

Para chegar ao conceito de patrimonialismo, a teoria parte de umadeterminada concepçãodeEstado ededominação. Esses conceitos sãotiposideais,ouseja,instrumentosteóricosdeanálise,nãoumadescriçãoobjetiva da realidade. Dito isto, comecemos do começo, ou seja, peloEstado, definido como “uma comunidade humana que pretende, comêxito,omonopóliodousolegítimodaforçadentrodeumdeterminadoterritório”.3

Sendoumainstituiçãopolíticaquedetémomonopóliodaviolência,aformapelaqualasociedaderelaciona-secomoEstadoésubmetendo-se,voluntária ou coercivamente, à sua autoridade, estabelecendo umarelaçãodedominaçãoentrequemdominaequemédominado.

A ideia de dominação é um conceito-chave do patrimonialismo. Équalificadacomoum“casoespecialdopoder”,eaquelequeodetémnãopretendesatisfazerapenasosseusinteresseseconômicos.4Nessesentido,adominaçãosignificaavontadedodominadordeinfluenciaraaçãodeoutrapessoa(odominado).Aoserinfluenciada,apessoaagedeacordocomaorientaçãododominador.Aofazê-lo,obedeceaumcomando.

Emtermosdeexercíciodepoderestatal,umbomexemploéaleiqueconcede determinado direito a um indivíduo contra um ou maisindivíduos,obrigandoafazerouadeixardefazeralgumacoisa.5

Há dois tipos específicos e opostos de dominação. O primeiro édecorrentedeumconjuntode interesses ligadosporalgoemcomumeidentificadocomaposiçãodeummonopólionomercado.Osegundoéoque emerge da autoridade e está relacionado ao poder demando e aodever de obediência. Trata-se do “poder do chefe de família, daautoridadeadministrativaoudopríncipe”,que“sebaseianumdeverdeobediência, sem mais, que é considerado sem atenção a quaisquermotivoseinteresses”.6

Essesdoistiposdedominaçãopodem,inclusive,sercomplementares,como pode também haver entre ambos formas de transição. SãoexemplosoBancoCentraleosgrandesbancosprivadosdecréditoque,porexerceremumdeterminadomonopólionomercadodecapitais,agemcomo dominadores ao definir condições que lhes são favoráveis emdetrimentodosquedesejamtomarumempréstimo.

Poressaperspectiva,osbancosinfluenciariamdemaneiraexcessivaaação econômica de quem precisa do empréstimo. Porque, para ter opedido aprovado, o interessado deve se submeter às regras e oferecergarantias definidas previamente pelas instituições bancárias. Essaposição monopolizadora protegida por lei pode se transformargradualmente numa dominação autoritária sobre quem pede oempréstimo,mesmoqueaceitevoluntariamenteascondições.

O interessante desses exemplos é expor a relação que há entre umpoder político e um econômico, e como o governo, por várias razões,beneficiaeprotegeasgrandesempresas,que,porsuavez,financiamospolíticosqueestãoouestarãonocomandodoEstado.

Essaestruturaevidenciaumaspectocrucialdaideiadedominação:arelação de poder entre o agentemonopolista por concessão estatal e odominado,queéobrigadoasesubmeteracertascondiçõessemtercomobarganhar. A concessão de ummonopólio a grupos privados coloca oindivíduo (o“dominado”) sem laços comopoderpolíticoe econômiconumaposiçãodesfavorável.

Emvezdeumacordovoluntárioentreaspartes,oquesecriaéumcompromisso aparentemente optativo, mas que, no fundo, é umaaceitação do “dominado”das regras previamente definidas e contra asquaisnadasepodefazeranãoseraceitá-las(seprecisardoserviçooudobem,comoumempréstimobancário)ourejeitá-las(eficarsemobemouoserviço).

Quando essa relação se torna a regra na sociedade, os incentivoscriados são perversos: o empresário age para preservar seumonopólio(bajulandoefinanciandoospolíticos)enãoparaatenderosclientes(eu,você,opipoqueiro,ovendedordepicolé,o funcionárioeosdonosdosmicro,pequenosemédiosnegócios).Gradualmente,oempresáriopassaa pensar e a se comportar como se fosse um político ou um servidorpúblico.

E algumas pessoas prejudicadas por esse esquema de benefícios eprivilégios passam a reagir negativamente, ou reproduzindo em suasesferasdeatuação comportamentos similaresouachandoqueesse tipodecondutaerelaçãoéopadrãoaserseguido,mesmoqueoconsideremerrado. Não há anjos nem no governo nem na iniciativa privada, etambém é nossa responsabilidade não ser conivente com taisprocedimentos.

E o patrimonialismo? É “o poder doméstico descentralizado (dosoberano)mediante a cessão de terras e eventualmente de utensílios afilhos ou outros dependentes da comunidade doméstica”. Esse poderconcedeao“senhorodireitodetirar-lhearbitrariamenteapropriedade,etambém o costume considera originalmente óbvio o direito dele dedisporsobreaspessoaseosbensquedeixaapósamorte”.7Emresumo,patrimonialismoéa“formadedominaçãotradicionalemqueosoberanoorganizaopoderpolíticodeformaanálogaaoseupoderdoméstico”.8

A formadedominaçãopatrimonial semanifestademaneira radicalmedianteadominaçãopatriarcal.9 Já foimodanoBrasilatribuirmuitosdos nossos males ao elemento patriarcal da sociedade, mesmo que namaioriadoscasosoautordodiagnósticonãosoubessemuitobemoqueistosignificava.

Por que é importante conhecer essa formadedominação? Porque aestruturapatriarcaldedominação se revelapormeiodaautoridadedo

chefe da comunidade doméstica. E se fundamenta nas “relações depiedaderigorosamentepessoais”,nãonaobediênciaanormasabstratasenodeverdeservirdeterminadafinalidadeimpessoaleobjetiva.10

Issofazcomqueasrelaçõespessoaissejammaisimportantesdoqueasimpessoais.É,apropósito,aregranoBrasil.Pensequantasvezesvocêcontratou ou pediu a um familiar, amigo ou colega a indicação dealguém de confiança para prestar algum serviço em vez de buscar omelhorprofissional?E a culturadas leisquepegamedas leisquenãopegam?

Umdoselementosmaisimportantesdopatrimonialismoparaotemadeste livro é o seu caráter centrípeto. Essa característica orientava omonarcanosentidodeconcentrareperpetuaroseupoderunipessoal.Ea forma mais adequada para atingir tais objetivos era criar órgãosadministrativoscontroladospelosoberano.11

Ogovernopatrimonial adotou algumasmedidaspara fortalecer seupodercentralizado,paracomandarasparcelasmaisfrágeisdapopulaçãoe para cooptar as elites políticas e econômicas. As principais foram opaternalismo estatal (a ideia do Estado e/ou do político como pai dopovo), “a criação e o aumento da carga tributária, a concessão desinecuras aos servidores fiéis, o desmembramento da propriedadefundiária a fim de impedir o fortalecimento da nobreza, a divisão decompetênciasentreosfuncionárioslocaisparaquenãoacumulempoderexcessivo, o emprego de funcionários totalmente dependentes, aorganização de exércitos armados e mantidos pelo soberano (exércitospatrimoniais),autilização,porpartedosenhorpatrimonial,dosserviçosde intermediaçãopordelegaçãoaossenhores territoriais locais (nocasoem que tivesse sido impossível a eliminação total da autoridadedeles)”.12

Sorteanossaquetudoissoficounopassado,poisnão?

Ofeudalismoquenãohouveeocapitalismoquenãoveio

UmadashipótesesparaaascensãoeosucessodopatrimonialismonoBrasil foinão termos tido feudalismo.Aausênciadaexperiência feudalteria também inviabilizado o desenvolvimento do capitalismo tal qualocorreuempaísesdaEuropaocidental,comoaInglaterra.Masporqualrazãoofeudalismoeratãoimportante?

Ofeudalismotinhaumatradiçãodecontrolemoraldopoderegeravarelaçõescontratuais,nãodesubordinação.Comonofeudalismoopoderdo nobre proprietário da terra não tinha o soberano como sua fontedireta, havia uma redução das funções burocráticas e a limitação dopoder do senhor. O patrimonialismo, por outro lado, se caracterizavapelacentralizaçãodopoderpolíticoepeloaumentodaburocracia.

A sociedade num regime feudal era caracterizada por laços dedependênciaextremaentreoshomens,eaescalasuperiordahierarquiasocialeraocupadaporumaordemdeguerreiros.Ofeudalismonãoeraum Estado dotado de poder político, que era dividido e exercido porinstânciasregionaisautônomas.Odireitodepropriedadeeradivididodeacordo com uma escala de direitos sobre os feudos, que, por sua vez,estavarelacionadacomahierarquiadoslaçosdedependênciapessoal.13

A palavra feudal vem do baixo latim feudum, que significa posse,propriedade ou domínio. As origens da sociedade feudal podem serencontradas“naFrançasetentrionaldosséculosIXeX,comodeclíniodaMonarquiaCarolíngia”.14EssetipodecomunidadesedesenvolveuentreosséculosXaXIInaEuropaocidental(França,Alemanha,Inglaterra)15edesapareceunoséculoXVI.16

O senhor era o dono do feudo, a terra “confiada a seu vassalo emtrocadeserviçosmeritórios,osquaisincluíamserviçosmilitares,ajudaeconselhos”.O feudoera“outorgadopor investidura”,a“maisdesejadaformademanutenção”eque“desdemuitocedosetornouhereditário”.17

Uma das características centrais do feudalismo era a convivênciadiáriaentre senhore servobaseadaematribuiçõesespecíficaseacertosconsensuaisverbais.Emtrocadetributos,osenhorfeudalpermitiaqueoservo e sua família vivessem e trabalhassem em seu feudo, ofereciaproteção contra ameaças externas e exercia a função de juiz quandonecessário.

Ovínculoentreovassaloeo senhor influenciouodesenvolvimentodamonarquia,que“tornou-sefeudalizadaefoidessemodofortalecida,obtendooreimaispoderdeseusdireitosfeudaisdesuserano,osenhordossenhores,doquedosprivilégiosconsagradospelotempo”.18

Posteriormente,ofeudalismoseconstituicomoum“dosalicercesdomodernoEstadoocidental”,quenãosóferiudemorteosistemafeudalcomo representou um golpe no “Absolutismo, pois o senhor tinhaobrigações [...], assim como direitos, e a obrigação do vassalo de darconselhos misturava-se ao direito de ser consultado e, em últimainstância,dedarconsentimento”.19

A relação entre senhor e vassalo alterou aquela existente no regimeabsolutista. Por esta razão, “os grandes conselhos de reis e de seusprincipais feudatários” são apontados como “os ancestrais diretos dosmodernosparlamentos”.20

O feudalismo não era um Estado, mas organizou “um conjunto depoderespolíticos,divididosentreacabeçaeosmembros, separadosdeacordo com o objeto do domínio”. A sociedade feudal desconhecia aunidadede comandoque criava a soberania e conciliava osprivilégioscontratuais “deuma camada autônomade senhores territoriais” com afinalidadedeconstruirumahomogeneidadenacional.21

Alguns autores citam como exemplo de feudalismo puro aqueledesenvolvidonaInglaterra,ondefoiconservadaa“grandepropriedadefundiária em mão dos barões” e “o papel desempenhado pela gentry

(classemédia rural), quenão sedeixouburocratizarpelopríncipe”.Osinglesestambémpreservaram“opoderdesenvolvidopelosjuízesdepaz;aparticipaçãodosnotáveisnogoverno,graçasàinstituiçãoparlamentar;ea redução, aomínimo,daadministraçãoburocrática”,que resultaramna“limitaçãodopoderdomonarca”.22

A experiência feudal inglesa foi possível por causa da distinçãodinâmicaentreopatrimonialismoeofeudalismo.Houveumatransiçãoda dominação patrimonial para a feudal a partir de elementos que secontrapunham“aopoderunipessoaldopríncipe”.Apassagemocorreugraças ao desenvolvimento de novas forças e organizações sociais que,antes submetidas a um poder com “fortes tendências patrimoniais”,“conseguiramevoluiratéformasdecaráterfeudal”.23

A evolução do feudalismo teria resultado no sistema representativoparlamentar, que tinha como uma de suas atribuições controlar aburocraciaestataleaatuaçãodogoverno.Oarranjotambémserviucomoum instrumento para estabelecer os limites do exercício domonopóliolegaldaviolênciapeloEstado.

É interessanteavisãodofeudalismocomo“umacidente,umdesvionaformaçãodanaçãopoliticamenteorganizada”.24Semesseimprevistoé difícil imaginar de que maneira a natureza do Estado como Leviatã(poder soberano e absoluto) e Beemote (divisão e fraqueza do podersoberano)apresentadaporThomasHobbessemanifestariaao longodahistória,especialmenteapartirdasegundametadedoséculoXX.

Areduçãodas funçõesadministrativas foioutramarcadistintivadofeudalismo, ao contrário do patrimonialismo. O Estado patrimonialbuscavaregularmenteapropriar-sedenovasfunçõescomafinalidadedeaumentarseupoderesuaimportância.Haviapelomenosduasmaneirasderealizaresseobjetivo:desenvolverumapolíticasocial“voltadaparaobem-estar dasmassas” e prometer ou criar “benefícios adicionais para

seus funcionários”. Com isso, o Estado patrimonial atribui para si “otítulo de pai do povo”.25 De pai do povo para pai dos pobres foi umpulo.Nossa história política é um tanto pródiga quanto a isto, de Vargas aLula.Sefilhofeionãotempai,oquefazercomumpaifeio?

Hádivergênciaentreosautoressobresehouveounãofeudalismonoinício da história do Brasil. Aqueles que acreditam que tivemos umaexperiênciafeudalasituamnobreveperíododeexistênciadascapitaniashereditárias. Mas o grande problema é outro: ver o feudalismo comocondição para a transição econômica em direção ao capitalismo. Istosignifica aplicar na história um típico e equivocado esquema depensamento marxista, que acredita numa rígida e universal sequênciahistórica da estrutura dos modos de produção capaz de conduzir ahumanidadeparaosocialismo.

Equesequênciaseriaessa?Comunismoprimitivo,quelevaaomodode produção asiático, que conduz à escravidão clássica, que constrói ofeudalismo, que cria o capitalismo. Cada estrutura exigiria a anteriorpara existir. Portanto, não haveria capitalismo se não houvessefeudalismo.Umatolice.

Afirmar a existência de uma série histórica rígida e universal daestruturadosmodosdeproduçãoérejeitaraquiloqueé fundamentalàhistóriahumana:suaimprevisibilidadeeincerteza.Somosimprevisíveis,eonossoambientetendeareproduziraambiguidadeecomplexidadedaconvivênciasocial.Éimpossívelconciliarumesquemateóricorígidocoma vida em sociedade. Como umamesma teoria poderia ser aplicada atodo e qualquer grupo social, independentemente da sua formação,cultura,desenvolvimento?

Aúnicamaneiradeissoaconteceréoteóricoencontrarsemelhançashistóricas e tentar submeter a realidade à teoria, coisa que, sabemos,nuncadeumuitocerto.Não faz tanto tempoque,ao tentarsubjugaras

sociedadesàssuasideologias,primeironoplanoteóricoeemseguidanaprática, socialistas, comunistase fascistas fizeramdoséculoXXumdosmaissangrentosperíodosdahistória.

Centralizaçãoedescentralização:quemassinouocontratosocial?

Uma brincadeira recorrente entre amigos é perguntar onde está ocontrato social que ninguém viu nem assinou. É legítimo duvidar daexistência do contrato social na origem da nossa história política? Ousomenteseconsiderarmosofeudalismocomocondiçãonecessáriaparaoseunascimento?Sendoassim,aausênciadeexperiênciafeudalimpediuosurgimentodonossocontratosocial?

Esticandoahipótese,hápelomenosduaspossibilidades:

1) acreditarque,dadaa inexistênciado feudalismo, jamaistivemoscontratosocialnemcapitalismo(oque,nestecaso,nãoéalgoassimtãoimplausível);

2) considerarqueogovernodeD.PedroIIestabeleceuporautoridade política e por meio da lei o contrato social com aConstituiçãode1824.

Seasegundaalternativaforamaisadequadaànossahistória,quasequedeucomosburrosn’água.Oprimeirocontratosocialestabelecidonopaís correu o risco de não acontecer por causa da dissolução daAssembleia Constituinte26 ordenada por D. Pedro I em 1823. Ajustificativa do imperador para encerrá-la foram as tensões cada vezmaiores entre os constituintes nos debates para a formulação da cartamagna.

Algumasdasdiscussõesmaisacaloradasocorrerampeladificuldadede estabelecer e estruturar os poderes políticos, especialmente os doimperador, e a maneira mais adequada para resolver o problema da

centralização e da descentralização do poder a partir da sugestão domodelofederalista.

Democraticamente, D. Pedro I botou todo mundo para correr:mandouinterromperareuniãoeprendereexilaralgunsparlamentares,como José Bonifácio de Andrada e Silva, personagem fundamental daindependênciadopaís.

A Constituição de 1824, que D. Pedro I prometeu que seria muitomaisliberaldoqueaqueestavasendoelaboradapelaextintaassembleia,foiescritaporumconselhoescolhidoporele,queaoutorgouem25demarço daquele ano. A carta magna atribuiu ao imperador o exercícioprivativo do poder moderador e o comando do Estado e do governo,cujasfunçõesseriamexercidaspormeiodoConselhodeMinistros.

OpodermoderadorerauminstrumentoconstitucionalutilíssimoaopermitirqueD.PedroIconcentrasseeexercesseopoderpolíticosemterde dar satisfações ou ser responsabilizado pelo parlamento. Suafinalidade era assegurar “à Coroa o poder de preservar no império ointeresse público, entendido como imparcialidade, equilíbrioinstitucional ou interesse nacional, contra o interesse particularrepresentado, respectivamente, pelo político ordinário, movido porpaixõeseapetites;pelasfacçõespartidárias, instaladasnaassembleia;e,enfim,pelasprovíncias, comsuasoligarquiasbairristase sua tendênciaaocentrifuguismo”.27

TantonoPrimeiroquantonoSegundoReinado,acentralizaçãoversusadescentralizaçãodopoderpolíticodogoverno imperial foimotivodegrandes debates. Depois da experiência dos partidos Restaurador,RepublicanoeLiberalduranteasregências,adiscussãofoitravadaentreosliberaiseconservadoresqueintegravamosrespectivospartidosqueapartirde1838dominaramapolíticaformal.Osconservadoresdefendiamacentralizaçãoeosliberaisdefendiamadescentralização.

Os conservadores do Império eram chamados de saquaremas, umaalusão ao nome do município do Rio de Janeiro onde se localizava afazendadoviscondedeItaboraí,umdoslíderesconservadores,localdeencontrosregularesdogrupo.Osliberaisforamapelidadosdeluzias“emreferência a uma pequena cidade de Minas Gerais, Santa Luzia, ondeocorreuamaiorderrotadosliberaisnasrevoltasde1842”.28

As visões divergentes entre centralizar e não centralizar eram umassunto antigo e ainda não resolvido desde a colonização portuguesa,que“combinavaumatendênciaconstanteàcentralizaçãocomagrandedispersão territorial dos postos de colonização, muitas vezes maispróximos da Europa que uns dos outros”, o que fazia com que essesnúcleosdecolonizaçãodispersos“sedesenvolvessemporcontaprópriae,frequentemente,deformacontraditória”.29

Alémdagrandedispersão territorial, oBrasil tinhauma “sociedadeagrária de baixíssima densidade demográfica, alta concentraçãofundiária e produção escravocrata”. Emvirtudeda ínfima capilaridadedo Estado, a receita da coroa “dependia de impostos recolhidos pelasalfândegasdascidadesmarítimas”.30

Odebateseacirravaeosdois ladosapresentavamseusargumentos.Osconservadores,quecompunhamaaltaburocraciaestatal,defendiam“o governo monárquico, o poder centralizado, um governo ativo eintervencionista, uma sociedade hierarquizada”,31 “a preservação daordem e da paz, e a resistência a inovações políticas que não fossemmaduramenteestudadas”.32Enãoreconheciam“apreexistênciadeumaNação” e assumiampara sipróprios “opapelde criá-la”, fundando“arepresentaçãodasoberanianacionalnaautoridademonárquica—numapalavra,eraumprojetoondeopolíticoprevaleciasobreoeconômico”.33

Do lado dos liberais, donos das grandes propriedades rurais, aretórica era “idealista, tributária do liberalismo de tendência

democrática” e federalista. Defendiam um “ultraliberalismo político,laissez-faire e escravismo” e afirmavam “a preexistência de umaNaçãocujaextensãocoincidiacomadesuaprópriaclasse;eporissofundavaarepresentaçãodasoberanianaautoridadeparlamentar—emsuma,umdiscursoondeoeconômicoprevaleciasobreopolítico”.34

Os conservadores, que assumiram a bandeira do abolicionismo(muito embora houvesse conservadores escravocratas), acreditavam napossibilidadedese“resolveroproblemadoatrasosemdesnaturaraquiloqueseriaautênticodoBrasil”enquantoosliberaissedeixavamorientarpor teorias estrangeiras e resistiam em adaptá-las à realidade e aocontexto do país por ver nesta atitude uma forma de corromper edeformar as ideias. Em resumo, “o que o saquarema vê comopeculiaridadesdoBrasilévistopeloluziacomodesvio”.35

Naesferadapolítica,váriosdiscursosetextosforamproduzidoscomargumentosdosdois lados.Do ladoconservador,umdosmaisargutosdefensores do poder moderador e da centralização foi o professor,político, advogado e diplomata José Joaquim Carneiro de Campos,marquêsdeCaravelas.

NavisãodeCaravelas, “a extinçãodopodermoderador e o fimdavitaliciedade do Senado em benefício do elemento democráticodestruiriamasgarantiasdeestabilidadedaMonarquiaconstitucional”.Ecasofossem“rompidososmeiosquelhepermitiamresistiràdecadênciadas formas puras de governo, à reforma institucional se seguiriaminevitavelmente crises que levariam à destruição da forma mista degoverno”.36

Acentralizaçãonãoeraexatamenteumproblema,segundoomarquêsdeCaravelas,porqueaConstituiçãode1824haviagarantidoaliberdade“embasesinabaláveis”eaformadegovernoestabelecidadavaaopaís“amaiscongenialcomasnossasideias,aúnicaqueseajustavacomanossa

educação, com os nossos usos, hábitos e costumes; a bem equilibradadistribuição dos poderes políticos, todos independentes e limitados àpublicidadedeseusatos”.37

Caravelas estava seguro de que a Constituição “preenchia odesideratodasalmas livres”e“tudoconferiaosmaissegurospenhoresdeseremefetivamenterespeitadosereligiosamenteguardadososnossosdireitoscomohomemecomocidadão”.Daquelemomentoemdianteosbrasileiros poderiam se orgulhar de “ter uma Monarquia semdespotismoeliberdadesemanarquia”.38

Doladoliberal,umdosmaisnotóriosdefensoresdadescentralizaçãofoi o político, escritor e jornalista Aureliano Cândido Tavares Bastos.Autor deA província: Estudo sobre a descentralização no Brazil, publicadoem 1870, defendia a descentralização política e administrativa poracreditarserasoluçãopolíticamaisadequadaparaumpaíscomimensoterritórioefrágeisvínculosnacionais.39

Bastosacreditavaqueagrandequestãopolíticanopaíseraa“eternalutada liberdade contra a força,do indivíduo contraoEstado”.E só adescentralizaçãoseriacapazde“reduziropoderaoseu legítimopapel,emancipar as nações da tutela dos governos”. A descentralização erapara ele “o fundamento e a condição de êxito de quaisquer reformaspolíticas”,nãoumameraquestãoadministrativa.40

Aprovíncia tambémeraumacríticaaoinstitutodopodermoderadorenquanto eixo da centralização, que tinha nos textos do visconde deUruguaiumnorteparaosconservadores.Nolivro,Bastosacrescentouàsua perspectiva social e econômica, baseada na política dos EstadosUnidos, uma solução para a forma do Estado brasileiro, que deveriapassarpor“umareformaconstitucionalqueampliasseaautonomiadasprovíncias” e conduzisse o país “na direção de um federalismomitigado”.41

Bastos acertou na crítica ao caráter centralizador da monarquiabrasileira e aos traços de absolutismo que ainda orientavam ocomportamento político do imperador e de parte da elite política,massua defesa da descentralização parecia depositar uma esperançadesmedida numa natureza política virtuosa do federalismo e dademocraciaàmaneiraamericana.Ouseja,dealgoquenãofaziapartedanossaexperiênciapolítica.

A instauração da República mostrou que Bastos estava equivocadoquanto aos resultados benéficos da mudança. Os problemas deadaptação no Brasil de um modelo republicano presidencialistaartificialmente implementadocolocaramemrisco tudoaquilopeloqualconservadoreseliberaisbrasileiroslutaram,comoaestabilidadepolíticae a própria unidade do país. A descentralização a partir da Repúblicatambém teve como resultado a consolidação dos poderes locais e ofortalecimento do coronelismo. Em vez da reforma do regime e dosistemade governo já existentes, parteda elite brasileira preferiu jogarforaobebê,aáguadabanheiraeaprópriabanheira.

Ogolperepublicanoem1889eacovardeexpulsãodeD.PedroIIedesua famíliadopaísdestruíramo capitalde experiênciapolítica e socialdesenvolvido no Brasil até então. Os problemas e desafios políticosenfrentados até aquele momento, como a centralização e adescentralização, ou deixaram de existir ou passaram a ter outrossignificados. Deixaram de existir um imperador como peça central davidapolíticaeumadisputapolíticaentreliberaiseconservadores.

ARepública abriu espaçoparaoutras agendas e ideologiaspolíticasque prometiam mudanças, mas que repetiram os velhos errosautoritáriossemreproduzirquaisquertraçosdasvirtudesdaMonarquiaedaselitespolíticasdaépoca.

AMonarquiaparlamentar constitucional acabou,masanaturezadoEstadopatrimonialsemantevevivaeganhounovaroupagem.

O Estado patrimonial, ou de como modernizar paracontinuaromesmo

Herdamos dos portugueses muito mais do que certo complexo deinferioridade e o gosto pelo bacalhau.O nosso patrimonialismo foi, defato,umaherançadoEstadoportuguês,legadoquefundamentoutantoanossaMonarquiaquantoanossaRepública.AinfluênciadogovernodePortugalnanossaculturapolíticafoidetalsortequeopresidencialismorepublicanosedesenvolveuàmaneiradoEstadoportuguês,apartirdocrescimentoestataledaconcentraçãodepoder.

No caso do Estado português, um dos elementos que contribuírampara a expansão de seu poder foi a falta de instrumentos legais e deinstituições que permitissem à nobreza e à burguesia confrontar omonarca.Tantonobresquantoburguesesaceitavamfazerpartedojogo.A nobreza concordava de bom grado com o prestígio e os privilégiosestatais, reduzindo-se a mera servidora do soberano. E a burguesiatentavaextrairomáximodebenefíciosdeumsistemaemqueomonarcacontrolavaaeconomiaoficial, tornandoainiciativaprivadadependentedeseusfavores.

ArelaçãoentreoEstado,anobrezaeaburguesiaproduziuestímulosruins para os nobres, para os burgueses e para os servidores da coroaresponsáveis pelo controle, o que inviabilizava qualquer “mudançarenovadora”.Foiumadascausas, inclusive,dofracassoda tentativademodernizaçãoconduzidapelomarquêsdePombal.42

A maneira de exercer a autoridade real e de se relacionar com aeconomia privada nos foi legada pelos portugueses, e “a realidadehistórica brasileira demonstrou [...] a persistência secular da estrutura

patrimonial, resistindogalhardamente, inviolavelmente,à repetição,emfaseprogressiva,daexperiênciacapitalista”.43

Essa experiência política fez com que adotássemos do capitalismoapenas “a técnica, as máquinas, as empresas, sem aceitar-lhe a almaansiosadetransmigrar”.Ouseja,importamososinstrumentos,masnãoo espírito do capitalismo. Não foi, entretanto, um privilégio brasileiro.Em várias partes do mundo “fora do núcleo anglo-saxão”, o que sedesenvolveufoi,naverdade,umparacapitalismoeumanticapitalismo.44

Mas a herança e a estrutura histórica são suficientes paraconcordarmoscomaideiadequeahistóriadoEstadobrasileiropodeserresumida numa trajetória determinista de concentração de poder eestatismo?Pormaisqueessahipóteseseja razoável,é limitada.Nãohádúvidadequeaconcentraçãoapontadanãosósemantevecomoémuitomaioremaiseficientehojedoquenaquelaépoca,masessaabordagemmenospreza a característica modernizadora do Estado no Brasil porbasear-se numa perspectiva inflexível, quase determinista, sobre osistemapatrimonialquesedesenvolveunopaís.45Alémdeconcentraçãode poder, houve uma atualização do tipo e dosmeios de controle quepreservouanaturezadoselementospatrimoniais.

A feiçãomodernizadoradoEstadopatrimonialbrasileiro foia razãopela qual o patrimonialismo permaneceu na nossa história política.Graças à profissionalização do estamento burocrático, nossopatrimonialismo estatal assumiu feições racionalizadoras, como oaprimoramento da capacidade tributária e a criação e manutenção demonopólios,comafinalidadedepreservarsuaprópriaestabilidade.46

Outras características do patrimonialismo modernizador brasileirosãoumordenamentohierárquicoda sociedade estabelecidopelopoderpolítico, a capacidade de impor sua vontade sobre a sociedade, umaadministraçãoburocrática capazde impedir adisputa entreospoderes

patrimoniais inferiores, a existência de sistemas corporativos do tipoautoritário e o apoio de estamentos profissionais que minimizam osriscosdedesestabilizaçãodopoderunipessoal.Em suma,maisEstado,menossociedade.

Pelas suas particularidades, o governo patrimonialistamodernizadosempreatribuiugrandeimportânciaao“papeldaadministraçãocentralnapromoçãododesenvolvimentoeconômicoesocialdopaís”.NoBrasil,“pelomenosdesde1937,oEstadotemsempredesempenhadoumpapelativo e agressivo na implementação de algum tipo de política dedesenvolvimentoeconômicoesocial,emborafustigadopelaliberalanti-intervencionista”.47

Como veremos nos capítulos seguintes, essa característicaintervencionista foi implementada em diferentes níveis, por sucessivospresidentes, sem que a sua natureza fosse modificada. Apenas osmétodos foram atualizados, sem perder, no entanto, componentes doantigo Estado patrimonialista, como a centralização, o clientelismo, afisionomiacartorial,aburocracia,atributaçãoetcaterva.

A modernização do nosso Estado patrimonial foi realizada com aparticipação “denovos, ativos evigorosos interlocutoresna sociedade”comafinalidadede“conduziropaísàplenitude”.OEstado,porsuavez,assumiu,“cadavezmais,suaresponsabilidadeanteasociedade”,agindoe dando satisfação dos seus atos de acordo com a função social quepassou a desempenhar.48 Função social que, depois, seria convertidanumaexpressãocoringadepolíticos,ideólogosegruposdepressãoparaatacar,emdiversosníveis,apropriedadeprivada.

Os novos interlocutores na sociedade passaram a ser representadospelosgrupossociaisarticulados.Estesgruposaceitaram“queoEstadoeoplanejamentodavidasocialestãoaquihojeparaficar,quenãohámaislugar no mundo de hoje para a prevalência de interesses coletivos”.

Tambémconsentiamqueomelhorparaasociedadeera“aexistênciadeumEstadonacional”quedeveria“serconduzidoaníveiscadavezmaisaltosdebomfuncionamentoedeacatamentoexplícitodasnecessidadessociaisporeleformuladas”.49

Os intervencionistas e seus asseclas, o coração e os membros doEstado, sempre encontram soluções criativas para reduzir, controlare/ou participar dessa dimensão descentralizada, uma espécie de bolhaprotetora da sociedade civil. Uma das formas de fazê-lo é promovercooptação política com a finalidade de “submeter a sua tutela formasautônomasdeparticipação”,50 oque inclui representantesde entidadesde classe, de organizações não governamentais, de sindicatos,intelectuais.

Essaestratégiapolíticaexigesistemasdecooptação,que“ocupamumlugarintermediárioentreossistemascorporativoseapolíticaabertadegruposde interesse”.Aeficiênciadesuaatuaçãogerauma tendênciaa“reduziro conflitopolíticopela limitaçãode seuescopo, ao estabelecermonopólios irredutíveis de privilégios”. O resultado é a criação de“estruturas de participação política débeis, sem consistência interna ecapacidadeorganizacionalprópria”.Seacooptaçãoprevalece,oEstadoesua elite política transformam-se no eixo em torno do qual gravita apolítica.51

UmdosinstrumentosutilizadosatéhojepeloEstadoparacooptarosgrupos autônomos é a concessão de benefícios e de privilégios asegmentos específicos da sociedade e a indivíduos. Se antes os grupospreferenciaiseramosdostrabalhadores,eoregimedeGetúlioVargasfoiocriadordeumsistemadecooptaçãoqueincluíaaconsolidaçãodeumalegislação específica, a previdência social e a atuação doMinistério daEducação e do Ministério do Trabalho, hoje essa captura política édirigida a grupos sociais mais oumenosmobilizados e com poder de

mobilização,cujaagendapodeirdeportadoresdenecessidadesespeciaisamilitantesgays.

UmdosexemplosdamodernizaçãodoEstadopatrimonialbrasileiroéaparticipaçãodogovernonaeconomia,quenãoselimitaàsestataisouàsociedadecompulsóriaestabelecidacomtodasasempresasprivadasnoBrasil mediante a cobrança de tributos e burocracia. Ao contrário dopassado,emqueissoeraimpossível,hojeogovernoconsegue,deformacadavezmaisampla,diversificarsuaparticipaçãoemváriasempresasesegmentoseconômicos.

Omodeloderelaçãoespecialentregovernoemercadofoiapelidadodecapitalismodelaços.52Éumsistemaqueserealizamedianteacriaçãode alianças, consórcios e emaranhados comerciais estabelecidos entre ogoverno, grupos privados domésticos e multinacionais em torno deprojetos empresariaisnascentes.Trata-sedeumaestratégiadogovernoparaesconderadimensãodesuarealparticipaçãonaeconomianacional,a despeito da aparência de funcionamento privado de diversossegmentos.

Dequemaneiraissoocorre?OPoderExecutivofederaldeixadeatuarcomo um agente com controle direto quase total da economia em umnúmero restritodegrandesempresasparadiluira suaparticipaçãoemalgumascompanhias(privatizadasounão)edessaformaatuaremumarede muito maior de organizações. Se os laços são qualitativos nossegmentos certos e nas empresas mais adequadas, o projeto demanutençãoeexercíciodopoderémuitomaiseficienteemaissólido.Erendemuitomaisdinheiroepoderpolítico.

A artimanha permite ao governo mascarar publicamente suaparticipaçãonaeconomiaeobterumpoderpolíticoeeconômicomuitomaior e mais abrangente do que se se limitasse a cuidar de empresasestatais. Sem a exposição pública de suas atividades, e a consequente

cobrançaefiscalizaçãodasociedadeedasinstituições,osrepresentantesdo governo podem agir nos bastidores, estabelecer negócios e fazerpressõesdemaneiramaiseficiente.

Issoaconteceháanosnosfundosdepensãoeemalgumasempresasque foram “privatizadas”, como a Companhia Vale do Rio Doce.PrivatizaçãonoBrasilvirousinônimodeconcessãoestataldeempresasoudeexploraçãodeatividadessemqueogovernopercacompletamenteocontroleeainfluência.

A modernização do Estado brasileiro não extinguiu o seu caráterpatrimonial. Emvezdisso, atualizouoqueopatrimonialismo tinhadepioreotornoumaismaleficamenteeficiente.Teràdisposiçãomodernosmecanismosdecontrole fezaumentaracentralização,a intervençãoeopoderdosrepresentantesdogoverno.AatuaçãodaReceitaFederaléumdosgrandesexemplosdisso.UmEstadopatrimonialmodernizadoébompara os políticos, para os servidores do Estado, para os empresáriosamigoseparaosintelectuaisdoregime,nãoparaasociedade.

AlémdeVargas,oPTfoiopartidoquemelhorentendeuqueaefetivamodernizaçãodonossoEstadopatrimonialexigiriaumgovernoatuandocomoplanejadordavidapolítica,econômicaesocialapartirdaadoçãodenovosmecanismosdeparticipaçãodegruposesetoresdasociedadeeda criação ou mudança da legislação. O partido percebeu como seriavantajoso modernizar o Estado patrimonial para que continuasse omesmo.VargasePT,tudoaver.

4Como era gostosa a minhamonarquia

D. João VI, o rei que deixou Adam Smith falar (umpouquinho)

De1500atéachegadadeD.JoãoVIaoBrasilem1808,opaísestevesob os reinados de D. Manuel I (1495-1521), D. João III (1521-57), D.Sebastião I (1557-78), D. Henrique I (1578-80), D. António I (1580), D.FilipeI (1581-98),D.FilipeII (1598-1621),D.FilipeIII (1621-40),D. JoãoIV (1640-56),D.AfonsoVI (1656-83),D.Pedro II (1683-1706),D. JoãoV(1706-50),D.JoséI(1750-77)eD.MariaI(1777-1816).

EmfugaporcausadainvasãodastropasnapoleônicasemPortugal,arainhaD.MariaIeseufilhoD.JoãoVItrouxeramnãosópartedacorteportuguesa,masumnovomomentoparaahistóriabrasileira.

ComD.JoãoVI,reidefatoemvirtudedoproblemadesaúdementaldamãe, oBrasil saíada condiçãode colôniapara ser alçadoà sededoimpério português e começava a experimentar um período deliberalização que conduziria o país anos depois à independênciaeconômica antes mesmo da autonomia política, algo raro na época. Omaiscomumeraumpaísconquistarprimeiroalibertaçãopolíticaparasódepoisobteraemancipaçãodesuaeconomia.

D. João VI não poderia ser qualificado como um liberal, mas foiconvencido de que o mais adequado era adotar algumas medidas deaberturadaeconomiaparapreservaropaíseoseuprópriogoverno.Omesmoocorreu,séculosdepois,sobapresidênciadeItamarFranco,umnacionalista empedernido, e de seu sucessor, Fernando HenriqueCardoso, um intelectual socialista que, por uma imperiosa necessidadede governo, deixou-se convencer de que o melhor era privatizardeterminados segmentos econômicos e diversas empresas estatais,incluindoaáreadetelecomunicações.Nãoofez,portanto,porideologia,masporqueeraimprescindívelparaogoverno.

Nocasodo reiportuguês, foi fundamentala influênciadoprofessordeeconomiapolíticaJosédaSilvaLisboa,quealiavaprincípiosteóricosliberaiscomaprática.1MaistardeagraciadocomotítulodeviscondedeCairu, Lisboa “exerceu papel relevante no convencimento do PríncipeRegente de pôr fim ao monopólio comercial até então exercido pelametrópole e abrir os portos do Brasil a outras nações — tal comopretendiaaInglaterra,sufocadapelobloqueiocontinentalfrancês”.2

Influenciado pelos ideais do iluminismo escocês, especialmente porAdamSmitheEdmundBurke,dequemfoitradutor,3LisboaexpôsnasObservaçõessobreocomércio franconoBrasilosbenefíciosdaliberdadedemercadoedaconcorrência,eosmalefíciosdomonopólioquebeneficiavaumaparceladoscomerciantesportuguesesebrasileiros.4Nessesentido,caberia ao soberano somente influenciar positivamente, exercendo umpodertutelar,semintervirdiretamenteparaorientaromercado.5

CertamentesurpreenderáamuitosleitoresofatodeLisboanegarnassuas Observações, publicadas em 1808, a afirmação, ainda hoje muitocomum,de que a abertura dos portos brasileiros foi uma estratégia daInglaterra para “estender cada vezmais o seu systema de Colonisar ointeiro mundo, para extrahirem as riquezas dos povos, impossibilitar-lhes a industria, e constituillos em perpetua dependência de seus

supprimentos”.Os responsáveispor esse“ridículo estratagema” teriamsido os franceses, que pretendiam indispor os ingleses com as outrasnações.6Osfranceses,aliás,tiveramumpapelsingularnanossahistória,enessecasonãonobomsentido.

Lisboa foi um grande defensor do liberalismo econômico, que noBrasil antecedeu a própria defesa do liberalismo político iniciada pelojornalistaHipólito José daCosta nas páginas do seuCorreio Braziliense,escritoeimpressoemLondresde1808a1823.Hipólito,quefoipresoemPortugal por ser maçom e fugiu para a Inglaterra, acreditava que “aliberdade individual do cidadão é o primeiro bem; e protegê-la é oprimeirodeverdequalquergoverno”.7

Se a liberdade não tinha preço, a pena deHipólito, por outro lado,poderia ter sido alugada. Como tantos jornalistas do passado e dopresente,eleteriarecebidodinheirodacoroaportuguesaparaamenizaro tom das críticas ao governo de D. João VI, seu leitor, graças a umacordo secreto selado com o embaixador de Portugal em Londres, D.DomingosdeSousaCoutinho.

NoperíododaMonarquiaparlamentaristaconstitucional,odeputadoliberalBernardoPereiradeVasconcelos,críticoferrenhodapresençadoEstado na economia, mas que, contraditoriamente, defendia amanutençãodaescravidãopelogoverno,afirmariaaligaçãoindissolúvelentre as dimensões política e econômica do liberalismo aodefender “omais religioso respeito à propriedade e à liberdade do cidadãobrasileiro”,8oque,obviamente,nãoincluíaosescravos.

A abertura dos portos às nações amigas, a defesa do liberalismoeconômicoepolíticoeodesenvolvimentodeumaeconomiadinâmicanoRio de Janeiro e em outros pontos do país pareciam ser o início dasuperaçãohistóricadomercantilismoedeoutrosestatismosnoBrasil.Sópareciam.

Emprimeirolugar,ahistóriadeD.JoãoVInoBrasilfoiinterrompidapela exigência do retorno a Lisboa, pelas Cortes Constituintes dePortugal,aseguiràsimportantesmudançasprovocadaspelaRevoluçãoLiberaldoPortoemagostode1820.OreivoltouparaPortugalemabrilde1821,nãosemantesnomearpordecretoopríncipeD.Pedro,seufilhoeherdeiro,comoregentedoBrasil,erasparoscofresdoBancodoBrasil.

Emsegundolugar,oreifoioresponsávelporestreitaroslaçoscomosempresários dos setores agrícola e comercial, criando incentivosnegativosemecanismosdeparticipaçãodefamíliasricaseinfluentesemseu governo, além de ter instalado no Rio de Janeiro uma enorme eonerosa burocracia dependente do Estado. D. João VI deixou o Brasilnuma situação econômica, política e administrativa bastante delicada,comumaacirradadisputaporpodere influência,e,nasmãosdo filho,umenormeabacaxiaserdescascado.9

D.PedroI:daindependênciaaocrescimentodoEstado

O império brasileiro durou 67 anos após a declaração deindependênciaem1822.CoubeaD.PedroI,portuguêsefilhodoreiD.João VI, negociar10 e proclamar o fim da submissão a Portugal. Orompimento político, porém, foi realizado com a preservação daMonarquiaedaCasadeBragançanopoder.11

Ograndeproblemafoiqueascomplicadasnegociaçõesparagarantiro apoio dos grandes fazendeiros e dos comerciantes para declarar aindependência reforçaram a cultura estatista baseada empromessas degovernoemtrocadesatisfaçãodepoderososinteressesprivados.

Enredadonumsistemaqueajudouaalimentar,D.PedroIfoielevadoao trono aos 24 anos e exerceu o Primeiro Reinado de 1822 a 1831.Saudadopelosliberaiscomooreique“trariaaliberdade,aigualdadeeafraternidade” asseguradas por uma constituição republicana, eracelebradopelos conservadores comoum imperador que “jamais iria se

deixardobraràspressõesdamaltarepublicana”.AsexpectativasqueD.Pedro Idespertoueram tãocontraditóriasquantoele,que“rezavapelacartilha liberal que colocava a lei acima do personalismo, mas nãoadmitiaquelheditassemoquefazer”.12

Masasituaçãodopaísestavalongedeserfavorávelaumgovernantecom “uma longa lista de desafios para enfrentar”, sem dinheiro, semreconhecimento internacional e sem uma legislação que sustentasse assuasdecisõespolíticas.13

Oimperadorenfrentouenormesproblemaspolíticosefinanceiros.Asprincipais razões foram a dissolução da Assembleia Constituinte em1823, ano que marca o nascimento do nosso parlamento, a maiorcentralização de poder estabelecida pela Constituição de 1824, aConfederaçãodoEquadornomesmoanoeaguerracomBuenosAiresem1825.14

Otempopassou,osproblemasseagravaram,e,aoconstatarquenãotinhamais apoiopolítico, inclusive entreumaparceladosmilitares,D.PedroIdecidiuabdicardotronoemfavordofilhoPedrodeAlcântara,quetinhaapenas5anos,idadequeoimpediadeassumir.OimperadorfugiuparaPortugalnodia6deabrilde1831.

A solução para resolver o problema, garantindo a ordem epreservando a Monarquia, foi a eleição, pelo Poder Legislativo, dasregênciasquegovernariamopaísatéamaioridadedopríncipeherdeiro.Esse período se estendeude 1831 a 1840. Esta, porém, foi umadécadamarcadaporintensasdisputaspolíticaserevoltaspopulares.

Paraqueosconflitosnãocolocassememcausaogoverno,osliberaisinsuflaram a população e pressionaram os senadores para que fossedeclarada a maioridade do príncipe, condição para que assumisse otrono. Em 23 de julho de 1840, o menino D. Pedro II se tornou oimperador constitucional e defensor perpétuo do Brasil. O “golpe da

maioridade”eacoroaçãoconseguiramrestabeleceraordemeanularosproblemaspolíticosmaisgraves,incluindoasinsurreiçõespopulares.

Em seu reinado, D. Pedro I manteve o processo de aumento dotamanho do governo iniciado por seu pai, D. João VI, e ampliou arelevânciadoEstadonavidanacional,emborarestritaaoslugaresqueacoroatinhacapacidadedealcançar.

Umaelitepolíticaaserviçodoimpério

Hámuitotempoqueapalavraelitese tornouo insultopreferidodequempertenceàelitepolítica.Querofenderoadversário?Bastaacusá-lode pertencer à elite. O significado e o conceito sociológico foramtransformadosemseuoposto.Elitevirouoequivalentedecanalha—oudecoxinha.

Éumapena.

A elite, entendida como o que há de mais valorizado e de melhorqualidade, e não apenas como grupos que controlam o poder, éfundamental a qualquer comunidade. Serve como referência positiva emarcadistintiva.Semumaelite,ouelites,nãohácomosabermosoqueémelhore,portanto,nãopodemosdiferenciá-lodoqueémédioedoqueéruim.

Nocasodapolítica,háduasdimensõesdequalificaçãodealguémoudeumgrupoquepertenceàelite:1)aquelequeéomaisvalorizadoou2)aquelequedetémoprestígioeexercealgumdomíniopolítico.

Aformaçãoeacomposiçãodaelitepolíticaéumdosepisódiosmaisfascinantesericosdanossahistória.Seo leitorachabaixoousofrívelonívelatualdosnossospolíticos,vaisofreraindamaisdepoisdeconhecer(ecomparar)otipodeeliteexistentenaquelaépoca.

A formaçãodessaelite ideologicamentehomogênea, conduzidapelaeducação, pela ocupação e pela carreira política, é fundamental para

compreenderapolíticadoperíodomonárquicoecomofoiconstruída“aconcepção e a capacidade de implementar determinado modelo dedominaçãopolítica”.15

Comparativamente, jamais tivemos, apóso fimdaMonarquia, elitespolíticas tão qualificadas, tão preparadas, tão ilustradas. Por mais quepossamos pinçar exemplos aqui e ali, desde o início da República atéhoje,nãotivemosemquantidadeequalidadegeraçõesqueombreassemcom aquelas formadas por visconde de Cairu, Nabuco de Araújo,marquês deCaravelas, Zacarias deGóis eVasconcelos,DiogoAntônioFeijó,BernardoPereiradeVasconcelos,EvaristodaVeiga,JoséBonifáciode Andrada e Silva, Téofilo Otoni, barão do Rio Branco, Paulino JoséSoaresdeSouza(viscondedoUruguai),JoaquimNabuco.

Além disso, o debate político se dava entre os partidos Liberal eConservador,16 ambos monarquistas, ao contrário de hoje, em que assiglaspartidáriasbrigamparamostrarquemémaissocialista.

Criar uma elite homogênea era fundamental para o governoportuguês porque garantia a estabilidade do processo de formação doEstado. Ao contrário de países onde houve uma vitoriosa revoluçãoburguesaeopapeldoEstadofoitendencialmentemenosrelevantecomoregulador da vida na sociedade, como na Inglaterra e nos EstadosUnidos,emPortugal“predominounaeliteoelementoburocrático”quepermitiu que o governo fosse mais interventor e que o funcionalismocivilemilitartivessemaisimportância.

O treinamento da elite política era mais relevante para o Estadoportuguês do que para o Estado inglês, pois na Inglaterra ahomogeneidade “era de natureza social, reforçada pelo sistemaeducacional, pelas relações familiares, pelos círculos de amizade, peloestilo de vida”. A educação da elite inglesa nos colégios de Eton eHarrow,nasuniversidadesdeOxfordedeCambridge,não tinhacomo

objetivo formar pessoas para trabalhar no governo, mas para“desenvolverumetoseumestilodevidacomum”.17

Para os aristocratas ingleses, a política não era vocação, nemprofissão, nem meio de subsistência, e não deveria interferir nasatividades sociais e literárias.18 Um inglês não era formadoespecificamente para atuar na política, que era um mero apêndice davidaemsociedade.A formaçãopadrãodo inglêsdeelite era suficientepara que pudesse desenvolver diversas atividades sociais, incluindo apolítica.

Em Portugal, e depois no Brasil, a homogeneidade social eracomparativamentemenosrelevanteeaselitesdependiamcadavezmaisdoempregopúblico,“dondesuadependênciadoEstadoeseucrescentecaráter parasitário”.19 Para lidar com as diferenças de classes sociais eevitar problemas futuros, o governo português utilizava o treinamentonaUniversidadedeCoimbra,asocializaçãoeaofertadecarreirascomoservidor estatal para criar uma homogeneidade ideológica,20 quefuncionavacomoelementodesuperaçãodeconflitosdentrodasclassesdominantes.Dessa forma,oEstado conseguiaque todososque fossemrecrutados em classes sociais diferentes agissem de forma coesa comoresultadodaeducação,dotreinamentosistemáticoedacarreira.21

Tantoa formaçãoquantoo treinamentodaelitepolíticaportuguesa,caracterizada pela homogeneidade ideológica, eram conduzidos peloEstado;umaelitequeeracriadoraecriaturadoEstadoabsolutista.Numprimeiromomento,aelitepolíticabrasileiraeraacópiadaquelaformadaem Portugal porque um dos objetivos “foi reproduzir na colônia umaoutraelitefeitaàsuaimagemesemelhança”.22Deucerto.

Issoexplicaporqual razão“aelitebrasileira, sobretudonaprimeirametade do século XIX, teve treinamento em Coimbra, concentrado naformação jurídica, e tornou-se, em sua grande maioria, parte do

funcionalismo público, sobretudo da magistratura e do Exército”. Acriação de uma cópia fiel da elite portuguesa talvez tenha sido maisimportanteaoprojetodacoroado“queatransposiçãodaprópriaCorteportuguesa(em1808)efoifenômenoúniconaAmérica”.23

Ofocodogovernona formação jurídica, especialmentena formaçãodemagistrados, tinhauma explicação: os juristas formadosna tradiçãoromanaerammuitoúteisaoEstadoporqueestavammaispreocupados“comajustificaçãodopoderrealecomamontagemdoarcabouçolegaldosnovosEstados”.24Alémdisso,precisavamdeocupaçãoprofissional.Ouseja,ogovernotambémserviriacomoempregadordosdoutores.

EssetipodetrabalhofezafamadejuristascomooconselheirodeD.JoãoI,JoãodasRegras,quecomprovaatesedeNelsonRodriguesdequenome é destino. Outros tantos homens do direito, portugueses ebrasileiros, dedicaram-se à elaboração de grandes códigos legais edeixaram como herançamarcante na cultura brasileira, não apenas najurídica,umamentalidadelegiferantequesemanifestaaindahojecomopedido de criação de mais leis diante de qualquer problema social,político,econômico.

Na InglaterraenosEstadosUnidos,não foramosmagistrados,masos advogados, que tiveram relevância na vida política. E o direitoconsuetudinário teveumpesomaiornomundo jurídico,oquepermiteentender a afirmação segundo a qual “os juristas estavam para osEstados absolutos como os advogados estavam para os Estadosliberais”.25

Àmedida que o Brasil se desenvolvia, as relações de Portugal comsuacolôniasealteravamgradualmente.Ogovernoportuguêsnãomaisconseguia sustentar a relativa centralização do poder em virtude dadispersãodapopulaçãopeloimensoterritórioepelotipodeatuaçãodosgrandes latifundiários.26 A mudança paulatina no ambiente e o

enfraquecimentodopoderdacoroaportuguesacriaramnovasexigênciaseresponsabilidadesparaaconstruçãoeexercíciodopodernopaís.E,seerapossível identificaracontinuidadedesuanaturezaintervencionista,onovocenário fez comqueaelitepolíticabrasileiradesenvolvesseumcaráterpróprio.

DepoisdaIndependênciadoBrasilem1822,aelitebrasileirapassouaser formada no país, mas nos mesmos moldes do que era feito pelogovernoportuguês.Apartirde1828,osseusaspiranteseramtreinadosnas duas escolas de direito sediadas no Brasil (São Paulo e Olinda),depois passavam pela magistratura e por vários cargos políticos emdiferentesprovíncias.27

Muitoemboraestivessemaisbempreparadaparalidarcomodesafiode construir um novo Estado, a elite política brasileira não apenaspreservoucomodesenvolveuumaparatoestatal“maisorganizado,maiscoeso,e talvezmesmomaispoderoso”.28 Issofoipossívelgraçasaoseualto grau de coesão. O lado positivo dessa unidade era a redução dosconflitospolíticosinternos,queserviacomoobstáculoàsrevoluções.

O lado negativo era a diminuição do já pequeno espaço demobilidade social por causa da preservação do statu quo. A saída paraaqueles que estavam fora do sistema econômico da época, desde osmarginais aos filhos dos aristocratas falidos, era a burocracia estatal.Joaquim Nabuco foi certeiro: o emprego público era a “vocação detodos”.NosEstadosUnidos,ondehaviaoportunidadesdeprosperarnomercadoprivado,oempregopúblicoeranãosómalvistopelapopulaçãocomoeconomicamentedesvantajoso.29

No Brasil, além de conferir certo prestígio, a opção pelo empregopúblico criava “uma situação contraditória em que o Estado dependia,para sua manutenção, do apoio e das rendas geradas pela grandeagriculturaescravistadeexportação,mas,aomesmotempo,tornava-seo

refúgioparaoselementosmaisdinâmicosquenãoencontravamespaçodeatuaçãodentrodessaagricultura”.30Issoaconteceatéhoje,masnumaescala maior e sem as restrições de mercado e de escolhas daqueleperíodo.

Naépocaemquefizfaculdadededireito(1997a2001),ocursojáerapré-vestibular para concurso público. No dia em que algum colegachegava com um famoso jornal de divulgação de concursos públicosdebaixo do braço, era um deus nos acuda. Amaioria esmagadora dosmeus colegas estavaalipara treinarpara asprovas epegarodiploma,quegarantiaoacessoacargoscomvencimentosmaisaltoseosdiversosprivilégios que o serviço público oferece com o dinheiro dos impostostiradosdainiciativaprivada.DamesmaformacomoacontecianoséculoXIX,sóquehojecomumacargatributáriamuitomaiselevada.

Aocontráriodoquesepossaimaginar,aelitepolíticadoimpérionãoera uma mera representante dos interesses dos grandes proprietáriosrurais.Asituaçãoeraumtantointrincada,oqueexigiadoslatifundiárioscertoesforçoparatentarsatisfazerseusinteressespolíticoseeconômicos,fosse seaproximandodospolíticos, fosseelegendoseus representantes.A forçado imperador, no entanto, impedia que a elite ou a burocraciafossecapazdecontrolaraadministraçãoestatalparaagircomo“árbitrodanaçãoeproprietáriodasoberanianacional”.31

Emmaioroumenorgrau,umaparceladessaselitesagiaassim,masoaspecto relevante, porque se constituiu como regra, foi a maiorcapacidadedoEstadoimperialdecontrolareuniropaísjustamentepelo“processodeindependência,pelaestruturaburocráticaepelopadrãodeformaçãodaeliteherdadosdePortugal”.32

Poroutro lado,oEstadoeraseriamente limitadoemsuacapacidadede ação pela grande dependência em relação à produção agrícola

exportada. O governo dependia da iniciativa privada, e os grandesempresáriossabiametiravamproveitodisso.Comoaconteceatéhoje.

Ahomogeneidadenaformaçãodaelitetambémfoifundamentalparapreservar a estabilidadedo sistemapolíticodo império e aunidadedopaís.Aamplaaceitaçãodasnormasconstitucionais eraumadaspeças-chaveparadirimirosconflitosentreosgruposquedominavamapolíticaeaeconomia.Erasempreprecisoconciliarasambiguidadesparamanter“adinâmicadecoalizõespolíticascapazderealizarreformasqueseriaminviáveisemsituaçãodeplenodomíniodeproprietáriosrurais”.33Nemque para isso fosse preciso assegurar os interesses dos grandesproprietáriosruraisereduziroespaçodeparticipaçãopolíticalegítima.

O equilíbrio das contradições era uma necessidade e, em parte,explica as alianças circunstanciais estabelecidas entre osmembrosmaisreformistas da elite e da burocracia com aqueles que representavam oquehaviademaisatrasadoemtermosdepensamentosocial,políticoeeconômico.

Nessa época, os “coronéis” já existiam e exerciam seus poderes emdiversasregiõesdointeriordopaís,submetendoascomunidadeslocais,muitoemboraofenômenodocoronelismo,comoveremosadiante,tenhasedesenvolvidocommaisforçaduranteaRepúblicaVelha.Aescravidãotalvez tenha sido a face mais evidente (e infame) dessa política deconciliação.

Masaconciliaçãodecertascontradiçõestemprazodevalidade.Comotempo,ecomamaiorcomplexidadedosconflitos,apráticadoacordopassou a ser incapaz de atender os grupos envolvidos no jogo políticoporcausadastransformaçõesnasociedadeenosistema,epelarupturaentrecivisemilitares.ApósofimdaGuerradoParaguai(1864-70),porexemplo,várias insatisfaçõesdosmembrosdoExércitoforamcolocadas

sobre a mesa e o governo de D. Pedro II foi incapaz de lidar com oproblema.

Assim como as circunstâncias históricas mudaram, a elite políticabrasileira começou a se transformar. A mudança foi provocada peloenfraquecimentodasuahomogeneidade.Graçasàpressãobem-sucedidade grupos externos, que defendiam uma maior diversidade derepresentação de interesses dentro do Estado, houve uma reduçãosignificativa do número de servidores públicos e um aumentosubstancialdaquantidadedeadvogados.

Ocrescimentodonúmerodeprofissionaisliberais,emvezdejuristasaserviçodoEstado,tambémcontribuiuparaastransformaçõesnaelite,queserevelouincapazdeenfrentaradequadamenteosnovosproblemassociais, políticos e econômicos. Os novos agentes políticos não sabiamcomo lidar com “a nova fase de construção do Estado, voltadamenospara acumulação do poder do que para sua consolidação mediante aampliaçãodesuasbasessociais”.34

O resultado foi a falta de pessoas qualificadas para atuar no novomodelo político de uma República presidencialista implementado apartir do golpe que derrubou a Monarquia. Por isso, os membros daantiga elite eram chamados regularmente para ajudar. Compreende-setambém por qual razão alguns dos remanescentes da elite do impérioforambem-sucedidoslíderesrepublicanos(AfonsoPena,CamposSales,PrudentedeMorais,RodriguesAlves).

Aprofundatransformaçãodaelitepolíticabrasileiraacaboutambémcomumatradiçãoconservadoraeliberalque,apesardequaserestritaaouniverso da prática política e do formalismo jurídico, poderia ter sedesenvolvido para uma experiência cultural e influenciadopositivamenteahistóriadopaís.

Provavelmenteporestarconfinadoaouniversodapolítica formal,otipodeconservadorismoedeliberalismoexistentenaépocaficourestritoà dimensão do Estado e à esfera do governo, preservando, em vez demodificando,amentalidadeestatista.

Sendoassim,ediferentementedoqueaconteceuemoutrospaíses,osconservadoreseliberaisbrasileirosnãoentraramemdecadênciapolíticaporquenoBrasilfaltavaumaclassemédiaalfabetizada,forteepróspera,ou pela ausência de capitalismo. As razões foram outras. Além disso,ainda tiveram a seu favor a partilha do poder e da influência políticadurantepartedoPrimeiroeemtodooSegundoReinado.E,assimcomoemPortugalenaInglaterra,apolítica formalbrasileiraestavarestritaaumaelite.35

Embora tenhamdesaparecidodomapapolítico formal e ideológico,apesar de alguns remanescentes da antiga ordem terem ganhadosobrevida política ao apoiarem a proclamação da República e aointegraremosprimeirosgovernosrepublicanos,conservadoreseliberaisnos legaram instituições políticas, o constitucionalismo, o respeito pelalei,agarantialegaldorespeitoàpropriedade,umsentidodedeverederesponsabilidadesocial.

Os políticos estavam errados: o fim da escravidão nãoacabariacomanação

A infâmia da escravidão no Brasil atendeu a dois propósitosprincipais:econômicoepolítico.Noplanodaeconomia,osescravoseramaprincipalmãodeobrautilizadanaagricultura.Noâmbitodapolítica,manter a escravidão era preservar a unidade e a ordem no país. Aescravidão eraparte estruturaldavida social, econômica epolítica, e acentralização do poder “favorecia a manutenção da escravidão” epermitia ao governo coibir “as iniciativas abolicionistas nasprovíncias”.36

Odebatesobreaescravidãonopaíssedesenvolveucomtodasortedeargumentos favoráveis e contrários à sua abolição. Havia quemelaborasse argumentos engenhosos para justificar a manutenção dotrabalho escravo. Foi o caso do patriarca da independência, JoséBonifáciodeAndradaeSilva.

Embora conhecido inimigo da escravidão, recusou as soluçõesabolicionistasradicaiscomoargumentodequeotrabalhoescravoeraopreçoapagarparamanteraunidadedopaís.Estavaconvictodequeseogovernocentraladotassemedidasdrásticashaveriaumafortereaçãodeprovíncias comoasdoRiode Janeiro,deSãoPauloedeMinasGerais,ondeexistiaummaiorcontingentedetrabalhoescravo.

A possibilidade de fragmentação do país a partir de conflitos entreescravocrataseabolicionistascolocariaumpontofinalnodesejodaelitepolítica de construir no Brasil um império poderoso centralizado eunido.37

Se já é algoum tanto estranhoque as elitespolíticas aceitassemumsistemaemqueoconstitucionalismoliberalconvivessecomainfâmiadaescravidão,nãoémenosincômodoqueosescravos,aoseremlibertadospor um ato de governo, sentissem algum tipo de gratidão pelaMonarquiaqueosmanteveescravos.

Não era difícil entender que, diante das restrições dos incentivoscriados pelo sistema, os escravos utilizassem a seu favor aquilo queestavadisponível.Antesdaabolição,porexemplo,existiamos“escravosdeganhos”,quetinhamautorizaçãodeseusdonosparavenderprodutosouprestar algum serviço. Em troca, entregavamaos proprietários umaporcentagemdoqueganhavam.

Pormeiodotrabalho,umaparceladosescravosconseguiacompraraprópriaalforriae,depois,escravosaseremutilizadoscomomãodeobra,

realidadequemuitosdelesjáconheciamdesdeaépocaemqueestavamemseusrespectivospaísesnocontinenteafricano.

Umaparcelados escravos aprendeua lidar como sistemae adotoumétodos não violentos de resistência para pressionar e negociar, taiscomo“açõesna Justiça, juntasdealforrias, fugaseparticipaçãopolíticaem irmandades”. Boa parte dos descendentes dos 4,8 milhões deafricanos escravizados no Brasil em trezentos anos de escravaturaconseguiua liberdadeeumaparceladessegrupose tornou“grandesepequenosproprietários,comerciantes,artíficeseprofissionaisliberais”.38

João Gonçalves da Costa é um exemplo marcante: escravo alforriado,acumuloufortuna,conquistouprestígiopolíticoefoigrandeproprietáriodeescravos.39

Paradeixarasituaçãoaindamais intricada,D.PedroIeD.PedroIIerampessoalmentecontráriosàescravidão,quesónãofoiabolidaantesde1888porquenenhumdosdois teve corageme apoiopolítico.Muitoprovavelmente influenciado pelos grandes abolicionistas da época(HipólitodaCosta,JoãoSeverianoMacieldaCosta),D.PedroIescreveuem1822quenãoviadiferençaentrebrancosenegros(“Euseiqueomeusangue é damesma cor que o dos negros”) e propôs que a escravidãofosse gradualmente abolida e o trabalho escravo substituído pelotrabalholivredeimigranteseuropeus.40

Asoluçãogradualsugeridapeloimperadorserviriaparaminimizarareaçãocontráriadosproprietáriosdeescravosedosescravocratasdiantedaousadapropostanummomentohistóricoemqueaescravidãoeratãocomumquanto a falta de higiene. Certamente contribuiumuito para aposição de D. Pedro I contrária à escravidão o trabalho fundamentaldesenvolvido pelos nossos abolicionistas desde o século XVIII, queinfluenciouamudançapolíticaelegal(LeiEusébiodeQueirósem1850,LeidoVentreLivreem1871)equemaistardeculminounaabolição(LeiÁureaem1888).

Antes disso, os abolicionistas britânicos, grande influência dosbrasileiros,haviamatuadodecisivamenteparaacabarcomaescravidãona Inglaterra. O fim do trabalho escravo não seria possível sem otrabalho dos membros da Sociedade pela Abolição do Comércio deEscravos, criada em 1787. Foram vinte anos de atuação até queinfluenciassemaposiçãodepartedaeliteinglesaeconseguissem,comoapoio político de William Wilberforce, a primeira conquista noparlamento: a aprovação da lei que proibia o tráfico e o comércio deescravosem1807e,em1833,aaboliçãodaescravatura.

Paradeixarpublicamente clara sua rejeiçãoà escravidão,D.Pedro Icombateu “com vigor o hábito de alguns funcionários públicos demandar escravos para trabalhar em seu lugar”; concedeu “lotes aosescravos que libertou na Fazenda (Imperial) de Santa Cruz”; andavasozinho a cavalo ou conduzia a própria carruagem para servir deexemploaosdonosde escravosquepreferiamser transportados“pelasruas numa rede amarrada num pau que os escravos sustentavam nosombros”; e proibiu que os “súditos lhe prestassem a homenagemtradicional de mandar os escravos carregarem a ‘sua carruagem nascostasporocasiãodoFico’”.41

Oimperadortambémidentificavaumefeitonefastodaescravidãonasociedade: tornava “os corações cruéis, inconstitucionais e amigos dodespotismo”.Comoohábitofazomonge,oproprietáriodeescravoeosdefensoresdaescravidãoolhavamoseusemelhantenegrocomdesprezoedesenvolviamumasensaçãodesuperioridadeque,nofimdascontas,eraexercidacontraqualquerpessoa,fosseescravaouhomemlivre.42

Sededacorte,oRiode Janeiro foiopalcoondea realezadividiuassuas pretensões civilizadoras e o orgulho dos seus costumes europeuscom uma enorme população de escravos que representava o seucontrário.Em1851, já soboreinadodeD.Pedro II,acorteabrigava“amaiorconcentraçãourbanadeescravosexistentenomundodesdeofinal

do Império romano: 110 mil escravos em 266 mil habitantes”. Aquantidade de cativos criou uma divisão muito bem estabelecida nacidade:“deumlado,aruadoOuvidor,comseushábitosrequintadoseeuropeus; de outro, uma cidade quase negra em suas cores e hábitosafricanos”.43

Abolicionista como o pai, D. Pedro II tratava o problema com aprudência que considerava adequada para não contrariar os interessesdos grandes proprietários de escravos nem retardar decisões políticascujademorapoderiaresultaremradicalismoerevoltaspopulares.Alémdisso, havia outro grande problema a ser resolvido: como abolir aescravidãoeperdertodaamãodeobraagrícolaexistentenopaís?Nemoimperador nem os políticos “ousavam enfrentar o problema, que,acreditavam,abalariaosalicercesdaNação”.44Elesestavamerrados.

Aosercobradoporabolicionistasfrancesesem1866,emplenaGuerrado Paraguai, sobre a escravidão no Brasil, D. Pedro II disse que ogovernocolocariaaaboliçãocomo“objetodaprimeiraimportância”pararealizar aquilo que “o espírito do Cristianismo há muito reclama domundo civilizado”.45 Mas o espírito do cristianismo teria que esperarpelaresoluçãodaguerra.Esódeuoardagraça,emboraparcialmente,depoisdoconflito,comaaprovaçãodaLeidoVentreLivreem1871.Aaboliçãosóviriaem1888.Atéofinaldoseureinado,aescravidãofoiagrandecontradiçãoduranteoimpériodeD.PedroII.

A posição contrária à escravidão dos dois imperadores e o longo evaloroso trabalho dos abolicionistas desde antes do Primeiro Reinadoforam fundamentais para a mudança política e legal. Mesmoconsiderando que, “quando a abolição finalmente se deu, em 1888,apenasumapequenapartedos afrodescendentespermanecia cativa”, aposição abolicionista dos dois imperadores foi publicamentereconhecida, inclusivepelospoucoscativosepelos já libertos—menospelosescravocratas.

Aaboliçãodaescravidãoexpôs trêsaspectos reveladoresdapolíticanaépoca:

1) foi conduzida pela Monarquia junto com os políticosconservadores,nãopelosliberais,queeram,ourepresentavam,osgrandesproprietáriosrurais;

2)foiumamedidaliberalquecolaboroudecisivamenteparaa queda da Monarquia, em virtude da perda de apoio doslatifundiários escravocratas, que se somou às crises políticasanterioreseàinsatisfaçãodosmilitares,que,tendoconquistadocom a vitória na Guerra do Paraguai uma importância quejamaistivera,sesentiramdesprestigiadospelaMonarquia;

3)colocouemconfrontoaliberdadeindividualeodireitodepropriedadesobreosescravos.

A proclamação da República foi, portanto, obra da elite liberal emilitarbrasileira,“poisamaioriadosafrodescendenteseramonarquista,pela lembrançadosreinadosafricanos,recriadosnoBrasil,epeloapoiodeD.PedroIIaomovimentoabolicionista”.46

D. Pedro II: o império contra-ataca a ganância dosempresários

D.PedroIIeraumhomemculto,debomcoração,umimperadorqueamava genuinamente o Brasil,mas parecia faltar-lhe talento, vocação epaciênciaparaodiaadiadapolítica.NascidonoBrasil em1825, ficouórfãodemãequandotinha1ano.Aos5anosde idadefoiabandonadopelopai,oportuguêsD.PedroI,tendosidoaclamadoimperadornaquelemesmoanode1831.

Batizado como Pedro de Alcântara João Carlos Leopoldo SalvadorBibiano Francisco Xavier de Paula Leocádio Miguel Gabriel RafaelGonzaga, o que lhe faltava em família sobrava emnome e sobrenome.Em 1841, foi coroado e governou o país até o dia 15 de novembro de

1889.Eraoprimeirobrasileiroaassumiropodernopaísdesdeachegadadosportugueses.

A antecipação da maioridade para que assumisse o poder foi um“golpe de Estado legal”, dado pelos liberais, em reação ao rolocompressor montado pelos conservadores para anular no parlamento“todasasconquistasdescentralizadoras”47obtidascomoAtoAdicionalde 1834 durante a regência do liberal Diogo Antônio Feijó. Elesconseguiram.

Ao assumir o poder como regente, Feijó iniciou uma pauta dereformaspara“descentralizaraadministração,consolidaropoderlocaleextinguiroquerestavadotráficodeescravos”.48

As mudanças também pretendiam estabilizar a política nacional ecolocar um ponto final na cultura mercantilista. Durou pouco. Osconservadores retomaram o poder e o projeto de centralização, que,paradoxalmente, garantia as liberdades dos brasileiros que viviam nasregiõesafastadasdacorteeeramsubjugadospelospodereslocais.

O calcanhar de aquiles do imperador era a sua falta de vocaçãopolítica.Sóointeressavaavidaintelectualeocumprimentodaquiloqueconsiderava ser a missão superior da coroa: colocar-se acima dosinteressessórdidosdoteatropolíticoedosnegóciosemnomedavontadenacional.

D.PedroIInuncadisfarçousua inaptidãoepoucoapreçopara lidarcom os rotineiros problemas políticos e econômicos. E achava umaindignidade ter de se dedicar a tais tarefas, algo com que, na minhaconfortávelposiçãodejamaistersidorei,concordointegralmente.

Na cabeça do imperador, formada com algumas leituras de autoresfranceses como FrançoisQuesnay, a economia deveria ser a ciência dobem comum, não um instrumento a serviço do interesse pessoal.49 Eraessa a “orientaçãodos adeptosdodespotismo ilustrado”que, “embora

professassemumadoutrinasemelhanteàdeAdamSmith[...],admitiamos limites do mercado e reivindicavam a intervenção do Estado paragarantiropredomíniodopúblicosobreoprivado”.50

Paraoimperador,quecompreensivelmentesobrepunhaapolíticaaosnegócios,aeconomiaoueraaciênciadobemcomumouuminstrumentoda ganância. A atividade privada só era positiva se realizada embenefício do país. Orgulhar-se da própria prosperidade, então, erapecadocapital.

AosolhosdeD.PedroII,nãohaviamaiorpecadornoBrasildoqueIrineuEvangelistadeSousa,obarãodeMauá.Demodestoaprendizdocomércio, Mauá transformou-se num dos mais brilhantes, versáteis ericosempresáriosqueoBrasiljáteve.Etinhamuitoorgulhodeserquemera e daquilo que conquistou com o seu trabalho. Era, portanto, apersonificação de tudo o que o imperador mais desprezava. E, paraaumentar o seu desgosto, Mauá cometeu a impertinência de ser seuvizinho.Nãopodiadarboacoisa.Enãodeu.

Aocontráriodoquedizoditado,nãohámalquenãopossapiorar.D.PedroIItevenafiguradeJoaquimJoséRodriguesTorres,oviscondedeItaboraí, o conselheiro e apoiadorpolíticoperfeitopara ser o cavalodebatalhacontraessetipodeideiaedehomenscomoMauá.

Deliberalaconservadorradicalmenteintervencionista,oviscondedeItaboraí tornou-seunha e carnedo imperador, e exerceu as funçõesdeministroedechefedogoverno.Nãoviacombonsolhososnovos-ricos,como Mauá, porque representavam uma ameaça ao sistema quefavoreciaosdonosdasantigasfortunas.

UmdosprojetosdeItaboraíparaminarocapitalprivadonosistemafinanceirofoiacriaçãodeumbanconacionalestatal.Paraisso,declarouguerra política contra quem promovesse “a ideia da concorrência”,lutasse “para fazer mais negócios”, saísse “em busca de clientes”,

procurasse“darmaioresdividendosaosacionistas”,descontasse“títuloscom facilidade”, gostasse de “juros baixos” e transformasse “os bonscapitaisparalisadosemações”.51Ouseja,tudooqueumempreendedorebanqueirocomoMauáfazianoseuBancodoBrasil,que,agoraprivado,mantinhaonomedoprimeirobancoestatal criadonopaísporD. JoãoVI,masquefaliuporingerênciadogoverno.

Muitoemboraaintervençãodogovernonaeconomiaexistisse,estavarestrita a alguns segmentos e regiões. Sendo assim, a liberdade decirculação de capitais era a regra no país. Curiosamente, “desde aaberturadosportos (em1808), todos ospolíticos e autoridades sempredefendiamoprincípiodequeogovernonãodeveria se intrometernosnegócios privados”.52 Tudo funcionou muito bem até o visconde deItaboraíentraremaçãocomaanuênciadoimperador.

Num discurso proferido no Senado no dia 18 de maio de 1853, ovisconde,queeraministrodaFazenda,afirmouqueoBrasilprecisavadeumbanco estatal porque os privados eram inseguros. Por issomesmo,nãopoderiahaverconcorrênciaeasinstituiçõesfinanceirasdeveriamsersubmetidasaoEstado.

OdiscursoprovocouumacorridadosclientesaobancodeMauá,quenão aguentou a sangria desatada e foi obrigado a entregar tudo aogoverno, que expropriou inclusive o nome da instituição. O Banco doBrasilvoltoua ser estatal.Longedemimquerer serdesagradável,massaiba, caro leitor, especialmente se for cliente da instituição, que o BBhoje em funcionamento é fruto de um roubo do Estado cometido nopassado.

Masquemfoi,afinal,oempresárioebanqueiroqueincomodavatantoD. Pedro II e o visconde de Itaboraí? De pensamento e ação que otornavam muito diferente dos outros empresários brasileiros de sua

época,Mauácomeçouatrabalharaos9anosdeidadecomocaixeirodeumarmazémnoRiodeJaneiro,paraondehaviasemudadoem1823.

Nascido no Rio Grande do Sul, por sugestão de um tio deixou aestânciadeArroioGrande,ondeficaramamãeviúvaeairmã,parafazera vida na capital do império. Aprendeu tudo o que podia sobre ocomércio com seu patrão, Pereira de Almeida, um dos principaiscomerciantesetraficantesdeescravosdoRio,cujosnegócios,porém,nãoresistiriamaofimdotráficodeescravos,asuaprincipalfontederenda.

A derrocada de Almeida acabou sendo a grande fortuna do jovemIrineuEvangelistadeSousa,que, aoexecutarumplanode salvaçãodeparte do patrimônio e da honra do patrão, conheceu o prósperoempresárioescocêsRichardCarruthers,omaiorcredordaempresa.Aonegociaropagamentodasdívidas comCarruthers, ganhouumvaliosomentor,umamigoe,depois,umsócio.

Não era uma época fácil para quem fosse brasileiro. O governoportuguêsconcediabenefícioseprivilégiosparaportuguesese ingleses,dificultandoavidadoscomerciantesetrabalhadoresnascidosnoBrasil.Muitosnãoprosperavamoudesistiam.Masdesistirefracassareramdoisverbos inexistentes no dicionário de Irineu, que teve disposição parareaprenderatrabalhar.

No inícioda vidaprofissional como empregadodeCarruthers, tevequeestudaroinglêseaprenderafazercálculoseregistroscontábeisdojeitoqueosinglesesfaziam—equedavamaiscerto.Aoestudaroslivrossobremercado que o patrão emprestou, descobriu que “tudo o que osautores portugueses davam como certo era por eles considerado umaespécie de arqueologia”, pois “os negócios ingleses se regiampor umafilosofia completamente diversa da ensinada nos compêndios quecirculavamentreoscaixeirosbrasileiros”.53

Emseusestudos,IrineutambémdescobririaqueJosédaSilvaLisboa,oviscondedeCairu,haviaabrasileiradodeformaumtantoexcessivaaobra de Adam Smith em seu famoso manual Princípios de economiapolítica.Admirador edivulgadordopensamentodo autor escocês,masservidor fiel de D. Pedro I, Cairu adequara as concepções de Smithexpostasno livroAriquezadasnaçõesparaumpaísescravocrataondeoimperador, e não o mercado, era o princípio regulador da vidaeconômica.Geraçõesegeraçõesdecomerciantesnativosforamformadascom uma literatura técnica que atribuía ao Estado a origem e osprincípiosdariquezananaçãobrasileira.Deunoquedeu.

Carruthers não só abriu um novo mundo intelectual e empresarialparaIrineu.Abriutambémasportasdeumasociedadesecretaqueagiaeinfluenciava os rumos políticos e econômicos em várias partes domundo.O empresário escocês era ummaçom azul do rito inglês cujosmembros“acreditavamemDeus,nadefesadoreiedaConstituição,notrabalho de conscientização de cada indivíduo e nas mudançasprogressivas”dentrodaInglaterra.54Eraestaaconcepçãodamaçonariainglesamoderna,quenasceuem1717comaformaçãodaGrandeLojadeLondres.55

Assimcomoas ideiasdeLocke tiveramnaFrançaoefeitodeálcoolemestômagovazio,amaçonariaderitoazulfoimodificadaaoserlevadaem 1725 por maçons ingleses para a terra do doutor Joseph IgnaceGuillotin, sobrenome que dispensa esclarecimentos acerca de suainvenção mais célebre. Assim teria nascido o rito francês, identificadocomacorvermelhaeque“pregavaadestruiçãodaMonarquia,alutademorte contra o poder estabelecido, o ateísmo e o republicanismo”.56

Destruição,morteeateísmoeramalgoaqueosfrancesessededicavamcomzelosemelhanteaodaproduçãodequeijosevinhos.

Oobjetivodosmaçonsingleseserausaramaçonariaparaenfraquecera inimiga França, mas o tiro saiu pela culatra. O rito vermelho se

expandiu rapidamente pelo país e por algumas colônias britânicas,incluindo os Estados Unidos. Na França, os maçons vermelhosconquistaramimportânciapolíticacomarevoluçãode1789,assimcomoosazuisjátinhamadquiridojuntoaogovernoinglês.

Tendocomogrão-mestre JoséBonaparte, irmãodeNapoleão,aqueleda aborrecida piada sobre a cor do seu cavalo branco, a maçonariafrancesa(vermelha)“passouaserumdócilinstrumentodepregaçãodasexcelências do imperador e das mudanças republicanas francesas queempolgava o mundo”. O lema liberdade, igualdade e fraternidade,inclusive,teriaorigemmaçônica.57

As ideias que fundamentavam a concepção política dos maçonsvermelhos, incluindo o republicanismo, seduziram homens como“George Washington, Thomas Jefferson e Benjamin Franklin, três dosprincipais líderesdaGuerrade Independênciade1776”.58Washington,JeffersoneFranklinpertenciamàmaçonariadoritofrancês.

Franklin se tornou grão-mestre, a autoridade máxima da ordem, eajudou os revolucionários franceses (e os de outros países) quando foiembaixador em Paris. E Jefferson foi contactado por inconfidentesmineiros, que, assim como ele, eram maçons vermelhos. Eles oprocuraram em busca de ajuda para o “projeto de instaurar umaRepública no Brasil”. O triângulo vermelho da bandeira dosinconfidentes seria uma clara influência da sociedade secreta nomovimento.59

Na Inglaterra, houve maior aliança dos maçons com o Estado, aocontráriodoque“ocorreunospaíseslatinos,ondeaperseguiçãointensafezcomqueamaçonariaassumisseumaposiçãomaisidentificadacomalutapela liberdadedepensamento e contrao absolutismomonárquico,geralmentealiadoàIgreja”.60

No Brasil, ocorreu algo curioso. A Igreja Católica tinha grandeinfluênciaepodernogovernoportuguêsecontinuouaexercê-loapósaindependência brasileira. O confronto entre a Igreja e amaçonaria erauma realidade, mas vários membros da elite política portuguesa ebrasileira eram católicos e maçons. No futuro, veríamos aqui outrocruzamentoinviável:ocatólicocomunista.

OhabilidosoministroJoséBonifáciodeAndrada,maçomazuldoritoinglês, conseguiu costurar um acordo com os maçons vermelhos peloqualtornava-segrão-mestredaprimeira lojamaçônicabrasileiraderitofrancês, o GrandeOriente Brasílico,61 e assim conquistava o apoio dasduas representações maçônicas no país (azul e vermelha) para aindependênciadoBrasil,preservandoaMonarquiaeoimperador.

Andrada conseguiu, inclusive, convencerD. Pedro I a entrar para amaçonaria: o imperador foi sagrado arconte-rei do Apostolado azulcriado por Andrada e grão-mestre do Grande Oriente vermelho. UmadaslojasdoApostoladocontroladapeloministrodoimpériochamava-se“IndependênciaouMorte”,eébastanteprovávelqueessaexpressãosoeum tanto familiar ao leitor. Andrada, é preciso lembrar, entrou para ahistóriacomoopatriarcadaindependência.

Mas tão logo conseguiu o que queria,D. Pedro Imandou fechar aslojas, perseguiu e exilou maçons azuis e vermelhos, incluindo seu ex-ministro Andrada, que, ironia das ironias, se exilou na França.Gradualmente,asmaçonariasazul(GrandeOrientedoBrasil)evermelha(GrandeOrienteBrasileiro)foramserecompondo,reabriramaslojasem1831evoltaramaterrepresentaçãoeinfluênciapolítica.

Foi nessa época que Carruthers iniciou Irineu no rito inglês damaçonaria. Seu destino posterior estaria vinculado à sociedade secreta,“umaescolacompletadepoder”,ondeencontrariaosamigos,discutiriaos problemas nacionais, conheceria os segredos da política inglesa,

encontraria sócios de negócios. Desde a sua iniciação, Irineu “seriasempreummaçomazul,fielaosprincípiosdacrençaemDeus,doamoràpátria,dadefesadaMonarquiaconstitucionaledareformaprogressivadoscostumes”.62

Irineuestudou,trabalhou,arriscoue,nofinalde1835,tornou-sesóciodeCarruthers,que retornoupara sua terranatal. Seguindo seuespíritoempreendedor, prosperou tendo o empresário escocês como sócio econselheiro.Noaugedesuavidaprofissional,ejácomotítulodebarãode Mauá, Irineu era dono de dezessete empresas instaladas em seispaíses.Em1867,ovalor totaldosativosdos seusnegócios somava115milcontosderéis,montantesuperioraos97milcontosderéisdegastosdogovernobrasileiro.ElechegouasersóciodocélebrebarãoLioneldeRothschild.

AsconquistasdeIrineuforamoresultadodoseutalentoparapensaralémdoqueestavadado,desafiaras ideiascomunsquedavamcertoeaproveitarasoportunidades, incluindonegócios (eempréstimos)comogovernodeD.PedroII.

Mauá diversificou suas atividades empresariais enquanto osempresários brasileiros preferiam ter uma empresa; investiu emindústriasenquantoamaioriaolhavaapenasparaaagricultura;apostouna mão de obra livre e implantou um programa de administraçãoparticipativacomdistribuiçãode lucrosparaos funcionários (incluindoex-escravos) enquanto os fazendeiros se preocupavam com a falta deescravos; contratouprofissionais para criar a tecnologia adequadaparaseus projetos enquanto o amadorismo era o padrão das atividadeseconômicasnopaís.63

AprosperidadedeMauá sónão eraum insultomaior aos olhosdoimperadordoqueasua impressãodequeoempresáriodefendia“seusinteresses como se estivessem acima dos interesses nacionais”. Quanto

maisinvestiaeampliavaosseusnegócios,mais invejadespertavaentreumaparceladanobrezaemaisoimperadorseincomodava.

Convertido em símbolo daquilo que parecia ser o pior tipo debrasileiro na época, “ohomemque coloca as suaspretensões acimadetudo”,Mauáatraiucontrasiosdespeitadoscolaboradoresdoimperador,muitosdelesnogovernoenoparlamento,quesecolocaramàdisposiçãoparafrearassuasaspirações.64

Assim comoD. Pedro II,Mauá amava o Brasil.Muito.Mas os doistinhamformascompletamentediferentesdeveromundoeoprogressodo país:Mauá tinha certeza de que o desenvolvimento do país só erapossível com o trabalho da iniciativa privada; já o imperadorconsiderava-seograndeagentedodesenvolvimentonacional.

MauáqueriaverseupaíssedesenvolvercomoaInglaterra,nemquepara isso tivesse ele mesmo de fazer o que os outros empresários e ogovernonãofaziam.Tinhaotalentoeosmeios,masoimperadortinhaopoderpolíticoparaimpedirqueseuprojetoprosperasse.

AlgunsdosgrandeserrosdeMauánão teriamacontecido se tivesseseguidoosconselhosdossócioseuropeus,CarrutherseMacGregor,denão se meter em negócios com o governo, especialmente no setorbancário.65Meteu-seemváriosnoBrasileumnoUruguai—eviu-seemmauslençóisnosdoispaíses.Eraoiníciodesuaderrocada.

Duasrazõesprincipaisoconduziramàfalência:questõespolíticas(foidiretamente prejudicado pelos governos do Brasil e do Uruguai) equestõesmorais(decidiupagartudooquedeviaeusarseupatrimôniocomo garantia das dívidas por se sentir responsável pelo dinheiro dossócios, mesmo que a legislação não o obrigasse a fazê-lo). Mauáenfrentou crises, golpes, sentenças judiciais desfavoráveis, saques decorrentistas desesperados, moratória, expropriação de seu banco pelo

governobrasileiroeatéumvetodeumpedidodeassociaçãocomseusconcorrentesinglesesnaáreafinanceira.

Em vez de uma falência desonrosa na qual se eximia de pagar asdívidas,Mauá,agoravisconde,preferiuperderseuimpérioeresgataraintegridadedoseunome.Ocusto,porém, foimaisaltodoqueaperdadopatrimônio.Em1878,quandotinha64anos,oTribunaldoComérciodecretoucommuitogostoa falênciadeseu impériocomerciale cassouseuregistrodecomercianteobtidonadécadade1820.

Em seguida,Mauá foi obrigado a entregar todos os seus bens paravendaemhastapública.Dispostoacumprirapromessadesaldartodasas dívidas, recusou até mesmo o benefício legal de ficar com os benspessoais.

Num texto que era uma prestação de contas pelo que tinha feito euma tentativa de restabelecer a honorabilidade do seu nome, definiunuma frase um tipo de mentalidade que no Brasil sobreviveria doisséculos depois: “Desgraçadamente entre nós entende-se que osemprezariosdevemperder,paraqueonegociosejabomparaoEstado,quando é justamente o contrário quemelhor consulta os interesses dopaiz.”66

Cinco anos depois, aos 70 anos de idade, Mauá conseguiu o quepareciaimpossível:pagoutodasasdívidas,retomouavidaempresarial,recompôs parte de sua fortuna pessoal e reconquistou seu registro decomerciante.

Morreuem21deoutubrode1889comonome limpo, semdívidaerico. Foi enterrado sem homenagem nem reconhecimento público.Apesar de tudo o que fez e mesmo com tudo o que passou, jamaiscriticou publicamente o imperador no Brasil ou no exterior. Aqui, foitratadocomotrapaceiroecriminoso;naInglaterra,comograndehomemdenegócios.

D.PedroIInemtevetempoparapensarnamortedoempresárioqueperseguiuporacreditarquesópensassenospróprios interesses.Menosde um mês depois, os militares derrubaram o governo e colocaram oimperadorpara correr.A incapacidadepolíticado imperadorvoltou-secontra ele, que aglutinou contra si desde republicanos convictos amonarquistasdesiludidos.

Encerrava-se,assim,comimerecidadesonra,anossaMonarquia,queemtrêsocasiões(1834,1837,1881)reformouseumodelopolíticoparaseadequar aomomento e que estava prestes a realizar a quarta reforma,comoGabineteOuroPreto,quandofoiderrubada.67

Oqueveioa seguiraogolpe republicano, feitona surdinaeànoitepara evitar manifestações do povo, que amava o imperador, foi oaumentodoestatismonaelitepolíticaenoimagináriopopular.

OsrepublicanossepultaramnãosóaMonarquia,masapartebenéficade sua experiência de quase sete décadas de Brasil independente,incluindo a tentativa de desenvolver um governo representativo paradelimitar o poder de cooptação pelo Estado patrimonial. A Repúblicadestruiu a herança e o espírito de continuidade que “fornece umprincípio segurodeconservaçãoeumseguroprincípiode transmissão;semdetodoexcluirumprincípiodemelhoramento”,elementoscapazesde manter “a união do passado e do presente, da tradição e doprogresso”.68

Lamentavelmente, restou-nos não um legado virtuoso, mas umainfame caricatura, a ridicularização e a ignorância sobre um períodorelevanteefascinantedahistóriabrasileira.

5Comte comigo: o positivismo daRepúblicapresidencialista

DogolpedeEstadorepublicano,oudequandoépreferívelnãodormir

O presidencialismo no Brasil nasceu com um golpe militar quederrubouaMonarquiaeproclamouaRepúblicaem15denovembrode1889. Diz-se que nesse dia o Brasil dormiu monarquista e acordourepublicano. Desde lá, tivemos 34 presidentes e sete constituiçõesrepublicanas.1Assimcomovoltariaaacontecerem1964,ogolpecontoucom o apoio das elites militar, política, econômica e intelectual. Eramelhoropaísnãoterdormido.

AMonarquiabrasileira caiupor razões ideológicas,políticas epelasmudançasocorridasnopaís.

Em primeiro lugar, o imperador e os parlamentares não souberamlidarcomalgunsdosmaisgravesproblemasnacionais,acomeçarpelosproblemasestruturaisdaprópriaMonarquia, jáenfraquecidae lideradapor um imperador velho, doente e cansado.O governo deD. Pedro IIestavapoliticamentedividido, e seusministrosmostraram-se incapazesdeajudá-loaencontrarsoluções.

Em segundo lugar, emergiram com força os efeitos negativos dacentralização política e econômica no Rio de Janeiro, mesmo após a

província ter perdido o dinamismo econômico concentrado nacafeicultura. Outros dois enormes abacaxis foram a politização doExército,2 os reflexosdaGuerradoParaguai entre osmilitares, comoaformação de uma mentalidade corporativista e a indisciplina, e asmudançasgeradaspelaaboliçãodaescravaturaem1888.

Em terceiro lugar, as ideias republicanas disseminadas pelo paísseduziram muita gente envolvida direta ou indiretamente no debatepolíticoe foramabasedevárias revoltaspopularesduranteo império.Os republicanos, comovimos, chegarama constituirumgrupopolíticoorganizadoantesmesmodacriaçãodospartidosConservadoreLiberalem1838.Naépoca,orepublicanismoaindaera“umacorrentedepoucaimportâncianapolíticabrasileira”,algoqueédemonstradopelosdadosda“últimaeleiçãoparlamentardoImpério,em30deagostode1889”.Dototalde“125parlamentareseleitos,apenasdoiseramrepublicanos”.3Depouca relevância na política formal, mas que adquiriu prestígio nossetoresquemaistardedominariamapolíticanacional.

Juntos,osproblemascriaramumambientepropícioparaaderrubadadaMonarquia por um grupo demilitares estimulados e apoiados pormembros do Exército, fazendeiros, profissionais liberais, intelectuais,simpatizantes da causa federalista. Só faltou mesmo o povo, que eramonarquista.

Um dos indicativos desse ambiente favorável foi uma resistênciaquase inexistente. Era um fato que “o regime estava desgastado e sembasessociais”.Oimperadorhaviaperdido“oapoiodosescravocratasenão conseguiu obter adesões dos setores dinâmicos da nova economiacafeeira”.4 Do lado do imperador, restava o povo, que não sabiaexatamenteoqueestavaacontecendoenãotinhacondiçõesdereagir.

O nascimento da República foi antecipado pelo medo “de que oimperador — ou sua sucessora constitucional, a princesa Isabel —

apoiasseumprogramadereformaseconômico-sociais”quepermitisseasobrevivênciadaMonarquia.Outroaspectoquegarantiu“aadesãoemmassadosantigosmonarquistas”foiapropostade“introduçãodonovoregime federativo, coma transferênciadegrandepartedospoderesdogovernocentralparaasoligarquiasestaduais”.5

Adescentralização do poder era um antigo desejo demonarquistasliberais,comoRuiBarbosa.Monarquistaparlamentaràmaneirainglesa,que defendia a liberdade ordeira e a reforma na legalidade, e tentava“inocularnasubstânciadovelhoregimeoprincípiodasuaregeneração,da sua renovação, da sua reconstituição, com pertinácia, franqueza eenergia”,6 Barbosa se tornou um defensor da mudança de regime àsvésperasdogolpe.

As duas principais bandeiras políticas dos republicanos na épocaeramo federalismo e o fimda escravidão.Apartirde 1880, a abolição“deixou de ser uma bandeira exclusivamente republicana e tornou-seumacausanacional”,queuniu“republicanoseváriosmonarquistasdosdois grandes partidos do Império — Partido Conservador e PartidoLiberal”.Ecoubeao“governoconservador, lideradoporJoãoAlfredo”,proclamaraLeiÁurea.7

Aaboliçãodaescravidão tambémfez comqueospartidosLiberal eConservadorincorporassemamaioriadaspropostasdosrepublicanoseentendessem que havia chegado o momento de acelerar as reformaspolíticas e civis, como a ampliação do direito de voto, a concessão demais poder e autonomia aos governos das províncias, “a liberdade aoculto religioso, a separação da Igreja e do Estado e a legalização docasamentocivil”.8

O último prego no caixão dos sonhos de ascensão política dosrepublicanos, representados pelo irrelevante Partido RepublicanoPaulista (PRP), parecia ser o programa de governo apresentado pelos

líderes do Partido Liberal na convenção realizada emmaio de 1889.Odocumento assumia “as principais reformas políticas defendidas pelosrepublicanos, comoa reformaeleitoraleadescentralizaçãodopoder”,9

baseadanaautonomiadasprovíncias.

Apropostadeconcederautonomiaaosgovernosprovinciaiseramaisinteligente e viável do que a do federalismo apresentada por RuiBarbosa, que achava que a sua sugestão era “a melhor maneira dederrotardefinitivamenteosrepublicanos”.Masofederalismoestavatão“atrelado ao radicalismo republicano” que poderia soar como umaprovocaçãoàcoroaeinviabilizarasuaaprovaçãopeloparlamento.10

Os liberais estavam certos. Além de aprovar o programa liberal, D.PedroII“convidouoviscondedeOuroPreto,chefedoPartidoLiberal,para formar o novo ministério”, com o “propósito de implementar asreformas políticas acordadas na convenção do partido”.11 Quem nãoficou nem um pouco satisfeito ao ver a sua proposta ser derrotada naconvenção foiRuiBarbosa,que recusouo convitepara integraronovogabineteeaproveitouoembalopararompercomosliberais.

O interessante do radicalismo de Rui Barbosa em contraposição aogradualismodeOuroPretoéqueambosqueriampreservarefortaleceraMonarquiaesvaziandoaspretensõesrepublicanas.Suaposiçãoarespeitodorepublicanismoeracristalina:“omalgrandíssimoeirremediáveldasinstituições republicanas consiste em deixar exposto à ilimitadaconcorrênciadasambiçõesmenosdignasoprimeirolugardoEstado,e,destasorte,ocondenaraserocupado,emregra,pelamediocridade”.12

Mas, ao romper com os liberais e iniciar pela imprensa umaimpiedosa campanha contra o governo, Rui Barbosa legitimou apregação radical republicana de Quintino Bocaiúva e colaboroudecisivamente com a causa dos republicanos. Pelos artigos de jornais,amboscomeçaramaenvenenaroExércitocontraaMonarquia,ainsuflar

osoficiaiscontraogovernoeaincitá-los“nosclubesmilitaresaaderiràcausarepublicana”.13Valiadetudo, inclusiveinventarmentirascomoade que o governo iria apresentar no parlamento um plano paradesorganizaroExército.

Os textos aumentavam a insatisfação dos oficiais, que se sentiamdesprestigiadospela coroa, e serviamdecombustívelparaosgolpistas,quepassaramacontarcomumambientepropícioparaaconspiraçãoeparapersuadir líderes comoDeodorodaFonsecaquantoànecessidadedogolpeparaderrubaraMonarquia.Conseguiram.Eassim,“nodia16denovembrode1889,todoseramrepublicanos”14edevotosdapromessarepublicanaepresidencialistaimportadadosEstadosUnidos.

Mas nem todos foram enganados pelo futuro redentor prometidopelos militantes republicanos. Depois de se deixar corromper najuventudepelo republicanismo radicaldo jurista e abolicionista francêsÉdouardRenédeLaboulaye,fervorosoadmiradordapolíticaamericanaque seduziuváriosde suageração, JoaquimNabuco tornou-seumdosmonarquistasmaisardorosos.

Influenciado pelo inglês Walter Bagehot, Nabuco acreditava na“superioridade prática do governo de gabinete inglês sobre o sistemapresidencialamericano”enarelevânciade“umaMonarquiasecular,deorigens feudais, cercada de tradições e formas aristocráticas, como é ainglesa”, que se constituiu num “governomais direta e imediatamentedopovodoquearepública”.15

AcríticaquecomumentesefaziacontraaMonarquia,adequeoreinãoeraeleitopelopovo,era,paraNabuco,“osegredodasuperioridadedo mecanismo monárquico sobre o republicano, condenado ainterrupçõesperiódicasquesãoparacertospaísesrevoluçõescertas”.16

Intelectualrefinadoeomaiscélebreabolicionistadoimpério,NabucoconsideravaaRepública“umrelógiodequefosseprecisorenovaramola

nofimdepoucotempo”,aopassoqueaMonarquiaera“umrelógioporassim dizer perpétuo”. A Monarquia também funcionava como “umaparelho mais sensível à opinião, mas rápido e mais delicado emapanhar-lhe as nuanças fugitivas, guardando ao mesmo tempoinalterável a tradição de governo e a aspiração permanente do destinonacional”.17

Um dos ataques mais contundentes à adoção do sistemapresidencialistanoBrasilfoidesferidopeloprofessor,jornalistaepolíticoJoséJoaquimdeCamposdaCostadeMedeiroseAlbuquerque.Emseu“ParlamentarismoepresidencialismonoBrasil”,panfletoescritonocalordomomentoepublicadoem1914,25anosdepoisdofimdaMonarquia,eletentoudemonstrarainferioridadeeasfragilidadesdosistema.

No libelo,AlbuquerquedefendeuqueoprogressodoBrasil apartirda proclamação da República ocorreu apesar, e não por causa, dopresidencialismo; que o sistema presidencial é estável para o mal einstávelparaobemequepermiteairresponsabilidadepresidencial;queaescolhadopresidenteésempreumaaventura;queosistemaéfértilemtraiçõeseemcorrupçãomoral.

O panfleto também é uma defesa do parlamentarismo, que para oprofessorseriaomelhorsistemadegovernoparaopovobrasileiroporseadaptar facilmente a qualquer tipo de cultura, ao contrário dopresidencialismo.

Oproblemaéque,umavezqueaMonarquiafoieliminadajuntocomasuaculturapolíticaeoseucapitaldeexperiência,nadagarantiriaqueasimplesadoçãodoparlamentarismoseriacapazderesolverosproblemaspolíticos do Brasil. Mudança política sem uma prévia retomada oureformaculturalbeneficiacircunstancialmenteosagentespolíticosdessamudança.

As fragilidades internas do sistema presidencialista expostas nopanfleto continuam a existir emmaior oumenor grau. E os sucessivosgovernos desenvolverammecanismos para lidar com os problemas dosistemaesobreviver,levandoàcriaçãodopresidencialismodecoalizão,uma solução encontrada pelo Poder Executivo para se organizar emgrandes alianças interpartidárias e assim desenvolver o seu plano degoverno.18

A partir do golpe de Estado republicano, o sentimento de muitosmonarquistasqueoapoiaramerasemelhanteaoexpressopelojornalistae político Quintino Bocaiúva, polemista inveterado, republicanofervorosoemaçompraticante.EmcartaàprincesaIsabel,Bocaiúvapediuperdão a Deus pelo que fez para o advento da República e se dissesurpresopelofatodeopovonão“tercortadoacabeçadequantos”comoelequehaviamcometido“tãofunestoerro”.19

Nabuco,Albuquerque e Bocaiúva viram o início do crescimento doEstado e do poder do governo republicano, que contribuiudecisivamenteparaesvaziardoimagináriopopularosentidodedeverede responsabilidade existente durante a Monarquia e o substituiugradualmentepelaaçãodogoverno.

Aproveitando a tradição criada pelo marquês de Pombal, “com aRepública,osmilitaresiriamapropriar-sedabandeiradequeaoEstadoéqueincumbepromoverariqueza,fazendocomqueseperpetuasseatéosnossosdiasessareminiscênciadomercantilismodoséculoXVIII”.20

OpresentãodosrepublicanosparaD.PedroII

A derrubada da Monarquia inaugurou no Brasil a Repúblicafederalista e o sistema presidencialista, ambos oficializados pelaConstituição promulgada em 24 de fevereiro de 1891. A nova cartamagna,quesubstituiuade1824,definiuopaíscomo“auniãoperpetuaeindissoluveldassuasantigasProvincias”naformados“EstadosUnidos

doBrazil”,assimcomoestabeleciaasregraseatribuiçõesdeexercíciodoPoder Executivo, e a forma como seriam eleitos o presidente e o vice-presidente.

No seu artigo 41, aConstituiçãode 1891 atribuía exclusivamente aopresidentedaRepúblicadosEstadosUnidosdoBrasil,comochefeeleitopela nação, o exercício do Poder Executivo. E o artigo 48 definia asatribuiçõesprivativasdopresidente, tais como“sancionar,promulgarefazer publicar as leis e resoluções do Congresso; expedir decretos,instruçõeseregulamentosparasuafielexecução”.

As atribuições, deveres e responsabilidades do presidente daRepública definidas pela Constituição de 1891 se assemelhavam emalgunspontosàsdoimperador,deacordocomacartamagnaanterior.

E se durante a Monarquia o país viveu um período de relativoequilíbrioinstitucionalaté1891,comasinstituiçõespolíticassubmetidasaospoderesdo imperador, incluindoopodermoderador,21 a partir daRepública passou a haver “a supremacia do Poder Executivo sobre oLegislativo”. O presidencialismo federalista republicano, cópia domodeloamericanopororientaçãoeinfluênciadeRuiBarbosa,nãosónãoresolveuosproblemaspolíticosdopaís,comocriounovos.

Parapioraroquejánãoeramuitobom,osmilitaresqueassumiramogoverno “não souberam enfrentar condignamente os impassesinstitucionais” criados pelo novo sistema, e o Brasil enveredou pelocaminhodainstabilidadepolíticaegovernativa.Oresultadofatalfoi“ocentralismo do poder aliado àmanipulação dos partidos políticos” tersido“amarcaregistradadaprimeiraRepúblicabrasileira”.22

Defensoresdopresidencialismorepublicanotentaramatéenquadrarahistóriaaoargumentoparamostrarasvirtudesdomodelo.OdeputadoAfonsoArinosdeMeloFrancoensaiou, inclusive,umaboa imitaçãodeanálise histórica ao dizer que “a tradição de Pedro I e Pedro II se

coadunava muito mais [...] com os governos americanos que iríamostomarcomomodelosdoquecomossistemaseuropeus,queconhecíamosliterariamenteesópraticávamosdenome”.23

Franco parece ter esquecido que, para o bem e para omal, o Brasilviveu a experiência monárquica desde que Portugal iniciou acolonização.Osistemaqueumapequenaparceladosbrasileirosconheciade nome era a República presidencialista. E foi combase numautopiaracionalistaquederrubaramoimperador.

Não é senão com uma dose de compaixão que se deve enfrentar aafirmação de que “o presidencialismo brasileiro foi muito mais umacontinuaçãodoqueumarevolução”.24Senãohouveumarevoluçãofoiporqueo“governoprovisório,temerosodasmanifestaçõesfavoráveisaoimperador”,obrigouafamíliaimperialasairdopaísimediatamente,“nacaladadanoite”damadrugadadodia 17denovembro.25 EporqueD.PedroIIserecusouareagircomviolênciaaogolpedeEstado,recebendode presente um decreto que o bania do Brasil junto com os seusfamiliares,oproibiadeterimóveis,oobrigavaavenderemseismesesaspropriedadesquetinhaeextinguiaasdotaçõesquerecebiadogoverno.

OpresidencialismonoBrasilsófoiumacontinuaçãodaMonarquiaseolharmosunicamentepara“nossaprópriatradiçãocolonialeimperialdegovernoscaracterizadosporumExecutivoforte”.26Mesmoassim,senãofoiigual,foipior.

AugusteComte,opaidesantodoterreiromilitar

Se“francês sem teoria é comopaide santo sem terreiro”,27 entreosmilitares brasileiros do séculoXIX o pai de santo era francês e atendiapelo nome de Auguste Comte. Pai Comte criou uma ideologia queexerceu enorme influência sobre membros do Exército, intelectuais epolíticos do país, e é a peça-chave para entender alguns elementos

cruciais do golpe republicano e da vida política na primeira fase daRepública.

Mas o que era, afinal, o positivismo de Comte? Em resumo, umadoutrinaquepretendiaserfilosofia,pensamentopolíticoeumareligião,alicerçada na crença de que só era possível atingir o conhecimentoverdadeiro através do conhecimento científico, pois os fenômenospositivos (reais, precisos, orgânicos) da experiência eram a verdadeiraorigemdosabernomundofísico.

Umdosobjetivoscentraisdopositivismoeramoralizarosindivíduospelo seu próprio método de educação. Peça-chave da ordem social, oensinonãoselimitavaàinstrução.Erauminstrumentoparareformaroscostumes, as opiniões e a mentalidade, pois Comte acreditava que aorganizaçãomoraldasociedadeeraoelementofundamentalparaasuaorganização.

Paraexistiresedesenvolverdessaforma,opositivismodependiadaeficiência do processo educativo, filosófico e científico, e da suaadequada assimilação pelos indivíduos. Esta combinação seria capaz,segundoospositivistas,deinfluenciaredefiniracultura,aorganizaçãosocial e a política.Antes de qualquer tentativade organizaçãopolítica,era preciso desenvolver uma atividade educativa com a finalidade demoralizarasociedadeetransformarasmentalidadesecostumes.28

A escola positiva, para Comte, era a única que poderia satisfazersimultaneamente todas as “grandes necessidades sociais, propagandocomsabedoriaaúnicainstruçãosistemáticaquepode[...]prepararumaverdadeira reorganização, primeiro mental, depois moral e, por fim,política”.29Umobjetivobastantemodestoquealicioumuitosbrasileiros.

O positivismo partia da constatação de que a desordem interior,mental emoraldaspessoas era a fontedomaldentroda comunidade,

nãoosinteresseseaturbulênciasuscitadospelapolítica.Pararegenerarasociedadeeraantesprecisoatacaradesordemmentalnasuaorigem.

Comofazerisso?Segundoopositivismo,nãohaviaoutraformasenãorestaurar“osmétodosantesdasdoutrinas”eassimreformular,dopontodevistamoral,asopiniõeseoscostumesemvezdasinstituições.30

O credo positivista ia além. Garantia aos seus adeptos que só umareorganizaçãoespiritualdasociedadepermitiriasatisfazerosdesejosdaspessoas, que não estariam preocupadas exclusivamente com o jogo deinteressesmateriais apregoados por uma sociedade liberal.31O tipo dediscursoquesempreseduzosincautos.

A ideologia positivista tentava combinar aspirações filosóficas,religiosas e políticas que viam a mudança externa (material) comoresultado da mudança interna (regeneração espiritual, renovaçãointerior). Essa transformação era possível através do método positivo,cujas regras de conduta permitiam desenvolver uma harmonia moralfundamental.32

Umaspectopitorescodopositivismoeraaconcepçãoda ideiacomoalgo impessoal,poisnão se tratavade algo concebidoporumapessoa,mas o resultado de uma ação coletiva. A ideia não apenas eraindependente do homem,mas o superava por sermais importante doqueele.

Ao anular a importância do indivíduo na formulação da ideia, opositivismocriavaumaespéciedecoletivismomentalemqueprevaleciaa vontade geral. Isso funcionava como um facilitador do método deinstrução e comomecanismo de defesa contra as tentações individuaisquepoderiamcolocaremriscoaprópriadoutrinapositivista.

Fracassado em suas ambições filosóficas e religiosas, pelomenosnoBrasil o positivismo conquistou influência e importância política, etransformoupartedopaísnumgrandeterreirodoPaiComte.Saravá.

PositivismonoBrasil:militânciaedoutrinaçãonasescolas

MaisextravagantedoqueopositivismoemsifoiainvulgardoutrinapositivistaterconquistadoforçaeprestígiopolíticonoBrasil.Mascomoistofoipossível,minhaSantaMariadeJetibá?

Parte da influência do positivismo na nossa história é conhecida eensinada nas escolas, mesmo que de maneira bastante resumida evinculadaaosmilitaresquederamogolpequederrubouaMonarquiaeproclamouaRepúblicaem15denovembrode1889.

Mas a dimensão e o alcance da influência do positivismo na vidaintelectual e política do país só são conhecidos por quem estuda ahistóriadadoutrinadeComtenoBrasil.Umaprovadesuaassimilaçãocultural é o samba “Positivismo”, de 1933, criado numa parceria entreNoelRosaeOrestesBarbosa:

Averdade,meuamor,moranumpoço,ÉPilatos,lánaBíblia,quemnosdiz,Etambémfaleceuporterpescoço,O(infeliz)autordaguilhotinadeParis.Vai,orgulhosa,querida,Masaceitaestalição:Nocâmbioincertodavida,Alibrasempreéocoração,Oamorvemporprincípio,aordemporbase,Oprogressoéquedevevirporfim,DesprezasteestaleideAugustoComte,Efosteserfelizlongedemim.

Airônicaletranãoperdoounemoqueridoinventordaguilhotina,e,lamentavelmente, ao contrário da senhorita da canção, a doutrina deComtedecidiu ser feliznoBrasil,paraonde foi trazidademala, cuiaequeijofrancês.

O positivismo desembarcou no país graças a alguns estudantesbrasileiros que, entre 1832 e 1840, foram alunos de Comte na EscolaPolitécnicadeParisoutiveramaulasparticulares.UmdelessechamavaAntônio Machado Dias, que mais tarde se tornou professor dematemáticanotradicionalColégioPedroII,noRiodeJaneiro.33

Outro aluno de Comte foi Justiniano da Silva Gomes, que numconcursoparaprofessordefisiologiadaFaculdadedeMedicinadaBahiaem1844apresentoupelaprimeiraveznoBrasilumtrabalhoacadêmicoquecitavaopositivismo.34Gomesreferiu-senotextoaométodopositivoeàLeidosTrêsEstados,queComtehavia expostodois anosantes emseu livroCurso de filosofia positiva. O curioso foi o positivismo ter sidoapresentado ao país através da biologia, não das ciências exatas ou dapolítica.35

O programa político pretensamente científico do positivismo, longede representar um rompimento, integrou-se à nossa tradição históricaautoritária, com exceção do Segundo Reinado, e tornou-se “odesdobramento natural da tradição cientificista iniciada sob Pombal.Mais que isto: transformou-se no fundamento doutrinário doautoritarismo republicano e paulatinamente enquadrou o marxismo apartir de 1930”.36 Foi o professor marxista Leônidas de Rezende oresponsável por defender a ideia de que “as teorias deMarx e Comteseriam absolutamente idênticas, distinguindo os dois, apenas, em queumseriarevolucionárioeooutroreformista”.37

ComtetevenoBrasilseguidoresfiéisqueaderiramentusiasticamenteaocultoeaospreceitosdaReligiãodaHumanidade.OspositivistasmaisconhecidosdasegundametadedoséculoXIXeramLuísPereiraBarreto,TeixeiraMendes,MiguelLemoseBenjaminConstant.Mendes,LemoseConstant fundaram, em 1876, a Sociedade Positivista do Brasil, depoissucedida pelo Apostolado Positivista do Brasil, que tinha umapreocupação religiosa e um trabalho voltado à “incorporação do

proletariado na sociedade moderna”.38 Lemos depois fundaria aSociedade Positivista do Rio de Janeiro, que se transformou na IgrejaPositivistadoBrasilem1881.

Apesarda intensa atuaçãodosnomesmais célebresdopositivismo,foram os positivistas independentes, ao aceitarem somente o espíritogeraldadoutrinaeoseumétodonasegundametadedoséculoXIX,osresponsáveisdiretospelarepercussãopolíticadasideiaspositivasnopaísepelapavimentaçãodocaminhoparaaaçãosistemáticada IgrejaedoApostoladoPositivista.AaceitaçãoparcialfezcomqueopositivismonoBrasil ganhasse uma face diversificada em virtude das diferenças deinterpretação, de personalidade e de temperamento. Apesar dasdivergências, o núcleo do positivismo de Comte foi preservado eseguido.39

Os positivistas independentes foram fundamentais para adisseminação da doutrina. Vários deles “ingressaram no magistériosuperioresecundário,militaramnaimprensa,participaramdogovernoprovisório,daConstituinteedasassembleiasegovernosestaduais,alémde ocuparem importantes postos no Exército e na Marinha, no altofuncionalismo,nadiplomaciaenamagistratura”.Semessa infiltraçãoetrabalho teria sido quase nula “a influência política do Apostolado,frequentemente envolvido em problemas de ortodoxia e cerimôniaslitúrgicas”.40

Embora sejapreciso tomar cuidado comadimensãoda importânciadopositivismonoBrasilapontadaporautorespositivistas,quepoderiamdilatá-la, não se pode negar o grande alcance das ideias de Comte napolítica brasileira, principalmente a partir do golpe que instaurou aRepública.41

A medonha bandeira do Brasil, aliás, é o atestado público dessaascendência dopositivismo sobre a elitemilitar que se transformouna

elitepolítica.Foi idealizadapelosativose influentespositivistasMiguelLemos e Raimundo Teixeira Mendes, diretor e vice-diretor da IgrejaPositivista do Brasil, e desenhada pelo pintor Décio Vilares. E a fraseOrdem e progresso foi extraída da fórmula sagrada dos positivistas: OAmorporprincípioeaOrdemporbase;oProgressoporfim.42

Masnemtodomundocaiunosambapositivista.Felizmente.

OmédicoeprofessorManoelBomfim,assimcomomuitosintelectuaisbrasileirosdofimdoséculoXIX,eraumentusiasmadodefensordousoda ciência para o entendimento da realidade, para a elaboração desoluções dos problemas sociais e para a construção do progresso.Masnãoviumuitosentidonadoutrinapositivista,que,emborapretendessesertãocientíficaquantoomarxismo,faziadaordem,enãodaciência,acondiçãodoprogresso.

Bomfim atacou a rigidez teórica do positivismo e advertiu que estacaracterística tornaria a doutrina inadequada para lidar com os“imprevistosenovosaspectosdaevoluçãosocial”.Eletambémcriticouo“abusodasgeneralizações”eo“exagerodasfórmulas,tãonítidasquantovazias”,queeramcapazesdepervertereesterilizarainteligência.43

Mesmo assim, a ideologia positivista vingou no Brasil. Num textopublicadoem1959,ojuristaMiguelRealeconfirmouqueemSãoPauloopositivismoexerceuenormeinfluêncianoestadodeespíritodetodaumageração graças aos “seus princípios e coordenadas bem-definidas, indoda crença no determinismo universal até à certeza da capacidadeemancipadora do homem sobre a natureza”.44 Nada melhor paraespíritosjuvenisdoqueideiasqueprometemrespostasabsolutasparaosproblemashumanos.

NoRiodeJaneiro,sededacorte,doparlamento,deváriasinstituiçõesde ensino e de centros culturais, a disseminação e a influência dopositivismo foi ainda mais intensa.45 A partir de 1857, os alunos da

EscoladeMarinhapassaramaestudaropositivismopelolivroSistemadefilosofiapositiva,46obraquejáhaviasidoencomendadapelabibliotecadaAssembleia Provincial do Rio de Janeiro. Até a revelação dessainformação, acreditava-sequeopositivismo fora introduzidonaEscolaMilitar por BenjaminConstant,47 umdos discípulosmais influentes deComte.

A Escola Militar teve um papel fundamental na divulgação e noestudo do positivismo. Durante a década de 1850, foram apresentadosváriostrabalhosacadêmicosemáreascomoestática,hidrostática,cálculodiferencial, termologia, baseados ou inspirados na filosofia positiva deComte.

Além da Escola Militar e da Escola de Marinha, os positivistascomeçaramaapresentartrabalhosutilizandoasconcepçõesdeComteemoutras instituições de ensino do Rio de Janeiro, como a Escola deMedicina,aEscolaPolitécnica,oColégioPedroII.Nofimdadécadade1850,opositivismocomeçouaganharespaçoforadaacademiaeainfluirnacultura(literatura,moralidade,política).48Aoquetudoindica,muitoantesdossocialistasecomunistas,ospositivistasforamosprimeirosnoBrasilaaparelharoensinoeadoutrinarosalunos.

Positivistasdebombachaechimarrão

ARepúblicabrasileirapodeserconsideradaumfenômenopositivista,mas é preciso ter em conta que o positivismo no Brasil assumiu umaexpressão singular que o tornou um tanto diferente da versão originalelaboradaporComte.49

UmexemplonapolíticafoiogaúchoJúliodeCastilhos.Influenciadopeladoutrina,CastilhosadaptouopositivismodeComteàdimensãodapolíticabrasileiraeàsuapersonalidade.Sendoumpolíticoprofissional,desenvolveusuaversãopositivistabaseadanuma“práticaautocráticanoexercíciodopoderpolítico”.50Eraumpositivismoquebebiachimarrão.

Bem-sucedido na política gaúcha, o positivismo castilhista exerceuuma influência decisiva no pensamento e no comportamento de trêshomensfundamentaisparaahistóriadoRioGrandedoSuledoBrasil:BorgesdeMedeiros,PinheiroMachadoeGetúlioVargas.

No esforço de adequar o positivismo ao seu caráter individual e àssuas crenças políticas, Castilhos modificou a sequência para aorganizaçãosocial.Emvezdeiniciarcomométodoeducativo,defendeuamoralizaçãodosindivíduospelaintervençãodoEstado.NafunçãodedeputadogaúchonaConstituintedaRepúblicaem1890,argumentouafavorda implantaçãodeumregimemoralizadornoBrasil fundadoemsupostasvirtudesrepublicanas,quesurpreendentementeseconfundiamcomasdopositivismo.

A rejeição de sua proposta pelos demais deputados federais nãodesanimou Castilhos, que já vinha direcionando seus esforços paraconcretizaroseuprojetonoRioGrandedoSul.Paraazardosgaúchos.

A atuação pública e as manobras realizadas nos bastidores paraderrubarseusadversárioseinimigospolíticos,ecomissodestruiraquiloque acreditava ser o pilar de uma sociedade liberal caracterizadaunicamente pela satisfação de interesses materiais, culminaram com aaprovaçãodapolêmicaCartaEstadualde1891.51Alei institucionalizouum modelo autoritário e antipresidencialista que confrontavaabertamenteaConstituiçãoFederalde1891.

Para que a ideia de moralização da sociedade pelo Estado fizessesentido prático, e não meramente teórico, Castilhos achava que aabsoluta pureza de intenções, manifestada pela ausência de interessesmateriais,deveriaseracondiçãofundamentaldogovernante.Opolíticoque quisesse conduzir a moralização da sociedade mediante o uso doEstado deveria ter uma imaculada pureza de intenções e assumir amoralidade como uma qualidade de primeira grandeza. Na sua

concepção, aRepúblicadeveria sero reinodavirtudegovernadopelosvirtuosos.52

Sobravamvirtudeemodéstianocastilhismo,a“ideologiapolíticaquedeuembasamentoàpráticadoautoritarismorepublicano,àluzdoqualse processaram as reformas modernizadoras necessárias àindustrializaçãodoBrasil”.Tambémserviucomoomodeloidealparaaconstrução do nosso “governo republicano, alicerçado na crençapositivista de que o poder vem do saber e canalizado, na prática, napreeminência do executivo sobre os outros poderes e no exercício derigorosatuteladoEstadosobreamassainformedoscidadãos”.53

Fundamentada nessa concepção ideológica, a política castilhistaimpediu “qualquer tentativa de estruturar a representação e de vergarantidos direitos civis básicos como a liberdade de imprensa ou ofuncionamentodaoposição”,queexistiamnoreinadodeD.PedroII.Defato,“ocastilhismofoi,navidapolíticabrasileira,amaisacabadaformaderousseaunismooudejacobinismorepublicano”.54

A concepção política radicalmente moralista de Júlio de Castilhos,baseada na tutela do Estado, marcou de forma decisiva o seu maisdestacado discípulo político, o advogado e futuro governador do RioGrandedoSul,BorgesdeMedeiros.

IndicadoeapoiadoporCastilhos,Medeirosvenceucomfacilidadeaeleição para o governo estadual em 1897 e a reeleição em 1902. Comogovernador, “governava amparado pela ‘bíblia castilhista’, aConstituição rio-grandense de 1891: sustentava a crença no ExecutivoforteeconservavaumLegislativodefachada”.55

Medeirosrespaldavaoseudiscursonaeficácia,nacoerçãopolítica,namodernizaçãodoEstado,“nodogmadamoralidadeadministrativa”ena“tesedaincorporaçãodedireitoscivisaostrabalhadores”,oqueacabouporlhegarantir“oapoiodasnascentesclassesmédiasurbanas”.Austero

até a medula, Medeiros não permitia que fosse utilizado “dinheiropúblico na compra sequer de um carro oficial para servir ao palácio”.Comessavisão sobreapolítica, “tinhaamissãodedar continuidadeaum‘castilhismosemCastilhos’”.56

A relação de Medeiros com os trabalhadores e a perspectivapositivista de política social, que seria a gênese do trabalhismo deVargas, também vieram em reação ao pleito dos representantes dasentidadesprofissionais.Eleatuoucomomediadordosoperárioscomosindustriais na greve que teve adesão das principais categorias,escolhendo negociar em vez de reprimir. Agiu dessa forma porqueacreditava que este deveria ser o papel do governador, masprincipalmente pela força domovimento grevista, que se alastrou pelointerior do estado e “foi praticamente uma greve geral— algo jamaisocorridoatéentão”.57

Personagem política fundamental na história de Vargas, Medeirosrepetiuoqueaconteceracomelepróprioaoindicarofuturoditadorparasubstituí-lonocomandodoexecutivoestadualapósseuafastamentoem1928.

Posteriormente,osdoisromperamrelaçõespordivergênciasiniciadasantesmesmodaindicaçãoaogovernoestadual.Opontoculminantefoiaprisão de Medeiros por tropas fiéis a Vargas, depois que o primeiroapoiouaRevoluçãoConstitucionalistade1932emSãoPaulo.58

TantonocasodeMedeirosquantonodeVargas,omaisadequadoéconsiderar o positivismo e o castilhismo que fundamentaram opensamentoeaaçãodeamboscomoelementosfundamentais,masnãoexclusivos. Ambos adequaram as ideias positivistas às suaspersonalidadeseàscondiçõesecircunstânciasconcretasdaépoca.

Oexemplomostraquenemsempreaideologiadogovernanteéadoseugoverno,quetendeaassumirafacemaisoumenosheterogêneapela

composiçãodiversificadadosseusmembros.59Estaobservaçãovalenãosóparaopositivismo,masparaosdemaisismospolíticosqueajudaramamodelarnossahistóriapolíticaintervencionistaeforamresponsáveisporcriarumaculturaconciliatóriadeservidão,submissãoedependência.

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Dr. Presidente, ou de comoaprendi a amar ainda mais oEstado

ARepúblicaVelhanasceuvelhaca

ARepúblicanasceumaculada.FrutodeumgolpedeEstado, jamaisconseguiu superar as virtudes construídas pela Monarquia. Com aRepública,oqueeraruimnãoeranovo,eoqueeranovoerapéssimo.

Para impor culturalmente o novo modelo político num paísmajoritariamente monarquista, os republicanos fizeram tudo o quepodiampara“eliminaromaisrapidamentedapaisagemosvestígiosdaMonarquia”. Nesse processo, a bandeira foi modificada, foram criadasdiversasdatascívicaseocumprimentomaçônicosaúdee fraternidade foiconvertidoporlei“emsaudaçãoobrigatórianoBrasilrepublicano”.1

Nos41anosentreogolpemilitarrepublicanoem1889earevoluçãode 1930, o país teve catorze presidentes e uma JuntaGovernativa. Sãoeles:DeodorodaFonseca,FlorianoPeixoto,PrudentedeMorais,CamposSales,RodriguesAlves,AffonsoPenna,NiloPeçanha,HermesFonseca,Wenceslau Braz, Delfim Moreira, Epitácio Pessoa, Arthur Bernardes,WashingtonLuís, JúlioPrestes e a JuntaGovernativa formadapor JoséLinhares,AugustoFragoso,IsaíasdeNoronhaeMennaBarreto.

O primeiro presidente da República foi o marechal Deodoro daFonseca, que eramaçom.O último presidente eleito, o advogado JúlioPrestes,nemchegouatomarposse,emvirtudedarevoluçãode1930,quedepôs o presidente Washington Luís. No lugar de Prestes, osrevolucionários deram posse a uma Junta Governativa formada pelosgeneraisAugustoTassoFragosoeMennaBarretoepeloalmiranteIsaíasdeNoronha.

Apósogolpemilitar,queconhecemospeloeufemismoproclamaçãodaRepública,DeodorodaFonsecaassumiuogovernoprovisório,queduroude 15denovembrode 1889 a 24de fevereirode 1891. Em seguida, foieleito de forma indireta pelo Congresso Nacional, tendo governado opaísde25defevereiroa23denovembrode1891.

Osrepublicanosassumiramopaíscommuitaspromessas,quedepois,não cumpridas, foram esquecidas, inaugurando uma tradição bastanterespeitadapelospresidentesdesdeentão.

Naépoca, oBrasil republicano,quenasceu sob juraspolíticas, tinhacercade14milhõesdehabitantes.Apenasquinzeentre cembrasileiroseramalfabetizados(entreosex-escravos,apenas1%sabialereescrever)esomente8miltinhamcursosuperior.

Amaioria morava na zona rural (oito em cada dez brasileiros) e aagriculturaeraocarro-chefedaeconomianacional,responsávelpor70%dariquezaproduzidanopaís.Nossoprincipalprodutodeexportaçãoerao café, que representava cerca de 60% de tudo que era produzido nomundo.2

Deodoro era mais um dos ex-monarquistas convertidos de últimahora,umcristão-novodorepublicanismonacional.EmcartaaosobrinhoClodoaldodaFonseca,alunodaEscolaMilitardePortoAlegreemembroda mocidade militar liderada pelo positivista Benjamin Constant, omarechal afirmou, um ano antes do golpe, que “República no Brasil é

coisa impossível, porque será uma verdadeira desgraça”, pois “osbrasileirosestãoeestarãomuitomaleducadospararepublicanos”.3

Deodoronãotinhaqualquerdúvidadeque“oúnicosustentáculodoBrasil” era “aMonarquia; semal com ela, pior sem ela”. Relutante aténos momentos cruciais que antecederam o golpe, Deodoro,“aparentemente, só se converteu ao projeto republicano forçado pelascircunstânciaseacontragosto,aoperceberqueamudançaderegimesetornarainevitável”.4

Uma vez convertido, o marechal gostou tanto do poder que nãoqueria mais sair. Inabilidade política e uma sucessão de errosanteciparamo fimda sua presidência.Deodoro não soube lidar com aoposição no Congresso Nacional nem com a grande insatisfação dasociedadediantedosproblemaseconômicosagravadospordecisõesdoseu próprio governo, como a desastrosa política monetária conduzidapeloministrodaFazenda,RuiBarbosa.

Para tentar evitar uma crise institucional e preservar o poder deDeodoro, Henrique Pereira de Lucena, o barão de Lucena, o ministromaisinfluentedogoverno,tentounegociaroapoiodoLegislativocomolíderdaoposiçãoCamposSales.Emtrocadetréguaeapoio,ofereciadoisministérios ao PRP. Na reunião da cúpula do partido para decidir seaceitava o acordo, prevaleceu o voto contrário de Prudente deMorais,comoapoiodecisivodeQuintinoBocaiúva,soboargumentodequenãose poderia confiar em Lucena e que aqueles que fossem indicadosministrosseriamsacrificadose,depois,forçadosadeixaroscargos.5

O fracasso da estratégia do barão de Lucena de dividir a oposiçãoparaenfraquecê-la foimaisumgolpecontraapresidênciadeDeodoro,“que interpretava as derrotas do governo no Congresso como umaofensa pessoal” por “não aceitar as limitações constitucionais nem adivisãodospoderesentreoExecutivo,oLegislativoeoJudiciário”.6

Acostumado à vida militar estruturada em comandos e disciplina,muito diferente da vida política baseada em negociação e concessão,Deodoro estava cansado do jogo político e adoeceu logo depois derecusar a demissão coletiva dos seus ministros. O vice-presidenteFloriano Peixoto, que deveria assumir o cargo, também adoeceu. ApresidênciafoientãoocupadapelobarãodeLucena,quedecidiuvingarasderrotasdogoverno.

Em3denovembrode1891,ordenouquetropasmilitaresfechassemoCongresso, prendessemos oposicionistas e censurassema imprensadoDistrito Federal (Rio de Janeiro). Oministro acreditava que essa era aformamaisadequadaparadominaroparlamentoe“concentraropodernas mãos de um presidente forte e autoritário”. O barão de Lucenaacreditavapiamentequeodespotismopresidencialeranecessário“atéoCongressoeasociedadeadquiriremumgraudematuridadepolíticaquelhe permitissem viver sob um regime democrático”.7 Era um tipo deperspectiva sobre o papel do governo e sobre a sociedade brasileiracompartilhadaporpartedaelitepolíticaeintelectualbrasileiraduranteoimpérioedepoisdogolperepublicano.

Paracoroaroprocesso,obarãodeLucenadecretouestadodesítionopaíscomoobjetivodedarumgolpe,osegundonocurtoespaçodedoisanos. Também tentou comprar apoio político distribuindo “créditopúblicoe facilidadesaempresase instituições”evendendoosestoquesdeourodogovernoparabeneficiarosespeculadores.8

Oplano, porém, foimalsucedido.Novemeses depois de assumir apresidência, o marechal foi obrigado a renunciar diante da reação daoposiçãonoCongressoedemilitarescomoocontra-almiranteCustódiodeMelo,“quemobilizouseusnavioseenviouumultimatoaomarechalDeodoro”.9Atéovice-presidente,FlorianoPeixoto,seposicionoucontraogolpe.

MasFlorianotambémnãoeraflorquesecheirasse.Ex-combatentedaGuerra do Paraguai, onde havia começado como tenente e terminadocomomajor,FlorianoconspiroucontraetraiuogovernodeD.PedroIIem1889aoomitirdoGabineteOuroPretoquehaviaumarebeliãomilitaremcurso,nãoreagircomodeverianafunçãodeajudante-generaleaindaseuniraosrebeldes.10

Floriano era republicano antes da queda da Monarquia não porconvicçãoideológica,masporserabolicionistaeavessoàordempolíticado império. Ao contrário demuitos militares da época, não se tornoupositivista, provavelmente pelo pacifismo da ideologia de Comte, que,inclusive, fez com que os alunos da EscolaMilitar na década de 1880fossemcontraaaçãobrasileiranoParaguai.11

Mais curioso ainda é o fato de que a Guerra do Paraguai, que sedependessedosmilitarespositivistasjamaisteriaacontecido,foiumfatorrelevanteparaaquedadaMonarquiaeaascensãopolíticadosmilitarespositivistasnaRepúblicapresidencialista.

ApesardenãoserumseguidordasideiasdeComte,Florianoeseusaliados compartilhavam alguns elementos ideológicos com ospositivistas republicanos, especialmente com o professor BenjaminConstanteseusalunosdaEscolaMilitar:orepublicanismo;oprogressismo(“apologiadaciênciaedasociedadeindustrial”);eoautoritarismo (umavisãoautoritáriaehierárquicaquedefendia“umasociedadegovernadaporumanovaelitecientífico-industrial”).12

Constant era um professor conhecido e conquistou tamanhainfluênciapolíticaquefoinomeadoministrodaGuerraporDeodoronacotadospositivistas,assimcomoRuiBarbosaforanomeadoministrodaFazendanacotadosex-monarquistas.

Floriano conseguiu reunir ao seu redor uma fauna ideológica queabrigava militares republicanos, autoritários, progressistas e

positivistas.13AalamaisradicaldosseusapoiadoresnoRiodeJaneiro,quetambémincluíacomerciantes,funcionáriospúblicosefarmacêuticos,foiapelidadade jacobinosbrasileiros,umaamável referênciaaos radicaisfranceses que também foi atribuída aos seguidores de Júlio deCastilhos.14

Xenófobos, os jacobinos cariocas eram nacionalistas, autoritários,anticlericais e tinham como lema “O Brasil para brasileiros!”, quemostrava no ponto de exclamação a natureza de sua força verbal. Nadécada de 1970, o governo militar, sob a presidência do sempresorridente general Emílio Garrastazu Médici, gaúcho como Júlio deCastilhos,BorgesdeMedeiroseGetúlioVargas,iriapatrocinaro“Brasil,ame-ooudeixe-o”comoummoteigualmenteacolhedor.

Integrantedaalanacionalista,autoritáriaeprogressista15doExército,que se opunha ao conservadorismo do tipo militar representado porDeodoro,Florianopretendiaseraalternativapolíticaparaanovaordemestabelecida a partir da derrubada daMonarquia e contra as supostasameaçasderetomadadopoderpelosmembrosremanescentesdaantigaeliteimperial.

A posição autoritária do seu governo conseguiu expurgar ossobreviventesdapolíticamonárquicaeabriucaminhoparaaascensãodoPRP, que representava “a ascendente e poderosa elite exportadora decafé”,defensoradofederalismoe,portanto,dadescentralizaçãopolítica,ecomquemFlorianoemseguidairiaromper.16

Surgia, assim, uma nova elite política que se firmava no cenáriopolíticonacional,inaugurandoumacirculaçãodeelitesquefoimaioroumenor ao longo dos anos, mas sem o caráter homogêneo nem osprincípioseresponsabilidadesdaquelaexistentenoimpério.Nãosóeradiferente,comoerainferior.

Ao assumir em 23 de novembro de 1891 o cargo de segundopresidente da nascente República, Floriano Peixoto, conhecido pelodelicadoapelido“MarechaldeFerro”,prometeuresgatarerespeitaraleieaordem,revogouoestadodesítiodecretadoporDeodoro,convocouoCongressoparaumareuniãoemandousoltarosmilitarespresos.

Para organizar as combalidas finanças do país, resolver o problemamonetário e promover o equilíbrio das contas do governo, nomeou oliberalRodriguesAlvescomoministrodaFazenda.Muitagentenaépocapensou:agoravai.Masnãofoi.

Em1892,Alvesdeixouoministérioalegandofaltadeapoioparafazero que precisava ser feito — e o que veio a seguir foi uma políticaintervencionista de dirigismo econômico. A presidência de FlorianoPeixoto passou a operar com base no culto à personalidade (depoisrepetida por diversos políticos, de Vargas a Lula) e numa políticaclaramente autoritária, com deposição de governos estaduais, prisões,deportações, decretação de estado de sítio, fortalecimento do poderpúblico, que englobava uma política estatal de desenvolvimentoeconômicocomumpacotedemedidasprotecionistas.17

A nova diretriz política do governo de Floriano desagradou osjacobinosapoiadoresdeDeodoro,as liderançasestaduais ligadasaoex-presidente, quehaviam sido afastadasde seus cargos, e os banqueiros,queseviramprejudicadoscomaproibiçãoestataldeemissãodemoedapelosbancosprivados.

A situação política e econômica detonou revoltas armadas emdiversospontosdopaísqueajudaramaesvaziaroscofresdoEstadoeadesestabilizar a política nacional. Os levantes foram sufocados pelogovernocomaajudadoCongressoeresultaramnaprisãodealgunsdosenvolvidos.Umdeleseraopoetae jornalistaOlavoBilac,umapoiadordeDeodoroque,certamente,entendiamaisdesonetoquedepolítica.

OgovernointervencionistaeautoritáriodeFlorianoPeixoto,queagiade maneira dissimulada e ambígua, não afetava apenas a política e aeconomia,masosbrasileiroseoambienteculturaldopaís.Quemcaptounitidamente a consequênciamaléfica foi o escritor Euclides da Cunha,autor do clássicoOs sertões. No texto “OMarechal de Ferro”, Euclidesdisse que o presidente “cresceu, prodigiosamente, à medida queprodigiosamentediminuiuaenergianacional”;que“subiu,semseelevar— porque se lhe operara em torno uma depressão profunda”; e que“destacou-se à frente de um país, sem avançar— porque era o Brasilquemrecuava,abandonandootraçadosuperiordassuastradições”.18

Vitorioso contra as insurreições, mas com a saúde combalida,exauridopolíticaefinanceiramenteesemapoio,FlorianoviuseupoderescorrerporentreosdedoscomaeleiçãodePrudentedeMorais,quesetornou o terceiro presidente do Brasil e governou o país de 15 denovembrode1894a15denovembrode1898.19Florianomorreuem1895.

PrudentedeMorais,assimcomoseussucessoresCamposSales(1898a 1902) e Rodrigues Alves (1902 a 1906), conseguiu levar para aPresidênciadaRepúblicaumpoucodaherançabenéficadaantigaelitepolíticamonárquicaemrelaçãoaosentidodedeveredeobrigaçãodospolíticosquandoinvestidosdopoder.

Em seus respectivos governos, conseguiramdefender “os princípiosrepublicanos, os valores democráticos e as instituições dos ataquessistemáticos dos caudilhos e dos demagogos”. Prudente de Moraiscomandou “a batalha pela instauração da República constitucional”,Campos Sales favoreceu o “Estado liberal e o saneamentodas finançaspúblicas”,eRodriguesAlves“soubecingirosprincípiosconstitucionaiseos valores liberais à eficácia administrativa, o que levou o país a umperíododeprosperidadeeconômicaeliberdadepolítica”.20

MasnemSales,nemAlves,nemMorais, asexceçõesdentreos trezepresidentes da República Velha que exerceram seus mandatos,conseguiramcontrolaranaturezaintervencionistadogovernooureduziramentalidadeestatista,porquenãoforamcapazesdefazê-loeporqueasurgênciaseramoutras.Openúltimopresidentedoperíodo, inclusive,oadvogadoArthurBernardes,comandouopaís,durantequatroanos,sobestado de sítio e num ambiente de cassação de liberdades, censura,violênciaerepressão.

A disposição centralizadora e a interferência estatal semantiveram,emmaioroumenorgrau, ao longode toda aRepúblicaVelha,mesmocomaalternânciadepoderdaselitespolíticasdeSãoPauloedeMinasGerais.Quandoestourouacavalgadadasbombachasrumoàrevoluçãode1930,ocaminhodaservidãojáestavapavimentado.

Coronelismo: os verdadeirosMundinho Falcão e RamiroBastos

Arevoluçãode1930,porém,sefezcomaajudadasoligarquiaslocais.Porissoéimportanteconhecerumpoucosobreocoronelismo,fenômenopolíticoquesemanifestoucomvigorduranteaRepúblicaVelha.Quemnãoselembradosadoráveiscoronéisdasnovelasexercendodemaneirapeculiaroseupoderlocal?

Mas a imagemdo coronel exibida na TV é umamera caricatura.Ochefepolítico localpodiatantoserumlatifundiáriorudeesemestudosquantobem-formadoscomerciantes,advogadosemédicos.EmseulivroGabriela,cravoecanela,JorgeAmadomostroumuitobemessesdoistiposdecoronel,orudeeoilustrado,atravésdospersonagensRamiroBastos,o velho fazendeiro chefe político da cidade de Ilhéus, e MundinhoFalcão,ojovemexportadorcarioca.

Nem todos os coronéis permaneciam em seus redutos no interiordepoisdeconsolidadoopoderlocal,fosseesteconquistadoporherança

familiaroupor iniciativaprópria.Algunsmoravamnacidadegrandeesó retornavam em intervalos regulares para “descansar, visitar pessoasdafamíliaou,maisfrequentemente,parafinspartidários”.21

Otítulodecoroneleraconcedidoaoschefeslocaismaisimportantesetinha origem na “Guarda Nacional, criada pouco depois daIndependênciaparadefenderaConstituição,auxiliarnamanutençãodaordem prevenindo as revoltas, promover o policiamento regional elocal”. A Guarda foi extinta logo depois do golpe republicano, mas adesignação extraoficial se manteve, “outorgada espontaneamente pelapopulaçãoàquelesquepareciamdeteremsuasmãosgrandesparcelasdopodereconômicoepolítico”.22

O poder dos coronéis atingiu seu auge a partir da presidência deCampos Sales e se estendeu até a revolução de 1930.23 Baseado numarelaçãopeculiardopoderprivadocomumregimepolíticodeamplabasederepresentação,ocoronelismo foiumfenômenocomplexodapolíticabrasileira,desenvolvidodesdeomunicípio.

Ocoronelismoseconstituiucomo“umacomplexa redede relações”que se expandia “desde o coronel até o presidente da República,envolvendo compromissos recíprocos” dentro de “um sistema políticonacional, baseado em barganhas entre o governo e os coronéis”.24 Ofenômeno se realizava a partir do “poder exercido por chefes políticossobreparcelaouparcelasdoeleitorado”25comafinalidadedeelegerosseuscandidatos.

O coronelismo foi, “sobretudo, um compromisso, uma troca deproveitos entre o poder público, progressivamente fortalecido, e adecadenteinfluênciasocialdoschefeslocais,notadamentedossenhoresdeterras”.26

Eisumponto interessante:ocoronelismodesenvolveu-secomoumareação dos fazendeiros à própria decadência econômica, o que os

enfraquecia politicamente diante dos seus adversários, inimigos edependentes.ArelaçãocomoEstadoera,portanto,umamaneiraqueoschefes políticosmunicipais encontraram para recuperar oumanter suainfluênciaepoderlocal.

Paraospolíticos,coronéiseseusbeneficiáriosarelaçãoeramuitoboa,pois “amanutençãodessepoderpassava, então, a exigir apresençadoEstado,queexpandiasuainfluêncianaproporçãoemquediminuíaadosdonos de terra”. Ganhava quem fosse próximo dos políticos e doscoronéis porque “o coronelismo era fruto de alteração na relação deforças entre os proprietários rurais e o governo, e significava ofortalecimento do poder do Estado antes que o predomínio docoronel”.27

O coronelismo só vingou porque se baseou numa relaçãomutuamentebenéficaentreosenvolvidosnasesferasmunicipal,estaduale federal. E como se dava essa relação de poder e de barganhas? Ogoverno estadual garantia ao coronel “o controle dos cargos públicos,desdeodelegadodepolíciaatéaprofessoraprimária”,eocoronel,porsuavez,apoiavapublicamenteogoverno,oqueincluíaorientarecobrarvotode todos aqueles submetidos ao seupoder.Numdegrauacima, opresidente da República reconhecia o domínio do governador em seuestado em troca de apoio, que abrangia toda a zona de influência doscoronéisquecompunhamoesquema.28

Há outro aspecto que torna o coronelismo um tema ainda maisinstigante. O federalismo republicano, que substituiu o centralismo dogoverno monárquico e descentralizou o exercício do poder federal,acaboucriandoeconcedendoamplospoderesaogovernadordoestado,quepassouautilizá-loscomomoedadetrocacomoscoronéisparaobterapoioeeleitores.Comoocoronelprecisavareconquistaroupreservaropoderlocal,eogovernadoreopresidenteprecisavamconquistarovotodoeleitoradorural,foiabertaumagrandejaneladeoportunidades.

Porsuascaracterísticas,ocoronelismotambémestabeleceunointeriordopaísumapolíticadecompromissosque,decertaforma,adequouaosseuscontextosregionaisaconciliaçãodeambiguidadesquecaracterizaasociedadebrasileira.

Fenômeno que teve seu auge na República Velha, o coronelismocomeçouaruirpor“umaconjugaçãodeváriosfatores,queagiramcommaior ou menor intensidade nas diversas regiões do país”. Além do“crescimentodemográfico,urbanização, industrialização”,29arevoluçãode1930colaboroudecisivamentenesseprocessodedecadência.

A retomadada centralizaçãodopoder federal, a instituiçãodovotosecreto e do voto das mulheres e a nomeação de interventores nosestados,alémdaprisãodepoderososcoronéisnaBahia,foramalgumasdasprincipaismedidasdeVargasque resultaramnoesvaziamentodoscoronéisenaextinçãodaestruturacoronelísticatalqualexistia.

Ocoronelismoajudoualapidarumarelaçãopromíscuaentreagentesprivados e políticos e a reforçar uma relação de dependência queestrutura a mentalidade estatista. Apesar de não mais existir com ascaracterísticasquetinhanaRepúblicaVelha,emváriospontosdointeriordopaís aindahá traçosde sua existêncianos compromissos recíprocosestabelecidosentrequemdetémopodereconômicoeaquelesquetêmopoderpolítico.

Outroelementodocoronelismoqueresistiufoiainfluênciaeopoderpolítico dos clãs regionais formados por oligarcas e seus descendentes.UmapesquisarealizadapelaONGTransparênciaBrasilepublicadaemjunho de 2014 mostrou que 47% dos parlamentares pertencentes afamílias politicamente influentes tinham parentes atuando em cargoseletivos.O levantamentodemonstrouque a “transferênciadepoderdeumageraçãoaoutradamesmafamíliaprovocatantoaformaçãodeumabaseparlamentaravessaamudanças significativas comoaperpetuação

no poder de políticos tradicionais desgastados ou até impedidos deconcorreremeleições”.30

Na Câmara dos Deputados, segundo a pesquisa, os parlamentaresnordestinostinhamomaiornúmerodeparentesnapolítica:92%eramdaParaíba,88%doRioGrandedoNorte,78%deAlagoas,70%doPiauíe64% de Pernambuco. No Senado, todos os senadores do Acre, deAlagoas,daParaíba,doParaná,doRioGrandedoNorteedeSãoPaulojátiveramumfamiliarocupandocargopolítico.

Adeus, República Velha de presidentes advogados emaçons

ARepúblicaVelhadeuoúltimo suspiro em24deoutubrode1930,dia da revolução. Chegava ao fim o primeiro período da históriarepublicana, que teve na presidência três militares e dez advogadosrepresentantesdaselitesdeMinasGeraisedeSãoPaulo.

Alémdefazerempartedatradiçãodepolíticosformadosemdireito,entre os “presidentes da Primeira República, oito erammaçons”. Eis oresumo da óperamaçônica da política brasileira: “a Independência foiproclamadaporumgrão-mestremaçom,D.PedroI”,ea“República,poroutro,omarechalDeodorodaFonseca”.31

AcomeçarpelomarechalDeodorodaFonseca,queassumiuopodercomochefedogovernoprovisórioemontouumministério“totalmentecomposto de maçons: Benjamin Constant (Guerra), Quintino Bocaiúva(Transportes),AristidesLobo(Interior),CamposSales(Justiça),EduardoWandenkolk (Marinha), Demétrio Ribeiro (Agricultura) e Rui Barbosa(Fazenda)”.32

Evidenciar o fato de que os presidentes da República Velhapertenciamàmaçonariaéideologicamenterelevantepelainfluênciaqueesta sofreu do iluminismo francês.33 Além disso, os maçons usaram oiluminismocomoumimportanteinstrumentoparaaexpansãodaordem

secreta porque compartilhavam a concepção política segundo a qual,umaveznopoder,deveriase“estabeleceraigualdaderealenãoapenasjurídica entre os homens, acrescentando aos direitos individuais umdireitosocial”.34

Oproblemaéqueapromessadeumautópicaigualdadereal,comopequenoinconvenientedequeaspessoassãodiferentesetêminteressesdiversos,exige interferênciadogoverno.Primeirocomacriaçãode leisque definam os novos direitos e, em seguida, com investimentos emações que os promovam e garantam. Em ambos os casos, há umcrescimento do Estado pela ampliação do ordenamento jurídico e peloaumentodatributação.

Além de serem maçons, quase todos os presidentes advogados, àexceçãodeNiloPeçanhaedeEpitácioPessoa,pertenceramàBucha.Esteeraonomedasociedadesecretacriadaem1831naFaculdadedeDireitodoLargodeS.Francisco,emSãoPaulo,formadapelosalunosquemaissedestacavamporseusméritosmoraiseintelectuais.

A Bucha foi fundada pelo professor alemão Julius Frank. Ele quisreproduzirnoBrasilaexperiênciaquehaviatidocomomembrodeumasociedadesecretanaAlemanhacriadacominfluênciailuministafrancesae maçônica. O nome Bucha era uma abreviação aportuguesada dapalavraalemãBurschenschaft,cujatraduçãoéfraternidade.

O objetivo da Bucha era ajudar os estudantes mais carentes dafaculdade recorrendo a alunos e a ex-alunos. Com o tempo, tornou-seuma confraria que “jamais se esquivou de empenhar-se na política emprol da fração de classe dominante à qual pertencia” e “procurougarantir, através dos seus intelectuais tradicionais, a manutenção dadireçãopolíticaeculturaldoBrasil”.35Maçonariavermelha,iluminismofrancês e positivismo, estes eram os nortes ideológicos da RepúblicaVelha.

De fato, os membros da Bucha conquistaram influência e poderpolítico,diplomáticoejurídico—efizeramusoeficientedeambos.Umexemplo dá a dimensão dessa importância. Ao ler nos documentos dafraternidadeapreendidospelapolíciadoEstadoNovoosnomesdosseusintegrantes,Vargasteriadecididocolocarumapedrasobreoassunto.36

Considerando a força política da maçonaria durante o império, éplausívelpensarqueasrelaçõessociaisedeirmandadeestabelecidasnamaçonaria e na Bucha tenham contribuído de forma decisiva para aalternânciadepoderduranteaRepúblicaVelha,enãoapenasapolíticado café com leite conduzida pelas oligarquias paulista e mineira, quetambémcontavamcommaçonsemembrosdaBucha.

A fraternidade começou a entrar em decadência após a revoluçãotenentistadeSãoPaulo,em1924,esubmergiucomarevoluçãode1930.Nãoháregistrodequeasociedadetenhasidoextinta,masamaçonaria,mesmosema forçadeantes,continuouacontarcomseusmembrosnaelitepolíticanacional.

Comoeragrande(ditador)opequenoVargas

GetúlioVargas,maisumadvogadoapresidiropaís, construiuumabem-sucedida carreira política e foi personagem central da históriabrasileira.Deixouumlegadoprofundo,duradouroemaléficonaculturapolíticaesocialdopaís.Foideputadoestadual,deputadofederalelíderda bancada gaúcha na Câmara dos Deputados (1923-26), ministro daFazendado tambémadvogadoWashingtonLuís (1926-27) e presidentedo Rio Grande do Sul (1927-30).37 Em 1930, após ter comandado avitoriosa revolução, assumiu o poder do governoprovisório e nomeouinterventoresquepassaramaatuarcomogovernadoresnosestados.

Vargasfoiumdosgrandesnomesdopositivismocastilhistaaté1930,mas seupensamentoe suasaçõesapartirdaímostramumpolíticoembusca de identidade própria. Embora não tenha abandonado

completamente as bases ideológicas do passado, agiu no comando dopaís de acordo com as circunstâncias e urgências, e muitas vezesadotando medidas antipositivistas. Uma delas foi a centralização dopoder, que era a negação do federalismo defendido pela ideologiapositivista.

A implementação do projeto de como deveria ser o Estado e ogovernonãoeraumapropostaindividualdeVargas,masumpropósitocompartilhado com as oligarquias estaduais, com os militares, com osrepresentantesdaburocraciaecomosmembrosdaIgrejaCatólica.Elesacreditavam que só um regime autoritário seria capaz de estabelecer aordem,garantiraestabilidadepolíticaeconduziropaísàmodernização.

Como para cada ideia equivocada existe uma teoria que lhe atribuiumaaparênciasensata,atesedeOliveiraVianacaiucomoumaluvaparaos anseios daqueles grupos. Jurista, historiador, sociólogo e professor,Vianadesenvolveu,nadécadade1920,umamodestapropostasegundoaqualeraprecisoinstituirnoBrasilumsistemaautoritárioparaconstruirumasociedadeliberal.Issomesmo,umautoritarismopelaliberdade.

Viana defendia uma organização política autoritária para eliminartudo aquilo que impedia a ordem social brasileira de se tornar liberal.Sem um sistema político adequado, o país continuaria a ter umasociedadefundamentadaemclãsfeudaiseparentais,esustentadanumabaseautoritária,semconseguiravançarparaumestágiodeliberdade.

O professor acreditava que “o problema da liberdade individual ecivilnoBrasil—problemaqueépreliminaratodaequalquerliberdadepolítica”—era“justamenteeliminareste‘longohábitodeimpunidade’”.Paraele,a“certezada impunidade,queosnossoscostumesasseguramao arbítrio, corrompe tudo; mata no seu berço o cidadão e impede aformaçãodoverdadeiro espíritopúblico”.Eis autopia: “eliminadaque

sejadoscostumesestacertezadaimpunidade,asliberdadescivisestarãoasseguradas”.38

Mascomoeliminá-la?

Não era mediante a autonomia política dos estados e municípiosdefendidapelosnossosliberais,“fascinadospeloexemploinglês”.Vianaachava que as “franquias autonômicas—municipais ou estaduais”—poderiam “ser úteis para outros fins administrativos, menossignificativos;nãoparaestefimespecíficoesuperior”.39Ofenômenodocoronelismocomprovavaasuaafirmação.

Eisoquepropunhaoprofessor:ummodelopolíticoestabelecidoporum Estado autoritário que funcionaria como instrumento para aconstrução de uma sociedade liberal. Somente um sistema políticoautoritárioeumEstadoforteseriamcapazesdeeliminardoscostumesacertezadaimpunidadeedeassegurarasliberdadescivis.40Sónãoseriacapazdenosprotegerdogoverno.

A proposta de um autoritarismo instrumental pela liberdade “foiaceita, e seguida, por um número relativamente grande de políticos eanalistasque,depoisdarevoluçãode1930,lutarampeloestabelecimentode um governo forte como forma de destruir as bases da antigasociedadenãoliberal”.41Convertidaemprojetopolítico,essaconcepçãoideológica gravou o número da besta na testa da política nacional. Ocheirodeenxofrecontinuaforte.

Vianaacabousendointegradoàtradiçãodoautoritarismodoutrinárioque teve em Júlio de Castilhos sua primeira expressão elaborada deformacoerente.42MasograndeideólogodoEstadoNovonãofoiViana,mas o advogado e jurista Francisco Campos, que tentou justificarteoricamente as práticas autoritárias e a centralização do poder dogovernoVargas.

Autor da Constituição de 1937, Campos combinou o pensamentoautoritáriocomabuscadelegitimidadepolíticapelogovernoapartirdeinstrumentosplebiscitários(comotentafazerhojeoPT).Edeixouparaahistória frases cativantes como “governar é prender” e “o povo nãoprecisadegoverno,precisadecuratela”.43

A postura de Vargas como presidente e, depois, ditador era ademonstração de seu afastamento gradual do positivismo ao longo daRepública Velha. Ao contrário de Júlio de Castilhos e de Borges deMedeiros, Vargas começou a abandonar a ortodoxia positivista aindaquando era governador do Rio Grande do Sul. Sua interpretação dosensinamentos de Comte passou a divergir de ambos, e as mençõespúblicasàsideiaspositivistassetornaramcadavezmaisraras.

A partir de 1930, “não há registro de uma vez sequer em queadmitissecontinuaradeptodopositivismo—emborahajapassagensemseus discursos demonstrando que a influência não se apagaratotalmente”. Embora o positivismo continuasse a fazer parte de suamatriz ideológica, Vargas ampliou o seu rol de influências para “fazeruso dos ensinamentos de todos os autores contemporâneos capazes decolaborar para a solução dos problemas brasileiros”.44 Ele certamentepercebeuqueadimensãodosproblemasdopaíseramuitomaiordoqueavisãoestritaoferecidapelopositivismo.

Em 1932, a elite paulista conseguiu pressionar o governo para aconvocaçãodeumaAssembleiaNacionalConstituinte,realizadanoanoseguinte.Em1934,Vargaselegeu-sepresidenteepromulgouumanovaConstituição.45 Esta segunda Constituição republicana, que marcavajuridicamenteofimdaRepúblicaVelha,mostrouqueadisputadepoderentreogovernofederaleasoligarquiaslocaisnãohaviaacabadocomamudançadoregime.

Embora tenha promovido mudanças profundas na organização doEstado, nas relações trabalhistas e na representação eleitoral, ficou“igualmente conhecida a marcante tendência centralizadora etecnocrática” de Vargas, “bem expressada nos Conselhos Técnicos”.Eleito presidente pela Assembleia Nacional Constituinte, Vargas“conseguiu instituir legalmente uma forma de conduzir as oligarquiaslocais,formando,paratanto,umaparatotecnocrático”.46

As atribuições do presidente pela Constituição de 1934 estavamdefinidaspeloartigo56,eincluíamdesde“sancionar,promulgarefazerpublicarasleis”aexercerachefiasupremadasforçasmilitaresdaUnião,“declarar a guerra, depois de autorizado pelo Poder Legislativo”, e a“intervir nos Estados ou neles executar a intervenção, nos termosconstitucionais”.47

Mas a Constituição de 1934 teve vida curta. As tensões sociais,políticas e econômicas no país, além de um suposto plano comunistapara derrubar o governo (Plano Cohen), foram a justificativa políticaideal para que, em 1937, Vargas outorgasse uma nova cartaconstitucional.48EramaisumgolpedeEstadoparaahistóriadainfâmiapolíticabrasileira,e,maisumavez,compreocupaçõeslegais.Porisso,aConstituição preservou o regime republicano, o federalismo e opresidencialismo,mas,naprática,converteuopresidenteemditadoreoEstado revolucionário em autoritário. O “Estado Novo” de Vargas de“novo”sótinhaonome.

Imbuída do espírito revolucionário, a Constituição definia opresidente,emseuartigo73,como“autoridadesupremadoEstado”,que“coordena a atividadedos órgãos representativos, de grau superior”, eque “dirige a política interna e externa, promove ou orienta a políticalegislativadeinteressenacionalesuperintendeaadministraçãodopaís”.

Ao garantir amplos poderes para si próprio, Vargas fez o que tododitador costuma fazer: fechou o Congresso, outorgou uma novaConstituição,atribuindoaoExecutivoocontroledospoderesLegislativoeJudiciário,edeterminouaproibiçãodospartidospolíticos.Seugovernotambém perseguiu, torturou e matou opositores, e quem mais fosseconsiderado inimigo.49 O chefe de polícia do governo Vargas, FilintoMüller,50 ficou conhecido tanto pela diligência comque cumpria o seutrabalho quanto pela despudorada simpatia pelo regime nazista. Umdemocrata.

Em 1937, Müller teria passado um ano em Berlim recebendotreinamentodaGestapo e sido condecorado comaOrdemdePrimeiraClassedaCruzVermelhaporHeinrichHimmler,51opoderosodirigentenazista responsável pela implementação e controle dos campos deconcentração.

ArepressãopolíticaduranteogovernoVargasfoiinstitucionalizadaelegalizada. Um estado de exceção foi juridicamente arquitetado,suspendeu direitos fundamentais e criminalizou certas atividadespolíticas, as que representassem ameaça à ordem estatal.52 A Lei deSegurançaNacionaleasconstituiçõesde1934ede1937eramocoroláriodaquela mentalidade política que estabelecia a supremacia do Estadosobreasociedadebrasileira.

Criou-se,assim,umEstadopolicialqueatribuiutantopoderaosseusrepresentantesqueeles,gradualmente,não conseguiammaisdistinguirentreosinimigosreaiseosimaginários.Oônusdaprovafoiinvertidoequalquerumeraconsideradocriminosoatéqueprovasseocontrário.

A legalização da repressão também foi realizada durante o regimemilitar,de 1964 a 1984, embora aditaduradeVargas tenha sidomuitomaisviolenta.Ambososcasossãoexemplares,cadaumaseumodo,dapeculiar preocupação dos nossos governos em dar um verniz de

legalidade ao combate contra seus adversários e inimigos políticos.Mesmocomomonopóliodaviolência,ogoverno tenta legitimarousodarepressãopolíticacomoumacategoriaespecialdecontrolesocial.

AnaturezadaconcepçãodeVargassobrearelaçãodoEstadocomasociedade foi apresentada publicamente num discurso feito em SãoPaulo,nodia23dejulhode1938,emagradecimentoaumamanifestaçãotrabalhista. Vargas disse que “o Estado Novo não” reconhecia os“direitosde indivíduos contra a coletividade”, pois “os indivíduosnãotêm direitos, têm deveres”, e os “direitos pertencem à coletividade”.CaberiaaoEstadosobrepor-se“àlutadeinteresses”,garantir“osdireitosdacoletividade”e exigiro cumprimentodos“deverespara comela”.53

Esta posição política tem uma natureza similar à concepção coletivistadesenvolvida por J. J. Rousseau no seu famosoO contrato social, o quecomprovaoinfortúniobrasileironaimportaçãodeartigosfrancesesquedeveriaterselimitadoaosqueijosevinhos.

Vargas também afirmou que “as leis trabalhistas” criadas em seugovernoeram“leisdeharmoniasocial”.54Aregulamentaçãodotrabalho,odireitoàaposentadoria,acarteiradetrabalho,aJustiçadoTrabalho,osaláriomínimoeodescansosemanaltiveramumenormeimpactosocial.A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), de 1943, continua sendouma das realizações mais elogiadas e duradouras do varguismo, ecorrespondeu“aoidealcastilhista—epositivista—daincorporaçãodoproletariadoàsociedade”.55

O curioso dessa história é que os primeiros críticos da legislaçãotrabalhistadeVargasforamoscomunistas,quepassaramaacusaraCLTde ser uma cópia da Carta del Lavoro criada pelo governo fascistaitaliano.AacusaçãofoiumarespostaàpolíticadecombateaosmarxistasempreendidapelogovernoVargasapósaintentonacomunistade1935.56

Décadas mais tarde, comunistas e socialistas se tornariam ferrenhosdefensoresdaCLT,eosliberais,seuscríticosmaisvigorosos.

Mas se não era uma cópia da Carta del Lavoro, em que o governoVargassebasearaparacriá-la?ACLTteriasidoinspiradanumconjuntodefontes:na“RerumNovarum”,encíclicadopapaLeãoXIIIde1891,emalgumas teses apresentadasno ICongressoBrasileirodeDireito Social,na “OIT e suas recomendações e convenções”, nas “Constituiçõesocidentais modernas do século XX”, na “Revista do Trabalho e osboletinsdoMinistériodoTrabalho, Indústria eComércio”, em“algunspareceresdosgrandesjuristasdaépoca(OliveiraVianaeOscarSaraiva)”eem“processosjudiciais”.57

OprestígiodaCLTdesde a sua criação até hojepode ser explicadopela satisfaçãode interessesdeumaparceladapopulaçãoque se senteeconomicamente desprotegida e em desvantagem na relação com osempresários. A legislação também serve como um consolo ideológicopara todos aqueles envolvidos na sua aplicação, ou seja, juízestrabalhistas, promotores, defensores públicos, advogados, políticos,sindicalistasemilitantessocialistas.

Essencialmente manipuladores, “os programas decorrentes dalegislação social de Vargas” podiam ser qualificados como “técnicasenganosasempregadasparacanalizaraenergiadegruposemergentes—principalmentedasclassesmédiasetrabalhadorasassalariadaseurbanas—paraentidadescontroladaspelogoverno”.58

Era compreensível que esse tipo de política fosse aceito, pois aspropostas de Vargas prometiam “melhores condições de trabalho,garantia de emprego e oportunidadede habitação subsidiada”.59Nadamudoude láparacá:quantomaispobreumpaísemaisdependenteasuapopulaçãodaajudaestatal,maisprestígioeapoioteráumprogramadeajudaaosmaisnecessitados.

As leis sociais eram parte do projeto de Vargas para reestruturar oEstado a partir da concentração de poder e de um amplo, geral e

irrestritoprogramadeintervençãopolíticaeeconômica.Oprojetoincluíaa “criaçãodas autarquias reguladoras da produção e do comércio” e a“promulgação de programas e normas que legitimavam a posse, pelogoverno,demeiosdecisivosparaconduziravidaeconômica”.60

Paradesempenharessepapel,ogovernoVargascriouváriosórgãosdestinados a intervir na economia brasileira: Conselho Federal deComércioExterior,ConselhoTécnicodeEconomiaeFinanças,ConselhoNacional do Petróleo, ConselhoNacional de Águas e Energia Elétrica,Departamento Nacional do Café, Instituto do Açúcar e do Álcool,InstitutoNacionaldoMate,InstitutoNacionaldoSal,InstitutoNacionaldo Pinho, Comissões Executivas de Frutas, do Leite, de Produtos daMandiocaedaPesca.

O controle da economia também exigiu a criação das primeirasgrandes empresas estatais para produzir tudo aquilo que fosseestratégicoaodesenvolvimentoeconômicodopaís.Comistoemmente,o governo Vargas fundou a Companhia SiderúrgicaNacional (1940), aCompanhiaValedoRioDoce (1942), aCompanhiaNacionaldeÁlcalis(1943), a Fábrica Nacional de Motores (1943) e a Companhia HidroElétricadoSãoFrancisco(1945).

Ogovernotambémcriouumprogramacomafinalidadedeapoiaroimportante segmento do café.Mas apoio estatal, sabe-se, é como fazeracordocomodiabo.Nãodeuoutra.Aajudagovernamentalresultouem“fixação de preços e controle de produção” e no “controle cambialimplantadoem1931”.Alémdisso,“oCódigodeÁguas,sancionadoem1934,foiumcompletoinstrumentoderegulaçãoqueconferiuaoEstado,entreoutrasatribuições,opoderdefixartarifaselétricas”.61

Nadécadade1940,emvirtudedeumasolicitaçãofeitapelogovernoVargas para que fosse elaborado um relatório sobre a necessidade deumapolítica industrialecomercialparaopaís,oseconomistasEugênio

Gudin Filho e Roberto Simonsen travaram um dos mais interessantesdebatessobreo intervencionismonoBrasil,masnãoseria inapropriadofalaremmassacreintelectual.

Simonsen,dotadodepoucosrecursostécnicos,argumentouemfavordaplanificaçãodaeconomiabrasileiraparaprotegeraindústrianacionale foi engolido pelas críticas de Gudin, que apontou as falhas econsequências negativas da intervenção do governo e defendeu aliberdade de mercado e a abertura do país aos investimentosestrangeiros.62

Ao contrário da proposta de Simonsen sugerindo a interferência doEstado na vida econômica do país como meio de estimular aindustrialização,oeconomista“Gudinreafirmousuavelhatese:oEstadonão deveria se meter onde naquele momento era chamado a agir emnomedoprogressoindustrial”.63

Apesar da superioridade dos argumentos de Gudin, a tese dointervencionismo, mais uma vez, saiu politicamente vitoriosa porque,afinal,qualéopolíticoqueendossaráumaposiçãoqueofaçaperderocontroledasituaçãoe,claro,opoder?

Antes mesmo desse episódio, Gudin já era um crítico vigoroso dogoverno Vargas. Em seus artigos para os jornais, tentava mostrar anaturezapolíticaeasconsequênciasdamentalidadeintervencionistanopoder. E não apenas exerceu uma qualificada oposição ao varguismo,masa“todosaquelesqueinterpretoucomoossucessoresdeseulegado:JuscelinoKubitschek,JoãoGoularteLeonelBrizola”,alémdosmilitarescandidatos à presidência “Eurico Gaspar Dutra e Henrique TeixeiraLott”.64

AsestatizaçõestambémforamumamarcadoEstadoNovo.Em1937,aCompanhiadeNavegaçãoLloydBrasileirofoiconvertidaemautarquiafederaldepoisdeterpassadoalgumasvezespormãosprivadaseestatais

desdeasuacriaçãoem1897.Em1940,asempresasprivadasCompanyofPortofParáeTheAmazonRiverSteamNavigationCompanyLtd.foramnacionalizadas e transformadas na estatal Serviço de Navegação daAmazônia e Administração do Porto do Pará (que, em 1967, seriadivididanaCompanhiaDocasdoParáenaEmpresadeNavegaçãodaAmazônia).

Em1942,comodecreto-leinº4.648,ogovernoVargasexpropriouporapropriaçãoaCompanhiaNacionaldeNavegaçãoCosteira.65Aempresapertencia ao empresário Henrique Lage, preso durante a revolução de1930porqueserecusaraaajudarnacampanhadeVargasàpresidênciaeassimtomarpartidonumaeleiçãoemquetinhaamigosdosdoislados.

Ogovernojustificouaapropriaçãodizendoqueaempresa,juntocomoutras, representava um valioso patrimônio de interesse da defesanacional,oquesignificavaqueseriamaisbemadministradapeloEstadodoquepelainiciativaprivada.Nãoseria.

Alémdisso,comodonodeempresasquedependiamdaautorizaçãodo Estado e que prestavam serviços para o governo, Lage tinha demanterboasrelaçõescomosgovernantes.Istosignificavaevitarqualqueratoquepudesseserconsideradohostilaogoverno.66

Por necessidade, senso de oportunidade e de sobrevivência, Lageconstruiu sua bem-sucedida vida de empresário mantendo relaçõespróximas com os governantes, incluindo Vargas. Foi beneficiado peloEstadoeajudouogoverno.Quandomorreu,em1941,suaOrganizaçãoLage estava endividada por causa dos empréstimos contraídos com ogoverno.Exato,EikeBatistanãofoiumpioneironessaárea.67

Vargas, aliás, não foi original. Em 1919, pelo decreto nº 11.806,WenceslauBrazdesapropriouosnaviosdaMarinhaMercantenacionalenquanto durasse a Primeira Guerra. A justificativa era tentar evitar

atritos com outros países caso houvesse venda das embarcações emvirtudedaneutralidadedoBrasilnoconflitointernacional.

Oditadortambémsoubeusaraseufavorainfluênciadasinstituiçõesintermediárias entre a sociedade e o governo. Além de controlardiretamente o sistema partidário e alguns partidos, foi muito bem-sucedidoaoutilizarossindicatoscomoinstrumentosdesuagestão.68Erauma estratégia eficiente de agregar o corporativismo ao seu modo defazerpolítica,comafinalidadedeneutralizarfontesdeconflitoscomoalutadeclassesoudiferençasideológicas.69

Dessa maneira, Vargas conseguiu controlar os trabalhadores e arelação dos sindicatos com os empresários, que também estavamsubmetidos ao poder do seu governo. De forma autoritária, praticavauma política de conciliação monitorada. Décadas mais tarde, o ex-sindicalista Lula iria aproveitar sua experiência de negociação comempresários para, uma vez na Presidência da República, aprimorar ocontroleeousopolíticodossindicatos.

Emrelaçãoàlegislaçãosindicalbrasileira,háumtoqueexcêntricoemsuahistória.Odecretonº19.770de1931,“queregulouasindicalizaçãodas classespatronais eoperárias e introduziuaunicidade sindical”, foielaborado “por grandes juristas de filosofia confessadamente deesquerda:EvaristodeMoraes,primeiroconsultor jurídicodoMinistériodo Trabalho e fundador do Partido Socialista Brasileiro; JoaquimPimenta, comunista; e Agripino Nazareth, da Bahia, um socialistaconfesso”.70Resumodaópera-bufa:oditadorcriouasleistrabalhistaseos sindicatos pelegos; os comunistas e socialistas criaram a legislaçãosindical.

A influênciapolíticanasassociaçõesdeclassenão foi inventadaporVargas,muito embora ele tenhadesenvolvidomecanismosprópriosdeconvivênciaedecontroledossindicatos.NoBrasilimpério,D.PedroIIjá

sustentava uma relação bastante íntima e financiava entidades como aSociedade Auxiliadora da Indústria Nacional (fundada em 1827) e oCorpodoComércio(criadoem1820e,em1867,rebatizadodeAssociaçãoComercial).71

O vínculo estabelecia um compromisso pernicioso entre governo einiciativa privada e informava aos empresários qual era o tamanho dopoderdeintervençãodoEstadonavidaeconômicadopaís.Orecadoeraclaro:sóháeconomiaprivadaporquehágoverno.

A preocupação de Vargas com os trabalhadores era um eco dopositivismoqueelesoubetrabalharmuitobempoliticamente.

A solicitude como trabalhador também era umadas bandeiras dossocialistas e comunistas brasileiros já na década de 1930. É curiosoobservar, em retrospecto, que dois grandes adversários ideológicos epolíticos, o ditador Vargas e o comunista Luís Carlos Prestes,compartilhavam uma concepção política bastante similar. Ambosolhavam para as parcelas mais pobres da população e para ostrabalhadores de cima para baixo, de maneira mais ou menospaternalista, e viam no Estado o grande instrumento de ação socialfundamentadonumabaseautoritária.

Como o Estado Novo estatizou a cultura e cooptou aintelligentsia

O projeto político de Vargas tornou-se não apenas um fenômenopolítico,mastambémcultural,graçasàcooptaçãodeintelectuaiscomoojá citado Oliveira Viana. Na década de 1930, o governo converteu acultura do país em assunto de Estado. Para exercer o domínio oficial,criou uma estrutura burocrática com orçamento próprio, atraiuintelectuais e certa intelligentsia (jornalistas, professores, escritores,artistas) e interveio “em todos os setores de produção, difusão econservaçãodotrabalhointelectualeartístico”.72

Comessa basemontada, o governopodia oferecer a eles “acesso àscarreiras e aos postos burocráticos em quase todas as áreas do serviçopúblico (educação,cultura, justiça, serviçosdesegurançaetc.)”.73Nesseprocesso de cooptação foi fundamental a atuação do ministro daEducaçãoeSaúde,GustavoCapanema,o trabalhodoDepartamentodeAdministração do Serviço Público, do Departamento de Imprensa ePropaganda(DIP)edesuarevistaCulturaPolítica.

Arevistaera“oprincipal‘órgãoteórico’dedifusãodoregimeestado-novista”.Tinhacomopropósitoorganizara“cultura,comumconteúdosocialmente útil e um sentido de orientação para o bem comum,coerentese solidáriosamboscomaorientaçãogeraldoEstadoecomopróprioritmodavidapolítica”.74

Emborahouvesseumapluralidadeideológicaentreoscolaboradores,haviaumahomogeneidadenodiscursopolíticoquenãoapenasmostrava“o caráter complexo da incorporação dos intelectuais ao regime”, mastambém que eles estavam “vinculados ao aparelho de Estado” ouparticipavam efetivamente da “montagem do projeto ideológicoautoritário”.75

Os textos que tratavam de temas políticos eram a prova de que “amaior parte da ideologia política do regime difundida em CulturaPolítica”era“formuladapelaburocraciadoEstadoNovo”,pois80%dosautoresdosartigosestavamdealgumamaneira“vinculadosàburocraciaestatal”ecolaboravam“comquase85%dototaldematérias”.76

Parte dos intelectuais se deixou atrair pelo Estado varguista porinteresseoupornecessidade,numaépocaemqueomercadodetrabalhoerabastantelimitadoeamador.Issofezcomque,“naviradadosanos30,[...] uma parcela dos jovens intelectuais, contando os de esquerda, seaproximassedosorganismosculturaisdoEstadoNovo,particularmentedasrevistascontroladaspeloDIP”.77

Enquanto alguns viram na estatização da cultura “uma espécie deguarda-chuvaparaodesenvolvimentodesuaatividadecriadora”,outros“aderiram de corpo e alma ao projeto estatal, certos de que, pormeiodele, estariam realizando uma missão com caráter público: amodernizaçãocomoformadecriaranação”.78

Nadapoderiasoarmaisagradávelàvaidadedosintelectuaisdoqueaproposta do governo de integrá-los no projeto para “transformar asociedade e a cultura vigente através de ações políticas articuladas,reivindicando a ‘liderançamoral da nação’, isto é, atuando como umaelitedirigente”.79

OtrabalhofoirefinadopeloministroGustavoCapanema,responsávelpor estabelecer “uma teia de relações com osmais diversos grupos deintelectuais do período”, que representavam diferentes orientaçõesideológicasepráticaspolíticas.Capanemaconseguiucooptarumaturmaque abrangia “grupos de intelectuais católicos, nos quais pontificavaAlceu Amoroso Lima, a intelectualidade autoritária com nítidasinfluênciasfascistas,tãobemexpressaporFranciscoCamposeAzevedoAmaral, os modernistas, nos quais elucidavam as figuras de CarlosDrummond de Andrade eMário de Andrade, além dos denominados‘educadoresprofissionais’comoFernandoAzevedoeAnísioTeixeira”.80

OpoetaDrummondserviuaumgovernoquefoi,defato,umapedranocaminhodopaís.

OfimdeVargasnãofoiofimdovarguismo

AfaceintervencionistadogovernoVargasnãofoiumaexclusividadebrasileira.Oambientepolíticonaépocaera favorávelà intervençãoeàmaior presença do Estado na vida política, social e econômica,especialmentedepoisdocrashdabolsadeNovaYorkem1929.

AteoriadoeconomistainglêsJ.M.Keynes,segundoaqualogovernodeveria intervir na economia em momentos pontuais, específicos e

cruciais, foi diligentemente acolhida pelos políticos (seus principaisbeneficiários)eintensificadaemváriaspartesdomundo.

NosEstadosUnidos,porexemplo,Rooseveltprolongouosefeitosdagrande depressão com medidas políticas equivocadas, vendidas aosamericanoscomoasoluçãomaisadequadaparaacrise.81Paralelamentee com uma mentalidade estatista similar, as ideologias totalitáriasascenderamaopodernaEuropa.

Presidente-ditador em exercício dotado de poderes constitucionais,VargasmanteveseuprojetodeestruturaçãodoEstado,dogovernoedaeconomia brasileira baseado na intervenção estatal e no nacionalismo.Mas a Segunda Guerra Mundial, iniciada em 1939, mudaria a vidapolítica de Vargas e do país — e o ditador se viu numa situação deinviabilidadepolíticaapósofimdoconfronto.

Simpatizante de regimes autoritários, Vargas conseguiu manter oBrasilnumaposiçãooficialdeneutralidadeaté1942medianteodecreto-lei nº 1.561, de 1939. Em 1941, logrou negociar um acordo com opresidente F. D. Roosevelt, que aceitou financiar a construção daprimeira indústria siderúrgica brasileira, a Companhia SiderúrgicaNacional, em troca de apoio no conflito. A contrapartida brasileiraincluía permitir que o governo americano instalasse bases militaresamericanasnaregiãoNordestedopaís.

Aposiçãodeneutralidade,porém,ficouinsustentávelapósosataquesaosnaviosbrasileirosporsubmarinosalemães.Semtercomocontinuarjustificando-a,Vargas decretou o estadode guerra em 31 de agosto de1942.

Em1945,comofimdosconflitoseavitóriadospaísesdemocráticos(Aliados)contraosautoritários(Eixo),fortaleceu-seaoposiçãoàditaduradoEstadoNovo.Vargasfoidepostoem29deoutubrodaqueleanoporum grupo de generais que tinha feito parte de seu governo. Ficou

impossível sustentar a ambiguidadedemanter umgoverno autoritárioque, no entanto, apoiara as democracias ocidentais na guerra contra onazismoeofascismoeuropeus.

A queda de Vargas, porém, criou um problema. Não havia quempudesse assumir o governo porque a Constituição de 1937 nãoestabeleceraafunçãodevice-presidente.Porisso,oentãopresidentedoSTF, JoséLinhares, foinomeado chefedogovernopelosmilitares até aeleiçãorealizadaem2denovembrode1945.

OpresidenteeleitofoiogeneralEuricoGasparDutra.Até9deagostode 1945, Dutra havia sido o ministro da Guerra do governo Vargas,forçado a apoiar a candidatura vencedora à presidência para não serexilado.Dutratomouposseem31dejaneirode1946eVargasseelegeusenadornomesmoano,quandodaconvocaçãodaAssembleiaNacionalConstituinte.

A Constituição de 1946, a quinta do país e a quarta do períodorepublicano, foipromulgadaem18de setembro.O texto constitucionalpreservouopresidencialismo,ofederalismoeaRepública,erestabeleceuademocraciaeosdireitosindividuais.Formalmente.Napráticapolítica,opaíspermaneceuondejáestava.

Isso significava preservar a estrutura centralizada do poder federal,com o suporte das poderosas instituições do governo criadas ealimentadas após a revolução de 1930. Decididamente, a queda deVargasnão representouum“rompimentoefetivocomas ideiaseaçõesbásicas do longo regime daquele presidente”.82 Caiu Vargas, ficou ovarguismo.

Cinco anos após ser deposto, ele venceu a eleição presidencial de1950, pelo voto popular, e retornou ao comando do país. Mas seumandato foi marcado por sucessivas crises políticas e, por fim, pela

tentativa fracassada de matar o jornalista, editor e político CarlosLacerda,seugrandeinimigo.

Lacerdafoiumdosmaisextraordináriospersonagensdavidapolíticanacional,quepassoudecomunistaaanticomunistaconservadorcatólicopor influência do escritor Alceu Amoroso Lima. Intelectual conhecido,Alceu era herdeiro intelectual de Jackson de Figueiredo, criador doCentro Dom Vital no Rio de Janeiro, em 1921, e que exerceu enormeinfluência no pensamento católico baseado num tradicionalismoreacionárioanticomunistaeantiliberal.Figueiredodefiniuumprincípioprogramático fundamentado na ordem, na autoridade, na legalidade enuma posição antirrevolucionária. Graças a esse trabalho, oconservadorismocatólico se tornouuma forçaatuantee com influêncianapolíticanacionaldaépocaenasdécadasseguintes.83

Nessa linha,Lacerdaachavaqueasociedadeprecisavadeumabasemoral sólida, elementoqueorientava sua costela liberal e condicionavasua concepção de liberdade, sempre ancorada no papel a serdesempenhado pelo Estado. Mais interessado pelo poder do que pelapolítica, foiomelhorgovernadorque jápassoupeloRiode Janeiroeomaiorconspiradorpúblicodahistóriabrasileira.

Umdosmais conhecidos agentes do golpemilitar de 1964, Lacerdaapostou suas fichas na intervenção por achar que esta lhe abriria asportas para sua eleição à PresidênciadaRepública. Só faltou combinarcom osmilitares, que, ao cassá-lo, determinaram o fim de sua carreirapolítica.

Masumadécadaantesdisso,Lacerdaforaalvodeumatentadocujainvestigação policial apontou Gregório Fortunato, segurança particulardeVargas,comomandantedocrime.Tudoindica,porém,queoburacoera mais embaixo do que aquele aberto pelo tiro no pé de Lacerda, eenvolviaoirmãoealgunsapoiadoresdopresidente.84

Em1954,acuadodiantedapossibilidadedeserdepostoouobrigadoamaisumavezrenunciar,Vargassesuicidou,deixandoumlegadonadahonroso para a política nacional.O país teria sido outro sem ele? Semdúvida, mas, como a história política nos ensina, é sempre possívelpiorar.

7

Esses presidentes extraordináriose suas máquinas estataisinterventoras

Adeus, Vargas. Olá, JK. Ou de como a política podesemprepiorar

Finda a era Vargas, com a imprescindível ajuda dele próprio, apolíticabrasileiraconfirmouocélebreprovérbiodobarãodeItararé:deondemenosseespera,daíéquenãosainada.

Com o suicídio de Vargas, o vice-presidente Café Filho assumiu ogovernoem24deagostode1954.Suapresidênciaficoumarcada“pelosinsucessosdapolíticade estabilização tentadaporEugênioGudinedatentativadeimplementaçãodeumareformacambialortodoxaporpartedeJoséMariaWhitaker,quevisavaeliminarochamadoconfiscocambialaoscafeicultores,deformaquetalgovernonãocontribuiuparaamenizarasituaçãoaserrecebidaporKubitschek”.1

Posteriormente, Café Filho foi obrigado a se afastar do cargo porcausa de um distúrbio cardiovascular. Quando se preparava parareassumirapresidência,oCongressoNacionalvotouoseuimpedimentodiantedasuspeitadeenvolvimentonaconspiraçãoparaevitarapossedeJuscelinoKubitschek, vulgo JK, e de JoãoGoulart, vulgo Jango, eleitospresidenteevice-presidenteporvotodiretoemoutubrode1954.

CoubeaopresidentedaCâmaradosDeputados,CarlosLuz,assumiro cargo em 8 de novembro de 1955. Mas Luz teve um mandato-relâmpago. Presidente por três dias, foi afastado pela mesma suspeitaque recaíra sobre Café Filho após substituir o ministro da Guerra, ogeneralLott,notóriodefensordapossedosrecém-eleitos.Apresidênciafoientãotransmitidaaovice-presidentedoSenado,NereuRamos,em11denovembrode1955.

O momento político era delicado. A União Democrática Nacional(UDN), partido formado por vários inimigos de Vargas, exigiu novaseleiçõessobaalegaçãodequeJK,doPartidoSocialDemocrático(PSD),não conseguira a maioria absoluta dos votos. O general Lott foifundamentalparaaaçãopolíticaconhecidacomo“golpedalegalidade”,quegarantiuqueJKeJoãoGoularttomassemposseem31dejaneirode1956.Durantetodooseumandato,KubitschekenfrentouforteoposiçãodaUDNedemilitares.

O governo JK ficou conhecido pelo ambicioso projeto dedesenvolvimentoeconômicoqueprometia cinquentaanosdeprogressoem cinco anos de gestão, e pela construção da nova capital do país,Brasília.Poucospresidentesconseguiramsertãobem-sucedidosemdoisgrandesfracassos.

Quando JK assumiu a presidência, omundo vivia ummomento deefervescênciapolítica, econômica e cultural.E ele soubeutilizá-la a seufavor exercitando o seu carisma, charme pessoal e uma extraordináriahabilidade para atuar no universo político. Virou o presidente bossa-nova.

Mas o Brasil, ainda bastante atrasado em vários setores, carente deinfraestrutura básica, de saneamento a estradas, de ferrovias a portos,comgraves problemas sociais, de ensino e de qualificaçãoprofissional,precisava de capitalismo, não demais Estado. JK, por sua vez, achava

possível que o governo pudesse ser o motor do desenvolvimentonecessárioe conseguisseorientarpositivamentea transiçãodopresentedepobrezaparaofuturocrescimento.

A construção desse novo Brasil passava pela contratação deempreiteiras,que,deempresaslocais,passaramaterdimensão,podereinfluência nacional. Contratadas para realizar as obras do governofederal,tornaram-separtenãooficialdaestruturadoEstadoeelementofundamental do financiamento político que ganhou escala a partir doregimemilitar2efoiaperfeiçoadonogovernodoPT.

MesmotendoherdadoproblemasdogovernoVargas,incluindoumainflação ascendente, JKnãohesitou em expandir o papel doEstadonaeconomia.OsímbolomaiordesuaadministraçãofoioPlanodeMetas,nome pomposo para designar um irresponsável projeto dedesenvolvimentocomandadopelogoverno.

Apesardeoplanopartirdeumaideiacorreta,queera identificarosproblemas e os setores críticos que atrapalhavama economia brasileiracomafinalidadedesuperá-los, tinhaemsuaorigemoerrofatal,muitopopulartantonaépocaquantohoje:pretenderresolvê-loscomamesmaaçãopolíticaqueoscriou,ointervencionismoestatal.

Um órgão governamental que desempenhou umpapel ideológico etécnico relevante no governo JK foi o Instituto Superior de EstudosBrasileiros (ISEB). Criado pelo governo de Café Filho em 1955, eravinculado ao Ministério da Educação e Cultura e tinha como missãoestudar, ensinar e divulgar as ciências sociais, e aplicar os resultadosdessetrabalhoparaanalisarecompreenderarealidadebrasileira.

O objetivo, portanto, não se resumia a transformar o ISEB numempreendimento intelectual,mas convertê-lo num centro de influênciapolítica para o desenvolvimento do país em bases nacionalistas edesenvolvimentistas.Emsuma,maisgoverno.

Os intelectuais envolvidos no ISEB tinham a convicção de que odesenvolvimento do país exigia uma política nacionalista queintensificasse a industrialização. Só assim o Brasil conseguiria crescerpreservandoasoberanianacional.Adiscussãointernaentreosmembrosdoinstitutoerase“oISEBdeveriaaceitaramaiorparticipaçãodocapitalestrangeiro no desenvolvimento” ou se deveria “radicalizar a posiçãonacionalista”.3

A posição radical foi vencedora, mas o governo JK manteve a suaorientação:admitiuaparticipaçãodo investimentoexternoebeneficiouváriosgruposempresariaisnacionais.

Em suas intervenções públicas, JK imprimia esse tom de maneirapeculiar. A tão elogiada habilidade política para lidar com diferentessituações também podia ser verificada na maneira como utilizou odiscursoparadefenderedifundirodesenvolvimentismoestruturadoem“três conceitos básicos: industrialização, intervencionismo pró-crescimento e nacionalismo”.4Mas o tripénão se sustentavaporque sebaseavanumoximoro.

Umdosartíficesdodesenvolvimentismo,que,inclusive,atuou“comoumdos executoresdoPlanodeMetasdogovernoKubitscheck”,5 foi oeconomista Roberto Campos. Em 1952, no segundo governo Vargas,Campos fora um dos criadores e diretor do Banco Nacional deDesenvolvimento Econômico (BNDE), do qual se tornou presidentedurante o governo de JK. Posteriormente, abandonaria a ideologiaestatista e se tornaria um dos mais conhecidos e aguerridos liberaisbrasileirosdoséculoXX.

O BNDE foi criado para ser o órgão responsável pela formulação eexecuçãodapolíticaestataldedesenvolvimentoeconômiconumaépocaemqueopaíspraticamentenãotinhainfraestrutura,principalmentenasáreas de energia e transporte. Trinta anos depois, em 1982, o banco

amplioua suaatuaçãoeganhouoS,de social,na sigla,maso espíritoquejustificavaasuaexistênciasemanteveomesmo.Oquemudoufoiaposição de Roberto Campos em relação à atuação do Estado e dogoverno.Seantesaresponsabilidadeeradogoverno,“amelhorpolíticaindustrial”passouaser“deixaroindustrialempaz”.6

Tendo sido também um dos criadores do Banco Central (BC) nogoverno de Castelo Branco, do qual foi ministro do Planejamento,Camposlamentouem1996queainstituiçãotivessesetransformadonumFrankenstein. Junto com aCaixaEconômica Federal e comoBancodoBrasil, o BC dividia a responsabilidade de socorrer “principalmente osbancos privados e [...], principalmente, os bancos públicos e governosestaduais”. Quando perguntado “se era ou não a favor da‘independência’doBC”,Camposdavaumaresposta“dotipoexistencial:seráqueomonstrodeveexistir?”.7

OgovernoJKtinhanaturezaclaramenteintervencionista,mesmoquea atuação do governo estivesse em parte direcionada a estimular ainiciativa privada numa época em que os empreendedores nacionaissofriam as consequências do péssimo ambiente de negócios criado emantido pelo Estado e precisavam de linhas de financiamento. ApresidênciadeJKjuntouafomecomavontadedecomer.

Em virtude da intensa atuação do governo na economia, asconsequências da gestão de JK não tardaram a aparecer: aumento dosgastos públicos, endividamento, desestabilização monetária, impressãode moeda, inflação, aumento de impostos, desequilíbrio da balançacomercial, criação de órgãos como a Superintendência doDesenvolvimentodoNordeste (que semostrou ineficiente e corrupta efoiextintaem2001)esubsídioseconcessãodeempréstimosasegmentoseconômicosconsideradosestratégicos,umeufemismoparaqualificaraspolíticasdestinadasabeneficiarsegmentosempresariaisdeinteressedogoverno.

Tudoissoembaladonumpopulismosuave,comdiscursonacionalistae evocação da soberania nacional. Ardilosamente, JK estimulou a lutaentreasalasdesenvolvimentistaemonetaristadoseuprópriogoverno—e utilizou o conflito a seu favor. Para completar o circo de horrores, ogovernorompeucomoFundoMonetárioInternacional (FMI)emjunhode1959.EssetipodeposturaperanteoFMIinfluenciariaváriospolíticos,partidosegovernossocialistasnopaís.

Impulsionada por políticas econômicas artificiais e incentivostentadores, a industrialização foi anabolizada, as pessoas conseguiamcomprar (geladeira, TV, carro) e a economia brasileira cresceu. Noentanto, os resultados positivos, a euforia pública diante deles e odiscurso nacionalista do governo serviram para esconder os gravesdefeitosdagestãoJK.Opresidenteerabossa-nova,masquemdançoufoiasociedadebrasileira.

Nemasdecisõescorretasdesuaadministração,comoadedeixardeatrapalhar a iniciativa privada nacional e internacional, que abriufábricaseinvestiupesadonoBrasil,8foramcapazesdeminimizarosseuserros.Parapiorarasituação,houveumagrandequedanasexportaçõesdos principais produtos brasileiros em razão da forte depressão nomercadointernacional.

O que fez JK? Deixou a batata quente na mão do sucessor JânioQuadroseacontadafarraparaasociedadebrasileirapagar.EelaveioemformadequedadoProduto InternoBruto (PIB)emaisaumentodainflação.

Jânio Quadros, o presidente sem bossa que tocavavassourinha

JânioQuadros talvez tenha sido a figuramais excêntricadapolíticabrasileira.Advogadoemaçom (maisum), construiuuma improvável emeteórica carreira em São Paulo se elegendo sucessivamente vereador

(1948),prefeito(1953)egovernador(1954).9Semsermembrodefamíliaimportante,ricooudonodejornal,conseguiupotencializarpoliticamenteseu carisma populista e personalista, assim como fizeram FlorianoPeixotoeGetúlioVargas,comumdiscursodecombateàcorrupçãoeàimoralidade.

Naprefeituraenocomandodogovernoestadual, Jânio fez famadebomadministradoredepolíticoindependente.Aoselançarcandidatoàpresidência, ganhou votos ao se apresentar como alguém que nãopertenciaàelitepolíticatradicional.10Colou.

A aparência de novidade conquistou apoio de pequenos e grandespartidos, como aUDN, e convenceu os eleitores. Em outubro de 1960,elegeu-se presidente com uma vassoura na mão, prometendo varrer acorrupção.JoãoGoulart,denovo,foieleitovice-presidente.Naépoca,oscandidatos eram escolhidos por votação independente, ao contrário dehoje.

SeacarreirapolíticadeJânioQuadrosfoimeteórica,asuapresidênciafoi relâmpago. E pode ser resumida parafraseando Júlio César:11 vim,blefeieperdi.

Asortedopaísfoiogovernoterduradoapenassetemeses.Commaistempo,oestragopoderiatersidomaior.Jâniosemostroucompletamentedespreparado para exercer a função. Imprevisível, sem talento epaciência para negociar e conciliar, conseguiu desagradar, inclusive,aquelesqueoapoiavam.

Jânio Quadros assumiu a presidência com o desafio de “sanear osdesequilíbrios econômicos externos e internos herdados daadministração JuscelinoKubitschek”.12 Para isso, adotou umprogramade ajuste das finanças públicas, para reduzir os gastos de governo eaumentarareceitatributária,conseguiuaprovarumareformanosistemacambialecomeçouanegociaradívidaexterna.

Asdecisõespareciamseracertadas,masoresultadofoidiferentedoesperado. Apesar de a arrecadação ter aumentado “consideravelmentenotrimestreseguinte”,asdespesas,aocontráriodoqueforaplanejado,aumentaram “nas mesmas proporções, enfraquecendo o programa deajustedasfinançaspúblicas”.13

Há trêspossíveis explicaçõespara isso: a inexistênciade instituiçõesadequadas para as decisões tomadas, a limitação dos instrumentos depolítica econômica e de técnicos na época e a necessidade de Jânio deadotar medidas populistas para estimular o crescimento econômico eassim agradar empresários e a população, mas que inviabilizaram oprojetodeestabilização.14

Alémdos problemas econômicos, Jânio deixou aflorar a sua costelaautoritária, se indispôs com os parlamentares e tentou deslegitimarpublicamenteoCongressoNacional,algoqueFernandoCollordeMellofariadécadasmaistardecomsemelhantecompetência.

No discurso de posse, deu mostras do que pretendia ao destilarposiçõesintervencionistas.Jânioafirmouqueogovernoera“oconstrutore o supervisor da fortuna coletiva” e que a democracia deveria serfortalecida “mais e mais, mediante a ação do Estado no campo dainiciativa particular, orientando, empreendendo, complementando,atentaàsnovasexigênciasdemográficasesocioeconômicas”.15

Expondo sua visão de forma direta, declarou que seu objetivo napresidênciaera“multiplicarosórgãosdamecânicademocrática,fazendoquesurjam,aoladodostradicionais,outros,maispróximosdasmassas,que deem a estas a representação a que fazem jus, com participaçãoefetiva nas responsabilidades governamentais”.16 Presumo que o PT,com sua proposta de estatização voluntária das ONGs a serviço dopartido,subscreveriaintegralmenteessaperspectiva.

No âmbito das relações internacionais, Jânio adotou uma políticaexternaindependente,queserviuparaaprofundaracrisecomosaliadosdomésticos e internacionais, comoogovernodosEstadosUnidos,numperíodoemqueaGuerraFriasedesenvolviaemaltatemperatura.Comoparte de seu projeto, restabeleceu as relações diplomáticas com paísessocialistas,comoaUniãoSoviéticaeaChina.

A cereja do bolo dessa política externa independente foi receber econdecorar emagostode 1961 o terroristaErnestoCheGuevara comaOrdem Nacional do Cruzeiro do Sul, a mais alta do país. Guevara,conhecido pela delicadeza com que matava os inimigos e os colegasrevolucionários, eraministro daEconomiadeCuba e quase quebrou opaís em tempo recorde. Logo depois, Fidel Castro preferiu vê-loespalhando a revolução em outros países a continuar arruinando asfinanças de Cuba, o que ele próprio trataria de fazer depois de formalenta,gradualesegura.

Jânio conseguiu tornar insustentável a sua permanência napresidênciae,seguindooseucomportamentoimprevisíveleautoritário,renunciounodia25deagostode1961.Nacarta-renúncia,escreveuqueforavencidopela reaçãode “forças terríveis”quehaviam se levantadocontraele.17Emaisnãodissenemlhefoiperguntado.

Tudo indica que a renúncia foi ummalsucedido blefe político parapotencializaroapoiopopulareconseguirsustentaçãopolítica, inclusivenoCongressoNacional.JânioesperavaqueosparlamentarescedessemàsuaambiçãodeterampliadosospoderesdoPoderExecutivoparaevitarumacrisepolítica.MasoCongressoaceitouarenúnciaeJânioficouaveralambiques. Era o início de uma grave crise institucional, que abriuespaçoparaogolpemilitarem1964.

Jânioentrariaparaahistóriabrasileirapelainesperadarenúncia,pelasfrases de efeito em português castiço e por beber como nenhum outro

presidente (incluindo, talvez, Lula). Tornou-se célebre a frase em queharmonizou o seu respeito à norma culta com a sua disposição etílica:“Bebo-oporqueélíquido,sefossesólidocomê-lo-ia.”

AmorteeamortedeJoãoGoulart

Quando Jânio Quadros renunciou, João Goulart estava em visitaoficial no lugar mais inapropriado para se estar naquele momento:China. Foi informado sobre a renúncia e voltou nomeio do turbilhãopolítico. Eramais um advogado que se tornava presidente.Mas quaseperdeuocargoantesmesmodetomarposse.

JoãoGoulartnãoerabem-vistopormilitares,políticoseporumaeliteintelectual e econômica, que tentaram impedir que assumisse apresidênciasobajustificativadequeoseugovernoseriaumaameaçaàordem e às instituições do país. O Congresso, no entanto, rejeitou opedidodeimpedimentonodia29deagostode1961.

Aalternativaencontradaparaumasoluçãopolíticapacíficafoilimitaros poderes do presidente. No dia 2 de setembro, foi aprovada umaemendaconstitucionalqueestabeleceuumaconsultapopularparaqueoseleitorespudessemescolher o sistemadegoverno, presidencialismoouparlamentarismo.

Empenhado na campanha pelo retorno do presidencialismo eenfrentandosériosproblemaspolíticos,econômicosesociais,Goulartviuseus poderes de presidente restaurados com a vitória no plebiscitorealizado em 6 de janeiro de 1963. Era o fim da curta experiênciaparlamentaristanoBrasil.18Eleaindatentou,àmaneiraautoritáriaquesefazia tradicional na política brasileira, dar um golpe ao pedir aoCongresso que fosse decretado o estadode sítio,mas foi “abandonadopelaesquerda,querepeliuamanobra”.19

Seus atos na presidência soaram como provocação de um políticoconsiderado socialista desde que atuou comoministro do Trabalho do

governoVargas (entre 1951 e 1954), buscou avançar comuma reformaagráriaeaumentouem100%osaláriomínimo.Comopresidente,tentounovamenteemplacarumareformaagráriaetomoudecisõespolíticasqueem nada ajudaram a resolver o aumento da inflação e a queda docrescimentoeconômico.

Goulartimpunhaasuaagendapolítica,masascondiçõeseconômicassedeterioravam,“comcrescimentobaixoeinflaçãoacelerada”,editavamo ritmo dos conflitos políticos. Para agravar a situação, “cessaram osinvestimentos externos” e “importantes elites civis e grupos militares,com o apoio dos EstadosUnidos, estavam cada vezmais empenhadosnuma intervençãocastrense (militar)paradeporGoulart—oqual,porsuavez,agiademaneirapoliticamentetemerária, indocontraaopiniãoatédoscolaboradoresmaispróximos”.20

Agotad’águafoiaparticipaçãodopresidentenumcomíciorealizadonodia13demarçode1964,emfrentedoEdifícioCentraldoBrasil,noRiodeJaneiro,equeteriareunido150milpessoas.AexemplodeVargase de Jânio Quadros, João Goulart fez da acusação às elites políticas eeconômicas um instrumento retórico para angariar o apoio dosmanifestantese,comisso,tentarpressionarosadversárioseosmembrosdoCongresso.

A luzvermelhaacendeunãoapenaspelo tom ferozedesafiadordoseu discurso,mas com o anúncio de que havia assinado dois decretosclaramente autoritários e intervencionistas. O primeiro declarava “deinteressesocialpara finsdedesapropriaçãoasáreasruraisque ladeiamoseixosrodoviáriosfederais,osleitosdasferroviasnacionais,easterrasbeneficiadasou recuperadaspor investimentosexclusivosdaUniãoemobras de irrigação, drenagem e açudagem, atualmente inexploradas ouexploradas contrariamente à função social da propriedade, e dá outrasprovidências”.21Osegundoestatizavaeexpropriava todasas refinariasprivadas de petróleo em operação no país. As empresas passariam “a

pertencer ao povo” e “ao patrimônio nacional”, um eufemismo para opovopagaacontaeospolíticosserefestelam.

Para coroarodiscurso,Goulartdeclarouquea suadecisãoeraumahomenagem ao “grande e imortal Presidente Getúlio Vargas”,22 cujagrandezaeimortalidadetinhamamedidadesuaaltura:1,60metro.

NocomíciodaCentral,opresidenteincendiouamultidãoqueestavapresente,mas tambémcolocoufogonoprópriogovernonummomentoextremamenteconturbado.Noanoanterior,nodia6dejaneirode1963,seu discurso na sede do Automóvel Clube já tinha provocado umestrago.Earevoltadosmarinheirosnodia25demarçode1964ajudouaagravar a situação política, contribuindo para desestabilizar as ForçasArmadas,que, “baseadaemprincípios simples, claros e antigos, estavaemprocessodedissolução”pelaquebra“dadisciplinaeahierarquia”.23

Nodia1ºdeabrilde1964,comoaumentodaradicalizaçãopolítica,comaperda,desinteresseoufaltademeiosparaajudarosaliados,comapressão de uma parcela influente da sociedade e dos militares, opresidentefugiuparaosuldopaíse,nodia4,paraoUruguai.

No dia 2 de abril, após a declaração do Congresso de que apresidênciaestavavaga,opresidentedaCâmaradosDeputados,RanieriMazzilli, assumiu interinamente o governo. Mas a manobra foiinconstitucional,poisGoulartaindanãohaviadeixadoopaíse,portanto,não cabia a acusação de que viajara sem prévia autorização doCongresso.24Depoisele,defato,partiuparaoexílio.Nodia10deabril,teveosseusdireitospolíticoscassadospordezanoseem1976faleceunaArgentina.

A desgraça para o país foi o fato de o debate sobre as alternativaspolíticasseresumiràmanutençãodocaospolíticogeradopelogovernoJoão Goulart e à instauração da ordem por um golpemilitar.Mas erauma época de clivagem ideológica bastante evidente e dura, com

ameaçaseatospolíticosconcretos,frutonãoapenasdaGuerraFria,masdo desdobramento da própria experiência política do Brasil,especialmente a partir do golpe republicano em 1889. Se hoje asjustificativas que levaram à derrubada do presidente pareceminsatisfatórias,naépocaasociedadenãoesperavaqueaatuaçãomilitardegenerasse em uma ditadura, o que torna o apoio civil, naquelecontexto,perfeitamentecompreensível.

Setenta e cinco anos depois do golpe republicano, as elites política,econômica,intelectualemilitarvoltaramaseunir,dessavezporrazõesdiferentes, para realizar um segundo golpe militar. Ao fazê-lo,assumiram os riscos de uma nova ditadura, que duraria muito maistempo do que as dos governos de Deodoro da Fonseca e de FlorianoPeixoto, os dois militares que inauguraram a história republicana epresidencialistanopaís.

Ahistóriaserepetecomoditadura,nãocomofarsa

Eisumdosdilemasdapolítica:“Democraciaéquandoeumandoemvocê, ditadura é quando você manda em mim.” Certamente paradesgosto de seu autor Millôr Fernandes, a frase foi mais uma vezconfirmadanahistóriabrasileira.Nodia15deabrilde1964,teveinícioomais longogovernomilitardopaís—eaditaduracomeça,defato,em1968comoAtoInstitucionalnº5.25Durou21anosefoicomandadoporcincopresidentesdasForçasArmadaseporumajuntamilitar.

Forameles:

1) marechal Castelo Branco (15 de abril de 1964 a 15 demarçode1967);

2) marechal Costa e Silva (15 de março de 1967 a 31 deagostode1969);

3)juntamilitarformadapelogeneralAurélioLyra,almiranteAugustoRademakerebrigadeiroMárciodeSouzaMello(31de

agostode1969a30deoutubrode1969);

4)generalEmílioGarrastazuMédici(30deoutubrode1969a15demarçode1974);

5)generalErnestoGeisel(15demarçode1974a15demarçode1979);

6)generalJoãoBaptistaFigueiredo(15demarçode1979a15demarçode1985).

Comojámencionei,foiapartirdaGuerradoParaguai(1844-70)queasForçasArmadasnoBrasilpassaramateratuaçãopolíticaeaexerceralgumainfluênciaatéconquistaropoderem1889,comaderrubadadaMonarquia.

Durante a República Velha, porém, os militares perderam o antigoprestígio, que só foi recuperado com a revolução de 1930. Nessemomento, Vargas apoiou a reestruturação das Forças Armadas,especialmenteadoExército,quevoltaramaserumainstituiçãorelevantenapolíticanacionalparafinalmente,em1964,tomaremopodercomumgolpemilitarpedidoeapoiadoporpartedasociedadebrasileira.

Inicialmente, os civis que apoiaram o golpe e uma parcela dosmilitaresacreditavamqueaintervençãoseriarápidaeademocracia,logorestabelecida. Mas, depois da eleição indireta de Castelo Branco, “osmilitares,pelaprimeiravez,resolveramdesenvolverumprojetopolíticopróprio,sobtotalcontrolecastrense(militar),eficariamvinte(eum)anosnopoder”.26

OambientenoBrasilenomundoeracompletamentediferentedodehoje, e o socialismo e o comunismo representavam, de fato, ameaçasreais.Omomentohistóricoerabastantepeculiar,commedosfundadoseinfundados, e não parecia haver pessoas ou grupos influentes quepudessem orientar a discussão para outro lado que não a que se

estabeleceu entre quem defendia o socialismo e quem defendia aintervençãomilitarnopaís.

Olhandocomosolhosdaépoca,écompreensívelqueaseliteseparteda sociedade brasileira tenhampreferido apoiar os tanques nas ruas, edificilmente saberemos a dimensão positiva e negativa da dissuasãopreventivarealizadapelogolpe.

O fato incômodo não foi a utilização das Forças Armadas comoinstrumentosda sociedade, paraprotegê-la deuma eventual revoluçãosocialista ou comunista,mas amaneira como tudo foi feito e como osmilitares tomaram a dianteira do processo a ponto de decidirunilateralmentequedeveriamtambémassumiropoderpolítico.

O grande problema é que as alternativas políticas disponíveis, comforça social, intelectual e institucional para combater as ideologiassocialistas e comunistas, compartilhavam uma natureza autoritáriasimilar, apesar da diferença na forma e no conteúdo. As ideologias eprojetospolíticosquetinhamsustentaçãopartidáriaeapoioemparcelasdasociedadeeramclaramenteintervencionistas.

Outro infortúnio das ideologias concorrentes é que poderiam serconsideradas amadoras se comparadas ao modo profissional como ossocialistas e comunistas, financiados pelo governo da União Soviética,conquistavamcoraçõesementesaoredordomundo.Comsuapromessautópicadefuturoglorioso,estabeleciacomamilitânciaumcompromissoquetranscendiaovínculomeramenteideológico.27

No Brasil, a intervenção militar como instrumento de resolução decrisespolíticas já tinhasidoconvertidanumamaldita tradição.Ogolpecomo solução era, como visto nos capítulos anteriores, um recursocomum tantodaoposiçãoquantodequemestavanopoderde turno equeriapreservarouampliarosseuspoderes.Numambienteemqueissoera a regra, alguns traçosde sua influência resistemna culturapolítica

nacional.Porisso,nãocausatantoespantoqueaindahojeexistagentenoBrasilpropondogolpemilitarpararesolverproblemaspolíticosgraves.

AditaduramilitarnoBrasilapartirde1964iniciouumnovoperíodode supressão das liberdades públicas num momento de grandestransformaçõessociais,políticas,econômicasecientíficas.Ochoqueentreessesdoismundosequivaliaaduasrodasgirandoemsentidocontrário,“moendoumageraçãoevinteanosdavidanacional”.28

Equerodaseramessas?Aprimeiraerarepresentadapelo“dirigismoconservadoreanticomunistadosanos1950”.Como“legítimoprodutodaGuerra Fria, esse pensamento político projetou-se sobre a direitabrasileira como uma utopia planejadora, centralista, acompanhada porumavisãocatastrofistadadesordemadministrativaedocarátererráticodo voto popular”. A sua essência era “ao mesmo tempo racional eautoritária”e“entendiaqueopovonãosabiaescolherosgovernanteseestes, uma vez no poder, não sabiam governar”.29 Este paternalismoelevadoàcategoriadeprojetopolíticoeraparecidocomodospolíticoseintelectuaisaserviçodoEstadoNovodeVargas.

Osmilitaresutilizaramesseselementosparaconstruirefundamentarapropagandado regime eunir interessesdivergentespara combater oinimigocomum:ocomunismo.

O governo e seus apoiadores tinham preocupações reais com aameaçacomunista,eadivisãopolíticainternacional,comasdemocraciasocidentaisdeumladoeasditadurascomunistasdeoutro,reforçavataistemores.Mas,aoconvertê-losemdiscursoseatospolíticos,criavamumamentalidadeeumambientederejeiçãoparaquaisquerideiasepropostasreformistasqueparecessemcoisadecomunista.

AsincertezaseadesordempolíticasampliadaspelocurtogovernodeJoão Goulart eram as aliadas perfeitas para o discurso do regime emdefesa de um governo federal centralizador. Como a fé não costuma

falhar, a crença “no planejamento estatal fazia parte da religiosidadepolíticadadireitamilitar,mastambémdaesquerda.Oquefaziatodaadiferença,naquelaépoca,eraaconstrução,peloregime,deumarodaemque o planejamento do progresso se associava à necessidade dedesmobilizaçãodasociedade”.30

Os militares do regime preferiam a despolitização da sociedade,enquantoos comunistas e os socialistasdependiamdapolitizaçãoparaformar uma militância capaz de ocupar e aparelhar pontos-chave dapolítica,doensinoedaculturanacional.Eassimofizeramsemencontrarobstáculosecomcertaajudadopróprioregime,poraçãoouomissão.

A segunda roda, que girava em sentido contrário ao dirigismoconservadoreanticomunista,eraa“décadade1960,comasmemoráveismobilizaçõesedesordensde1968”.31Naquelaépoca,omundoOcidentalsofreu uma revolução cultural em que não faltaram liberdade sexual,drogas,cabelosbizarros,roupasexóticaseocupaçãoideológicasocialistanosdiversosambientesemqueestapoderiaserdesenvolvida,legitimadaedisseminada.Separamuitososanos1960foramlibertadores,os“anosdourados”, para várias sociedades representaram doenças venéreas,filhos não planejados, separações e divórcios, dependência de drogas,overdose, radicalização do discurso antirreligioso e um processo dedominação dos departamentos de humanidades nas universidades, deaumento da influência dos intelectuais da Nova Esquerda32 e deformaçãodeumanovamassaderevolucionários.

NoBrasilnãofoidiferente,e,nocasodoregimemilitar,umaparceladasociedadepassouaveraordemqueogovernoimprimiucomoalgopositivo porque parecia ser uma reação necessária e adequada àdesordemprovocadapelaameaçasocialista/comunista.

Durante o regime militar, houve uma mistura de experiências eideologias políticas com um nacionalismo militar que, em termos de

intervençãoestatal,poucosediferenciavadosgovernosanteriores.Senopassado a escola militar sofreu influência do positivismo, durante aSegunda GuerraMundial muitosmilitares brasileiros fizeram cursos eforamtreinadosnoNationalWarCollege,nosEstadosUnidos.

A Escola Superior de Guerra (ESG) foi criada em 1949, tendo oNationalWarCollegecomoinfluência,paraserumcentrodeestudosepesquisasnasáreasdepolítica,estratégiaedefesa.Assimcomoaescolamilitar americana, aESG foi estruturada soba ideiadedefesanacionalcomoimportantefundamentodeatuaçãomilitar.

Conhecida pelo “pernóstico apelido de Sorbonne”, a ESG “eraprodutodeumsincero interessedacúpulamilitarpeloaprimoramentointelectual dos oficiais superiores, mas também de um desejo dosministros de manter longe dos comandos de tropa e de posiçõesimportantes no Estado-Maior os oficiais de muita capacidade e poucaconfiança”.33

Váriosmilitaresqueocuparamfunçõesrelevantesnoregimeapartirde 1964 foram alunos da ESG. Omarechal Castelo Branco, o primeiropresidente do regime militar, foi professor da instituição e autor dadespretensiosa frase inscrita no portal do Departamento de Estudos:“Nesta casa estuda-se o destino do Brasil.”34 A instituição tambémtreinouvários civisquedepois se tornaramprofessores (permanenteseconvidados)econferencistas.35

FoinaESGquenasceuaversãobrasileiradaDoutrinadeSegurançaNacional (DSN), que fundamentou a política da ditadura. A DSNvinculava a geopolítica à política externa baseada numa políticadoméstica nacionalista e expansionista (ideológica e intervencionista),contrária a atos subversivos e revolucionários, e que serviria parafortaleceronossoEstadonoplanointernacional.36

Maisumavez,apolíticaamericanaserviudeinfluênciaparaoBrasil.Depoisdomodelorepublicanopresidencialista,eraavezdaDoutrinadeSegurançaNacional.Éumapenaquenosdois casos as elitespolítica emilitarnãotenhamimportadoaconcepçãodeliberdade,delimitaçãodoEstadoedogovernoeopapelrestritodasForçasArmadas.

Os militares não formavam um grupo homogêneo. Os sucessivosgovernos do regime tinham características próprias que osdiferenciavam,comalgunsmenosautoritários (CasteloBrancoeGeisel)do que outros (Costa e Silva e Médici). Apesar disso, todos eles, emmaioroumenorgrau,“estavamdeterminadosaorganizarumpoderosoEstado centralizado, sob o domínio do executivo federal, limitando osdemaispodereseocampodeaçãodosestadosemunicípios”.37

Ogovernomilitar promulgou em 1967 uma novaConstituição, quepreservouaRepúblicafederativaeopresidencialismo.Oregimetambémdecidiuadotarmandatospresidenciais fixos (opresidenteeraescolhidopelosmilitareseapenasconfirmadopordeputadosesenadores),manteraberto o Congresso Nacional (mas com poder reduzido e com asbancadascontroladas),preservaraseleições(indiretasparapresidenteegovernador),obipartidarismo(AliançaRenovadoraNacional,aArena,eMovimento Democrático Brasileiro, oMDB), cassar direitos políticos eexilar os inimigos. Uma preocupação dos militares era conduzir aditadurabaseadaemlegitimidadepolítica,jurídicaeconstitucional.

Algumasdivergênciasentreosmilitaresdiziamrespeitoaograu“decentralização do regime, duração da intervenção militar e uso dosinstrumentos de exceção”.38 Uma ala formada por oficiais e civis dogoverno defendia o endurecimento do regime, como os integrantes doAltoComandodasForçasArmadaseoministrodaJustiça,GamaeSilva,que tinha“semprenobolsoumarsenaldemedidasdeexceçãoprontaspara receber a assinatura do marechal Costa e Silva”.39 A outra ala,

formada pelos moderados, considerava tais instrumentos “recursosextremosquesódeveriamserempregadosemúltimocaso”.40

AlinhaduradoregimeassumiuogovernocomaeleiçãodogeneralCostaeSilva.Foisobasuapresidência,em13dedezembrode1968,queentrou em vigor o Ato Institucional nº 5 (AI-5), “que consolidou aditadura e iniciou um dos períodos mais repressivos e amargos dahistóriabrasileira”.41

Em decorrência do AI-5, o Estado de direito foi abolido, direitos,garantias e liberdades constitucionais que ainda vigoravam foramsuspensos, o Congresso foi fechado, vários políticos e adversários doregimeforamcassados,presos,exiladosoumortos.

OAI-5manteve aConstituiçãode 1967 e as constituições estaduais,masdeterminouofechamentodoCongressoNacional,dasAssembleiasLegislativas e das Câmaras de Vereadores. Democraticamente, o atoinstitucional autorizou “o Poder Executivo a legislar em todas asmatérias e exercer as atribuições previstas nas Constituições ou na LeiOrgânicadosMunicípios”;concedeuaopresidente“opoderdedecretara intervençãonosEstados eMunicípios, semas limitaçõesprevistasnaConstituição”,edenomearosinterventores;autorizoua“suspensãodosdireitos políticos de quaisquer cidadãos pelo prazo de dez anos e acassaçãodemandatospolíticos”;suspendeu“agarantiadehabeascorpus,nos casos de crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordemeconômicaesocialeaeconomiapopular”.42

Osguerrilheirossocialistasecomunistas,quepretendiamderrubaraditadura militar para instaurar uma ditadura do proletariado,intensificaramas suasaçõesarmadas, iniciadasantesmesmode1968.43

Praticaramváriostiposdecrimes,deroubosesequestrosaassassinatosde envolvidos no conflito, tanto dos próprios companheiros (como omilitantedadissidênciadaVAR-Palmares,GeraldoFerreiraDamasceno,

morto em 29 demaio de 1970, no Rio de Janeiro) quanto demilitares(como o cabo da polícia militar Sylas Bispo Feche, metralhado porterroristasdaAçãoLibertadoraNacional)edepessoas inocentes (comoWalterCésarGaletti,mortoem1973porterroristasdaALNduranteumassaltoàlojaondeeragerente).44

Emagostode1969,CostaeSilvaseafastoudapresidênciaapóssofreruma trombose cerebral. Ele perdeu os movimentos, a voz “e, durantemuitos dias, em estado de coma, alienado, ficou evidente que [...] nãoteria condições de reassumir o governo”, nem de saber que estava emcurso um golpe para derrubar o seu governo. Os integrantes do AltoComando das Forças Armadas não queriam respeitar a soluçãoconstitucional e deixar que o vice-presidente assumisse porque “PedroAleixo fora contra o AI-5 e, na reforma constitucional, insistia em nãomanter os instrumentos de exceção, interrompendo a continuidaderevolucionária”.45

A movimentação dos integrantes do Alto Comando das ForçasArmadas resultou na substituição do governo Costa e Silva por umajuntamilitarformadapelogeneralAurélioLyraTavares,peloalmiranteAugusto Rademaker e pelo brigadeiroMárcio de SouzaMello.Os trêsdeixaram a presidência dois meses depois em virtude da eleição deEmílio Garrastazu Médici, que presidiu o “governo mais fechado erepressivodoregimemilitaredahistóriabrasileira”.46

DuranteogovernodeMédici,queduroudeoutubrode1969amarçode 1974, houve intensa repressão e supressão das liberdades civis. Ocombate aos comunistas e socialistas também afetou aqueles quedesejavam apenas liberdade,mas estavam no fogo cruzado entre duasmentalidadesintervencionistaseinimigasdaliberdade.

Embora mantivesse intensa repressão e constantes ataques àsliberdades civis, o governo aproveitou as altas taxas de crescimento

econômico, a grande geração de empregos e amelhoria do padrão devidadaclassemédiaparausarintensivamenteosmeiosdecomunicaçãoafavordapopularidadedoregime.47

O governo, porém, enfrentou graves problemas internos, como acorrupçãocrescenteeasameaçasàhierarquiaeàintegridadedasForçasArmadas.O ambientedesfavorável acabouajudandoa alamoderada aemplacar o nomede ErnestoGeisel como o sucessor deMédici.Geiseltomou posse em 15 de março de 1974 com a promessa de iniciar umprocessodeaberturalenta,gradualeseguraeafinalidadededevolveropoderpolíticoaoscivis.Masquasequedátudoerrado.

Paraoazardaalamoderadaedosbrasileiros,ochoquedopetróleoem1973 e as suas consequênciasnegativasna economiadificultaramoprocessodenegociaçãocomosmilitaresradicais.Alémdisso,ogovernoperdeuocontroledosórgãosderepressãocomandadospelalinhaduradoregime,quepassaramaagirporcontaprópria.48

Apesardos reveses,Geisele seusaliadosmantiveramoprocessodeabertura. O presidente revogou o AI-5 em 31 de dezembro de 1978 econseguiu emplacar o general João Baptista Figueiredo como seusucessor. Figueiredo, que também entrou para a história políticabrasileira por um humor singular e por frases célebres como “prefirocheiro de cavalo a cheiro de povo”, comprometeu-se a continuar oprocessodeabertura—eassimofez.Comadelicadezapeculiar,avisouàsociedade,masespecialmenteàquelesmilitarescontráriosàdevoluçãodopoderaoscivis,queestavamesmodispostoaabriroregime:“Equemnãoquiserqueabra,euprendoearrebento.”49

Figueiredonãoestavaparabrincadeira.Começoualibertarospresospolíticosearestituirosdireitoscassadospelosatosinstitucionais.Em28de agosto de 1979, sancionou a lei que concedeu a anistia “a todosquantos,noperíodocompreendidoentre2desetembrode1961e15de

agostode1979,cometeramcrimespolíticosouconexoscomestes,crimeseleitorais,aosquetiveramseusdireitospolíticossuspensos”.50

Aleidaanistiafoifundamentalparapromoveratransiçãopacíficadaditaduramilitarparaogovernocivil,semumarupturaviolenta,masfoicriticadaàépoca,assimcomoéhoje,porbeneficiartambémosmilitaresenvolvidosnarepressão,natorturaenasmortes.51Mastantonopassadoquanto no presente, seus críticos não querem nem ouvir falar dejulgamento contra os guerrilheiros socialistas e comunistas quecometeram crimes naquela época e que foram igualmente beneficiadoscom a anistia. A começar pela primeira presidente mulher do Brasil,DilmaRousseff.

Nocômputogeraldos21anosderegimemilitar,as intervençõesnaeconomia também foram extremamente nocivas. O governo conseguiu“exercer um controle imenso sobre as principais decisões públicas ouprivadas na área econômica”52 ao desenvolver uma política em quecomandava e administrava os preços a partir de um amplo sistemadeconcessão de crédito, de incentivos e de subsídios para empresasprivadas,emedianteaatuaçãodiretadasempresasestatais.

A amplapolíticade intervençãopretendia “estimular edirecionar oinvestimento privado para as áreas prioritárias”,mas de acordo com aavaliação e o interessedogoverno, enão segundoasnecessidadesdosconsumidores e das empresas. O resultado foi que “poucos projetosprivados se iniciavam sem a aprovação de alguma instituiçãogovernamental, para obter crédito, licença de importação ou subsídiosfiscais”.53Nadapoderiaservirtãobemparaanabolizarumambientededependênciaestataledeservidãovoluntária.

Emboratenhahavidoaumentodonúmerodeempregosduranteumperíodo, a política salarial restritiva imposta pelo regimemilitar geroureflexos negativos: manteve os salários baixos; impediu que os

trabalhadores fossem beneficiados pela prosperidade econômica;aumentouaconcentraçãoderendaeadesigualdadesocial.54

Outrotipodeintervençãoveionaformadereservademercado.Umgrande exemplo foi aquele estabelecido pelasDiretrizes para a PolíticaNacional de Informática a partir de 1979.55 Em 1984, a cereja do boloestatista: o governo militar criou uma lei protecionista56 com ajustificativadeestimularosetornacionaleacabarcomadependênciadoEstadoemrelaçãoàtecnologiaproduzidaporempresasestrangeiras.

Naprática, porém, anorma criouuma estúpida e contraproducentereservademercadoquebeneficiouapenasquemtrabalhavanosegmentoeimpediuqueosbrasileirostivessemacessoaumatecnologiamelhoremaisbarata.Amedidaprotecionistasó foiextintaem1992coma leinº8.248,de23deoutubrode1991.57

Masnãofoisónaeconomiaqueoregimefoiprejudicial.Osgovernosdos militares destruíram uma parte da elite política que não era deesquerda, inviabilizandoqualquer tipode reação aoqueveiodepois, ecolaborou involuntariamente para que as universidades, o ensino, aimprensa, asmanifestações artísticas se tornassem redutos e centrosdedifusãodaideologiasocialista.

OregimemilitaracabouoficialmentenoBrasilnodia15demarçode1985,masamplioudeformadesmedidaapresençadogovernonavidadasociedadee reforçouno imagináriopopulara ideiadequeoEstadodeveintervirparagarantiraordempolítica,econômicaesocial,eassimserviràpopulação.Essaconcepçãopolíticafoimuitobemaplicadapelosgovernosqueosucederam.

Quem definiu muito bem o resultado desse tipo de política foiTancredoNeves,quedepoisseriaeleitooprimeiropresidentecivilapóso fim do regime militar e tinha um coração estatista. Num discursoproferido em 1982, Tancredo foi certeiro ao afirmar que o processo

autoritário“começadesfigurandoasinstituiçõeseacabadesfigurandoocaráterdocidadão”.Namosca.

Quanto a Figueiredo, o último presidente do regime militar epersonagemcrucialdatransição,eledeixouocargodecepcionadocomaexperiência política. E resumiu esse sentimento na frase que poderiaservircomoepitáfiopolítico:“Peçoaopovoquemeesqueça.”Seudesejofoiparcialmenterespeitado.

Tancredoeainfecçãoquequaseimpediuatransição

A transição do regime militar para um governo civil foi orientadapelos militares. Tancredo Neves, político habilidoso, respeitado e comlonga experiência, incluindo ter sido ministro do governo Vargas, foieleitopresidentedaRepúblicade forma indiretapeloColégioEleitoral,segundoasregrasdaConstituiçãoemvigor.58

Tancredoselançoucandidatonachapadeoposiçãoaosmilitares,queapoiaram o candidato Paulo Maluf. O vice era o então senador JoséSarney, antigo aliado do governomilitar. Eleitos Tancredo e Sarney, ahistória brasileira registrava mais dois advogados para ocupar aPresidênciaeaVice-PresidênciadaRepública.Ocupariam.

Na véspera de assumir, no dia 14 de março de 1985, Tancredo foiinternadonumhospitalcomfortesdoresabdominais.Submetidoaumacirurgia de emergência, a que se seguiram outras operações, faleceriaapósumquadrode infecçãogeneralizada.Anotíciadamortechocouapopulação e detonou uma intensa negociação nos bastidores paraimpedir que os militares mudassem de ideia e decidissem ficar maistempo no poder. Afinal, o presidente eleito morrera antes de tomarposse.Deucerto.

Morto Tancredo, é impossível saber como seria o seu governo. Sóresta especular que teríamos mais um presidente intervencionista porcausa de sua biografia política, incluindo os serviços prestados ao

governo de Getúlio Vargas como ministro da Justiça, e do relato dodiplomataepolíticoRobertoCampos,queoconheceubem.

Numa carta endereçada a Tancredo, com data de 21 de agosto de1984, Campos disse que o político mineiro, ao contrário dele, estavacomprometidocomaestatização,oqueincluíasercontrárioàliberdadeeconômica e a favor da reserva demercado—Tancredo foi, inclusive,umdosqueapoiaramafamigeradaLeideInformática.59Emsuma,maisumestatistadecarteirinha.

Jamais saberemos, porém, quais ideiasTancredoNeves rejeitaria ouapoiarianapresidência.Ofatoconcretoéqueele,aomorrer,nosdeixoudepresenteumdospiorespresidentesdahistória.

SirNey,ohomemquefalavamaranhês

APresidênciadaRepúblicacaiunocolodeJosédeRibamarFerreiradeAraújoCosta,vulgoJoséSarney.EleconstruiusuacarreirapolíticanoMaranhãocomoumcoronelilustrado,umaespéciedeMundinhoFalcãoque falava maranhês. Filiado à União Democrática Nacional (UDN),exerceu péssima influência dentro do partido ao fazê-lo aderir aodesenvolvimentismo com o objetivo de promover justiça social, estaexpressãocoringaquetemumefeitopolíticoextraordinário,masque,nofundo,nadasignifica.

ParamuitosqueveemSarneycomoogranderepresentantedadireitaoligárquicatalvezsejasurpreendentedescobrirqueele tenha,naépoca,ajudado a criar o grupo bossa-nova, a ala da esquerda da UDN compretensõesderenovaropartido.OsobjetivosdosesquerdistasdaUDNforamtornadospúblicoscomadivulgaçãodacarta-manifestoem10defevereirode1960.Nestedocumento,seussignatários,osentãodeputadosSarney,EdilsonTávoraeFerroCosta,entreoutrospontos,defenderamodesenvolvimentocomjustiçasocial;asrelaçõesdiplomáticasecomerciaistambémcomaChinacomunista;areformaagrária;a“humanizaçãodo

capital”apartirdocontroledeinvestimentoprivadoestrangeironopaísederemessadelucrosparaoexterior;omonopólioestataldopetróleoedasdemaisfontesdeenergia.Maissocialista,impossível.60

Político com veleidades literárias e apoiador do regime militar, foiuma dessas piadas de mau gosto da história ter cabido a ele ser opresidente da República após o fim da ditadura. Como político,conseguiuaproezadesuperaroescritor,autordeOsmarimbondosdefogo.Demaneiraúnica,Sarneyconseguiuexaurirapolíticaealiteratura.

ComamortedeTancredoNevesantesdaposse,Sarney,jáfiliadoaoPartido da Frente Liberal (PFL) depois de passar pela Arena e peloPartidoDemocrático Social (PDS), assumiu a Presidência da Repúblicagraçasaumacordodebastidores comosmilitares,poisaConstituiçãoexigiaumanovaeleição.

Mas, se a regra fosse respeitada, havia o risco de a linha dura doregime bater o coturno para continuar no poder. Entre cumprir aConstituição e permitir a volta da democracia, optou-se pela segunda.Sarneyfoipresidentede15demarçode1985a15demarçode1990.

E fez um dos mais desastrosos governos da história recente daRepública,rivalizandocomodoseusucessorFernandoCollordeMello.Emtermosqualitativos,suapresidênciatalvezsórivalizecomseutalentoliterário.Depoisdemaisdametadedomandato,ganhouoapodoSirNeye sua presidência chegou a ser qualificada como “a expressão sintéticadassetepragasdeMoisésaoEgito”,61umaclarainjustiçacomaspragas.

Justiça seja feita, o governo Sarney conseguiu reformar parte dolegado institucional autoritáriodo regimemilitar, adequandoapolíticadopaísaoprocessoderedemocratização.ComoapoiodoCongresso,opresidenterevogouasleisqueregulavamavidadaspessoaseimpediama participação na política, mas sua agenda de ampliação dos direitossociaispavimentouocaminhoparaaformaçãodeumaculturasocialque

estabelecia uma hierarquia na qual os direitos ficavam alguns degrausacimadosdeveresedaresponsabilidade.

SeduranteoregimemilitaroEstadolimitavaouextinguiadireitos,ogoverno federal passou a se colocar diante da população como umainstituiçãobenevolenteedispostaaconcederdireitosparatodos.Paraasociedade, ficava a ideia de que é função do governo conceder aliberdade e osdireitos, e nãodeque a liberdade e osdireitos sãoumaconquistadosindivíduos.Pareciaserestaamentalidadedaelitepolíticaquando da concepção, elaboração e posterior promulgação daConstituiçãoFederalde1988,nascidadocasamentodaressacadoregimemilitarcomostemoresdeumanovaditadura.

Aomesmo tempoque“ampliouopoderde açãodoLegislativo,doJudiciário e do Ministério Público nos processos de decisãogovernamentais”,aConstituição“definiucomodeverdoEstadogarantirvários direitos sociais”,62 o que, paradoxalmente, só serviu parainviabilizar a sua garantia pelo governo. Na prática, as promessasconstitucionais serviram para aumentar a cultura da reclamação pordireitos prometidos e insatisfeitos. E feriu de morte o nosso diáfanoespíritodedeverederesponsabilidade.

Naesferaeconômica,ogovernoSarneytambémfoiresponsávelpelofracassado Plano Cruzado, que atingiu o queixo de cada um dosbrasileiros.Duasvezes.OprimeiroCruzadofoidesferidoemmarçode1986; o segundo, em novembro do mesmo ano. Apesar do momentoinicial, emqueoplanopareciabem-sucedido, comreduçãodrásticadainflação, nãodemoroumuitopara que a brilhante ideiade congelar ospreçosfizesseparecerquechegarlogoaofundodopoçonãofossealgoassimtãoruim.

Aprincípio,oplanodavaaimpressãodeque,finalmente,resolveriaalgunsproblemascrônicosdaeconomiabrasileira.Ainflaçãobaixa,ofim

do imposto inflacionário sobre a retençãodamoeda, abrutal expansãoda moeda, a manutenção de juros artificialmente baixos, o reajustesalarialeocongelamentodepreçostiveramgrandeapoiodapopulaçãoeda imprensa. Livres dos obstáculos criados pelo governo e com maisdinheironobolso,aspessoaspassaramafazeroquenãopodiamantes:começaramaconsumir.Emuito.

Sóqueasempresasnãoestavampreparadasparaaquelaexplosãodeconsumo. E também não tinham qualquer estímulo para produzir,porqueestavamproibidasdedefinirospreços.Oresultadofoioóbvio:os estoques esvaziaram e começaram a faltar produtos. Para agravar asituação, uma parcela dos empresários, antecipando-se à inevitávelliberaçãodospreçoseoaumentodataxadejurospelogoverno,passouaespecularcomprodutoseestoques.

Consequências?A filavirouuma instituiçãonacional.Tinha filanossupermercados, nas feiras, nas distribuidoras de gás, nos postos degasolina, nos carrinhos de picolé. Quem precisava comprar bensduráveis, como automóveis, ainda se sujeitava a pagar um valormaisalto do que o preço de tabela. O ágio também virou uma instituiçãonacional.

Paradeixarasituaçãoaindamaisconstrangedora,Sarneyconvocouapopulaçãoparaajudaroseugoverno:“cadabrasileiroebrasileiradeveráser um fiscal dos preços, um fiscal do presidente para a execução fieldesseprogramaemtodososcantosdessepaís”.63

Eraumaestratégiamalandra.Aomesmotempoque jogavanacontados empresários a culpapelavariaçãodospreços, ogoverno transferiapara as pessoas a responsabilidade que tinha assumidode fiscalizar. Emuitagente,estranhamente,aceitou.Foiconstrangedor.

Voluntariamente,milhares de pessoas passaram a agir como fiscais,verificando os preços e denunciando os reajustes ilegais. Vários

estabelecimentos comerciais foram obrigados a fechar as portas,deixandoasfamíliasdosdonosedosfuncionáriosemsériasdificuldadesfinanceiras. E teve fiscal do Sarney que ainda se sentiu autorizado adepredar e a saquear lojas que ousavamdesafiar o controle de preços.Tudooqueaconteceufoideumaindignidademoraldeplorável.

MesmocomofracassoretumbantedosPlanosCruzados1e2,Sarneyestavamesmodispostoaentrarparaahistórianacionalpelaquantidadedeplanoseconômicosmalsucedidos.Osbrasileirosforamvítimasdeles:oPlanoBresseremjunhode1987,eoPlanoVerão,emjaneirode1989.Em ambos, como nos antecessores, a inflação caiu drasticamente, paradepoisretornarplenaevigorosa—epiordoqueantes.

Diante dos expressivos resultados negativos dos dois primeirosplanos, ogovernoperdeuo apoiodapopulação, que resolveu seguir oprovérbio:“Sealguémteenganarumavez,aculpaédele;sealguémteenganar duas vezes, a culpa é dos dois; se te enganar três vezes, és oúnicoculpado.”

Parasortedopaís,omandatoeradecincoanosenãohaviareeleição.Se o Brasil tinha sobrevivido ao governo Sarney, tudo era possível.Inclusive resistir ao governo de Fernando Collor de Mello, que setornariaoprimeiropresidenteeleitoporvotodiretopopularapósofimdoregimemilitar.Emembrodacompetitivagaleriadehonradosnossospiorespresidentes.

OBrasilcolloriudemarrédesi

FernandoCollordeMellosurgiunaeleiçãopresidencialde1989comoum furacão — e o seu efeito sobre o país foi um tanto parecido,provavelmentepior.Acostumadosatempestadespolíticas,osbrasileirosachavam que as condições normais da meteorologia eleitoral eramsempre de chuvas e trovoadas. Sendo assim, o que seria mais um

turbilhão de ventos e relâmpagos que prometia a bonança depois dovendaval?

Oquenãopodiam imaginar era que o jovem tufãodenomeCollorestavalongedetrazeraprometidacalmariapolítica,socialeeconômica.Dada a natureza autoritária dos sucessivos governos da históriarepublicana,asociedadedeveriaterdesconfiadodemaisumambiciosoprojetopresidencialtendoemmenteocerteiroavisodeRuiBarbosa:“Aliberdadenãoéumluxodos temposdebonança:é,sobretudo,omaiorelemento de estabilidade das instituições, o princípio fecundante daordem e a válvula de segurança suprema nas quadras de agitação, dedescontentamento,deaspiraçõesinflamadas.”64

Filhodopolítico e jornalistaArnondeMello, que fora senadorpelamesmaArenadeSarney,eneto,porpartedemãe,do tambémpolíticoLindolfo Collor, ministro do Trabalho do governo Vargas, FernandoCollor de Mello era formado em economia, filiado ao inexpressivoPartido da Reconstrução Nacional (PRN) e representava o estado deAlagoas, onde tinha sido prefeito (medíocre) e governador(espalhafatoso). Ideologicamente, estava vinculado com o oligarquismoalagoano.Eraocandidatoimprováveldeumaeleiçãohiperbólica.

Comofimdoregimemilitarediantedapossibilidadedevotareservotadoporescolhadireta,aseleiçõesde1989 foramcomooestourodeuma boiada. Na disputa, 22 candidatos. Tinha partido e político paratodososgostos,deAurelianoChaves(PartidodaFrenteLiberal—PFL)a Roberto Freire (Partido Comunista Brasileiro — PCB), de FernandoGabeira(PartidoVerde—PV)aEnéasCarneiro(PartidodeReedificaçãoda Ordem Nacional — Prona), de Guilherme Afif Domingos (PartidoLiberal— PL) a PauloMaluf (Partido Democrático Social— PDS), deUlysses Guimarães (Partido do Movimento Democrático Brasileiro —PMDB) a Ronaldo Caiado (Partido Social Democrático — PSD), deLeonelBrizola(PartidoDemocráticoTrabalhista—PDT)aMarioCovas

(PartidodaSocialDemocraciaBrasileira—PSDB),deLula(PartidodosTrabalhadores—PT)aCollor(PRN).

No fim das contas, sobraram Lula e Collor. Na campanha, Colloradotouumdiscursopopulistaemoralizador,repetindoofenômenoJânioQuadros.Venceuaeleiçãocomapromessadeacabarcomosprivilégios,com a corrupção, com os marajás e com os vários obstáculos queimpediam o florescimento de uma autêntica economia de mercado,enfim, tudo aquilo que atrapalhava o crescimento do país (suaspromessassónão incluíamelepróprio).Entreumbarbudoradicalcomdiscursoraivosoeumplayboypenteadocomumaconversarazoável,oseleitorespreferiramquemtinhaamelhorlábia.

Collor se apresentou como o presidente que livraria o país de umatradiçãoestatistaeintervencionista.Opolíticoque,depoisdeD.JoãoVI,seriaresponsávelpelasegundaaberturadosportosdopaís.MasparecequeessenegóciodeabrirosportosdoBrasilnãotrazboasorte:enquantooreifoiobrigadoaretornaraLisboa,Collorfoiconvidadoaseretirardapresidência.

Nopoder,onovopresidentesereveloutãooumaisintervencionistadoqueosseusantecessores,emboratenhaadotadomedidasimportantescomo privatização, eliminação de monopólios estatais, abertura domercado nacional à concorrência estrangeira, redução de tarifasalfandegárias.

Por ter sido eleito sem a ajuda dos grandes partidos, imprimiu umestilo autoritário de governar porque se sentiu autorizado a realizar asmudançasque consideravanecessárias semdar satisfaçãoaquemquerquefosse.

Uma dessas medidas foi anunciada no dia seguinte à posse com onomedePlanoBrasilNovo—depoisapelidadodePlanoCollor.Nodia16demarçode1990,opaísouviuchocadoanotíciadequeogoverno,

além de alterar a moeda de cruzado novo para cruzeiro, bloquearia,durante longos dezoito meses, os valores acima de 50 mil cruzadosnovos, de todos os brasileiros, que estivessem depositados em contas-correntes,cadernetasdepoupançaeovernight(aplicaçõesderendimentodiário).

Ouseja,quemtivessedinheironobancosópoderiasacaraté50milcruzados novos. O que ultrapassasse este valor ficaria à disposiçãoapenas do governo. No total, segundo estimativas da época, foramconfiscadosalgoemtornode100bilhõesdedólares(30%doPIB).Valiatudoparavencerainflação,atéapreenderodinheirodapopulação.

Amedidaradicalsurtiuefeitotemporário,derrubandoainflaçãoporalgunsmeses. Em seguida, porém, ela voltou aindamais impiedosa.Oestragonavidademilharesdepessoasfoiincalculável.Naqueletempo,muita gente deixava amaior parte do dinheiro depositada nos bancospara nãoperder coma inflação voraz.Quando o governo bloqueou osdepósitos, essas pessoas não tinham capital disponível nem a quemrecorrerparapedirempréstimos.Oresultadoseriaterrível.

Com o confisco, muitas empresas faliram, muitos trabalhadoresperderamseusempregos,algunsmorreram.Ogovernoteveumaatitudecriminosa e não há como deixar de responsabilizar o presidente, aministra da Economia e sua equipe pelos “infartos, suicídios, ruínasfinanceiras, traumas; cancelamento de projetos, de festas, viagens,mudanças, novos negócios, carreiras”. Não só isto, pois “o espetáculobufodasprisões arbitráriasmostrouque estivemosmuitopertodeumEstadopolicialesco”.65

No dia do anúncio do confisco, os brasileiros ainda conheceram aministradaFazenda,ZéliaCardosodeMello,cujo talentoparase fazerentender era equivalente ao de adotar políticas econômicas bem-

sucedidas. Ficou no cargodemarçode 1990 amaio de 1991. Saiu semdeixarsaudades.Voltouadespontarparaumjustoanonimato.

OgovernologoadotouoPlanoCollor2,quecongelouospreçosdosprodutos e o valor dos salários, desindexou contratos, adotoumedidaspara alcançar um equilíbrio fiscal e implementou um programa deestímulo à indústria. Mas a segunda versão do plano também deuerrado.

Colloragiunapresidênciacomoumpequenotirano.EaindabateudefrentecomoCongressoNacional.Empoucotempo,aeconomiadopaísestavaemfrangalhos,eopresidenteeraacusadodeconsumirdrogas,desermacumbeiro e de fazer parte de umgrande esquemade corrupçãocomandadopeloseuex-tesoureirodecampanhaPCFarias.66

Junto com o governo Collor, as reformas liberais foram por águaabaixo.Apesar disso, a abertura promovida e os seus claros benefíciosabriram caminho para as reformas liberalizantes, concessões eprivatizações realizadas nas gestões de Itamar Franco e de FernandoHenriqueCardoso.

Semapoioealvejadoporumasériededenúncias,algumasfeitaspeloseu próprio irmão Pedro,67 Collor deu vazão ao seu temperamentoexplosivo e brigou com as principais lideranças políticas noCongressoNacional num momento extremamente delicado. Em 2 de outubro de1992, a Câmara dos Deputados autorizou a abertura do processo deimpeachment. Afastado do cargo por decisão dos deputados federais,Collor decidiu renunciar à presidência antes do fim da sessão dejulgamento, realizada no dia 29 de dezembro e na qual foi condenadopelo Senado por crimes de responsabilidade e à perda dos direitospolíticosporoitoanos.

Devoltaàpolíticaapóscumprirapunição,Collorseelegeriasenadoretomariaposseem2007.Emabrilde2014,foi inocentadopeloSTFdas

acusações de peculato, corrupção passiva e falsidade ideológica notempoemquefoipresidente.

NoSenado,passouaapoiaroPT,oantigoinimigoque,emmatériadeescândalodecorrupção,ocolocounobolso—metaforicamentefalando.

ItamarFranco,oestatistadecarteirinha

MembrodehonradoClubedosEstatistasBrasileiros, ItamarFrancoeraoimprovávelvice-presidentedeFernandoCollor.Tendoassumidoogoverno comoafastamento e a renúnciadopresidente,nummomentodeinstabilidadepolíticaeeconômica,porumadessasbem-vindasironiascoubea Itamar,o topetemaisbirrentodahistórianacional, continuaroprocessodeprivatizaçãoedeliberalizaçãodaeconomia,alémdeaceitaraideiadacriaçãodoPlanoReal.

Masnãofoitãofácil.

Nacionalista ferrenho e encrenqueiro profissional, o engenheiroItamarFrancoeracontraoprogramadeprivatizaçõesdogovernoCollorpor considerá-lo um instrumento de fragilização do Estado. Antesmesmode assumir avice-presidência, quandoainda estavanoSenado,“Itamarsempremostroureservasemrelaçãoàeficiênciadomercado,aopapel das multinacionais e às vantagens de abrir as fronteiras para ocomércio mais livre com os outros países. Como tantas pessoas quereverenciamoEstadofortalecidoedesconfiamdainiciativaprivada,elenuncaaprovouavendadasestatais”.68

A rejeição de Itamar ao plano econômico do governo, que incluía aprivatização das estatais, foi manifestada já na primeira semana dapresidência de Collor, que espertamente isolou o vice-presidente daadministração.Emdiversasocasiõesepublicamente, Itamardeixousuaposição bastante clara, provocando atrito com os ministros e com opresidente,comquemrompeuduranteomandato.

QuandoosescândalosdecorrupçãoatingiramdiretamenteColloreoseunomecomeçouaserapontadoparasubstituí-loemcasoderenúnciaou afastamento, Itamar tentou suavizar sua imagem de estatista comdeclarações à imprensa simpáticas à abertura da economia. Era umatentativa de vencer a resistência por parte de representantes desegmentos políticos e econômicos que temiam um retrocesso nas jáiniciadasreformasliberais.

AoassumirinterinamenteapresidênciaatéojulgamentodeCollornoCongresso,Itamaresqueceuoquehaviaditoedeixouaflorarnovamenteoseu intervencionismopãodequeijo.Tratoulogodedizerquecolocariaaadministraçãopública a serviçodoEstado e criticou todos aqueles quedefendiamoseuenfraquecimentoembenefíciodainiciativaprivada.“SeoEstadonãoservirparapromoverapaz,ajustiçaeobem-estarentreoshomens,paraqueservirá?”69Sóeraprecisocombinarcomospolíticosecomarealidadedofuncionamentodogoverno.

Depois da saída de Collor, já como presidente empossado, Itamarconstruiu com os partidos um pacto de governabilidade e tomoudecisões contrárias ao programa liberal que havia herdado, como odecretoquemodificavaasregrasdeprivatizaçãodasestataiseconcediaaopresidentepoderesparainterferirnoprocesso.

Comoasituaçãofinanceiradopaíscontinuavasualongaquedarumoao fundo do precipício, Itamar foi obrigado a retomar o programa deprivatização.UmadasestataisprivatizadasfoiaCompanhiaSiderúrgicaNacional (CSN), criada pelo governo Vargas, em 1940, com apoio dogovernoamericano.

Emmeioaosproblemaspolíticoseeconômicos,foirealizadoemabrilde1993oplebiscitoparaaescolhadoregimeedosistemadegoverno.ApartedapopulaçãobrasileiraquevotoudecidiumanteraRepúblicaeopresidencialismo,menospelasvirtudesdeambosdoquepelaausência

de memória histórica em virtude do trabalho de desconstrução eridicularizaçãodamonarquiarealizadopelosrepublicanos.

Em maio, Itamar nomeou como ministro da Fazenda o sociólogoFernandoHenriqueCardoso,entãoministrodasRelaçõesExteriores.Nofimdoano,ainflaçãoatingiu2.567,46%,amaisaltadahistóriadopaís,segundodadosdaFundaçãoGetúlioVargas(FGV).

No início de 1994, o governo, para aumentar a arrecadação,prejudicou a população com um aumento da alíquota do imposto derendadepessoasfísicas.Oreajustesónãoprovocoumaisescândalodoque as fotos em que o presidente Itamar aparecia num camarote daMarquêsdeSapucaí,emplenocarnaval,ao ladodeumasenhoritasemcalcinhaqueexibia,sempudores,asuacomissãodefrente.

Sob ferrenha oposição do PT, Itamar e sua equipe econômicacomeçaram a implementar o Plano de Estabilização Econômica eretomaramasprivatizações.Nodia1ºdemarçode1994entrouemvigora Unidade Real de Valor (URV), um instrumento de transição para anovamoeda.Emmarço,oÍndiceGeraldePreços(IGP)daFGVindicavaumainflaçãoacumuladade5.153%referentesaosdozemesesanteriores.O real nasceu no dia 1º de julho e em quinze dias houve uma quedasignificativadainflação.Emsetembro,ainflaçãojáerade1%.

A nova situação econômica colocou o candidato à presidênciaFernando Henrique Cardoso numa posição vantajosa para as eleições.FHCacabouvencendocomoapoiodopresidenteItamar,quegovernouopaísde2deoutubrode1992a1ºdejaneirode1995.Diagnosticadocomleucemia,Itamarfaleceriaem2011.

FHC:osocialistaqueprivatizou,masnãotragou

Não deve ter sido fácil para Fernando Henrique Cardoso ter setornado alvo do escárnio dos socialistas depois de ter construído umavidaacadêmicaepolíticadentrodaesquerda.FHCeseugovernoforam

transformadosemsinônimosdomaiorinsultoideológicoquesetemnoBrasil:neoliberal.

Justo contraele,que chegouadisputara representaçãonoBrasildaInternacional Socialista em um encontro realizado em Viena, em 1979.PerdeuadisputaparaLeonelBrizolaeiniciouumprocessodeconversãoao socialismo fabiano que anos mais tarde resultaria na criação doPSDB.70

Sociólogo socialista, este pleonasmo vicioso, FHC foi treinado eformado na Universidade de São Paulo (USP), onde trabalhou soborientação do professor socialista Florestan Fernandes.71 Fundador dasociologia crítica no Brasil, Fernandes se filiou ao PT em 1986, ano emqueseelegeudeputadofederalpelaprimeiravez(em1990foireeleito).

Uma vez na política, FHCpreferiu o pragmatismo fabiano à utopiados tempos de marxismo. E foi por ter agido como um políticopragmático,nãoporacreditaremprincípios liberaisounasvirtudesdaeconomiademercado,queo seugovernoaprofundouas reformaseasprivatizações iniciadasnogovernoColloremantidasa contragostoporItamar.

FHCfoiumdos intelectuais72queajudaramareforçarea legitimar,nos círculos universitários e políticos, amentalidadede que o governodeveria ter um papel decisivo no desenvolvimento econômico e, porextensão, na vida da sociedade. Tal concepção do papel do Estadoagradava a esquerda e a direita brasileira da época. E era o credoideológico de intelectuais de esquerda ligados ao Centro Brasileiro deAnálise e Planejamento (Cebrap) e à Comissão Econômica para aAméricaLatinaeoCaribe(Cepal),umórgãodaOrganizaçãodasNaçõesUnidas (ONU). FHC trabalhou na Cepal a partir de 1964 e liderou acriaçãodoCebrapem1969.

UmdoseconomistasmarxistasquetrabalharamnaCepaldesdeasuacriaçãoem1948foiCelsoFurtado,outrareferênciaintelectualdeFHC.73

Furtadotentoucombinaremseupensamento“acrençanoconhecimentocientíficodopositivismo, a consciênciadahistoricidadedos fenômenoseconômicos e sociaisdomarxismo, a atençãoà culturadaantropologianorte-americana”.74Essepertinentecasamentoideológico,queexumavaaté as ideias de Auguste Comte, alicerçou os seus principais livros,Formação econômica doBrasil eEconomia colonial doBrasil no séculoXVI eXVII.

A intervenção do Estado na economia para proteger as empresasnacionais ante as empresas estrangeiras, que supostamente agiam deacordo com os interesses dos governos de seus países de origem paramanter os países periféricos (subdesenvolvidos) dependentes dos paísesdo centro (ricos e industrializados), fez muito sucesso nas décadas de1960e1970.Umdoslivrosquerefinaramteoricamenteepopularizaramessa ideiafoiDependênciaedesenvolvimentonaAméricaLatina (1969),queFHCescreveujuntocomosociólogochilenoEnzoFaletto,seucoleganaCepal.

Ateoriafoirefutadapelarealidadenasdécadasde1980e1990,comocrescimentoaceleradodaseconomiasperiféricasdaÁsiaoriental (CoreiadoSul,SingapuraeMalásia)nacomparaçãocompaísesdocentro,comoos da Europa e os Estados Unidos. O golpe fatal foi desferido pelopróprio FHC, um dos principais teóricos da dependência, que, napresidência do Brasil, “se voltou para políticas liberais de crescentedependêncianosmercadosglobais”.75

FoitambémpormeiodaCepal,comotrabalhodeRaulPrebisch,queoreceituáriodoeconomistainglêsJohnMaynardKeynes,“quepreconizaa ação do Estado na promoção e sustentação do pleno emprego emeconomiasempresariais”, foi introduzidonaAméricaLatina.NoBrasil,Celso Furtado foi “um dos primeiros expoentes do pensamento

keynesiano,apesardesuaspoucasreferênciasexplícitasaKeynes”.Suaobramais influente, Formação econômica do Brasil, é “reconhecida comouma aplicação da abordagemmacroeconômica proposta por Keynes àhistoriografiaeconômica”.76

Há pelo menos três décadas, dois polos de estudo e irradiação dopensamento keynesiano são a Universidade de Campinas (Unicamp),onde“oestudodeKeynesdecertaformaculminaumatrajetóriainiciadacomacríticamarxistaàsideiascepalinasnosanos1970”,eoInstitutodeEconomia daUFRJ, vinculado ao “pós-keynesianismo norte-americano,liderado por autores como Paul Davidson e Hyman Minsky”.77 AUnicampéaalmamaterdeváriospetistas,incluindoDilmaRousseff,queláteveacessoaopensamentointervencionistadeMinsky.

Fernando Henrique Cardoso foi eleito em 1994 pelos resultadospositivos do recém-nascido Plano Real. Assumiu o governo em 1º dejaneiro de 1995 com a economia do país numa situação ainda bastantecomplicada.Mesmoassim,manteveoplanodeestabilizaçãoeconômicaeiniciou as reformas e um programa de privatizações, que, juntos,“representavam uma ruptura com o fortemodelo estatista que surgiracomGetúlioeforaenfatizadoduranteoperíodomilitar”.78Rupturasemradicalismos.Seguindoaagendasocial-democrata,oEstadocontinuavaaintervirparaimporlimiteseregularomercado,alémdeimplementarpolíticassociais.

Em1997,FHCqueimouparteimportantedoseucapitalpolíticoparaaprovar a emenda constitucional que permitia a reeleição parapresidente, governador e prefeito. Só que a aprovação na Câmara dosDeputados teria sido conseguidapelo governo coma comprade votosdosparlamentares.AconfissãofoifeitaemgravaçãopordoisdeputadosfederaisdoAcrequeteriamvendidoseusvotosporR$200milcada.79

OspartidosdeoposiçãolideradospeloPTtentaramemvãoaprovarrequerimentoparaacriaçãodeumacomissãoparlamentardeinquérito.A investigação da Polícia Federal não deu em nada. O presidente foireeleitoparaosegundomandato,queduroude1ºdejaneirode1995a1ºdejaneirode1999.

Emoitoanoscomopresidente,ogovernodeFHCconcedeuosetordetelecomunicações a empresas privadas, vendeu algumas estatais,quebrou o monopólio nos segmentos de energia elétrica, petróleo enavegação de cabotagem, abriu o país ao capital estrangeiro, saneou osistema financeiro, fez uma reforma parcial na Previdência Social,conseguiuaaprovaçãodaLeideResponsabilidadeFiscal,promoveuumajuste fiscal, criou agências reguladoras e um sistema de meta deinflação.80

Para o governo, a concessão de monopólios estatais à iniciativaprivada teve importantes consequências positivas, incluindo a reduçãodos gastos públicos e o correspondente aumento da arrecadaçãotributária com mais empresas privadas pagando impostos. Para asociedade, os principais benefícios foram a saída do Estado de áreasimportantes da economia e a prestação privada de um serviço maisamploedemelhorqualidade.

A concessão, porém, provocou reações violentas de segmentosnacionalistaseestatistas,incluindo,claro,osuspeitodesempre,oPT.AoutorgadosistemaTelebrásàiniciativaprivadaeavendadaValedoRioDoce,porexemplo, foramobjetodedenúnciasque iamde interferênciaindevidadogovernoefavorecimentoaempresáriosacorrupção.EstefoiumdosváriosescândalosdogovernoFHC.81

Osetorde telecomunicações éumótimo exemplodosbenefíciosdaconcessãoaempresasprivadas.Atéaqueleano,conseguirumalinhadetelefonefixoeracaroedemorado.Oproprietáriodalinha,aocomprá-la,

se tornava obrigatoriamente acionista de alguma empresa estatal doSistemaTelebrás,quedetinhaomonopóliodoserviço.

Oaltopreçoeademoradoacessoaotelefonefuncionavamcomouminstrumentodeexclusãosocial.Ointeressereprimidoeafaltadeofertacriavamfilasdeesperaegeravamtodoummercadoparalelodecompraevendafacilitadas.Eraprecisorecorreraconhecidos,aamigos,aamigosdos amigos que trabalhavam na Telebrás para conseguir uma linha,mesmoqueessatransação,nãoraro,estivessedescritaemalgunsartigosdoCódigoPenal.

Telefoneeraumluxo.Pobrenãoo tinhaporquenãopodiapagar.Aprivatização permitiu que a sociedade passasse a ter acesso ao serviçoque, descobriu-se depois, era fundamental e que no futuro abriria asportasparaessaextraordináriatecnologiaqueéainternet.Deixamosdenospreocuparemteroserviçoepodemosdedicartempoetalentoparadecidiroquefazercomotelefone.Inclusive,ganhardinheiro.

O acesso ao serviço, o desenvolvimento tecnológico, certaprosperidadeeconômicaeoacesso fácil ao crédito tambémpermitiramqueaspessoasdescobrissemqueatelefoniafixaeracoisadopassado.Oscelularesocuparamo lugardo telefone tradicionalparadepois tambémseremutilizadoscomoumcomputadordebolso.

Com o celular, a empregada doméstica não precisava mais passarpeloconstrangimentodeatenderotelefonefixodacasaondetrabalhavaquando algum familiar ligava. Além disso, pela facilidade decomunicação,muitasmulherescomespíritoempreendedordeixaramdeser funcionárias fixas para se tornarem prestadoras de serviço comodiaristas.Passaramaganharmaisepuderamdaraos filhosumpadrãodevidaquejamaistiveram.

Apesar de todos os benefícios, o setor de telefonia no Brasil aindapeca pela baixa qualidade e pelos preços dos serviços. Outra crítica

importanteaserfeitadizrespeitoaomodelodeconcessãoescolhido,queestabeleceu oligopólios privados em vez de abrir omercado para umaverdadeira concorrência. O mais benéfico para os consumidores seriavárias companhias disputando o mercado por meio da oferta demelhores produtos, serviços e menor preço. O modelo em vigor, poroutrolado,fazcomqueaspoucasempresasvencedorasdoprocessodeconcessão sepreocupemmais ematender as exigênciasdogovernodoque as necessidades dos seus clientes. Quanto menor a concorrência,maioropoderdogoverno,dospolíticosedasgrandesempresas—epiorparanósusuários.

Nesse sentido, apesar do que prometem, a legislação antitruste e aatuaçãodasagênciasreguladorassãonocivasaosconsumidores.Nocasoda lei, a suaorigem (oShermanActnosEstadosUnidos em1890) estávinculadaà“tentativa(bem-sucedida)deempresáriosincompetentesdeusaremoEstadoparaatacarempresários competentes,que conquistampoder de mercado a partir da eficiência (produtos/serviços que sãoescolhidosvoluntariamentepelosconsumidores)”.82

TantonosEstadosUnidosquantonoBrasil,ondeoprincipalórgãode“promoção” da concorrência é o Conselho Administrativo de DefesaEconômica(Cade),asleisantitrustetêmconsequênciasnegativasporqueatentam contra a livre concorrência e impedem “atos de concentraçãoempresarial que criam empresas mais eficientes e, consequentemente,mais capazes de ofertar bens e serviços commaior qualidade emenorpreço”.83

A criação de agências reguladoras, com a desculpa de “organizar atransição do regime monopolístico para o regime concorrencial,promovendo a livre concorrência nosmercados antesmonopolizados”,faz parte do processo de privatização ou concessão. A lógicaintervencionista é a seguinte: uma vez privatizados, os antigosmonopólios públicos se tornarão monopólios privados. Por isso “a

necessidadedequetaisagênciasreguladoraspromovamaconcorrência,oquesefaz,paradoxalmente,adotando-semedidascomoocontroledaentradade agentes econômicos e fixaçãodepreços”.84O resultado?Asmedidasestataisparapromovê-laacabamporarruinaraconcorrência.

Agências reguladoras como a Agência Nacional de VigilânciaSanitária (Anvisa) e aAgênciaNacional de Telecomunicações (Anatel),na prática, “protegem as empresas dos consumidores” ao pretenderestipular os preços e os serviços que as empresas reguladas devemoferecer e também “protegem as empresas reguladas ao restringir aentradadenovasempresasnestemercado”.85

Com natureza contrária à livre iniciativa, ao livre mercado e àconcorrência,as“agênciasreguladorasnadamaissãodoqueumaparatoburocrático que tem a missão de cartelizar os setores regulados —formadospelas empresas favoritasdogoverno—,determinandoquempodeequemnãopodeentrarnomercado,eespecificandoquaisserviçosasempresasescolhidaspodemounãoofertar,impedindodestamaneiraquehajaqualquer‘perigo’delivreconcorrência”.86

OgovernoFHCconseguiu conceder o setorde telefonia à iniciativaprivada,masnãofoibem-sucedidoemalterarquasenadada legislaçãotrabalhista, sindical, judiciária e tributária, quatro tipos de câncer emmetástaseavançada.Eascrisesinternacionaisnosdoismandatosfizeramcom que o governo adotasse políticas econômicas restritivas queresultaramemaumentodeimpostos,elevaçãodataxadejuros,alteraçãodoregimecambial,reduçãodocrescimentoeaumentododesemprego.87

Emvirtudedosajustesrealizados,muitasempresasforamobrigadasafechar as portas e a demitir seus funcionários. Até os bancos foramafetados e alguns faliram. Para tentar evitar uma quebradeira geral nosistema bancário, o governo criou o Programa de Estímulo àReestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional

(Proer). O programa, que permitia ao Banco Central intervir, senecessário,nasinstituiçõesfinanceirasemdificuldades,fortaleceuosetore,depois,atraiuinvestimentosdebancosestrangeirosnopaís.

Se tecnicamente o Proer podia ser justificado pelo governo, para ocidadão comum não pegou nada bem ajudar banqueiro falido comdinheiro público. E a oposição, sempre comandada pelo previsível PT,soubeutilizardeformamuitoeficienteessefatoeanabolizouascríticas.

A oposição continuava a chamar FHCde agente do neoliberalismo,mas o presidente não esquecera seu compromisso com a bandeira daigualdade. A mão que privatizou foi a mesma que concedeu bolsassociais.O governo criou o bolsa-escola, bolsa-renda, bolsa-alimentação,auxílio-gás, além do salário mínimo para idosos e deficientes, edesenvolveu o programa de erradicação do trabalho infantil. Em 2004,mediante a lei nº 10.836, o governo do PTmalandramente reuniria osquatro primeiros programas sob o nome bolsa família, aumentaria osrecursosealegariaapaternidade.

Omais importantedaspolíticasbem-sucedidasdogovernodeFHC,como o Plano Real, o fim da inflação e as privatizações, foimostrar àpopulação como o governo atrapalha a vida das pessoas intervindodiretaou indiretamente—ecomoaajudaquandodeixadeatrapalhar.Nofundo,asconsequênciaspositivasdesuapresidênciamostraramque,afinal, conseguimos resolver nossos problemas e prosperar quando osobstáculosestataissãoremovidos.Aoadotarmedidasquereduziramosefeitos danosos da intervenção do governo em nossas vidas, desde ocontrole da inflação, passando pelas privatizações e pela abertura domercado, a administração de FHC permitiu que pudéssemos tocar asnossasvidassemnospreocuparmostantocomoEstadoquantoantes.E,mais do que isso, que pudéssemos ver que os obstáculos do passadotinhamoprópriogovernocomoumdeseusprincipaisresponsáveis.

Poroutro lado,numpaís comtradiçãopolíticaautoritária,governosintervencionistas, economia controlada, inflação, desestímulo àprosperidadeeproblemasgravesdepobreza,aspolíticassociaistinhamduploefeito:minimizavamas terríveiscondiçõesdevidadapopulaçãomiserável, mas reforçavam a ideia do Estado como instituiçãobenevolenteeassistencialista.

A mudança na economia permitiu a formação espontânea de umambiente e de uma ordem social um tanto diferentes, pois que nãodependiam tanto da política (apesar das intervenções quepermaneceram).Istoficaevidentequandoseobservaamaneiracomosecomporta a geraçãoque era criançadurante edepoisdoPlanoReal.Otrabalho, o dinheiro, a prosperidade passaram a ter um significadodiverso porque o poder de compra da moeda no dia seguinte era omesmododiaanterior.

Não precisávamos mais dedicar nosso tempo e esforços para lidarcom os efeitos da inflação, por exemplo. Em vez disso, podíamosdirecionarnossasenergiasparaaquiloqueeraimportanteparacadaumnós.Trabalhareprosperarficoumenosdifícil,assimcomodesfrutardosresultadosdaprosperidadenoconsumo,saúde,alimentação,lazer.

Atecnologiadoscomputadores,celularese internetnospermitiuteracesso fácil e rápido à informação do Brasil e à de outros países, aestabelecer contato com pessoas de vários cantos do planeta, a terreferênciaspositivas e negativas, a ter padrõesde comparação, sobre oque acontece dentro e fora do país.Omundo ficoumaior e o grau deexigênciatambém.

Depois de tudo o que aconteceu, e apesar do inegável sucesso doPlanoRealedapolíticasocial,osoitoanosdegovernoprovocaramumcansaçonapopulaçãoereduziramoprestígiopolíticodopresidente.Naeleição seguinte, nem FHC nem o PSDB conseguiram a proeza de

emplacar a insossa candidatura de José Serra, um intervencionista deprimeiragrandeza.Dessavez,a janeladeoportunidadeseabriuparaoeternocandidatodoPT,LuizInácioLuladaSilva,osindicalistadelínguapresaqueprometeuincendiaroBrasil.

RumoàestaçãoSion,oudecomoLulacolocouoEstadoaserviçodoPT

Antesdesereleitopresidenteem2002edeserpromovidoamessiaspelo PT, Lula ficou conhecido publicamente como o sindicalistaincendiárioquelideravaasgrevesemSãoPaulo,oquejádemonstravaoseugrandeapreçopelo trabalho.Eleprópriodeuoexemplo: trabalhouapenasnoveanoscomooperário(de1963a1972)atésetornarmilitantesindical88 e do PT, e depois político commandato (deputado federal epresidente).

Para coroar avidadedicada ao trabalho árduo, aposentou-se aos 42anos, como perseguido político, por ter ficado 31 dias na cadeia. Foinessaocasiãoquecometeuaquelequeprovavelmenteéoseumaioratorevolucionário: tentou driblar a greve de fome combinada entre oscompanheirosdecelaaoesconderdebaixodotravesseiroumpacotedebalasPaulistinha.89

Privadamente, Lula era conhecido nos escritórios dos diretores dasmontadorasdeveículosnãosópelashabilidadescomonegociador,maspelamaneiraempolgadacomquedeclaravaoseuamorpelaEscócia.Nosindicato dosmetalúrgicos, sua fama era bemmais prosaica: a deDonJuandejovensviúvasdesamparadas.

NumaentrevistaàrevistaPlayboyem1979,confessouterpedidoaumcolega do sindicato que o “avisasse sempre que aparecesse uma viúvabonitinha”.Umadelasfoisuaatualmulher,Marisa.Deumamaneiraumtanto peculiar, pavimentou seu caminho político para se tornar o quesemprefoi.

A história política de Lula começa no sindicato, mas sua relaçãoformalcomomundopolíticoseinicioucomoPT,partidoqueajudouafundar em 1980. A ata de fundação foi assinada por intelectuais,professores, religiosos e representantes de sindicatos no prédio doColégioSion,umaescoladeelitecriadaem1901elocalizadanobairrodeHigienópolis, em São Paulo, conhecido pela alta renda de seusmoradoresepelagrandepresençadejudeus.Ocolégio,quedeproletáriomarxista não tinha nemo nome, fazia parte daCongregação deNossaSenhora de Sion, criada na França, no século XIX, por TeodoroRatisbonne,umjudeuqueseconverteuaocatolicismo.

Um ano antes da criação do PT, sua proposta de fundação foiaprovada num congresso de metalúrgicos que lhe definiu as basesradicaisdaideologiaedométododeação.Oobjetivodofuturopartidoeraproclamarumaverdadeirarepúblicademocráticaesocialistaapartirdaorganizaçãoedamobilizaçãodostrabalhadoresparalutar“porsuasreivindicaçõesepelaconstruçãodeumasociedadejusta,semexploradoseexploradores”.90

Nummanifesto apresentado em 1980 essa orientação era ratificadacom a afirmação de “que o país só será efetivamente independentequandooEstadofordirigidopelasmassastrabalhadoras”.Odocumentoexplicava que, por essa razão, o PT pretendia “chegar ao governo e àdireçãodoEstadopara realizar umapolítica democrática, dopontodevista dos trabalhadores, tanto no plano econômico quanto no planosocial”.91

Comessediscursoradical,boapartedeleinfluenciadopeloscatólicossocialistas (este oximoro) vinculados à Teologia da Libertação e àsComunidades Eclesiais de Base que participaram da fundação dopartido,oPTconseguiuchamaraatençãoeseduzirmuitagentequeoujáestavaligadaaosocialismoeaocomunismoouqueestavaembuscadeumarepresentaçãopolíticaparaestabelecerumcompromissoideológico.

Inclusive, a Teologia da Libertação, “a versão, inquestionavelmentereligiosa, da vulgata marxista” e um dos grupos responsáveis porconvertero“marxismoemobjetodeculto”,conseguiu“alcançargrandeinfluência na Igreja Católica”. No Brasil, “tudo indica que se trata dacorrentedemaiorinfluência,porquantodominaclaramenteainstituiçãoquearepresenta,aConfederaçãoNacionaldosBisposdoBrasil”,92quenãoéumacongregaçãooficialdacúriaromana.

OtrabalhodemilitânciaedeformaçãoconduzidopeloPTfoiintenso,o que serviu para dar uma coesão ao partido,muito embora houvesseinternamente um intenso debate e grande disputa entre os grupos dediferentescorrentesideológicas.

Vários jornalistas e intelectuais não apenas embarcaram nesse trempetista rumo à estação Sion93 como se prontificaram a legitimarintelectualmenteeadisseminarasideiasdopartidonasuniversidadesenaimprensa.

MasasderrotasparaCollornaeleiçãode1989eparaFHCnade1994,junto com a queda do muro de Berlim e a aparente vitória do tal“neoliberalismo”,criaramumambienteextremamentedesfavorávelparaum partido que defendia o oposto daquilo que estava acontecendo nomundo. A nova situação provocou no PT a necessidade de rever aestratégiapolíticaparaadisputaeleitoral.HáquemvejanessarevisãodemétodoumarupturadoPTcomoseuespíritofundador.94

Aoadotaressapostura,opartidoteriaoptadopormanterduasalmascontraditórias:umaquesustentavaodiscursodainclusãodospobreseamelhorianacondiçãodostrabalhadoreseoutraqueaceitavaaburguesiae a iniciativa privada. Os dois mandatos de Lula, segundo essaperspectiva,teriamsidoasíntesecontraditóriadessasduasalmas.95

Nãofoibemassim.

A mudança de tom nos discursos e em alguns documentosestrategicamenteelaboradosparaamaciaraopiniãopúblicaeosgrandesempresários e banqueiros não modificou a natureza ideológica dopartido, apenas adequou o método e as formas de ação ao novomomentohistórico.

A cadeia de comando do PT percebeu que não deveria exporpublicamente o radicalismodos velhos temposnem ter os empresárioscomo inimigos.Eramelhor emais eficiente,dopontodevistapolítico,suavizar o discurso e a postura sem alterar a sua substância, etransformarosempresáriosemaliados, financiadoresedependentesdopartidonopoder.Essemétodo,quedenovonadatinha,ampliavaabasede simpatizantes e de eleitores, e garantia financiamento e podereconômico.

Não foi por acaso que, para vencer a eleição de 2002, Lula e o PTforamobrigadosaabrirmãododiscursoestatistaeintervencionistaquehaviamdefendidonasfracassadaseleiçõesde1989,1994e1998.A“Cartaao Povo Brasileiro”, divulgada em 2002, era uma estratégia do partidoparaconvencerasociedade,osgrandesempresários,osinvestidoreseosbanqueirosdequenãopretendiamaistransformaroBrasilnaCoreiadoNorte.Mais:que,seLulafosseeleito,manteriaaestabilidadeeconômica,respeitariaosacordosecontratosestabelecidospelogovernoFHC,agiriaemconformidadecomasleisetc.Deucerto.DeucertoparaoPT,paraospetistaseparaosseusaliadosefinanciadores, incluindoosbancos,quetiveramlucrosrecordesduranteapresidênciadeLula(de2003a2007ede2007a2011).

Para fazer do Estado um instrumento a serviço do partido, o PTaumentouonúmerodeministérioseaparelhouaadministraçãopública.LulaherdoudeFHCumgovernocom24ministériose sete secretarias.Manteveonúmerodeministros,masaumentouparatrezeaquantidadede secretarias. Sua sucessora, Dilma Rousseff, preservaria os 24

ministérios, mas aumentaria para quinze o número de secretários. Em2015, ao iniciar o segundo mandato, Dilma manteve as 39 pastas,somandoosministérioseassecretarias.

Para se ter uma ideia do aumento histórico do tamanho do Estadonesseaspecto,noprimeirogovernodaRepública,presididoporDeodorodaFonseca,haviaoitoministérios.DuranteaRepúblicaVelha,emmédia,osgovernos trabalharamcomnoveministros.Duranteo longoperíododeVargasnopoder,haviadezministérios.

O último presidente militar, João Figueiredo, deixou a presidênciacom dezesseis ministérios.96 Sarney saiu do governo legando 24ministérios e cinco secretarias. Ao ser afastado da presidência, Collortinhadezesseteministros edez secretários. Itamar aumentoupara 21 onúmerodeministériosereduziuparaquatroodesecretarias.97

Depoisdeaumentarotamanhodapresidência,ogovernoLulapartiupara aparelhar o Estado. Colocou gente do partido, ou diretamentevinculadaaoPT,emdiversasáreasdaadministraçãoepassouausaraseu favor, ou em benefício dos apadrinhados, as empresas e bancosestatais, como a Petrobras, aCaixa e o BNDES, institutos de pesquisascomo o Ipea, agências reguladoras, fundos de pensão, Receita Federal,PolíciaFederaleatéoItamaraty.98

NosprimeirosoitomesesdapresidênciadeLulaopartidonomeou15milpessoasparacargosdeconfiança,quenãoexigemconcursopúblico.OqueoPTexigiaeraatestadoideológicoedefidelidade.99Dessaforma,amáquinaestatal funcionariadeacordocomasdiretrizesdacadeiadecomandodopartido.

Nosegundomandato,onúmerodenomeadossemconcursopassoupara23mil.Dessetotal,segundoinformaçõesdopróprioPT,5mileramfiliados ao partido e pagavam de maneira oficial a contribuiçãopartidária(nãofoiinformadoseosdemais,emboranãofiliados,eramde

alguma forma ligados ao partido). Era uma fonte de renda volumosa,certa,seguraecrescente.

De2001a2014,períodoquecomeçanoúltimoanodogovernoFHCese prolonga pelos dois mandatos de Lula até o penúltimo ano daprimeiragestãodeDilma,houveumcrescimentode64%nonúmerodecargos de livre nomeação e um aumento de 40% no valor dasgratificações.100

Em dez anos no poder, o PT transformou “a máquina estatal emcorreia de transmissão do partido, de acordo com os princípiosleninistas”, e aumentou significativamente a sua receita partidária com“o pagamento obrigatório do dízimo” realizado pelos seus filiados.101

EraaestratégiaadequadaparacolocaroEstadoaserviçodospetistas.

Mas, em2006,uma resoluçãodoTribunalSuperiorEleitoralproibiuessetipodecontribuiçãoparaquemocupassecargodeconfiança.102Aseacreditar no que informou o partido em 2010, houve queda nacontribuição individualapartirdadecisãodoTSE.Emcontrapartida,acontribuiçãodasempresasaumentou,assimcomoonúmerodepetistasempresários emilionários, comoLulinha, filhodeLula,umverdadeiroprodígio empresarial que, após a eleição do pai, passou em temporecordedemonitordezoológicoaricoeprósperohomemdenegócios.

AlémdaspessoasnomeadaspeloPT,opartidotambémcontavacommilharesdemilitantesesimpatizantes,filiadosounão,quejáintegravama administração e a burocracia estatal. Era um grupo numeroso deservidores públicos concursados ou que haviam entrado antes daConstituiçãode1988,quepassouaexigirconcurso.Aunião,defato,fezaforça,cabeloebigode.

AparelharoEstadoéamaneiramaiseficientedecontrolaroquesepassanogoverno,oquesignifica terpodersobrealiados,adversárioseinimigos.Opartido colocou seus representantes para ocupar espaços e

ampliar a dimensão de sua atuação, estendendo seus tentáculos einfluênciapara todasasesferasdoPoderExecutivo federal.Nomelhorestilo patrimonialista, usou o Estado como se fosse propriedade dopartido. Com isso, os petistas conseguiram, inclusive, comprometer otrabalhodereferênciarealizadoporórgãoscomooInstitutoNacionaldoCâncer (Inca) e a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária(Embrapa).

Aocupaçãodeespaçoseaguladospetistasedeseusaliadostambémresultaram em sucessivos escândalos de corrupção.103 Os maisemblemáticosforamaquelesenvolvendoWaldomiroDiniz,104osdólaresna cueca,105 a corrupção nos Correios,106 o caso Erenice Guerra107 e omais famoso até aquele momento, o mensalão,108 um monumentalesquema de compra e venda de votos de deputados federais paraaprovaçãodeprojetosdogoverno.

Em 2014, já no governoDilma, o STF concluiu o julgamento com acondenaçãode25dos37réusnaaçãopenalnº470peloscrimesdedesviode recursos públicos, gestão fraudulenta, lavagem de dinheiro,corrupção, evasão de divisas e formação de quadrilha. Dentre oscondenados filiados ao PT estavam o ex-presidente do partido JoséGenoino,oex-tesoureiroDelúbioSoares,odeputadofederalJoãoPauloCunhaeoex-ministrodaCasaCivilJoséDirceu,apontadocomoochefedomensalãopeloprocurador-geraldaRepública,RobertoGurgel,epeloentãopresidentedoSTFerelatordoprocesso,ministroJoaquimBarbosa.Nunca antesnahistóriadestepaísumpartidopolíticono comandodogoverno federal havia conseguido desmoralizar completamente acorrupção.

Mas a corrupção não foi a única a ser alvo do governo e de seusaliados.Comosescândalosdecorrupçãoeaquedadamáscaradaética,oPTjánãotinhamaistantosjornalistasaoseulado.Se,nopassado,umaparcelaconsideráveldosprofissionaisdeimprensahaviaapoiadooPTe

Lulapor ideologia ou simpatia pelodiscursodaprobidadenapolítica,dessa vez era preciso ver quem estava disponível no mercado paravenderoualugarsuapena.

Para cuidar desse problema, o governo construiu uma máquinaprofissional endinheirada de apoio à imprensa chapa-branca, ou seja,favorávelaoPT.ASecretariadeComunicaçãoSocialcomandadapeloex-jornalista Franklin Martins direcionou milhões de reais da sociedadebrasileiraparafinanciarveículosdecomunicação(jornais,revistas,sites,blogs)queteriamamissãodefazerpropagandaedefenderopartidoeopresidente,eatacarosinimigos.

Acomunicaçãosocialdogoverno,oficialeoficiosa,aumentouaindamaisapresençadoEstadonavidadaspessoasaoiniciaretentarditarosrumos do debate público. Por outro lado, essa radicalização provocouumareaçãoquefoisetornandocadavezmaisviolenta.Hoje,oFacebookeoTwittersãoograndepalcododueloestabelecidopelospetistasentre“nós” e “eles”. Muita gente se contrapôs a essa estupidez de formacontundenteeinteligente,masoutroscaíramnaarmadilharepetindoosvíciosetrejeitosdospetistas.

O secretário de Comunicação Social, que na década de 1960 foimembro do grupo terrorista MR-8, responsável por vários crimes,incluindoosequestrodoembaixadoramericanoCharlesElbrickem1969,ainda tentou emplacar um projeto de regulação e normatização dosmeiosdecomunicação.

Aproposta incluíaa criaçãodeumconselhodecomunicaçãocomafinalidadedecontrolaroconteúdodaimprensa.Funcionaria,naprática,comoumaespéciedeórgãofiscalizadorparaidentificareposteriormenteperseguirosjornalistaseosveículosdecomunicação.ApropostafoitãocriticadapelaimprensaepegoutãomalpublicamentequenemLulanemDilma quiseram segurar o pepino. O projeto foi engavetado, mas a

gavetaémantidaabertapelospetistas,quevoltaemeiaameaçamproporumaleiparacontrolaramídia.

No plano social, o governo Lula reuniu os programas criados napresidênciadeFHCeampliousignificativamenteovolumederecursos.O bolsa família, depois do fracasso do programa Fome Zero, era amenina dos olhos do presidente, que não se cansava de louvar a simesmoeaoseugovernopelocombateàpobrezaeàdesigualdadesocial.

Programas sociais comoobolsa famíliade fato ajudampessoas querealmente precisam de ajuda. Paramuitos é a diferença entre comer epassarfome.Istoéumameraconstatação.Mas,dopontodevistapolíticoecultural,criamalgunsproblemasbastantecomplicados:

1) a dependência do Estado, que estimula ou reforça amentalidadeestatista;

2) a consolidaçãopolíticadesse tipodeprograma,quenãoresolveoproblemadapobrezaesóajudaospolíticosquedelesebeneficiam;e

3) o discurso pautado na divisão de classes sociais, queacabaporgerarconflitosartificiaisentrebrasileirosquepodemajudar(voluntariamente)eaquelesqueprecisamdeajuda.

Quando políticos como Lula atacam as pessoas que trabalhamparafinanciarcompulsoriamenteogovernoeosprogramassociais,nãoestãosendo apenas ofensivos,mas definindo os termos de uma clivagemdasociedadeemquesecolocamcomoárbitroslegítimosdoconflitoqueelespróprioscriaram.Dessamaneira,deslocamodebateparaocampoondejáentramcomovencedores,principalmentequandosetratadequestõescomoauxílioaospobres.Muitagente,pornãosaberdisso,entranojogoeseestrepa.

Paradoxalmente, um aspecto interessante do bolsa família édemonstrar que os beneficiários sabem administrar muito melhor o

dinheiroquerecebemdoquequalquerpolíticoouburocratadeBrasília— apesar da possibilidade de o programa criar uma cultura deacomodaçãoedependência,emanternopoderpolíticoscomprometidosa manter os vícios do sistema como um todo. Se o governo tentasseconceber órgãos para prover aquilo de que o beneficiário precisa(alimentação, vestuário, produtos de higiene etc.), o programa já teriafracassadocomotantosoutros.

Para os políticos, uma das grandes vantagens do bolsa família nacomparação com outros programas governamentais é que traz ótimosdividendoseleitoraiscustandomuitopouco,apenas0,4%doPIB.Eaindapermite ao governo usar os projetos sociais como justificativa paraaumentarosimpostos.Eassimfoifeito.

Lulaterminouseusegundomandato,em2011,impondoàsociedadebrasileiraumacarga tributáriabruta totalde35,3%doProduto InternoBruto (PIB), ou seja, aumentou os já elevados 32,3%deixados em 2002pelopresidenteFHC.109

Outra consequência do bolsa família foi dar vida a uma versãoatualizada do coronelismo da República Velha. O PT tirou imensoproveito da situação. Uma vez que milhões de famílias beneficiadasidentificavamemLulaocriadordoprogramaedependiam,dealgumamaneira, dos chefes da política local para continuarem a receber obenefício,opartidoganhavaduasvezes,comoapoiodosbeneficiadosedospolíticosmunicipais. Se oPSDBpode ser acusadode serneoliberal,nãoseriainadequadochamaroPTdeneocoronelista.

Nessesentido,élegítimaaafirmaçãodeque“Luladeunovosentidohistóricoàsvelhasoligarquias estaduais, acobertou casosde corrupção,transformou o PT em simples correia de transmissão de sua vontadepessoal, infantilizou a política e privatizou o Estado em proveito dogrande capital e de seus aliados”.110 A formação de uma base de

sustentação política formada por antigos “inimigos” como RenanCalheiros,JoséSarneyeFernandoCollornãofoiumrompimentodeLulaedoPTcomasuahistória,masodesenvolvimentonaturaldealiançascomparceirosdeideologiaoudepráticaspolíticasintervencionistas.

Encerrados os doismandatos, Lula conseguiu eleger na presidênciasua sucessora, Dilma Rousseff, que preservou os aliados e a base deapoiodogoverno.Mashavia reduzidoapolítica, as instituições eumapartedasociedadeàsuaprópriaestatura.LulaeoPTconseguiramalgoqueparecia impossível:desmoralizaramnãoapenasacorrupção,masapolítica brasileira, incorporando e exercitando vários elementos decaráter centralizador, do patrimonialismo ao positivismo castilhista, docoronelismoaovarguismo,doautoritarismomilitarao fisiologismodasoligarquias regionais. O lulo-petismo é, no fundo, a experiência bem-sucedida (nomau sentido) da tradição autoritária e patrimonialista dapolíticabrasileira.

A presidente que fez do governo a sua imagem esemelhança,oupetistaachafeiotudooquenãoéespelho

Não é fácil falar de um governo cuja presidente é incompreensíveltanto quando fala quanto quando age. Se o presidente Lula falavademais, e quantomais falavamais se complicava,DilmaRousseff, quefalamenos, não diz coisa com coisa.No futuro, será lembrada por terfeitodogovernoaexpressãodoseutalentoparaacomunicação.

Quando o entãopresidente Lula impôs aoPT a candidaturade suaministra-chefedaCasaCivil,DilmaRoussefferaumadesconhecidaparaamaioriadenósbrasileiros.Eletentouvendê-lacomoumamulherséria,respeitada e que agia segundo critérios técnicos, não políticos. Sómaistarde,quandoela jáestavanapresidência,descobrimosqueaeficiênciadeDilmaeratãoconfiávelquantoaspromessasdeLula.

Mas, de novo, a estratégia eleitoral do PT foi bem-sucedida, nãoapenasporquetinhasido,defato,eficiente,masporquenuncaantesnahistória deste país um governo teve uma oposição tão benéfica (eincompetente)àsituaçãonopoder.AcampanhadocandidatodoPSDB,JoséSerra, foi constrangedora.Dilmavenceue foi empossadaem1ºdejaneiro de 2011 para cumprir omandato até 1º de janeiro de 2015.Naeleição realizada no dia 5 de outubro de 2014, Dilma conseguiu sereelegerparaumnovomandatoque, formalmente,seencerrarianodia1ºdejaneirode2019.

Seaté2010Dilmaeraumasemidesconhecida,o iníciodacampanhaeleitoral daquele ano também permitiu que conhecêssemos parte dopassadodelaemtodooseuesplendor.Acomeçarpelasuaatuaçãocomoterrorista.

De 1967 a 1972, militou em três organizações clandestinas quedefendiam e praticavam a luta armada: Política Operária (Polop),Comando de Libertação Nacional (Colina) e Vanguarda ArmadaRevolucionária Palmares (VAR-Palmares). Usou cinco nomes falsos(Estela, Wanda, Luiza, Marina e Maria Lúcia), participou de váriasoperações criminosas, assaltou bancos, transportou armas para oscompanheiros, ensinou marxismo para outros militantes, foi presa etorturada.Dilmasónegouterparticipadodeaçõesarmadas,edissequefoi presa por subversão por se opor ao regime militar.111 Eu, claro,acredito.

Filha de uma família de classe média alta de Belo Horizonte eestudante do colégio Sion (olha aí o Sion de novo), tornou-semarxistapor influência da revolução cubana em 1959.Mas sua entrada na lutaarmadateriaocorridopelasmãosdomarido,CláudioGalenoLinhares,enomesmoanoemquecasaram,1967,trêsanosdepoisdogolpemilitar.

No ano seguinte,Dilma começaria a participar de assaltos a bancosemBH.Em1969,depoisdaprisãodeoutros terroristasdaColinaedaapreensão de armas, ela e o marido caíram na clandestinidade. Dilmatornou-se uma das comandantes da organização, que logo depois sefunde com outra, formando a VAR-Palmares. Em janeiro de 1970, foipresa e, segundo afirma, torturada. Em dezembro de 1972, depois dequase três anos, deixou a cadeia emudou-se para PortoAlegre com onovocompanheiro,CarlosdeAraújo,quetambémfoimilitantedaVAR-Palmares.

Oitoanosmaistarde,jáem1980,juntocomLeonelBrizola,conhecidolíder político gaúcho, Dilma ajudou a fundar o Partido DemocráticoTrabalhista(PDT).OcuriosoéqueaintençãodeBrizolaem1979,quandoaindaestavanoexílioemLisboa,nãoerafundarumnovopartido,masreativaroPartidoTrabalhistaBrasileiro(PTB)criadoporGetúlioVargasepresididoporJoãoGoulart,queforaseucunhado.Suaintençãonãofoiadianteporqueasigla foradominadaporumgrupo lideradopor IveteVargas,sobrinha-netadeGetúlioVargas.

Num encontro de trabalhistas brasileiros realizado na capitalportuguesa em 1979, com a participação do líder político português erepresentanteda InternacionalSocialista,MárioSoares, foi formuladoodocumentoqueserviudebaseparaoPDT.

A Carta de Lisboa condicionava o uso da propriedade privada “àsexigênciasdobem-estarsocial”edefendia“a intervençãodoEstadonaeconomia,mascomopodernormativo,umapropostasindicalbaseadanaliberdade e na autonomia sindicais e uma sociedade socialista edemocrática”.112 Qualquer semelhança com a função social dapropriedade definida na Constituição de 1988 é mera coincidênciaideológica.

Já formadaemeconomia, oDNAestatistadeDilmaestavabastanteconsolidadoquando, em 1986, começou a trabalhar no serviçopúblico,como secretária da Fazenda da prefeitura de Porto Alegre, na épocaadministrada por ummembro do PDT. Sua aproximação com o PT sedeuquandochamadaparasersecretáriadeMinaseEnergiadogovernodopetistaOlívioDutra(1999-2002)noRioGrandedoSul.

Em 2001, convidada para participar das reuniões da equipe decampanhadeLula,Dilmachamouaatençãodocandidato,que,tãologoeleito,em2002,aconvidouparaserministra.Em2005,comaquedadeJoséDirceu,foinomeadaministra-chefedaCasaCivil.

Cincoanosdepois,DilmaseafastoudocargoparaseracandidatadoPT à presidência por decisão de Lula, que não só utilizou a máquinaestatal em benefício de sua candidata como fez intenso uso de suaimaginaçãoparamoldarosfatosàsuaconcepçãoderealidade.

Dilmavenceu adisputa contra José Serra, político socialista que, nacampanha, agiu comoum intervencionista aindamais ferrenhodo queDilma. O que, aliás, não era nenhuma novidade. Serra já demonstraratodo o seu afeto pela intervenção estatal na malsucedida campanhapresidencialde2002.

Lula foi eleito e reeleito com o discurso que invocava o mito dooperário sem escolaridade que vencera na vida. No caso de Dilma,aproveitouseutalentodecontadordehistóriasparaconvertê-laemsuaversãofeminina.

Eleita,DilmarecebeudeLulanãosóapresidência,masumaestruturadepoderaparelhadapelopartidoeumlegadonadavirtuoso.Partedessaherança foi depois decidida no STF com o nome de julgamento domensalão.

MasDilmateriaasuaprópriacotadeescândalos.Equecota.Desdeoque implicava a sua ex-assessora no gabinete da presidência, Erenice

Guerra,eosnovos,113envolvendoministrosdeseugoverno,denúnciasde corrupção, favorecimentode empresários pelo BNDES e de aliados,perseguiçãoa adversários,114 até aquelequemarcariadevezo finaldeseuprimeirogovernoeoiníciodosegundo:opetrolão,apontadocomosendoomaioresquemadecorrupçãoedesviodedinheirodahistóriadapolítica brasileira— e com potencial para transformar omensalão emroubodegalinha.115

E engana-se quem acredita que práticas como as evidenciadas pelomensalãoepetrolão sejammerosdesvios éticos; são, substantivamente,elementosestruturaisdaideologiaedapráxisdepartidossocialistasqueveem seus próprios crimes como sendo algo nobre, uma “marcacaracterísticadeautenticidade”,116 eosadversáriosedemais ideologiascomo“oponentesaseremeliminados”.117

Junto com a denúncia do gigantesco esquema de corrupçãoenvolvendooPT,outrograveproblemafoiadecisãodogovernoDilmade utilizar a Petrobras para definir artificialmente o preço doscombustíveis na tentativa demantê-lo estável e, dessa forma, tambémcontrolar a inflação. Os desvios de dinheiro somados aos prejuízos docontrole de preços fizeram com que a empresa perdesse bilhões dedólares,incluindoosregistradoscomaquedadasaçõesnabolsa.

O governo também controlou artificialmente o preço das tarifas deenergia elétrica, que, inclusive, foram reduzidas em 2013,desorganizandocompletamenteo setor.Comoé impossívelmanterpormuito tempo esse tipo de intervenção, os problemas começaram aaparecer e foram potencializados pela prolongada falta de chuvas queimpôs uma redução drástica no nível dos reservatórios do país. Aestiageme a impossibilidadedemanterospreços sob controle tiveramcomoconsequênciainevitávelumaltoreajustedastarifas.Maisumavez,fomosobrigadosapagaracontadaincompetênciadogoverno.

AssimcomofezadeLula,apresidênciadeDilmatestouoslimitesdeaceitaçãodasociedadecompropostasqueaumentavamopoderpolíticodoPTeminavamapossibilidadedeoposiçãocivil.Aosugerirmedidasmaisradicais,abriamcaminhoparaoutrasque,nacomparação,pareciammais brandas,mas não erammenos efetivas. Foi assim como controlesocialdamídia,foiassimcomomarcocivildainternet,foiassimcomodecretopresidencialnº8.243de23demaiode2014.Umapalavraresumeaspropostasdopartido:controle.

O decreto estabeleceu legalmente uma política nacional departicipação social, chefiada pela Secretaria-Geral da Presidência daRepública, para conceder aos movimentos sociais o controle de certosmecanismos de atuação e decisão políticas que deveriam pautar aadministraçãopúblicanaformulaçãodosseusprogramas.ComoéoPTque influencia ou determina a ação dos “coletivos,movimentos sociaisinstitucionalizados ou não institucionalizados, suas redes e suasorganizações”, o partido passaria a ter nas mãos um enorme poderpolítico, mesmo estando fora da presidência. O decreto fragilizavaqualquer partido concorrente que ocupasse o Poder Executivo e oCongressoNacional,quereagiurevogandoosefeitosdanorma.

No plano econômico, funcionava às mil maravilhas a políticaeconômicadogovernoseoobjetivoeraatrapalharavidadaspessoasearruinaraeconomianacional.Ainflaçãovoltouasertemadasconversasno dia a dia, o resultado do PIB provocava constrangimento e o entãoministro da Fazenda, Guido Mantega, se tornou o candidato anualfavoritoaoPrêmioIgNobeldeEconomia.118

Com o ministro Mantega, a política econômica do governo Dilmatinhacheirodenaftalina.Suasdecisõeseramumamisturadonacional-desenvolvimentismo iniciado por Vargas na década de 1930, e queganhou evidência durante o regime militar, e da já mencionadaconcepção defendida por economistas da Cepal nas décadas de 1950 e

1960. Juntos, o nacional-desenvolvimentismo e o cepalismo eramimbatíveis na implementação de protecionismo, intervencionismo,dirigismo,nacionalismoeinflacionismo.

Umexemploajudaamostrardequemaneiraessasduasperspectivasantieconômicas se complementam e nos fazem mal. Em 2012, Dilmaanunciouanovapolíticaindustrialparaopaís.Umadasmedidaseraareformulação das linhas de financiamento do Banco Nacional deDesenvolvimentoEconômicoeSocial(BNDES)quehaviamsidocriadaspelo governo Lula para ajudar alguns segmentos econômicos que,prejudicados pelo governo e/ou pela própria incompetência, foramafetados pela concorrência de produtos importados. As modificaçõesaumentaramaquantidadedesetoresfavorecidos,reduziramastaxasdejuroseampliaramoprazodepagamento.

A medida nos foi vendida como um grande apoio do governo àsempresasnacionais.Masoquerepresentavadefato?

Primeiro, beneficiava um grupo de atividades econômicas emdetrimentodetodasasoutras,tãooumaisprejudicadaspelosprogramaseconômicosestatais.

Segundo,aoprivilegiaralgumasempresas,podia,àmaneiradopactoentreMefistófeles e Faustono romancedeGoethe, cobrar apoio futurodosempresários.

Terceiro, transmitia a todos os empresários não beneficiados ainformaçãodequeéogovernoquemandanaeconomia,edequeformapodeajudarouatrapalhar.

Quarto, o aumento do volume de empréstimos concedidos peloBNDES,comtaxasubsidiadadeR$208bilhõesparaR$227bilhões,seriapagoportodosnós.

Tanto neste exemplo do BNDES como em tantos outros, somosobrigados a pagar para sermosprejudicados pelo governo.No casode

Mantega,omelhorepitáfioparasuaatuaçãonapastadaFazendaseria“MinistérioCurupira:porqueandarparaafrenteéandarparatrás”.

Dilma nem poderia dizer que o governo do PT, somando os doismandatosdeLulaepartedoseu,fezopaíscrescer.Algunsindicadoresmostram que o Brasil, por vários motivos, melhorou, mas o estudoAdécada perdida: 2003-2012 mostrou que “crescemosmenos e assentamosbasesmaisfrágeisparaofuturodoquepaísessimilares.Nessesentido,perdemosadécada”.119

Para completar o quadro clínico, além das ideias da Cepal e donacional-desenvolvimentismo,Dilmaseamparavaemoutrodefensordointervencionismoestatal, o economista americanoHymanMinsky.120Apresidente teve acesso ao trabalho de Minsky quando foi aluna domestrado(inacabado)emeconomianaUnicamp.

Em 2012, o departamento de economia da Unicamp se tornariainternacionalmente famoso ao conceder o título de doutor a umahagiografiadogovernoLulaescritapelopetistaAloizioMercadantecomo títuloAs bases do novo desenvolvimentismo no Brasil: Análise do governoLula(2003-2010).121Em1986,Mercadantejádeixaraseunomegravadonahistória da comédia nacional ao celebrar na TV o Plano Cruzado e odesastroso congelamento de preços promovido pelo governo de JoséSarney.122

DilmacaiudeencantosporMinskypelasuapropostadedefenderumsocialismo com aparência de capitalismo. Em suma, um socialismotravesti, deperuca, batome salto alto.Comumdiscursoque agregavaeficiência econômica, justiça social e liberdade individual, Minskyformulouumahipóteseda instabilidadefinanceiraque,seguidaàrisca,colocariaemcausaaeficiência,ajustiçaealiberdade.

Partindo da ideia de que o sistema financeiro alterna períodos deprosperidade e de instabilidade, o economista recomendou, como

solução para as crises provocadas por bolhas especulativas, algumasintervençõesdogoverno,comoestímulosfiscaiseempréstimosdoBancoCentral.E,claro,omercadofinanceirodeveriaserfortementeregulado.

Suaproposta estava emparte alicerçadanopensamentodeKeynes.Minsky, qualificado como um economista pós-keynesiano, parecia serfavorávelaumapolíticaintervencionistapermanente,quetransbordassepara outras áreas que não apenas o sistema financeiro. Ele tambémacreditava que o Estado deveria garantir pleno emprego a partir depolíticas públicas que assegurassem trabalho remunerado para todos,independentementedaqualificação(edavontade)dotrabalhador.

ParaumcoraçãoestatistacomoodeDilma,aspropostasdeMinskyeram comouma espécie de príncipe encantado estatista.Oproblema éque, ao contráriodocontode fadas,quembeijasseMinskyvirava sapointervencionista.Eadivinhequemseriaobrigadoaalimentarosapo?

Mesmocomavacaindoparaobrejojuntocomtodooreinoanimal,ogovernomantinha o discurso nacionalista, populista e intervencionista.Diante de qualquer problema, era preciso mais Estado, e a presidenteestava ali para resolver, mesmo se resolver significasse jogar a batataquente nas mãos da iniciativa privada, como no caso de algunsaeroportos,oquenãofoimáideia.

Erapreciso,maisdoquenunca,convenceroscompatriotasdequeasdecisõesequivocadasqueproduziramresultadosdesastrososconsistiam,naverdade,ematospolíticosnecessáriosparacolocaropaísnostrilhos.Mas, considerando o grave problema de infraestrutura, onde diabosestavamostrilhos?

Dilma foi além e certamente encheu de orgulho seu mentor Lula.Diante dos índices econômicos desoladores, ignorou o que haviaprometido e transformou a “gestão do país numa aventura fadada aofracasso”.123Masmanteveumvigorosodiscurso“social”, incitoua luta

de classes (inclusive no episódio das vaias na Copa do Mundo defutebol)etransferiuasresponsabilidadesdosinsucessosdeseugovernoparaasmaléficaselitesbrancas.Dilma,comosabido,épretaepobre.

Com sua reconhecida eficiência para ser ineficiente, para além datradicional ineficiência dos governos brasileiros, a administração dapresidenteDilmamanteve,emmaioroumenorgrau,olegadodosseusantecessoressobreotãofaladocustoBrasil.

EoqueéocustoBrasil?Asomada“incompetênciacrônicadenossosgovernos”coma“elevadacargatributáriaecomplexidadedosistemadetributos,estúpidaburocracia,altoscustosparaandaremdiacomofisco,fortíssimos encargos trabalhistas, estradas esburacadas e obsoletas,sistemaferroviárioinexpressivoedeficiente,estruturaportuáriabastanteineficiente, navegação de cabotagem praticamente inexistente e outrasdebilidades”.124

Dilmatambémentrouparaahistóriarecentedopaísporterfechadoosnossosportos 206 anosdepoisdeD. JoãoVI tê-los aberto às naçõesamigas. Em setembro de 2014, aumentou os já elevados impostos deimportação de cem produtos para tentar resolver um problema criadopor uma série de decisões equivocadas de seu governo, que tambémficoumarcadopelaengenhariatributáriaparaocultaroserrosdepolíticaeconômica.

Antes mesmo de dar seu último suspiro no primeiro mandato, apresidênciadacompanheiraDilmaRousseffconfirmouacélebrefrasedosaudosoStanislawPontePreta:hásujeitostãoinábeisqueasuaausênciapreencheumalacuna.

Mas nem todos nós concordamos que inabilidade, incompetência,autoritarismoetcatervasejamalgoassimtãoruimourelevantenaescolhadocandidato.Muitosachamatécondiçãosinequanonparaserpolítico.Tanto que na eleição presidencial realizada em outubro de 2014,

54.501.118 de eleitores reelegeram a presidente Dilma Rousseff nosegundoturnodevotação.

OanúnciodoresultadofoifeitopeloministrodoSTFepresidentedoTribunalSuperiorEleitoral(TSE),DiasToffoli,ex-advogadodoPTeex-subchefe de Assuntos Jurídicos da Casa Civil na época do ex-ministroJoséDirceu,quefoicondenadoeficouumanopresoporenvolvimentonoesquemadomensalão.Emnovembrode2014,Dirceufoiautorizadopelo STF a cumprir o restante da pena de sete anos e onzemeses emprisãodomiciliar,benefíciotambémconcedidoadoisoutroscondenados:JoséGenoíno (ex-presidente do PT) eDelúbio Soares (ex-tesoureiro dopartido).Ao seu lado noTSE, estavamosministrosAdmarGonzaga eLuciana Lóssio, que atuaram como advogados do PT em 2010 nacampanhadeDilmaRousseff.

Aconquistanasurnas,porém,nãorepresentouumavitóriapolítica.Mesmo tendo à disposição a máquina estatal, a profissionalização doaparelhamento no governo e as décadas de militância e doutrinaçãoideológica,oPTfoirechaçadopor51.041.155eleitores.UmaparceladosquenãovotaramemDilmaqueriaapenasdemitirumgovernoquenãoarepresentava, nem que para isto fosse preciso conceder a vitória aoadversárioqueestavamuitolongederepresentá-la.Nafaltadeumbomcandidato, o quemais ouvi e li na época era uma escolha baseada nomenospior.

E se no pronunciamento após a eleição a presidente defendeu umareformapolítica, oquepassoua exigirde cadaumdenóso acréscimodasoraçõesdiárias,nodiaseguinteopresidentedoPT,RuiFalcão,umintervencionistade carteirinhaquedurante anos foi editordaprincipalrevistadeeconomiadopaís, afirmouqueogoverno iriamaisumaveztentarimporumaregulaçãoàmídia.

O segundomandato nem havia começado e a presidente eleita e opresidente do PT já declaravam o seu amor pela liberdade e pelo queestavaporvir:maisintervencionismo.

8Nós que amávamos tanto oEstado

Intervirecontrolar,bastacomeçar

O intervencionismo estatal faz parte da nossa história. Desde achegadadosportugueses,oEstadosecolocacomooprincipalmotordavidaemsociedadeecomo“oelementoagregadorecentraldapolítica”.Tanto em Portugal quanto aqui, o governo foi o “agente central daindependência, da resistência, da sobrevivência e da exploraçãoimperial”.1

OaumentodoEstadoedainterferênciadogovernonasnossasvidastem consequências político-econômicas e culturais. Uma vez criada, aculturaestatistainfluenciaamentalidadesocial,orientaospolíticospelomesmocaminhodomaisEstadoémelhorenoscondicionaaversempreogovernocomoainstituiçãocertapararesolverosproblemas.

Sóquenemogovernotrabalhadegraça.Pelocontrário.QuantomaisEstadoasociedadepedir,maisterádepagarporele,muitoemboraistonão signifique que terá o que espera. O resultado? Trabalhamos cincomesesdoano,de janeiroamaio, somenteparapagar impostos, taxasecontribuições,ouseja,parasustentaroEstado.2

A carga tributária foi moldada ao longo dos anos para cobrir asnecessidades do governo e cumprir mal parte das promessas políticas

convertidasemlei.AConstituiçãode1988,aliás,éoexemploperfeitodocasamentodautopiapolíticacomadistopiadarealidade:muitodireitoparapoucodeveremínimaresponsabilidade.

DesdequeaConstituiçãofoipromulgada,“forameditadas4.960.610normas para reger a vida do cidadão brasileiro, entre emendasconstitucionais, leis delegadas, complementares e ordinárias, medidasprovisórias,decretosenormascomplementareseoutros”.3Issosignificaapublicação, emmédia,de “522normas a cadadiadoperíodoou782normaspordiaútil”.4

Em26anos,oEstadocriou“inúmerostributos,comoCPMF,Cofins,Cides,CIP,CSLL,PISImportação,CofinsImportação,ISSImportação”equasetodossofreramreajustes.Alémdisso,“otermo‘direito’apareceem22% das normas editadas” e os temas da saúde, educação, segurança,trabalho,salárioetribulação“aparecemem45%detodaalegislação”.5

Ocenáriosetornaaindamaisdesesperadorquandonosdamoscontade que, além de termos de pagar tantos impostos, somos obrigados afazerotrabalhodogovernonaformadeobrigaçõestributáriasacessóriaspositivas, como “emitir nota fiscal, apresentar declaração cominformações econômicas e fiscais, escriturar livros”. O pagador deimpostos passou a ser obrigado pelo Estado a desempenhar a “maiorparte das tarefas, originalmente estatais, de gestão e fiscalizaçãotributária”. Ao transferir para nós a responsabilidade de lançar osprincipaistributos,restaaogoverno,“essencialmente,atarefadeconferiro acerto dos procedimentos fiscais realizados pelos contribuintes e porterceirosvinculadosàsobrigaçõesacessórias”.6

Aconsequênciadissoénãoapenasdarmaistrabalhoaopagadordeimpostos, mas mitigar cada vez mais os “direitos e liberdadesindividuais, inevitavelmente atingidos pelas obrigações tributáriasacessórias”, pois estas impõem “um comportamento de fazer ou não

fazer,atingeaesferaprivadadocidadão,restringindo-lhe,emmaioroumenormedida, direitos fundamentais ligados a valores de liberdade epropriedade”.7

Além disso, os excessos, abusos ou arbitrariedades cometidos pelasinvestigaçõesfiscaiseaçõespoliciaisprovocam“medonosmembrosdopróprio poder público, mesmo naqueles íntegros, sem desvios decomportamento ético ou que ainda não são alvo de investigações”. Oresultadodissoégerarumapreferêncianessesservidorespara“decidirem favor do Fisco” por “medo de que suas decisões sejam malinterpretadas, por acolher teses jurídicas que proporcionam economialícitadetributose,assim,seremapontadoscomosuspeitosdeintegraremesquemas de sonegação”.8 Ou seja, a ação de servidores do EstadosuscitamedoemoutrosservidoresdoEstado,queacabamprejudicandoa todos nós que não somos funcionários do Estado e pagamos osvencimentosdetodoseles.

Visualizar o tamanho da encrenca tributária pode ser instrutivo. Areuniãodetodaalegislaçãotributáriabrasileiravirouumlivrode41milpáginas, 7,5 toneladas e 2,10metros de altura.O catatau foi elaboradodurante23anospeloadvogadomineiroViníciosLeôncio,quepretendianosmostraranecessidadeurgentedemudançadalegislaçãoresponsávelporcriarinsegurançajurídicaeatrapalharavidadaspessoas.

O toque bizarro da história é que, do R$ 1 milhão investido porLeôncionaelaboraçãodolivrório,30%dovalorfoiparapagartributos.Nemcríticaaogovernoescapadosimpostos.

AatividadeintervencionistadaversãomodernizadadonossoEstadopatrimonial não poderia resultar em outra coisa senão em políticos nogovernotambémdispostosedisponíveisparadarvazãoaseusinstintosoraautoritáriosorapaternais,oqueéumnegócionãomenosvulgardoqueobsceno.

O que começou com intervenções políticas na economia tambémpassou a incidir na esfera da limitação da liberdade de escolha e dedecisão, e extrapolou para a orientação dos modos de vida e doscomportamentos individuais, como impedir que os pais eduquem osseusfilhosemcasaouinserirnocurrículoescolarestímulosparaqueascrianças se masturbem e tenham relações sexuais. Perto disso, asintervençõesnasáreasdealimentaçãoedesaúde,9porexemplo,passamaservistascomoinofensivasou,pior,comobenéficas.

Quando um governo força “a implantação de novos modelos deconduta”, tende a provocar “a quebra repentina de padrões demoralidade tradicionais”, produzindo um “estado de perplexidade edesorientação, aquela dissolução dos laços de solidariedade social, quedesemboca no indiferentismo moral, no individualismo egoísta e nacriminalidade”.10 O reflexo dessa atuação política na sociedade é tantoengenhosoquantodanoso.

Porqueatutelaestatalnoséapresentadadeumamaneiratãoastutaapercepçãodasociedadeédequesetratadealgobom,virtuoso,feitocomamelhordasintenções.Odebateéimpostopeloladopositivo,comosefosse possível garantir comprecisãomatemática somente os resultadosbenéficos e eliminar qualquer possibilidade de tudo dar errado. Oproblemaéquenomundodapolíticaoerroéaregra,nãoaexceção.

Como ser contra uma agenda ou uma decisão política que nospromete algo exclusivamente positivo sem os desagradáveis efeitoscolaterais? É um debate no qual o crítico já entra em desvantagem,sobretudoquandoaceita as regrasdefinidaspelo adversário e entranojogodelemuitasvezessemsaber.

Ao se posicionar contra a política do Estado-babá nos termosestabelecidos pelos seus patrocinadores corre-se sempre o risco de servisto como uma pessoamaléfica, que não pensa nos outros e trabalha

contra osmais pobres, contra uma sociedademelhor, mais justa, maissaudável,maisigualitária.

As consequências negativas do Estado-babá são desconhecidas ouestrategicamenteomitidaspelosseusdefensores,políticosemilitantes,emuitagentesequerteminformaçõessuficientesparaavaliarcriticamentese vale a pena aceitá-las. Emmuitos casos, os benefícios advindos daspolíticas de governo que tentam nos proteger de nós mesmos sãoinferioresaosseuseventuaismalefíciosousimplesmentenãoexistem.

OEstado-babápodesermaisoumenosnocivo,desdenosimpedirdecomprar um lanche com brinquedo nas redes de fast food a não ter odireitodeeducaros filhosemcasa (homeschooling).Foioqueaconteceucom o casal mineiro Cleber Nunes e Bernadeth Amorim Nunes,condenados nas esferas civil e criminal (em 2007 e 2010) por teremdecididoqueseusfilhosteriamumensinomelhoremcasadoquenumaescola.11

Uma das leis que teriam sido violadas pelo casal é o Estatuto daCriança e do Adolescente (ECA), que em seu artigo 55 determinagentilmenteque“ospaisouresponsável têmaobrigaçãodematricularseusfilhosoupupilosnarederegulardeensino”.Comumasiglaquefazjus ao seu espírito, o ECA ficou célebre por tornar “penalmenteinimputáveis os menores de dezoito anos” e assim contribuir para aescolha prematura de atividades ilícitas por uma parcela dos nossosjovens.

Estes são apenas alguns dos milhares de exemplos do Estado-babáque se espalham como ervas daninhas pelas legislações municipais,estaduais e federais. E quanto mais leis como essas são criadas, maisaparecem políticos dispostos a expressar a sua veia cômica. Como overeadorOziasZizi,deVilaVelha(ES),queem2012propôsumprojeto

deleicomafinalidadedeproibirasnoivasdacidadedesecasaremsemcalcinha.Parasortedasnoivasimpetuosas,apropostanãoprosperou.

No âmbito cultural, a influênciadoEstado-babá é aindamais graveporquetransfereparaoEstadoaresponsabilidadedecuidarmosdenósmesmosedasnossasfamílias,deajudarmosaquelesqueprecisamedesofrermos as consequências positivas e negativas de nossas escolhas.Quantomais leisepolíticasqueorientemeregulemasnossasescolhas,mais o governo tutela as nossas vidas, esvazia o sentido de dever eassume responsabilidades e deveres que pertencem a cada um de nósbrasileiros,nãoaoEstado,nãoaospolíticos.

Quantomaisaceitamosasinterferênciasnosmodosdevida,maisospolíticos e burocratas do governo avançam com o projeto de tutelar anossavontadepelaimposiçãodesuasvisõesdemundobaseadasnumaidealização racional daquilo que é certo e errado, e de como devemosagir.

Este é um exemplo claro de uma política de fé que se expressa emdecisões do governo baseadas na ideia de que “existe sempre umasolução racional para todo e qualquer problema” e que essa únicasolução racional será sempre a melhor.12 Esta concepção orienta ainterferênciadogovernoemváriasdimensõesdavidaemsociedade.

Apolíticadeféconduzàuniformizaçãoapartirdageneralizaçãocomque é pensada e aplicada. A uniformidade leva à intolerância contraqualquer coisa que escape ao esquema racionalista que a concebeu. Aintransigênciacomtudoaquiloquenãoseenquadraaopadrãouniformeresulta numa política de centralização de poder e de hostilidade àsliberdades,queserãoatacadasemnomedaliberdade.13

O conjunto das interferências estatais criou uma cultura dedependência e de degradação política emoral difícil de ser combatida

porquepassaafazerpartedavidasocialcomoelementoestrutural,nãocomoapêndiceartificialfrutodointervencionismo.

Imaginário,mentalidadeeamorpeloEstado

Orientados ao longo da história por meio da interferência epropagandadogoverno,das ideologias,daatuaçãode intelectuaisedaintelligentsiaedoensino,nãochegaaserexatamenteumasurpresaofatode haver dados demonstrando que nós brasileiros amamos o Estado.14

Masseas informaçõesnãochegamasurpreender,ajudamaperceberarelação entre a causa (intervencionismo), que mostrei ao longo destelivro,easuaconsequência(posiçãofavorávelaointervencionismo).

As ações dos políticos e de seus governos ajudaram a criar umimaginário político e cultural pró-Estado e a formar umamentalidadeintervencionista, que varia em intensidade de acordo com o nível deescolaridade segundo a Pesquisa Social Brasileira. O Brasil tem umasociedadeprofundamentedivididapelainstruçãoformal,eéaausênciaou diferença no grau de escolaridade o fator principal para o grau deestatismo.Ouseja,somostodosestatistas,masalgunsdenóssãomaisdoqueosoutros.

OlevantamentotambémmostrouqueoBrasiléumpaís“hierárquico,familista, patrimonialista”15 e que grande parte da nossa população éfavorável ao jeitinho e defende mais intervenção do Estado naeconomia.16 Segundo a pesquisa, “um dos valores mais fortes dasociedade brasileira é o seu amor pelo Estado”.17 Esse sentimento semanifesta na posição favorável ao controle estatal em setores comoeducação, saúde, aposentadoria eprevidência social, justiça, transporte,estradas e rodovias, fornecimentode água, serviçode esgoto, coletadelixo,energiaelétrica,serviçodetelefoniafixa,serviçodetelefoniamóvel,bancos,fabricaçãodecarros.18

Asituação econômica tambéméumelementodecisivona formaçãodamentalidadeestatista,e“agrandesegmentaçãoquedivideopaíssãoa renda e a escolaridade”.Quemmais deseja a interferência doEstadosãoosmaispobres,que“tambémsãoosmenosescolarizados”.19

Há, de fato, um problema extremamente grave e aparentementeinsolúvel. Quanto mais o governo intervém na economia, menos asociedadeproduz riqueza eprospera; quantomenosprospera,maior ograu de pobreza; quanto maior o grau de pobreza, menor o nível deescolaridade;quantomenoroníveldeescolaridade,maiorapreferênciapelaintervençãodoEstado;quantomaisintervençãodoEstado,maiorainterferênciadogovernonasdiversasesferasdavidasocial,enãoapenaspolíticaeeconômica.Eassimociclosecompletaparaserreiniciado.

Apreferênciamaiorpelaintervençãoestataléemparteexplicadapelofatodequeparcelasdapopulaçãomaispobresão(ouacreditamser),emalguma medida, dependentes do governo, pois precisam de escolapública,deatendimentomédicoestataloudebolsafamília.

A pobreza e o baixo grau de escolaridade deixam as pessoas maisvulneráveis,impotentesecomumasensaçãodeincapacidadequeaslevaapensarqueaintervençãodoEstadonaeconomiaenavidasocialserámaisbenéficaporqueafetarápositivamenteassuasvidas.Alémdisso,aoveremoEstadocomoumainstituiçãoauxiliadora,estãomaispropensasaaceitarumdiscursopopulistaeintervencionista.Eavotarempolíticosquetrabalhamcomessetipoderetórica.

Temos então o ambiente propício para que os mais pobres sejammaioriadentreosqueconsiderambenéficaaintervençãodogovernoemsegmentos importantes para a vida em sociedade.20 O fato de seremmaiorianãosignificaqueasoutrasparcelasdapopulaçãobrasileiranãosejamestatistas;sãoapenasumpoucomenos.

Há uma relação direta entre os resultados apresentados de acordocomarendaeaquelesrelacionadosaoníveldeescolaridade.Emtodasasáreas, quantomenor o grau de instrução,maior a proporção daquelesque acham que o governo deve intervir mais na economia. O maisimpressionante,nomausentido,équeadiferençapercentualnaopiniãonãoétãoaltanacomparaçãoentreosmenosinstruídos(analfabetos)eosmaisinstruídos(cursosuperioroumais),de10a15pontospercentuais.Isso significaquemuitagentequepassouporumauniversidadee temrenda mais alta defende mais intervenção do governo. Ointervencionismonãoé,portanto,umaexclusividadedasparcelasmaispobresecommenorgraudeescolaridade,quetambémsãoformadasporbastantegentecontráriaaointervencionismoestatal.

Os dados da pesquisa, porém, devem ser vistos com prudência. Apesquisa sugere que basta aumentar a escolaridade para que haja umamudança na mentalidade intervencionista na política, mas talvez apobrezasejaumfatormaisdecisivodoqueoensinoformal.Mas,comoobaixo grau de escolaridade está relacionado à pobreza, dificilmente seconsegueresolveroprimeirosemresolverosegundo.

Contudo,sósaberemos,defato,seumasociedademaisescolarizadaprefere menos intervenção do governo quando houver partidos ecandidatoscomumaagendanãointervencionista.Enquantoasescolhaspolíticasforementrecandidatosestatistas,unsmaisqueoutros,qualquerafirmaçãocombasenaaparênciadoqueosnúmerossugeremnãopassadeespeculação.

Oparadoxodoestatismo

Um curioso paradoxo nos desafia enquanto sociedade. Amamos oEstado,masnão confiamosnospolíticos nemnas instituições políticas,incluindoogoverno.Oprimeiro lugarda listadas instituiçõespúblicas

em que não confiamos é ocupado pelos partidos, a casa dos políticos.Logodepois,aparecemoCongressoNacionaleogovernofederal.

EisacontradiçãomostradapelaPesquisaSocialBrasileira:“partidosecongresso— justamente duas das instituições encarregadas de gerir oEstado tão amado pela população — são os piores tanto no que dizrespeitoàavaliaçãoquantonoqueserefereàconfiança”.21Etalsituação,curiosamente, não é capaz de criar uma desconfiança em relação aogovernoeaoEstadonemdedesfazertamanhaambiguidade.

OutrolevantamentoqueconfirmaaposiçãodasociedadebrasileiraéoÍndicedeConfiançaSocial,medidopeloInstitutoBrasileirodeOpiniãoPúblicaeEstatística (Ibope).Desdequecomeçoua ser feita, em2009,apesquisa mostra que não confiamos nem nas instituições nem nospartidospolíticos.22

Numa lista de dezoito instituições avaliadas com notas de 0 a 100(quanto maior a nota, maior a confiança), os poderes políticos forampremiadoscomasúltimasposições:opresidentedaRepública ficouna11ª,ogovernofederaleosistemaeleitoral,empatados,na12ª,ogovernodacidadeondeoentrevistadomorana14ª,oCongressoNacionalna17ªe os partidos políticos na 18ª colocação. Para ratificar essa posição, aPesquisaSocialBrasileirarevelouqueospartidospolíticos,oCongressoNacional,ajustiçaeogovernofederalreceberamaspioresavaliações.23

Emsuma,nãoconfiamosnospolíticos,nãoconfiamosnasinstituiçõespolíticas, não confiamos no governo,mas, aomesmo tempo, queremosmaisEstado.Contraditoriamente,pedimosmaisintervençãomesmosemconfiarnaquelesqueintegramopoderestatal.ComoseoBrasilvivesseem dois planos na política: o plano da realidade e o plano daimpossibilidade, que só existe na imaginação de uma parcelasignificativadapopulaçãoquefazquestãodeseiludiremmomentosdenecessidade—oudeinteressecircunstancial.

Eseasinstituiçõespolíticasdesfrutamdepoucoprestígiosocial,poroutro lado,as instituiçõesprivadasestãono topodaavaliaçãopositiva.Das treze, as quatro mais bem avaliadas são todas privadas: IgrejaCatólica, as pequenas e médias empresas, a imprensa e as grandesempresas. Em relação ao grau de confiança, a Igreja Católica e aspequenasemédiasempresasocupamosdoisprimeiroslugaresseguidasdaPolíciaFederaledoMinistérioPúblico.24

Esses dados tornam a situação um tanto esdrúxula. Uma sociedadeque não confia nos políticos nem nas instituições públicas, mas queavalia positivamente as instituições privadas, incluindo as grandesempresas,éfavorávelaumaltoíndicedeintervençãoestatal.

PorquenãoconfiamosnospolíticoseamamosoEstado?

Hárespostasplausíveisparaessasduasperguntas.Aprimeiraéqueamamos o Estado porque, estranhamente, não o identificamos com ogoverno que efetivamente existe, mas com uma espécie de instituiçãovirtuosaquesóexisteemsonhosdourados.Istopodeexplicarofatodeque, embora também não confiemos nas instituições públicas, nospolíticos e no próprio governo, esperamos e pedimos que o governoresolvaosprincipaisproblemasdopaís.

Essa percepção foi construída ao longo de nossa história com ogovernoassumindo,semadevidae influentecontraposição,opapeldeprincipal agente de orientação, condução e controle social, político,econômicoeculturaldasociedade.Aceitamosenosdemosmal.

Não confiamos nos políticos porque prometem o que não podemcumprir, não cumprem adequadamente aquilo que poderia ser feito eainda usam o governo para seus projetos pessoais, financeiros,ideológicos oudopartido a que pertencem, não importa que para issotenhamdeviolarocódigoéticoemoraldasociedadeepassearporváriaspáginasdocódigopenal.

O intervencionismo criou uma “forte ideologia pró-estatal, umacultura que diante da escolha entre Estado e iniciativa privada nofornecimento de serviços dá preferência ao primeiro”, definindo umamentalidadequeajudaacompreenderporquevemosoEstado“comoafontedetodososmales,mastambémdassoluções”.25

Conheceraorigemdoproblemaeapresentá-loadequadamenteajudano processo de mudança da mentalidade estatista, que, se não foradequadamentecombatida,continuarásendousadacomoumpoderosoinstrumento de controle cultural e político. Dessa forma, seguiremosaceitando a faláciade que o governo solucionará osproblemasque elepróprio cria. E permaneceremos submetidos a um ambiente dedesresponsabilização consentida e de inimputabilidade voluntária,abrindomãode resolverasnossasprincipaismazelasequestões semainterferênciadogoverno edospolíticos emquenão confiamos. Senãoassumirmos a nossa responsabilidade, sempre haverá um políticodispostoafazê-lo.

No âmbito do ensino, de nada adianta seguirmos a sugestão daPesquisa Social Brasileira, de que, paramudar amentalidade estatista,seráprecisoescolarizarapopulação,seantesnãotomarmosasrédeasdaeducaçãodenossosfilhosemvezdeentregá-lasaprofessorescujacabeçafoi formadapeloEstadonauniversidade controladapelo governo, quedefineinclusiveocurrículo.Issoincluiestaratentoparaimpedirqueosmilitantes disfarçados de professores continuem a doutrinar osestudantesdosensinosfundamental,médioeuniversitário.

Para superar o paradoxo do estatismo, de nada adiantará somenteescolarizar a população sem fazer algo que impeça a doutrinação quetransforma os alunos e as suas famílias em vítimas sem que sequersaibamoqueestáacontecendo,oqueincluiosprofessores,tambémelesfrutosdoprocessodeorientaçãoideológicacamuflada.

Uma sociedade com maioria escolarizada, mas com mentalidadeestatista, não nos levará ao desenvolvimento cultural, político eeconômicofundamentalparaaconstruçãodeumambientedeliberdadeordeira.NosmanterápresosaumaliberdadeeumaordemconcedidaseestabelecidaspeloEstado,àmaneiradopositivismoincrustadonolemadabandeiranacionaledatradiçãopolíticaautoritáriabrasileiralapidadapelocientificismomarxista.

Vocêpodeconsiderarqueogovernodeveounãoexistir;quedevetermaior oumenor responsabilidade na vida social, política e econômica;quedeve exercer um amplo ou exíguo lequede funções; que o Estadodeve ser máximo, médio ou mínimo. Mas, qualquer que seja a suapreferência, não pode ignorar que cada ação do governo geraconsequências imprevistas e não raro negativas, mesmo que não fosseseu objetivo, mesmo que o pressuposto estivesse repleto de boasintenções,umaespéciedealaVIPdoinferno.

Como os agentes do Estado são incapazes de ter acesso e controlartodasasinformaçõesdispersasnasociedade;comonãopodemconhecertodososnossosdesejos,objetivos,vontades,limitações;comoignoramasrealidades,característicasenecessidadeslocaisdecadaumadascidadesbrasileiras,comodaminhaCachoeirodeItapemirim;comoéimpossívelque saibam antecipadamente o alcance, o peso, a influência, a sequela,enfim,osresultadosdeseusprojetosedecisões,oriscodeerrarésempremuitomaiordoqueodeacertar.

Adinâmicada atuação estatal exerceumadupla influência: 1) afetadiretamenteasnossasvidasnosâmbitossocial,políticoeeconômicoe2)colabora decisivamente para, junto com a diligência dos estatistas(intelectuais, professores, artistas, jornalistas, empresários), formar umimagináriopopulareumamentalidadenosquaisogovernoéoastroemtornodoqualasociedadegravita.

Qualoresultadodisso?Reagirdiantedosfatosdavidaemsociedadetal como Mussum naquele esquete dos saudosos Trapalhões,26 em querepeteváriasvezesque“ogovernotácertis”aoaumentarospreçosdosprodutosesóse irritaquandoDedélhedizqueopreçodacachaçavaisubir.“Oquê???Omé???Eita,governozinhodanadis!”

O grande infortúnio é que continuamos a reagir de forma parecidasobrediversasquestões.Sónos indignamosquandoalgumadecisãodogoverno nos afeta diretamente, mas nos esquecemos de que asintervenções que afetam as outras pessoas também contaminam oambiente ao nosso redor, nos atingindo de algumamaneira, direta ouindiretamente.Nenhumdenósestáasalvodaprestezaestatal.

É por isso que o discurso baseado unicamente na promoção daeficiênciadoEstadoé tãoapropriadoquantooda reproduçãoassistidademarsupiais.E,aocontráriodareproduçãoassistidademarsupiais,éalgo perigoso. Porque caso um governo conseguisse, de fato, tornar oEstado mínimo e eficiente, esse Estado mínimo e eficiente setransformarianuminstrumentopoderosocontranóssenasmãosdeumpolíticoquepretendesseusaroEstadocomoinstrumentodoseupartidooudesuaambiçãopolítica.

Dependendodopartidooudopresidentequeestivernocomandodopaís,umEstadomínimosemprepodevoltaraserumEstadomédiooumáximo. Uma vez eficiente, esse Estado será capaz de controlar commaisprontidãoedeprovocarprofundosestragosnavidaemsociedademinandoapossibilidadededefesa.Nãoadianta,portanto,terapenasleiseinstituiçõescomgentenopoderquenãoasrespeita.

O estatismonoBrasil não é um improviso; é obra de séculos.27 É oresultado de um longo exercício de um tipo de política e de difusão eocupação ideológicados intervencionistasdopassado edopresentenaliteratura,nadramaturgia,nasartesplásticas,namúsica,nocinema,no

mercado editorial, no jornalismo, no ensino, na política, nauniversidade.28

Quando os intervencionistas ocupam certos departamentos dasuniversidades,29 como, por exemplo, os de ciências sociais, história,política,economia,transformamoensinoeminstrumentosdaideologia,moldando gerações de intelectuais e professores militantes, que,imbuídos dessa mentalidade, formarão outras gerações igualmentecomprometidas.Opositivismofoi,talvez,oprimeiroexemplodessetipono Brasil, muito embora a Universidade de Coimbra tenha servido aopropósitodeformargeraçõesdaelitepolíticaintervencionista.

Um exemplo notável dessa ocupação nas universidades foram osencontros para estudar o livro O capital, de Karl Marx, que ficaramconhecidoscomo“SemináriosMarx”eforamrealizadosapartirde1958naUSP.30Antesdoforróedosertanejo,osomqueembalavaasmentesdecertajuventudeuspianaeraomarxismouniversitário.

Os intervencionistas de diferentes matrizes ideológicas foram bem-sucedidosmenospelacompetênciadoquepelaausênciadeintelectuaisede uma intelligentsia para participar do debate, exercer influência eocupar espaços. Sendo assim, como esperar que os intelectuais,escritores, jornalistas, artistas, empresários e a sociedade em geral nãofossemestatistas,contrariandoqualquerlógicaousensatez,seoensino,as fontes de informação e o debate público eram conduzidos porintervencionistas?SenopassadomonarquistaoEstadomoldavaapenasa elite política, a partir do governo Vargas, com a democratização doensino,ogovernopassouamodelarasociedadepormeiodaescola.

Noâmbitodapolíticaformal,aconsequênciadamilitânciaideológicadentroeforadasuniversidadesnãofoiapenasapolarizaçãoatualentredois partidos socialistas (PT e PSDB), mas o intervencionismo como

orientação política geral e como eixo central dos programas dos 32partidosoficialmenteregistradosnoBrasil.31

Todos os partidos compartilham, em graus diferenciados, umprograma intervencionista. Mesmo aqueles que não se declaramsocialistas ou comunistas abraçam diversos tipos de tutela estatal. Umexemplo?ODemocratas,antigoPartidodaFrenteLiberal(PFL),propõe“manter sob controle nacional o processodedesenvolvimento”.32Qualoutropartidodiscordadessaposição?Nenhum.

Um dos principais problemas da política formal brasileira éjustamenteaunidade intervencionistadospartidos,oque transformaoeleitor brasileiro em refémde agendas que variam emgrau, nunca emnatureza. Essa uniformidade se traduz diretamente no comportamentodospoderesExecutivo,LegislativoeJudiciário.

Istonãosignifica,porém,queapermanênciaeodesenvolvimentodanatureza intervencionista do Estado e do governo ao longo da históriatornem equivalentes osméritos e deméritos dos sucessivos governos epresidentes. Se podem ser enquadrados como intervencionistas, foramefetivamente diferentes no plano ético, moral, ideológico eadministrativo.

Asconsequênciasestão todasaíparaseremverificadas,analisadasereformadas. Somos hoje uma sociedade culturalmente adoecida ediminuídapeloespaçoocupadopelapolíticaepelaideologia,que,setêmseupapelnavidadequalquersociedadequesepretendacivilizada,nãodevem,poroutrolado,terarelevânciaquepossuememnossacultura.

Umexemploforamasmanifestaçõesrealizadasemjunhode2013.

Os protestos foram organizados em várias cidades brasileiras porintegrantes do Movimento Passe Livre (MPL) e partiram de umareclamação legítima (os graves problemas do transporte público e o

preço da passagem) para uma solução equivocada (transporte públicoexclusivamenteestatalsemcobrançadebilhete).

Ignorando a origem do problema, que é o sistema de concessão demonopóliodo serviçopeloEstadoaempresasprivadas,oque significafaltadeconcorrêncianosetor,osmanifestantespediramnãoapenasporuma intervenção do governo,mas que o próprio governo assumisse agestão do serviço. Como se o mesmo governo, que não consegue darconta da saúde, do ensino, da segurança, do saneamento básico, dahabitação, fosse conseguir, num passe de mágica, oferecer transportecoletivodequalidadeexcepcionalenãocobrarpelosbilhetes.

Aovernasmanifestaçõesumaformalegítimadedemonstrartodasasinsatisfaçõespolíticaseeconômicasacumuladas,muitagentefoiparaasruas protestar. Protestar por tudo o que consideravam estar errado nopaís.

Odescontentamentodapopulação,porém,tambémexpôsoaltograudeestatismoquefundamentaanossaculturasocialepolítica.Amaioriaesmagadora das pessoas que lá estava, assim como o pessoal doMPL,pediu ao governo que resolvesse problemas criados pelo própriogoverno.Ouseja,pediampormaisgoverno,pediampormaisEstado.

Felizmente, há indícios de queparte da sociedade brasileiramudouou está em processo demudança. Nas escolas, nas universidades, nosinstitutos,nasinstituiçõespolíticasejurídicas,naimprensa,naseditoras,nasredessociais,jáhámuitagentepensandodeformadiferenteeagindoparamudaro statu quo.Asmanifestaçõesde2015 contraogovernodoPT,quelevaramàsruasdevárioscantosdopaísmilhõesdebrasileiros,foram uma prova disso: além de terem sido convocados por gruposdesvinculados dos atores políticos tradicionais (partidos políticos,sindicatos,movimentos sociaisdeesquerda), aagendapela reduçãodotamanhoedopapeldoEstadoganhourelevânciapública.

Nesse processo de apresentação de ideias diferentes daquelasconsagradasemuitobem-estabelecidas,ainternetsetransformounumagrande ferramenta. O trabalho de divulgação de concepções culturais,políticas e econômicasdivergentesnospermitiu ter acessoaumamplouniversodeconhecimentosemoqualseriaimpossívelpensarerespirarforadoesquemacriadoealimentadopelosestatistaseintervencionistasdediferentescoresideológicas.

É incrível a contribuição das redes sociais como ferramentas úteis eeficazes de divulgação e defesa de concepções políticas contrárias aoestatismoeaotipodegovernoconstruídoelapidadoaolongodenossahistória. Plataformas de interação como Facebook, Twitter e YouTubepassaramaserusadascomograndesespaçosdeexposiçãodeideiasedediálogo — e, claro, também de ignorância, brutalidade, estupidez ebrigas.

Oalcancedepúblicodessas redes sociais ea suadiversidade foramtransformados num elemento fabuloso de comunicação, para o bem eparaomal.Passaramaserograndemeiodeinformaçãoparapessoasdediferentesidades,religiões,ideologias,condiçõessociais,interesses.

Foipormeiodasredessociaisquemuitosjovenseadultosquenuncase interessaram por política e por economia, que não eram leitores dejornalnemacompanhavamonoticiáriopelaTV,passaramafazerparte,muitas vezes involuntariamente, das discussões sobre temas que osafetavam de maneira direta, mas dos quais não tinham condições desaberpelafaltadeinformação.Equandorecebiamalguma,eradecertaformaorientadaoutemperadacomalgumaideologiaestatista.

Graças à exposição de diferentes concepções políticas e econômicas,brasileirosqueestavamàmargemdainformaçãopassaramasercapazesdefazerescolhasedesedefender,oudefenderseusfilhos,porexemplo,dos militantes disfarçados de analista político, colunista de jornal,

jornalista ou intelectual imparcial, especialista em economia, juiz dedireito,professor,empresáriocompadredopartidooudopolítico.Muitagentejánãocaimaisnessaconversadequeéprecisomaisgoverno.

Desfechofatalsemfatalismo

Observando as origens da nossa mentalidade estatista e a nossahistória repletadepolíticos, intelectuaisemembrosda intelligentsiaquefizeram do intervencionismo o corolário do seu pensamento e doexercíciodapolítica formal, fica bastante clara a necessidadede algumtipodemudançaculturalparaqueoprojetoavançasse.

Nesseprocesso,atransformaçãopelaatuaçãopolíticaepeloensinoéutilizada como instrumento poderoso de alteração orientada e começapor influenciardeterminados segmentos e instituições até construirumambientepropícioàsupremaciadogovernosobreasociedade.Depoisdaformação direcionada das elites políticas naUniversidade de Coimbra,no Brasil as escolas e universidades foram utilizadas como centros dedifusão de ideias e de doutrinação por positivistas e, até hoje, porsocialistasemarxistas.

Se os intervencionistas tentam controlar, modificar ou corromperelementos importantes da nossa cultura é porque os veem como umarededeproteção contra seusprojetospolíticos.Quandoumpartidonogoverno fragiliza o papel das famíliasmediante um ensino que atentacontra a relaçãodepais e filhosdentrode casa, ou adotaposições queimpedemosfamiliaresdedecidiroqueémelhorparaassuascrianças,começaadestruirasbasesde formaçãoculturaldecadaumdenós.Senãoháumaculturaqueorienteedefinaapolítica,apolíticairáorientaredefiniracultura.

A nossa cultura política se constituiu tanto de cimapara baixo, poraqueles que controlavam o poder no âmbito federal, estadual emunicipal, quanto de baixo para cima, pelos partidos e militantes de

ideologiasintervencionistas.Porisso,nãoépossívelexplicaroproblemabrasileirodeumamaneira tãosimples,atépelo fatodeque temosumaparcela da responsabilidade na história do intervencionismo nacional.Isto porque permitimos, por ação ou omissão, que o governo setransformasse no principal agente social, e que algo tão importantequanto a política fosse deixado na mão daqueles que parecemrepresentaroquetemosdepior.

Se abrimos a porta de nossas casas para o governo, podemos serobrigadosadividircomumpolíticoouumburocrataasnossasescolhas,comida, cama, escova de dente e a educação dos nossos filhos. E elesfarãoissocomumadiligênciaespantosa.SecontinuarmosaquererqueoEstado intervenha em várias esferas da vida em sociedade, semprehaverápolíticos ávidospor satisfazer nossodesejo. E se nos tornarmosindiferentesemrelaçãoàsinstituiçõespolíticas,nãoserãoospolíticosdehojequetornarãoosistemavirtuosoparaserviraumasociedadealheiaaoqueaconteceequesóseescandalizaquandoosproblemasaparecemnaimprensa.Deixaropaísnamãodospioresnãonostornamelhores.

Ao nos afastarmos e nos omitirmos, especialmente em períodoscruciais em que as liberdades, os direitos e a própria vida emcomunidadeestãosobameaçaconcreta,entregamosdebandejaapolíticaformal para opolíticopadrão, que já entra no jogo comamentalidadeintervencionistaqueéparteintegrantedoambientecultural.

Sealimentamosapercepçãodequeapolíticaésempreruimequesetrata do local perfeito para reunir os piores tipos da sociedade, essaperspectiva se converte em um elemento cultural. Não será surpresa,portanto, se os piores entre nós forem atraídos pela política epreservaremomodelointervencionista.Seoquetemoscomoparâmetrocontinuar a ser aquilo que temos de pior, nem o bom humorcaracterísticodapopulaçãonossalvarádenossamediocridade.

Deparamo-nos,assim,comaseguinteprovocação:senós,brasileiros,temosacerteza insuperáveldequeapolíticaéalgo ruimeospolíticosnãosãoconfiáveis,porquedevemosesperarqueapolíticaeospolíticossejam diferentes daquilo que acreditamos que eles sejam? Sendo apolíticaeospolíticosduasinstituiçõeseagentesreprováveisdavidaemsociedade, não estariam ambos se comportando adequadamente aoagiremdemaneirainadequadaouindigna?

É um erro acreditar que o Estado seja o único culpado pelosproblemas do país que escapam de seus tentáculos, assim como éequivocado considerar que a nossa tradição política autoritária eintervencionistaoperasegundoumesquemadedeterminismohistóricocontra o qual não há nada que possa ser feito, ou seja, que estamoscondenadosasofrerinertescomasaçõesdoLeviatã.Eaonoseximirmosde agir, no fundo, estamos colaborando com os intervencionistas aopreservarporinaçãoosistemaquenosprejudica.

ÉmuitoconfortávelresponsabilizaroEstadoeosgovernosportodososmales enada fazer.É amaneiramais cômoda e certeirade errar.OEstado,ogovernoeospolíticossãoosbodesexpiatóriosperfeitosporquetodos ganham com isso. Os políticos ganham ao, contraditoriamente,construir suas carreiras em cima da desilusão da população ante apolítica, e amaneiramais comumde reagir contra a desilusão é votarnaquelescandidatosmaishábeisnaartedeembrulharailusãonumbelopacotequeafazpareceraquiloquenãoé.

Ao nos colocarmos na posição de agentes não responsáveis pelospolíticosqueexisteme forameleitos,epelaexistênciae funcionamentodas instituições, renunciamos ao papel de atores fundamentais para oflorescimentodopaís.

Constatar a grande responsabilidade do Estado e do governo nãodeve nos induzir ao erro de achar que estamos condenados a um

determinado modelo estrutural e ideológico, e que a nossa história sedesenvolveráinevitavelmentenumadeterminadatrajetóriaporcausadeescolhaseeventoseminentementepolíticos.Talcrençanãosóreduzouanula a participação na vida política, como serve de instrumento paratiraranossaresponsabilidadepeloqueefetivamenteaconteceuatéagora.

Se a sociedade de indivíduos é o grande círculo dentro do qualcoexistemapolíticaformaleassuasinstituições,alteraressadisposiçãoafavordogovernoétransformarascomunidadesnumdoscírculosdentrodo grande círculo da política e submeter todos nós aos caprichos dequemestivernopoder.

Associedadesinstituíramgovernoseinstituiçõespolíticasporrazõesespecíficas e restritas, e suas funções e atribuições foram reformadas eampliadas ao longo da história por necessidades ou imposiçõesparticularesapartirdocrescimento,dasmudançasedacomplexidadedaestruturaedofuncionamentodasociedade.

Asjustificativasparaocrescimentodopoderpolíticosãoabundantesemuitasvezesestrategicamenteconfusas.Essespretextosintensificamasua natureza expansiva, cuja origem também é a soma dos múltiplosinteressesdeelitespolíticasheterogêneascomanecessidadedeatenderàquelesque representam, sejamseuseleitoresouapoiadorespolíticosefinanceiros.

Porisso,éumtantoingênuopensarquesepodecontrolaropoderdogovernoeotamanhodoEstadoapenasporleis,normasadministrativas,regulamentos.PorquemaisregrasservirãoparatornaroEstadomaioremais burocrático, e não terão o resultado esperado, ou seja, impedir aação daqueles que desejam ter ou exercer mais poder. Nunca vicriminosoqueobservasseas regrasa fimdecumpri-las.Pelo contrário.Quantomaisregrashouver,maisproblemasserãocriadosparaqueméhonestoemaisdifícilserácontrolarogovernoeseusagentes.

O império da lei, o Estado de direito e as instituições têm, de fato,umaimportânciainegável.Massóleiseinstituiçõesnãobastam.Porqueas leis são feitas— e as instituições são formadas—por homens, quepodem,umaveznopoder,desrespeitá-las,revogá-laseutilizá-lasaseuserviço.

O que fará a diferença para impedir, minimizar ou reduzir amentalidade estatista e, por tabela, o intervencionismo como agendapolítica é mostrar às pessoas a natureza das ideologias que disputamespaço e como elas podem ser prejudicadas pelo governo. Isso forneceinstrumentos que nos permitem reconhecer e rejeitar os projetos depoderbaseadosnaideiadequeoEstadodeveseroprincipalagentedavidaemsociedade.

Adiminuiçãodaimportânciadapolíticaformaledogovernoexigearedução e limitação de poderes políticos, econômicos e legais, mastambém requer, paralelamente, uma mudança de mentalidade queoriente uma mudança cultural. Essa transformação não pode estarbaseada ou fundamentada exclusivamente em aspectos políticos eeconômicos, o que a tornaria frágil e inadequada para cumprir o seupropósito.Especialmenteemumpaísemqueodebateseresumeaoqueogoverno temde fazer; aoqueogoverno temde fazermais; aoqueogoverno temde fazer aindamais. Política e economia são importantes,masnãosãoosúnicoselementosdavidaemsociedade.

Aoaceitarmosopapeldegrandemotordasociedadequeogovernoassume,somostambémresponsáveispelaconfusãoentreoquedevemosfazerenão fazemos (oquecabeanóseoquecabeaogoverno?)eporaquilo que somos desestimulados a fazer (se somos escorchados comimpostossobajustificativadeofertadosserviçospúblicos,porquerazãoaindanosesforçamosparaatuarondeoEstadojáatua?).

Umgoverno intervencionista não apenas constrói umamentalidadeestatista,masapequenaasociedade.Umsistemapolíticofundamentadonaintervenção,nocontroledeesferasdavidasocial,políticaeeconômicacorrói as normas morais, contrai o senso de responsabilidade, dilui osentido de dever, inviabiliza o exercício da fraternidade, desestimula otrabalho das instituições sociais não governamentais e cria uma novaordem, que é uma armadilha difícil de ser completamente destruídaporque “construída pela engenhosidade humana e alimentada com osnossosprópriosdesejos”.33

Asconsequênciasda atuaçãodogoverno transbordamos limitesdapolítica e da economia. Influem no comportamento, nos hábitos, noscostumes. Gradualmente, operam uma engenharia social dissimulada,indolor e extremamente eficaz. As pessoas passam a pensar e a agirsegundo um código ideológico. Eis a glória do intervencionismo:controlarasociedadesemprecisardeumórgãodogovernoresponsávelporpersuadiroucoagiros indivíduosa se comportardeacordocomointeressedogovernodeturno.

O nosso grande desafio é “menos político do que cultural — umaeducaçãodacompreensão,quenosexigevirtudes(comoaimaginação,acriatividadeeorespeitopelaaltacultura)que têmumespaçocadavezmenornomundodapolítica”. Se a armadilhanãopode ser totalmentedesarmada,podemosmostraràspessoasqueelaexisteecomonãocairnaarapucaintervencionista.34

Adesestatizaçãodasociedadebrasileiradevecomeçarpelamudançadeperspectivaedementalidadequenosconduza fazeralgoporqueoEstadonosobrigaoudeixarmosdefazeralgoporqueoEstado(emtese)deveria fazer. Se é verdade que, ao assumir a tutela da sociedade, ogoverno desestimula a solidariedade e a construção de uma vidaresponsávelecomprometidacomacomunidadeemquevivemos,serounão ser solidário é uma escolha individual. Se você prefere ser

socialmenteinsolidárioeavarento,nemmesmojogaraculpanogovernovaimudaroquevocêé.

É recomendável reconhecer a nossa responsabilidade nodesenvolvimentodosistemapolítico,oqueincluiterumarelaçãocomapolítica sem vê-la como uma dimensão externa à vida em sociedade.Nem que seja preciso manter a necessária e higiênica distância. Se,mesmocomnojooucertodesprezo,amaioriadasociedadenãoignorarapolítica,jáavançaremosbastante.

Umamudançano imagináriopopular e namentalidadepolítica e odesenvolvimentodeumambientelivredoestatismoedosfundamentosda tradição autoritária e intervencionista da política brasileira tornarãopossível aprimorarmos a nossa sociedade e adotarmos as referênciaspositivas, como exemplo e estímulo. Uma sociedade com influênciasvirtuosas tem condições de aumentar o nível médio em todos ossegmentos,inclusivenapolítica,viabilizandoaformaçãodeelitesdignasdestaqualificação.

Mas só uma mudança institucional não adianta; só uma reformacultural não adianta. Precisamosde ambas: a transformação na culturapermitirá e preservará a mudança constitucional, e contribuirá naformação de uma sociedade independente e vigilante dentro da qualemergirão as elitespolíticaspreocupadas empreservar esses elementosfundamentais, que, por sua vez, serão respeitados e conservados pelasinstituições.

Seaatuaçãodogovernopodeajudaramoldara ideiaquetemosdapolítica, essavisãonegativa faz comquea rejeitemos.Equantomais arejeitamos,maisadeixamosnasmãosdosintervencionistas,queacabamporutilizá-lacontranós.

Se chegar omomento no qual as instituições políticas e os políticosforemdignos de alguma confiança, talvez porque a política formal e o

governo não terão mais a importância que têm hoje, será possível,inclusive, desprezá-los sem qualquer risco para a nossa integridadefísica,financeiraesocial.

Paraqueasociedadenãosepreocupeexcessivamentecomapolítica,épreciso impedir, antes,queospolíticos sepreocupemexcessivamentecoma sociedade, equeusemoEstadopara tãonobre, edesnecessária,finalidade.Assim,quemquiserpoderáexercer tranquilamentea funçãosocialdodesprezopolítico.

O processo de desestatização da nossa sociedade passa pelaconstatação de que não estamos condenados à tradição políticaautoritáriaeintervencionistaequeexistealternativaaomodelopolíticoeideológicoemvigor.

Odesafio é árduo egigantesco: solucionar oparadoxodo estatismoparapararmosdeacreditarnogovernoedeamarmosoEstado.

NotasIntrodução

1.“RobertoDaMattaanalisadiferençasentreBrasilde1950e2014...”,2014.

2.VerDaMatta,1994,p.10-17;DaMatta,1982a,p.54-60;eDaMatta,1982b.

1.Oiníciodetudoquedeunoquedeu

1.CapistranodeAbreu,1999,p.188-189.

2.Idem,p.141-143.

3.EduardoBueno,1998,p.10.

4.CapistranodeAbreu,1999,p.168.

5.Idem,p.190.

6.Idem,p.190-191.

7.AurélioSchommer,2011,p.121.

8.Idem,p.121.

9.CapistranodeAbreu,1999,p.150.

10. AcartadePeroVazdeCaminhaéconsideradaacertidãodenascimentodoBrasil.FoiescritaemPortoSeguro,datadade1ºdemaiode1500eendereçadaaoreidePortugal,D.ManuelI.

11.AntonioPaim,2012,p.126.

12.Idem,p.128.

13.Ibidem.

14.Ibidem.

15.Idem,p.134-135.

16.Idem,p.128.

17.Idem,p.131.

18.Idem,p.130.

2.DoBrasilcolôniaaofadodePombal

1.Asmatrizesteóricasdahistóriabaseadanomodelolatifundiárioagrárioexportadorsão as perspectivas de Oliveira Viana (1933) na obraEvolução do povo brasileiro e de CaioPradoJúnior(2012)nolivroEvoluçãopolíticadoBrasil.

2.JorgeCaldeira,2009.

3.Idem,p.7.

4.Idem,p.11.

5.Ibidem.

6.Idem,p.12.

7.Idem,p.14.

8.Idem,p.329-330.

9.Idem,p.328-332.

10.FábioBarbieri,2013,p.104.

11.Idem,p.102.

12.Ibidem.

13.Idem,p.107.

14.JorgeCaldeira,2009,p.182.

15.Ibidem.

16.ManoelBomfim,1935,p.120.

17.JoséMurilodeCarvalho,2000,p.131.

18.Idem,p.131.

19.AugustinBarruel,1827,p.68-108.

20.ChristopherDawson,2014,p.289.

21.CésareCantu,1964,p.125.

22.AlexCatharino,2014,p.332.

23.MiguelBrunoDuarte,2012,p.32.

24.Sobreotema,recomendoaleituradeOsconimbricences,dePinharandaGomes(1992).

25.JoséMurilodeCarvalho,2011,p.85-86.

26.JoséMurilodeCarvalho,2000,p.131.

27.AntonioPaim,1999a,p.47.

28.Idem,p.63.

29.MiguelBrunoDuarte,2012,p.33.

30.Idem,p.35.

31.AntonioPaim,1999a,p.49.

32.AntonioPaim,2000b,p.28.

33.Ibidem.

34.JoséMurilodeCarvalho,2011,p.67.

35.Idem,p.14.

36.AntonioPaim,1999a,p.38-44.

37.Idem,p.38.

38.ViannaMoog,1985,p.79.

39.AntonioPaim,1999a,p.39.

40.Idem,p.40.

41.Idem,p.41.

42.Ibidem.

43.AndréAzevedoAlveseJoséManuelMoreira,2009.

44.AntonioPaim,1999a,p.38.

45.SimonSchwartzman,1982,p.26.

46.PauloMercadante,2013,p.58.

47.Idem,p.62.

48.Ibidem.

49.RaymundoFaoro,2001,p.33.

50.Ibidem.

51. Oprograma foi criadopelodecretonº83.740de1979apartirdeumapropostadoadvogado e economista Helio Beltrão, que foi nomeado ministro extraordinário daDesburocratização pelo presidentemilitar João Figueiredo. Em seu livroDescentralização eliberdade,Beltrão(1984)expõesuavisãosobreotema.

52.RicardoLoboTorres,1991,p.1.

53.Ibidem.

54.AntonioPaim,2000a,p.76.

55.JanaínaAmadoeLuizCarlosFigueiredo,2001,p.39-40.

56.Idem,p.40-43.

57.ParaquemquiserconhecerahistóriadostributosnoBrasil,recomendoFernandoJoséAmedePlínioNegreiros,2000;EuricoMarcosDinizdeSanti,2008;eFabrícioAugustodeOliveira,2010.

58.AnaPaulaMedici,2013,p.55.

59.JoséBonifáciodeAndradaeSilva,2000,p.145.

60.BarãodoRioBranco,2012,p.266-267.

3.Pimentapatrimonialistanafeijoadadeteorias

1.AnthonyQuinton,1994,p.327.

2. Os jacobinos eram inicialmente os membros da Sociedade dos Amigos daConstituiçãoquecomeçaramasereunirem1789noConventodosJacobinos,emParis,quepertencia à Ordem dos Dominicanos. A partir de 1791, ganham relevância política e setornam defensores radicais da revolução. Em um ano no comando da França (1793-94),implantaramumregimetirânicoesanguinário.

3.MaxWeber,1979,p.56.

4.MaxWeber,1999a,p.187.

5.Idem,p.188.

6.Ibidem.

7.Idem,p.238.

8.RicardoVélez-Rodríguez,2006,p.13.

9.Ibidem.

10.MaxWeber,1999a,p.234.

11.RicardoVélez-Rodríguez,2006,p.14.

12.Idem,p.15.

13.François-LouisGanshof,1952,p.96-151.

14.HenryR.Loyn,1997,p.353.

15.François-LouisGanshof,1952,p.145-150.

16.HenryR.Loyn,1997,p.353.

17.Idem,p.353-354.

18.Idem,p.354-355.

19.Idem,p.355.

20.Ibidem.

21.RaymundoFaoro,2001,p.33.

22.RicardoVélez-Rodríguez,2006,p.13.

23.Idem,p.17.

24.RaymundoFaoro,2001,p.33-34.

25.AntonioPaim,1999a,p.13.

26.PedroEunápiodaSilvaDeiró,2006.

27.ChristianEdwardCyrilLynch,2007b,p.126.

28.ChristianEdwardCyrilLynch,2011,p.22.

29.SimonSchwartzman,1982,p.117.

30.ChristianEdwardCyrilLynch,2007b,p.252.

31.ErikHörner,2013,p.232.

32.Idem,p.218.

33.ChristianEdwardCyrilLynch,2007b,p.118.

34.Ibidem.

35.ChristianEdwardCyrilLynch,2011,p.31.

36.ChristianEdwardCyrilLynch,2007b,p.181.

37.Idem,p.180.

38.Ibidem.

39.Idem,p.309.

40.TavaresBastos,1870,p.VI-VII.

41.ChristianEdwardCyrilLynch,2007b,p.309.

42.RicardoVélez-Rodríguez,2006,p.42.

43.RaymundoFaoro,2001,p.870.

44.Ibidem.

45.RicardoVélez-Rodríguez,2006,p.43.

46. O caráter modernizado do patrimonialismo brasileiro foi explicado por SimonSchwartzman(1982)emseulivroAsbasesdoautoritarismobrasileiro,publicadoem1975.

47.SimonSchwartzman,1977,p.177.

48.SimonSchwartzman,1975,p.175.

49.Ibidem.

50.SimonSchwartzman,1982,p.110.

51.Ibidem.

52.SérgioLazzarini,2011.

4.Comoeragostosaaminhamonarquia

1. “Ao propugnar pela abertura dos portos, por exemplo, tinha razões concretas,efetivas, que o impulsionaram, não podendo sua ação ser interpretada, exclusivamente,como fruto dos princípios teóricos que professava. Aí se conjugavam circunstânciashistóricas específicas com a assunção de princípios hauridos na literatura sobre economiapolítica”(FernandoAntônioNovaiseJoséJobsondeAndradeArruda,1999,p.18).

2.ChristianEdwardCyrilLynch,2007a,p.217.

3.OlivrodeEdmundBurketraduzidoporJosédaSilvaLisboa,quetambémescreveuumprefácio, foipublicadoem1812 como títuloExtractos das obras políticas e economicas deEdmundBurke e reunia excertos comos seguintes títulos (nagrafia original): 1) “ReflexõessobreaRevoluçãodaFrança”;2)“SobreogenioecaracterdaRevoluçãoFranceza,esobreanecessidadeda guerra contra a facçãousurpadora”; 3) “Pensamentos sobre a proposta depaz entre a Inglaterra e a França”, que Burke intitulou “Paz Regicida em 1796”; e 4)“ApologiadeEdmundBurke,porsimesmo,sobreasuapensãodogoverno”.Umasegundaediçãocorrigidafoipublicadaem1822comotítuloExtractosdasobraspolíticaseeconomicasdogrande Edmund Burke por José da Silva Lisboa e pode ser baixada em: <www.brasiliana.usp.br/bbd/handle/1918/03925300#page/92/mode/1up>.

4.CarlosdeFariaJúnior,2008,p.213.

5.ChristianEdwardCyrilLynch,2007a,p.217.

6.JosédaSilvaLisboa,1808,p.194.

7.ChristianEdwardCyrilLynch,2007a,p.218.

8.AlfredoBosi,1988,p.14.

9.VeraLúciaNagibBittencourt,2013,p.139-153.

10.Idem,p.139-165.

11.JoséMurilodeCarvalho,2002,p.27.

12.JorgeCaldeira,1995,p.97.

13.Idem,p.98.

14.BorisFausto,1995,p.152-158.

15.JoséMurilodeCarvalho,2011,p.21.

16. Para sabermais sobre os partidos Conservador e Liberal no Brasil, sua formação,natureza, ideias,posiçõeseatuaçãopolíticas, recomendoa leituradocapítulo8do livroAconstruçãodaordem:aelitepolíticaimperial.Teatrodassombras:apolíticaimperial,deJoséMurilode Carvalho (2011, p. 201-246), e do artigo “Partir, fazer e seguir: Apontamentos sobre aformaçãodospartidoseaparticipaçãopolíticanoBrasildaprimeirametadedoséculoXIX”,deErikHörner(2013).

17.JoséMurilodeCarvalho,2011,p.32-33.

18.Idem,p.29.

19.Idem,p.31.

20.Idem,p.32-33.

21.Idem,p.35.

22.Idem,p.37.

23.Ibidem.

24.Idem,p.36.

25.Ibidem.

26.Idem,p.38.

27.Idem,p.39.

28.Idem,p.40.

29.Idem,p.40-41.

30.Ibidem.

31.Idem,p.41.

32.Idem,p.41-42.

33.Idem,p.42-43.

34.Idem,p.43.

35.RuiRamos,2004,p.20.

36.JoséMurilodeCarvalho,2011,p.18.

37.Idem,p.18-19.

38.AurélioSchommer,2011,p.84-85.

39.Idem,p.39.

40.IsabelLustosa,2006,p.256-257.

41.Idem,p.262.

42.Idem,p.258-259.

43.LiliaMoritzSchwartz,1998,p.162.

44.Idem,p.482.

45.Ibidem.

46.AurélioSchommer,2011,p.86.

47.JorgeCaldeira,1995,p.156-157.

48.Idem,p.136.

49.Idem,p.20.

50.ChristianEdwardCyrilLynch,2007b,p.117.

51.JorgeCaldeira,1995,p.267-268.

52.Idem,p.272.

53.Idem,p.117.

54.Idem,p.139.

55.AlexandreM.Barata,1994.

56.JorgeCaldeira,1995,p.139.

57.Idem,p.139-140.

58.Idem,p.139.

59.Ibidem.

60.AlexandreM.Barata,1994,p.80.

61.JoséCastellani,2000.

62.JorgeCaldeira,1995,p.144.

63.Idem,p.18.

64.Idem,p.21.

65.Idem,p.332.

66.IrineuEvangelistadeSousa,1878,p.12.

67.ChristianEdwardCyrilLynch,2012,p.283.

68.JoãoCarlosEspada,2010,p.20.

5.Comtecomigo:opositivismodaRepúblicapresidencialista

1. Quandoeste texto foiconcluído,aConstituiçãoemvigornoBrasileraade1988eDilmaRousseffiniciavaosegundomandatocomopresidentedoBrasil.

2.EssapolitizaçãoerabaseadanasideiaspositivistasdeAugustoComte.VerAdrianaBellintani,2009.

3.MarcoAntonioVilla,2011,p.16.

4.Ibidem.

5.Ibidem.

6.RuiBarbosa,1889a,p.26.

7.LuizFelipeD’Avila,2006,p.20.

8.Ibidem.

9.Idem,p.21.

10.Ibidem.

11.Ibidem.

12.RuiBarbosa,1889a,p.26.

13.LuizFelipeD’Avila,2006,p.22.

14.Ibidem.

15.JoaquimNabuco,1998,p.45.

16.Idem,p.47.

17.Ibidem.

18. O termo e a suadefinição forampropostos pelo cientista político SérgioHenriqueHudsondeAbranches(1988)noartigo“Presidencialismodecoalizão:odilemainstitucionalbrasileiro”.Veraseçãodenominada“Presidencialismodecoalizãoecomentáriosfinais”.

19.JoãoAlfredoCorrêadeOliveira,1963,p.352.

20.AntonioPaim,2000a,p.106.

21. Nas palavras do deputado brasileiroAfonsoArinos deMelo Franco, “no Brasil, ainstituiçãoconstitucionaldopodermoderador—úniconomundo—fezdonossochamadogovernoparlamentaralgosuigenerisinteiramentediversodoqueadoutrinaconceituacomessenome”.VerAfonsoArinosdeMeloFrancoeRaulPila,1999.p.33.

22.MarceloFigueiredo,2001,p.112-113.

23.VerAfonsoArinosdeMeloFrancoeRaulPila,1999,p.36.

24.Idem,p.37.

25.LiliaMoritzSchwartz,1998,p.691.

26.VerAfonsoArinosdeMeloFrancoeRaulPila,1999,p.36.

27.PauloFrancis,2012,p.221.

28.RicardoVélez-Rodríguez,2010,p.132.

29.AugustoComte,1978,p.88.

30.Idem,p.69.

31.RicardoVélez-Rodríguez,2010,p.129.

32.Idem,p.130.

33.IvanLins,1964,p.11-17.

34.Idem,p.17.

35.MozartPereiraSoares,1998,p.87.

36.AntonioPaim,2002,p.6.

37.AntonioPaim,2012,p.132.

38.MozartPereiraSoares,1998,p.119.

39.IvanLins,1964,p.11.

40.Idem,p.11-12.

41.Idem,p.12.

42.AugustoComte,1978,p.190.

43.ManoelBomfim,1935,p.41.

44.IvanLins,1964,p.11.

45.Idem,p.233.

46.Idem,p.31-32.

47.Idem,p.34.

48.Idem,p.35.

49.AntonioPaim,2002,p.6.

50.RicardoVélez-Rodríguez,2010,p.26.

51.VeroartigodeGunterAxt(2002).

52.RicardoVélez-Rodríguez,2010,p.135-137.

53.RicardoVélez-Rodríguez,[s.d.],p.1.

54.Idem,p.1-2.

55.LiraNeto,2012,p.168.

56.Ibidem.

57.PedroCezarDutraFonseca,1993.

58.IsraelBelochetal.,2001.

59.PedroCezarDutraFonseca,1993,p.418.

6.Dr.Presidente,oudecomoaprendiaamaraindamaisoEstado

1.LaurentinoGomes,2013,p.466.

2.Idem,p.92-92.

3.Idem,p.280.

4.Ibidem.

5.LuizFelipeD’Avila,2006,p.59-60.

6.Idem,p.61.

7.Idem,p.62.

8.Idem,61-62.

9.Idem,p.63.

10.GuillaumeAzevedoMarquesdeSaes,2005,p.34-35.

11.Idem,p.33.

12.Idem,p.46.

13.Ibidem.

14.Idem,p.48-49.

15. No contexto da época, ser autoritário e progressista significava ser favorável aodesenvolvimentoeconômicoe socialpela construçãodeumsistemacapitalistamedianteaaçãoautoritáriadogoverno.

16.GuillaumeAzevedoMarquesdeSaes,2005,p.13.

17.Idem,p.37-40.

18.EuclidesdaCunha,1975,p.54-55.

19.AlexandredeMoraes,2004,p.110-111.

20.LuizFelipeD’Avila,2006,p.11-12.

21.VictorNunesLeal,1949,p.21-23.

22.FernandoHenriqueCardosoetal.,2006,p.173.

23.MariadeLourdesM.Janotti,2010,p.7.

24.JoséMurilodeCarvalho,1997.

25.MariadeLourdesM.Janotti,2010,p.7.

26.VictorNunesLeal,1949,p.20.

27.JoséMurilodeCarvalho,1997.

28.Idem.

29.FernandoHenriqueCardosoetal.,2006,p.208.

30.LaurenSchoenster,2014.

31.LaurentinoGomes,2010,p.383.

32.JoséCastellani,2000,p.43.

33.AugustinBarruel,1827,p.17-35.

34.AlexandreM.Barata,1994,p.93.

35.LuísFernandoMessederdosSantos,[s.d.].

36.PauloRezzutti,2011.

37. Na época, o titular do cargo que hoje chamamos de governador era chamado depresidentedoestado.

38.OliveiraViana,1999,p.503.

39.Ibidem.

40.WanderleyGuilhermedosSantos,1978,p.65-118.

41.Idem,p.106.

42.AntonioPaim,1999b,p.11.

43.MarcoAntonioCabraldosSantos,2007,p.31-33.

44.PedroCezarDutraFonseca,1993,p.419.

45. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao34.htm>.

46.MarceloFigueiredo,2001,p.113.

47. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao34.htm>.

48.Idem.

49.VerElizabethCancelli,1993;eJoséMurilodeCarvalho,2010.

50. FGV-CPDOC. Filinto Müller. Disponível em:<http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas1/biografias/filinto_muller>.

51.ElizabethCancelli,[s.d.].

52. Um estudo sobre o tema é a dissertação de mestrado Repressão política e usos daconstituição no governoVargas (1935-1937): a segurança nacional e o combate ao comunismo, deautoriadeRaphaelPeixotodePaulaMarques(2011).

53.GetúlioVargas,1938,p.311.

54.Ibidem.

55.RicardoVélez-Rodríguez,2010,p.145.

56.MagdaBiavaschi,2005,p.130-131.

57.Idem,p.129.

58.RobertLevine,2001,p.25-26.

59.Ibidem.

60.EnriqueSaravia,2004,p.5.

61.Ibidem.

62.EugênioGudineRobertoSimonsen,2010,p.30.

63.MárcioScalercioeRodrigodeAlmeida,2012,p.122.

64.Idem,p.80.

65.CarlosAlbertoCampelloRibeiro,2007,p.267.

66.Idem,p.164.

67.VerTudoounada:EikeBatistaeaverdadeirahistóriadoGrupoX,deMaluGaspar(2014).

68. Veroartigoacadêmico“SindicalismodeEstado:controleerepressãonaeraVargas(1930-1935)”,deFábioCampinho(2006).

69. “O corporativismo é uma doutrina que propugna a organização da coletividadebaseada na associação representativa dos interesses e das atividades profissionais(corporações).Propõe,graçasàsolidariedadeorgânicadosinteressesconcretoseàsfórmulasde colaboração que daí podem derivar, a remoção ou neutralização dos elementos deconflito:aconcorrêncianoplanoeconômico,alutadeclassesnoplanosocial,asdiferençasideológicasnoplanopolítico”(NorbertoBobbio,1995,p.287).

70.MagdaBiavaschi,2005,p.129-130.

71.JoséMurilodeCarvalho,2011,p.52-53.

72.SérgioMiceli,2001,p.197-198.

73.Ibidem.

74.AdrianoNervoCodatoeWalterGuandaliniIr.,2003,p.147.

75.Idem,p.149.

76.Idem,p.150-151.

77.MiltonLahuerta,1997,p.109.

78.Ibidem.

79.BrenoCarlosdaSilva,2010,p.12.

80.Idem,p.11-12.

81.Sobreacrisede1930,agrandedepressãonosEstadosUnidoseasaçõesdogovernode F. D. Roosevelt, verNewDeal or RawDeal?: How FDR’s Economic Legacy Has DamagedAmerica, de Burton W. Folsom Jr. (2009); FDR’s Folly: How Roosevelt and His New DealProlongedtheGreatDepression,deJimPowell(2004);AGrandeDepressãoamericana,deMurrayN. Rothbard (2012);The Great Contraction, 1929-1933, deMilton Friedman,Anna JacobsonSchwartzePeterL.Bernstein(2008);TheForgottenMan:ANewHistoryoftheGreatDepression,deAmityShlaes(2008).

82.FranciscoVidalLunaeHerbertS.Klein,2007,p.25.

83.AntonioPaim,1999c,p.165-186.

84.EmOanjodafidelidade:ahistóriasinceradeGregórioFortunato,JoséLouzeiro(2000)dizqueGregórioaceitouaacusaçãoparalivraroirmãocaçuladopresidente,BenjaminVargas,emaisquatroenvolvidos:ogeneralAngeloMendesdeMoraes,oempresárioEuvaldoLodi,oex-ministrodoTrabalhoDantonCoelhoeodeputadoLuteroVargas,filhodeGetúlio.

7.Essespresidentesextraordináriosesuasmáquinasestataisinterventoras

1.MárciaAparecidaFerreiraCampos,2007,p.10.

2.PedroHenriquePedreiraCampos,2012.

3.AlziraAlvesdeAbreu,[s.d.].

4.MárciaAparecidaFerreiraCampos,2007,p.206.

5. EntrevistaconcedidaporRobertoCamposem27demarçode1982.Disponívelem:<http://www.centrocelsofurtado.org.br/arquivos/image/201109010931200.MD3_0_037.pdf>.

6.RobertoCampos,2013,p.108.

7.RobertoCampos,1996.

8.Sobreotema,leroartigocientíficodeAnaCláudiaCaputoeHildetePereiradeMelo(2009).

9.FranciscoVidalLunaeHerbertS.Klein,2007,p.29.

10.EduardoGrossi,2006,p.186.

11. Afraseoriginalé“Veni,vidi,vici”(“Vim,vievenci”).FoidessaformasucintaqueJúlio César comunicou ao Senado romano que havia vencido a Batalha de Zela contraFárnacesII.

12.FelipePereiraLoureiro,2010.

13.Idem,p.565.

14.Idem,p.566-675ep.581-583.

15.JânioQuadros,2009,p.17.

16.Ibidem.

17.Idem,p.33.

18. Israel Beloch et al., 2001. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao67.htm>.

19.ElioGaspari,2014a,p.83.

20.FranciscoVidalLunaeHerbertS.Klein,2007,p.31.

21. Texto do decreto nº 53.700, de 13 de março de 1964. Disponível em:<http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1960-1969/decreto-53700-13-marco-1964-393661-norma-pe.html>.

22.JoãoGoulart,2009,p.87.

23.ElioGaspari,2014a,p.156.

24.Idem,p.196.

25.MarcoAntonioVilla,2014,p.160-161e486.

26.FranciscoVidalLunaeHerbertS.Klein,2007,p.31.

27. EmO fim do compromisso, PaulHollander (2008)mostra as fontes e a natureza dadesilusão com a ideologia e com os regimes comunistas e narra a experiência dolorosa,hesitante e gradual dos crentes políticos, cujo vínculo com a ideologia é comparável à féreligiosa.

28.ElioGaspari,2014a,p.362.

29.Ibidem.

30.Idem,p.364.

31.Ibidem.

32. Umacríticaaalgunsdeseusprincipaisexpoentes foi formuladaporRogerScruton(2014).

33.ElioGaspari,2014b,p.235.

34.OswaldoMunizOliva,2000,p.26.

35.AnandaSimõesFernandes,2009,p.842.

36.Idem,p.847.

37.FranciscoVidalLunaeHerbertS.Klein,2007,p.32.

38.Ibidem.

39.MarcoAntonioVilla,2014,p.152-155.

40.FranciscoVidalLunaeHerbertS.Klein,2007,p.32.

41.Idem,p.34.

42. O texto do AI-5 está disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/AIT/ait-05-68.htm>.

43.DoislivrosquetratamdalutaarmadanoBrasilsãoArevoluçãoimpossível,deLuísMir(1994),eOrvil,deLicioMacieleJoséConegundesdoNascimento(2012).

44.Oficialmente,onúmerodemortospeloregimemilitarsoma216pessoas,alémde140desaparecidas.Aesquerdacalcula424mortes.

45.CarlosChagas,2014,p.463-464.

46.FranciscoVidalLunaeHerbertS.Klein,2007,p.35.

47.Ibidem.

48.Idem,p.36.

49.MarcoAntonioVilla,2014,p.346.

50. O texto da Lei da Anistia (lei nº 6.683/1979) pode ser lido em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6683.htm>.

51. Adiscussão sobre a abrangência da lei não terminou. Em abril de 2014, o Senadoaprovouumprojetodeleiqueprevêaexclusãodaanistiadosagentespúblicos(militaresoucivis)quetenhamcometidocrimescontraopositoresdogovernomilitar,alémdeextinguiraprescriçãodosdelitos.Apropostade revisãodaLei daAnistia é claramente vingativa aopretenderpunirosrepresentantesdoregimemilitaremanteranistiadososseusadversários,terroristasounão.Seéparapunirquemcometeucrimesnaqueleperíodo,quealeiabranjatodos,dosmilitaresaosmembrosdosgruposarmadosdeesquerda,comoDilmaRousseff.

52.FranciscoVidalLunaeHerbertS.Klein,2007,p.63.

53.Ibidem.

54.Idem,p.64.

55.SimoneCosta,2007,p.6.

56. O texto da lei nº 7.232 de 29 de outubro de 1984 está disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7232.htm>.

57. O texto da lei está disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8248.htm>.

58. A eleição pelo Colégio Eleitoral, que era composto pelos membros do CongressoNacionalepordelegadosindicadospelasAssembleiasLegislativasdosestados,eradefinidapelos artigos 76 e 77 da Constituição de 1967. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao67.htm>.

59.RobertoCampos,2013,p.155-161.

60.ReginaEcheverria,2011,p.107.

61.PauloFrancis,2012,p.303.

62.BrasilioSallumJr.,2003,p.39.

63. Memória Globo. Fiscais do Sarney. Disponível em:<http://www.memoriaglobo.globo.com/programas/jornalismo/coberturas/plano-cruzado/fiscais-do-sarney.htm>.

64.OtrechoépartedeumartigoemqueRuiBarbosa(1889b,p.208)criticavaaameaçadeprocesso contra todosos indivíduosqueno espaçopúblicodessemvivas à república edesejassemamortedamonarquia.

65.MiriamLeitão,2011,p.118.

66. Um ótimo livro sobre Fernando Collor de Mello, seu governo e a relação com aimprensa éNotícias do Planalto, de Mario Sergio Conti (1999), que foi militante do braçoestudantildaOrganizaçãoSocialistaInternacionalista(OSI).

67.“OPCéotestadeferrodoFernando”,1992.

68.“AsarestasdeItamar”,1992.

69.ItamarFranco,1992.

70.SergioAugustodeAvellarCoutinho,2003,p.126-127.

71. VerocapítulosobreFlorestanFernandesnolivroPensadoresque inventaramoBrasil,deFernandoHenriqueCardoso(2013).

72.SobreFernandoHenriqueCardoso,recomendoaleituradoartigo“FHC:ointelectualcomopolítico”,deCelsoLafer(2009).

73. Ver o capítulo sobre Celso Furtado no livroPensadores que inventaram o Brasil, deFernandoHenriqueCardoso(2013).

74.BernardoRicupero,2002.

75.JosephS.NyeJr.,2002,p.8.

76.FernandoJ.CardimdeCarvalho,2008.p.571.

77.Idem,p.572.

78.FranciscoVidalLunaeHerbertS.Klein,2007,p.49.

79.FernandoRodrigues,2014.

80.FábioGiambiagietal.,2004,p.182.

81. “Rede de escândalos: Governo FHC (1995-2002)”. Disponível em:<http://www.veja.abril.com.br/infograficos/rede-escandalos/rede-escandalos.shtml?governo=fhc&scrollto=47>.

82.AndréLuizSantaCruzRamos,2014b,p.381.

83.AndréLuizSantaCruzRamos,2014a,p.250.

84.AndréLuizSantaCruzRamos,2015,p.195.

85.HansF.Sennholz,2013.

86.Ibidem.

87.FranciscoVidalLunaeHerbertS.Klein,2007,p.51.

88.MarcoAntonioVilla,2013,p.162.

89. O caso é contadopelopróprioLula ementrevistaquepode servistanoYouTube:<http://www.youtube.com/watch?v=0W0XA2ndTq4&feature=player_embedded>.

90.AndréSinger,2010,p.101.

91. Manifesto do PT. Disponível em: <http://www.pt.org.br/wp-content/uploads/2014/04/manifestodefundacaopt.pdf>.

92.AntonioPaim,2009,p.576-577.

93. ÉumabrincadeiracomotítulodolivroRumoàEstaçãoFinlândia,docríticoliterárioamericano Edmund Wilson (1986), que conta a história dos movimentos revolucionários(socialistasecomunistas)naEuropaatéachegadadeLeninàestaçãodetremhomônimaemSãoPetersburgo,depoisdeumlongoexílio,paralideraraRevoluçãoRussaem1917.

94.AndréSinger,2010.

95.Idem,p.108-111.

96.EduardoOinegue,2013.

97.AndréGonçalves,2014.

98.MiriamLeitão,2009.

99.MarcoAntonioVilla,2013,p.42.

100. Os dados foram apresentados pela coordenadora do mestrado profissional emgestão e políticas públicas da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Regina Pacheco, em suapalestranoFórumBrasilCompetitivoem23desetembrode2014.

101.MarcoAntonioVilla,2013,p.42.

102.FernandoBarrosdeMelo,2010.

103. “Rede de escândalos: Governo Lula (2003-2010)”. Disponível em:<http://www.veja.abril.com.br/infograficos/rede-escandalos/rede-escandalos.shtml?governo=lula&scrollto=8>.

104. Em 2004, Waldomiro Diniz era assessor da Presidência da República, ligadodiretamente ao então todo-poderoso ministro José Dirceu, quando foi divulgada umagravaçãode 2002 emque ele aparecia cobrandopropinadobicheiroCarlinhosCachoeira.Nessaépoca,eleerapresidentedaempresadeloteriasestaduaisdoRiodeJaneiro(Loterj),estadogovernadoporAnthonyGarotinho,quevenceuaeleiçãoapoiadopeloPT.

105. Assessordodeputadocearense JoséNobreGuimarães, irmãode JoséGenoino,naépocapresidentedoPT, JoséAdalbertoVieiradaSilva foipresoem2005noaeroportodeCongonhas,emSãoPaulo,com100mildólaresescondidosnacueca.Eletambémcarregavauma valise com 200 mil reais. Naquele momento, o país acompanhava o desenrolar doescândalodomensalão.

106.ArevistaVejapublicoureportagemsobreovídeoemqueMaurícioMarinho,diretordosCorreiosnaépoca,recebiaR$3mildepropinaparadefinirovencedordeumalicitação.Na conversa com o empresário que pagou pelo serviço e gravou a negociação, MarinhocontouqueodeputadoRobertoJefferson,doPTB,obrigavatodosaquelesqueindicavaparacargos na administração federal, como o próprioMarinho, a desviar verbas e repassá-las.JeffersonusavaoapoiodoPTBaogovernoLulacomomoedadetroca.

107. Em 2010, outra reportagemda revistaVejamostrouque aministra daCasaCivilEreniceGuerra, indicadaporDilmaRousseffpara sucedê-la,usavao cargopara favorecerempresáriosmediantepagamentoemdinheiro.Quem faziaa intermediaçãoerao filhodaministra,IsraelGuerra.Erenicetambémtentoufavorecernegóciosdomaridoedosirmãos.

108. Uma cronologia do mensalão está disponível em:<http://www.g1.globo.com/politica/mensalao/infografico/platb/cronologia>.

109.RodrigoOctávioOrair,2013.

110.MarcoAntonioVilla,2013,p.221.

111.LeandroLoyola,EumanoSilvaeLeonelRocha,2010.

112.HistóriadoPDT.Disponívelem:<http://www.pdt.org.br/index.php/pdt/historia>.

113. “Rede de escândalos: Governo Dilma (2011-2014)”. Disponível em:<http://www.veja.abril.com.br/infograficos/rede-escandalos/rede-escandalos.shtml?governo=dilma&scrollto=65>.

114.Idem.

115. Quando este livro foi concluído, ainda estavam em curso os trabalhos da PolíciaFederal e da Justiça Federal no âmbito da Operação Lava Jato para investigar ummonumental esquema de corrupção envolvendo funcionários da Petrobras, empreiteiros,políticosemembrosdoPT.

116.PaulHollander,2008,p.17e33.

117.AntonioPaim,2009,p.578.

118.OprêmioIgNobelfoicriadoem1991porespirituososestudantesdeHarvardparacelebraraspesquisasmais improváveisquefizessemaspessoas,primeiro, rireme,depois,refletirem.Ositeé:<http://www.improbable.com/ig/>.

119.ViniciusCarrasco,JoãoM.P.deMelloeIsabelaDuarte,[s.d.].

120.AnaClaraCosta,2014.

121. Disponível em: <http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code=000794314>.

122. O vídeo constrangedor pode ser visto (espero) em:<http://www.youtube.com/watch?v=hm25jkaVGWs>.

123.MarcoAntonioVilla,2013,p.267.

124.UbiratanJorgeIorio,2009,p.2.

8.NósqueamávamostantooEstado

1.JoãoPereiraCoutinho,2012,p.47-48.

2.SegundooestudoanualdoInstitutoBrasileirodePlanejamentoeTributação(IBPT).

3.GilbertoLuizdoAmaraletal.,2014.

4.InstitutoBrasileirodePlanejamentoeTributação,2014.

5.GilbertoLuizdoAmaraletal.,2014,p.2.

6.HenriquedaCunhaTavares,2014,p.148-149.

7.Idem,p.149.

8.AdolfodeOliveiraRosa,2011,p.87.

9.RubemdeFreitasNovaes,2013,p.22-26.

10.OlavodeCarvalho,2013,p.486.

11. EmentrevistaaomeuPodcastdoInstitutoLudwigvonMisesBrasil,CleberNunescontouahistóriaemdetalhesefalousobreasconquistasdosfilhosgraçasaohomeschooling.Disponívelem:<http://www.mises.org.br/FileUp.aspx?id=240>.

12.JoãoCarlosEspada,2010,p.57-58.

13.Idem,p.58-59.

14. Refiro-me aqui à Pesquisa Social Brasileira publicada emAlberto CarlosAlmeida,2013.

15.AlbertoCarlosAlmeida,2013,p.25.

16.Idem,p.26.

17.Idem,p.177.

18. SegundoaPesquisaSocialBrasileira,para69%dosentrevistadosoensinodeveserresponsabilidadedoEstado.Naáreadasaúde,71%defendiamomodeloatualgeridopelogoverno. No âmbito da aposentadoria e da previdência social, 72% dos entrevistadospreferem que o Estado continue a controlá-las,mesmo que o sistema estatal esteja falido,informação que muitos provavelmente desconhecem. No caso da justiça, 80% dosentrevistados acham que deve continuar estatal. Somente 11% admitem a hipótese de ojudiciário funcionar em parte estatal e em parte privado, e 8% aprovam uma justiçatotalmenteprivada.Emrelaçãoaoesgotoeaofornecimentodeágua,68%dosconsultadosacreditamqueogovernodevegerirosdois serviços,mesmocom todososproblemasnosmunicípiosbrasileirosnessasduasáreaseapesardasexperiênciasbem-sucedidasdegestãoprivadaemcidadespaulistas,fluminensesecapixabas.Cansadosdepagartantosimpostos,osbrasileiros reagemnegativamenteà cobrançadepedágiosnasestradase rodovias.Para68%dosentrevistados, essaáreadeve continuar sendoatribuiçãodogoverno.Acoletadelixo tambémdeve,deacordocom65%, ser realizadapelopoderpúblico.Nemosapagõesocorridos nem os problemas endêmicos do setor foram capazes de alterar a opinião dosbrasileiros.Para64%,osetordevesercontroladopeloEstado.Nosetorbancário,éumtantosurpreendenteque51%prefiramqueosbancossejamestatais.Nocampodotransporte,42%acham que o governo deveria comandá-lo. No caso da telecomunicação, os benefícios daprivatização surtiram efeito, pois apenas 29% achavam que o serviço de telefonia móveldeveriaserestatal,mas42%continuavamacreditandoqueoserviçodetelefoniafixaestariamelhornasmãosdoEstado.Talvezpelo fatodenão termos tidogovernosque tenhamseaventurado na produção de veículos, 22% dos entrevistados apostavam que a indústriaautomotivaestatalseriaumgrandenegócio.

19.AlbertoCarlosAlmeida,2013,p.183.

20.NamaiorpartedossetorescitadosnaPesquisaSocialBrasileira,aposiçãoestatistadequemganhavaatéR$800,00eraentre10e15pontospercentuaisacimadaquelesquetinhamrenda acima de R$ 801,00. Ou seja, quem ganha mais está menos propenso a aceitar ocontroleestatal.TalvezosmoradoresdaZonaSuldacidadedoRiodeJaneirosejamexceção.Naáreadeensino,73%dosentrevistadosmaispobresapoiavama interferênciadoEstadocontra65%dosquetinhamrendamaiselevada;nasaúde,74%contra66%;naprevidênciasocial,76%contra68%;notransporte,45%contra38%;nasestradaserodovias,73%contra62%;no fornecimentodeágua,69%contra67%;no serviçodeesgoto,70%contra67%;nacoletadelixo,70%contra55%;nosetordeenergiaelétrica,69%contra59%;natelefoniafixa,46% contra 38%; na telefonia celular, 34% contra 21%; nos bancos, 61% contra 36%; na

fabricaçãodecarros,26%contra14%.Amaiordiferençaempontospercentuaisfoiverificadano setor bancário. As pessoas mais pobres demonstraram uma tendência maior a ver ogovernocomoumportosegurodaatividadee,por isso,confiammaisnosbancosestatais.NãoéàtoaquenemsefalaemprivatizaçãodaCaixaEconômicaFederal,porexemplo.Foiessamentalidadequefezcomque,noséculoXIX,oscorrentistasacreditassemnodiscursodo visconde de Itaboraí sobre a insegurança dos bancos privados. Os políticos estatistassabemexplorarmuitobem,easeufavor,essaconfiançabaseadanomedo.

21.AlbertoCarlosAlmeida,2013,p.188.

22. O Índice de Confiança Social está disponível em: <http://www.ibope.com.br/pt-br/noticias/Documents/JOB%2013_0963_ICS%20JUL%202013_Apresentacao%20final.pdf>.

23.AlbertoCarlosAlmeida,2013,p.187-188.

24.Idem,p.187-190.

25.Idem,p.191.

26. O vídeo pode ser visto no YouTube: <http://www.youtube.com/watch?v=Mw9tqx3tULU>.

27. A fraseoriginaldeNelsonRodrigues é: “Subdesenvolvimentonão se improvisa.Éobradeséculos.”

28.UmdoslivrosquemostramarelaçãoentreartistaseosocialismoeocomunismonoBrasiléEmbuscadopovobrasileiro:doCPCàeradaTV,deMarceloRidenti(2000).Tambémrecomendoa leituradoartigo“OPCB-PPSe a culturabrasileira:Apontamentos”,de IvanAlvesFilho(2011),quemostraarelaçãoeavinculaçãode intelectuaiseartistasbrasileiroscomoPartidoComunistaBrasileiro(PCB).

29.SobreamatrizideológicaqueestruturouacriaçãodoDepartamentodeFilosofiadaUSP,recomendoaleituradolivroUmdepartamentofrancêsdeultramar:estudossobreaformaçãodaculturafilosóficauspiana(Umaexperiêncianosanos60),doprofessormarxistaPauloEduardoArantes,queapoiouacriaçãodoPSOL,partidosocialistaradicalfundadoporex-membrosdoPT.

30. A tese de doutorado de Lidiane Soares Rodrigues (2012) faz um levantamentohistóricosobreo“SeminárioMarx”eseusparticipantes.

31.NúmerodoTribunalSuperiorEleitoralreferenteaoanode2014.

32. Ideário do Democratas. Disponível em: <http://www.dem.org.br/wp-content/uploads/2011/01/Ideario-do-Democratas.pdf>.

33.RogerScruton,2012.

34.Idem.

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