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1 O que é a Violência Doméstica? Diferentes definições “Acto ou omissão cometido no âmbito da família por um dos seus membros, que constitua atentado à vida, à integridade física ou psíquica ou à liberdade de um ou de outro membro da mesma família ou que comprometa gravemente o desenvolvimento da sua personalidade “ (Conselho da Europa, 1986). "A violência contra as mulheres é talvez a mais vergonhosa violação dos direitos humanos. Não conhece fronteiras geográficas, culturais ou de riqueza. Enquanto ela persistir, não podemos afirmar que fizemos verdadeiros progressos em direcção à igualdade, desenvolvimento e paz." (Kofi Annan, Ex-Secretário Geral da ONU) “A violência doméstica compreende todas as formas de abuso, temporário ou permanente, que incluem comportamentos de uma das partes que, por omissão ou acção, provocam danos físicos e/ou psicológicos à outra parte e que ocorrem nas relações intrafamiliares: o mau trato infantil, o mau trato de idosos e a violência conjugal” (Madalena Alarcão, 2002). “Entende-se por violência doméstica toda a violência física, sexual ou psicológica que ocorre em ambiente familiar e que inclui, embora não se limitando a maus tratos, abuso sexual das mulheres e crianças, violação entre cônjuges, crimes passionais, mutilação sexual feminina e outras práticas tradicionais nefastas, incesto, ameaças, privação arbitrária de liberdade e exploração sexual e económica. Embora maioritariamente exercida sobre mulheres, atinge também, directa e/ou indirectamente, crianças, idosas e outras pessoas mais vulneráveis, como os/as deficientes” (Resolução do Conselho de Ministros nº 88/2003, de 7 de Julho) Considera-se violência doméstica qualquer acto, conduta ou omissão que sirva para infligir, repetidamente e com intensidade, sofrimento físicos, sexuais, mentais ou económicos, podendo ser de modo directo ou indirecto (ameaças, enganos, coacção), podendo a vítima residir no mesmo agregado doméstico do agressor, ou não. A violência doméstica não se restringe apenas a pessoas que vivem ou viveram em

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O que é a Violência Doméstica? Diferentes definições

“Acto ou omissão cometido no âmbito da família por um dos seus membros, que

constitua atentado à vida, à integridade física ou psíquica ou à liberdade de um ou de

outro membro da mesma família ou que comprometa gravemente o desenvolvimento

da sua personalidade “ (Conselho da Europa, 1986).

"A violência contra as mulheres é talvez a mais vergonhosa violação dos direitos

humanos. Não conhece fronteiras geográficas, culturais ou de riqueza. Enquanto ela

persistir, não podemos afirmar que fizemos verdadeiros progressos em direcção à

igualdade, desenvolvimento e paz." (Kofi Annan, Ex-Secretário Geral da ONU)

“A violência doméstica compreende todas as formas de abuso, temporário ou

permanente, que incluem comportamentos de uma das partes que, por omissão ou

acção, provocam danos físicos e/ou psicológicos à outra parte e que ocorrem nas

relações intrafamiliares: o mau trato infantil, o mau trato de idosos e a violência

conjugal” (Madalena Alarcão, 2002).

“Entende-se por violência doméstica toda a violência física, sexual ou psicológica

que ocorre em ambiente familiar e que inclui, embora não se limitando a maus tratos,

abuso sexual das mulheres e crianças, violação entre cônjuges, crimes passionais,

mutilação sexual feminina e outras práticas tradicionais nefastas, incesto, ameaças,

privação arbitrária de liberdade e exploração sexual e económica. Embora

maioritariamente exercida sobre mulheres, atinge também, directa e/ou

indirectamente, crianças, idosas e outras pessoas mais vulneráveis, como os/as

deficientes” (Resolução do Conselho de Ministros nº 88/2003, de 7 de Julho)

Considera-se violência doméstica qualquer acto, conduta ou omissão que sirva para

infligir, repetidamente e com intensidade, sofrimento físicos, sexuais, mentais ou

económicos, podendo ser de modo directo ou indirecto (ameaças, enganos, coacção),

podendo a vítima residir no mesmo agregado doméstico do agressor, ou não. A

violência doméstica não se restringe apenas a pessoas que vivem ou viveram em

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situação conjugal, casadas ou não, ou seja, pessoas que mantiveram ou maninham

ligações afectivas.

A este conceito estão subjacentes quatro grandes tipos: violência física, violência

verbal, violência psicológica e violência sexual.

A violência doméstica é um fenómeno que tem assumido, por todo o mundo,

proporções bastante elevadas e só foi “descoberto” nas décadas de 60 e 70, pelos

movimentos feministas. Esta realidade é bastante complexa e composta por diversos

factores, sendo eles sociais, culturais, psicológicos, ideológicos, económicos. Apesar de

ser um fenómeno antigo só recentemente se tornou um problema social dado que, a

sociedade adquiriu maior sensibilidade e intolerância face à violência. A este facto,

deve-se também, o aparecimento das ONG’s, como a APAV, que interveio no sentido

de conferir maior visibilidade ao problema. Também a comunicação social tem

centrado a sua atenção na divulgação deste problema.

A violência doméstica abrange todas as classes sociais, desde os estratos mais

baixos aos estratos mais altos, destacando-se casos que envolvem médicos, políticos,

famosos, celebridades. Assim, “a violência doméstica é o resultado de uma ordem

hierárquica, ou seja, um elemento da família julga ser superior ao outro.”

Direitos Humanos e violência doméstica

A II Guerra Mundial e o genocídio ocorrido na Alemanha fizeram despertar o mundo

para a necessidade de aprofundar a defesa da dignidade das pessoas. Foi o ponto de

partida para a elaboração da Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada

pela Organização das Nações Unidas, ONU, em 1948.

Na Declaração e documentos subsequentes foram estabelecidos os direitos que

assistem às pessoas vítimas de violência doméstica, tida como ofensa aos mais

elementares direitos humanos.

No âmbito das Nações Unidas, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas

de Discriminação contra as Mulheres, adoptada pela Assembleia Geral em 1979, deu

um grande passo ao proibir todas as formas de discriminação contra as mulheres,

nelas se incluindo a violência.

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Nova resolução específica da Assembleia Geral da ONU sobre violência doméstica

foi aprovada em 1986 (resolução 40/36).

Em 1990 a Assembleia Geral adoptou a resolução 45/114, em que se incentivavam

os estados membros a desenvolver e aplicar medidas, dentro e fora do sistema de

justiça criminal, para dar resposta ao problema da violência doméstica.

Em Pequim, 1995, decorreu a 4ª Conferência Mundial sobre as Mulheres,

promovida pelas Nações Unidas que analisou as estratégias para “uma nova parceria

entre as mulheres e os homens”.

Existem vários factores contribuintes para este fenómeno: o isolamento

(geográfico, físico, afectivo e social), o poder e o domínio, as crenças e atitudes,

situações de stress e frustração, problemas associados ao álcool e drogas, vivências

infantis de clima violento, a existência de uma personalidade sádica, perturbações

mentais ou físicas.

Tipos de violência doméstica

A violência doméstica abrange diversas formas de violência, destacando-se,

principalmente, quatro grandes formas: violência física, violência psicológica, violência

verbal e violência sexual.

Violência Física

Violência física é o uso da força com o objectivo de ferir, deixando ou não marcas

evidentes. São comuns murros, agressões com diversos objectos e queimaduras por

objectos ou líquidos quentes. Quando a vítima é criança, além da agressão activa e

física, também é considerado violência os factos de omissão praticados pelos pais ou

responsáveis.

Apesar de nossa sociedade parecer obcecada e entorpecida pelos cuidados com

as crianças e adolescentes, é bom ressaltar que um bom número de agressões

domésticas é cometido contra os pais por adolescentes, assim como contra avós

pelos netos ou filhos.

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Não havendo uma situação de co-dependência do(a) parceiro(a) à situação

conflituante do lar, a violência física pode perpetuar-se mediante ameaças de "ser

pior" se a vítima reclamar há autoridades ou parentes. Essa questão existe na

medida em que as autoridades se omitem ou tornam complicadas as intervenções

correctivas.

O abuso do álcool e o consumo de estupefacientes são um forte agravante da

violência doméstica física.

Violência Psicológica

A Violência Psicológica ou Agressão Emocional, às vezes tão ou mais prejudicial

que a física, é caracterizada por rejeição, depreciação, discriminação, humilhação,

desrespeito e punições exageradas. Trata-se de uma agressão que não deixa marcas

corporais visíveis, mas emocionalmente causa cicatrizes indeléveis para toda a vida.

Um tipo comum de Agressão Emocional é a que se dá sob a autoria dos

comportamentos histéricos, cujo objectivo é mobilizar emocionalmente o outro para

satisfazer a necessidade de atenção, carinho e de importância.

Outra forma de Violência Emocional é fazer o outro se sentir inferior,

dependente, culpado ou omisso é um dos tipos de agressão emocional dissimulada

mais terríveis.

O comportamento de oposição e aversão é mais um tipo de Agressão Emocional.

As pessoas que pretendem agredir se comportam contrariamente àquilo que se

espera delas.

As ameaças de agressão física (ou de morte), bem como as crises de quebra de

objectos, mobílias e documentos pessoais também são consideradas violência

emocional, pois não houve agressão física directa. Quando o(a) cônjuge é

impedido(a) de sair de casa, ficando trancado(a) em casa também se constitui em

violência psicológica, assim como os casos de controlo excessivo dos gastos da casa

impedindo atitudes corriqueiras, como por exemplo, o uso do telefone.

Violência Verbal

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A violência verbal normalmente dá-se simultaneamente com a violência

psicológica. Alguns agressores verbais dirigem sua artilharia contra outros membros

da família, incluindo momentos quando estes estão na presença de outras pessoas

estranhas ao lar.

Por razões psicológicas íntimas, normalmente decorrentes de complexos e

conflitos, algumas pessoas servem-se da violência verbal infernizando a vida de

outras, querendo ouvir, obsessivamente, confissões de coisas que não fizeram.

Atravessam noites nessa tortura verbal sem fim. "Tu tem outra(o).... Tu olhaste para

fulana(o)... Confessa, querias ter ficado com ela(e)" e todo tido de perguntas,

normalmente argumentadas sob o rótulo de um relacionamento que deveria se

basear na verdade.

A violência verbal existe até na ausência da palavra, ou seja, até em pessoas que

permanecem em silêncio. O agressor verbal, que devia falar no momento, cala-se e,

evidentemente, esse silêncio magoa mais do que se tivesse falado alguma coisa.

Nesses casos o objectivo do agressor está, exactamente, em demonstrar que tem

algo a dizer e não diz. Aparenta estar doente mas não se queixa, mostra estar

contrariado mas não fala. Ainda agrava a agressão quando atribui a si a qualidade de

"estar quietinho em seu canto", de não se queixar de nada, causando maior

sentimento de culpa nos demais.

Ainda dentro desse tipo de violência estão os casos de desvalorização da família e

do trabalho do outro. Um outro tipo de violência verbal e psicológica diz respeito às

ofensas morais. Maridos e esposas costumam ferir moralmente quando insinuam

que o outro tem amantes. Muitas vezes a intenção dessas acusações é mobilizar

emocionalmente o(a) outro(a), fazê-lo(a) sentir diminuído(a). O mesmo peso de

agressividade pode ser dado aos comentários depreciativos sobre o corpo do(a)

cônjuge.

Violência sexual

A violência sexual pode ser definida, de maneira ampla e genérica, como uma

violência de género que se “caracteriza por um abuso de poder no qual a vítima

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(criança, adolescente e mulher) é usada para gratificação sexual do agressor sem o

seu consentimento, sendo induzida ou forçada a práticas sexuais com o uso de força,

intimidação, coacção, chantagem, suborno, manipulação, ameaça ou qualquer outro

mecanismo que anule ou limite a vontade pessoal. O conceito também inclui o

agressor obrigar a vítima a realizar alguns desses actos com terceiros. As marcas

físicas e psicológicas da violência sexual são frequentemente graves e não se trata

apenas de ferimentos, infecções sexualmente transmitidas ou gravidezes não

desejadas. As situações de violência sexual são, muitas vezes, difíceis de denunciar

ou sinalizar, porque o medo da vítima induz ao silêncio e ao segredo, protegendo

desta forma o agressor.

Formas de exercício da violência doméstica:

Coacção e ameaças – De ferir, matar, suicidar, tirar as crianças, etc.

Intimidação – Assustar com olhares, gestos ou gritos; o agressor atira objectos

ou destrói a propriedade; exibição de armas.

Abuso verbal/emocional – Rebaixar/desmoralizar, insultar, ridicularizar,

humilhar; fazer com que o outro se sinta mal consigo próprio, se sinta

mentalmente diminuído e culpado.

Isolamento – Controlo abusivo da vida da vítima, mediante a vigilância das suas

acções e movimentos, ouvindo conversas, impedir de cultivar amizades, etc, ou

seja, limitar o envolvimento externo com o outro.

Desprezo – Tratar os outros como inferiores, tomar decisões importantes em

consultar o outro, etc.

Abuso sexual – Imposição do uso de contraceptivos, pressão para abortar,

desprezo sexual e a imposição de relações sexuais contra a vontade do outro.

Abuso económico – Controlo excessivo das finanças, apossando-se do dinheiro

da vítima, fixando uma mesada e impedir que esta aceda a rendimentos

familiares. Evita-se, também, que trabalhe, para que esta possa dar apoio à

família e para criar dependência económica face ao agressor.

Utilizar “privilégios machistas” – Tratar a mulher como criada e tomar sozinho

as decisões importantes.

O porquê da violência doméstica

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A industrialização e o consequente crescimento da população mundial provocaram

profundas transformações sociais que, culminaram numa redefinição do papel das

mulheres na sociedade e na família. Actualmente, a violência doméstica é considerada

uma questão altamente humana. Neste fenómeno são as mulheres quem mais sofre,

verificando-se, aqui, as maiores taxas de vitimização.

Para explicar a violência doméstica os especialistas encontraram três grandes

perspectivas: perspectivas intra-individuais, perspectivas diádicas-familiares e

perspectivas socioculturais.

Perspectivas Intra – Individuais:

As teorias intra-individuais centram a sua atenção nas características individuais do

agressor e na personalidade da vítima embora de forma superficial.

Algumas causas que explicariam o comportamento do agressor incluem a

perturbação psicológica, factores de risco como a irritabilidade, estilos de

personalidade agressiva e hostil, ansiedade, depressão e queixa sintomáticas.

O consumo de drogas e álcool é uma referência comum nas investigações sobre

violência conjugal. Esta tende a ser mais frequente e agravada do que aquela que é

exercida por agressores sem histórias de consumos. O alcoolismo e a violência conjugal

tendem a coexistir, embora o álcool pareça mais ser um sintoma dos homens com

tendência para usar a violência do que propriamente um factor causal directo. Outras

substâncias associadas à violência são a cocaína, o crack, as anfetaminas e a heroína. O

comportamento violento é socialmente apreendido e não o resultado do abuso de

uma substância. A junção de ambos os factores pode aumentar a gravidade da

violência, porém o tratamento/ cura não elimina os comportamentos violentos.

Outro argumento igualmente defendido é que o agressor quando agride a sua

mulher está a manifestar uma frustração sentida para com outra pessoa, enquanto as

mulheres maltratas são entendidas como frágeis, factor que contribuiria para a sua

vitimação. Nas teorias intra-individuais, os agressores são libertos de responsabilidade

pelo comportamento, enquanto as características individuais das mulheres são

apresentadas como legitimadoras da sua situação. Como exemplo, defendem que o

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papel da psicopatologia depende do nível da agressão a explicar já que à medida que o

nível de agressividade aumenta maior é a probabilidade de estar associada a uma

personalidade disfuncional ou perturbação psicopatológica. Nesta concepção, nas

teorias intra-individuais prevalecia a crença que a violência conjugal era um assunto

privado, um incidente isolado provocado pela anormalidade do perpetuador.

Enquadrada nesta perspectiva podemos definir a personalidade do agressor. Os

agressores vêm, por vezes, de lares violentos, sofrendo perturbações do foro

psicológico, e muitos deles “refugiam-se” no álcool ou nas drogas, o que, como vimos

anteriormente, contribui para o aumento da agressividade. Eles têm um perfil de

imaturidade, de insegurança, de instabilidade emocional, impaciência e impulsividade.

Podem transferir a raiva e o stress acumulados em outras áreas, para as mulheres,

frequentemente sob a forma de violência física. O agressor é, por vezes, um ser

isolado, não tem amigos próximos, tem ciúmes, baixa auto-estima, que lhe causa

frustração, gerando atitudes violentas.

Uma pesquisa dos psicólogos norte-americanos, Dr. John Gottman e Dr. Neil

Jacobson, indica que os agressores do sexo masculino se dividem em duas categorias:

Pitbull e Cobra.

Pitbull:

-Só é violento com as pessoas que ama;

-Tem ciúmes e medo de abandono;

-Priva da independência a sua parceira;

-Está sempre pronto para vigiar e atacar publicamente a sua parceira;

-O seu corpo reage de forma violenta durante uma discussão;

-O agressor tem potencial para reabilitação;

-Não foi acusado de qualquer crime – cadastro limpo;

-Pode ter tido um pai abusador.

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Cobra:

-Agressivo com todas as pessoas;

-Susceptíveis de ameaçar com facas ou armas de fogo;

-Acalma-se internamente mas volta a tornar-se agressivo;

-Difíceis de tratar com terapia psicológica;

-Possivelmente já foi acusado de algum crime;

-É um consumidor excessivo de álcool e drogas.

O pitbull espia a sua mulher, é ciumento e sente-se bem com todos, excepto com as

suas namoradas ou esposas. O cobra é um sociopata, frio e calculista.

Em episódios de violência, o agressor oculta o medo e a insegurança que sentiu em

criança, por um pai agressivo que o maltratava com frequência. Por isso, quando se

torna adulto prefere adoptar a personalidade do pai abusador do que tornar-se débil e

assustado.

Noutros casos, os comportamentos ofensivos são o resultado de uma infância

demasiado permissiva, durante a qual os pais davam tudo às crianças e satisfaziam

todas as suas vontades. Ora, isso leva as crianças a acreditar que, ao tornarem-se

adultas, estão acima de tudo e de todos, inclusive da própria lei. O agressor pensa que

merece um tratamento especial, melhor que o dado aos outros.

Em geral, o homem violento apresenta algumas características comuns: alcoolismo,

desemprego, auto-estima baixa, experiência com maus-tratos (as estatísticas colocam

este factor entre os 40% e os 50% em termos de relação com essa prática), depressão,

progressão da violência (a agressividade vai aumentando gradualmente, ao ponto de a

violência, ao atingir o limiar físico, se juntar à violência psicológica); e precocidade

(surgem algumas reacções durante a juventude, como que predizendo o que vai

suceder no futuro).

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“Vistos de fora, os agressores podem parecer responsáveis, dedicados, carinhosos e

cidadãos exemplares”. (Machado e Gonçalves, 2003)

Muitas vezes o homem sente-se culpado, prometendo à companheira melhorias em

relação ao futuro. No entanto, não consegue modificar-se e, em consequência, renova

o sentimento de culpabilidade, bebe e passa a agredi-la.

Quanto às vítimas, são na sua maioria mulheres, ou a parte mais frágil da relação.

“As crianças são também vítimas mesmo que não sejam directamente objecto de

agressões físicas: ao testemunharem a violência entre os pais, as crianças iniciam um

processo de aprendizagem da violência como um modo de estar e de viver e, na idade

adulta, poderão reproduzir o modelo, para além de que a violência lhes provoca

sofrimento emocional e os correspondentes problemas”. (Machado e Gonçalves,

2003).

Os factores de risco relativamente à vítima são:

Ser do género feminino;

Apresentar características de vulnerabilidade em termos de idade (crianças

pequenas, pessoas idosas) e de necessidades (particularmente crianças, idosos e

pessoas com handicap);

Ter personalidade e temperamento desajustados relativamente ao agressor;

Estar dependente do consumo de substâncias (por exemplo, álcool,

medicamentos e drogas);

Ter doença física e/ou mental, ou deterioração cognitiva fisiológica (no caso das

pessoas idosas);

Ter sido vítima de violência na infância ou ter, designadamente, assistido a

violência entre os seus cuidadores;

Ser prematuro e de baixo peso ao nascimento (no caso do violência infantil por

serem crianças mais frágeis, estarem menos alerta, chorarem mais);

Ter dependência física e emocional relativamente ao agressor;

Ter escassos recursos económicos, encontrando-se dependente do agressor;

Ter baixo nível educacional;

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Como a violência afecta a vítima

Um crime pode afectar-nos de modo diferente e as pessoas não reagem todas da

mesma forma numa situação de crime. A maioria das pessoas após serem vítimas de

um crime, podem sentir-se muito confusas e vulneráveis. Reacções como pânico geral,

o pânico de morrer, a impressão de estar a viver um pesadelo, a desorientação geral, o

sentimento de solidão e o estado de choque, são reacções comuns e normais nas

vítimas de crime.

Por outro lado, as consequências posteriores também podem ser diversificadas.

Embora com variações, todas as vítimas se sentem perturbadas quando são alvo de um

acto violento.

Contudo, quanto mais violento o crime, maior será o estado de afectação geral da

vítima.

Existem geralmente, um conjunto de consequências de carácter psicológico, físico e

social que se manifestam após a vitimação. Todavia, a vítima não é, geralmente, a

única pessoa em sofrimento. As testemunhas desta vitimação podem ser também

afectadas. Também os familiares e amigos da vítima, ainda que não necessariamente

testemunhas do crime, podem sofrer as consequências do mesmo.

Consequências físicas

Os efeitos físicos incluem não apenas os resultados directos das agressões sofridas

pela vítima (fracturas, hematomas, etc.), mas também respostas do nosso corpo ao

stress a que foi sujeito. No entanto, estas reacções não aparecem todas ao mesmo

tempo e a sua intensidade poderá variar de pessoa para pessoa. Alguns exemplos

poderão ser:

Perda de energia;

Dores musculares;

Dores de cabeça e/ou enxaquecas;

Distúrbios ao nível da menstruação;

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Arrepios e/ou afrontamentos;

Problemas digestivos;

Tensão arterial alta.

Consequências psicológicas

A diversidade e intensidade dos efeitos psicológicos podem levar as pessoas a

considerarem a possibilidade de estarem a ficar loucas ou a perder o seu equilíbrio

psíquico. Todavia, estas são reacções normais perante acontecimentos de vida, esses

sim, anormais.

Algumas das consequências psicológicas da vitimação poderão ser:

Dificuldades de concentração;

Dificuldades em dormir;

Pesadelos;

Dificuldades de memória;

Dificuldades em tomar decisões;

Tristeza;

Desconfiança face aos outros;

Diminuição da autoconfiança.

Portanto, a vítima, quase sempre tem uma relação de dependência com o agressor.

Mais que a dependência económica com relação ao homem, é a dependência

emocional que faz a mulher suportar as agressões. Há casos de maridos que vão ao

local de trabalho da mulher e a agridem diante de colegas, e de abusos sexuais de pais

contra filhas depois que ela se afastou do domicílio comum.

Mesmo a separação não significa o fim da violência. Numerosas vezes, o marido

continua a importunar a ex-mulher, especialmente quando ela vive só ou com os

filhos. O caso pode mudar, contudo, quando a mulher passa a viver com um novo

marido ou companheiro.

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Há milhares de mulheres que sofrem de alguma forma de violência nas mãos dos

seus maridos e namorados em cada ano. São muito poucas as que contam a alguém -

um amigo, um familiar, um vizinho ou à polícia. As vítimas da violência doméstica

provêm de vários estilos de vida, culturas, grupos, várias idades e de todas as religiões.

Todas elas partilham sentimentos de insegurança, isolamento, culpa, medo e

vergonha.

Perspectivas Diádicas – Familiares:

Uma explicação diádica é sustentada nas teorias sócio-psicológicas como a teoria da

frustração-agressão, a teoria da interacção simbólica, a teoria da troca e a teoria das

atribuições. Contudo, o maior destaque é dado à teoria intergeracional da violência

que sustenta que quem já foi vítima de violência ou a testemunhou na infância,

frequentemente torna-se um adulto agressor. Referem, também, outros autores que a

exposição à violência proporciona, do mesmo modo, um modelo de desempenho

vitimador. Outras investigações salientam ainda que a violência parental na infância,

aumenta o risco de vitimação da mulher quando adulta, além de que esta pode

apreender que o amor legitima a violência do seu cônjuge.

Esta teoria é mais consistente no que aos homens diz respeito (tornar-se-iam com

maior probabilidades agressores) do que em relação às mulheres. Mas, mesmo em

relação aos homens, sabe-se que um background violento nem sempre pré-determina

um adulto violento, graças a outros factores de mediação, como por exemplo,

contactos com modelos masculinos não violentos.

Em termos etiológicos e, face aos muitos debates e polémicas que esta abordagem

origina, é importante estimular o debate que reflicta a questão da aprendizagem social

e da transmissão geracional para efeitos preventivos; a teoria da troca, que nos

remete para os riscos de «descriminalização social» do agressor para quem, até agora,

os custos de violência são inferiores aos seus benefícios; a teoria das atribuições e o

interaccionismo simbólico, que nos previnem para o facto das significações

socialmente construídas poderem constituir-se efectivos constrangimentos à mudança

nas relações conjugais violentas.

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Perspectivas Socioculturais:

As explicações atrás referidas examinam factores históricos, sociais, culturais e

políticos que contribuem para a violência contra as mulheres. Nas abordagens

socioculturais, a violência contra as mulheres é entendida como resultado do seu

tratamento histórico e da actual sociedade patriarcal. Na conjuntura patriarcal, a

violência é justificada pela premissa de que os homens reconhecem o seu poder e

autoridade sobre as mulheres e o uso da força é uma forma através da qual esse

domínio se mantém.

A família tradicional é criticada, de forma recorrente, pelos feministas, que

entendem que a família actual tem de ser repensada já que, no seu entendimento,

embora as famílias não sejam hoje estritamente patriarcais, são ainda em muitas

situações, transmissoras de desigualdades sexuais. Para os feministas, a violência

contra as mulheres na conjugalidade continua a ser ignorada judicialmente, já que é

resultado, na sua perspectiva, do processo normativo de socialização masculina.

Em síntese, a perspectiva de que Entre marido e mulher, ninguém mete a colher,

como diz o velhíssimo provérbio português, fechou a violência entre os muros da

intimidade familiar e deixou o público fora da sua esfera privada. Mas a violência

doméstica é um problema social e político no entendimento feminista e representa um

dos modelos explicativos dominantes. Esta abordagem realça a necessidade de dar voz

às vítimas. Tem tido, por isso, um sucesso significativo na recuperação das mulheres

vítimas de violência doméstica.

Outra causa deste problema são os media. Na televisão e no cinema a violência é

glorificada, os estereótipos que nos apresentam são de violência sexual.

Crianças

Quando se fala sobre violência doméstica, tem-se normalmente a ideia que é a

mulher a vítima preferencial de um homem que é o agressor. Este quadro, inserido

num espaço doméstico, não exclui a presença de crianças. Estas são as vítimas no

presente e a longo prazo da violência doméstica. A criança projecta-se no futuro e

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aquilo que vê na sua infância, o que sente e o que sofre, física e psicologicamente,

marca-a indelevelmente e para todo o sempre.

Além das marcas físicas, a violência doméstica costuma causar também sérios danos

emocionais. Normalmente é na infância que são moldadas grande parte das

características afectivas e de personalidade que a criança carregará para a vida adulta.

Acontece que as crianças aprendem com os adultos, normalmente e primeiramente

dentro de seus lares, as maneiras de reagirem à vida e viverem em sociedade. As

noções de direito e respeito aos outros, a própria auto-estima, as maneiras de resolver

conflitos, frustrações ou de conquistar objectivos, tolerar perdas, enfim, todas formas

de se portar diante da existência são profundamente influenciadas durante a idade

precoce. É assim que muitas crianças abusadas, violentadas ou negligenciadas na

infância se tornam agressoras na idade adulta.

Os choques emocionais e psicológicos provocam muitos danos na infância, uma vez

que a criança não sabe como se defender. A sua mente começa a desenvolver

lentamente certos mecanismos de defesa para poder filtrar e analisar o que vê e o que

ouve. A mente de uma criança é como uma esponja: absorve/recebe tudo. No entanto,

não tem capacidade para decidir se é ou não verdade, justo ou injusto o que dizem.

Assim, as mensagens e os golpes são como ondas gigantes, que chegam sem controlo

para as profundezas desse ser indefeso (crianças).

Alguns indícios de mau desenvolvimento de personalidade podem ser observados

em idade precoce. Algumas dessas características podem ser manifestadas por

dificuldades para se alimentar, dormir, concentrar-se. Essas crianças podem começar a

se mostrarem exageradamente introspectivas, tímidas, com baixa auto-estima e

dificuldades de relacionamento com os outros, outras vezes mostram-se agressivas,

rebeldes ou, ao contrário, muito passivas.

Crianças que estão atravessando problemas domésticos relacionados à violência

invariavelmente apresentam problemas na escola e no grupo social ao qual

pertencem. Podem, não obstante se recusarem a falar sobre esses problemas, quer

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com o adulto que cometeu a agressão, quanto com familiares e professores. Falta-lhes

confiança nos adultos em geral.

Mas, a infância e o futuro das crianças é diferente quando estas sentem o amor

entre o pai e a mãe, mostrado com gestos de carinho. Estes detalhes são gravados nas

mentes das crianças, que moldam a sua personalidade com o recebimento de muito

amor por parte da sua família. É um dos melhores legados que se pode deixar aos

filhos.

O ciclo da violência doméstica/Dinâmica da Violência Intrafamiliar

O ciclo da violência doméstica ajuda a compreender como as mulheres se tornam

vítimas, como se deixam cair num comportamento de apatia e porque não conseguem

escapar da violência. Este deve ser entendido como um sistema circular, no qual as

dinâmicas da relação de casal se manifestam regularmente passando por três fases

distintas:

Fase 1 – Aumento/Acumulação da Tensão: as tensões quotidianas acumuladas pelo

agressor que este não consegue resolver, criam um ambiente de perigo iminente para

a vítima que é, muitas vezes, culpabilizada por tais tensões.

Sob qualquer pretexto o agressor direcciona todas as suas tensões sobre a vítima. E

as justificações, que podem ser muito simples, são usualmente situações do

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17

quotidiano, como exemplo, acusar a vítima de não ter cozinhado ou cozinhado com sal

a mais, de ter chegado tarde a casa ou a um encontro, de ter amantes, etc.

O agressor torna-se obsessivamente violento e tenta controlar tudo o que puder,

como o tempo e o comportamento da mulher. Ele vai procurar isolar a vítima da

família e doa amigos.

Fase 2 – Ataque violento: o agressor maltrata, física e psicologicamente a vítima, que

procura defender-se, esperando que o agressor pare e não avance com mais violência.

Este ataque pode ser de grande intensidade, podendo a vítima por vezes ficar em

estando bastante grave, necessitando de tratamento médico, ao qual o agressor nem

sempre lhe dá acesso imediato.

Como resultado deste episódio agudo de violência, a tensão e o stress desaparecem

no agressor.

Fase 3 – Etapa do arrependimento/calma ou Lua-de-mel: o agressor, depois da tensão

ter sido direccionada sobre a vítima, sob a forma de violência, manifesta-lhe

arrependimento e promete que não vai voltar a ser violento.

Pode invocar motivos para que a vítima desculpabilize o comportamento violento,

como por exemplo, ter corrido mal o dia, ter-se embriagado ou consumido drogas;

pode ainda invocar o comportamento da vítima como motivo para o seu descontrolo.

Para reforçar o seu pedido de desculpas pode tratá-la com delicadeza e tentar seduzi-

la, fazendo-a acreditar que, de facto, foi essa a última vez que ele se descontrolou.

Este ciclo é vivido pela vítima numa constante de medo, esperança e amor. Medo, em

virtude da violência de que é alvo; esperança, porque acredita no arrependimento e

nos pedidos de desculpa que têm lugar depois da violência; amor, porque apesar da

violência, podem existir momentos positivos no relacionamento.

O ciclo da violência doméstica caracteriza-se pela sua continuidade no tempo, isto

é, pela sua repetição sucessiva ao longo de meses ou anos, podendo ser cada vez

menores as fases da tensão e de apaziguamento e cada vez maior e mais intensa a fase

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18

do ataque violento. Em situações limite, o culminar destes episódios poderá ser o

homicídio.

Porque é que a vítima se mantém na relação?

Não existe um motivo único para a resistência da vítima ao abandono de um

relacionamento violento. A manipulação emocional tecida pelo agressor,

culpabilizando constantemente a vítima pelas agressões, e submetendo-a a uma

grande dependência afectiva, colocam-na num labirinto sem saída.

A vítima, por seu turno, perspectivando o casamento como um projecto de vida,

não se permite considerar a possibilidade de ser ela o motor do fim, ainda que,

porventura inconscientemente, saiba o que o futuro lhe reserva.

Podemos ainda falar da dependência económica em relação ao agressor, bem como

da falta de uma rede de apoio familiar e/ou social, dado o isolamento a que a vítima

vai sendo sujeita. É muitas vezes impedida de trabalhar ou de contactar com familiares

e amigos, para que, desamparada, o agressor a faça crer ser ele o único que a ama e se

preocupa, e/ou que os outros são apenas os que pretendem separá-los.

Não obstante, importa referir que o medo de sofrer represálias, a par do

desconhecimento da existência da rede institucional preparada para acolher as vítimas

num contexto de segurança, paralisa muitas vezes o necessário pedido de ajuda.

Os motivos que as mulheres alegam para justificar a atitude de permanência no

relacionamento violento são diversos mas, quase sempre, referem aspectos como o

medo de represálias, a perda de meios e suporte económico, a preocupação com os

filhos, a dependência emocional, a ausência de rede social de apoio (família e amigos)

e a eterna esperança que o agressor irá mudar. Este último aspecto é sustentado pelo

próprio agressor por períodos que podem variar em tempo e em intensidade.

Alguns autores referem que as respostas das mulheres são sobretudo estratégias de

sobrevivência. A decisão de abandonar ou permanecer na relação violenta segue

regras precisas e que o processo de decisão em si mesmo não é, de todo, patológico.

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Aparentemente, segundo esta teoria, a vítima parece continuar na relação mas,

interior e conscientemente, avalia a forma mais adequada e o momento mais

oportuno para abandoná-la.

O amor não deve ser sinónimo de dor. Amor envolve protecção, confiança,

comunicação, apoio emocional e crescimento espiritual. É partilhar a vida com alegria,

discutindo diferenças e preferências e respeitando a integridade física, moral e

espiritual da pessoa amada.

Outros autores destacam quatro modelos explicativos para a decisão de abandonar

ou não a relação violenta:

1. Impedimentos Psicológicos - A vítima permanece na relação devido a handicaps

individuais;

2. Abandono Aprendido - A vítima interioriza uma atitude de passividade e

culpabiliza-se;

3. Teoria da Troca - A vítima encontra-se num dilema entre continuar a relação e o

desconhecido, o medo de uma educação monoparental feminina, as dificuldades

económicas, sem apoios pessoais e comunitários;

4. Teoria do Comportamento Planeado - A vítima refere que a vítima interioriza uma

atitude passiva, culpa-se a si própria e acomodam-se ao comportamento do

parceiro. Algumas vítimas reconhecem o perigo em que vivem, mas são

optimistas, esperando que o comportamento dos agressores se altere.

Os homens enquanto vítimas de violência doméstica

O medo, a vergonha e muitos dos sentimentos do homem vítima de violência

doméstica face à sua condição, a par da resistência ao pedido de ajuda a terceiros,

vêm descritos na literatura como o mote do desconhecimento desta face do

fenómeno. O homem, preso às prescrições de uma cultura patriarcal, receia ser

desacreditado e humilhado, silenciando assim o seu estatuto de vítima. Ao contrário

do que se possa pensar, também o homem teme sofrer represálias por parte da sua

agressora caso esta venha a ter conhecimento de que este denunciou o crime. São

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20

factores determinantes o medo de sofrer violência física e também não ser acreditado

ao contar a outrem que foi vítima. Outro factor importante é a vergonha de expor as

suas fragilidades a outras pessoas. Todos constituem provavelmente alguns dos

motivos pelos quais também os homens se mantêm em relacionamentos violentos.

Assim, podemos afirmar que as mulheres cometem frequentemente violência

doméstica, e não apenas em autodefesa. Apesar de as mulheres sofrerem as maiores

taxas de agressão, os homens também são agredidos. Porém, enquanto a violência

masculina é sempre vista como injustificável, a violência feminina tem sempre

justificação (quer seja por ser alegadamente em autodefesa quer seja por ser

considerada inconsequente).

Estudos recentes mostram que os homens, nos seus relacionamentos íntimos,

experimentam comportamentos de controlo, tais como: utilização de ameaças e

coacção como ameaças de morte ou suicídio, a agressora chamar a polícia para que o

companheiro fosse falsamente acusado pelo crime de violência doméstica, abandonar

a relação, retirar ou impedir acesso aos filhos.

Adicionalmente, muitos dos homens reportam experiências frustradas aquando do

contacto com instituições e serviços que apoiam vítimas de violência doméstica.

A Lei e o crime de violência doméstica

Código Penal Artigo 152.º (Lei nº 59/2007 de 04-09-2007)

Violência doméstica

1 — Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos,

incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais:

a) Ao cônjuge ou ex -cônjuge;

b) A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha

mantido uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação;

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c) O progenitor de descendente comum em 1.º grau; ou

d) A pessoa particularmente indefesa, em razão de idade, deficiência, doença,

gravidez ou dependência económica, que com ele coabite; é punido com pena de

prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra

disposição legal.

2 — No caso previsto no número anterior, se o agente praticar o facto contra menor,

na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima é punido com

pena de prisão de dois a cinco anos.

3 — Se dos factos previstos no n.º 1 resultar:

a) Ofensa à integridade física grave, o agente é punido com pena de prisão de dois a

oito anos;

b) A morte, o agente é punido com pena de prisão de três a dez anos.

4 — Nos casos previstos nos números anteriores, podem ser aplicadas ao arguido as

penas acessórias de proibição de contacto com a vítima e de proibição de uso e porte

de armas, pelo período de seis meses a cinco anos, e de obrigação de frequência de

programas específicos de prevenção da violência doméstica.

5 — A pena acessória de proibição de contacto com a vítima pode incluir o

afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento pode

ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.

6 — Quem for condenado por crime previsto neste artigo pode, atenta a concreta

gravidade do facto e a sua conexão com a função exercida pelo agente, ser inibido do

exercício do poder paternal e da tutela por um período de 1 a 10 anos.

Denúncia:

A denúncia deve conter o maior número possível de informações acerca da

situação, indicando o dia, a hora, o local e as circunstâncias em que o crime foi

cometido, identificando o agressor, e enumerando eventuais testemunhas e outros

meios de prova.

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22

Não há lugar ao pagamento de qualquer taxa de justiça em virtude da apresentação

de denúncia.

A denúncia pode ser apresentada:

1 – Na forma tradicional:

a) Nos serviços do Ministério Público junto dos tribunais, dirigida ao Excelentíssimo

Senhor Procurador Adjunto;

b) Nas autoridades que tenham a obrigação legal de transmitir a queixa ao

Ministério Público, que são: Polícia de Segurança Pública (PSP); Guarda Nacional

Republicana (GNR); Polícia Judiciária (PJ) e Delegações e Gabinetes Médico-Legais

do Instituto de Medicina Legal, no âmbito da actividade pericial que desenvolvam;

2 – Por via electrónica. O Sistema de Queixa Electrónica (SQE) constitui um balcão

único virtual que faculta a apresentação por via electrónica de denúncias de natureza

criminal pelos cidadãos que tenham sido ofendidos ou tomaram conhecimento da

prática de um crime contra terceiros. O Sistema não se destina a responder a situações

de emergência ou àquelas em que é necessária a resposta imediata das forças ou

serviços de segurança, designadamente quando o crime está a ser cometido. O SQE

destina-se, assim, a facilitar a apresentação à GNR, à PSP e ao SEF de queixas e

denúncias por via electrónica. O SQE regista a autenticação, e as participações

confirmadas são enviadas à entidade competente.

O Estatuto da vítima de violência doméstica

Apresentada a denúncia do crime de violência doméstica e não havendo fortes

indícios de que a mesma é infundada, a autoridade judiciária ou o órgão de polícia

criminal competente deverão atribuir à vítima, caso esta assim o deseje, o “Estatuto de

Vítima”, sendo-lhe entregue um documento comprovativo do referido estatuto, que

compreende um conjunto de direitos e deveres (relativos não apenas à sua

participação no processo penal mas também respeitantes a aspectos sociais), além da

cópia do respectivo auto de notícia ou denúncia .

Medidas de coacção

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Medida de coacção é uma restrição à liberdade do arguido, e que pode ser aplicada

no decurso do processo-crime para acautelar certos interesses, tais como:

1) Perigo de fuga;

2) Perigo para a obtenção e conservação da prova do crime;

3) Perigo para a ordem pública;

4) Perigo de continuação da actividade criminosa.

Todas as medidas de coacção são aplicadas por um Juiz, excepto a medida de Termo

de Identidade e Residência, que pode ser também aplicada pelo Ministério Público ou

por órgão de polícia criminal.

Após a constituição de arguido pela prática do crime de violência doméstica, o

tribunal pondera, no prazo máximo de 48 horas, a aplicação, sem prejuízo das demais

medidas de coacção previstas no Código de Processo Penal e com respeito pelos

pressupostos gerais e específicos de aplicação nele referidos, de medida ou medidas

de entre as seguintes:

- Não adquirir, não usar ou entregar, de forma imediata, armas ou outros objectos e

utensílios que detiver, capazes de facilitar a continuação da actividade criminosa;

- Sujeitar, mediante consentimento prévio, a frequência de programa para arguidos

em crimes no contexto da violência doméstica;

- Não permanecer na residência onde o crime tenha sido cometido ou onde habite a

vítima;

- Não contactar com a vítima, com determinadas pessoas ou frequentar certos lugares

ou certos meios.

A aplicação destas medidas deve obedecer a três princípios: necessidade,

proporcionalidade e adequação. Necessidade porquanto a aplicação de uma medida

apenas deve ocorrer caso as exigências cautelares do caso a imponham.

Proporcionalidade pois a restrição da liberdade do arguido deve ocorrer na medida da

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gravidade do comportamento de que este é suspeito. Adequação no sentido de que a

restrição à liberdade pessoal do arguido vá de encontro ao comportamento de cuja

prática este é suspeito.

O não cumprimento pelo arguido da medida de coacção imposta leva, em princípio,

à aplicação de outra mais gravosa.

Meios técnicos de controlo à distância:

1. Vigilância electrónica

O tribunal, com vista à aplicação de medidas de coacção, que envolvam a proibição

de contactos do agressor com a vítima, pode, sempre que tal se mostre imprescindível

para a protecção desta, determinar que o cumprimento daquelas medidas seja

fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.

A utilização dos meios técnicos de controlo à distância depende do consentimento

do arguido ou do agente e, nos casos em que a sua utilização abranja a participação da

vítima, depende igualmente do consentimento desta. A utilização dos meios técnicos

de controlo à distância depende ainda do consentimento das pessoas que o devam

prestar, nomeadamente das pessoas que vivam com o arguido ou o agente e das que

possam ser afectadas pela permanência obrigatória do arguido ou do agente em

determinado local.

Será utilizada a tecnologia de rádio frequência, já conhecida do funcionamento

habitual de vigilância electrónica. O agressor é portador de uma pulseira que emite

sinais de rádio frequência enquanto a vítima possui em sua casa uma unidade de

monitorização. Esta unidade de monitorização detecta a presença da pulseira do

agressor e informa os computadores centrais que disponibilizam a informação a uma

equipa de vigilância electrónica da Direcção Geral de Reinserção Social. Esta, por sua

vez, informa sequencialmente a polícia e a vítima da possibilidade de uma

aproximação do agressor à vítima. A vítima possuirá também um pager que deverá

trazer consigo 24h/dia e que a alerta da aproximação da pulseira do agressor.

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25

Quando os incumprimentos relativos à aproximação no perímetro da habitação, são

detectados pelo sistema de vigilância electrónica, os sinais de alerta são investigados

pela Direcção Geral de Reinserção Social que desenvolve de imediato acções de

averiguação e de alerta à polícia e à vítima. Se o agressor não cumprir as obrigações, a

DGRS informa de imediato o tribunal. O incumprimento grave ou violação das

obrigações leva, automaticamente, à elaboração de relatórios de anomalias para o

tribunal.

2. Teleassistência

A teleassistência destina-se a garantir às vítimas de violência doméstica apoio,

protecção e segurança adequadas, assegurando uma intervenção imediata e eficaz em

situações de emergência, de forma permanente e gratuita, vinte e quatro horas por

dia, por um período máximo de seis meses.

A protecção por teleassistência assenta num sistema tecnológico constituído por

um conjunto de equipamentos, aplicações informáticas e sistemas de comunicação e

infra-estruturas técnicas que permitem apoiar as vítimas com necessidades especiais

de protecção. Este sistema funciona com base na utilização de tecnologias de

comunicação móvel e telelocalização, assegurando à vítima uma resposta rápida e

eficaz perante situações de perigo/risco e apoio emocional permanente, vinte e quatro

horas por dia e 365 dias por ano.

A vítima tem consigo um equipamento móvel que lhe permite contactar em

qualquer momento um Centro de Atendimento Telefónico, quer para desencadear

uma reacção imediata de protecção por parte das forças policiais quer para obter

apoio emocional.

Polícia de Segurança Pública (PSP)

Criadas em 2006, as Equipas de Proximidade e de Apoio à Vítima (EPAV) são

responsáveis pela segurança e policiamento de proximidade. De entre as suas

competências encontra-se a prevenção da violência doméstica, apoio às vítimas de

crime e acompanhamento pós-vitimação e identificação de problemas que possam

interferir na situação de segurança dos cidadãos.

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26

Fon

te: P

SP

Os elementos que integram estas equipas possuem formação específica para

desempenhar estas funções. O Programa Integrado de Policiamento de Proximidade

(PIPP) da PSP, onde estas equipas se inserem, tem vindo a ser alargado a um número

crescente de subunidades territoriais. Actualmente existem cerca de 250 EPAV,

distribuídas pelos diversos Comandos da PSP, com aproximadamente 621 efectivos

afectos. (Dados de 2010)

As EPAV constituem, assim, no que diz respeito à prevenção da problemática da

violência doméstica, numa primeira linha de intervenção, de protecção e segurança,

de atendimento, de acompanhamento, de apoio e de encaminhamento das vítimas,

devem:

Indicar situações de risco;

Atender vítimas de públicos-alvo mais sensíveis (menores, idosos) e de crimes

mais traumáticos (designadamente vítimas de violência doméstica, vítimas de

crimes violentos);

Proceder ao encaminhamento das vítimas e eventualmente de testemunhas

para as entidades competentes;

Efectuar acompanhamento de vítimas pós-vitimação, em parceria com

entidades de apoio social, nos casos mais sensíveis;

Separar, em situações de flagrante delito, as vítimas do agressor,

impossibilitando a consumação ou continuação da agressão;

Prestar, por vezes, primeiros socorros à vítima;

Efectuar a detenção do agressor;

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27

Efectuar revista de segurança ao mesmo, informando-o do enquadramento

jurídico criminal da situação e dos seus direitos e deveres processuais.

Concomitantemente, as equipas de investigação criminal da PSP ao nível nacional

constituem uma segunda linha de intervenção, responsável pela gestão do local do

crime, recolha dos meios de prova, inquirição de testemunhas (designadamente um

inquérito de vizinhança junto à residência do agressor e da vítima para tentarem

recolher informações sobre os antecedentes e contexto da violência), apreensão de

objectos (designadamente armas) entre outras diligências consideradas relevantes no

âmbito do inquérito.

Na Prevenção e Combate da Violência Doméstica, a Polícia de Segurança Pública

tem desenvolvido parcerias e estabelecido protocolos com várias entidades de apoio e

de garantia dos direitos das vítimas e dos cidadãos em geral, visando o

desenvolvimento de um trabalho conjunto com técnicos especializados.

Na sequência do atendimento policial, as vítimas são encaminhadas para

instituições/entidades de apoio adequadas e competentes, na área da saúde

(psicologia, hospitais, Instituto de Medicina Legal) e da Segurança Social.

No ano de 2010 foram registadas 18.493 participações de violência doméstica pela

PSP. As denúncias de violência doméstica têm vindo a aumentar em média 12% ao

ano, desde que a violência doméstica é crime público. De 2008 para 2009 as denúncias

aumentaram 10%, de 2009 para 2010 esse aumento situa-se nos 2%, isto é, menos 8%

que no ano anterior, devido sobretudo à desocultação do fenómeno nos distritos do

Interior do País.

Como é fornecido o apoio à vítima pela APAV

Para oferecer o apoio necessário às vítimas a APAV utiliza algumas estratégias que

permitam ter maior sucesso no apoio à vítima e na empatia criada entre a vítima e o

atendedor. Essas estratégias denominam-se processos de apoio.

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O processo de apoio estende-se desde os vários atendimentos até o auxílio na

elaboração de processo criminais, assim como sessões de apoio psicológico.

Geralmente o processo de apoio é desenvolvido com a vítima, mas pode ser também

para familiares e/ou amigos.

O processo abriga quatro tipos de apoio, pelo menos: apoio emocional, jurídico,

psicológico e social. No entanto se tal for necessário poderá entrar ainda o apoio

médico.

O apoio emocional deverá estar presente em todos os momentos, e este apoio é

fornecido através da capacidade de ouvir, compreender e criar empatia com a vítima.

Os outros tipos de apoio são fornecidos por especialistas, como juristas,

trabalhadores sociais e psicólogos.

O processo de apoio divide-se em dois tipos de intervenção:

Intervenção na crise

Intervenção continuada

Intervenção na crise corresponde ao primeiro momento em que a vítima procura

apoio, em que este apoio se vai dirigir num primeiro momento para um apoio

emocional para melhor enfrentar a crise em que se encontra, e se dá início ao

processo de apoio.

Intervenção continuada é quando depois de uma primeira intervenção no primeiro

momento de crise da vítima se dá continuidade a todo o processo de apoio e se

fornece um apoio mais especificado, atendendo às reais necessidades da vítima após a

avaliação e decisão da vítima sobre o que pretende fazer.

Intervenção na crise:

A intervenção na crise torna-se muito importante, pois é o primeiro momento de

contacto com a vítima e onde a vítima se encontra em pior estado emocional e/ou

físico, pois é tudo ainda muito recente. Quando a vítima pede ajuda num momento de

crise abarca as seguintes repercussões:

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Manifestação de reacções psicológicas: choro, pânico, confusão, angústia,

vergonha, baixa auto-estima, culpa, revolta, perturbações psicossomáticas,

predomínio de memórias das vivências traumáticas, entre outras;

Manifestação de pressões sociais e económicas: proporcionam o bloqueamento,

associadas ao desconhecimento dos seus direitos.

A intensidade e o período de crise dependem essencialmente de 3 factores:

O grau da violência exercida sobre a vítima;

A capacidade da própria para enfrentar o problema;

O auxílio que recebe após o episódio traumático.

Para uma melhor intervenção nesta fase a APAV utiliza algumas estratégias como:

Explorar a o período crítico da vítima, procurando ganhar a sua confiança.

Clarificar e perceber o estado da vítima e a situação em que se encontra.

Avaliar o apoio de família e/ou amigos de que a vítima dispõe.

Diminuir a angústia.

Reforçar a comunicação adequada, ou seja, sem agitação.

Mostrar interesse no caso da vítima e transmitir confiança.

O primeiro atendimento:

O primeiro atendimento é muito importante, pois é aquele que vai fornecer o

primeiro contacto da vítima com o atendedor, sendo que é quando a vítima surge mais

fragilizada, desconhecendo o tipo de apoio que a APAV lhe vai prestar. Para além disso

no momento do primeiro atendimento a vítima surge muitos receios, estando

geralmente insegura, e muitas vezes tem receio de revelar coisas sobre a sua vida

pessoal, mesmo sabendo que está a falar com um profissional. Estes são os motivos

que tornam o primeiro atendimento tão importante.

O primeiro atendimento pode ser presencial, telefónico ou por escrito.

No atendimento presencial para o próprio atendedor poder estar mais à vontade e

aliviar alguma da tensão inicial vivida também pelo atendedor há algumas sugestões

para essa tensão diminua:

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Conhecer o espaço físico do atendimento.

Interiorizar que não é obrigatório responder a todas as perguntas formuladas

pela vítima.

Sentir que tudo o que se diga é reparável.

Consciencializar que não é necessário formular todas as perguntas nem obter

todas as respostas.

Permitir à vítima momentos de silêncio e pausa.

Evitar transmitir estranheza ou confusão.

A APAV no primeiro atendimento tem duas finalidades: a prestação de apoio

emocional e a recolha da informação (história de pré vitimação, narração da vitimação,

história pós-vitimação).

Para haver uma maior empatia e para a vítima se poder sentir mais à vontade

existem algumas regras que o atendedor deve ter:

No caso de o atendimento ser presencial:

A vítima deve ser bem acolhida, e imediatamente encaminhada para a sala de

espera, ou se possível, para a sala de atendimento.

A vítima não deve esperar mais de 15 minutos, e caso seja necessário esperar

mais tempo devem-lhe ser explicados os motivos.

O espaço de atendimento e de espera deve ser confortável e deve-se permitir

à vítima escolher o local onde fica melhor.

As vítimas devem ser atendidas pela ordem de chegada, no entanto deverá ser

dada prioridade a vítimas idosas, vítimas que manifestem encontrar-se em

situação de crise, ou vítimas que apresentem sequelas físicas que se possam

considerar constrangedoras diante de outras pessoas.

As vítimas devem ser recebidas com correcção.

Deve-se encaminhar sempre a vítima à porta de saída no final.

Existem algumas regras ainda para uma melhor comunicação e empatia com a

vítima:

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31

Fazer a apresentação.

Ouvir com atenção.

Reformular frases ditas pela vítima que não tenham sido bem explícitas.

Questionar.

Encorajar a expressão de sentimentos e emoções.

Deve-se informar a vítima dos seus direitos, bem como os diversos recursos a

que pode recorrer e as opções que pode tomar.

Resumir aspectos do discurso, de forma a ter a certeza que ambos se

entenderam.

Utilizar comunicação não verbal para revelar atenção e evitar falar enquanto a

vítima discursa para não interromper.

No caso do atendimento telefónico é preciso terem-se algumas atenções especiais

dado não se estar diante da vítima:

As chamadas devem ser imediatamente atendidas.

Deve-se atender de forma gentil.

Quando é necessário fazer a transferência duma chamada, isso deve ser feito

com maior brevidade possível.

Evitar interromper a conversação.

Não mastigar ou comer.

Evitar que se verifiquem interferências nas chamadas.

Mostrar-se presente, recordando que o silêncio é sempre mal interpretado

pela vítima.

Colocar-se sempre ao dispor para ouvir.

Sensibilizar e encaminhar a vítima para o atendimento presencial.

No final da chamada agradecer e disponibilizar para futuros contactos.

No atendimento por escrito a APAV toma também alguns procedimentos como:

Acusar a recepção da missiva enviada pela vítima, indicando a data do seu

envio e/ou da sua chegada.

Deve-se informar brevemente os direitos da vítima.

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Deve-se sensibilizar a vítima para o atendimento presencial.

Deve-se agradecer o contacto da vítima.

Assinar e identificar no final.

Princípio de autonomia da vítima:

Existe um princípio que é utilizado por este tipo de instituições que não pode ser

violado. A vítima é que tem a capacidade de autonomia e de decisão. Deve-se ir ao

encontro das necessidades da vítima e nunca o oposto.

Portanto, para que todos os seus direitos, a sua dignidade e sua individualidade

sejam respeitados, deve-se informar e analisar com a vítima de todos os seus direitos e

as várias alternativas para a resolução dos seus problemas, no entanto, cabe à vítima

tomar as suas decisões.

Para que este principio seja garantido:

A vítima deve ser informada sobre os seus direitos, alternativas possíveis e

procedimentos.

Deve existir liberdade de decisão.

A vítima deve estar na posse das capacidades necessárias para decidir.

Estatísticas APAV 2010

Caracterização da Vítima:

Sexo – Sexo feminino (87%)

Idade – Faixa etária entre os 26 e os 45 anos de idade (25,6%)

Estado civil – Estado civil casado (39,3%)

Tipo de família – Família nuclear com filhos (49,7%)

Nível de ensino – Ensino superior (6,7%)

Actividade económica – Empegado (32,%)

Principal meio de vida – Trabalho por conta de outrem (25,3%)

Nacionalidade – Portuguesa (68%)

Distritos de residência – Lisboa (19,8%), Porto (7,9%) e Coimbra (2,9%)

Relação da vítima com o autor o crime – Cônjuge e Companheiro (48,5%)

Caracterização do Autor/a do Crime:

Sexo – Sexo masculino (81%)

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Idade – Faixa etária entre os 36 e os 55 anos de idade (18,3%)

Estado civil – Estado civil casado (41,7%)

Nível de ensino – Ensino superior (4%) e 1º ciclo (2,4%)

Actividade económica – Empegado (33,8,%)

Principal meio de vida – Trabalho por conta de outrem (21,2%)

Nacionalidade – Portuguesa (57%)

Caracterização da Vitimação:

Tipo de vitimação – Continuada (69%) – Vitimação reiterada no tempo de um dado

crime – e Não continuada (9%) – situações pontuais

Duração da vitimação – Prolonga-se por mais de 2 anos (36,1%)

Local do crime – Residência comum (55,2%)

Existência de armas – Não (47,2%)

Inquéritos realizados

1. Segundo um estudo, há uma média de 6% de pessoas em Portugal que consideram a

violência doméstica aceitável. Partilha dessa opinião?

Análise: No entanto, nos adultos masculinos verifica-se uma grande diferença

comparativamente às restantes faixas etárias, considerando 30% dos inquiridos a

violência doméstica aceitável. Após estes resultados, pode-se verificar que a

mentalidade dos portugueses está em mudança, mas que no entanto mostram um dado

preocupante que é 30% dos adultos masculinos considerarem a violência doméstica

aceitável, sendo que a maioria dos agressores se situam precisamente nesta classe.

2. Acha que há homens vítimas de violência doméstica?

Análise: Os jovens e os adultos acham na quase totalidade que existem homens

vítimas de violência doméstica. Através desta questão pode-se verificar que as faixas

etárias mais idosas desconhecem ainda a existência de homens vítimas de violência

doméstica.

3. Na sua opinião o que fazia para proteger a vítima?

Análise: Quase 50% dos inquiridos afirmam que denunciariam um caso de violência

doméstica à polícia para poder proteger a vítima, 16% dizem que a melhor forma de se

proteger as vítimas é alertar as instituições responsáveis por este tipo de crime e outros

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16% afirmam que a melhor forma de se proteger as vítimas é através da protecção

policial. Com os dados recolhidos acerca nesta questão podemos verificar um aumento

da sensibilidade da população para conceber a violência doméstica como um crime

público, tendo-se hoje em dia maior noção do que se pode fazer para proteger as

vítimas recorrendo às autoridades competentes.

4. Sabe se existem instituições de apoio à vítima neste tipo de violência?

Análise: A maioria dos inquiridos (cerca de 85%) sabe que existem instituições de

apoio às vítimas, no entanto ainda existe uma percentagem que ainda não está

informada sobre a existência destas instituições. Com os dados que recolhemos

verificamos que os jovens e os adultos estão melhor informados sobre a existência de

instituições, enquanto nos idosos existe uma percentagem considerável (9%) que

desconhece este tipo de ajuda às vítimas de violência doméstica.

5. Diga o nome de uma.

Análise: No geral os inquiridos indicaram o nome da APAV (44%) No entanto há os que

apesar de saberem da existência de instituições, não sabem, posteriormente, indicar o

nome de uma, sendo que ou não sabe ou não responde (31%).

6. Em Portugal as instituições dão resposta a todos os casos?

Análise: A maioria dos inquiridos (70%) considera que as instituições não dão resposta

a todos os casos. Segundo os dados recolhidos podemos concluir que os portugueses

acham que as instituições hoje em dia ainda não são suficientes para responder a

todos os casos de violência doméstica, mas apesar disso, e durante a realização dos

inquéritos, pudemos verificar que a maioria dos inquiridos partilha da opinião que as

instituições têm contribuído para a batalha contra este tipo de crime, não fazendo um

balanço negativo do trabalho destas instituições.

7. Conhece algum caso de violência doméstica?

Análise: Nesta pergunta verificou-se um resultado de repostas aproximadamente

igual. 49 % dos inquiridos diz que não conhece e 51% conhece alguém vítima de

violência doméstica.

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8. Se fosse vítima de violência doméstica denunciava?

Análise: A maioria dos inquiridos afirma que denunciariam o caso se fossem vítimas de

violência doméstica (87%). Isto revela que a mentalidade da população está em

mudança desde há uns anos para cá, no entanto, não significa na eventualidade de

serem vítimas o denunciassem realmente. Para além disso pudemos verificar com os

dados recolhidos nesta pergunta que por parte dos idosos (7%) a mudança de

mentalidade ainda não é a mesma que nas restantes classes. Os inquiridos que não

denunciam alegam ser por motivos de salvaguarda dos filhos.

Entrevista à APAV Coimbra – Dra. Natália Cardoso

1- O que pode justificar o facto de termos mais casos hoje em dia e as estatísticas

serem tão preocupantes? Achas que é o facto do aumento da violência ou porque

cada vez mais as pessoas não têm medo de denunciar?

R: As duas. O facto de as pessoas não terem medo, não acredito que haja mais

violência do que antes. Agora é mais tolerada. Antes era socialmente aceite. A

população tem aumentado sendo este um contribuinte para mais casos de violência.

Antigamente não havia estatísticas, e hoje em dia as mulheres não se deixam

submeter a tanta violência porque querem mais igualdade de direitos. Os

comportamentos evoluíram e antes o acto sexual obrigado era aceite pelo homem e

pela mulher. Outro tipo de pensamento, novas formas de violência, aumento da

população deu origem a que houvesse novos dados para estatísticas. O crime passou a

ser público em todo o país, então qualquer pessoa que tenha conhecimento pode

apresentar queixa. O hospital faz queixa quando alguma vítima de violência dê entrada

no mesmo, quer ela queira ou não.

2- Que tipos de violência existem mais? Psicológica ou física?

R: Onde há violência física há violência psicológica. O bater implica acompanhamento

das palavras ou insultos para ser mais preciso. Por isso estão ambos equilibrados.

3- A que tipo de vitimas é que dão apoio?

R: Damos apoio a vitimas de todo tipo de crimes. A instituição tem um peso

significativo pois não há muitas. Desde que nós nos expandimos há mais denuncias

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pois antes não havia forma para as pessoas se deslocalizarem. A instituição é a mais

procurada pelas vítimas de violência doméstica. Antigamente era um crime oculto e

com a aproximação á comunidade, agora começou a surgir os números e as

estatísticas podendo observar que 80% dos casos são de violência domestica.

4- Quais as maiores dificuldades que a APAV enfrenta? Que mantém a APAV?

R: É preciso um espaço novo, mas isso implica dinheiro e espaço, além disso é

necessário os recursos humanos e só existe voluntários. O estado só financia metade

do apoio necessário a APAV, e existe a ajuda de alguns associados sendo esta também

insuficiente. Acontece que em muitos processos, as multas impostas aos agressores

são canalizadas para a APAV.

5. A APAV exerce algum tipo de apoio em relação às crianças?

No caso de a mãe não apresentar queixa, sinaliza-se à comissão de protecção de

crianças e jovens (CPCJ) da existência de jovens ou crianças envolvidas em casos de

violência doméstica. Se a mãe apresentar queixa e procurar uma das casas nossas

casas de abrigo, há a possibilidade para continuar a viveram juntos (mãe e criança).

6. Quais são as sequelas com que ficam as crianças que assistem a cenas de violência

doméstica?

As crianças ficam com sequelas emocionais idênticas às das vítimas directas deste tipo

de violência. Mesmo quando a situação de violência é escondida os filhos percebem e

acabam por ficar sempre com sequelas emocionais.

7. Acha que estas crianças que assistem ou são vítimas de violência doméstica,

podem tornar-se agressores no futuro?

Pode haver maior probabilidade de estas crianças virem a ser agressores, no entanto

isso depende da individualidade de cada um.

Existem 3 teorias explicativas relativamente a este caso:

Razão da existência – depende das características da vítima e do agressor

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Comportamentos por modelagem – uma criança que assiste, aprende por modelagem

com os seus pais, neste caso agressores, e tendem a vir a reproduzir estes

comportamentos no futuro.

Teoria sociocultural – a forma como a sociedade está estruturada e o meio em que

vive pode tender à prática de violência, assim como por cultura os homens podem

associar o homem como mais poderoso e submeter a mulher à violência.

9- Que se poderá fazer para informar e prevenir possíveis vítimas?

R: É necessário mais campanhas de sensibilização para que desde cedo terem acesso a

informação e a outros modelos. Algumas vítimas não são capazes de lidar com as suas

emoções nem com a dos outros e têm vergonha ou receio, pois muitas são ainda

analfabetas.

10- A lei e os tribunais agem correctamente com os agressores e vítimas?

R: A lei impede a resolução de casos, a polícia só prende em flagrante delito. Na nova

lei a detenção é permitida, onde o agressor fica a aguardar a presença do juiz. A polícia

conversa normalmente com o agressor e encaminham a vítima para uma instituição de

ajuda. O julgamento demora 6 a 8 meses a ter início, antes há a fase de inquérito, que

envolve a averiguação das queixas, onde as testemunhas são ouvidas, depois passa á

fase em que são feitos exames médicos as vitimas para ver se encontram indícios de

violência e aí procedem á analise pericial que prova o dito crime. Ex.: sexo, marcas,

entro outros indícios.

11- O que é que a APAV faz para que a vítima e o agressor possam prosseguir para

um julgamento?

R: Directamente não é essa a função principal da APAV. Mas temos um gabinete

jurídico que é que trata desse tipo de informações. Esse gabinete é que sinaliza o caso

para o Tribunal. O procurador tem que achar que há elementos suficientes para

encaminhar o agressor para um julgamento. É necessário que os juízes apliquem a lei.

Os agressores são poucas vezes condenados e não é aplicada a coacção de

afastamento.