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Via Aérea Vladimir Ribeiro Pinto Pizzo Herlon Saraiva Martins CAPÍTULO 2 INTRODUÇÃO E DEFINIÇÕES A intubação orotraqueal é um procedimento médico especializado realizado para o tratamento de diversas situa- ções clínicas (Tabela 1), que pode estar associado a algumas complicações potencialmente graves (Tabela 2). Do ponto de vista técnico, o emergencista deve ter o co- nhecimento da anatomia normal das vias aéreas superiores, da técnica da manipulação do laringoscópio e cânula oro- traqueal, assim como estar apto a lançar mão de técnicas al- ternativas e saber resolver ou indicar a solução para as even- tuais complicações decorrentes do procedimento. INTUBAÇÃO OROTRAQUEAL A intubação orotraqueal é o procedimento a partir do qual posiciona-se uma prótese (cânula) no interior do apa- relho respiratório do paciente (traqueia) através da cavida- de oral com auxílio de aparelhos específicos (laringoscó- pios, broncoscópios, combitubes etc.) a fim de oferecer de maneira eficiente e segura suporte ventilatório através de dispositivos de ventilação artificial (sistemas de bolsa com reservatório, ventiladores mecânicos etc.). A função destes aparelhos específicos de acesso é au- mentar a chance de se posicionar adequadamente a cânula orotraqueal no interior da traqueia do paciente, uma vez que a anatomia das vias aéreas superiores faz com que os objetos introduzidos pela cavidade oral tendam a direcio- nar-se ao esôfago. As estruturas anatômicas que devem ser conhecidas para se proceder à intubação orotraqueal são, na cavidade bucal, língua, valécula e epiglote, suas relações de vizinhan- ça com o esôfago e a fenda glótica. A visualização das pre- gas vocais é etapa quase obrigatória para a ultimação ade- quada da intubação pela via orotraqueal. Na região cervical é importante o conhecimento do posicionamento da carti- lagem tireoide e cricoide, a membrana cricotireoidea e sua relação com o istmo da glândula tireoide (Figura 1). Através do posicionamento adequado do paciente e manobras específicas é possível proceder à intubação con- forme explica-se a seguir. Posiciona-se o paciente em hiperextensão cervical (se possível, na ausência de suspeita de lesão de coluna cervical, por exemplo) com um coxim baixo junto ao occipício e in- troduz-se o laringoscópio na cavidade oral pelo lado direito da boca, rechaçando-se a língua para o lado esquerdo, e pro- gride-se sua lâmina pelo dorso da língua até a visualização da epiglote. Posiciona-se, então, a extremidade distal da lâmina do laringoscópio num recesso da região fronteiriça da base da língua com a epiglote (valécula) e promove-se a tração das estruturas no sentido superior com consequente exposição da fenda glótica evitando-se, neste movimento, a báscula do sistema e apoio da lâmina do laringoscópio nos dentes ou lá- bio do paciente, gerando lesão. O procedimento aqui descri- to vale para os laringoscópios de lâminas curvas, sendo que, quando se optar por utilizar laringoscópios de lâmina reta Conhecer a anatomia das vias aéreas. Aprender os sete passos para uma intubação correta. Aprender a pedir ajuda precocemente quando nao conseguir intubar um paciente. Saber as situações que possam anunciar uma intubação difícil. Saber prescrever sedação e paralisia correta antes da intubação. Conhecer os dispositivos avançados de via aérea (para via aérea difícil). OBJETIVOS • Fadiga da musculatura respiratória • Hipoxemia refratária • Doença neuromuscular • Trabalho respiratório excessivo Drive ventilatório diminuído • Redução da pressão intracraniana • Obstrução de vias aéreas • Instabilidade hemodinâmica grave • Diminuir consumo de oxigênio • “Proteção” de vias aéreas • Anormalidades de parede torácica Tabela 1. Indicações de intubação orotraqueal • Lesão da laringe • Laceração de esôfago/traqueia • Pneumotórax/hipotensão • Lesão de lábios, dentes e partes moles • Bradicardia • Sangramento em vias aéreas superiores Tabela 2. Complicações associadas à intubação orotraqueal •Cap038_MODIF 19.05.09 16:15 Page 11

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Via Aérea

Vladimir Ribeiro Pinto PizzoHerlon Saraiva Martins

CAPÍTULO

2

INTRODUÇÃO E DEFINIÇÕES

A intubação orotraqueal é um procedimento médicoespecializado realizado para o tratamento de diversas situa-ções clínicas (Tabela 1), que pode estar associado a algumascomplicações potencialmente graves (Tabela 2).

Do ponto de vista técnico, o emergencista deve ter o co-nhecimento da anatomia normal das vias aéreas superiores,da técnica da manipulação do laringoscópio e cânula oro-traqueal, assim como estar apto a lançar mão de técnicas al-ternativas e saber resolver ou indicar a solução para as even-tuais complicações decorrentes do procedimento.

INTUBAÇÃO OROTRAQUEAL

A intubação orotraqueal é o procedimento a partir doqual posiciona-se uma prótese (cânula) no interior do apa-relho respiratório do paciente (traqueia) através da cavida-de oral com auxílio de aparelhos específicos (laringoscó-pios, broncoscópios, combitubes etc.) a fim de oferecer demaneira eficiente e segura suporte ventilatório através dedispositivos de ventilação artificial (sistemas de bolsa comreservatório, ventiladores mecânicos etc.).

A função destes aparelhos específicos de acesso é au-mentar a chance de se posicionar adequadamente a cânulaorotraqueal no interior da traqueia do paciente, uma vezque a anatomia das vias aéreas superiores faz com que osobjetos introduzidos pela cavidade oral tendam a direcio-nar-se ao esôfago.

As estruturas anatômicas que devem ser conhecidaspara se proceder à intubação orotraqueal são, na cavidadebucal, língua, valécula e epiglote, suas relações de vizinhan-ça com o esôfago e a fenda glótica. A visualização das pre-gas vocais é etapa quase obrigatória para a ultimação ade-quada da intubação pela via orotraqueal. Na região cervicalé importante o conhecimento do posicionamento da carti-lagem tireoide e cricoide, a membrana cricotireoidea e suarelação com o istmo da glândula tireoide (Figura 1).

Através do posicionamento adequado do paciente emanobras específicas é possível proceder à intubação con-forme explica-se a seguir.

Posiciona-se o paciente em hiperextensão cervical (sepossível, na ausência de suspeita de lesão de coluna cervical,por exemplo) com um coxim baixo junto ao occipício e in-troduz-se o laringoscópio na cavidade oral pelo lado direitoda boca, rechaçando-se a língua para o lado esquerdo, e pro-gride-se sua lâmina pelo dorso da língua até a visualização daepiglote. Posiciona-se, então, a extremidade distal da lâminado laringoscópio num recesso da região fronteiriça da baseda língua com a epiglote (valécula) e promove-se a tração dasestruturas no sentido superior com consequente exposiçãoda fenda glótica evitando-se, neste movimento, a báscula dosistema e apoio da lâmina do laringoscópio nos dentes ou lá-bio do paciente, gerando lesão. O procedimento aqui descri-to vale para os laringoscópios de lâminas curvas, sendo que,quando se optar por utilizar laringoscópios de lâmina reta

n Conhecer a anatomia das vias aéreas.

n Aprender os sete passos para uma intubação correta.

n Aprender a pedir ajuda precocemente quando nao conseguirintubar um paciente.

n Saber as situações que possam anunciar uma intubação difícil.

n Saber prescrever sedação e paralisia correta antes da intubação.

n Conhecer os dispositivos avançados de via aérea (para via aéreadifícil).

OBJETIVOS

• Fadiga da musculatura respiratória • Hipoxemia refratária

• Doença neuromuscular • Trabalho respiratório excessivo

• Drive ventilatório diminuído • Redução da pressão intracraniana

• Obstrução de vias aéreas • Instabilidade hemodinâmica grave

• Diminuir consumo de oxigênio • “Proteção” de vias aéreas

• Anormalidades de parede torácica

Tabela 1. Indicações de intubação orotraqueal

• Lesão da laringe • Laceração de esôfago/traqueia

• Pneumotórax/hipotensão • Lesão de lábios, dentes e partes moles

• Bradicardia • Sangramento em vias aéreas superiores

Tabela 2. Complicações associadas à intubação orotraqueal

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ATUALIZAÇÃO EM EMERGÊNCIAS MÉDICAS12

(intubações difíceis, opção pessoal ou na pediatria) a técnicaé um pouco diferente, devendo-se posicionar a extremidadedistal de modo que ela englobe a epiglote no conjunto a sertracionado (Figuras 2A e 2B). O grande inconveniente destatécnica é a possibilidade de lesão desta estrutura tão delicadae consequente dificuldade às novas tentativas no caso de in-sucesso de uma primeira. Esse posicionamento e movimen-tação vão gerar o alinhamento dos três eixos: oral, faríngeo elaríngeo, como demonstrado na Figura 3.

Uma vez introduzida a cânula orotraqueal, o próximopasso é checar seu posicionamento adequado (tratar preco-cemente no caso de posicionamento inadequado) através detécnicas de detecção próprias. Inicialmente o que é mais sim-ples e efetivo é auscultar a região epigástrica após insuflaçãoaérea através do tubo; a audição de borborigmos nesta posi-ção é indicativa de intubação esofágica e a cânula deve ser re-tirada imediatamente a fim de se evitar distensão gástrica e

consequente risco de aspiração de conteúdo gástrico por par-te do paciente. A propedêutica pulmonar permite, ainda,diagnosticar uma intubação seletiva, algo que pode ocorrergraças à peculiaridade de o brônquio-fonte direito ser cami-nho mais “fisiológico” para a progressão da cânula, já que aangulação do brônquio-fonte esquerdo com o eixo traquealé maior. Se disponíveis, dispositivos qualitativos ou quantita-tivos (capnógrafos) para detecção de CO2 são recomendáveise exame clínico pulmonar, aferição de pressão arterial e mo-nitorização cardíaca e de oximetria de pulso são indispensá-veis logo após o procedimento a fim de detectar eventuaiscomplicações. A obtenção de radiografia de tórax é impor-tante no sentido de fazer diagnóstico de eventuais complica-ções (como um pneumotórax, por exemplo) e checar a ade-quação do posicionamento do tubo (3 a 5 centímetros acimada carina principal) (Tabela 3).

Tamanho da cânula

Quando se vai promover a intubação orotraqueal, deve-se escolher o tamanho desta (diâmetro interno), além de tes-

Figura 1 – Anatomia.

Palato moleAmígdalapalatina

Epiglote

Prega vocal

Esôfago Traqueia Língua

Palato duro

Epiglote

Hioide

Cartilagem

Membranacricotireoide

Cricoide

Membranacricotraqueal

Visão anterior das vias aéreas

A

B

Figura 2 – Técnicas de laringoscopia.

Lâmina deMacintosh

Curva

Lâmina deMiller

Reta

A

B

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2 nn VIA AÉREA 13

tar seu cuff (balonete que envolve a extremidade distal dacânula e deve ser insuflado quando esta estiver em posiçãopara garantir uma adequada oxigenação pulmonar – poisimpede o escape aéreo –, assim como dificultar a aspiraçãode conteúdo da via aérea superior para o interior datraqueia – função de isolamento). Como este balonete terácontato com a mucosa traqueal, é importante que a pressãoexercida sobre esta não seja muito grande (aceitam-se até 20mmHg) a ponto de comprometer a perfusão da mucosadeste órgão tão sensível e de características de cicatrizaçãoque o tornam especialmente problemático, já que adiminuição do seu diâmetro determinado por um estreita-mento próprio do processo de fibrose pode trazer gravesconsequências ao paciente a longo prazo.

Por este motivo deve-se escolher a maior cânula possívelpara cada paciente, pois assim será possível insuflar-se poucoo balonete e, portanto, a pressão exercida sobre a mucosatraqueal será menor. Além disso, cânulas estreitas são su-jeitas, mais facilmente, a entupimentos por secreção, sangueetc. e uma obstrução total desta pode trazer desfecho fatal aopaciente.

Do ponto de vista prático, são indicadas cânulas 8,0 e 8,5para homens; 8,0 para mulheres de tamanho mediano, sendoem indivíduos menores os números 7,0 e 7,5 possíveis comas ressalvas acima.

SEDAÇÃO PARA INTUBAÇÃO

A intubação orotraqueal é um procedimento potencial-mente desconfortável, devendo-se, sempre que possível epor questão de conforto, ser realizado em ambiente ade-quado e dentro das condições mais próximas do ideal (mo-nitorização, jejum etc.). No entanto, não é possível garantirestas condições nas salas de emergências, sendo muito co-mum que o indivíduo esteja com o “estômago cheio” quan-do da necessidade da intubação, de modo que o uso desubstâncias que podem induzir vômito ou rebaixar o refle-xo de tosse pode ser potencialmente perigoso nestas situa-ções. Por este motivo, vários protocolos de ações e drogassão disponíveis para utilização nestas condições, sendo su-gerido o seguinte protocolo de sedação para intubação oro-traqueal em indivíduos acordados (note que o nível deconsciência para tal procedimento pode ter que ser bembaixo e a escala mais frequentemente utilizada é a escala decoma de Glasgow, pela sua facilidade) (Tabelas 4 e 5):

nn Hiperventilar previamente com quantidades generosasde oxigênio, estabelecer acesso venoso adequado e moni-torização cardioscópica e de oximetria de pulso contínua,além de aferição frequente da pressão arterial e nível deconsciência.

nn Se possível, administrar puffs de lidocaína spray na orofa-ringe com o intuito de anestesia local e consequente di-minuição do estímulo nauseoso.

nn Posicionamento adequado do paciente, se possível comdecúbito elevado para dificultar a regurgitação e aspira-ção de conteúdo gástrico.

nn Administrar 50 a 150 µg de fentanil (agonista opiáceo quetem a função de analgesia, sedação e diminuição do refle-xo de tosse).

nn Recomenda-se realizar a manobra de Sellick (compressãoda cartilagem tireoide sobre a coluna cervical com o in-tuito de posteriorizar a via aérea e comprimir o esôfago,diminuindo assim o risco de regurgitação de conteúdoesofágico e gástrico para as vias áereas).

nn Se for possível, ventilar o paciente (ou seja, se não houverobstrução de vias aéreas), administrar o etomidato juntocom a succinilcolina (se não houver contraindicação:

Figura 3 – Eixos.

A

B

C

OA - Eixo oral PA - Eixo faríngeo LA - Eixo laríngeo

PA

PA

PA

LA

LA

LA

OA

OA

OA

Deitado

Coxim

Coxim + hiperextensão

• Preparo adequado

• Pré-oxigenar

• Pré-tratamento (sedativos)

• Proteção das vias aéreas (manobra de Sellick)

• Paralisia muscular

• Passar o tubo e confirmar

• Pós-intubação (cuidados)

Tabela 3. Intubação de sequência rápida – os 7 Ps

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ATUALIZAÇÃO EM EMERGÊNCIAS MÉDICAS14

antecedente pessoal de intubação difícil é dado que deve sermuito valorizado nesta avaliação inicial, sendo as causasmais frequentes as expostas na Tabela 6.

Quanto à avaliação clínica, o exame físico pode trazerdados interessantes, sendo importante ser efetuado em es-pecial nas situações eletivas para eventual programação deprocedimentos especiais (intubação vídeo-assistida, porexemplo), conforme exemplificado na Tabela 7.

Alguns índices são utilizados para avaliar a eventual di-ficuldade da intubação, sendo as escalas de Mallampati eCormack & Lehane as mais utilizadas e levam em conta avisualização das estruturas quando da abertura bucal e la-ringoscopia, respectivamente (Figuras 4 e 5).

Os escores I (de ambas as escalas) estão associados amaiores índices de sucesso em relação aos escores mais altos.

* Obs.: os medicamentos aqui sugeridos foram escolhidos pelo seu perfilde segurança, início de ação rápido e meia-vida curta, sendo as con-traindicações e comentários específicos deixados em segundo plano, poisfogem ao escopo do texto.

hipercalemia, lesões musculares extensas, queimaduras,doenças neuromusculares etc.).

nn Opções à succinilcolina: rocurônio e eventualmente ve-curônio. Não se pode esquecer que o insucesso agora fazcom que haja a necessidade de ventilação até que se ter-mine o efeito da droga, já que o paciente estará impossi-bilitado de respirar.*

VIAS AÉREAS DIFÍCEIS

Em determinadas situações, por peculiaridades da ana-tomia das vias aéreas de determinados pacientes, a obtençãode acesso seguro à traqueia pode ser bastante difícil, deven-do o emergencista, nestas situações, lançar mão de estraté-gias diferenciadas para obter êxito na intubação.

Segundo dados da Sociedade Americana de Anestesio-logia, se usarmos a definição de que uma via aérea difícil éaquela em que um profissional experimentado tenha qual-quer dificuldade de visualização adequada das estruturas deinteresse ou garantir ventilação adequada com máscara, até10% dos pacientes poderiam ter este diagnóstico, sendoque, em condições não-eletivas (o mais comum na sala deemergências), esses índices podem ser bem maiores.

Alguns dados de história, antecedentes pessoais e exa-me físico podem sugerir esta condição de modo que umaavaliação adequada destes dados possa ajudar o emergen-cista a estimar a severidade do problema que poderá ter. O

Tempos Com succinilcolina Com bloqueador neuromuscular No estado de mal asmático

não despolarizante

Zero Preparação Preparação Preparação

5 minutos Pré-oxigenar com O2 a 100% Pré-oxigenar com O2 a 100% Pré-oxigenar com O2 a 100%

8 minutos Pré-medicar com fentanil e Sellick Pré-medicar com fentanil e Sellick –

10 minutos Etomidato e succinilcolina Etomidato e rocurônio Quetamina e succinilcolina

11 minutos Laringoscopia e confirmação Laringoscopia e confirmação Sellick, laringoscopia e confirmação (CO2 exalado) (CO2 exalado) (CO2 exalado)

12 minutos Pós-IOT: midazolam com ou sem Pós-IOT: midazolam com ou sem Pós-IOT: midazolam com ou sem pancurônio ou vecurônio rocurônio pancurônio ou vecurônio

Tabela 4. Intubação de sequência rápida

Medicação Dose

Fentanil 3 µg/kg

Etomidato 0,3 mg/kg

Succinilcolina 1,5 mg/kg

Quetamina 1,5 mg/kg

Rocurônio 1 mg/kg

Pancurônio 0,1 mg/kg

Vecurônio 0,1 mg/kg

Tabela 5. Intubação de sequência rápida – doses

• Dentes superiores Compridos

• Posição mandíbula X maxila Prognatismo/retrognatismo

• Conformação palatina Profunda, estreita

• Visibilidade da úvula Mallampati (Figura 4)

• Complacência mandibular Rígida

• Distância tireomentoniana Menos de 3 dedos

• Comprimento do pescoço Curto

• Mobilidade cervical Pequena

Tabela 7. Estimativa da dificuldade de acesso às vias aéreas

superiores

• Trauma • Edema laríngeo

• Infecções • Síndromes congênitas

• Queimados • Mobilidade cervical limitada

• Tumores • Traqueia estreita ou pequena

• Dentes • Fístula traqueoesofágica

• Macroglossia • Acalasia de esôfago

• Hipertrofia tonsilar • Pneumotórax hipertensivo

• Hérnia hiatal • Persistência ducto tireoglosso

• Epiglote • Abertura bucal limitada

• Polipose laríngea • Efeitos de radioterapia

Tabela 6. Dificuldades à intubação orotraqueal

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Figura 4 – Sinais de Mallampati.

Nenhuma dificuldade Nenhuma dificuldade

Sinais de Mallampati

Moderada dificuldade Grave dificuldade

Classe I : Estruturas bemvisíveis (palato mole, úvula

e pilares amigdalianos)

Classe III : Dificuldade paravisualizar amígdalas,

pilares e parte da úvula

Classe IV : Dificuldadepara visualizar as

principais estruturas

Classe II : Estruturasvisíveis com facilidade

Graus de dificuldade à intubação

Figura 5 – Classificação de Cormack e Lehane.

Graus de dificuldade à intubação

Classificação de Cormack e Lehane

Grau 1

Grau 2

Grau 3

Grau 4

Figura 6 – Manobra de Sellick.

Manobra de Sellick

. Paciente deitado

. Hiperextensão do pescoço

. Pressão com os polegares acima da cartilagem tireoide

OA

PA

LA

TÉCNICAS AVANÇADAS DE INTUBAÇÃO (VIAS AÉREAS DIFÍCEIS)

Uma vez que não seja possível estabelecer o acesso ade-quado à via aérea do paciente pela via orotraqueal, existemtécnicas alternativas de aquisição desta. As principais sãocomentadas a seguir (Algoritmo 1).

Vias supraglóticas

Intubação nasotraqueal

Nesta técnica é necessário que o indivíduo esteja respi-rando. A técnica consiste em introduzir a cânula nasotra-queal por uma das narinas e através da audição do médicointroduzir a cânula quando houver sensação do alinha-mento entre a cânula e a via aérea do paciente. Existe a pos-sibilidade de realizar esta técnica introduzindo-se a cânulae com a ajuda de uma pinça, através da boca aberta, fazê-lana posição adequada, conforme Figura 7.

Esta técnica pode ser bastante desconfortável e podeestar associada a lesão nasal (laceração de mucosa, fraturade cornetos etc.), sendo contraindicada na suspeita de le-sões/fraturas de base de crânio.

Máscara laríngea

Este dispositivo bastante utilizado em ambiente cirúrgicopode ser útil em intubações por intervalos de tempos curtos oucomo técnica alternativa para obtenção de via aérea definitiva.

Consiste em dispositivo que se molda à via aérea supe-rior do paciente, que pode ser introduzido sem o auxílio delaringoscópio; sistema semelhante é o fast track, que con-siste em dispositivo que permite a introdução de cânulaorotraqueal com técnica similar à da máscara laríngea(Figura 8).

As potenciais complicações deste procedimento são ainadequação da ventilação por falta de acoplamento apro-priado da prótese à via aérea do paciente com consequentedesoxigenação, hiperinsuflação esofágica e possibilidade deregurgitação e aspiração de conteúdo gástrico.

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Não eficaz

Sucesso na tentativade intubação

Falha na tentativa de intubação

Eficaz

Situação eficaz: manterventilação

Máscara laríngea

Ventilação eficaz com máscara facial (MF)

Ventilação não eficaz commáscara facial (MF)

Situação grave eemergencial

Tentar técnicas não invasivasde intubação

• Combitubo• Broncoscopia

Ineficazes ou não disponíveis

• Cricotireoidostomia• Traqueostomia

Considerar técnicas invasivas deemergência

Algoritmo 1. Via aérea difícil

Tentativa de intubação após sedação adequada

A partir deste pontoconsiderar chamar ajuda

Figura 7 – Intubação nasotraqueal.

Intubaçãonasotraqueal

1

2

3

Figura 8 – Máscara laríngea: introduz-se gentilmente pela boca com oauxílio dos dedos e o cuff desinsuflado; quando na posição (2), insufla-seo mesmo através da via com balão (3).

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Figura 10 – Combitubo no esôfago.

Combitubo

Este é um dispositivo que foi desenvolvido para intu-bações às cegas, para uso por socorristas/paramédicos econsiste em um sistema com dois tubos em paralelo comsistemas de acoplamento diferentes e um sistema de cuffsque permite o isolamento da via aérea e do esôfago.

Introduzido pela cavidade oral sem auxílio de qual-quer instrumento, promove-se a insuflação dos cuffs e tes-ta-se qual via está dentro da via aérea; na maioria das ve-zes a via esofágica estará alinhada com o esôfago e a viapara ventilação será o outro tubo (conforme Figura 10).Na “infelicidade” de a via esofágica adentrar a via aérea,basta ventilar o doente por meio desta (Figura 11).

As complicações que podem advir deste procedimentosão as lesões da via aérea superior e do esôfago, como lace-rações até a hipoxigenação e aspiração quando do não-re-conhecimento da ventilação esofágica.

Broncoscopia

Nesta técnica introduz-se a cânula sob visão direta, en-volvendo aparelho (que pode ser rígido ou flexível) atravésdo qual é possível a visualização direta da anatomia da viaaérea conforme o dispositivo é introduzido.

Esta é considerada a maneira mais segura e adequadade obtenção de acesso à via aérea, no entanto o custo e anecessidade de profissional habilitado fazem com que estatécnica não seja utilizada rotineiramente, devendo ser ado-tada em casos selecionados.

Vias subglóticas

Ventilação transtraqueal/cricotireostomia

Consiste em técnica alternativa emergencial para ga-rantir mínima oxigenação enquanto se providencia a viadefinitiva.

A

B

Figura 9 – Fast track.

C

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tremidade introduz-se uma cânula orotraqueal de tamanhoadequado sobre este guia até ganhar a via aérea e retira-se ofio-guia pelo sítio de punção, introduzindo-se por comple-to a cânula, conforme mostrado na Figura 13.

As complicações desta técnica são semelhantes às dacricotireoidostomia percutânea, além da possibilidade delesões das pregas vocais e estruturas da orofaringe quandoda passagem do fio-guia.

Traqueostomia

Este é um procedimento mais sofisticado para obten-ção de acesso à via aérea, podendo ser realizado por pelomenos duas técnicas distintas – na prática é pouco utiliza-da a sala de emergências pelo tempo que se despende pararealizá-lo. Suas indicações são a aquisição de acesso à via aé-rea naqueles indivíduos em que não foram possíveis as téc-nicas descritas anteriormente, impossibilidade das vias su-praglóticas por alterações anatômicas (tumores, porexemplo), prevenção de sequelas fonatórias ou estenose detraqueia em indivíduos sob ventilação mecânica prolonga-da, conforto e facilidade de cuidados como aspiração, dimi-nuição do espaço-morto fisiológico e diversas outras situa-ções específicas (obesidade, hipoventilação, apneiaobstrutiva do sono grave etc.).

Do ponto de vista técnico pode ser realizada em am-biente de centro cirúrgico através de técnica operatória cu-jos tempos e passos cirúrgicos não vêm de encontro ao ob-jetivo deste texto ou de forma percutânea, por punção, cujatécnica será descrita abaixo.

Localiza-se a membrana cricotireoidea e, a partir desta,procede-se então à punção da membrana entre o primeiroanel traqueal e o segundo ou entre o segundo e o terceiroanéis traqueais com um jelco; passa-se então um fio-guiaquando o jelco atingir a traqueia (vide técnicas de ventila-ção transtraqueal). A partir deste fio-guia é introduzidauma série de “velas” de dilatação de diâmetros progressiva-mente maiores até que seja possível introduzir uma “enca-pada” pela cânula de traqueostomia que é então posiciona-da adequadamente. O procedimento é muito mais segurose realizado com o auxílio de broncoscopia, que orienta to-dos os passos e flagra eventuais desvios (Figura 14).

As complicações mais sérias destes procedimentos(tanto cirúrgico como percutâneo) são os sangramentos,que devem ser prontamente diagnosticados e tratados, seabundantes ou se trouxerem risco à patência da via aérea. Atraqueostomia percutânea não broncoscópio-assistida pa-rece ser bem segura; no entanto, lesões e complicações po-dem ser tardiamente detectadas, sendo este um risco quedeve ser pesado. Outras potenciais complicações destas téc-nicas são as lesões da glândula tireoide (em especial seuistmo), assim como do nervo laríngeo-recorrente e conse-quente paralisia de pregas vocais.

Do ponto de vista técnico, consiste em introduzir umcateter conectado a uma fonte de oxigênio no interior datraqueia por via de punção percutânea, que deve seguir osseguintes passos:

Identifica-se a membrana cricotireoidea e procede-se àsua punção com um cateter sobre agulha (Jelco) no 14 aco-plado a uma seringa com água, tracionando-se o êmbolo.Uma vez atingido o interior da traqueia (a água no interiorda seringa borbulhará), introduz-se a parte plástica do jel-co sem a agulha-mandril apontando-se para a extremidadecaudal do paciente. Conecta-se, então, uma seringa de 3mL sem o êmbolo no cateter e na seringa um adaptador decânula orotraqueal no 6. Pode-se então acoplar o sistema aum ambu ou o cateter direto a uma fonte geradora de flu-xo contínuo de oxigênio e um sistema valvular (para per-mitir a insuflação e desinsuflação do sistema), conformemostrado na Figura 12.

As complicações deste procedimento são as potenciaislesões vasculares e do istmo da glândula tireoide, asfixiapor sangramento para o interior da via aérea e insuficiên-cia de fluxo de oxigênio para os pulmões.

Intubação retrógrada

Esta é uma estratégia alternativa à intubação orotra-queal nos casos difíceis em que se procede a punção damembrana cricotireoidea da mesma maneira que relatadaanteriormente, mas ao invés de se orientar o jelco no senti-do caudal faz-se no sentido cranial e utiliza-se deste para in-troduzir um fio-guia (peça metálica maleável, comprida efina) que exterioriza-se pela cavidade oral. A partir desta ex-

Figura 11 – Combitubo na traqueia.

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2 nn VIA AÉREA 19

Membranacricotireoide

Membranatíreo-hioide

Aspirar o ar

Aberturada laringe

Traqueiaanterior

Posição caudal

Traqueiaposterior

C - CricoideT - TireoideH - Hioide

30o

A B

C D

E

Figura 12 – Cricotireostomia por punção.

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ATUALIZAÇÃO EM EMERGÊNCIAS MÉDICAS20

n A intubação orotraqueal é uma causa frequente de complicaçõesrelacionadas às emergências.

n As causas de complicações na intubação são: ventilação difícil,falha em reconhecer intubação esofágica e dificuldade ou mesmoimpossibilidade de intubação.

n A tentativa ótima de laringoscopia deve ser buscada o maisprecocemente possível, pois múltiplas tentativas podem levar aedema e sangramento laríngeo, trazendo dificuldade ou mesmoimpossibilidade de ventilação.

n As sequelas associadas à intubação inadequada da via aéreadifícil incluem: trauma à via aérea, lesão de lábios/dentes,traqueostomia desnecessária, lesão cerebral, paradacardiorrespiratória e morte.

n Via aérea difícil é a situação clínica na qual o médico treinado temdificuldade em intubar um paciente, manter ventilação manualsob máscara facial ou ambos.

n A intubação é definida como “difícil” quando há a necessidade demais de três tentativas ou duração superior a 10 minutos para ocorreto posicionamento do tubo traqueal, utilizando-se delaringoscopia convencional.

n Desde que não haja contraindicação, a sedação com ou sem obloqueio neuromuscular são imprescindíveis para uma intubaçãocorreta e constitui a melhor maneira de evitar iatrogeniasrelacionadas ao procedimento.

CONCLUSÕES

Figura 14 – Traqueostomia percutânea. A: Delimitar a anatomia e localizar o anel traqueal. B: Inserir o cateter entre o 1o e o 2o anel traqueal. C: In-trodução de fio-guia. D-H: Introdução de dilatadores, de diâmetros progressivamente maiores, até a inserção da cânula de traqueosto-mia (H). (Continua)

A B

C D

Figura 13 – Intubação retrógrada.

A - Inserir agulha com fio-guia (semelhante à cricotireosdotomia) apenas com direção ligeiramente cranial.

B - Progredir o "guia" (máscara) até sair por via oral.

C - Através do guia, inserir o tubo orotraqueal.

D - Retirar o guia da porção distal.

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Figura 14 – (Continuação) Traqueostomia percutânea. D-H: Introdução de dilatadores, de diâmetros progressivamente maiores, até a inserção dacânula de traqueostomia (H).

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