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 UMA VIOLÊNCIA SILENCIOSA: CONSIDERAÇÕES SOBRE A PERVERSÃO NARCÍSICA Cad. Psicanál.-CPRJ, Rio de Janeiro, ano 31, n. 22, p. 37-56, 2009 37 Uma violência silenciosa: consider ações sobre a per versão narcí sica  A silen t violence: considerations on the narcissistic perversion  An dré M artins* Resumo: Este artigo se propõe a reetir sobre a violência silenciosa exercida pela perversão narcísica, abordando seus aspectos metapsicológicos, fenomênicos e clínicos. A violência coti- diana exercida pelo perverso narcísico não é do mesmo tipo de uma relação sado-masoquista. Ela é silenciosa por s er velada e insidiosa, centrada na questão do poder sobre o outro , não pro- priamente por um gozo , mas devido a uma necessidade estrutural de defesa narcísica. A dicul- dade em seu reconhecimento e a orientação dada à análise em decorrência disso são obstáculos para o tratamento desta per versão atual ainda pouco estudada, sobretudo no Brasil. Palavras-chave: Perversão narcísica, violência, violência cotidiana, assédio moral, mecanismos defensivos.  Abs tract: Tis article is proposed to think about the silent violence practised by the narcissistic  perversion, board ing his metaps ychological, phenom enological and clinical aspects. Te daily violence practised by the narcissistic perverse is not of the same type of a sadomasochistic relation. She is silent because of being veiled and insidious, centered in the question of the power on other, not properly for a jouissance, but due to a structural necessity of narcissistic defense. Te diculty in his recognition and the direction given to the analysis as a result of this are obstacles for the treatment of this current perversion still not much studied, especially in Brazil. Keywords: Narcissistic perversion, violence, daily violence, moral harassment, defensive mechanisms. * Filósofo, Psicanalista, Membro Efetivo/CPRJ e do Espace Analytique de Paris, Professor Asso- ciado da UFRJ (Faculdade de Medicina e Instituto de Filosoa e Ciências Sociais), Doutor em Filosoa, Doutor em Teoria Psicanalítica, Pós-Dou torado Sênior em Filosoa.

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UMA VIOLNCIA SILENCIOSA: CONSIDERAES SOBRE A PERVERSO NARCSICA

Uma violncia silenciosa: consideraes sobre a perverso narcsicaA silent violence: considerations on the narcissistic perversionAndr Martins*

Resumo: Este artigo se prope a refletir sobre a violncia silenciosa exercida pela perverso narcsica, abordando seus aspectos metapsicolgicos, fenomnicos e clnicos. A violncia cotidiana exercida pelo perverso narcsico no do mesmo tipo de uma relao sado-masoquista. Ela silenciosa por ser velada e insidiosa, centrada na questo do poder sobre o outro, no propriamente por um gozo, mas devido a uma necessidade estrutural de defesa narcsica. A dificuldade em seu reconhecimento e a orientao dada anlise em decorrncia disso so obstculos para o tratamento desta perverso atual ainda pouco estudada, sobretudo no Brasil. Palavras-chave: Perverso narcsica, violncia, violncia cotidiana, assdio moral, mecanismos defensivos. Abstract: This article is proposed to think about the silent violence practised by the narcissistic perversion, boarding his metapsychological, phenomenological and clinical aspects. The daily violence practised by the narcissistic perverse is not of the same type of a sadomasochistic relation. She is silent because of being veiled and insidious, centered in the question of the power on other, not properly for a jouissance, but due to a structural necessity of narcissistic defense. The difficulty in his recognition and the direction given to the analysis as a result of this are obstacles for the treatment of this current perversion still not much studied, especially in Brazil. Keywords: Narcissistic perversion, violence, daily violence, moral harassment, defensive mechanisms.

* Filsofo, Psicanalista, Membro Efetivo/CPRJ e do Espace Analytique de Paris, Professor Associado da UFRJ (Faculdade de Medicina e Instituto de Filosofia e Cincias Sociais), Doutor em Filosofia, Doutor em Teoria Psicanaltica, Ps-Doutorado Snior em Filosofia.Cad. Psicanl.-CPRJ, Rio de Janeiro, ano 31, n. 22, p. 37-56, 2009

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IntroduoO silncio da violncia exercida pelo perverso narcsico sobre seu cmplice no do mesmo tipo de uma relao sdica ou sado-masoquista, tampouco a vtima da agresso silencia porque se sente intimidada. Essa violncia silenciosa e a vtima a sofre de maneira silenciosa, porque se trata de uma violncia velada e insidiosa, no assumida pelo agressor, negada e denegada por ele, que sutilmente inverte a relao acusando o outro de ser o culpado pela situao. Desta forma, a vtima se sente confusa e acaba por sentir-se culpada, o que, por sua vez, inocenta o agressor. No se trata de uma violncia fsica, e esta no pontual: estende-se ao longo do tempo. Neste texto, buscarei caracteriz-la fenomnica e metapsicologicamente, a partir da literatura psicanaltica sobre o tema e de minha observao clnica. Trata-se de um tipo de perverso que, embora certamente sempre tenha existido, talvez encontre na cultura contempornea um terreno particularmente frtil, tornando-se mais comum do que poderamos supor. No uma perverso explcita, mas ao contrrio, imiscui-se no dia a dia, nas pequenas relaes, nos pequenos atos, tendendo, assim, a passar despercebida. Em geral, at mesmo a vtima leva um longo tempo para perceber, e sobretudo para reconhecer, estupefata, que est presa nessa teia, posta nesse lugar; que tem sido cmplice dessa violncia silenciosa, a qual ela no desejou, mas que vem ao longo do tempo fazendo ruir sua auto-estima e sua paz interior. O silncio dessa violncia se reflete, ainda, como aponta A. Eiguer (1996, p. 4), no relativo silncio dos psicanalistas em relao a ela. Diz ele:A perverso narcsica, este tema com contornos imprecisos, suscitou poucas reaes na literatura [psicanaltica], e isto malgrado o interesse crescente pelas relaes intra-familiares, [...] pela sedimentao dos conhecimentos sobre o narcisismo com todos os seus desenvolvimentos, pelo estudo j antigo da personalidade autoritria e do poder. Um estranho pudor parece ter se instalado nos espritos mais crticos e os impediu de tentar penetrar nos segredos da relao entre dois indivduos caracterizada pela dominao de um sobre o outro; surpreendente omisso, e tanto mais pelo fato de que o narcisismo foi considerado por Freud, na origem, como uma perverso.

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Embora existam vrios estudos sobre a questo (ANGELERQUES & KARNEL, 2003; HIRIGOyEN, 2002; NAVES, 1999; EIGUER, 1980, 1995, 1996, 2001; ANDR, 1993; HURNI & STOLL, 1993, 2003a, 2003b; RACAMIER, 1986, 1987, 1992), certamente ainda so poucos se a compararmos a outros temas menos presentes na clnica. No Brasil, ainda maior o silncio sobre esta violncia silenciosa. O pouco que se a estuda, por aqui, limita-se em geral ao assdio moral no trabalho, e raramente o faz luz de uma reflexo psicanaltica. O prprio fato de muitos psicanalistas no reconhecerem em sua prtica clnica este tipo de patologia suscita a hiptese de que talvez ela apenas no esteja sendo percebida ou detectada. Esta possibilidade nos parece grave, pois que, para o seu tratamento, fundamental, certamente mais que para outros sintomas devido a seu carter silencioso, o seu reconhecimento por parte do analista. Talvez essa dificuldade de deteco se d, ao menos em parte, pelo fato de se a confundir com uma relao sado-masoquista, isto , pelo fato de que no fcil, para a psicanlise, reconhecer a existncia de um quadro sintomtico em que nem a agresso nem a vitimizao se do, propriamente, ou prioritariamente, por prazer ou por gozo, como veremos. Ou ainda, pelo fato de que nesse caso de perverso no cabvel atribuir uma responsabilidade vtima pela agresso em si ou por sua manuteno, por mais que ela consinta com essa agresso por vias indiretas e complexas. Embora haja pontos em comum, no que concerne s caractersticas que permitem o reconhecimento deste quadro, no h consenso entre os psicanalistas sobre todos os pontos que o cercam, e muito menos em relao a sua compreenso metapsicolgica ou etiolgica, no sentido dos fatores psquicoambientais que influenciam seu aparecimento ou seu desenvolvimento. Como, no que diz respeito a todos os temas da subjetividade humana caros psicanlise, evidentemente desejvel que numerosas e diversificadas anlises crticas e interpretativas se faam, de modo a que o debate possa fazer avanar o conhecimento e a compreenso que se tem dessa expresso psquica, to comum quanto pouco estudada. Pretendo contribuir, neste artigo, a partir de minha experincia e reflexo neste sentido, concentrando minhas consideraes, contudo, no na perverso narcsica nas relaes de trabalho, mas naquela que se constri nas relaes ntimas e familiares.

Consideraes metapsicolgicas e ambientaisEsta perverso dita narcsica por funcionar como o que Eiguer nomeia de um narcisismo intersubjetivo: enquanto o narcisismo refere-se a um autoCad. Psicanl.-CPRJ, Rio de Janeiro, ano 31, n. 22, p. 37-56, 2009

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centramento defensivo, a perverso narcsica refere-se a uma falha narcsica inicial, a partir da qual o sujeito, ao invs de voltar-se para si, busca no poder exercido sobre o outro, uma forma de sustentao e preenchimento de seu prprio narcisismo. Trata-se de um mecanismo defensivo que se serve da identificao projetiva no sentido kleiniano de uma combinao de sadismo anal e de sadismo oral, a saber, respectivamente: projetar no exterior o que se sente como ruim em si mesmo, e sugar o seio materno do que este tem de bom e desejvel , mediante a qual o agressor fortalece seu ego atravs da desvalorizao do ego do outro. Trata-se de uma tentativa de se desembaraar de contedos psquicos perturbadores projetando-os no objeto, e buscando se ter um controle destes contedos atravs do estabelecimento de um controle do objeto. A perverso narcsica apresenta-se, assim, como uma tentativa desesperada de se evitar a perda do eu, a despersonalizao ou mesmo a psicose (ANGELERQUES & KARNEL, 2003). Algo sentido, na mente do agressor, como uma luta pela vida, pela sobrevivncia psquica, devido dificuldade de separao de um objeto primrio que fora vivido como particularmente intrusivo. O agressor quer se separar deste objeto que lhe fez mal, mas teme no sobreviver caso consiga efetivar esta separao. Este temor se justifica, justamente porque ele no contou suficientemente com este objeto para integrar-se, considerando-se que a perverso narcsica remete a uma falha ambiental, nos termos de Winnicott (1983, p. 58 e p. 64), desde os primeiros meses de vida. O indivduo odeia o objeto primrio por ele ter falhado, mas precisa do objeto, do outro, justamente porque, devido a esta falha primria, sente que no sobrevive sem ele. Seria preciso parar de odi-lo para sobreviver, mas o sentimento inconsciente do agressor o de que o fim do dio ao outro, do qual se nutre, corresponderia ao fim de si mesmo. A perverso narcsica , portanto, um tipo de perverso no qual o uso do outro como um objeto para si se d pelo poder e domnio sobre o outro. Enquanto a perverso sexual que, decerto, est tambm ligada ao narcisismo responde a uma denegao da diferena sexual, a perverso narcsica necessita do outro para sua prpria sustentao egica. Muito embora, evidentemente, a perverso sexual possa tambm estar presente na perverso narcsica, assim como, por outro lado, a perverso narcsica tenha tambm, em sua origem, questes arcaicas sexuais (NAVES, 1999). O que h em comum nestes dois tipos de perverso seria a recusa narcsica dos desejos e necessidades do outro, em proveito de suas prprias necessidades psquicas, por uma insuficiente introjeo superegica. Ou em termos winnicottianos, tratar-se-ia de um desenvolvimento precrio do concern pelo outro, caracterizado pela decorrente40Cad. Psicanl.-CPRJ, Rio de Janeiro, ano 31, n. 22, p. 37-56, 2009

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suspenso deste concern sob certas relaes ou situaes especficas (sexuais ou egicas), contudo usuais e cotidianas, vividas pelo agressor como psiquicamente ameaadoras. Estas situaes so usuais pois este mecanismo defensivo responde a falhas arcaicas que perduram como um pano de fundo na existncia do agressor, que se v estruturalmente necessitado deste apoio narcsico, sendo portanto continuamente levado a interpretar as condies ambientais como hostis e assim como exigindo que lance mo de sua defesa perversa. Embora alguns autores associem este mecanismo defensivo a uma atitude cnica (EIGUER, 1995), fundamental para a compreenso da dinmica da perverso narcsica, entendermos o quanto a justificao de seus atos, que o agressor constri para si, se d de modo paradoxalmente inconsciente, uma vez que ele de fato acredita em suas construes de fundo paranico, que se pem a servio de um sentimento (e no de uma constatao racional ou de um clculo) de que essas defesas so absolutamente imprescindveis para sua sobrevivncia. O que lhe vem conscincia que o outro merece seus ataques, e que ele precisa estar sob controle e sob o seu domnio, uma vez que o agressor sente de fato o outro como lhe sendo ameaador. O que o agressor no permite que lhe venha conscincia, que esta ameaa uma construo sua, uma manipulao inconsciente que visa apoiar-se no narcisismo desse outro. Seu sentimento o de que o ambiente e os outros se mostraro, mais cedo ou mais tarde, como enganadores, maculados, falsos, dissimulados. Tal como analisa Eiguer, o pnis do pai seria falso; a sustentao materna seria uma impostura (1996, p. XII), de modo que tudo lhe pesa (1996, p. 64). Podemos dizer que, na verdade, o perverso narcsico tem medo de seu inconsciente. Vai-se descobrir a evidncia de sua castrao primria? Seu sonho vai deixar transparecer o branco da ausncia? Consternado, ele vigia, ele no tem repouso, trabalhando para erguer uma falsa imagem todo-poderosa a ser usada no mundo, uma imagem sem falhas, sem o mnimo reflexo do vazio, que se mantm sem sexo nem amor (EIGUER, 1996, p. 64). O perverso narcsico serve-se do outro para seus fins, e preocupa-se em fazer com que o outro se sinta culpado a fim de que a vtima no o odeie por manipul-lo e us-lo, e para que, isto feito, no consiga tornar-se independente. O perverso narcsico acredita (embora no o assuma ou admita) que, para sobreviver, preciso usar o outro, sug-lo, neg-lo, desrespeit-lo, caso contrrio o outro no aceitaria submeter-se a seu domnio; ele cr que no faz nada disso por mal no era esse seu objetivo , mas porque, caso no o fizesse, perderia o domnio da situao e se veria perdido e sem sada. Ele no assume, ou no percebe, que precisa desta manipulao para ocultar um conflito inCad. Psicanl.-CPRJ, Rio de Janeiro, ano 31, n. 22, p. 37-56, 2009

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terno; para que ela o defenda contra a aceitao do sentimento de menos-valia que deveras sente. E este sentimento de baixa auto-estima que o perverso narcsico buscar agravar no outro, como forma de domin-lo. Nos termos de Winnicott (1983), trata-se de uma luta para evitar a perda do contorno do eu, diante de falhas na integrao do self. O agressor sente que seu eu frgil; sente tambm que h problemas na integrao de seu self; mas ele no v como modificar esta situao, de modo que sua reao catastrfica, porm contnua diante desse quadro, a de manter a todo preo e s custas do outro este contorno de seu eu, a fim de no defrontar-se com as falhas de integrao de seu self. Sente que essas falhas podem ser percebidas pelo outro e, portanto, no pode relaxar a guarda, deve manter-se atento e atacar se for preciso. O pavor de enfrentar a si mesmo leva-o a considerar como justificadas quaisquer aes de uso e apropriao do outro encarando-as como uma questo de sobrevivncia, como uma legtima defesa. Suas agresses no consideradas como algo ativamente contra o outro, mas como uma defesa contra ataques que o outro lhe faz. Quando na verdade esta defesa se ergue contra seus prprios fantasmas e fraquezas, que o fazem sentir o outro e sua expanso como ameaadores. Por um lado, ele sente o outro como ameaador; por outro, ele precisa sentir o outro como ameaador para legitimar sua necessidade de apoiar-se nele. neste sentido que o perverso narcsico serve-se de uma identificao projetiva negativa, projetando no outro o que de ruim ele sente em si prprio, podendo, assim, desvalorizar e destruir o outro, como se estivesse destruindo seus prprios fantasmas, dentro de si prprio, ou controlando-os ao controlar o outro. Desta forma, ele existe atravs do outro em dois sentidos: por um lado, destruindo suas prprias dificuldades imaginariamente (e continuamente) ao projet-las no outro e controlando-o ou destruindo-o, pondo no outro aquilo que recalcado de si mesmo, acusando-o daquilo que ele sente a respeito de si mesmo; e por outro, vivendo da vitalidade do outro (EIGUER, 2001, p. 111). Estes dois sentidos esto ligados: nem suas dificuldades findam ou se modificam nesta operao, nem a vitalidade que retira ao outro passa a ser sua. Da o carter infindvel das agresses e injustias: como a operao no eficaz, precisa ser mantida, porque o que funciona somente que sua manuteno de fato o impede de defrontar-se com seus problemas. Em outras palavras, a satisfao por ele experimentada ser sempre superficial, pois dir sempre respeito apenas a seu falso-self. Porm, mesmo se isso vivenciado como existencialmente insuficiente, ao mesmo tempo pragmaticamente considerado como suficiente, uma vez que ele sente e portanto considera seu verdadeiro-self como42Cad. Psicanl.-CPRJ, Rio de Janeiro, ano 31, n. 22, p. 37-56, 2009

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ruim, falho, de modo que a insatisfao sentida confirma para ele a necessidade da defesa perversa: confirma que no fundo ele uma pessoa ruim ou fadada ao fracasso, que precisa a todo custo esconder de si e dos outros esse ncleo mau, e que portanto legtimo e necessrio apoiar-se nos outros para sobreviver, tanto psiquicamente quanto materialmente. (ANGELERQUES, J. & KARNEL, F., 2003).

Consideraes fenomnicasUm indivduo pode conseguir destruir o outro por um processo de contnuo e atormentador assdio. (HIRIGOyEN, 2002, p. 9) A perverso narcsica expressa-se por um assdio: o agressor, continuadamente mas sobretudo em momentos de crise, ataca moralmente os pontos fracos da vtima, que se abala narcisicamente, pondo-se em questo de forma crescente, podendo em alguns casos chegar depresso, ao suicdio ou morte por doena degenerativa grave. As caractersticas das vtimas so, em geral, aproximadamente as mesmas: uma pessoa de perfil reparador, com fora, vitalidade e vivacidade, que preza a tolerncia, que cr entender o agressor e que cobra de si mesma no se abalar to fortemente quanto se abala com as agresses sofridas. O agressor encontra, como cmplices, tambm pessoas que como ele sentem dentro de si um ncleo ruim, e que vem na submisso ao agressor uma possibilidade de sustentao egica neste caso, o quadro toma contornos sado-masoquistas, e a vtima torna-se, em geral, agressor de terceiros. O par agressor-vtima, contudo, como no primeiro exemplo, no exatamente um par sado-masoquista, uma vez que, embora haja um sadismo da parte do agressor, a vtima no se compraz em sofrer, isto , no tem necessidade psquica do sofrimento, mas sim acredita que forte o suficiente para entender o agressor e vir a no sofrer; e uma vez constatada a reincidncia de seu sofrimento, acredita que conseguir convencer o agressor de que no bom para ningum que ele agrida. E se, convencido de que no ter xito em ajudar o agressor (que a vtima entende como algum que tem limitaes psquicas e que sofre com isso), a relao chega a uma ruptura, experimenta um grande alvio, da retirada de um enorme peso sufocante e opressor. O grau de masoquismo que poderamos observar presente na vtima da relao perversa seria advindo, no propriamente, de um prazer no sofrimento, que no h, mas da percepo do sofrimento infligido como indicando um desafio a ser aceito e vencido, um obstculo a ser superado. Quero dizer, o soCad. Psicanl.-CPRJ, Rio de Janeiro, ano 31, n. 22, p. 37-56, 2009

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frimento infligido pelo agressor sentido pela vtima como narcisicamente engrandecedor, no sentido de uma provocao a sua fora. No o caso, portanto, de que ele goste do sofrimento, mas sim, porque sente prazer no desafio que a agresso representa. Digamos que o masoquista se veria, no sofrimento, como uma vtima, enquanto que a vtima do assdio v-se no sofrimento, antes, como um heri chamado a um grande embate no qual suas virtudes reparadoras podero ser postas prova. A agresso mobiliza as foras da vtima desafiando-a a confirm-las naquele embate, face dificuldade de lidar com a situao e de transform-la, certamente alimentando um desejo de transformar o outro. O paradoxo o de que a vtima se enreda e se torna vtima, justamente por julgar-se forte, ao menos no fundo; por julgar-se capaz de superar o sofrimento advindo da agresso injusta, e obter, ao final, a grande recompensa de sua capacidade de resilincia, persistncia e habilidade sobre o outro: recompensa que , precisamente, o amor do agressor que at ento acena com este amor seduzindo-a, mas na prtica a desprezando mais do que supostamente a ama. Ou ainda, a recompensa esperada pela vtima seria o reconhecimento, por parte do agressor, do amor que ele, na verdade e no fundo, sentiria pela vtima, mas no sabe, ou no consegue expressar, devido a suas dificuldades afetivas e relacionais. O jogo do agressor consiste, assim, em dar a entender que ama a vtima, mas em no declarar, no enunciar este amor, ou faz-lo cada vez menos ao longo da relao, e sempre de maneira ambgua, ambivalente, fugidia. E em alternar entre seduzir a vtima, e, nos momentos de crise, agredi-la fortemente com palavras que tocam seus pontos fracos e a desestabilizam. As vtimas obedecem ao agressor primeiro, para dar prazer a seu parceiro, [...] pois ele tem um ar infeliz. Depois, [...] por medo (HIRIGOyEN, 2002, p. 110). Nem que seja por medo de seu mau humor. A submisso aceita como necessidade de reconhecimento e parece prefervel ao abandono reconhecimento que no vir nunca, ou se vier, vir sempre mitigado e parcial. Como um perverso d pouco e exige muito, uma chantagem implcita ou, pelo menos, uma dvida torna-se possvel: Se eu me mostrar mais dcil, quem sabe ele poder, enfim, me apreciar ou me amar. Busca sem fim, pois o outro no estar jamais satisfeito (idem). A vtima fica paralisada pela recusa em ver que ela rejeitada (ibidem, p. 111) ou para evitar o constrangimento e o desgaste de um conflito pois sabe que qualquer contrariedade far com que o agressor deflagre um conflito. Assim, o agressor mantm no outro uma tenso que equivale a um estado de estresse permanente (idem). Se isso fica explcito na relao de casal, algo anlogo ocorre tambm em relaes dentro de grupos sociais ou profissionais.44Cad. Psicanl.-CPRJ, Rio de Janeiro, ano 31, n. 22, p. 37-56, 2009

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Enquanto que o ego do agressor se caracteriza por um narcisismo perverso, o ego da vtima um ego paradoxalmente forte, no fraco, mas frgil e carente: no dependente da aprovao do outro, mas desejoso desta aprovao. um ego desejoso de dar, de auxiliar, pois servir faz sentir-se dando ao outro aquilo que ele desejaria receber. Da de sua fora, no sentido de resistncia ao desamor vem sua fragilidade que o faz colocar-se em relao com algum que no lida bem com o receber, pois considera que a me, e portanto, o outro, o ambiente e o mundo, lhe deve algo, numa dvida sem fundo e sem fim. Um deseja dar amor ao ponto de buscar aquele que demasiadamente no o teve, enquanto que este cobra um amor que no existe, permanecendo insatisfeito. Ao invs de reconhecer o amor do outro, sente necessidade em desmerec-lo. Quanto mais um se dedica ao outro, mais o outro despreza esta devoo. E trata de manter a relao manipulando-a atravs do assdio, aceito pelo outro na inteno de este findar, de super-lo, de vencer as dificuldades da relao e se fazer amar. Trata-se de uma relao entre um ego sem concern e cuja culpa paradoxalmente suspensa pela depreciao da vtima, e outro ego com demasiado concern e tolerncia e cuja culpa inconsciente, que sente, de forma geral escamoteada pelo desejo de superar o desamor do qual objeto, e pela responsabilidade que sente pelo bem-estar do outro. Enquanto um esquece todas as agresses recebidas, considerando-as sempre aceitveis, o outro coloca lentes de aumento nas reaes agressivas daquele, considerando-as inaceitveis e no as esquecendo jamais, de modo a poder lanar mo delas em suas acusaes. justamente o fato de as acusaes feitas no corresponderem realidade que faz com que a vtima, embora se abale fortemente com elas (e a est sua fraqueza, percebida inconscientemente e no perdoada pelo agressor), tente desconsider-las, pois, pensa, se no correspondem realidade, no a deveriam estar abalando, e o agressor pode um dia vir a reconhecer que no so verdadeiras, mudar sua atitude, e tudo estar resolvido. Afinal, excetuadas as acusaes, o agressor sedutor, e o convvio entre eles bom. Para o agressor, por sua vez, esta tolerncia da vtima as suas palavras, to cortantes e injustas, aparece por um lado como revelando a fora da vtima, fora que um dos motivos de sua raiva, e por outro como revelando sua fraqueza, inaceitvel aos seus olhos, no sentido de uma generosidade irritantemente boba de um fraco que no deveria aceitar ser assim ofendido fraqueza que, para o agressor, merecedora de menosprezo, desprezo e desdm, justificando assim para si, a posteriori, a agresso. As vtimas tentam compreender e sentem-se responsveis (HIRIGOyEN, 2002, p. 10). No se sentem responsveis pela agresso em si, mas por compreend-la e por vir a fazer com que o agressor no sinta mais necessidadeCad. Psicanl.-CPRJ, Rio de Janeiro, ano 31, n. 22, p. 37-56, 2009

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de agredir. Fica claro para a vtima que tanta maldade s pode provir de muito sofrimento (ibidem, p. 11); mas, enfatiza Hirigoyen, exatamente por isso que o agressor manipula a vtima. Por isso em dois sentidos: porque, de fato, o agressor sofreu antes e quer vingar-se no companheiro, e porque usa a compaixo da vtima para manipul-la. Quanto mais o agressor se torna maldoso em suas palavras, mais a vtima se torna solcita, mais se adapta, mais cede, se restringe, adapta-se, mais tenta evitar o mau-humor, a cara amarrada, a censura ou a contrariedade, ou mesmo a tristeza, do agressor. Em sua manipulao, o agressor faz recair sobre o outro a responsabilidade do que sucede de errado: No sou eu, ele o responsvel pelo problema! (idem), diz a si prprio, e vtima sem questionar-se em momento algum. Mesmo que sua perversidade passe despercebida por algum tempo, ela se manifestar em toda situao em que ele tiver que se envolver e reconhecer sua parte de responsabilidade (ibidem, p. 11-12), observa Hirigoyen. De fato, os ataques mais cortantes e agressivos ocorrem quando o agressor sente-se acuado, perdendo o domnio do outro, contestado em seu poder, e v ameaada a conservao da situao atual que o favorece. O ataque de fato uma defesa contra a possibilidade de a vtima insurgir-se contra essa vampirizao por parte do agressor, contra seu controle e manipulao, contra a situao por ele to lenta e duramente estabelecida que favorece a manuteno do quadro fixo de dominao em que ele se sente seguro. neste sentido que a perverso uma incapacidade de considerar os outros como seres humanos (HIRIGOyEN, 2002, p. 12), considerando-os como um meio para atingir seus fins e aqui vemos o quanto a perverso narcsica, esta perverso que tem como mote o poder, comum nos dias de hoje, usual, banalizada, difundida e, at mesmo, indiretamente incentivada pela mdia. Estes fins podem ser casar-se, subir na vida social, simplesmente ter algum que o sirva ou a quem dominar etc. Mas a finalidade psquica, que guia estes objetivos pontuais, ser sempre a de apoiar-se em algum, cuja vitalidade o agressor sente faltar a si mesmo e que, por isso, fonte de inveja e que se torna vtima de sua vampirizao, tomada por ele como justa. Esta vitalidade vampirizada no utilizada em proveito prprio no sentido de uma apropriao que pudesse dar resultados, uma vez assimilada. Ao contrrio, no h assimilao ou apropriao e isso que caracteriza-a como vampirizao: a necessidade contnua de manter o outro na condio de submisso. Justamente porque no h uma potencializao real do agressor, ele no se torna independente de sua vtima e necessita dela para se apoiar, acusando-a de ser a responsvel por seu fracasso.46Cad. Psicanl.-CPRJ, Rio de Janeiro, ano 31, n. 22, p. 37-56, 2009

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Nos casais, no pacto inicial estabelecido informalmente, mas em geral, verbalmente, pelos parceiros, importante para o agressor ter a promessa do outro de que a relao ser estvel, pois, diz o agressor, ele sofre com a instabilidade das pessoas, com os outros querendo se aproveitar dele, com a maldade e a volubilidade das pessoas e das relaes. Empenhada a palavra da vtima pela estabilidade do casal, o agressor a tem como presa para suas agresses, cobranas e acusaes, e toda reao contra a teia que se estabelece ser tomada como falta palavra dada, que ser cobrada como se fosse incondicional, isto , como se no se condicionasse a um tratamento suficientemente cordial de um para com o outro. Certo, toda relao implica interesse de ambas as partes. No h como no ser assim, e tambm no seria desejvel que fosse de outro modo. Em boas relaes, o que h uma parceria na qual ambas as partes crescem, se fortalecem, se potencializam. Em relaes neurticas normais, certamente mais comuns, h dependncia e pode haver graus de exploraes de parte a parte. Mas o que caracteriza a perverso narcsica a mobilizao de uma das partes para imobilizar a outra. Consideraes clnicas sobre o tratamento da vtima e do agressor A partir do exposto at agora, podemos entender em que sentido Hirigoyen observa que a conduo clnica, para o tratamento das vtimas, no deve de maneira alguma ater-se em responsabiliz-las. Diz a autora:No raro analistas aconselharem as vtimas [...] a verificarem at que ponto elas prprias foram responsveis pela agresso que sofreram, at que ponto inclusive a desejaram, mesmo inconscientemente. Na realidade, a psicanlise considera apenas o intrapsquico, [...] e no leva em conta o seu ambiente. Ignora, assim, o problema da vtima, que considerada como cmplice masoquista. Quando, apesar de tudo, terapeutas tentam ajudar as vtimas, pode acontecer que, com sua hesitao em nomear o agressor e o agredido, reforcem a culpa da vtima e, com isso, agravem seu processo de destruio (HIRIGOyEN, 2002, p. 14).

Responsabilizar a vtima implica em reforar sua impresso de que o agressor no a manipula e no a agride, e que seu sofrimento deve-se a si prprio, de modo que ela que deve tentar superar suas dificuldades o que ela,Cad. Psicanl.-CPRJ, Rio de Janeiro, ano 31, n. 22, p. 37-56, 2009

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no entanto, j vem tentando, e que justamente o que a faz enredar-se na perverso do agressor. O paciente M., que durante quinze anos viveu um casamento extremamente destrutivo para ele, em que sua esposa o diminua continuamente, esteve em anlise ao longo do tempo em que esteve casado. Precisou sair de anlise para separar-se e, ao faz-lo, sentiu necessidade de fazer anlise, mas no mais com o mesmo analista. A primeira anlise lhe serviu para melhorar sua vida psquica em diversos pontos; contudo, diz ele, a cada vez que desabafava queixando-se de sua esposa e relatando seu sofrimento atroz advindo de seus ataques, seu analista lhe dizia mas e voc? Essa postura lhe deixava confuso, sentindo-se culpado, responsvel pelo prprio sofrimento e mesmo pelas agresses sofridas, como se na verdade as provocasse. Mas, seguindo esta hiptese, no conseguia entender como poderia parar de provocar contra si as agresses. Contou-me isso a partir de minha postura em comentar as agresses infligidas a ele. Eu dizia espontaneamente coisas como Certamente ela tem as razes dela, que ela deve ver com o analista dela. Mas ao menos a partir do seu relato, uma agresso enorme isso. Se ela no percebe que chega assim a voc, preciso que voc lhe imponha limites avidez, ao abuso e ao desrespeito dela. Poder ver algum defeito nas atitudes dela foi para ele surpreendente e libertador. A situao aqui se inverte em relao ao enfoque centrado somente no intrapsquico, colocado por alguns psicanalistas. Pois pouco importa a inteno, e sim que a atitude dela, ao menos tal como recebida no momento pelo paciente, de um desrespeito e de uma violncia insidiosa atroz. preciso primeiro reconhecer isso, para somente depois se poder trabalhar o lado da recepo das agresses, de tudo que leva o agredido a aceitar a agresso, a no conseguir traar limites, a no se defender, e a ficar to abalado ao ser agredido. importante primeiro afastar a origem do assdio e da confuso afetiva e mental, se no fisicamente ao menos psiquicamente a partir do reconhecimento da agresso, para somente depois a vtima j no se pondo mais tanto em questo, j no mais to fragilizada ou por vezes desestruturada (nos termos de Winnicott, interrompido um estado crescente de desintegrao) ser possvel reconhecer que sua participao se resumia no fato de no ter clareza suficiente para sair da situao. E ser ento em seguida possvel entender por que essa clareza no era alcanada e no era, devido a seu desejo reparador, ligado provavelmente a algum tipo de culpa, vinculado a seu prprio narcisismo. A vtima certamente sente-se narcisicamente engrandecida e valorizada ao suportar as agresses e mesmo o sofrimento que disso decorre, a entender o outro, a tentar melhorar-se. Como descreve Hirigoyen, trata-se de uma rela48Cad. Psicanl.-CPRJ, Rio de Janeiro, ano 31, n. 22, p. 37-56, 2009

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o, onde um deseja dar e o outro deseja no receber, mas tomar. A vtima pode, com a ajuda da anlise, passar a entender esta diferena, de que ela deve dar somente condio de o outro desejar, poder, querer e saber receber, com algum grau de reciprocidade ou de reconhecimento; que tomar, inverter as coisas, no ajuda ao doador, e tampouco ao agressor, que apenas confirma, assim, as suas defesas. Para a clnica da perverso narcsica, Hirigoyen busca apoio em autores como Ferenczi e Khan, de uma clnica do cuidado, ou dos afetos, mais do que uma clnica da responsabilidade ou da representao. O que em outros casos seria apenas um reforo ao eu do paciente ou, por vezes, pior ainda, um reforo do seu sintoma confirmar a agresso sofrida por ele , neste caso torna-se libertador e condio para o tratamento. Da a importncia de se reconhecer a perverso narcsica apesar de suas prticas silenciosas. S ento possvel interpretar sua participao, no sentido de compreend-la, para poder destarte comear o trabalho de prescindir daquela isca, de desemaranhar-se daquela chantagem sentimental subliminar. Paradoxalmente, importante no vitimizar o agredido, tampouco. Ele precisa ver que o analista reconhece claramente que ele uma vtima, que foi enredada e que o difere de um masoquista; mas no deve ser enfraquecido pelo olhar do analista. Neste, mais do que em qualquer outro quadro, me parece fundamental um uso da interpretao tanto num primeiro momento onde no recomendvel investigar sobre a parte da vtima na relao, quanto num segundo momento onde isso j possvel como, segundo a definio de Winnicott, sendo ela prpria um holding (WINNICOTT, 1983, p. 155). A interpretao fundamental, decerto, mas estou, como Winnicott, convencido de que sua eficcia est intimamente ligada ao holding (FERRAZ, 2002; GRAA, 1998), do qual ela termina por fazer parte, no sentido de que o paciente se sente compreendido quando o analista faz uma boa interpretao (WINNICOTT, 1983, p. 112), por mais que no momento, em que feita, ela possa suscitar no paciente insegurana, angstia ou ansiedade. Seguindo os passos de Racamier, Hirigoyen enfatiza o fato, certamente importante para a vitimologia enquanto saber jurdico, da maldade do agressor. Para ns, e para a psicanlise no nosso entender, esta questo propriamente moral no tem relevncia, alis, talvez sequer tenha sentido. Para alm de bem e mal, no tratamento do agressor importa compreender o funcionamento psquico e afetivo do agressor, onde perdo ou condenao moral no fazem sentido. Inclusive porque, em nossa clnica, podemos encontrar pacientes no apenas vtimas da perverso narcsica, mas tambm agressores. Cabe comCad. Psicanl.-CPRJ, Rio de Janeiro, ano 31, n. 22, p. 37-56, 2009

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preender seu funcionamento psquico para poder conduzir otimamente, dentro do possvel, o trabalho de anlise, tanto quando a vtima nossa paciente quanto quando o ele prprio. Antes de tudo, importante entender que o agressor no agride por maldade intencional ou calculada conscientemente. Mas por um clculo imaginrio e fantasmtico, com toques paranicos explcitos e uma deformao na apreenso do real, por uma projeo de sentimentos defensivos e medos primrios sobre as aes dos outros o que nada mais do que uma defesa fortemente estabelecida que funciona de maneira estruturante para seu psiquismo, constituindo uma verso particularmente problemtica e solidificada do que Winnicott chama de falso self, quando este, em nome de proteger o verdadeiro self, finda por ocult-lo e substitu-lo, como forma de proteo de uma melancolia e de uma depresso latentes. Ou seja, trata-se de um quadro em que h uma falta de confiana interna estrutural, advinda de uma integrao arcaica do self extremamente problemtica. No h m f ou cinismo consciente na ao do agressor. Decerto, podemos observar uma extrema m f ou cinismo inconscientes. Porm, para a conscincia do agressor, o que consciente so suas manobras, mas ele no as reconhece para si como uma manipulao e justifica-as pelo desprezo que constri para si pela vtima; por uma raiva dela, de quem no entanto gosta, e admira, embora tambm a inveje. Raiva que tem origem em deslocamentos e condensaes de experincias anteriores, sobretudo arcaicas. Sua agresso encontra justificativa em eventos pontuais da histria do convvio com a vtima, em momentos em que esta o contrariou, ou mesmo o agrediu, muitas vezes por reao provocada pelo prprio agressor. O agressor somente pensa em seus benefcios, no sente prazer em causar sofrimento em sua vtima porm, seus fins dependem diretamente do sofrimento infligido, necessrio para sua manipulao e domnio. Aos olhos do agressor, a vtima merece a agresso, a partir do desprezo que ele sente por ela e mesmo da raiva, que surge da inveja pela vtima ou nos momentos em que esta tenta escapar de seu controle. Esta defesa to arraigada e estruturante para o agressor, que se faz em detrimento de seu sentido de realidade, de maneira que ele de fato convence-se de seus motivos, ignorando a maneira como manipulou as reaes da vtima, e acreditando no quanto estas reaes que, no entanto, ele prprio provocou, so inaceitveis e acreditando, assim, que de fato a vtima lhe fez profundamente mal. Mas, preciso entender, as reaes lhe fizeram mal porque, primeiro, lhe remetem a e confirmam agresses sofridas em sua primeira infncia e que j foram reafirmadas ao longo de sua histria. E segundo, porque diante da50Cad. Psicanl.-CPRJ, Rio de Janeiro, ano 31, n. 22, p. 37-56, 2009

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agressividade reativa da vtima, ele confirma que esta e o outro em geral no conforme o seu ideal. Seu ideal de ego posto fora de si e fora de alcance e, sobretudo, como superior ao que seu pai e sobretudo sua me puderam ser ou lhe oferecer. Enquanto em alguns casos o indivduo culpa sua me por no proteg-lo das agresses de seu pai, neste ocorre o contrrio, o paciente culpa o pai por no ter evitado as falhas de sustentao por parte de sua me. Decorre da que sua idealizao do outro, do mundo, o faz crtico e insatisfeito em suas relaes ntimas. Tudo lhe pesa. Idealizao que ele inconscientemente sente de antemo ser invivel, mas por isso mesmo, por raiva de ser ela invivel, deseja se vingar disso no outro, que supostamente se props a ser um substituto do pai, ou da me, ou um par perfeito ou algo assim e no o . De modo que a proposta reparadora do outro, as boas intenes do outro em suportar vicissitudes e repar-las, a disposio do outro em entender e superar as dificuldades da relao oriundas das dificuldades psquicas do parceiro se transformam, aos olhos dele, em uma grande mentira, pela qual o outro deve ser responsabilizado e, assim, em uma agresso a ele, que deve ser vingada. Pois, para o agressor, a no correspondncia idealizao do que ele, em sua fantasia, julga ter precisado e que no teve, e que julga precisar ainda, interpretada inconscientemente como falhas insuportveis do outro, pois o remetem s falhas ambientais arcaicas que de fato sofrera. O mundo lhe deve, e o outro representa esta dvida, que lhe ser cobrada sobretudo de quem se presta, aos seus olhos, a mentir de que pode ajud-lo; isto , exatamente aquelas pessoas que se propem a ajud-lo. Entendemos ento por que caminhos psquicos labirnticos a generosidade do outro recebe em troca abuso e o provoca: pois sentida pelo agressor como uma mentira e, deste modo, como uma agresso, qual ele apenas est revidando. E de fato funciona como uma agresso, pois o remete sua dor, s suas falhas bsicas, sua precria integrao, ao seu sentimento de menos-valia que tanto o ameaa em silncio, o revolta, o faz odiar o mundo, duvidar da bondade alheia e ter dificuldade em entregar-se, em amar a vida e o outro, sobretudo em amar aquele que o ama. Se no confia no outro seja este quem for e, mesmo, a prpria vida , acredita que s pode sobreviver dominando-o, manipulando-o, e escondendo-se. Como de se perceber, o agressor no tem conscincia clara de seu funcionamento psquico e, quando parece comear a ter, sobrepe incipiente percepo de seu prprio funcionamento psquico, razes que confirmam sua construo defensiva, denegando a realidade. Isso porque no se sente em condies de suportar existencialmente a denncia ou a desconstruo desta defesa. aqui que entra, no caso da clnica do agressor, o trabalho de anlise,Cad. Psicanl.-CPRJ, Rio de Janeiro, ano 31, n. 22, p. 37-56, 2009

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a conduo e o manejo do setting por parte do analista, nesta misso praticamente impossvel de tratamento do quadro de perverso narcsica. Por mais que este quadro possa ser num certo sentido irreversvel, no nos parece interessante trabalhar com diagnsticos (tambm neste ponto concordamos com Winnicott, 1983, p. 120-121); afinal trabalhamos com pessoas e suas complexidades. So elas que devem conduzir o tratamento e, de fato, muito avano possvel e, dependendo do caso, mesmo melhoras, extremamente significativas, so possveis. Devido ao carter estruturante da defesa perverso-narcsica do agressor, defesa que se contrape melancolia e depresso, ou mesmo a um colapso de cunho psictico, que seu sintoma tenta compensar, interpretaes tm pouco ou nenhum efeito. Se o analista tem como objetivo o tratamento e no a verdade do inconsciente do paciente, perceber que interpretaes tendero a somente reforar as defesas do paciente agressor. Tanto quanto, alis, face aos esforos da vtima em superar os ataques do agressor. Por razes diferentes, nesta relao, interpretaes somente no bastam. Para a vtima, preciso antes reconhecer que ela no responsvel pela agresso embora seja co-responsvel por se deixar enredar na trama da agresso; mas isso somente deve aparecer num segundo momento da conduo do tratamento, como dissemos da a importncia do holding, no primeiro momento, de compreenso mas igualmente, ou mesmo ainda maior, no segundo momento, de interpretao. Para o agressor, por sua vez, preciso entender que para que ele aceite a interpretao (de que vale para o analista ter o pequeno prazer de ter a boa interpretao mas o paciente permanecer resistindo a ela?), ele precisar sentir que no ficar totalmente sem cho, que no entrar em colapso, que suportar o vazio advindo da retirada ou dissipao paulatina de suas defesas falso-self. Para isso, preciso que ele se sinta sustentado pelo holding propiciado pelo setting, pela relao de anlise. Para entender este ponto, preciso sublinhar o fato de que o perverso narcsico no o que normalmente se imagina de um psicopata; ele no sem sentimentos, simplesmente frio, mau e cnico; ele apenas, para sua sobrevivncia psquica, por meandros psquicos que tentamos mostrar, precisa esconder seu interior, o que ele sente como sua verdade. Ele se sente por dentro, ou teme se descobrir mau, uma pessoa ruim, inadequado, com problemas; com uma depresso, uma melancolia ou mesmo uma psicose latentes, se sente ou teme se descobrir, ou se confirmar, como valendo menos que os outros. E sente assim porque a falha ambiental inicial foi grave e seu psiquismo se estruturou sem esta confiana primria, arcaica. E toda a sua vida psquica foi feita sobre um esforo por estruturar-se apesar52Cad. Psicanl.-CPRJ, Rio de Janeiro, ano 31, n. 22, p. 37-56, 2009

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dessa falha ambiental inicial, por estruturar-se, portanto, de modo a suprir, ou antes, a esconder esta lacuna, que ele vivencia como seu contedo interno terrvel e ruim, porque no investido por sua me quando era beb que nada mais do que sua raiva para com o ambiente que lhe tratou com indiferena, contedo destrutivo e extremamente ameaador, que pode aparecer em pesadelos na forma demonaca, por exemplo. Ele agora sente esta falta como um dficit vergonhoso e temeroso, que ele deve ocultar de todos para ele prprio poder esquecer. Por isso precisa continuamente apoiar-se sobre uma vtima, cujo narcisismo lhe serve para, projetando sobre ela sua raiva por sua deficincia e a raiva que tem de seus pais por no terem lhe dado o que precisava inicialmente , preencher a falta do seu prprio. Na clnica do agressor, este tentar espontaneamente e a todo custo manipular o analista. Tentar usar a anlise para confirmar que ele est sendo bem sucedido em sua tentativa de se esconder, de esconder do outro o seu problema, o seu segredo, sua falha que vivida como terrvel e que faz dele o pior dos seres o que ele nega, com o que discorda, mas precisa confirmar que no , sem correr o risco de ser um dia desmascarado. Injustamente desmascarado. Paradoxalmente, ele no quer que ningum perceba essa sua lacuna, mas ao mesmo tempo precisa distanciar-se tanto dela que no a admite para si mesmo. Seu primeiro objetivo em anlise convencer o analista tal como faz com suas vtimas de que ele sim uma vtima, do destino, da me, do pai. E de sua vtima. Quer convencer o analista de que sua vtima de fato seu agressor. No cabe ao analista, num primeiro momento, nem aceitar que o perverso narcsico a vtima, nem mostrar a ele que o agressor. E no caber nunca desmascarlo, e sim compreend-lo e tentar aos poucos auxili-lo a tornar essas defesas desnecessrias. Tambm na clnica do agressor, portanto, torna-se mais uma vez indispensvel o holding. Poder-se-ia pensar que um perverso narcsico no estabelece vnculo e que o holding seria mesmo impossvel nesse caso. Ao contrrio, somente a partir do estabelecimento do holding que o perverso narcsico poder, muito aos poucos, adquirir confiana de que no precisa se esconder at mesmo do analista; e que, portanto, no precisa manipul-lo ou engan-lo. A partir do holding, ele poder paulatinamente no somente perder a vergonha de ser descoberto, de ter sua maldade desvendada, como sobretudo sentir que no ter um colapso, um surto, uma desintegrao caso abaixe a guarda em anlise, aceite regredir, abrir mo de suas defesas que lhe custam tanto esforo e tanta viglia para serem, sem descanso, continuamente mantidas. certamente o desejo de ajudar o agressor desta maneira que move a vtima a enredar-se no jogo do perverso narcsico. Eis mais um motivo para que oCad. Psicanl.-CPRJ, Rio de Janeiro, ano 31, n. 22, p. 37-56, 2009

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analista consiga discernir que se trata de um perverso narcsico, e que conhea este quadro no somente para no se enredar em sua trama, como tambm para no tom-lo moralmente, e para entender a importncia do holding. Certo, o paciente perverso narcsico tentar com muito talento manipular o analista. Porm, como diz Winnicott nesta passagem crucial: O analista [...] acredita no paciente e, quando este o engana, acredita nos motivos do paciente para engan-lo (WINNICOTT, 1983, p. 216). preciso aceitar a tentativa de manipulao do paciente, acolh-la, entender que ela vivida como necessria para o paciente naquele momento, para poder estabelecer um solo de confiana para que o paciente possa ousar relaxar suas defesas e sair de seu retraimento solidamente erigido ao longo de toda a sua vida. Mais uma vez fica claro que uma interpretao de sua defesa manipulatria, devida a uma identificao projetiva paranica, de nada adiantar, ao menos num primeiro momento. Como diz Winnicott, o risco de interpretaes est em que as necessidades do paciente em termos de dependncia infantil possam ser perdidas de vista (WINNICOTT, 1983, 155). E no h a menor dvida de que a origem da perverso narcsica remete ao perodo da preocupao materna primria. o trabalho sobre esta fase que preciso ser feito, e ele se faz pelo holding. Nunca demais relembrar que o holding, de que fala Winnicott (1983, passim), no significa em nada o que costumamos chamar de colo. Esta confuso certamente se faz pelo fato de que para o beb o holding da me antes de tudo uma sustentao fsica em seus braos. Mas mesmo a, a sustentao fsica significa sem representar, isto , vivida afetivamente como um solo, no um colo: mais precisamente, algo que propicia um sentimento de continuidade psquica e portanto existencial para o beb, e, no caso da situao analtica, para o paciente. O holding vivido como um sentimento de confiana na continuidade de si, mesmo em momentos em que esta continuidade no garantida pelas defesas psquicas prprias, erigidas ao longo de nossas vidas para dar sustentao a nosso eu e a nosso self. precisamente por isso que a meu ver, sempre, mas sobretudo, em certos casos, como o da perverso narcsica, como j dissemos a interpretao deve vir a partir do holding e como uma forma de holding. Em outras palavras, o inconsciente se forma a partir de afetos. Mesmo quando as palavras o constituem, o fazem porque e somente quando carregam afetos, isto , quando esto investidas psiquicamente, libidinalmente, afetivamente. A palavra e, portanto, a interpretao, somente pode causar efeito porque inevitavelmente afeta, mas o efeito causado no necessariamente vai no sentido do que o paciente precisa naquele momento para desenrijecer suas de54Cad. Psicanl.-CPRJ, Rio de Janeiro, ano 31, n. 22, p. 37-56, 2009

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fesas. neste sentido que Winnicott considera que a interpretao correta [pode] ser um trauma, que o paciente tem que rejeitar caso no a possa ouvir como sua (WINNICOTT, 1983, p. 50). As mudanas ocorrem na anlise quando os fatores traumticos entram no material psicanaltico no jeito prprio do paciente, e dentro da onipotncia do mesmo. As interpretaes que podem mudar algo so aquelas que podem ser feitas em termos de projeo, o paciente as criando ou as aceitando como se as tivesse criado, projetando-as na fala do analista (WINNICOTT, 1983, p. 38). O afeto precisa ser sustentado pelo holding, pois somente em confiana que o paciente conseguir relaxar sua guarda, ao invs de ser provocado e chamado a ergu-la ainda mais defensivamente. No tratamento da perverso narcsica, seja do agressor seja da vtima, as palavras, aquelas que se incluem no holding, estas podem, sim, favorecer e facilitar uma compreenso afetiva que, sem o holding, isto , sem a confiana e o desta decorrente sentimento de continuidade, no seria possvel. As palavras, como parte da sustentao que, de forma diferente, faltou tanto ao agressor quanto ao agredido, devem quebrar esse silncio que perpetua a perverso. Na clnica do agredido, de forma direta; na do agressor, de forma indireta; mas em ambos os casos, cuidando-se para que a interpretao se d sem ameaa ao eu do paciente, pois somente sentindo-se em solo firme poder lentamente abrir mo de suas defesas. a partir da experincia afetiva vivida no setting, na qual se inserem as interpretaes, que algo pode mudar na repetio afetiva e defensiva de um paciente e, no caso da perverso narcsica, seja ele vtima ou agressor.Andr Martins Vilar de Carvalho Av. So Sebastio, 105/301 Urca-Rio de Janeiro-RJ 22291-070 fone: (21)2543-9572 e-mail: [email protected]

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