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1- A Geografia no Brasil e sua breve contextualização. A produção acadêmica em torno da concepção de Geografia no Brasil passou por diferentes fases e momentos, gerando reflexões distintas acerca dos objetos e métodos do fazer geográfico. De certa forma, essas reflexões influenciaram, e ainda influenciam, muitas das práticas de ensino desta ciência no âmbito acadêmico e na sua aplicação com a realidade cotidiana. A Geografia, como importante ciência social e humana, tem por objetivo estudar as relações entre o processo histórico na formação das sociedades humanas e o funcionamento da natureza por meio da leitura do lugar, do território, a partir de sua paisagem. Na busca dessa abordagem relacional, trabalha com diferentes noções espaciais e temporais, bem como, com os fenômenos sociais, culturais e naturais característicos de cada paisagem, para permitir uma compreensão processual e dinâmica de sua constituição, para identificar e relacionar aquilo que, na paisagem, representa as heranças das sucessivas relações no tempo entre a sociedade e a natureza em sua interação. Buscando apresentar uma breve contextualização da Geografia no Brasil, é importante considerar que as primeiras tendências desta ciência nasceram com a fundação da Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo e do Departamento de Geografia quando, a partir da década de 1940, a disciplina Geografia passou a ser ensinada por professores licenciados, com forte influência da escola francesa de Vidal da La Blache. Nesta primeira fase de configuração na academia brasileira, essa Ciência Geográfica era marcada pela explicação objetiva e quantitativa da realidade que fundamentava a escola francesa de então. Entretanto, foi essa escola que imprimiu ao pensamento geográfico, no Brasil, o mito da ciência não politizada, com o argumento da neutralidade do discurso científico. Tinha como meta abordar as relações do homem com a natureza de forma objetiva, buscando a formulação de leis gerais de interpretação. Essa tendência da Geografia e as correntes que dela se desdobraram foram chamadas de Geografia Tradicional. Apesar de valorizar o papel do homem como sujeito histórico, propunha-se, na análise da produção do

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Page 1: 1- A Geografia no Brasil e sua breve contextualização. · desta ciência no Brasil tornou-se mais complexa: o desenvolvimento do capitalismo afastou-se cada vez mais da fase concorrencial

1- A Geografia no Brasil e sua breve contextualização.

A produção acadêmica em torno da concepção de Geografia no Brasil

passou por diferentes fases e momentos, gerando reflexões distintas acerca

dos objetos e métodos do fazer geográfico. De certa forma, essas reflexões

influenciaram, e ainda influenciam, muitas das práticas de ensino desta ciência

no âmbito acadêmico e na sua aplicação com a realidade cotidiana.

A Geografia, como importante ciência social e humana, tem por objetivo

estudar as relações entre o processo histórico na formação das sociedades

humanas e o funcionamento da natureza por meio da leitura do lugar, do

território, a partir de sua paisagem. Na busca dessa abordagem relacional,

trabalha com diferentes noções espaciais e temporais, bem como, com os

fenômenos sociais, culturais e naturais característicos de cada paisagem, para

permitir uma compreensão processual e dinâmica de sua constituição, para

identificar e relacionar aquilo que, na paisagem, representa as heranças das

sucessivas relações no tempo entre a sociedade e a natureza em sua

interação.

Buscando apresentar uma breve contextualização da Geografia no

Brasil, é importante considerar que as primeiras tendências desta ciência

nasceram com a fundação da Faculdade de Filosofia da Universidade de São

Paulo e do Departamento de Geografia quando, a partir da década de 1940, a

disciplina Geografia passou a ser ensinada por professores licenciados, com

forte influência da escola francesa de Vidal da La Blache.

Nesta primeira fase de configuração na academia brasileira, essa

Ciência Geográfica era marcada pela explicação objetiva e quantitativa da

realidade que fundamentava a escola francesa de então. Entretanto, foi essa

escola que imprimiu ao pensamento geográfico, no Brasil, o mito da ciência

não politizada, com o argumento da neutralidade do discurso científico. Tinha

como meta abordar as relações do homem com a natureza de forma objetiva,

buscando a formulação de leis gerais de interpretação.

Essa tendência da Geografia e as correntes que dela se desdobraram foram chamadas de Geografia Tradicional. Apesar de valorizar o papel do homem como sujeito histórico, propunha-se, na análise da produção do

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espaço geográfico, estudar a relação homem-natureza sem priorizar as relações sociais. Por exemplo, estudava-se a população, mas não a sociedade; os estabelecimentos humanos, mas não as relações sociais; as técnicas e os instrumentos de trabalho, mas não o processo de produção. Ou seja, não se discutia as relações intrínsecas à sociedade, abstraindo assim o homem de seu caráter social. Era baseada, de forma significativa, em estudos empíricos, articulada de forma fragmentada e com forte viés naturalizante. (PCN, 2007, p.03).

Para a aplicação no ensino escolar, essa Geografia ficou traduzida,

muitas das vezes pelo estudo descritivo das paisagens naturais e humanizada,

de forma dissociada do espaço vivido pela sociedade e das relações

contraditórias de produção e organização presentes no espaço.

Os procedimentos didáticos adotados promoviam, principalmente, a

descrição e a memorização dos elementos que compõem as paisagens, sem

esperar que os alunos estabelecessem relações, analogias ou generalizações

– neste caso especifico, o uso do trabalho de campo era uma ferramenta que

estava pautada na elaboração dos conhecimentos geográficos.

Pretendia-se nesta fase, ensinar uma Geografia neutra com pouca ou

talvez nenhuma preocupação para levantar questionamentos críticos presentes

na paisagem e no espaço. Essa perspectiva marcou também a produção dos

livros didáticos até meados da década de 70 e, mesmo hoje em dia, muitos

ainda apresentam em seu corpo idéias, interpretações ou até mesmo

expectativas de aprendizagem defendidas pela Geografia Tradicional.

Portanto, foi no período do pós-guerra (1939/1945), que a realidade

desta ciência no Brasil tornou-se mais complexa: o desenvolvimento do

capitalismo afastou-se cada vez mais da fase concorrencial e penetrou na fase

monopolista do grande capital; a urbanização acentuou-se e as grandes

metrópoles começaram a se constituir até então; os fluxos migratórios tiveram

maior expressividade no país; o espaço agrário sofreu as modificações

estruturais comandadas pela Revolução Verde, em função da industrialização e

da mecanização das atividades agrícolas em várias partes do mundo; a rede

de transportes e de comunicação começaram a se desenvolver, interligando

diferentes realidades locais que passaram a estar articuladas numa rede de

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escala mundial. Sendo assim, cada lugar deixou de explicar-se por si mesmo,

passando a conviver com realidades novas e complexas.

Nesta nova realidade vivida pelo Brasil e também por outras áreas do

mundo, os métodos e as teorias da Geografia Tradicional tornaram-se

insuficientes para apreender, entender e explicar esta nova complexidade.

Neste caso, o uso do trabalho de campo, feito através de estudos apenas

empíricos, tornou-se insuficiente.

Agora com esta nova configuração sócio-espacial, era preciso realizar

estudos voltados para a análise das relações locais, regionais e mundiais – que

de certo modo estavam e sempre estiveram interligadas – devendo estar

associados com as mudanças de ordem econômica, social, política e

ideológica que o mundo vivenciava até o presente momento.

Por outro lado, o meio técnico-científico-informacional passou a exercer

forte influência nas pesquisas realizadas no campo da Geografia. Na década

de 1960, sob influência das teorias marxistas, surge uma nova tendência de

teor crítico à Geografia Tradicional, cujo centro de preocupações passa a ser

as relações entre a sociedade, o trabalho e a natureza na produção do espaço

geográfico. Neste momento, os geógrafos passam a estudar a sociedade

através de novas concepções, isto é, procuram estudar a sociedade através

das relações de trabalho e da apropriação humana da natureza para produzir e

distribuir os bens necessários às condições materiais que garantissem os seus

interesses.

Surge, nesta importante fase, uma crítica à Geografia Tradicional, ao

Estado e as classes sociais dominantes, propondo, a partir daí, uma Geografia

das lutas sociais. Num processo quase militante de importantes geógrafos

brasileiros, difunde-se uma nova Geografia denominada Geografia Marxista,

conhecida também pelo título de Geografia Crítica.

Essa nova perspectiva considerava que não basta explicar o mundo, é

preciso transformá-lo. Assim, a Geografia no Brasil e também em outros

países, ganha novos conteúdos políticos que são significativos na formação do

cidadão. As transformações teóricas e metodológicas dessa nova Ciência

Geográfica, baseada numa concepção crítica da realidade sócio-espacial,

tiveram grande influência na produção científica das últimas décadas e estão

presentes até os dias de hoje. É importante frisar que as correntes de

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pensamento na área da Geografia Tradicional possuíam uma visão bem

particularizada, trazendo uma idéia de negligenciar a realidade humana.

Tanto a Geografia Tradicional quanto a Geografia Marxista ortodoxa negligenciaram a relação do homem e da sociedade com a natureza em sua dimensão sensível de percepção do mundo: o cientificismo positivista da Geografia Tradicional por negar ao homem a possibilidade de um conhecimento que passasse pela subjetividade do imaginário; o marxismo ortodoxo por tachar de idealismo alienante qualquer explicação subjetiva e afetiva da relação da sociedade com a natureza. (PCN, 2007, p. 4).

No Entanto, com esta nova configuração de Ciência, uma das

características mais importantes da Geografia Crítica é justamente apresentar

abordagens que considerem as dimensões subjetivas e, portanto, singulares

que o ser humano em sociedade estabelece com a natureza. Essas dimensões

são socialmente elaboradas por meio das experiências individuais marcadas

pela cultura na qual se encontram inseridas e resultam em diferentes

percepções do espaço geográfico em sua construção. É, essencialmente, a

busca de explicações mais plurais, que promovam a interseção da Geografia

com outros campos do saber, como a Antropologia, a Sociologia, a Biologia, as

Ciências Políticas, por exemplo. Preocupa-se, de certa forma, com uma

Geografia que não seja apenas centralizada na descrição empírica das

paisagens, tampouco pautada exclusivamente na interpretação política e

econômica do mundo; que possa trabalhar tanto as relações socioculturais da

paisagem como os elementos físicos e biológicos que dela fazem parte,

investigando as múltiplas interações entre eles estabelecidas na constituição

de um espaço, identificado na formação do Espaço Geográfico.

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2 – A CONTRIBUIÇÃO DE ALEXANDER VON HUMBOLDT E KARL RITTER

NOS ESTUDOS EMPÍRICOS NA HISTORIA DO PENSAMENTO

GEOGRÁFICO.

A Ciência Geográfica realizada no final do século XIX e início do século

XX, basicamente empírica, centrava sua análise de estudos na observação das

diferentes porções da Terra: as diferentes paisagens do globo. Nesse momento

da história da produção do conhecimento geográfico, os procedimentos

metodológicos utilizados são, basicamente, a observação e a descrição. A

base metodológica deste processo envolvia o uso dos trabalhos de campo,

identificados como atividade de pesquisa empírica, sendo utilizada na coleta de

dados primários (OLIVEIRA, s/d).

Ao estudarmos os primórdios da Ciência Geográfica no Brasil, é

importante considerar suas premissas, onde, desde a formalização da ciência

geográfica, a partir dos pressupostos de Humboldt e Ritter, principalmente

ocorre o que podemos chamar de uma territorialização da Geografia, quando

os conhecimentos relacionados à dinâmica homem-meio (e seus desenlaces

espaciais) passam a assumir características próprias, de acordo com os

interesses políticos e as características socioeconômicas do país que passa a

usufruir desses conhecimentos geográficos (SILVONE e TSUKAMOTO, 2006,

p. 73.).

De acordo com Oliveira (s/d), o trabalho de campo, a partir do século

XIX, atua como elemento importante na definição da disciplina geográfica. Não

que essa prática tivesse surgido nesse período. Entretanto, a nova ciência,

marcadamente influenciada pelo positivismo clássico, desenvolvia seus

estudos a partir do empirismo. A razão e a crença de que todo o conhecimento

dar-se-ia através da observação e da experimentação e que determinavam os

rumos da produção científica desde então.

Com Alexander Von Humboldt e Karl Ritter, a observação empírica da

realidade ganha destaque. Alexander Von Humboldt atualmente considerado

como um dos fundadores da Geografia pretendia realizar uma ciência de

síntese, em que a observação racional é o método de investigação que se

destacava. Através de seu método de observação, estabeleceu a existência de

uma interação entre os mais diversos elementos constituintes da Terra, sendo

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que ocorre uma relação de causa e conseqüência entre eles, o principio da

causalidade, conforme comenta De Martonne:

[...] ninguém mostrou de modo mais preciso como o homem depende do solo, do clima, da vegetação, como a vegetação é função dos fenômenos físicos, como estes mesmos dependem uns dos outros. Ademais, Humboldt também foi responsável pela utilização do “principio da geografia geral”, a qual determina que se deve conhecer toda a unidade terrestre a fim de que seja possível estabelecer relações entre as diferentes regiões que a compõe, uma vez que fenômenos verificados em determinada localidade podem ocorrer em outros locais que tenham características físicas semelhantes. (MARTONE 1953, p. 13 apud SILVA, ALVES, LOPES, 2008, p. 12).

Já Karl Ritter, que foi fortemente influenciado pelas idéias de Pestalozzi -

intelectual que tem grande importância nos debates educacionais na passagem

do século XIX para o século XX. Para Pestalozzi, o concreto é a base de todo

o conhecimento e, assim, o aprendizado deve buscar seu material no próprio

meio que envolve o aluno; dessa forma, a contemplação e a representação da

paisagem seriam os procedimentos fundamentais no processo pedagógico.

(MORAES, 2002, p. 140 apud, OLIVEIRA, MACHADO s/d).

Por isso, a busca pelo conhecimento, tanto do ponto de vista científico

como do ponto de vista pedagógico, deveria privilegiar o contato direto com o

objeto sob investigação. Antônio Carlos Robert Moraes afirma que, para Karl

Ritter, a Terra é o palco dos acontecimentos naturais, com ou sem a presença

do homem. Nessa perspectiva, Ritter acreditava que as leis que regem a

natureza devem ser compreendidas através das formas visíveis sobre a

superfície terrestre. (MORAES, 2002, p. 164, apud, OLIVEIRA, MACHADO

s/d).

Opostamente a Humboldt (1769-1859), Karl Ritter (1779-1859)

considerado como geógrafo “de gabinete”, foi outro grande pensador

importante na formação e sistematização da Geografia, apresentando forte

auxílio na instituição desta importante ciência. Neste caso, Ritter buscava

valorizar a utilização de metodologias, e desenvolvia acima de tudo, trabalhos

de cunho pedagógico. Junto a Geografia, foi o precursor do método

comparativo, realizando estudos dos lugares e da individualidade dos mesmos,

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estabelecendo comparações entre diferentes povos, culturas, instituições e

sistemas de utilização de recursos, usando para isso, o empirismo como

método de observação. (SILVA, 2008, p. 12).

A formação religiosa de Ritter exerceu relativa influência em seus

estudos, sendo que defendia a teoria de que caberia à Ciência Geográfica

compreender a relação que a divindade exerceria sobre a natureza e seus

elementos constituintes, isto é, a Geografia deveria explicar a individualidade

dos sistemas naturais considerando que Deus teria criado cada lugar com suas

especificidades. Dessa forma, a proposta de estudo de Ritter pode ser

considerada antropocêntrica, por enfatizar o homem como objeto de estudo

dentro da natureza, e regional devido à ênfase dispensada ao estudo da

individualidade regional.

Apesar de não deixarem no campo da ciência geográfica influências

diretas, bem como apresentarem visões antagônicas em alguns aspectos, em

decorrência de suas diferentes formações, Humboldt e Ritter tiveram grande

importância para a consolidação e sistematização do pensamento geográfico

moderno. Além disso, se analisada sua trajetória na área da pesquisa,

percebe-se a importância dos trabalhos de campo realizados por esses

pesquisadores no momento de suas observações e análises empíricas do

espaço. (ibid., p. 12).

Segundo Gomes (1996):

a dupla filiação do discurso geográfico de Humboldt e de Ritter se exprime também na forma através da qual o papel do geógrafo era definido. O geógrafo era um observador da natureza que experimentava ao mesmo tempo um prazer estético, mas também um prazer intelectual de compreender as leis naturais. A palavra contemplação é comum aos dois discursos e parece justificar esta dupla ação do olhar, admirador e curioso. (GOMES, 1996, p. 173 apud SILVA, ALVES E LOPES, 2008)

Assim, o olhar clássico e a realização do trabalho de campo — que

fundamenta as descrições — como forma primeira e essencial da construção

do conhecimento, ao mesmo tempo em que é resultado de um momento

histórico, em que predominam a racionalidade e a objetividade como referência

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da produção do saber científico, deixa sua marca de forma inequívoca nos

momentos seguintes da produção do saber geográfico. (OLIVEIRA, s/d).

2 – O uso do Trabalho de Campo na produção Geográfica

É importante considerar que durante muito tempo as viagens se constituíram como o principal processo para o desenvolvimento do conhecimento dos espaços geográficos. Assim, esses conhecimentos serviam de instrumento de poder sobre os demais, visto que os viajantes e expedicionistas detinham informações que serviriam aos interesses de cunho político e econômico, como projetos de conquista e colonização de novos territórios. Entretanto, desde sua origem os trabalhos de campo requerem a utilização da metodologia empirista, a fim de concretizar os objetivos almejados; afinal a experiência sensível possibilita maior facilidade de compreensão de determinados objetos e conceitos geográficos. (SILVA, 2008 p. 13).

De acordo com importantes teóricos da Ciência geográfica Sauer,

importante geógrafo americano comenta:

Por trás do que estou dizendo está a convicção de que a geografia é primeiramente todo conhecimento que se obtém por meio da observação, aquele que é ordenado pela reflexão e por um novo exame das coisas que as pessoas têm visto, e aquele que a pessoa experimentou a partir de seu contato pessoal a partir da comparação e da síntese. Em outras palavras, a principal formação do geógrafo deveria vir, onde quer que seja possível, pelo trabalho de campo. (SAUER, 2000, p. 146-147).

Abrindo espaço para a análise conceitual, o Trabalho de campo vem a ser

um recurso ensino-aprendizagem que nos últimos anos vêm sendo

revalorizado na Geografia como prática de pesquisa e ensino, enquadrando-se

muitas das vezes numa concepção construtivista onde o pesquisador aprende

com o seu meio de vivência.

Com o intuito de despertar e atrair maior interesse do pesquisador e

principalmente profissionais ligados à área das Geociências, o trabalho de

campo em sua essência vem a ser, uma modalidade que apresenta uma

conotação empírica, dando um caráter ilustrativo ao conhecimento sobre a

ciência geográfica.

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De acordo com os fundamentos teóricos de “Suertegaray, no “Colóquio

Discurso Geográfico na Aurora do Século XXI”, (UFSC, 1996), a autora propõe

uma discussão sobre a atual valorização do Trabalho de Campo na Geografia,

sob a ótica da produção do conhecimento.

No seu entendimento (ibid., 1996), o Trabalho de Campo, nos dias

atuais, não pode ser compreendido apenas como coleta de dados e

informações. Necessita ser entendido como “um processo de articulação do

sujeito com a realidade, possibilitando a inserção do sujeito na sociedade,

reconstruindo o mesmo e a sua prática social”. O ato de pesquisar, de “ir a

campo” pressupõe a interação e a vivência com a realidade pesquisada.

Destaca também, que o papel da universidade é fundamental no

desenvolvimento da “práxis do geógrafo” e a necessidade do uso dessa prática

– o trabalho de campo – deva ser construída ao longo de sua formação.

(SUERTEGARAY,1996 apud, BRAUN. 2007, p. 258).

Pois, de acordo com as tendências atuais, é importante saber ler o

mundo para compreender a realidade e entender o contexto em que as

relações sociais se desenvolvem implica não só se ater na percepção das

formas, mas também no significado de cada uma delas.

Entretanto, levando em consideração estes fundamentos, é relevante

conhecer e compreender as características do meio em que se vive e,

consequentemente, o cotidiano; ampliando o entendimento da complexidade

do mundo atual a partir de diversas ferramentas e também através do uso do

trabalho de campo na etapa de construção do conhecimento geográfico.

Sendo assim, é a partir do cotidiano que o pesquisador da ciência

Geográfica, professores e educandos, perceberão que os diversos lugares que

compõem esta importante área de estudos ampliam a dimensão limitada que

às vezes se tem dela. Pois esta compreensão permite a construção de vários

eixos temáticos e sua relação com o mundo.

Partindo do pressuposto de oferecer uma educação geográfica, que

exercite e integre as atividades discutidas em diversos espaços de

conhecimentos, o tema de estudo aqui proposto, deve ser responsável a ponto

de promover a participação cooperativa, a argumentação, e o trabalho de

socialização dos atores sociais envolvidos para a troca de informações e

vivências relacionadas com o desenvolvimento do saber geográfico.

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Tentando facilitar o conhecimento em relação aos conteúdos discutidos na

Ciência Geográfica – que de certo modo apresenta uma diversidade de temas

discutidos e que ultrapassam as fronteiras das salas de aula e também dos

gabinetes e laboratórios – ir a campo é produzir uma pesquisa como forma de

confrontar com a realidade apresentada no contexto atual e que está inserida

no Espaço Geográfico.

Entretanto muitos autores valorizam a prática do trabalho de campo na

produção da Ciência Geográfica e sendo assim, é possível entender que nas

suas concepções:

O trabalho de campo, sem dúvida, é fundamental no Estudo do Meio. A geografia está em constante modificação, já que o mundo também apresenta grandes transformações, e o trabalho de campo permite que essas transformações sejam estudadas de forma concreta, pois permite que o aluno concilie as informações contidas nos conteúdos ensinados em sala de aula com a realidade vivida por ele. Trata-se de um instrumento didático que enriquece muito o trabalho do professor, propiciando ao aluno desenvolver uma série de competências, como observar, avaliar, criar hipóteses e levantar sugestões, enfim entender o universo onde vive. Tal atividade pode ser inserida em qualquer série e em outras disciplinas, desde que o professor-pesquisador saiba exatamente quais são seus objetivos e coloque, como prioridade, o aprendizado do aluno, e não simplesmente levar o aluno para um ‘passeio’, fora da sala de aula. (Carmalengo; Torres, 2004, p.220-221 apud Urquiza e Asari 2007, p. 285-286).

De fato, o conceituado Geógrafo americano SAUER, 2000 enfatiza a

seguinte consideração que diz respeito ao um bom uso do trabalho de campo.

O trabalho de campo, bem sucedido pode muito bem resultar de um tema diferente para cada participante (...) O estudante e o professor trocam perguntas e sugestões a partir da cena cambiante e se ocupam de uma forma peripatética de diálogo socrático sobre as qualidades de, e na, paisagem. A locomoção deveria ser lenta, quanto mais lenta melhor, sendo interrompida freqüentemente por paradas demoradas para descanso em pontos panorâmicos ou em pontos que ensejam questões. Caminhar a pé, dormir ao relento, sentar-se à noite no acampamento, observando o sítio em todas as suas estações, estes são meios mais propícios para se

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intensificar a experiência, de converter impressões em avaliações e julgamentos. (SAUER, 2000, p. 147).

Nesta concepção de análises, a prática de ir ao campo como ferramenta

metodológica de estudos, vem ser um importante instrumento que tem sido

amplamente utilizado pelos Geógrafos, professores e graduandos na etapa de

construção de seus conhecimentos.

Atuando como uma importante ferramenta de pesquisa, o trabalho de

campo torna-se fundamental para o exercício teórico do geógrafo e também

propicia para que estes profissionais, construam um melhor desenvolvimento

de suas atividades, pois através deste meio de pesquisa os fenômenos com os

quais desejam trabalhar podem ser percebidos e analisados de forma mais

precisa e construtiva.

Por ser uma atividade motivadora e atraente, este recurso metodológico,

possibilita uma aproximação dos conceitos teóricos produzidos e aplicados

com a prática cotidiana. Pois de acordo com as idéias de (COPIANI, 2007, p.

30), o trabalho de campo nos estudos da Ciência Geográfica têm importância

vital é nele, que o desenvolvimento de uma série de habilidades/atitudes

envolvidas que seguem um padrão quase ‘artístico’ e ‘engenhoso’ e, por isso,

passam por uma complexidade de serem ensinadas.

Mesmo sendo complexas de serem ensinadas e aprendidas por seus

articuladores, o trabalho de campo orientado e desenvolvido pelos geógrafos,

professores e alunos na sua formação em Ciências Geográficas pode orientar

seus questionamentos sobre as velhas disciplinas, aperfeiçoando novas linhas

teóricas na tentativa de entendimento mais amplo das relações entre

local/global e entre disciplinas escolares científicas e sua própria

transversalidade. (ibid, p. 31).

Numa simples comparação de concepções teóricas a cerca do trabalho de

campo na Geografia, Lima 2004/2005, p.109, demonstra que na chamada

Geografia Tradicional, o trabalho de campo se pautava na observação e na

descrição dos elementos contidos nas paisagens, o que resultava numa prática

de ensino descritiva e numa leitura acrítica sobre o espaço geográfico. Na

Geografia Crítica, porém, destaca-se a importância da preparação e da

contextualização do trabalho de campo, para que possa propiciar ao

observador o interesse pelo estudo do lugar vivido e a compreensão das

contradições espaciais existentes. Nesta perspectiva, o trabalho de campo

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também se baseia na observação, permitindo ao aluno um olhar especial sobre

os elementos da paisagem fundamentado numa teorização pré-estabelecida, o

que vem a dar uma independência diante a produção de seus conhecimentos,

fazendo despertar por fim o senso crítico e investigativo.

Partindo deste principio atual, o objeto de estudo identificado pelos

geógrafos a partir das pesquisas de campo, com suas paisagens naturais, seus

lugares individualizados, seus territórios definidos pelos elementos humanos,

guardando os vestígios da história da Terra, torna-se uma situação

problematizadora ideal para atividades prático-teóricas de aprendizagem. É o

local onde, potencialmente, o pesquisador e observador, a procura de soluções

para determinado problema, e a partir daí pode identificar as evidências,

adquirir informações e interpretá-las.

A via pelo trabalho de campo se torna importante à medida que envolve

uma reflexão crítica em sua concepção e realização e, além disso, deve-se

estar atento, durante sua realização, às complexas relações entre as diferentes

escalas de apreensão da realidade. Sendo assim, o método do estudo do meio

através do trabalho de campo, permite maior aproximação com as

preocupações atuais da ciência geográfica, que busca explicar o espaço

geográfico não mais pela relação do homem com o meio físico, mas como

resultante das relações sociais.

Sendo assim, o conhecimento de realidades diferentes, quando cotejadas

com as realidades de pesquisadores e professores em lugares próximos ou

distantes, auxilia no enriquecimento cultural e no posicionamento das pessoas

no movimento das respectivas vidas. (VESENTINI, 2004, p. 262).

A partir desse entendimento, os saberes geográficos estudados e

definidos numa contextualização geral, permite ao pesquisador e também ao

educando compreender melhor o significado da cidadania, dos elementos

sociais e espaciais e assim favorece no exercício de seu direito de interferir na

organização espacial de sua realidade.

Nesse sentido, a utilização do trabalho de campo, como procedimento de

estudos na área de Geografia deve focar as dinâmicas de suas transformações

e não simplesmente a descrição e o estudo de um mundo aparentemente

estático. Isso requer a compreensão da dinâmica entre os processos sociais,

físicos e biológicos inseridos em contextos particulares ou gerais. Neste ponto,

a elaboração desta técnica de pesquisa, pode vir a ser apresentada de forma

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variada e diversificada, sendo um instrumento metodológico que não contempla

apenas a observação e coleta de informações, pois permite ao pesquisador a

se inserir na realidade pesquisada integrando seus múltiplos aspectos,

possibilitando a vivência in loco ao que se deseja estudar.

Enfim, a proposta do uso do trabalho de campo como mediador no

processo de construção de conhecimentos junto a Ciência Geográfica é uma

importante etapa desafiadora e instigante, dado que a programação deste tipo

de atividade proposta deve realizar-se mediante um minucioso processo

metodológico que garanta ou assegure a rentabilidade e credibilidade

intelectual, pois contribui para ir além dos pressupostos teóricos e acaba

construindo conceitos geográficos com maior clareza e segurança.

Portanto, é importante considerar que este procedimento metodológico

aplicado na Ciência Geográfica deve ser levado como ponto chave na

elaboração de muitas etapas de conhecimento a cerca da Geografia e de

outras ciências humanas e naturais, sendo assim, muito conceituada também

nos ambientes escolares.

3 - A Educação Geográfica: Processo de Ensino/Aprendizagem

Refletir sobre o ensino de Geografia tem sido um motivo significativo para se pensar a Geografia. Afinal, produzir conhecimento geográfico, teorizar sobre ele, e para muitos de nós, tem a finalidade do aprendizado, pois que, envolvidos com o Ensino Básico ou no nível universitário pela formação de professores, esta tem sido uma questão muito presente e necessária. (CALLAI, 1999 apud URQUIZA; ASARI, 2007, p. 289).

Em meio às contradições entre o saber e o fazer, vivemos um período de

significativas transformações da sociedade. Necessitamos de novas formas de

pensar e viver. Precisamos revalorizar o espaço como lugar de vida para

contribuirmos na educação do aluno cidadão (ou educação para a cidadania).

(BRAUN, 2007, p. 252).

Mudanças de toda ordem movimentam a dinâmica espacial no início do

Século XXI, período considerado por muitos teóricos como período da pós-

modernidade. Estas transformações em que o mundo vivencia hoje vêm ser

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resultantes das transformações técnico-científicas e informacionais que a

sociedade vivencia através dos fenômenos interligados ao processo de

globalização e que de certa forma descaracterizaram a sociedade ao longo de

seu processo histórico em boa parte do Século XIX e por todo o Século XX.

A configuração desta nova desordem vem a ser proporcionada pelas

transformações em que os modelos sociais sofreram ao longo das Revoluções

Industriais, na análise do geógrafo José Willian Vesentini (1996), destaca a 1ª

revolução Industrial como período em que a força produtiva está inserida nos

valores urbanos do consumo e de uma alfabetização em massa pela escola

pública. A 2ª Revolução Industrial, padronizou, massificou, profissionalizou e

especializou tecnicamente a força de trabalho. A 3ª Revolução industrial é a

(des)ordem do atual momento, especialmente das sociedades que lideram a

chamada revolução tecnocientífica em que o “diploma” e a “utilidade” deixaram

de ser fundamentais, valorizando as idéias, as pesquisas e a criatividade.

O fundamental hoje é a formação da pessoa, é aprender a aprender, é

saber se virar sozinho, saber pensar por conta própria, tomar decisões, ter

criatividade, raciocínio lógico e senso critico bem dosado, pois o fundamental é

a capacidade de iniciativa, de pesquisar e de ter idéias novas, de se atualizar

constantemente, sendo secundárias as informações e os macetes aprendidos

na escola em que a chave para o desenvolvimento tecnológico e do

conhecimento hoje encontra-se num ótimo sistema escolar de aprendizagem.

(VESENTINI, 1996).

É necessário encontramos novos caminhos que levem os educandos e

assim também professores e pesquisadores compreenderem que o

conhecimento e principalmente as experiências geográficas fazem parte de

suas vidas, pois são indispensáveis no momento das tomadas de decisões

importantes, seja em situações pessoais, seja também no nível da coletividade.

Neste caso, como fica a aprendizagem da Ciência Geográfica neste

atual contexto? Afinal qual é o verdadeiro papel da geografia escolar num

mundo de constante interdependência e de entrelaçamento entre os povos,

culturas, tradições e economias? Qual o cruzamento da geografia e da

educação? (BRAUN, 2007, p. 255).

A Geografia, como ciência social, contribui para a formação do ser

humano cidadão ativo e atento das reais transformações que o espaço

geográfico enfrenta cotidianamente. Mas, para que essa contribuição seja

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realmente aplicada, é necessário que no ambiente escolar, a educação

geográfica seja produzida de forma atraente e instigadora, chamando a

atenção para o debate e também para novos questionamentos.

Segundo as palavras de (SAUER, 2000, p. 141) a Geografia, como

descrição explicativa da Terra, fixa sua atenção na diversidade de

características da Terra e as compara a partir de sua distribuição. De algum

modo é sempre uma leitura da superfície terrestre. Seguindo ainda seus

fundamentos, Sauer afirma que a vocação geográfica se fundamenta em

observar e pensar sobre o que há na paisagem, no que foi chamado

tecnicamente o conteúdo da superfície terrestre. Por isso os cientistas

geográficos não devem limitar-se ao que é visualmente observável, mas

devendo registrar os detalhes e a composição da cena, fazendo perguntas,

confirmações, itens ou elementos que são novos ou que vem a desaparecer na

realidade espacial observada.

Entretanto, a Geografia trabalhada na sala de aula, levando em conta

como espaço social, representa em seu contexto, um campo plural e

permanente de construção de saberes a partir de interações e representações

que constituem as estruturas de produção de conhecimentos gerais sobre as

sociedades humanas interagindo com o seu meio natural.

Estas interações por fim, incorporam significados gerados pelas

representações e, estas, por sua vez, são reelaboradas pelas novas relações,

criando novos significados, mediatizados pelo discurso de sujeitos situados em

um determinado horizonte social, no caso, o espaço geográfico, da sala de

aula, da escola ou até mesmo da sociedade.

O papel principal que esta Ciência Geográfica configura na atualidade é

permitir uma abertura para os debates em relação às diversas transformações

no qual a sociedade vivencia em seu contexto atual. Nesta perspectiva,

fundamentar uma discussão sobre o ensino/aprendizagem como questão

pedagógica na área da Geografia, nos remete a reflexão não apenas na prática

da sala de aula, mas também da instituição escolar, na elaboração do Projeto

Político Pedagógico (PPP), dos instrumentos didáticos e dos valores que

imperam na sociedade atual.

Diante esta realidade, a Ciência Geográfica possui a importância de

utilizar várias ferramentas para alfabetizar o aluno e o professor pesquisador

espacialmente em suas diversas escalas, a fim de auxiliá-los no entendimento

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das noções de espaço, da paisagem, da natureza, do Estado e das

sociedades, levando em conta como conceitos fundamentais para o

entendimento dos arranjos sócio espaciais.

Neste caso, é de extrema importância que o professor-pesquisador

desenvolva um trabalho no qual o educando sinta o prazer em estudar, o

motive e sensibilize na busca de novas informações e verificações de fatos

onde na teoria, por muitas das vezes ficam muito abstratas e difíceis de serem

compreendidas. Assim, os diferentes métodos e ferramentas pedagógicas

utilizados na produção da ciência geográfica - aqui no caso, enfatizando o uso

do trabalho de campo – pretendem mostrar como um “olhar diferente” pode ser

produtivo na construção do conhecimento, despertado num melhor contexto,

novos interesses pela geografia e assim também por outras disciplinas no

ambiente escolar.

A partir das concepções de SILVA, 2008, p. 13, os trabalhos de campo ao

serem realizados, especialmente pelos pesquisadores da Ciência Geográfica,

têm como objetivo proporcionar ao cientista a análise das relações existentes

no espaço geográfico, bem como realizar observações de aspectos fisiológicos,

urbanos, sociais, econômicos e culturais na paisagem de forma empírica,

buscando sempre a interrelação entre fenômenos, chegando a conclusões

diversas. Por ser uma atividade interdisciplinar, que interage diversas

disciplinas e objetos de estudos geográficos, o trabalho de campo pretende

nortear a prática pedagógica e contribuir com os professores-pesquisadores

numa etapa que envolve princípios emocionais e afetivos que envolvem um

relacionamento no cotidiano com seus educandos e consigo mesmo.

Entretanto, o geógrafo da atualidade, assim como professores-

pesquisadores e educandos em seu processo de formação necessitam superar

essa questão, desenvolvendo a capacidade de observar as paisagens de modo

integrado, ou seja, procurando relacionar os aspectos do quadro natural com

os aspectos sociais e não separadamente, limitando a capacidade de

observação. (CAVALCANTI, 2008, p. 06).

Na observação dita científica existe uma intenção no ato de observar,

devendo-se saber de antemão o que se quer observar, deve-se ter um

propósito em mente. O ato de observar é sempre norteado por alguma idéia,

algum problema, ou alguma teoria, ou seja, sobre conhecimentos e

experiências anteriores. Portanto, antes de efetuar qualquer observação é

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necessário desenvolver os conhecimentos teóricos, pois são eles que

nortearão no processo de observação. Quando os acadêmicos de Geografia

estão em pesquisa de campo é necessário que já tenham aprendido em sala

de aula os fundamentos teóricos para procederem corretamente o ato da

observação. (ibid., p. 05).

Todavia, a preocupação com o sair da sala de aula, aprender fora dos

muros da escola permite o estudo da questão pedagógica e a valorização do

processo na aprendizagem de Geografia para que, na complexidade do mundo

de hoje, o educando e assim também o próprio pesquisador da ciência

geográfica possa realizar a análise do espaço geográfico, formar raciocínios

geográficos e relacionar as vivências do seu cotidiano com os conceitos

científicos adquiridos sistematicamente nas interações escolares e, assim,

construir o seu próprio conhecimento (BRAUN, 2007, p. 253).

A partir da convicção de que ensinar é criar possibilidades para a

construção do conhecimento dos educandos – pois quem ensina também

aprende – e de que ensina é dar autonomia ao educando, considera-se que

ambos, professor e educandos, se reconstroem e aprimoram-se

continuamente. É interessante criar oportunidades para os educandos darem o

melhor de si. Além disso, faz-se necessário acreditar que toda pessoa

independentemente do seu ritmo e de seu nível de conceito, pode construir

conhecimentos significativos. (URQUIZA, 2007, p. 284).

Junto ao ambiente escolar a Geografia possui um importante papel, por

estar passando por uma modificação de procedimentos metodológicos, na

escola atual, esta ciência vem buscar a não ficar limitada apenas no livro

didático, pois tem se mostrado atuante em utilizar outros recursos que reforçam

seus princípios de ensino-aprendizagem e graças às inovações que a

sociedade vivencia atualmente suas estratégias apresentam-se de forma mais

diversificadas, atraentes e inovadoras.

E buscando ser inovadora com seus princípios metodológicos e ao

mesmo tempo tentando promover uma revalorização de práticas até então

muito utilizadas na construção do conhecimento geográfico, a geografia atual –

identificada no ambiente acadêmico e cientifico - até então vem buscando

resgatar a prática do trabalho de campo como recurso metodológico na

formalização de novos conhecimentos geográficos.

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- Trabalhos de campo e suas características.

O trabalho de campo na produção da Ciência Geográfica segundo

KAYSER, 1985 é realizado por pesquisadores científicos ou não. Para ele as

pesquisas de campo têm grande abrangência, o que a diferencia em si por

seus objetos, métodos e doutrinas.

O estudo do meio – assim também encontrado em outras fontes de

pesquisas – e também aqui sendo identificado pelos Trabalhos de Campo, é

uma técnica de observação, estudos, análise e descrição que a Ciência

Geográfica busca desenvolver para identificar as reais transformações visíveis

ou até mesmo invisíveis presentes no espaço geográfico. Sendo assim, é uma

técnica de estudos que viabiliza a efetivação de análises das relações

estabelecidas no espaço geográfico, bem como proporciona observações de

aspectos fisiológicos, urbanos, sociais, econômicos e culturais na paisagem de

modo sensível, buscando analisar a interrelação desses fenômenos, questões

e aspectos, para se alcançar as possíveis e diferentes considerações que

compõem o saber geográfico. (SILVA, 2008, p. 18).

Segundo SUERTEGARAY, 2001 apresenta a ideia do trabalho de campo

de forma mais ampla, identificando como um instrumento de análise geográfica

que permite o reconhecimento do objeto e que, fazendo parte de um método de

investigação, permite a inserção do pesquisador no movimento da sociedade

como um todo.

Numa caracterização geral, este procedimento metodológico apresenta

diversas estruturas de produção e que buscam valorizar etapas de construção

de conhecimentos que são capazes de permitir. Segundo MONBEIG, 1957

apud URQUIZA, ASARI, 2007, p. 296, os trabalhos de campo numa visão

metodológica e pedagógica vêm a identificar os seguintes objetivos:

- desenvolver a capacidade de observação;

- favorecer a aquisição de conceitos geográficos;

- adquirir as noções geográficas;

- conhecer um vocabulário geográfico;

- aprender as primeiras noções de cartografia;

- permitir uma visão ampla da realidade;

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- propiciar a comparação através das semelhanças e diferenças entre as

diversas áreas;

- desenvolver o espírito crítico e curiosidade científica;

- fomentar a motivação intrínseca, abrindo caminho a imaginação criativa

dos alunos;

A partir destes objetivos identificados, foi possível observar que os

trabalhos de campo ou estudos do meio, viveram inúmeras transformações ao

longo de seu processo metodológico, enquadrando-se assim por apresentar

diferentes formas de preparação e de aplicação junto a Ciência Geográfica e

muitas das vezes aplicadas também, ao ambiente escolar.

De acordo com Compiani e Carneiro (1993), relatando as idéias

defendidas por Carneiro e Campanha (1979) apud Bello e Melo (2006), surge a

preocupação de classificar os papéis didáticos nos trabalhos de campo através

das seguintes características:

● Atividades ilustrativas: o objetivo principal é ilustrar o conteúdo

apresentado em sala de aula; o professor é o centro da atividade, o aluno o

espectador, é o tipo mais usual da atividade;

● Atividades indutivas: o professor orienta a seqüência dos processos

de observação e interpretação; o ensino é dirigido e semi-dirigido, os alunos

avançam na direção em que o professor estabelece;

● Atividades motivadoras: visam motivar os alunos a estudarem um

determinado tema, geralmente são aplicadas a alunos sem conhecimento

prévio do tema abordado; é uma aprendizagem muito mais vivencial do que

informativa, que permite despertar a curiosidade dos alunos, e incentivar a

observação e o futuro aprofundamento;

● Atividades treinadoras: o objetivo central é treinar o uso de

documentos e instrumentos, as técnicas de coleta de dados e amostras para

análise e observação sistemática da natureza; a aprendizagem é seqüencial,

em graus de complexidade crescente; esta categoria é ao mesmo tempo

formativa, informativa e ilustra os conhecimentos prévios;

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● Atividades investigativas: propiciam aos alunos resolver um

determinado problema ou formular um ou vários problemas teórico-práticos

diferentes; os alunos decidem de maneira autônoma os passos de

investigação; as etapas do trabalho compreendem elaboração de hipóteses a

serem pesquisadas, estruturação da seqüência de observações e

interpretações, decisões de estratégias para validá-las, avaliação da

necessidade de recorrer a leituras, discussão das reflexões e conclusões;

O Trabalho de campo identificado sob diferentes estruturas e funções na

etapa de construção de conhecimentos apresenta-se como melhor estratégia

para que os pesquisadores, professores e alunos consigam fazer a associação

entre teoria e prática e a realidade. Seja qual for sua terminologia, tais como

instrumento, técnica, método ou meio, o trabalho de campo pode ser definido

como uma atividade pedagógica que proporciona a construção do

conhecimento em ambiente externo à sala de aula. (URQUIZA, 2007, p. 298)

Portanto, segundo o autor ibid, 2007, a percepção, o contato, o registro, a

descrição, a representação, a análise, a reflexão crítica e a elaboração

conceitual de uma dada realidade estudada - lembrando que os objetos de

análise espacial são extremamente diversificados - fazem parte de um

processo intelectual mais amplo que só somam na concretização de

experiências que promovam a observação no ambiente escolar e fora dele.

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