03-tg do processo coletivo.ação civil pública

35
LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 03 – Prof. Fernando Gajardoni – Intensivo II – 18/12/2009 TEORIA GERAL DO PROCESSO COLETIVO Novidades legislativas – não têm a ver com processo coletivo, mas com processo civil. Como são matérias que eu dei, tenho que avisar. Duas leis alteraram o CPC: 1. Lei 12.122/09 (de 15/12/09) – Essa lei alterou o art. 275, do CPC, que é o que trata do procedimento sumário. A gente adota dois critérios para definir o cabimento do procedimento sumário: Valor – Qualquer causa até 60 salários-mínimos Assunto – Causa de pedir (aí não tem teto. É qualquer valor) elencadas pelo inciso II. A grande novidade é que agora o art. 275 ganhou uma nova alínea: “g”. Hoje causas que versem sobre revogação de doação, não importando o valor, obedecerão ao procedimento sumário. Art. 275 - Observar-se-á o procedimento sumário: I - nas causas cujo valor não exceda a 60 (sessenta) vezes o valor do salário mínimo; II - nas causas, qualquer que seja o valor: a) de arrendamento rural e de parceria agrícola; b) de cobrança ao condômino de quaisquer quantias devidas ao condomínio; c) de ressarcimento por danos em prédio urbano ou rústico; d) de ressarcimento por danos causados em acidente de veículo de via terrestre; e) de cobrança de seguro, relativamente aos danos causados em acidente de veículo ressalvados os casos de processo de execução; f) de cobrança de honorários dos profissionais liberais, ressalvado o disposto em legislação especial; g) que versem sobre revogação de doação; (Acrescentado pela L-012.122-2009 ) h) nos demais casos previstos em lei. (Alterado pela L- 012.122-2009 ) 2. Lei 12.125/09 (de 16/12/09) Trata dos embargos de terceiro (também um dos temas que trabalhamos aqui). Eu lembro de ter feito o seguinte comentário: o art. 1.050, do CPC estabelece que nos embargos de terceiro, o autor da ação principal é réu. Vou dar um caso de execução que fica mais fácil: eu sou exequente, você é réu (devedor). O terceiro é o dono do carro que eu penhorei. Esse terceiro opõe os embargos de terceiro contra o 33

Upload: walter-rodrigues

Post on 19-Dec-2015

214 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

Processo Civil E seus RAMOS: Proceslo Coletivo, Ação Civil Publica

TRANSCRIPT

LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 03 – Prof. Fernando Gajardoni – Intensivo II – 18/12/2009

TEORIA GERAL DO PROCESSO COLETIVO

Novidades legislativas – não têm a ver com processo coletivo, mas com processo civil. Como são matérias que eu dei, tenho que avisar. Duas leis alteraram o CPC:

1. Lei 12.122/09 (de 15/12/09) – Essa lei alterou o art. 275, do CPC, que é o que trata do procedimento sumário. A gente adota dois critérios para definir o cabimento do procedimento sumário:

Valor – Qualquer causa até 60 salários-mínimos Assunto – Causa de pedir (aí não tem teto. É qualquer valor) elencadas

pelo inciso II.

A grande novidade é que agora o art. 275 ganhou uma nova alínea: “g”. Hoje causas que versem sobre revogação de doação, não importando o valor, obedecerão ao procedimento sumário.

Art. 275 - Observar-se-á o procedimento sumário: I - nas causas cujo valor não exceda a 60 (sessenta)

vezes o valor do salário mínimo; II - nas causas, qualquer que seja o valor: a) de arrendamento rural e de parceria agrícola;b) de cobrança ao condômino de quaisquer

quantias devidas ao condomínio;c) de ressarcimento por danos em prédio urbano

ou rústico;d) de ressarcimento por danos causados em

acidente de veículo de via terrestre;e) de cobrança de seguro, relativamente aos danos

causados em acidente de veículo ressalvados os casos de processo de execução;

f) de cobrança de honorários dos profissionais liberais, ressalvado o disposto em legislação especial;

g) que versem sobre revogação de doação; (Acrescentado pela L-012.122-2009)

h) nos demais casos previstos em lei. (Alterado pela L-012.122-2009)

2. Lei 12.125/09 (de 16/12/09)

Trata dos embargos de terceiro (também um dos temas que trabalhamos aqui). Eu lembro de ter feito o seguinte comentário: o art. 1.050, do CPC estabelece que nos embargos de terceiro, o autor da ação principal é réu. Vou dar um caso de execução que fica mais fácil: eu sou exequente, você é réu (devedor). O terceiro é o dono do carro que eu penhorei. Esse terceiro opõe os embargos de terceiro contra o autor da execução que é quem requereu a penhora do veículo. Eu disse que, de acordo com o sistema, eu, que sou réu dos embargos de terceiro, tenho que ser citado pessoalmente para os embargos de terceiro porque se trata de uma ação. E que, portanto, eu não poderia ser citado na pessoa do meu advogado. Na prática, você manda citar o réu nos embargos (autor da execução) na pessoa de seu advogado. O cara já tem advogado constituído! Eu faço isso direto. O art. 1.050, § 3º agora estabelece que a citação será pessoal se o cara não tiver advogado constituídos nos autos. Ou seja, a prática mudou a lei. Em bom

33

LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 03 – Prof. Fernando Gajardoni – Intensivo II – 18/12/2009

TEORIA GERAL DO PROCESSO COLETIVO

Português, o que o novo art. 1.050, § 3º está dizendo? Se o autor da execução, réu dos embargos, tem advogado, a citação vai ser feita na pessoa do advogado. Se, eventualmente, ele não tem advogado, aí você faz a citação pessoal. É uma novidade que só pôs a prática na lei.

Art. 1.050 - O embargante, em petição elaborada com observância do disposto no Art. 282, fará a prova sumária de sua posse e a qualidade de terceiro, oferecendo documentos e rol de testemunhas.

§ 1º - É facultada a prova da posse em audiência preliminar designada pelo juiz.

§ 2º - O possuidor direto pode alegar, com a sua posse, domínio alheio.§ 3º A citação será pessoal, se o embargado não tiver procurador constituído nos autos da ação principal. (Acrescentado pela L-012.125-2009)

Eu estava falando sobre competência. A gente viu o critério funcional hierárquico (todas as ações coletivas são processadas em primeira instância, tirando o mando de segurança coletivo que tem regra própria). Depois, conversamos sobre o critério material (da causa de pedir. Dependendo do assunto, a ação pode correr na justiça trabalhista e eleitoral. Para definir a competência da justiça federal não interessa o assunto, mas a parte). Depois falamos do critério valorativo (valor da causa. Isso só serve para definir a competência dos juizados especiais. Não cabe ação coletiva no âmbito dos juizados especiais. O critério valorativo, portanto, não serve para nada no âmbito do processo coletivo).

Hoje, retomo de onde havia parado. Deixei em aberto o critério territorial, que é o critério do local, de qual comarca ou subseção judiciária será ajuizada a ação coletiva. Em momento anterior, já ficou definido, pelo critério material, qual a justiça competente (eleitoral, trabalhista, federal ou estadual). O que resta definir é o seguinte: é na estadual? De onde? SP, Salvador, Curitiba? É federal? De onde?

Há duas posições a respeito da definição territorial no âmbito do processo coletivo.

1ª Posição

Sustenta que a todos os interesses metaindividuais (difusos, coletivos e individuais homogêneos) se aplica o art. 93, do CDC, simplesmente por causa do microssistema processual coletivo (normas centrais: LACP e CDC que se comunicam e interagem que ainda são aproveitáveis outras leis que circundam o tema).

Art. 93 - Ressalvada a competência da Justiça Federal, é competente para a causa a Justiça local:

I - no foro do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano, quando de âmbito local;

II - no foro da Capital do Estado ou no do Distrito Federal, para os danos de âmbito nacional ou regional, aplicando-se as regras do Código de Processo Civil aos casos de competência concorrente.

34

LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 03 – Prof. Fernando Gajardoni – Intensivo II – 18/12/2009

TEORIA GERAL DO PROCESSO COLETIVO

E o que quer dizer o art. 93, do CDC? Ele vai dizer o seguinte:

Dano local – Competência é do local do dano. Uma propaganda enganosa na comarca de Piriri da Serra. É um direito difuso. A ação para obstar é ajuizada em Piriri da Serra. Dano ambiental em terreno em SP. A ação será ajuizada na comarca de SP. Se for um dano de interesse da União, na justiça federal, caso contrário, será na justiça estadual. Essa é a regra mais fácil.

Você tem que tomar muito cuidado com uma Súmula do STJ que foi revogada e eu queria que você anotasse:

STJ Súmula nº 183 - DJ 31.03.1997 - Cancelada - CC n. 27.676-BA - 08/11/2000 - Compete ao Juiz Estadual, nas Comarcas que não sejam sede de vara da Justiça Federal, processar e julgar ação civil pública, ainda que a União figure no processo.

Essa súmula dizia que onde não tivesse justiça federal, quem julgaria a ação coletiva (para qualquer assunto) seria a justiça estadual. Seria uma nova hipótese de delegação de competência da justiça federal para a estadual, como acontece no art. 109, § 3º, da CF (previdenciário). Esse dispositivo diz que nas comarcas onde não haja justiça federal, quem julga os processos previdenciários é o juiz estadual.

§ 3º - Serão processadas e julgadas na justiça estadual, no foro do domicílio dos segurados ou beneficiários, as causas em que forem parte instituição de previdência social e segurado, sempre que a comarca não seja sede de vara do juízo federal, e, se verificada essa condição, a lei poderá permitir que outras causas sejam também processadas e julgadas pela justiça estadual.

A Súmula 183 falava algo parecido. Qual o raciocínio que se fazia: como se trata da competência do local do dano, quem tem que julgar é o juiz que está no local do dano. E se não tem justiça federal, quem julga é o juiz da justiça estadual, seguindo essa regra. Por que o STJ revogou essa súmula, declarando o seu cancelamento? Pelo seguinte: a definição sobre se é da federal ou estadual foi feita no momento anterior da análise da competência. Para definir a justiça, o critério usado é o material e não o territorial. O principal fundamento do cancelamento foi o seguinte: ainda que não haja sede da justiça federal naquela cidade, algum juiz federal tem competência sobre aquele território. Exemplo: em Sumaré (SP) não tem justiça federal. Por isso um juiz federal não poderá apreciar nada que envolva Sumaré? Isso é errado. A área territorial da justiça federal de Campinas abrange vários municípios, inclusive, Sumaré. Então, se tiver m dano ambiental em Sumaré e a União tem interesse porque o bem é dela quem julga é a justiça federal que abarca o território de Sumaré: a de Campinas. Sempre haverá um juiz federal com competência territorial sobre a cidade, ainda que a sede do juízo federal não seja na cidade. Então, muito cuidado com a Súmula 183, do STJ. Não existe no Brasil mais nenhuma ação coletiva julgada por juiz estadual quando a competência é da justiça federal, ainda que no local do dano não tenha justiça federal.

A primeira posição vem agora e diz o seguinte: dano local, local do dano.

Dano estadual – Que é o que o art. 93 do CDC chama de dano regional, a competência vai ser da capital do Estado. Se o dano é em todo SP, a competência

35

LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 03 – Prof. Fernando Gajardoni – Intensivo II – 18/12/2009

TEORIA GERAL DO PROCESSO COLETIVO

vai ser de SP. Se eu tenho um dano em MG todo, a competência vai ser de BH, porque pega a capital do estado. Foi opção legislativa. O legislador achou que o juiz da capital tem melhores condições de julgar esse processo. E, nesse caso, a decisão tem que valer para o Estado inteiro porque é o juiz competente para apreciar toda a extensão desse dano.

A terceira observação, sobre essa primeira posição que diz que para todo interesse metaindividual se aplica o CDC é sobre:

Dano nacional – Ou seja, dano que pegue o Brasil inteiro, a competência vai ser do DF ou da capital de qualquer dos Estados envolvidos.

Aqui, entretanto, quanto a essa primeira posição (para todo e qualquer interesse metaindividual se aplica o art. 93, do CDC e essas três regrinhas), existe uma derradeira crítica, que pode ser feita a essa posição a partir da leitura do art. 93, do CDC. E a crítica a respeito do art. 93, do CDC é a seguinte: a lei usa expressões como dano regional, dano de âmbito nacional e dano de âmbito local. O grande problema desse dispositivo é que não define o que é um dano local, regional ou nacional. Não há um critério de definição de dano. Como não há definição do que é um dano local, regional e nacional, surgem algumas situações bizarras e que não dá para indicar a regra de competência a ser aplicada.

Um dano abrangendo duas comarcas contíguas é regional ou local? É local? Qual das duas comarcas vai apreciar? Se o dano é considerado regional, vai para a capital. O que a capital do Estado tem a ver com um dano que aconteceu a 300 km de distância dela?

O dano pegou os estados de SP e MG. É um dano regional ou nacional? Se você fala que é dano estadual, a competência é da capital do Estado. Qual? Mas se você responde que é nacional, a competência é do DF. O que o DF tem a ver com isso se o dano só atingiu MG e SP?

Deu para perceber a falha do critério do art. 93, quando ele não define o critério nacional, regional e local? Por isso, por essa falta de definição, a crítica que é feita.

Mas como resolver esse problema? A doutrina indica que para resolver essa crítica, embora seja uma meia resolução do problema (e eu estou aqui hoje mais para apresentar o problema do que a solução) você usa as regras de prevenção. A doutrina tem indicado que têm que ser utilizadas as regras de prevenção. E isso significa que se Franca, Ribeirão Preto e Patrocínio Paulista foram atingidos pelo dano, se a primeira ação caiu em Patrocínio, está prevento. O juiz da comarca de Patrocínio vai apreciar todo o dano, inclusive o que atingiu Franca e Ribeirão Preto. Se no caso de SP e BH uma ação foi ajuizada primeiramente em BH, BH está prevento e a decisão ali proferida vai valer também para o Estado de SP. Enfim, a única maneira de solucionar, ainda que precariamente, seria pela regra da prevenção. E isso na primeira posição.

Um último alerta sobre a primeira posição: no estudo da competência você aprende que a competência pode ser absoluta (o juiz age de ofício sob pena de nulidade) ou relativa (o juiz age por provocação, sob pena de prorrogação). A regra absoluta utiliza o critério funcional e material e a relativa utiliza o critério valorativo e territorial. Isso é só um lembrete. Entretanto, essa regra do art. 93 é

36

LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 03 – Prof. Fernando Gajardoni – Intensivo II – 18/12/2009

TEORIA GERAL DO PROCESSO COLETIVO

para proteger, em regra, o interesse público. Apesar de a prevenção ser uma regra de competência territorial, é uniforme na doutrina o entendimento que se trata de um critério de competência absoluta.

“Ah, Gajardoni, quer dizer que se o juiz de Patrocínio Paulista julgar uma ação de âmbito nacional, ele fica prevento?” Não! Aí é nulo! Por quê? Porque violou uma regra de competência absoluta, já que dano de âmbito nacional quem pode julgar é só capital do Estado ou Distrito Federal. Trata-se daquilo que alguns autores chamam de competência territorial funcional. Eu prefiro muito mais a nomenclatura competência territorial absoluta. Mas não tem problema. Alguns autores usam “territorial funcional” e estamos falando exatamente a mesma coisa. E o que é importante saber? Que essa regra é obrigatória. Violou, gera nulidade no processo.

2ª Posição

A segunda posição aceita uma distinção. Na primeira posição, para todos os interesses metaindividuais, aplica-se o art. 93, do CDC. A segunda posição traz uma distinção. Para alguns autores:

Quando se tratar de interesses difusos e coletivos, a regra é a do art. 2.º, da Lei de Ação Civil Pública. E o que diz a regra do art. 2º? Local do dano.

Entretanto, se se tratar de interesse individual homogêneo, a regra é a do art. 93, do CDC.

Para essa posição, é feita uma distinção entre o tipo de interesse metaindividual em jogo. Se for difuso e coletivo é o local do dano. Então, por exemplo, um rio corta 4 cidades. Onde será o processo? No local do dano. E onde foi o local do dano? Nas quatro cidades. Portanto, quem julga é qualquer uma dessas 4 cidades. Define por prevenção. Ainda que sejam 6 cidades afetadas e se considere que esse dano tenha sido um dano estadual, a competência não vai apontar para a capital do Estado porque o interesse é discutido é difuso. Não é um interesse individual homogêneo. Portanto, não se aplicaria a regra do art. 93, do CDC, mas a do art. 2.º, da Lei de ACP. E esse dispositivo diz o seguinte:

Art. 2º As ações previstas nesta Lei serão propostas no foro do local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa.

       Não tem que verificar se o dano é nacional, regional. Agora, se for individual

homogêneo, tipo caderneta de poupança, o dano seria variável conforme sua extensão. A competência se definiria conforme a extensão do dano. Então, se for caderneta de poupança, dano nacional, capital de qualquer dos Estados ou DF. Não teria que verificar onde aconteceu o dano.

Importante verificar nessa posição o seguinte: lembra que quem adota a primeira diz que sempre a regra de competência é absoluta. Aqui, não. Para a segunda posição:

37

LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 03 – Prof. Fernando Gajardoni – Intensivo II – 18/12/2009

TEORIA GERAL DO PROCESSO COLETIVO

Se se tratar de difusos e coletivos, a regra do local do dano é absoluta (se o juiz que não é o do local do dano julgar o processo, haverá nulidade);

Se se tratar de individuais homogêneos, a regra do local do dano é relativa. Se for interesse individual homogêneo e for inobservada a regra do art. 93, isso geraria apenas um vício relativo, de modo que se ninguém alegar, a decisão proferida pelo juiz seria uma decisão válida.

Quem adota essa segunda posição, entre outros, é o professor Hugo Nigro Mazzilli. De qualquer maneira, estabelecidas essas duas posições, a primeira posição é dominante. É largamente dominante na doutrina, apesar das críticas que podem ser feitas a ela, em especial por não definir o que é dano local, regional e nacional.

Para encerrar competência, lembra que eu analisei quatro critérios? Vou inaugurar o último item, que trata do art. 16, da Lei de ACP.

8.5. A questão do art. 16, da Lei de Ação Civil Pública e do art. 2º-A, da Lei 9.494/97

Art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova. (Redação dada pela Lei nº 9.494, de 10.9.1997)

        Art. 2º-A.  A sentença civil prolatada em ação de caráter coletivo proposta por entidade associativa, na defesa dos interesses e direitos dos seus associados, abrangerá apenas os substituídos que tenham, na data da propositura da ação, domicílio no âmbito da competência territorial do órgão prolator. (Incluído pela Medida provisória nº 2.180-35, de 2001)

Ele diz que a sentença civil fará coisa julgada erga omnes. Isso a gente já tinha visto quando eu falei de coisa julgada. Só que fala em “nos limites da competência territorial do órgão prolator”. Está, com isso, dizendo que se o juiz de uma comarca ou de uma subseção judiciária julgar um processo coletivo, a decisão só vale no território que o magistrado tem competência. Em bom Português significa dizer que se o juiz de SP determinar tratamento de Alzheimer para todo mundo que tem a doença, a decisão só vale para quem mora na comarca de SP. Se o cara mora em Campinas e tem Alzheimer, a consequência é que essa decisão não pode ser aproveitada por ele. Se a defensoria pública entra em Curitiba com uma ação para discutir poupança, a decisão só valeria para os moradores de Curitiba e comarcas respectivas. Se você morar, por exemplo, em Jacarezinho, que não é comarca de Curitiba, não poderia se beneficiar.

Eu acho que todos concordam que o motivo da alteração desse art. 2º-A, que era uma MP que depois virou lei, é um só: diminuir o alcance do processo coletivo.

38

LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 03 – Prof. Fernando Gajardoni – Intensivo II – 18/12/2009

TEORIA GERAL DO PROCESSO COLETIVO

A finalidade é diminuir o alcance do processo coletivo. Sobre esse dispositivo, art. 16, da Lei de Ação Civil Pública, o seu significado no sentido que deverá haver um monte de ações coletivas para resolver o mesmo problema, nós temos que verificar o que diz a doutrina a respeito do tema e depois o que diz a jurisprudência. A gente vai perceber que vão andar totalmente separadas.

a) Posição da doutrina

A doutrina, de modo uniforme (é uma das poucas unanimidades que temos dentro do processo coletivo) diz que esse dispositivo é inconstitucional e é, ao mesmo tempo, ineficaz. E por que seria inconstitucional e ineficaz? Seria inconstitucional por violar a proporcionalidade. Em algum momento da sua carreira acadêmica você estudou que a proporcionalidade é um corolário do devido processo legal, de modo que se você viola a proporcionalidade, viola o devido processo legal. E qual é o sentido lógico do processo coletivo? É resolver o problema de forma coletiva, de bacia. Se eu digo que a decisão no processo coletivo só vale nos limites territoriais, a consequência prática é que eu estou individualizando algo que deveria ser coletivizado. Eu estou fazendo um caminho contrário ao que se prega no processo coletivo. Então, o dispositivo seria desproporcional e inconstitucional nessa medida: na medida em que individualiza algo que deveria ser coletivo.

A doutrina diz que esse dispositivo é ineficaz porque não alterou os arts. 93 e 103, do CDC. O art. 16 diz que a decisão só vale nos limites territoriais do órgão prolator. O art. 103, do CDC, diz que a decisão tem eficácia erga omnes e não coloca “nos limites de competência territorial do órgão prolator.” Lembra do microssistema? Se tem uma restrição aqui eu vou beber em outra norma. E eu bebo o art. 103 e observo que lá não está escrito que a decisão só vale nos limites territoriais do órgão prolator. A consequência prática é que, apesar da restrição do art. 16, ela se torna inútil porque o art. 103 não fala nos limites.

Na verdade, a doutrina dirige essas críticas e diz que o dispositivo é inconstitucional e ineficaz. Nelson Néri Jr. Teve uma sacada fantástica e faz uma observação arguta, que eu quero repetir: ele diz que o legislador no art. 16 ele confundiu dois institutos jurídicos. Quais? Competência e coisa julgada. Ele diz que misturou alhos com bugalhos. E para provar isso, ele dá o seguinte exemplo que dissipa qualquer dúvida: se eu, individualmente, me separar da minha esposa em Franca, quando eu saio de Franca e vou para Ribeirão Preto, eu posso me casar de novo (a decisão do divórcio vale em qualquer lugar). Isso no processo individual. O que o legislador está fazendo aqui é a mesma coisa, só que no processo coletivo. Competência é uma coisa. Coisa julgada é algo completamente diferente. E ele ainda traz um outro argumento que mostra o quão absurda é a regra: a sentença brasileira pode valer no estrangeiro. Claro que pode. A sentença brasileira pode até valer no estrangeiro, mas se for proferida em processo coletivo, não vale na comarca do lado. Não tem sentido. E essas são as críticas que a doutrina dirige. Infelizmente a doutrina não manda, mas a jurisprudência.

b) Posição da jurisprudência

STJ – A jurisprudência no âmbito do STJ está uniformizada por conta de um precedente absolutamente recente. A Corte Especial do STJ, que é a corte que

39

LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 03 – Prof. Fernando Gajardoni – Intensivo II – 18/12/2009

TEORIA GERAL DO PROCESSO COLETIVO

uniformiza a jurisprudência no âmbito do próprio STJ, no EREsp 399357/SP (de 05/10/09), entendeu que esse dispositivo é constitucional. Portanto, a Corte Especial entendeu, uniformizando a jurisprudência do STJ, que esse dispositivo é absolutamente constitucional, ou seja, vale a limitação territorial, de modo que o legislador pode, sim, dizer que uma determinada decisão só vale em determinados limites territoriais. Os argumentos que sustentam essa posição do STJ são muitos simples: o legislador não tem que ser técnico, o legislador não tem que se preocupar com a diferença entre coisa julgada e competência. Ele pode fazer isso por opção política. E a opção política do nosso legislador foi falar que a decisão coletiva só vale nos limites territoriais do órgão prolator.

EREsp 399357 / SP - Ministro FERNANDO GONÇALVES - Órgão Julgador S2 - SEGUNDA SEÇÃO Data do Julgamento 09/09/2009 Data da Publicação 14/12/2009 1 - Consoante entendimento consignado nesta Corte, a sentença proferida em ação civil pública fará coisa julgada erga omnes nos limites da competência do órgão prolator da decisão, nos termos do art. 16 da Lei n. 7.347/85, alterado pela Lei n. 9.494/97. Precedentes. 2 - Embargos de divergência acolhidos.

(Obs.: Fui lá no site pegar o julgado. Mas será que é esse mesmo?? A data não coincide e onde está dito que isso foi julgado pela Corte Especial? Seria Segunda Seção da Corte Especial?? Realmente, fiquei sem saber...)

Antes desse precedente, você encontrava no STJ julgados dizendo que não aplica os efeitos do art. 2º-A da Lei 9.494/97, ou seja, já havia julgados antes desse dizendo que era inconstitucional esse dispositivo. E a principal artífice desses julgados era a Ministra Nancy Andrighi, que a doutrina estava certa, que não dava para confundir competência com coisa julgada. Mas essa posição foi afastada por conta da uniformização de jurisprudência pela Corte Especial do STJ. Dá para tentar salvar alguma coisa dessa decisão do STJ para tentar melhorar o processo coletivo? Dá. Eu não deixaria de anotar que essa decisão deixou, entretanto, uma brecha. E qual é a brecha? O art. 512, do CPC, que fala do efeito substitutivo do julgamento pelo tribunal. Em bom Português, ele estabelece se, eventualmente, a decisão for proferida pelo tribunal como julgamento do recurso, o acórdão faz o quê? Substitui a sentença. E se o STJ julgar o recurso? O acórdão do STJ substitui o acórdão do TJ, do TRF. E se o STF julgar o recurso? O acórdão do STF substitui o acórdão do STJ que houvera substituído o do juiz do primeiro grau. Quem julgar por último substitui.

Art. 512 - O julgamento proferido pelo tribunal substituirá a sentença ou a decisão recorrida no que tiver sido objeto de recurso.

Olha a brecha que o STJ abriu: se, eventualmente, quem julgar o processo for um tribunal, como o TJ, o TJ tem uma competência territorial sobre o Estado. O TRF, por exemplo, da 3ª Região, tem competência territorial em SP e MS. Quando o juiz em SP profere uma decisão em ação coletiva, você recorre para o TJ. Bateu no TJ e o TJ mudou, o acórdão substitui a sentença. A competência territorial do TJ é sobre todo o Estado. A decisão que só valia para SP passa a valer para todo o Estado. E se for do STJ? O STJ apreciou o mérito. A decisão teria âmbito nacional,

40

LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 03 – Prof. Fernando Gajardoni – Intensivo II – 18/12/2009

TEORIA GERAL DO PROCESSO COLETIVO

pois valeria nos limites territoriais do órgão prolator. E a competência territorial do STJ é nacional. No caso do TRF, dois ou três estados. Então, esse caso do STJ é um caso de poupança. A defensoria do RS tinha entrado com uma ação para discutir poupança. Julgou em primeiro grau. Perdeu. Julgou em segundo grau. Ganhou. A decisão vale para o Estado inteiro. Só para o RS.

Sabe o que vai começar a acontecer a partir desse entendimento do STJ? Eu entro em SP, perdi, faço a seguinte avaliação: vale a pena recorrer? Se o tribunal, mantiver, vai valer para o Estado inteiro. Então, olha que situação esdrúxula. O efeito do tribunal apreciar e manter a sentença pode ser pior do que se eu ficar quieto. Esquisito. É a brecha que o STJ deu.

Com essas considerações espero ter resolvido o problema do art. 16, da Lei de Ação Civil Pública. Mas qual posição adotar no concurso? Depende. Se for uma prova da defensoria, MP, desce o porrete nesse artigo. Mas se for uma prova para AGU, você vai falar que esse art. 16 é o melhor dispositivo que existe no mundo. Se adotar a posição do STJ é mais fácil depois de conseguir anular a questão. Eu sempre sigo a jurisprudência para prestar concurso. No caso de prova aberta, é preciso pensar politicamente.

Vamos ao último item da aula de teoria geral do processo coletivo.

9. LIQUIDAÇÃO E EXECUÇÃO DE SENTENÇA COLETIVA

Julgou o processo, ganhei. E daí? O que eu faço com a sentença coletiva? Para eu poder explicar isso, vou dividir a exposição em três partes. Primeiro vamos ver a execução e liquidação da sentença nos difusos e coletivos, ou seja, nos direitos naturalmente coletivos, utilizando a classificação do professor Barbosa Moreira.

9.1. Liquidação e execução da sentença nos difusos e coletivos

Existem dois tipos de execução nos difusos e coletivos: execução da pretensão coletiva e a execução da pretensão individual na hipótese de a sentença ser proferida no processo em que se discutem direitos difusos e coletivos.

a) Execução da pretensão coletiva

Eu queria pegar vários exemplos de difusos e coletivos, aqueles que têm natureza indivisível. Então, vamos usar o exemplo tradicional, só para a gente ter como apoiar os argumentos que vou utilizar. Vamos supor que é um caso de dano ambiental. Poluir determinado rio. Feito isso, é preciso fazer algo para despoluir aquele rio. Então, o exemplo que vamos utilizar é esse. Julgou procedente a ação. Mandou o caboclo despoluir o rio e reparar o dano ao meio ambiente pagando uma quantia de 5 milhões de reais. Essa foi a sentença proferida no processo de tutela de interesses difusos e coletivos. A execução da pretensão coletiva será feita com base nos 5 milhões. Eu tenho 5 milhões para receber. Quem tem a legitimidade para poder ajuizar essa execução coletiva? Está no art. 15, da Lei de ACP, que é um artigo que já estudamos quando falamos do princípio da indisponibilidade da

41

LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 03 – Prof. Fernando Gajardoni – Intensivo II – 18/12/2009

TEORIA GERAL DO PROCESSO COLETIVO

execução coletiva. Você lembra quem pode executar uma sentença coletiva? O autor. Se o autor não executar em 60 dias do trânsito em julgado, quem executa é qualquer outro legitimado ou o MP.

        Art. 15. Decorridos sessenta dias do trânsito em julgado da sentença condenatória, sem que a associação autora lhe promova a execução, deverá fazê-lo o Ministério Público, facultada igual iniciativa aos demais legitimados.

Então, na execução da pretensão coletiva, teremos

Autor Qualquer legitimado Ministério Público

Esses são os caras que podem propor a execução para receber os 5 milhões de reais de indenização. Para quem vai esses 5 milhões de reais. Quem é o destinatário dessa grana? Quem vai levar essa bolada? A resposta a isso é algo criado pela Lei de ACP no art. 13: vão para um fundo, que é um fundo de reparação de bens difusos e coletivos lesados.

Art. 13. Havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de que participarão necessariamente o Ministério Público e representantes da comunidade, sendo seus recursos destinados à reconstituição dos bens lesados.

        Parágrafo único. Enquanto o fundo não for regulamentado, o dinheiro ficará depositado em estabelecimento oficial de crédito, em conta com correção monetária.

Eu quero falar brevemente sobre esse fundo. O art. 13 estabelece a criação de um fundo e parece que é um fundo só, mas na verdade, são dois grandes grupos: há o fundo federal e o fundo estadual. O federal são para as verbas das ações ligada à justiça federal e o estadual, cada Estado tem o seu. Dentro de cada um desses fundos há ainda subdivisões: fundo de crianças, fundo de idosos, de adolescentes, fundo de consumidor. Cada tipo de condenação, a verba vai para uma conta diferente. A lei que regulamenta o fundo federal (no caso do estadual, cada Estado tem a sua lei regulamentando cada um dos fundos), é a Lei 9008/95. Essa lei regulamenta o Fundo Federal de Reparação de Danos. Todos esses fundos são muito parecidos e o que você em que saber sobre eles é a finalidade: para reparação de bens lesados. Significa que esse dinheiro vai ser utilizado para reparar os bens, fazer campanhas educativas, etc. Como é gerido esse fundo? Está tudo na lei. E é um fundo gerido pela sociedade civil, pelo MP. Tem representantes de um monte de órgãos e são eles que decidem para onde vai esse dinheiro.

A grande crítica que se faz a esse fundo é que esse dinheiro é sub-aproveitado. Você manda o dinheiro para o fundo e ele fica lá parado. Perde a agilidade por conta da burocracia. Para levantar o dinheiro depois é um parto

42

LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 03 – Prof. Fernando Gajardoni – Intensivo II – 18/12/2009

TEORIA GERAL DO PROCESSO COLETIVO

(tem que seguir os trâmites orçamentários, etc.). E o fundo tem se mostrado um grande problema. Mas, por hora é assim. No projeto, que vai virar a nova Lei de ACP, esse fundo vai ter pouca importância porque está previsto que, diante de um dano à coletividade, o dinheiro vai ser aplicado naquela coletividade levada. O dinheiro vai para despoluir aquele rio poluído. Vai direto e o juiz e o promotor vão fazer uma licitação para que, com aquele dinheiro, se consiga despoluir o rio. Só em última hipótese é que vai mandar o dinheiro para o fundo.

Para fechar a execução da pretensão coletiva, vamos falar da competência:

A regra de competência para a execução da pretensão coletiva: processo sincrético. Onde você acha que corre a execução quando a sentença coletiva for proferida nos difusos e coletivos. O juiz da condenação é o mesmo da execução. Juízo da condenação. Portanto, na execução da pretensão coletiva, a legitimidade é do autor, qualquer legitimado e MP; o destinatário é o fundão e a competência é do juiz da condenação.

Mas existe um outro tipo de execução da sentença proferida nos difusos e coletivos, que é a execução da pretensão individual.

b) Execução da pretensão individual

Atenção! Esta execução da pretensão individual é frutos dos arts. 103, § 3º, do CDC e é representativa daquilo que você já estudou comigo que é a questão do transporte in utilibus da coisa julgada que tem previsão no art. 103, § 3º, do CDC.

§ 3º - Os efeitos da coisa julgada de que cuida o Art. 16, combinado com o Art. 13 da Lei nº 7.347, de 24/07/1985, não prejudicarão as ações de indenização por danos pessoalmente sofridos, propostas individualmente ou na forma prevista neste Código, mas, se procedente o pedido, beneficiarão as vítimas e seus sucessores, que poderão proceder à liquidação e à execução, nos termos dos artigos 96 a 99.

O juiz do processo coletivo julga procedente a ação e o indivíduo pega a sentença coletiva e se beneficia dela. Uma poluição no rio, além de lesar o rio, pode ter atingido também um monte de pescadores ribeirinhos. O pescador ribeirinho pode pegar uma cópia da sentença coletiva e executar a pretensão individual dele, para receber uma indenização pelo período que ele ficou sem pescar. E isso e execução da pretensão individual: é pegar uma sentença dos difusos e ver, na medida do que se aplica, qual o prejuízo que eu, individualmente, sofri.

Legitimidade – Quem vai poder executar a pretensão individual? Aqui, não se trata de uma ação ou de uma execução coletiva, mas de uma execução de uma pretensão individual. Portanto, quem executa são asa vítimas e os sucessores.

Essa execução é um pouco diferente porque na anterior já havia um valor fixo: 5 milhões: “indenize o meio ambiente em 5 milhões.” Eu quero pegar essa sentença e, com base no comando dela (que é o que diz que a pessoa foi culpada pela poluição do meio ambiente) e transformar aquilo em um valor para mim.

43

LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 03 – Prof. Fernando Gajardoni – Intensivo II – 18/12/2009

TEORIA GERAL DO PROCESSO COLETIVO

Portanto, nesse caso, eu preciso proceder a uma liquidação da sentença genérica. Eu tenho que proceder a uma prévia liquidação da sentença genérica.

Essa liquidação que é feita no processo coletivo é um pouco diferente das liquidações do CPC. A liquidação de sentença serve para apurar o quantum debeatur. Na sentença individual, eu só apuro o valor. Aqui muda. Quando há uma liquidação de sentença genérica coletiva, ela serve para, não só apurar o quantum, como também serve para apurar o an debeatur. Como assim, an debeatur? O pescador vai ter que provar, antes de mais nada, que é pescador, que pesca naquele rio para, só depois, verificar o quantum. Então você percebe que quando se trata de liquidação de sentença genérica, é uma liquidação um pouco diferente porque você só não prova o quantum, mas o an debeatur. Por isso, a gente poderia parar de usar a expressão “liquidação de sentença” quando se tratar de processo coletivo, para não confundir a liquidação aqui, com aquela liquidação do CPC. Seria muito melhor usar que expressão aqui? Habilitação. Essa seria uma expressão muito mais adequada para designar esse fenômeno que é um fenômeno distinto do fenômeno do processo individual. Se eu usar a habilitação, eu resolvo esse problema e mostro, para quem está de fora, que estou falando de um instituto que não é apenas para discutir o quantum, mas para discutir também o an debeatur.

Mas se você não concorda e quer usar a palavra “liquidação”, pelo menos faça como faz o Dinamarco. Ele fala que gosta da expressão liquidação e vai continuar usando, mas para diferenciar, ele chama a liquidação da sentença genérica de liquidação imprópria.

Destinatários – Liquidou, provou que é pescador, provou que ficou sem pescar um mês. Conseguiu apurar um valor de 50 mil reais (caro esse peixe!). Quem vai receber essa grana? Não é o fundo porque o dano é individual. Quem recebe são as vítimas e sucessores.

Competência – Quem vai julgar esse processo em que o pescador, pegando a sentença que condenou o réu a pagar 5 milhões ao meio ambiente, vem à justiça e prova que sofreu dano? Pode ser: ou o juízo do domicílio do lesado (art. 101, I, do CDC) ou o juízo da condenação (art. 98, § 2º, I, CDC):

Art. 101 - Na ação de responsabilidade civil do fornecedor de produtos e serviços, sem prejuízo do disposto nos Capítulos I e II deste Título, serão observadas as seguintes normas: I - a ação pode ser proposta no domicílio do autor;

Art. 98 - A execução poderá ser coletiva, sendo promovida pelos legitimados de que trata o Art. 82, abrangendo as vítimas cujas indenizações já tiverem sido fixadas em sentença de liquidação, sem prejuízo do ajuizamento de outras execuções.

§ 2º - É competente para a execução o Juízo: I - da liquidação da sentença ou da ação condenatória, no caso de execução individual;

44

LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 03 – Prof. Fernando Gajardoni – Intensivo II – 18/12/2009

TEORIA GERAL DO PROCESSO COLETIVO

O pescador pode vir até SP, pegar a cópia da sentença que condenou a empresa a pagar o valor de 5 milhões, voltar para São Sebastião e liquidar e executar em São Sebastião. Ou, se ele quiser, pode fazer isso em São Paulo porque a opção é da vítima e seus sucessores.

Com essas observações, eu encerro a execução e liquidação dos difusos e coletivos.

9.2. Liquidação e execução dos individuais homogêneos

Diferentemente do modelo anterior em que havia dois tipos de execução, aqui haverá três tipos de execução: execução da pretensão individual, execução da pretensão individual coletiva e a execução da pretensão coletiva residual.

a) Execução da pretensão individual

Essa é a mais fácil. Exemplo do Microvlar (pílula de farinha). Execução da pretensão individual significa que cada mulher vai pegar a sentença que condenou a empresa a indenizá-la. Note-se que no caso do pescador, a sentença condenou ao pagamento de 5 milhões para a defesa do meio ambiente e o pescador se beneficiou dela: transporte in utilibus. Aqui, não. Aqui a sentença já é para indenizar o indivíduo, condena a empresa a indenizar todas as mulheres que tomaram a pílula de farinha. A execução da pretensão individual tem previsão no art. 97, do CDC:

Art. 97 - A liquidação e a execução de sentença poderão ser promovidas pela vítima e seus sucessores, assim como pelos legitimados de que trata o Art. 82.

Tudo o que eu falei no tópico anterior (item c de 9.1) é igual aqui. Legitimado para a pretensão individual: vítima e sucessores. Precisa de

liquidação aqui também? Claro. A mulher precisa provar que tomou a pílula de farinha e provar o seu prejuízo. Destinatários do dinheiro aqui: a vítima e sucessores. E quem julga? Ou o domicílio da vítima ou o juízo da condenação. É igualzinho. Não mudou nada.

b) Execução da pretensão individual coletiva

A execução da pretensão individual coletiva tem previsão no art. 98, do CDC:

Art. 98 - A execução poderá ser coletiva, sendo promovida pelos legitimados de que trata o Art. 82, abrangendo as vítimas cujas indenizações já tiverem sido fixadas em sentença de liquidação, sem prejuízo do ajuizamento de outras execuções.

§ 1º - A execução coletiva far-se-á com base em certidão das sentenças de liquidação, da qual deverá constar a ocorrência ou não do trânsito em julgado.

§ 2º - É competente para a execução o Juízo:

45

LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 03 – Prof. Fernando Gajardoni – Intensivo II – 18/12/2009

TEORIA GERAL DO PROCESSO COLETIVO

I - da liquidação da sentença ou da ação condenatória, no caso de execução individual;

II - da ação condenatória, quando coletiva a execução.

Vamos considerar as mulheres que tomara a pílula de farinha. A Joana vai lá e liquida: 10 mil, a Maria vai lá e liquida, 10 mil, a Joana vai lá e liquida, 20 mil, a Paula vai lá e liquida, 100 mil. Há cinqüenta mulheres e cada uma faz a sua liquidação individual.

O problema é que elas se sentem mais fortes na hora de executar juntas. Então, o que é a execução da pretensão individual coletiva? É a execução das pretensões individuais já liquidadas em conjunto. As 50 mulheres vão até a associação, o MP e pede para esses órgãos executarem para elas, em conjunto, todas as liquidações individuais já feitas. É o que diz o caput do art. 98. A ideia, portanto, é bastante clara.

Quem executa a pretensão individual coletiva? Art. 82:

Art. 82 - Para os fins do Art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente:

I - o Ministério Público;II - a União, os Estados, os Municípios e o Distrito

Federal;III - as entidades e órgãos da Administração

Pública, Direta ou Indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos por este Código;

IV - as associações legalmente constituídas há pelo menos 1 (um) ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos por este Código, dispensada a autorização assemblear.

Associação, MP, defensoria, órgão público, administração direta, indireta. É quem pode propor ação civil pública. Quem pode propor ação civil pública, pode propor ação coletiva e executa. Então, ele pega todas as liquidações de sentenças e faz uma execução só.

O cara que está entrando com a ação está fazendo isso em nome próprio na defesa do direito alheio ou está, literalmente, executando o direito alheio em nome alheio? O que eu quero mostrar é que a doutrina aponta que essa hipótese aí é de representação. Não é legitimação extraordinária. Quando a defensoria pública vai executar a liquidação de cada uma das mulheres, o faz em nome das mulheres para a defesa do direito das mulheres. Então, aqui é típica hipótese de representação. Aqui, é igual à mãe que entra em nome do filho para pedir alimentos. A mãe age em nome do filho para postular direito do filho. Aqui também. O MP ou a defensoria age em nome das mulheres para executar direitos que são das mulheres.

Destinatários – Quem leva essa bolada? Para quem vai o dinheiro? Para as vítimas e sucessores. Aqui é direito individual homogêneo. É óbvio que o direito é do indivíduo. Não é difuso.

46

LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 03 – Prof. Fernando Gajardoni – Intensivo II – 18/12/2009

TEORIA GERAL DO PROCESSO COLETIVO

Competência – A regra de competência aqui é diferente porque a execução está sendo coletiva. A pretensão é individual, mas a execução é coletiva. Assim, só pode ser o juízo da condenação. Não tem como ser em outro lugar. Quem tem que executar a pretensão individual coletiva é o próprio juiz que proferiu a sentença condenando a Microvlar a indenizar todas as mulheres. O MP julga todas as sentenças de liquidação, faz um processo só e executa pelo próprio juízo da condenação. É assim que funciona essa bizarríssima execução da pretensão individual coletiva.

c) Execução da pretensão coletiva residual

Isso aqui é uma coisa que existe no Brasil e a previsão para esse monstrinho está no art. 100, do CDC. E isso nós herdamos do sistema norteamericano. Isso tem um nome lá e é bom você anotar porque eu já vi várias vezes em provas eles não se referirem a isso em Português. Chama-se fluid recovery.

Voltando ao exemplo da Microvlar. Quando o juiz condenou a empresa a indenizar todas as mulheres que tomaram a pílula de farinha, ele o fez à luz de uma estimativa de que entre 1.000 e 1.500 mulheres foram atingidas pelo evento (eu sei disso porque tive acesso aos autos). Passado 1 ano da data do trânsito em julgado, ele descobre que apenas 50 mulheres se habilitaram, liquidaram e executaram as pretensões individuais. Ou seja, quem sai no lucro? A empresa, já que não vai ter que indenizar as outras 950 mulheres que não apareceram ou não conseguiram provar que tomaram a pílula de farinha, o que é algo difícil de provar. O art. 100, do CDC, diz o seguinte:

Art. 100 - Decorrido o prazo de 1 (um) ano sem habilitação de interessados em número compatível com a gravidade do dano, poderão os legitimados do Art. 82 promover a liquidação e execução da indenização devida.

Parágrafo único - O produto da indenização devida reverterá para o Fundo criado pela Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985.

O juiz faz o cálculo da condenação por estimativa. Calcula tantos lesados, valor por lesado, multiplica isso e pronto. Qualquer dos legitimados coletivos executa e liquida fluidamente a reparação do que sobrou. Depois que pega essa bolada (a empresa não fica no lucro), manda o produto da indenização para o fundo.

“Fluid Recovery - A execução da pretensão coletiva residual, ou fluid recovery, é o fenômeno através do qual, não havendo habilitados em número compatível à extensão dos danos, permite aos legitimados coletivos apurar o valor supostamente devido e executá-lo a bem não mais dos indivíduos, mas sim da coletividade.”

A partir disso que eu ditei e está no art. 100, vamos fazer algumas observações:

47

LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 03 – Prof. Fernando Gajardoni – Intensivo II – 18/12/2009

TEORIA GERAL DO PROCESSO COLETIVO

Legitimidade – Quem faz a execução da pretensão coletiva residual? Quem é o autor dessa execução? Os legitimados do art. 82. Os caras que podem propor a ação coletiva podem fazer a execução da pretensão coletiva.

Destinatários – Para quem vai a bolada? Não dá para ser para o indivíduo porque eu não sei quem eles são. É o Fundão do art. 13.

Competência – Por ser uma execução coletiva (se fosse individual, cabível o domicílio da vítima), portanto, juízo da condenação (art. 98, § 2º, do CDC).

Critérios para a estimativa do valor devido:

O juiz vai fixar um valor supondo que esse seria o valor que as vítimas receberiam. Esse é o raciocínio. E o juiz usa dois critérios para definir a bolada:

Gravidade do dano – Quanto maior o dano, maior o valor (pílula de farinha é mais grave do que 20ml a menos no leite longa-vida porque não mexe com saúde pública).

Número de indivíduos habilitados e indenizados – É o segundo critérios. Se forem 1000 habilitados, eu não vou mandar a empresa pagar para os 1000 que já recorreram. Eu vou mandar pagar para os 500 que estão faltando. Agora, se forem só 50 habilitados, seria o correspondente a 1450 que estão faltando.

9.3. Duas observações finais

Se for dano ao patrimônio público, o valor não é vertido para o fundo, mas para o próprio patrimônio público. O prefeito desviou verba, a empresa de licitação causou prejuízo. Devolve o dinheiro para a prefeitura.

No concurso entre a indenização de pretensões coletivas e individuais (a empresa que poluiu só tem dinheiro para pagar um: ou paga o pescador ou repara o meio ambiente), prevalece a pretensão do indivíduo. Existe uma opção política (art. 99, do CDC):

Art. 99 - Em caso de concurso de créditos decorrentes de condenação prevista na Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, e de indenizações pelos prejuízos individuais resultantes do mesmo evento danoso, estas terão preferência no pagamento.

(Intervalo – 01:36:00)

48

LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 03 – Prof. Fernando Gajardoni – Intensivo II – 18/12/2009

AÇÃO CIVIL PÚBLICA

AÇÃO CIVIL PÚBLICA – Lei 7.347/85

1. PREVISÃO LEGAL E SUMULAR

A ação civil pública nasceu por conta do art. 14, § 1º, da Lei 6.938/91. Esta lei está em vigor até hoje, bastante defasada porque várias leis a alteraram, mas foi a primeira lei que tivemos sobre meio ambiente, a Lei Nacional de Meio Ambiente. E o que tem de diferente nessa lei? É que ela criou um negócio que, até então, ninguém nunca tinha ouvido falar. Ela falava que, para a proteção do meio ambiente o Ministério Público ajuizaria uma tal de ação civil pública. Mas em 1981 ninguém tinha ideia do que era a ação civil pública. E você vai entender porque deram esse nome. E isso porque tudo o que o MP tinha até então era a tal da ação penal pública. E foi a maneira mais fácil de autorizar o MP a trabalhar no cível: criar uma corruptela e criar, paralelamente à ação penal pública, a ação civil pública. E o nome vem daí.

        Art. 14, § 1º, da Lei 6.938/91 - Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.

E novos debates foram levados até o ponto que, no famoso congresso que aconteceu em Ibiúna, interior de SP, em 1993, nasceu o projeto de ação civil pública apresentado pelo MP de SP, por professores consagrados na área de direitos difusos e coletivos. O projeto foi apresentado com base num outro projeto feito pela Ada, Dinamarco e Kasuo Watanabi, os três de SP. E esse projeto apresentado pelo MP/SP, somado com o dos outros três, acabou se tornando a Lei de Ação Civil Pública, que é a Lei 7.347/85. Então, a partir do art. 14, § 1º, da Lei 6.983/81, foi elaborado um projeto para regulamentar esse art. 14, § 1º e esse projeto acabou se transformando na Lei de ACP.

Depois de 1985 houve um grande reforço da Lei 7.347/85 por um motivo simples: a Constituição Federal de 1988 estabeleceu no art. 129, III, uma ação a ser ajuizada pelo MP, entre outros, chamada de Ação Civil Pública. O art. 129, III, da CF, consolidou no sistema brasileiro a ação civil pública, ao estabelecer que compete ao MP instaurar e presidir o inquérito civil e instaurar a Ação Civil Pública. Esse é o modelo legal da ação civil pública: origem (Lei 6.938/91), regulamento (Lei 7.347/85) e reforço (CF/88).

As aulas mais importantes que tivemos sobre processo coletivo foi a primeira e esta, até a metade. Porque tudo o que falei até então, se aplica aqui. Se te perguntarem: o que regulamenta a ACP? É o microssistema. Não pode esquecer. E

49

LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 03 – Prof. Fernando Gajardoni – Intensivo II – 18/12/2009

AÇÃO CIVIL PÚBLICA

o microssistema é o CDC, Lei de ACP e tudo o mais que trata do tema. Eu só não estou falando aqui de microssistema e de CDC porque já falei e é bom deixar isso claro. Microssistema cuida de tudo o que é processo coletivo.

Apesar dos 24 anos da Lei de Ação Civil Pública, a ação civil pública não contou com muitas súmulas dos tribunais superiores. Há hoje, em vigor, sobre ação civil pública, duas súmulas: 643, do STF que já vimos quando eu expliquei a diferença entre difusos, coletivos e individuais homogêneos e a Súmula 329, do STJ:

STF Súmula nº 643 - DJ de 13/10/2003 - O Ministério Público tem legitimidade para promover ação civil pública cujo fundamento seja a ilegalidade de reajuste de mensalidades escolares.

STJ Súmula nº 329 – DJ 10.08.2006 - O Ministério Público tem legitimidade para propor ação civil pública em defesa do patrimônio público.

E isso é uma coisa óbvia, evidente, mas foi preciso editar essa súmula porque tinha gente falando que o MP podia defender tudo, menos o patrimônio público. Quem tinha que defender o patrimônio público seria a própria parte prejudicada. Então, roubaram a prefeitura? Quem defende a prefeitura é a prefeitura e não o MP. E isso não tem pé nem cabeça porque você institucionaliza a robalheira.

Tinha aquela súmula que a gente viu na primeira parte da aula, a Súmula 183, só que essa foi cancelada. Portanto, só há essas duas súmulas.

2. OBJETO DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA

O objeto da ação civil pública tem previsão nos arts. 1º, 3º e 11, da Lei de Ação Civil Pública.

Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: (Redação dada pela Lei nº 8.884, de 11.6.1994)        I - ao meio-ambiente;        II - ao consumidor;           III – a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;           IV – a qualquer outro interesse difuso ou coletivo;        V - por infração da ordem econômica e da economia popular;         VI - à ordem urbanística.

        Parágrafo único.  Não será cabível ação civil pública para veicular pretensões que envolvam tributos, contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia do

50

LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 03 – Prof. Fernando Gajardoni – Intensivo II – 18/12/2009

AÇÃO CIVIL PÚBLICA

Tempo de Serviço - FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários podem ser individualmente determinados.

        Art. 3º A ação civil poderá ter por objeto a

condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer.

        Art. 11. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz determinará o cumprimento da prestação da atividade devida ou a cessação da atividade nociva, sob pena de execução específica, ou de cominação de multa diária, se esta for suficiente ou compatível, independentemente de requerimento do autor.

O objeto da ação civil pública é a tutela preventiva, inibitória, de remoção do ilícito ou ressarcitória material e moral dos seguintes bens e direitos metaindividuais. E aí o legislador vem e fala:

1. Meio ambiente2. Consumidor3. Bem de valor histórico e cultural4. Qualquer outro direito metaindividual5. Ordem econômica6. Ordem urbanística

Grosseiramente, de forma bem ampla, o objeto da ação civil pública é esse aí listado. Eu preciso trabalhar algumas questões com vocês. E vou fazer isso através de notas, de observações. Serão quatro discussões importantes do ponto de vista doutrinário, acadêmico e jurisprudencial:

2.1. Tutela preventiva e ressarcitória

Eu fiz uma divisão da tutela em dois grandes grupos:

Tutela preventiva Tutela ressarcitória (ou reparatória)

O que define e o que diferencia a tutela preventiva, que tem lastro no art. 461, do CPC e no art. 84, do CDC, da tutela ressarcitória?

CPC - Art. 461 - Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.

CDC - Art. 84 - Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o Juiz concederá a tutela específica da obrigação ou

51

LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 03 – Prof. Fernando Gajardoni – Intensivo II – 18/12/2009

AÇÃO CIVIL PÚBLICA

determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.

O que diferencia é o momento do dano. Se eu quero evitar o dano e, portanto, o meu objetivo, meu momento é antes do dano, estou diante de uma tutela preventiva. Se, por sua vez, a tutela judicial se dá após a ocorrência do dano, eu já não estaria diante de uma tutela preventiva, mas sim de uma tutela ressarcitória. Dentro da tutela preventiva (porque a diferença entre tutela preventiva e ressarcitória é muito fácil de ser averiguada), a maior dificuldade surge na diferenciação das duas espécies de tutela preventiva. E quais são as duas espécies de tutela preventiva (que é gênero)?

Tutela inibitória – antes do ilícito Tutela de remoção do ilícito – após ilícito

Qual a diferença entre uma e outra? A diferença é a ocorrência do ilícito. A inibitória é antes do ilícito e a de remoção do ilícito é após o ilícito. A tutela preventiva é gênero (é aquela que quer evitar o dano) e dentro dela, há dois momentos diferentes: a inibitória e a de remoção do ilícito.

Como regra, a responsabilização surge em momentos distintos. Só depois de cometido o ilícito é que ocorre o dano. Então, o ilícito é pressuposto do dano. Se eu quero evitar a ocorrência do dano, e u posso tentar evitar a ocorrência do ilícito porque fazendo isso eu evito o dano. Se o ilícito não aconteceu e eu quero evitar que ele aconteça, a modalidade de tutela preventiva que eu uso é a inibitória. Se, eventualmente, o ilícito já aconteceu, mas ainda não aconteceu o dano (porque pode ser que não tenha dado tempo de causar prejuízo), a tutela é a preventiva de remoção do ilícito. Se já aconteceu o ilícito e já aconteceu o dano, a tutela já não é mais de remoção do ilícito. Aí, já virou ressarcitória.

Quem faz essa diferenciação muito bem é Luiz Guilherme Marinoni e ele dá um exemplo escolástico, que permite diferenciar exatamente o momento de cada uma das tutelas. É o exemplo da importação de medicamentos proibidos. Uma empresa quer importar um medicamento cuja comercialização não é autorizada em território nacional. Se eu entrar com uma ação coletiva para impedir a vinda desse medicamento para o Brasil, eu estaria me valendo de uma tutela preventiva na modalidade inibitória (porque não quero deixar acontecer o ilícito: a importação). Suponhamos que a mercadoria já foi importada. O ilícito, portanto, já foi praticado. A medida agora não é inibitória porque o ilícito já foi praticado. Estando o ilícito praticado, eu já posso evitar a ocorrência do dano. E como eu faço isso? Através da tutela da remoção do ilícito. Eu vou pedir para queimar as mercadorias importadas, devolver para a origem, apreender, etc. Mas não deu tempo, porque essa mercadoria já foi importada e já foi comercializada. Nesse caso, já aconteceu o dano. Nesse caso, a tutela já não é mais preventiva. Virou ressarcitória. Essa é a diferença e a ação civil pública serve para tutelar as três situações.

Essas três tutelas são plenamente cumuláveis. O que eu quero dizer para vocês é que uma ação civil pública pode ter ao mesmo tempo: a tutela inibitória, de remoção do ilícito e pode ter também a tutela ressarcitória. Tudo em um único processo.

Nesse caso do medicamento seria interessante a gente imaginar a seguinte situação jurídica: a empresa importou mercadoria proibida, colocou à venda no

52

LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 03 – Prof. Fernando Gajardoni – Intensivo II – 18/12/2009

AÇÃO CIVIL PÚBLICA

mercado, no mercado há mais mercadoria e ainda continua importando mais mercadoria de mesmo teor que essa que já está acabando. O MPF entra com uma ação e pede o quê?

Obste a importação que está vindo – tutela inibitória (quer evitar a ocorrência do ilícito)

Apreenda todas as mercadorias que estão no estoque (remoção do ilícito) Indenize todos os danos causados à saúde pública em virtude da

comercialização do medicamento proibido.

Na ação civil pública pode-se fazer essas maluquices: juntar três tutelas numa só.

2.2. Meio ambiente

A aula não é sobre direito ambiental. A aula é sobre processo coletivo, mas como o meio ambiente é a origem e o principal foco de atuação da ação civil pública, eu preciso fazer um breve destaque sobre a proteção do meio ambiente pela ação civil pública. E eu preciso fazer isso para quando você for estudar direito ambiental. E há dois livros sobre direito ambiental muito bons: um é do Marcelo Abelha Rodrigues e o outro é do Luis Paulo Sirvinskas (Saraiva – Manual de Direito Ambiental). Esse do Paulo é bem legal para quem vai começar. E uma das coisas que ele explica bem, para quem não tem noção nenhuma e que é importante para entender o objeto da ação civil pública, é que o meio ambiente pode ser dividido em três grandes grupos:

Meio ambiente natural – fauna e flora Meio ambiente artificial – espaço urbano Meio ambiente cultural – patrimônio histórico

Todos têm proteção. A feijoada, o carnaval são patrimônios históricos brasileiros e merecem proteção através do meio ambiente cultural. Uma cidade poluída, poluição sonora diz respeito ao meio ambiente artificial e merece proteção através da ACP. Por que estou falando isso? O que isso tem a ver com a aula? Isso porque eu queria que você tivesse plena noção do seguinte:

Meio ambiente do trabalho - O meio ambiente do trabalho está no meio ambiente artificial. E dá para proteger por ACP o meio ambiente do trabalho? Súmula 736 do STF. Dá para proteger meio ambiente do trabalho por meio de ação coletiva e essa ação coletiva vai ser julgada pela justiça do trabalho. O que é importante saber é que o meio ambiente do trabalho é objeto de proteção via ação civil pública exatamente porque compõe o meio ambiente artificial.

Muitos autores dizem que o legislador não precisava ter previsto bem e valor histórico e cultural e nem ordem urbanística. Isso porque quando ele fala em meio ambiente e não faz qualquer ressalva, está abrangendo quais meios ambientes? Todos: o natural, o cultural e o artificial. Portanto, de acordo com alguns autores, poderiam ser suprimidos os incisos IV e VI, que não mudaria absolutamente nada, já que a expressão “meio ambiente” alcança também os bens e valores históricos e culturais, como alcança também a ordem urbanística.

53

LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 03 – Prof. Fernando Gajardoni – Intensivo II – 18/12/2009

AÇÃO CIVIL PÚBLICA

2.3. Bens de valor histórico e cultural

A Cespe pede prova sim, prova também, essa questão. Então, vamos esclarecê-la. A grande discussão aqui não é a definição sobre o que é bem de valor histórico e cultural. Isso já está integrado à nossa cultura como um todo. A discussão aqui é sobre o tombamento. É a única discussão que vou travar.

O tombamento, juridicamente falando, é uma certificação administrativa de que determinado bem tem valor histórico e cultural.

O tombamento é uma limitação ao direito de propriedade (não pode reformar sem autorização, etc.). A grande discussão que há e que invariavelmente eles perguntam, naquelas provas de verdadeiro e falso, é a seguinte:

Imóvel não tombado pode ser protegido pela ACP? A resposta é: o tombamento é um atestado administrativo de que o bem tem valor histórico e cultural. Apesar de não tombado, pode ter valor histórico e cultural? A jurisprudência entende que sim, que é possível. Se é assim, qual a diferença entre haver e não haver o tombamento? É a presunção de valor histórico. É essa a diferença. Se o imóvel já foi tombado, o autor não precisa provar o valor histórico. Se o imóvel não for tombado, compete ao autor tal prova. E aí fica fácil equacionar. Se você imaginar que esse prédio onde estamos tem valor histórico, se alguém quiser protegê-lo, pode, mas tem que provar que isso representa um valor histórico para a sociedade.

2.4. “Qualquer outro direito metaindividual”

Sobre essa expressão da lei, uma observação. Quando você olha a ACP, num primeiro momento, você chega à conclusão de que os principais bens e direitos tutelados seriam o meio ambiente, consumidor, patrimônio histórico, ordem econômica, ordem urbanística, que são os destaques. Acontece que o Código de Defesa do Consumidor acabou influenciando diretamente a Lei de ACP por causa do microssistema. Isso porque não se previa, originariamente, na Lei 7.347/83, a tutela dos direitos individuais homogêneos pela Lei de Ação Civil Pública. Vou deixar isso mais claro. O que estou dizendo é que, na origem, a Lei 7.347/83 só se preocupava com os direitos difusos e coletivos. Não havia previsão para a tutela dos interesses individuais homogêneos. Qual foi a importante contribuição que deu o CDC para a Lei de ACP? Foi que quando ele saiu, em 1990, o art. 90, do CDC, acabou incorporando à Lei de ACP aquilo que no direito a gente chama de norma de encerramento. Em que consiste essa norma de encerramento? Consiste em dizer que além de todos os bens e direitos já previstos aqui, seria possível ainda a tutela de qualquer outro direito metaindividual, seja difuso, coletivo ou individual homogêneo. Há uma plêiade de direitos difusos e coletivos que acabam entrando nessa discussão (adolescentes, patrimônio genético, etc.). E ninguém hoje duvida mais de que qualquer bem ou direito coletivo pode ser tutelado por ACP.

Alguns códigos tem a redação truncada e que dão a impressão deque o inciso IV, do art. 1º, da Lei de Ação Civil Pública está revogado. Não está revogado. O inciso IV, que fala “qualquer outro direito difuso e coletivo” está plenamente em vigor. Se você não concorda com isso, te aconselho a leitura do REsp 706791/PE, do STJ (Maria Thereza de Assis Moura é a relatora), julgamento de 17/02/09

54

LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 03 – Prof. Fernando Gajardoni – Intensivo II – 18/12/2009

AÇÃO CIVIL PÚBLICA

REsp 706791 / PE - Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA - SEXTA TURMA - Julgamento 17/02/2009 - DJe 02/03/2009 1. De acordo com a jurisprudência consolidada deste Superior Tribunal de Justiça, o artigo 21 da Lei nº 7.347/85, com redação dada pela Lei nº 8.078/90, ampliou o alcance da ação civil pública também para a defesa de interesses e direitos individuais homogêneos não relacionados a consumidores.2. Recurso especial improvido.

VEDAÇÃO DE OBJETO – Cabe ação civil pública para a tutela de qualquer direito coletivo, individual homogêneo ou difuso no qual (?) essa norma de encerramento. Todavia, nosso legislador, marotamente, e ainda através de MP, acrescentou no art. 1º um parágrafo único que estabelece uma vedação do objeto, quer dizer, uma hipótese de não cabimento da Lei de Ação Civil Pública. Cabe tudo, menos;

        Parágrafo único.  Não será cabível ação civil pública para veicular pretensões que envolvam tributos, contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários podem ser individualmente determinados.

Esse dispositivo estabelece, portanto, uma vedação de objeto, em que não cabe ação civil pública. Nesse caso, em que matérias não caberá? Tributária, contribuição previdenciária e FGTS. Alguém tem a mínima ideia do porquê o legislador proibiu ações coletivas com relação a isso? O motivo é um só: se julgar procedente uma ação civil pública dessa, pega o bolso de quem? Do Governo Federal. E uma ação coletiva dessa poderia ter um impacto orçamentário gigantesco. É ridículo, mas mais uma vez prevaleceram interesses econômicos em detrimento dos interesses da sociedade.

Como se comporta a jurisprudência com relação a esse dispositivo, que sofre da doutrina as mais duras críticas? Todos escrevem que esse dispositivo é uma aberração porque não se pode querer proibir a tutela coletiva de algo que acaba se tornando milhões de processos individuais para discutir o mesmo assunto. E o Judiciário é que se esfola. A jurisprudência pacífica, do STF e do STJ diz que esse dispositivo é constitucional.

3. LEGITIMIDADE NA AÇÃO CIVIL PÚBLICA

3.1. Legitimidade ativa – art. 5º, da Lei de ACP e no art. 82, do CDC

Art. 5º  Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar: (Redação dada pela Lei nº 11.448, de 2007).

55

LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 03 – Prof. Fernando Gajardoni – Intensivo II – 18/12/2009

AÇÃO CIVIL PÚBLICA

        I - o Ministério Público; (Redação dada pela Lei nº 11.448, de 2007).        II - a Defensoria Pública; (Redação dada pela Lei nº 11.448, de 2007).        III - a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; (Incluído pela Lei nº 11.448, de 2007).        IV - a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista; (Incluído pela Lei nº 11.448, de 2007).        V - a associação que, concomitantemente: (Incluído pela Lei nº 11.448, de 2007).        a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil; (Incluído pela Lei nº 11.448, de 2007).        b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. (Incluído pela Lei nº 11.448, de 2007).

Art. 82 - Para os fins do Art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente:

I - o Ministério Público;II - a União, os Estados, os Municípios e o Distrito

Federal;III - as entidades e órgãos da Administração

Pública, Direta ou Indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos por este Código;

IV - as associações legalmente constituídas há pelo menos 1 (um) ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos por este Código, dispensada a autorização assemblear.

Primeiro farei quatro observações genéricas. E depois eu vou pegar legitimado por legitimado e falar sobre cada um deles.

1ª Observação: Esses artigos estabelecem uma espécie de legitimação concorrente e disjuntiva. Por legitimação concorrente já se sabe que é porque esses dispositivos estabelecem mais de um legitimado. Agora, você consegue identificar o que seria uma legitimação disjuntiva? Isso é fundamental. “disjuntivo” significa que um não necessita de autorização ou omissão do outro. Na legitimação concorrente e disjuntiva, a defensoria não precisa pedir bênção para o MP para entrar com a ACP. Não tem que esperar que ele se omita para que só então ela comece a exercitar suas tarefas.

2ª Observação: Natureza da legitimação coletiva – Quando um desses caras do art. 5º (e art. 82) entra com uma ACP, qual é a natureza da legitimação dele? Para responder isso, há na doutrina 3 posições para indicar qual a natureza da legitimação para o ajuizamento de ações coletivas. E vou lembrar que no modelo do processo civil brasileiro, a regra é da legitimação ordinária (entra em nome próprio na defesa de direito próprio). E, excepcionalmente, quando a lei expressamente autorizar, é possível a legitimação extraordinária. É quando alguém

56

LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 03 – Prof. Fernando Gajardoni – Intensivo II – 18/12/2009

AÇÃO CIVIL PÚBLICA

age em nome próprio na defesa de direitos alheios (hipótese de substituição processual). No processo coletivo, entretanto, a doutrina diverge sobre a natureza da legitimação. E há três correntes:

1ª Corrente: Diz que a legitimação é extraordinária. Quando o MP, a associação, a defensoria entram com uma ACP, não interessa o tema, sempre entram em nome próprio na defesa de direitos alheios. Trata-se, portanto, da tutela de um direito em nome próprio na defesa de um direito alheio. Quem adota essa posição: Hugo Nigro Mazzili (adotou durante muitos anos). Não interessa se se trata de direito difuso, coletivo ou individual homogêneo. Qualquer que fosse a atuação, se daria através de legitimação extraordinária.

2ª Corrente: Eu acho essa posição tecnicamente mais correta, embora não seja dominante. Para essa corrente, a legitimação para o ajuizamento da ação coletiva é uma legitimação simplesmente coletiva. É uma legitimação de natureza própria. Ao lado da legitimação ordinária e extraordinária, que são modelos de legitimação forjados exclusivamente para o processo individual, haveria um segundo tipo de legitimação, que seria a legitimação coletiva. Ela não se encaixaria nesses modelos de “direito próprio em nome próprio” ou de “direito alheio em nome próprio”. Ela seria uma terceira categoria. Eu acho que a adoção dessa posição resolve muitos problemas práticos. E quem adota essa posição é o professor Luiz Manoel Gomes Júnior que, inclusive, é o relator da nova Lei de ACP.

3ª Corrente: É a que prevalece. Diz o seguinte: se o direito for difuso ou coletivo, se for naturalmente coletivo, estaremos diante de uma legitimação autônoma ou autônoma para condução do processo. Basicamente, quem adota essa terceira posição salienta que não dá para poder colocar o modelo da tutela do difuso e do coletivo dentro do padrão do ordinário e extraordinário. Ou seja, o argumento é o mesmo da turma que adota a legitimação coletiva. O que significa isso? Eu não consigo encaixar nos modelos do processo individual algo que não é individual. Portanto, preciso de uma categoria autônoma, chamada de legitimação autônoma para a condução do processo. Agora, se se tratar de interesses individuais homogêneos, porque aí o direito tutelado não é do autor e nem da coletividade. Os direitos individuais homogêneos são do indivíduo. O direito não é da coletividade, como é o caso dos difusos e coletivos. Por isso, quando se trata de direitos individuais homogêneos eu estou diante da legitimação extraordinária. Ou seja, compatibilizam-se os dois modelos anteriores: de legitimação extraordinária e de legitimação coletiva. A diferença é que se dá o nome, para a legitimação coletiva, de legitimação autônoma para a condução do processo. Quem adota essa posição é a grande maioria da doutrina brasileira, em especial, Nélson Néri Jr. Se eu fosse você, na hora da prova, adotaria essa.

3ª Observação: Parte da análise do art. 5º, §§ 2º e 5º, da Lei de Ação Civil Pública.

        § 2º Fica facultado ao Poder Público e a outras associações legitimadas nos termos deste artigo habilitar-se como litisconsortes de qualquer das partes.

        § 5.° Admitir-se-á o litisconsórcio facultativo entre os Ministérios Públicos da União, do Distrito Federal e dos Estados na defesa dos interesses e direitos de que cuida

57

LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 03 – Prof. Fernando Gajardoni – Intensivo II – 18/12/2009

AÇÃO CIVIL PÚBLICA

esta lei. (Incluído pela Lei nª 8.078, de 11.9.1990) (Vide Mensagem de veto)   (Vide REsp 222582 /MG - STJ)

Esses dispositivos estabelecem a possibilidade de, no âmbito da ação civil pública, se formar um litisconsórcio entre os colegitimados. Isso é plenamente possível que todos os que podem propor ação coletiva possam formar um litisconsórcio, um somatório de forças a bem da tutela coletiva. E hoje isso é muito comum na prática. Vira e mexe você tem ação coletiva ajuizada ao mesmo tempo pelo Procon e MP. Às vezes, MP estadual e federal.

O que interessa é classificar esse litisconsórcio. Qualquer litisconsórcio entre dois legitimados coletivos, como é encaixado dentro da classificação dos litisconsórcios? É litisconsórcio:

Ativo (óbvio),

Inicial – Porque a lei não autoriza a entrada depois que o processo começou. Aí ele vai ser assistente. A assistência litisconsorcial é a forma de permitir que aquele que poderia ter sido litisconsórcio facultativo possa ingressar depois do início do processo. A assistência litisconsorcial é o “litisconsórcio posterior” disfarçado. No começo, é litisconsórcio, se é depois, é assistente litisconsorcial. É o que pretende dizer o art. 5º, § 2º.

Facultativo – É óbvio. Não é obrigatória a formação desse litisconsórcio, até porque legitimação é concorrente e disjuntiva.

Unitário – Tem como proteger o meio ambiente para o MP de SP e não proteger para o MP federal? Tem como proteger o interesse do Procon e não proteger o da Associação de Defesa dos Consumidores? Portanto, a decisão sempre vai ser igual para todos os legitimados.

4ª Observação: Quando falei dos princípios de processo coletivo, falei sobre o controle da representação adequada e disse que há duas posições diametralmente opostas no Brasil: uma que diz quem controla se o autor representa ou não adequadamente os interesses do grupo ou da categoria é a lei. E a representação adequada seria oper legis. Mas eu disse que tem uma outra corrente que diz que além da lei, também haveria o controle judicial e o critério que o juiz usa para verificar se a pessoa representa ou não os interesses do grupo, da categoria ou da classe é a finalidade institucional, a pertinência temática. Quer dizer, o legislador já previu que pode, mas o MP pode em todas? Não. De acordo com a segunda posição, o juiz verificaria se a ação está dentro das funções institucionais do MP. Se tivesse, ele poderia. Se não tivesse, ele não poderia.

Para eu explicar os legitimados, eu tenho que adotar uma das posições. Se eu adotar a primeira (só a lei), não preciso nem estudar os legitimados porque eles sempre poderiam entrar com a ação civil pública. Por isso, a quarta observação é que vou levar em conta a adoção da possibilidade de controle judicial da representação adequada. Nós vamos adotar esse entendimento. É possível ao juiz controlar judicialmente a representação adequada. Só assim, eu vou conseguir desenvolver os tópicos seguintes. Caso contrário, não haveria o que se analisar. E o juiz faz esse controle com base na finalidade institucional e na pertinência temática. É isso que o juiz usa para controlar a adequada representação. E vamos começar com o cara que mais ajuíza ação civil pública no Brasil, que é o MP, digamos que quase com exclusividade.

58

LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 03 – Prof. Fernando Gajardoni – Intensivo II – 18/12/2009

AÇÃO CIVIL PÚBLICA

a) Ministério Público

Finalidade institucional – Em que temário o MP pode ajuizar ação civil pública, se você admitir que o juiz pode controlar? Para obter essa resposta, vamos ao art. 127, caput, da CF:

Art. 127 - O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

O MP pode ajuizar em dois grandes grupos de temas colocados pelo art. 127, da CF:

Interesses sociais Interesses individuais indisponíveis

A partir disso, dentro desses dois temas, o MP teria representação adequada. Fora desses dois temas, não teria representação adequada. Vamos fazer uma lista (proforme) sobre os temas em que o MP poderia ajuizar a ACP:

Interesses sociais – Saúde, segurança pública, moradia, educação, meio ambiente.

Interesses individuais indisponíveis – O que seria o interesse individual indisponível? Exemplo: proteção da vida, dignidade da pessoa humana, etc.

Ou seja, o leque de assuntos que o MP pode ajuizar é gigantesco e não é a toa que ele é o maior guardião dos interesses coletivos do Brasil e ninguém nega isso. Onde surgem os pontos de dúvida? Onde a jurisprudência é conflitante?

Loteamentos privados (loteamento clandestino é outro problema) – Os moradores fecham o bairro com uma guarita. O MP entra com uma ação para destruir a guarita. Tem legitimidade para isso? É social o interesse? Tem gente que diz que sim, porque a rua é pública, mas por outro lado, não passa carro lá.

Plano de saúde – Isso é interesse social? Há vários julgados dizendo que não há interesse social porque o plano de saúde é particular.

Tarifas públicas – Aumento de tarifa de energia elétrica. Poderia o MP ajuizar uma ação? O interesse é social? O problema é que é individualizado. E a jurisprudência fica reticente.

Vamos tentar chegar a um consenso: na dúvida, admite-se, já que a ideia é ampliar a tutela dos interesses coletivos e individuais homogêneos. Na dúvida, vamos ampliar. O que não dá para admitir é, por exemplo, o MP entrar com uma ação para discutir aumento da tarifa da TV a cabo.

Existe uma afirmação na doutrina que me parece razoável: a doutrina costuma dizer que para os difusos e para os coletivos cuja característica central é

59

LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 03 – Prof. Fernando Gajardoni – Intensivo II – 18/12/2009

AÇÃO CIVIL PÚBLICA

a indivisibilidade. Nos difusos e nos coletivos, de acordo com boa parte da doutrina, sempre estaria presente o interesse público. E, portanto, de acordo com essa parcela da doutrina, toda vez que a ação versar sobre direitos difusos e coletivos, o interesse sempre teria legitimidade. Sempre ele poderia tutelar através dos direitos difusos e coletivos. Se o bem é indivisível, já surge, a partir daí, o interesse público e surgindo o interesse público, o MP já poderia entrar com a ação.

A grande dúvida que surge é nos individuais homogêneos. Nesse caso os interesses são individuais, se é assim, não é público. Aí você teria que fazer o quê? Casuística. Os interesses individuais homogêneos teriam que ser verificados casuisticamente, caso a caso. E qual é o critério que vou usar para verificar caso a caso? Finalidade institucional: interesse social ou individual indisponível. É o caso dos portadores de Alzheimer. Individual homogêneo. Há interesse social? Melhor: tem interesse individual indisponível. No caso da TV a cabo, o interesse não é nem social e nem individual indisponível. É individual. Que entre a associação, mas não o MP, que tem coisa mais importante a fazer do que verificar se o caboclo está tendo desconto no filminho de sacanagem que ele assiste ou não.

Em qual justiça atua o MP? Há duas posições a respeito do tema.

1ª Corrente: Diz que o MP atua em qualquer justiça. Isso quer dizer que o MP/SP pode ajuizar ACP junto à justiça de MG e por aí vai. A atuação seria livre. É essa a recomendação. Não haveria vinculação. O MP estadual poderia entrar na justiça federal e vice-versa. Sabe por que é razoável esse entendimento? Porque você potencializa, maximiza, expande o objeto do processo coletivo. Quem adota isso é o Fredie Didier. Um dano ao ambiente no Amazonas repercute aqui embaixo. É importante você saber isso.

2ª Corrente: Tem um precedente do STJ (não dá para dizer que é posição do STJ), que é o RE 440002/SE: o MP federal acaba fazendo as vezes do órgão federal, seria similar ao órgão federal. E toda vez que o MPF atua, atrairia a competência para a justiça federal. Não importa o objeto. Se o MPF entra para discutir a publicidade da garapa, é justiça federal, mesmo que o assunto não tenha relação com a justiça federal. Então, existe esse único precedente do STJ dizendo que o MPF litigaria na justiça federal. Essa posição não é boa porque você poda, principalmente, o MP estadual, que ficaria a depender do federal.

60