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Universidade do Extremo Sul Catarinense Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais DESENVOLVIMENTO HUMANO SUSTENTÁVEL: UM ESTUDO DE CASO SOBRE A COOPERATIVA DE PRODUÇÃO AGROPECUÁRIA TERRA E VIDA COOPERVITA LTDA- TAPEJARA-RS. Caroline Benvenuti Criciúma, SC 2009

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Universidade do Extremo Sul Catarinense

Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais

DESENVOLVIMENTO HUMANO SUSTENTÁVEL: UM ESTUDO DE CASO

SOBRE A COOPERATIVA DE PRODUÇÃO AGROPECUÁRIA TERRA E VIDA –

COOPERVITA LTDA- TAPEJARA-RS.

Caroline Benvenuti

Criciúma, SC

2009

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Caroline Benvenuti

DESENVOLVIMENTO HUMANO SUSTENTÁVEL: UM ESTUDO DE CASO

SOBRE A COOPERATIVA DE PRODUÇÃO AGROPECUÁRIA TERRA E VIDA –

COOPERVITA LTDA-TAPEJARA-RS.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Ciências Ambientais da Universidade

do Extremo Sul Catarinense para obtenção do Título

de Mestre em Ciências Ambientais.

Área de Concentração: Sociedade, Desenvolvimento

e Meio Ambiente.

Orientadora:

Prof. Dra. Teresinha Maria Gonçalves.

Criciúma, SC

2009

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Caroline Benvenuti

DESENVOLVIMENTO HUMANO SUSTENTÁVEL: UM ESTUDO DE CASO

SOBRE A COOPERATIVA DE PRODUÇÃO AGROPECUÁRIA TERRA E VIDA –

COOPERVITA LTDA-TAPEJARA-RS.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Ciências Ambientais da Universidade

do Extremo Sul Catarinense para obtenção do Título

de Mestre em Ciências Ambientais.

Área de Concentração: Sociedade, Desenvolvimento

e Meio Ambiente.

BANCA EXAMINADORA

Dra. Teresinha Maria Gonçalves (Orientadora)

Doutora em Meio Ambiente e Desenvolvimento – UNESC

Dr. Geraldo Milioli

Doutor em Engenharia de Produção e Sistemas- UNESC

Dr. José Ivo Follmann

Doutor em Sociologia - Universite Catholique de Louvain.

Page 4: 000051 a3

Aprovação

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Á Deus, por ter colocado pessoas tão especiais no

meu caminho durante essa trajetória e por não ter me

desamparado em momento algum.

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AGRADECIMENTOS

Tantas foram as pessoas que contribuíram com este trabalho, seja com seus

conhecimentos, vivências ou até mesmo aquele apoio em um momento difícil.

Os meus sinceros agradecimentos à minha família que não mediu esforços e sonhou

junto comigo.

Aos meus amigos pelo incentivo, especialmente à Micheli e Milena por terem me

acolhido nesta cidade (Criciúma).

Ao Tiago, pelo companheirismo e carinho.

Não somente aos participantes da pesquisa, mas estendo minha gratidão a todos os

membros da COOPERVITA LTDA, pela colaboração, pelo calor humano e pelo grande

exemplo que vou levar para minha vida.

A todos os colegas e professores deste curso. Entendo agora o que é trabalhar de

forma multidisciplinar. Este trabalho tem, com certeza, um pouco de cada um de vocês: seus

comentários em sala de aula, suas experiências de vida, seus sonhos...as nossas esperanças.

Por fim, agradeço à minha professora orientadora Maria Teresinha Gonçalves. Por

ter me apresentado a Psicologia Ambiental, tema tão fascinante. Pela preocupação, pela

dedicação e apoio.

Page 7: 000051 a3

“Mas Deus escolheu as coisas loucas deste mundo

para confundir as sábias; e Deus escolheu as coisas

fracas deste mundo para confundir as fortes” (1 Co

1:27).

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RESUMO

Vivemos em um tempo paradoxal, ou seja, o que acontece na nossa sociedade é levado por

uma contradição lógica.Essas contradições são decorrentes de um modelo de desenvolvimento

que tem como sinônimo apenas o crescimento econômico. Assim, diz-se que determinado

pais é desenvolvido quando o mesmo possui um elevado PIB (Produto Interno Bruto). Para

esse modelo, o que está em jogo é o capital, sem levar em consideração de onde ele

provém.As pessoas foram consideradas como máquinas, visando a mão-de-obra barata e não a

individualidade.Temos constantemente ouvido falar em qualidade de vida. E pergunto: como

vamos alcançá-la através de um modelo de desenvolvimento tão reducionista, que tem apenas

a riqueza material como foco? Sabemos que nossas necessidades vão muito além disso,

precisamos ter acesso a saúde, educação, resguardar nossa cultura, ter um meio ambiente

equilibrado, viver em comunidade sem medo da violência. Uma nova tendência acredita que

as pessoas devam ser o centro do desenvolvimento. Essa teoria desenvolvimentista é chamada

de Desenvolvimento Humano Sustentável. Em síntese, o novo modo de ver o

desenvolvimento afirma que ele deve ser: das pessoas, pelas pessoas e para as pessoas.

Embora se trate de um tema recente, acredita-se que essa noção possa ser utilizada na

formulação de políticas públicas, que buscam uma forma mais justa e eqüitativa de ver o

desenvolvimento. Tratamos essa nova visão aplicada ao cooperativismo, tendo como objeto

de pesquisa a experiência da Cooperativa de Produção Agropecuária Terra e Vida-

COOPERVITA LTDA, localizada em Tapejara, Rio Grande do Sul. A economia solidária

surgiu como uma forma de resistência das minorias, a um sistema de padronização e exclusão

social. Em meio a isso valores e princípios são empregados, como é o caso da solidariedade.

Através do cooperativismo, a competição dá espaço à cooperação, a construção da

subjetividade, ao respeito à diversidade humana e cultural. A abordagem de Amartya Sen, fala

sobre um desenvolvimento como liberdade, como reflexo da expansão das liberdades

substantivas. Enfocamos como resultante do processo do Desenvolvimento Humano

Sustentável um agente de mudanças, um sujeito autônomo, capaz de influenciar a sociedade,

fazer suas próprias escolhas, de acordo com aquilo que ele julga ser importante no seu modo

de vida. Um cidadão que visa não somente uma cidadania referente ao exercício de direitos e

deveres, mas uma cidadania planetária, que se preocupa a conseqüência das suas ações.

Palavras-chave: Desenvolvimento Humano Sustentável; Cooperativismo; Subjetividade.

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ABSTRACT

We live in a time paradox, is the case in our society is led by a logical contradiction. These

contradictions are caused by a type of development that has as a synonym only economic

growth. Thus, it says that a parent is developed when it has a high PIB. For this model, which

is in game is the capital,without taking account of where come. As people were seen as

machines, to the labor-cheap and not individuality. We have constantly heard about the

quality of life. And I ask: how do we achieve it through a development model as reductionist,

it is only the material wealth as a focus? We know that our needs go much further, we have

access to health, education, protecting our culture, have a balanced environment, living in the

community without fear of violence. A trend that people believe to be the center of

development. This theory is called the developmental Sustainable Human Development. In

summary, the new way of seeing development states that it should be: the people, by people

for people. Although this is a recent issue, it is believed that this concept can be used in the

formulation of public policies that seek a more just and equitable to see the development. We

applied this new vision of cooperation, with the object of the search experience of the

Cooperativa de Produção Agropecuária Terra e Vida- COOPERVITA LTDA, located in

Tapejara, Rio Grande do Sul. The social economy has emerged as a strength of minorities, a

system of standardization and social exclusion. Among the values and principles that are

employed, such as solidarity. Through cooperation, the competition gives room for

cooperation, the construction of subjectivity, respect for human diversity and culture. The

approach of Amartya Sen, talks about a development as freedom, reflecting the expansion of

substantive freedoms. Focus as a result of the process of Sustainable Human Development an

agent of change, an autonomous subject, capable of influencing the society, make their own

choices according to what he thinks is important in its way of life. A citizen who seeks not

only referring to an exercise of citizenship rights and duties, but a global citizenship, which

concerns the consequences of their actions.

Keywords: Sustainable Human Development; Cooperatives; Subjectivity.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Imagem aérea da unidade de pesquisa – Cooperativa de Produção Agropecuária

Terra e Vida – COOPERVITA LTDA. .................................................................................... 19

Figura 2: Colheita de morangos por associados, no início das atividades da COOPERVITA

LTDA. ...................................................................................................................................... 22

Figura 3: Produção na Agroindústria, mão-de-obra predominantemente feminina. ................ 26

Figura 4: Bandeira do Brasil ..................................................................................................... 52

Figura 5: Diagrama Desenvolvimento Humano Sustentável....................................................66

Figura 6: Igreja católica da Comunidade de Vila Campos. ...................................................... 74

Figura 7: Onça capturada nos anos 70. ..................................................................................... 79

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

COOPERVITA LTDA – Cooperativa de Produção Agropecuária Terra e Vida Ltda

PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

PNUMA – Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente

ONU – Organização das Nações Unidas

UNESC – Universidade do Extremo Sul Catarinense

MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra

UPF – Universidade de Passo Fundo

PIB – Produto Interno Bruto

ONGs – Organizações Não Governamentais

CMMAD – Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento

RS – Rio Grande do Sul

SC – Santa Catarina

DDT – Diclorodifeniltricloretano

PRONAF – Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar

CPAs – Cooperativas de Produção Agropecuária

EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária

SIES – Sistema Nacional de Economia Solidária

OCB – Organização das Cooperativas Brasileiras

ACI – Aliança Cooperativa Internacional

IDH – Índice de Desenvolvimento Humano

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 12

1.1 Justificativa ....................................................................................................................... 14

1.2 Objetivos ............................................................................................................................ 16

2 O PERCURSO METODOLÓGICO ................................................................................. 17

2.1 Metodologia do Trabalho ................................................................................................. 17

2.2 Características da Pesquisa ............................................................................................. 17

2.3 Sobre a Unidade de Pesquisa ........................................................................................... 18

2.3.1 Contexto .......................................................................................................................... 19

2.3.2 Primórdios e Construção da Identidade Cooperativa ...................................................... 21

2.3.3 Áreas de atuação .............................................................................................................. 25

3 A CONSTRUÇÃO DA SUBJETIVIDADE ....................................................................... 27

3.1 Identidade: o Individual e o Social .................................................................................. 30

3.2 Atores Sociais e Identidade de Papéis ............................................................................. 34

3.3 O Lugar e seu Conteúdo Simbólico ................................................................................ 37

4 SOCIEDADE, DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE: DA PERFEIÇÃO DA

CRIAÇÃO AOS DESAFIOS DA CONTEMPORANEIDADE ......................................... 41

4.1 Criou Deus os Céus e a Terra (Gênesis 1.1) ................................................................... 42

4.2 A Natureza que Chora com Dores de Parto ................................................................... 45

4.2.1 A Policrise Planetária ...................................................................................................... 50

4.3 Correndo atrás do Vento: Desenvolvimento, Sustentável para Quem? ...................... 54

5 O NOVO PARADIGMA DO DESENVOLVIMENTO HUMANO SUSTENTÁVEL . 60

5.1 Conceito, Abrangência e Finalidades ............................................................................. 60

5.2 As Fomes Coletivas ........................................................................................................... 66

5.3 Tirando a Casca da Semente: Algumas Premissas para o Desenvolvimento Humano

Sustentável ............................................................................................................................... 69

6 AGRICULTURA E SUSTENTABILIDADE ................................................................... 76

6.1 A Agricultura Familiar: as Mãos no Arado. .................................................................. 76

6.2 A Crise no Campo ............................................................................................................ 79

6.2.1 As Revoluções Tecnológicas ........................................................................................... 82

6.3 (Re) Construção: O Ecológico na Agricultura ............................................................... 86

7 O COOPERATIVISMO: TECENDO NOVOS CAMINHOS ........................................ 90

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7.1 Breve Histórico da Economia Solidária ......................................................................... 91

7.1.1 No Brasil .......................................................................................................................... 93

7.2 A Identidade Cooperativa ................................................................................................ 95

7.2.1 Princípios ......................................................................................................................... 97

7.3 O Humano no Cooperativismo ...................................................................................... 100

7.3.1 A Solidariedade ............................................................................................................. 102

7.3.2 A Emancipação Social ................................................................................................... 103

7.3.3 A Educação Cooperativa ............................................................................................... 106

CONCLUSÃO ....................................................................................................................... 108

REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 116

APÊNDICE ........................................................................................................................... 123

ANEXOS ............................................................................................................................... 147

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12

1 INTRODUÇÃO

O sujeito se funda na coletividade, ou seja, só é possível constituir-se sujeito pelo

outro. O sujeito é individual no sentido de que é um ser singular, único, com sua história, sua

personalidade, seus desejos e sua visão de mundo. A Humanidade impressa no sujeito é dada

pela coletividade, pelo ato de relacionar-se com seus semelhantes. Está implícito no humano

valores que se agregam à vida no sentido de torná-la possível de forma pacífica, saudável e

criativa, portanto, sustentável.

O conceito de sustentabilidade está de certo ponto contaminado pelo conceito de

sustentabilidade econômica. Este trabalho apresentará o esforço para construí-lo de uma

forma mais abrangente que encontramos na literatura. O Programa das Nações Unidas para o

Desenvolvimento, por exemplo, aborda o conceito do Desenvolvimento Humano Sustentável

mencionando as dimensões da erradicação da pobreza, a promoção da equidade e inclusão

sociais, da igualdade de gênero e raça, da sustentabilidade ambiental, da participação política

dos direitos humanos.

Segundo Gonçalves (2009) esses são princípios morais e sociais ligados a teoria do

Estado de Direito e da cidadania. Válidos, deverão ser perseguidos sempre. Porém, ressalta a

autora que esses princípios de cidadania serão efetivados por uma coletividade formada de

seres humanos de subjetividade integrada, amorosos, criativos, solidários.

Habermas fala da razão e agir comunicativos em oposição a razão e agir

instrumentais. Da mesma forma, Moscovici fala de universos reificados e consensuais. Esses

autores nos dão instrumentos para pensar nos tipos diversos de sociedade, a razão e o agir

comunicativo de Habermas se opõe a razão e agir instrumentais da atual sociedade

contemporânea regidas pelos princípios do capitalismo. Da mesma forma, os universos

consensuais de Moscovici se opõem ao universo reificado do capitalismo. Assim sendo, a

cooperação torna-se mais exeqüível nesses tipos de pensar e agir. Uma cooperativa, seja para

qual finalidade for, só alcançará os objetivos coletivos quando formada por sujeitos singulares

cuja personalidade se desenvolveu em um coletivo saudável, ou seja, em uma sociedade justa

e igualitária. Ou então, na reflexão sobre essa possibilidade de sociedade.

Harvey (1998) fala dos tempos individuais na vida social. As práticas materiais de

que os nossos conceitos de espaço e de tempo são tão variadas e estão envolvidas em uma

gama de experiências coletivas. Nas práticas cotidianas os sujeitos são movidos por um

propósito de engajamento em projetos que absorvem tempo através do movimento no espaço.

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13

Dessa forma, Harvey nos faz pensar a dinâmica da cooperativa onde cada membro desenvolve

sua biografia nesse espaço-tempo onde ele constrói o coletivo e a si mesmo.

Quais são os universos da cooperativa? Que imaginário se constrói ali? Se a

cooperativa tenta uma nova forma de produção diferente daquelas ditadas pela lógica do

mercado poderemos levantar a hipótese de que essa cooperativa estaria imersa em um

universo consensual que, no dizer de Moscovici (2003) haveria possibilidade de diálogo, de

construção de regras, de agregação de valores humanos. E no dizer de Habermas seria o

universo regido pela razão comunicativa que, por meio do diálogo, buscaria o consenso para

manutenção da produção e da vida coletiva.

Na fala dos entrevistados aparecem referências a vivências do coletivo, como por

exemplo, a divisão de tarefas na manutenção da casa e nos trabalhos da lavoura, a renda era

familiar e não individual. O universo rural coloca necessariamente o sujeito na

interdependência com outros sujeitos, principalmente se for o universo rural dos pequenos

proprietários, da agricultura familiar.

Habermas (1987) atenta para a necessidade de construirmos uma linguagem

competente para que todos possam chegar ao desenvolvimento. Esses proferimentos

linguísticos seriam como atos de fala através dos quais chegaríamos ao entendimento sobre

algo no mundo.

Para Habermas (1987) quando eu falo, eu ajo. Nesse sentido, a teoria não estaria

despregada da realidade. Ao explicar o fato, estaríamos analisando criticamente um dado de

realidade estando implícito aí a perspectiva da mudança. Toda ação é precedida de uma

intenção. Nessa intenção está contido um conteúdo pragmático. Esse sentido performativo de

uma ação de fala só é captado por um ouvinte potencial que assume um enfoque de uma

segunda pessoa, abandonando a perspectiva do observador e adotando a do participante.

Habermas (1987) quer dizer que essa é a perspectiva do sujeito ouvinte, porque na

linguagem competente e comunicativa é tão importante ouvir quanto falar. Essa prática é

embasada por esses conceitos de razão e ação comunicativa de Habermas e podem se

constituir instrumentos numa dinâmica coletiva como no caso das cooperativas. A eficiência e

a eficácia de um sistema de produção cooperativo se dá por meio de sujeitos potencialmente

capazes de uma linguagem competente onde todos falam e decifram os mesmos códigos e só é

possível pela razão e ação comunicativa.

Esse trabalho pretende analisar a prática da Cooperativa de Produção Agropecuária

Terra e Vida- COOPERVITA LTDA na perspectiva teórica explicitada por esses e outros

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14

autores com o objetivo de contribuir para o enriquecimento do conceito de Desenvolvimento

Humano Sustentável no âmbito das Ciências Ambientais.

1.1 Justificativa

Tive, desde criança, muitas experiências e grande convívio com famílias de pequenos

agricultores no Rio Grande do Sul, região do Planalto Médio. Tamanha a minha admiração e

respeito por estes que trabalham com a terra e na sua simplicidade lutam por uma vida

melhor.

Sempre percebi suas dificuldades, o que comovia e me fazia refletir sobre a

desvalorização de tal trabalho e porque não dizer do ser humano, já que muitas eram as

impossibilidades e poucas as oportunidades de mudanças. Enquanto eu, morava na cidade e

acordava meia hora antes do horário da escola, um filho de agricultor que estudava na mesma

classe e morava no meio rural tinha que acordar ainda de madrugada, caminhar por um longo

percurso até chegar ao local onde pegava a condução, e às vezes passar a manhã toda molhado

nos dias de chuva.

Todos esses fatores me levaram à indagações sobre as liberdades substantivas, de

escolhas, sobre as heranças culturais e a atual situação problemática dessas pessoas que

dependiam do Estado e muitas vezes não tinham o apoio necessário. São pessoas que

“adotaram” uma maneira de viver, baseada num sistema capitalista, e que viviam visando

atingir um padrão, algo mostrado como ideal pela sociedade.

Ao analisarmos o padrão de desenvolvimento rural decorrente do modelo

produtivista, fica notório que o mesmo fez surgir uma série de conseqüências prejudiciais nos

âmbitos social, econômico, cultural e ambiental.

A fragmentação do saber tradicional e do meio ambiente, através do sistema

biotecnológico vigente, vincula os agricultores a uma extremada dependência. A falta de

perspectivas no campo, já evidente na época da Revolução Verde, faz com que os mesmos

percam seu referencial e deixem de atuar em suas propriedades. Essa migração do campo para

as cidades, traz conseqüências tanto pessoais quanto sociais. Sendo uma das mais graves o

desenraizamento das pessoas de sua cultura, de suas origens e de sua história. As

consequências sociais se expressam na degradação sócioambiental das cidades que não têm

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15

estrutura suficiente de se preparar para receber esses contingentes de desempregados e

abandonados do campo.

Segundo a EMATER (2006), a partir da introdução do modo de Plantio Direto, por

volta de 1990, os agricultores gaúchos se viram obrigados a fazer parte do sistema moderno

de maquinários. As famílias deixaram de plantar de forma tradicional e passaram a lidar com

graves problemas, determinados pelo endividamento resultante da aquisição de máquinas,

implementos, insumos e o surgimento de mão-de-obra ociosa pela substituição do trabalho

braçal pelas máquinas.

Ressaltando a inegável importância da agricultura e dos seus impactos

socioeconômicos e ambientais, cabe fazer uma reflexão acerca do desenvolvimento humano

no meio rural. Esse trabalho visa tratar do Desenvolvimento Humano Sustentável, que deve

ser analisado sob um olhar interdisciplinar, pois objetiva satisfazer as necessidades humanas,

econômicas, sociais, ambientais e culturais da geração atual sem comprometer os direitos das

que estão por vir.

Como escreve Morin (1995, p. 109):

A noção de desenvolvimento deve tornar-se multidimensional, ultrapassar ou

romper os esquemas não apenas econômicos, mas também civilizacionais e culturais

ocidentais que pretendem fixar seus sentidos e suas formas. Deve romper com a

concepção do progresso como certeza histórica, e deve compreender que nenhum

desenvolvimento é adquirido para sempre: como todas as coisas vivas e humanas,

ele sofre o ataque do princípio da degradação e precisa incessantemente ser

regenerado.

Segundo Santos (2002, p. 29), as alternativas ao sistema capitalista criam novos

espaços onde imperam três fatores essenciais: igualdade, os frutos do trabalho são distribuídos

de maneira eqüitativa pelos seus produtores e o processo de produção implica a participação

de todos na tomada de decisões, como nas cooperativas de trabalhadores; solidariedade, o que

uma pessoa recebe depende das suas necessidades e a contribuição depende da sua

capacidade; proteção ambiental, em nome da proteção do meio ambiente, a escala e o

processo de produção se ajustam a imperativos ecológicos, mesmo quando eles contrariam o

crescimento econômico.

Dessa forma, a relevância do trabalho diz respeito à discussão sobre a possibilidade

da melhoria da qualidade de vida no meio rural; maiores oportunidades e capacitação; uma

forma solidária de economia; liberdade; equilíbrio ambiental; e acima de tudo, possibilidade

de se manter no campo com a dignidade que por direito lhes deve ser atribuída.

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16

1.2 Objetivos

Esse trabalho tem como objetivos complementares:

Verificar se os princípios do conceito de Desenvolvimento Humano Sustentável

ocorrem no processo de organização e atuação da COOPERVITA LTDA.

Realizar uma reflexão sobre os limites e possibilidades para o Desenvolvimento

Humano Sustentável, dentro dos moldes da agricultura atual no Brasil;

Realizar um estudo de história de vida de determinados membros da COOPERVITTA

LTDA, enfatizando os aspectos pessoais, sociais, ambientais e econômicos.

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17

2 O PERCURSO METODOLÓGICO

2.1 Metodologia do Trabalho

Este capítulo vai ressaltar a metodologia que foi utilizada para a elaboração deste

trabalho. Foi uma busca para fazer a melhor reflexão possível sobre o marco teórico, a fala

dos entrevistados e a essência presente em cada visita ao objeto de estudo: a cooperativa.

Tamanha foi a dedicação visando o entrosamento com as pessoas, o lugar e cada detalhe que

trazia à tona a identidade ali presente.

Assim, tratamos aqui sobre os métodos de pesquisa escolhidos, a explanação sobre a

unidade de pesquisa, definição da amostra, métodos de entrada em campo e contato com os

entrevistados.

2.2 Características da Pesquisa

Esta pesquisa se caracteriza como qualitativa. Para Bauer e Gaskell (2002, p. 91)

“não há experiência humana que não possa ser expressa na forma de narrativa (transhistórica,

transcultural...), [...] está simplesmente ali como a própria vida.”

O método adotado para esta pesquisa é o estudo de caso, que consiste no “[...] estudo

profundo e exaustivo de um ou de poucos objetos, de maneira a permitir conhecimento amplo

e detalhado do mesmo [...]” ( GIL, 1989, p. 78 apud GONÇALVES, 2006).

A coleta de dados se deu por meio de entrevistas-narrativas, que segundo

Jovchelovitch e Bauer (2002, p. 90) “são histórias contadas por pessoas de determinados

grupos ou comunidades cujas palavras e sentidos são específicos à sua experiência e ao seu

modo de vida”. Ainda, acompanharam as entrevistas um diário de campo que narra algumas

análises da pesquisadora obtidas por observação sistemática do lugar, modo de vida e

entrosamento com os entrevistados. Por fim, foi feita uma pesquisa documental relativa ao

histórico da cooperativa, aspectos relativos a sua identidade e alguns aspectos da comunidade

na qual está localizada.

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18

A amostra da coleta de dados foi definida por 6 entrevistados, escolhidos de acordo

com as áreas especificas de trabalho na cooperativa, sendo assim selecionados:

Administrativo – 1 entrevistado

Produção vegetal – 1 entrevistado

Produção animal – 1 entrevistado

Industrialização – 2 entrevistados.

Os dados foram analisados pela técnica de conceitos chave que segundo Gonçalves

(2006, p. 39), “é uma técnica onde os conteúdos são analisados por meio de conceitos chaves

elencados do marco teórico da pesquisa ou dos discursos dos entrevistados”.

2.3 Sobre a Unidade de Pesquisa

A escolha da unidade de pesquisa foi feita não somente por questões de metodologia

de pesquisa, mas também por um envolvimento pessoal desta autora. Minha curiosidade sobre

a atuação da COOPERVITA LTDA teve início com uma relação de mera consumidora. Ao

obter produtos de origem ecológica, passei a me questionar sobre quem seriam as pessoas que

estavam “atrás” dessa produção e de que forma viviam. Então, fiz minha primeira visita à

cooperativa em questão.

No curso de Especialização em Direito Ambiental, da Universidade Federal de Santa

Catarina, abordei o tema Desenvolvimento Humano Sustentável na Agricultura Atual. No

entanto, não exigia-se uma pesquisa de campo, somente uma análise teórica. Por isso, ainda

tinha a vontade de voltar a estudar tal tema de forma mais profunda.

Ao ingressar no Mestrado em Ciências Ambientais da Universidade do Extremo Sul

Catarinense – UNESC tive a oportunidade de rever esse assunto, agora incluindo a

contribuição da Psicologia Ambiental e de uma unidade de pesquisa. De imediato, remeti-me

ao trabalho da cooperativa que evidencia uma preocupação sócioambiental.

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19

2.3.1 Contexto

A pesquisa se iniciou com as primeiras visitas à cooperativa, mesmo que

despretenciosas com relação às questões metodológicas visavam uma aproximação com os

associados e a observação da sua rotina, cultura e características peculiares do trabalhar

coletivo. Foi meramente uma forma de obter a necessária aproximação, mas sem

comprometer a relação de imparcialidade da pesquisadora com seus entrevistados.

O inverno rigoroso do Rio Grande do Sul foi o cenário da maioria das entrevistas, as

baixas temperaturas só eram amenizadas com o calor humano daquelas pessoas . No ano de

2008, seguiram-se então a série de cinco entrevistas.

A COOPERVITA LTDA localiza-se no Município de Tapejara, Rio Grande do Sul.

Este, segundo dados de Dallagasperina e Oliveira (2006), apresenta uma população de

aproximadamente 15.123 habitantes, sendo 20% moradores do meio rural, com predomínio de

agricultores familiares. A etnia dominante é composta por descendentes de italianos, cerca de

60% e alemães, 20%. A agropecuária representa 22,61% da sua economia, sendo as principais

culturas: milho, soja, trigo, cevada e as criações de gado de leite, suínos, e aves.

Figura 1: Imagem aérea da unidade de pesquisa – Cooperativa de Produção Agropecuária Terra e Vida –

COOPERVITA LTDA.

Fonte: EMATER/RS-ASCAR (2004).

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20

A cooperativa é formada por 18 famílias, totalizando 29 sócios. Sua estrutura fica na

Comunidade de Vila Campos, distante 8 Km da sede do município. As famílias, como a

maioria do município, são de descendência italiana. São famílias consideradas tradicionais na

região e muito conhecidas, algumas iniciaram a desbravação do lugar para dar início à prática

agrícola, como é o caso da família Gaiardo vinda de Caxias do Sul.

Suas instalações compreendem 13 estabelecimentos rurais, em uma área de 171,5

hectares. Neste espaço foram construídas moradias, pomares, hortas, espaços para criação de

animais (frangos e suínos), setor administrativo, fábrica de ração, panificadora e

agroindústria. A estrutura das instalações e moradias recebem luz elétrica, ainda possuem

poço artesiano para o abastecimento de água e serviço telefônico. Chama atenção a

concentração de tantas atividades em uma área de pequenas dimensões, na qual oito famílias

possuem o título de proprietários e quatro são arrendatários. De grande importância ressaltar

que todas essas edificações estão em uma área cedida em comodato por um dos associados.

O trabalho é desenvolvido tanto por mulheres quanto por homens. A maioria dos

homens trabalham no cultivo dos pomares, hortas e criação de animais; enquanto as mulheres

se dedicam à panificação e agroindústria. Mas, esta divisão varia de acordo com a

necessidade, algumas épocas exigem maior empenho em certas áreas.

As famílias estão envolvidas em vários núcleos da comunidade que pertencem.

Todas são da religião católica, e participam ativamente nas atividades da igreja local. Soma-se

a isso o envolvimento com a educação das crianças, já que possuem uma escola de ensino

fundamental com nucleação, fazendo parte desta alunos das comunidades próximas. Todas as

crianças em idade escolar estão matriculadas e possuem boa freqüência, contando também

com um ônibus municipal para transportá-las.

Os jovens freqüentam o ensino médio na rede estadual, na sede do município. Para

isso, também recebem a assistência do transporte público. Alguns cursam ensino superior, em

universidades da região. Sendo que dois deles já concluíram a faculdade de Engenharia de

Alimentos e Engenharia Agrícola, e ambos atuam na própria cooperativa.

O entrosamento com a comunidade é muito bom, tendo seus líderes voz ativa nas

decisões e grande influência na realização de melhoramentos no local, como é o caso do

asfaltamento feito na entrada da Vila. Ainda, anualmente ocorre um evento tradicional na sede

da Comunidade de Vila Campos, entre os meses de agosto e setembro, com o objetivo de

divulgar o consumo da carne suína. Tal evento consiste em um jantar organizado pela

COOPERVITA LTDA, que reúne autoridades do município, representantes de outras

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21

cooperativas e demais pessoas da região. Este, já entrou no calendário de eventos do mês de

comemoração do aniversário do município.

2.3.2 Primórdios e Construção da Identidade Cooperativa

A COOPERVITA LTDA foi criada a partir da iniciativa de seus sócios- fundadores

para um trabalho diferente na região. Inspiraram-se na organização dos assentamentos do

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra – MST, que já atuavam na área do

associativismo.

A agricultura familiar no Rio Grande do Sul, por volta de 1990, passou por uma

grande crise. Foi uma época marcada pela implantação do Plantio Direto, substituindo o

sistema de plantio utilizado até então, que consistia na grande mobilização do solo e uso de

produtos químicos. Os agricultores tiveram que se adaptar comprando novo maquinário,

fizeram dívidas e conviveram com a falta de trabalho decorrente da substituição da mão-de-

obra pelas máquinas.

Foi assim que o grupo começou a se mobilizar, em busca de sobreviver no campo as

primeiras experiências foram realizadas através de uma produção coletiva: de alho, alfafa e

outras culturas que tinham um custo baixo de produção. Em meio a muitas frustrações, a

organização de trabalho permaneceu e em 1991 foi formada uma associação de agricultores,

denominada de “Associação dos Agricultores do Condomínio Rural São Domingos”.

Foi justamente nesse contexto que o grupo de agricultores, que hoje formam a

COOPERVITA LTDA, perceberam que era necessário se unir para resistir no campo e buscar

novas alternativas que aliassem a preservação de suas origens com a subsistência familiar.

Em 1998, foi fundada a atual Cooperativa de Produção Agropecuária Terra e Vida-

COOPERVITA LTDA. Desde sua fundação muitas tentativas foram feitas, no sentido de

trabalhar a terra que possuíam utilizando a mão-de-obra dos membros das próprias famílias

associadas. De início, muitas fracassaram por falta de experiência, atingia-se bons índices de

produtividade e poucas oportunidades no mercado.

A associação começou então a investir, além dos produtos básicos para a subsistência

das famílias, em pomares e na suinocultura. Apesar da crise econômica e das dificuldades,

começaram a obter êxito nessas atividades. Ainda, como forma de agregar valor aos seus

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22

produtos, optaram pela industrialização de doces e conservas e pela produção baseada na

agroecologia.

A COOPERVITA LTDA é uma cooperativa de produção agropecuária, caracterizada

por voltar-se à industrialização do produto lavoureiro ou pecuário. Lauschner (1995, p.36)

conceitua a agroindústria como uma “unidade produtiva que transforma o produto

agropecuário natural ou manufaturado para utilização intermediária ou final”.

Figura 2: Colheita de morangos por associados, no início das atividades da COOPERVITA LTDA.

Fonte: EMATER/RS-ASCAR (2004).

Através do Estatuto Social é oficialmente constituída. Para efeito de admissão de

associados, abrange os municípios de Ibiaçá, Santa Cecília do Sul, Charrua, Sananduva, Vila

Lângaro, Água Santa, Passo Fundo e Coxilha.

A Assembléia Geral é o órgão máximo da sociedade cooperativa, podendo deliberar

todas as questões relativas a mesma, sendo que suas decisões serão consideradas aprovadas

sempre que obtiverem no mínimo 2/3 dos votos dos associados presentes.

Ainda, é formada por um setor administrativo que compreende: Conselho de

Administração, composto por três diretores associados, para um mandato de dois anos,

podendo ser reeleito para o mesmo cargo somente por mais um mandato consecutivo. É

formado por um Presidente, um Tesoureiro e um Secretário, eleitos em Assembléia Geral. A

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23

fiscalização dos seus atos é feita através de um Conselho Fiscal, composto por três membros

efetivos e três suplentes, eleitos anualmente em Assembléia Geral.

Tem como objetivo, segundo o seu Estatuto, promover o desenvolvimento

econômico, social e cultural de forma integrada das famílias associadas, elevando o nível de

renda, a qualidade de vida e garantindo a permanência dos mesmos no meio rural. Em linhas

mais especificas, seus objetivos são:

Desenvolver atividades produtivas visando o crescimento econômico, o desenvolvimento

sócio cultural e a utilização racional da mão-de-obra disponível;

Desenvolver um planejamento estratégico de desenvolvimento que leve em conta a

autosustentabilidade das propriedades, o incentivo, a criação de práticas alternativas de

produção orgânica e diversificada, a racionalização de maquinários e equipamentos

agrícolas, a agroindustrialização e a inserção dos produtos no mercado, bem como o bem

estar social de todas as famílias;

Realizar operações de comercialização em mercados locais, regionais e outras iniciativas

que permitem, individualmente ou em forma de parceria, a eliminação de atravessadores

no processo comercial;

Estimular e desenvolver a agroindustrialização da matéria prima disponível nas

propriedades, visando agregar valor aos produtos e viabilizar o desenvolvimento de

alternativas de produção primária com diversificação, escalonamento da renda e da

ocupação da força de trabalho;

Realizar atividades culturais, recreativas e educacionais que motivem ao trabalho coletivo;

Promover cursos, treinamentos, seminários e outros eventos, que permitam elevar os

conhecimentos técnicos;

Estimular e aprimorar as formas de cooperação entre as famílias, desenvolvendo uma

pratica de vivência coletiva de grupo e de fortalecimento de valores humanos da

solidariedade, partilha e fraternidade.

Ainda, segundo o seu Estatuto Social, é alicerçada nos princípios do cooperativismo,

ressaltando outras características como:

Organização de atividades produtivas onde os meios de produção são coletivos;

Assistência técnica e programas alternativos de desenvolvimento das propriedades

individuais;

Organização cooperativa de trabalho;

Desenvolvimento de atividades educacionais e sociais a todos os associados;

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24

Qualificação profissional para o trabalho dos associados e membros;

Seleção rigorosa para a admissão de novos associados.

A filiação à cooperativa pode ser efetuada, segundo o seu estatuto, por pessoas

físicas ou jurídicas que residam na área de atuação da mesma e comprovem a possibilidade de

contribuir com seus objetivos, sendo que a aprovação é realizada pela Assembléia Geral. Em

muitos casos a família é associada, não os agricultores individualmente, mas o casal e seus

filhos. A efetivação das filiações só ocorrerá aos a aprovação na Assembléia Geral e a

subscrição do montante das quotas partes desejadas, respeitando o montante mínimo definido

no Estatuto.

No início, o seu capital era traduzido pelo trabalho de cada membro, ou seja, cada

agricultor deveria contribuir com 150 horas, que posteriormente foi contabilizada no valor de

R$ 150, 00. Isso se justifica porque na época da sua formação a mão-de-obra era o maior bem

que possuíam, a forma que encontraram para gerar rendas nas terras. Atualmente, segundo a

regulamentação, a cota parte social é representada pelo valor mínimo de R$ 2.680,00. Em

termos de horas trabalhadas, o sócio contribui com 10 horas mensais ou o seu equivalente

caso não possa trabalhar.

Nota-se que mesmo que alguns sócios desempenham outras atividades, fazem

questão de manter esse vínculo de trabalho com a cooperativa, participando ainda que por um

tempo reduzido. Os mesmos fazem questão de se manter informados sobre o desenvolvimento

das atividades e o cotidiano da cooperativa.

Além da atuação dos sócios, a Cooperativa ainda emprega trabalhadores

permanentes, integrando sua mão-de-obra à disposição da Cooperativa; trabalhadores

temporários, que supre essa demanda eventualmente; e os contratados, que apenas prestam

alguns serviços.

O trabalho realizado é recompensado através das sobras e dos lucros. Segundo

Dallagasperina e Oliveira (2006), isso é dividido em três formas:

Remuneração do trabalho: calculada por hora, levando em consideração a projeção da

renda necessária para a manutenção da família e a renda prevista da produção coletiva;

Fundos de reservas legais;

Distribuição complementar, perante a Assembléia Geral Ordinária.

Ao tratar da remuneração do trabalho são respeitados os direitos como a hora extra

calculada em cinqüenta por cento do valor básico. Quando se refere ao trabalho temporário, o

valor da hora é determinado pela Assembléia. E, quando o trabalho for permanente, existe um

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25

acréscimo de quinze por cento ao valor básico da hora de trabalho. Quando existe a

necessidade de contratar mais pessoas, o valo básico da hora vai ser estipulado conforme a

especialidade de trabalho.

A cooperativa se preocupa muito com a questão da formação e capacitação. Para

isso, conta com Embrapa, EMATER/RS, Iterra, Universidade de Passo Fundo (UPF) e corpo

técnico da Perdigão. Assim, são realizados, cursos e treinamentos visando a formação de

líderes. Assim como recebe incentivos, também está sempre à disposição para receber alunos,

técnicos e professores na sua sede. É um momento de troca de experiências, no qual é relatado

desde o início das atividades, visitas às instalações e degustação dos produtos.

2.3.3 Áreas de atuação

O trabalho é dividido em duas unidades básicas: a da produção e da

agroindustrialização. A primeira consiste na produção vegetal e animal, com criação de suínos

e frangos. A produção vegetal é o principal abastecimento da agroindústria, seus pomares e

hortas fornecem a matéria prima para a fabricação das conservas, colocadas no mercado com

a marca Doce Sabor.

Além das atividades voltadas para o interesse da Cooperativa, outras são mais

referentes à subsistência dos próprios associados e suas famílias, que cultivam seus próprios

pomares, hortas e criam animais para abate.

As equipes de trabalho se dividem em: Produção Vegetal, Produção Animal e

Agroindustrialização. Deve ser ressaltado que, apesar dessa organização devido a grande

necessidade de mão-de-obra, muitos acabam atuando em vários setores diferentes. Isso fica

dependendo da época das colheitas e plantios.

A agroindustrialização é considerada como o avanço mais importante na história da

cooperativa pelos seus membros. Teve por objetivo o aproveitamento da matéria-prima

existente, geração de mão-de-obra permanente, autosustentabilidade, melhoria do nível de

vida a todas as famílias. A diversificação da renda e a permanência das famílias no campo

sempre são fatores mencionados como prioridade.

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26

Figura 3: Produção na Agroindústria, mão-de-obra predominantemente feminina.

Fonte: EMATER/RS-ASCAR (2004).

Atualmente, a COOPERVITA LTDA produz quinze produtos na linha da

agroindústria, frutas e olerícolas, resultando em vinte e quatro doces em conservas. Ainda,

essa industrialização é feita com produtos de origem agroecológica, se afastando do método

tradicional no que diz respeito ao controle químico. O objetivo é buscar mercados

alternativos, o chamado nicho verde, de pessoas que visam uma qualidade nos alimentos que

consomem. Ainda, os mesmo se preocupam com a qualidade dos alimentos consumidos pelas

pessoas, respeitando a natureza e pensando na qualidade de vida.

Uma das características da sua atuação é a auto-suficiência na produção de matéria

prima. Segundo Dallagasperina e Oliveira (2006), a cooperativa produz cerca de 70% da

matéria-prima que utiliza, como é o caso da fábrica de ração instalada em sua sede e dos

diversos pomares que fornecem as frutas e vegetais para a agroindústria.

A venda dos produtos é feita na própria sede, através de vendedores em toda a região

e em órgãos públicos, como é o caso dos pães que são vendidos à Prefeitura Municipal para

abastecer as creches e escolas.

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27

3 A CONSTRUÇÃO DA SUBJETIVIDADE

Rey (2003) define subjetividade como um processo complexo de construção

simbólica de sentidos, sobre si e o mundo, simultaneamente um fenômeno da pessoa ou

sujeito singular e de seu lugar sócio-histórico.

O sujeito não é um ser social e individual, pois o social está no individual e o

individual no social. Assim, existe um ponto de conexão entre o individual e o

social, chamado de epistemologia convergente, é somente nele que se pode falar de

individualidade do grupo e sociabilidade do sujeito. (GONÇALVES, 2007, p. 33).

É “[...] resultante do entrecruzamento de produções coletivas, sociais, culturais,

econômicas, tecnológicas, de mídia; que irão produzir efeitos no marco singular da

individualidade e construir formas de ser sujeito no mundo” (VERONESE, 2007, p. 4).

No se puede desarrollar um limite claro entre nuestra propia persona y las de los

otros: nuestra propia persona existe y participa como tal em nuestra experiência,

pero tanbién solo e la medida em que lãs personas de los otros existen y participan

como tales en nuestra experiencia (GARAY, 2001, p. 3).

Atualmente vivemos numa sociedade paradoxal. Vemos tantos avanços científicos, a

revolução na biotecnologia e da informática, ao passo que muitas pessoas ainda morrem por

falta de alimentos, o trabalho escravo e infantil existem em muitas partes do mundo, altos

índices de violência, e tantas mazelas sociais. Como menciona Damergian (2001, p. 113)

“preocupamo-nos com a violência que mata, mutila, rouba. E não com a violência psíquica,

social, afetiva que nos rodeia, e anula o presente, roubando qualquer esperança de futuro de

milhões de criaturas”.

Quanto mais a sociedade foi exposta a um sistema mecanicista, se afastando da

valorização da vida e de um sistema de auto-organização, as pessoas tiveram seus valores e

práticas padronizados. Capra (2002, p. 136) afirma que “[...] quanto mais compreendemos a

natureza da vida e tomamos consciência de o quanto uma organização pode ser realmente

viva, tanto maior é a nossa dor ao perceber a natureza mortífera do nosso atual sistema

econômico”.

Esses caminhos passam pela construção (ou desconstrução) da subjetividade, pelas

necessidades inerentes ao processo e pelas dificuldades para se manter a identidade

do eu em um cenário em que as interações são marcadas por contrastes violentos,

em que se promove o desenraizamento cultural de migrantes e segmentos

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expressivos da cultura popular e em que busca eliminar a heterogeneidade e impor

heteronomia na vontade (DAMERGIAN, 2001, p. 88).

Como questiona Gonçalves (2007), em que condições a subjetividade se constrói e

quais são os fatores necessários para o desenvolvimento das capacidades humanas? A autora

supracitada afirma que é preciso conhecer o psíquico e o social que atuam na interação entre

indivíduo e sociedade, tendo em vista que o ponto de partida para a construção da

subjetividade é a primeira experiência de interação do ser humano (GONÇALVES, 2007).

Esse primeiro contato do ser humano, essa interação, é feita entre o bebê e sua mãe.

A personalidade do ser humano vai sendo moldada na medida em que ele interage com os

estímulos trocados com o meio.

Sendo a mãe o ponto fixo, ela é valência positiva que ajuda o bebê, nos primeiros

anos de vida a construir seu mundo interno e sua personalidade. A mãe

suficientemente boa, a mãe capaz de ser continente para as angústias do bebê, capaz,

também, diríamos, de oferecer um ponto fixo, um porto seguro que acolha e

estimule o crescimento emocional (GONÇALVES, 2007, p. 35).

Vemos a descrição de Pedro1 (2008), ao retratar a formação da família e o papel

desempenhado por sua mãe: “E, então a gente era muito apegado à mãe, porque a mãe ficava

lá com nós. Só que também ela também surrava, xingava, ela também cobrava de nós porque

a gente fazia as coisas, ajudava ela, né, no que pudesse fazer”. Menciona o fato do pai ter que

se ausentar por causa do trabalho, e a mãe protetora cuidava dos filhos, mas também lhes

impunha os limites necessários para o seu crescimento.

Ester2 (2008) também fala sobre a presença da mãe, como aquela que dá segurança.

“Lembro que cada peça de roupa que eu riscava para cortar, daí eu pedia pra mãe: Mãe, posso

cortar?”. Se emociona ao relembrar o tempo de menina, no qual a mãe lhe passava a

“firmeza” para fazer as coisas e contribuir com a família.

Na descrição de Silas3 (2008) reaparece a figura da mãe que ampara, que supre a

falta de um pai que tem que sair de casa em busca de sustento para a família. “Eu fui criado só

quase pela minha mãe, né”, relata o mesmo. Desde criança, a mãe lhe atribuía

responsabilidades, tinha que aprender “um pouco de tudo” para ajudá-la, desde as tarefas

domésticas até as práticas agrícolas.

1 Pedro – membro da COOPERVITA LTDA e participante da pesquisa. Atua na área administrativa da mesma.

2 Ester – membro da COOPERVITA LTDA e participante da pesquisa. É líder da agroindústria.

3 Silas – membro da COOPERVITA e participante da pesquisa. Trabalha na agroindústria.

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29

Nesses casos, a mãe é o ponto fixo. Essa primeira interação é, portanto, fonte de

toda subjetividade. A estruturação da personalidade é orientada por modelos, como é o caso

da mãe para o bebê. Esta é a chamada valência positiva.

Ao continuar relatando sobre sua vida, Ester (2008) demonstra ressentimento quando

menciona que na mesma época na qual ajudava a mãe com as costuras teve um sonho

frustrado, o de continuar os estudos. Ressalta que tinha a admiração e incentivo do pai por ser

uma ótima aluna, ambos sonhavam com uma futura profissão pra ela. No entanto, por falta de

transporte para levar os alunos até a escola na sede do Município, teve que interromper tal

projeto de vida. Hoje, momento no qual teria as condições, se encontra impossibilitada por

falta de tempo. Mas afirma que ainda pensa em retornar, quando se aposentar.

Retratamos aqui um sonho abortado através um direito negado, o da educação, por

falta de atendimento a uma necessidade pública. Apesar do incentivo da família, a falta de

condições a impediu de concretizar esse projeto. Damergian (2001) diz que a sociedade

também pode ser uma boa mãe ou uma madrasta, no sentido de que oferece modelos

identificatórios (família, escola, instituições de saúde, cultura e mídia, etc).

A sociedade pode ser, então

[...] uma grande mãe, capaz ou incapaz de maternagem, boa ou má, que acolhe e

favorece o desenvolvimento de seus filhos membros ou os desampara. Assim o

inconsciente social também influi na estrutura da personalidade. Acreditamos que a

mãe sociedade também deve funcionar como um ponto fixo para o desenvolvimento

de seus filhos membros ou os desamparar (DAMERGIAN, 2001, p. 96).

Por isso, para entendermos a personalidade do sujeito também é necessário

compreender a sua vida social, o modo como se relaciona com o meio, suas frustrações, seus

laços de amor, sua cultura e de que forma supera suas dificuldades.

Gonçalves (2007, p. 36) considera que “as instituições influenciam os conteúdos

vivenciais do sujeito num processo de mão dupla: projetamos o psíquico no social e

internalizamos o social”.

Damergian (2001, p. 95) explica que para que haja “[...] a interação bem sucedida, é

preciso que a sociedade também ofereça condições favoráveis, uma vez que a díade mãe-bebê

está inserida em um contexto social que afeta sua relação”.

A função da sociedade seria de dar o apoio e o desenvolvimento necessário para que

o sujeito desenvolva suas capacidades, seja um ser consciente dos seus direitos e deveres,

amoroso, solidário com os demais, enfim, um sujeito capaz e autônomo. Hoje, a sociedade

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30

que valoriza o “ter” e não o “ser” faz com que a construção da subjetividade se torne um

grande desafio.

Quanto mais automatizadas estão as coisas e os serviços, mais nos afastamos uns dos

outros, e da essência de interação social que nos conecta ao mundo real. Estamos vivendo

uma era de virtualidade, na qual ao mesmo tempo são criadas falsas necessidades para manter

um sistema de mercado e são negligenciadas as necessidades básicas de muitos.

O desejo, o plano simbólico, o projeto de vida, os sonhos ficam fora da esfera de

alcance de grande parte da população. Como sonhar, se o excluídos, os

desamparados, os destituídos tem de lutar contra a dura realidade do cotidiano, do

aqui-agora para sobreviver a cada dia? Desejo é expressão de subjetividade, do que

se é, do que se tem (como realização), do que se quer ser, do que se quer ter? Porque

só alguns podem ter? (DAMERGIAN, 2001, p. 99)

Nas palavras de Gonçalves (2007), a sociedade moderna deixa fraturas na

subjetividade, deixando lacunas nas vontades, desejos e humanidade. A “[...] nossa civilização

continua reduzindo a subjetividade ao cognitivo, à racionalidade, à técnica, ao culto das leis

de mercado e desprezando o mundo dos sentimentos” (DAMERGIAN, 2001, p. 104).

3.1 Identidade: o Individual e o Social

Follman trabalha a identidade na perspectiva de que o “ser humano é um ser de

projeto”. Considera que a identidade do ser humano não faz parte de uma construção estática,

mas que está relacionada com a construção de um projeto vinculado à complexidade das

relações sociais que o envolvem (FOLLMANN, 2001).

[...] é o processo resultante de uma construção social, de uma construção pessoal e

de uma construção na interação do nível pessoal com o social, sendo assim, ao

mesmo tempo, algo proposto socialmente e reivindicado pessoalmente... Ela é, na

nossa concepção, uma construção realizada tanto para outrem como para si mesmo,

tendo por resultado sempre uma “costura”, de uma parte, entre o que é “herdado” e o

que é “almejado” e, de outra parte, entre o que é “atribuído” e o que é “assumido”.

Trata-se de uma costura feita com as agulhas do tempo e espaço. (FOLLMANN,

2001, p. 59)

Assim, ele vincula a identidade à existência de um cenário político no qual todas as

vozes possam ser escutadas, afirmando que a identidade do sujeito se manifesta a partir dos

seus valores, o concebendo como “dono de uma voz”. “Para nós a identidade não existe a não

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31

ser na forma de manifestação da capacidade autônoma dos indivíduos e grupos na construção

da sua história” (FOLLMANN, 2001, p. 49).

O autor destaca sua posição contrária à heteronomia, para ele deve se buscar uma

autonomia como forma de manifestar a capacidade dos indivíduos e grupos na construção da

sua própria história. Tal manisfestações relacionam-se com os processos de identidade

explícitos pelos sujeitos em diferentes contextos, nos ambientes onde vivem (grupos,

movimentos, entidades...).

Uñiguez (2001), considera que a identidade é acima de tudo um dilema. Acrescenta

que é uma construção relativa ao processo sócio histórico, considerando o contexto social e

nossas trocas com os demais. Assim, é

Un dilema entre la singularidad de uno/a mismo/a y la similitud com nuestros

congêneres, entre la especificidad de la propia persona y la semejanza com los/as

otros, entre lãs peculiaridades de nuestra forma de ser o sentir y la homogeneidad

Del comportamiento, entre lo uno y lo múltiple. (UÑIGUEZ, 2001, p. 209)

Ainda, aliadas à idéia de identidade estão as noções de “tempo” e “espaço”. Segundo

Harvey (1998, p.195), os indivíduos são movidos por seus projetos que requerem tempo e

movimento no espaço. Dessa forma, “as biografias individuais podem ser tomadas como

“trilhas da vida no tempo e espaço”, começando com rotinas cotidianas de movimento (da

casa para a fábrica, as lojas, a escola, e de volta para casa) e estendendo-se a movimentos

migratórios que alcançam a duração de uma vida [...]”.

Bachelard (1964), por sua vez, dirige a nossa atenção para o espaço da imaginação-

“o espaço poético”. Um espaço que foi “apropriado pela imaginação não pode

permanecer como um espaço indiferente, sujeito às medidas e estimativas do

pesquisador”, assim como não pode ser representado de modo exclusivo como o

“espaço afetivo” dos psicólogos. “Pensamos que nos conhecemos no tempo, escreve

ele, “quando tudo o que conhecemos é uma sequência de fixações nos espaços das

estabilidades do ser”. As lembranças são imóveis e quanto mais seguramente fixadas

no espaço, tanto mais sólidas são”. Os ecos de Heidegger são fortes aqui. “O espaço

contem tempo comprimido. É para isso que serve o espaço. E o espaço fundamental

para a memória é a casa- “uma das maiores forças de integração dos pensamentos,

lembranças e sonhos da humanidade”. Porque é dentro desse espaço que

aprendemos a sonhar e imaginar (HARVEY, 1998, p. 200).

É errôneo considerar a identidade apenas como um processo histórico,é também a

maneira com que lidamos com os eventos atuais e planejamos o tempo vindouro. “É na

maneira com que um indivíduo ou um grupo (uma coletividade) estabelece a relação entre seu

futuro e seu passado ou, ainda, entre seus projetos e sua trajetória, que temos, de forma

particular, as indicações principais para desvendar qual é a sua identidade” (FOLLMANN,

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32

2001, p. 50). Assim, a identidade inclui o passado e o presente, o vivido e o que está por vir, o

que já foi conquistado e o almejado.

Nas práticas espaciais e temporais de toda a sociedade são abundantes as sutilezas e

as complexidades. Como elas estão estreitamente implicadas em processos de

reprodução e transformação das relações sociais, é preciso encontrar alguma maneira

de descrevê-las e de fazer uma generalização sobre seu uso. A história de mudança

social é em parte apreendida pela história das concepções de espaço e de tempo, bem

como dos usos ideológicos que podem ser dadas a essas concepções. Além disso,

todo projeto de transformação da sociedade deve aprendeer a complexa estrutura da

transformação das concepções e práticas espaciais e temporais (HARVEY, 1998, p.

201).

Follman afirma que existe uma alienação decorrente da falta de oportunidades para

que as pessoas realizem seus projetos pessoais, passando a viver de acordo com projetos que

não foram construídos por si, sonhados por outros e/ou impostos pelo sistema dominante.

“Eu quero nem que seja sair para a estrada, mas eu não vou mais ficar dentro de

casa”, fala Ester (2008). Hoje, muito atuante e com uma capacidade de liderança

surpreendente, é responsável pela coordenação da agroindústria da COOPERVITA LTDA.

Conta sobre sua superação após uma crise, naquele momento decidiu mudar e não costurar

mais. A função que lhe foi atribuída desde criança, para ajudar na renda da família, já não a

satisfazia mais. A estrada representava a liberdade, sentia-se sufocada, necessitava de novos

horizontes.

Follmann (2001) reporta-se a Tourine (1993), especificamente falando sobre a

questão da identidade e dos movimentos sociais. Para o mencionado autor, esses movimentos

são a expressão de uma busca da identidade e de resguardar suas tradições e experiências

coletivas. “A consciência popular pode ser dominada pela alienação; ela o é quando não se

forma um movimento social”, considera o mesmo (FOLLMANN, 2001, p. 47). Seriam assim

pontos centrais dos movimentos sociais a identidade e a alienação, no sentido de que a

primeira se opõe a segunda.

O objetivo seria vencer a crise de identidade, possibilitando que todos possam ser

escutados. Follmann (2001, p. 48) diz que “os atores sociais populares são marcados por uma

fraqueza estrutural bastante acentuada, mas, em certos casos, essa fraqueza se encontra

misturada a uma grande força”.

A força que o autor faz referência diz respeito aos vários envolvimentos que uma

pessoa pode ter na sociedade, como é o caso do cenário político, religioso e do próprio

engajamento em movimentos populares, que dão maior possibilidade de que a mesma seja

escutada.

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33

Dentre os entrevistados, vemos que todos foram pessoas dispostas a participar da

sociedade, da própria comunidade, das atividades da paróquia, dos grupos de jovens,

movimentos estudantis e sociais. Isso resultou em uma capacidade de liderança, articulação, e

de não acomodação frente às dificuldades. Como afirma Emanuel4 (2008), “quando a

comunidade tava em crise né, com algumas coisa, algum conflito, me colocavam pra... eu era

considerado como um conciliador, um cara né, que tinha jogo de cintura pra... pra dar a volta

por cima, né”. Aos setenta e dois anos e uma grande bagagem, acha até graça ao relembrar

todos os cargos que ocupou na comunidade: “quando eu não era tesoureiro, era secretário, era

presidente,e era não sei o que, né!” Se orgulha pelas participações em congressos nacionais,

época em que era dirigente do Sindicato de Trabalhadores Rurais.

Seu filho, Pedro, conseguiu realizar seus estudos graças a rede de relacionamentos do

pai. A oportunidade de fazer um curso de nível médio, técnico em cooperativismo, surgiu no

ano de 1993. Foi então estudar na FUNEP, em Braga/RS. Esta porta se abriu na mesma época

em que começavam os trabalhos na COOPERVITA LTDA, ele afirma que foi um passo

muito importante: “... era aquilo que a gente sonhava!”. Sentindo-se mais capacitado, deu

todo o apoio técnico para a formação da cooperativa e até hoje é responsável por toda a parte

administrativa.

Dessa forma, essa identidade resulta “[...] da articulação de uma singularidade no seu

entorno de pluralidade, ou seja, uma pessoa ou um sujeito tendo vários engajamentos

diferentes e tendo experimentado situações variadas” (FOLLMANN, 2001, p. 52). Muitas

vezes, nos projetos coletivos, se encontra espaço para dar vazão aos projetos individuais,

como é o caso da cooperativa pesquisada.

Follmann (2001) ainda fala sobre um núcleo de identidade, que sintetiza essa

pluralidade de referências e experiências que o sujeito teve ao longo da sua história. Assim, se

os projetos que construímos não levam em consideração o modo de executá-los, como vamos

colocar em prática aquilo que almejamos os mesmos correm o risco de não passarem de

meros sonhos. É necessário que, através de elos entre o individual e o coletivo, haja uma

estratégia referente aos projetos, abarcando essas duas esferas isoladamente e seus

entrecruzamentos.

O ser humano é um ser de projetos. A sociedade atual traz consigo uma cultura

reducionista, fragmentada e individualista. Como podemos colocar em prática nossos

projetos, sendo que precisamos englobar o coletivo, a solidariedade, a interação social?

4 Emanuel – membro da COOPERVITA LTDA e participante da entrevista. Atua na área de produção vegetal,

entre outras. É um dos fundadores.

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34

Follmann considera que corremos sim o risco de perder a referência para o futuro e que essas

“costuras, do individual e do social, são necessárias e até urgentes” (FOLLMANN, 2001, p.

53).

3.2 Atores Sociais e Identidade de Papéis

Castells (1999, p. 22) diz que “[...] entende por identidade o processo de construção

de significado com base em um atributo cultural, ou ainda um conjunto de atributos culturais

inter-relacionados o(s) qual (is) prevalece (m) sobre outros significados”.

Assim, para ele, existem múltiplas identidades. Estas, no entanto, devem se

diferenciar dos papéis, que “[...] são definidos por normas estruturadas pelas instituições e

organizações da sociedade” (CASTELLS, 1999, p. 23). São, por exemplo, os papeis de ser

mãe, esposa, agricultora, vizinha, participante da comunidade, etc.

São considerados por Castells como menos importantes do que identidades, porque

elas envolvem a autoconstrução e a individuação. “Em termos mais genéricos, pode-se dizer

que identidades organizam significados, enquanto papeis organizam funções” (CASTELLS,

1999, p. 23).

A identidade é um processo de construção, que se vale de “[...] matéria–prima

história, geografia, biologia, instituições produtivas e reprodutivas, pela memória coletiva e

por fantasias pessoais, pelos aparatos de poder e revelações de cunho religioso” (CASTELLS,

1999, p.23). No entanto, tudo isso vai ser processado pelo indivíduo e pelos grupos sociais,

reorganizando seus significados a partir das tendências sociais e projetos culturais enraizados

em sua estrutura social, bem como uma sua visão de tempo/espaço.

Castells (1999) distingue três formas de construção da identidade, levando em

consideração as relações de poder. Refere-se primeiramente à identidade legitimadora,

introduzida pelas instituições dominantes da sociedade para expandir e racionalizar sua

dominação em relação sociais; é a que dá origem à sociedade civil, como um conjunto de

instituições, organizações e atores sociais.

Já a identidade de resistência é aquela gerada por atores que se encontram em

posições/condições desvalorizadas e/ou estigmatizadas pela lógica de dominação, construindo

assim, trincheiras de resistência e sobrevivência com base em princípios diferentes dos que

permeiam as instituições da sociedade, ou mesmo opostos a estes últimos; dá origem a

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35

formas de resistência coletivas, comunas ou comunidades, estando fundamentada por uma

opressão sofrida.

As cooperativas surgiram num processo de resistência contra o sistema capitalista,

foram iniciativas geradas por pessoas que tinham em mente que sozinhas não obteriam êxito.

“Organizam-se então em contextos de lutas, de resistências, mas de forma pró-ativa, positiva,

não permanecendo numa mera postura de contestação” (SCHNEIDER; HENDGES, 2006, p.

45).

Muitos planos econômicos fracassados, levaram a agricultura para uma situação

muito difícil. Era cada vez mais difícil para os pequenos agricultores se manter no campo, a

maioria adquiria muitas dívidas e acabavam migrando para as cidades. Esses são relatos de

Emanuel (2008), que também afirmou:

[...] o pequeno agricultor então pra não ficar inadimplente nos banco ou no comércio

acabava vendendo as terras, né, e indo morar na cidade. E a gente vendo essa

situação, começamos, né, pensar uma forma de... tá na hora da gente pensar alguma

coisa que se possa dar a volta por cima sem precisar de ir buscar emprego na cidade.

Os agricultores encontraram então no cooperativismo uma forma de se manter no

campo, de resistir. A união entre famílias, possibilitaria nesse caso a manutenção dos seus

membros bem como a expectativa de uma vida melhor.

Castells (1999) fala ainda sobre as identidades de projeto. Afirma que ocorrem

quando os atores sociais, utilizando-se de qualquer tipo de material cultural ao seu alcance,

constroem uma nova identidade capaz de redefinir sua posição na sociedade e, ao fazê-lo, de

buscar a transformação de toda a estrutura social.

Cabe também ressaltar a importância do atributo cultural, como fator para a

formação da identidade. Morin (2005, p. 35) a descreve, ao abordar a Humanidade da

Humanidade, como “[...] o conjunto de hábitos, costumes, práticas, savoir-faire, saberes,

normas, interditos, estratégias, crenças, idéias, valores, mitos, que se perpetua de geração em

geração, reproduz-se em cada indivíduo, gera e regenera a complexidade social”.

Para Claval (1997, p. 63), “a cultura é a soma dos comportamentos, dos saberes, das

técnicas, dos conhecimentos e dos valores acumulados pelos indivíduos durante as suas vidas

e, em uma outra escala, pelo conjunto de grupos de que fazem parte”. Assim, a compreende

como uma herança, sendo transmitida por etapas e tendo como componentes códigos de

comunicação próprios.

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36

A herança cultural é algo que chama a atenção na cooperativa em foco. A maioria

são mantenedores da sua tradição, da sua descendência, guardam as características dos seus

antepassados, a sua simplicidade, e se orgulham da sua história. Isso se torna evidente da fala

de Pedro (2008), “[...] a gente já vem de uma família que tem um certo costume, uma certa

tradição, né. Tem os pais que são de origem italiana, os dois os dois eram aqui da

comunidade”. Afirma que foi nesse meio, de origem simples e de tradições preservadas que

eles se criaram.

Cada cultura estabeleceu códigos que lhe são próprios, atitudes e gestos. Ela implica

em: o que fazer, como fazer? “No campo e na fazenda, convém saber como e quando laborar,

esterroar, semear, tirar a erva, colher, e aprender onde guardar os animais, o que lhes dar para

comer, como os ordenhar e os atrelar” (CLAVAL, 1997, p. 80).

A identidade cultural se traduz em gestos e práticas, evidenciados na vida cotidiana.

Claval (1997) exemplifica com a vida familiar, certos rituais como o das refeições onde todos

estão sentados ao redor de uma mesa. Para ele, a cultura faz passar de uns aos outros as

representações coletivas. A leitura que fizemos do mundo é aquilo que aprendemos a ver e

essa apreensão do real tem uma dimensão social, que a partir da coletividade pode ajudar os

homens a dar um sentido ao seu meio ou os impedir de ver alguns traços.

Leff (2000) fala sobre o meio rural do Terceiro Mundo, a relação intima entre a

estrutura social desses povos e os valores e processos de significações que originam a cultura

e regularizam a forma como se relacionam com o entorno natural. Enfatiza que a organização

cultural de cada lugar é que regula o modo como as pessoas utilizam os recursos naturais

disponíveis. Por isso, é tão importante manter as identidades étnicas, baseadas em valores

tradicionais, de manutenção dos ecossistemas, com a visão da complexidade socioambiental.

A cultura, entendida como as formas de organização simbólica do gênero humano,

remete a um conjunto de valores, formações ideológicas e sistemas de significação,

que orientam o desenvolvimento técnico e as praticas produtivas, e que definem os

diversos estilos de vida das populações humanas ao processo e assimilação e

transformação da natureza (LEFF, 2000. p. 123).

Como afirma Morin (2005, p. 35), “a cultura acumula o que é conservado,

transmitido, apreendido e comporta vários princípios de aquisição e programas de ação. O

primeiro capital humano é a cultura. O ser humano, sem ela, seria um primata do mais baixo

escalão”.

Ester (2008) fala sobre a preocupação com as futuras gerações, com as crianças, os

filhos dos associados. Toda a história das famílias, suas origens humildes, seu trabalho e

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37

perseverança é algo que não pode ser esquecido. Caso isso aconteça, não “tocarão” da mesma

forma a cooperativa, isso deve ser passado aos futuros líderes. O saber o quão difícil foi pra

chegar até ali, pode ser o incentivo para manter os princípios e valores dos mais velhos.

Notamos então que o ser humano nunca é um ser acabado, ele é a junção de toda a

sua existência e do que está por vir, do individual e do social, do meio, da sua cultura. Como

afirma Boff (2002, p. 161), “o ser humano na verdade, nunca termina de construir-se. Cada

fim é um novo começo. Vive distendido entre a galinha que permanentemente quer a

concreção e a águia que sempre busca a superação”.

3.3 O Lugar e seu Conteúdo Simbólico

O ambiente é a vivência concreta do sujeito, no qual ele trabalha, constrói sua casa,

faz sua poética, constrói laços, apega-se, sente-se pertencente àquele lugar (GONÇALVES,

2007). Segundo a autora, a relação entre a pessoa e o meio no qual ela vive é inevitável, pois é

o local onde o sujeito constrói a sua subjetividade.

A relação das pessoas com o meio tem uma dimensão simbólica. Para Gonçalves

(2007, p. 28), o espaço, entorno e lugar aqui são entendidos como “[...] o meio ambiente que

trata da vida cotidiana do sujeito e do grupo social.”

Porque o atravessam permanentemente códigos sociais e culturais, todo espaço é um

lugar onde se constroem socialmente significados que condicionam a nossa vida e,

ao mesmo tempo, são condicionados por ela; entre eles podemos destacar uma

constante: o valor do lugar vivido simultaneamente como ponto de amarragem e

matriz relacional (FISCHER, 1994, p. 195).

A subjetividade é construída também pelo local onde o sujeito vive, trabalha,

interage com as demais pessoas, sente-se como parte daquele meio. O agir do sujeito, seja

individual ou coletivamente, vai ser orientado por signos, objetos, símbolos, que

contextualizam o meio no qual eles vivem, sua cultura.

Pedro (2008) relembra a casa da sua infância, com nostalgia a descreve como “uma

casinha de madeira” e “bem simples”. O modo de vida da família grande, constituída pelos

pais e pelos oito irmãos, é contextualizado pela sua maneira de habitar. Para Gonçalves (2007,

p. 44), a casa não representa somente o abrigo, mas também os nossos sonhos. “A casa é o

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38

lugar do espaço onde o sujeito se referencia”. A casa aqui, reflete a simplicidade na qual

viviam e a união da família.

“[...] O simbolismo do espaço aparece ligado ao sentimento de pertença, (termo

próprio da psicologia) (ALTMAN, 1975), à apropriação do espaço (KOROSEC-SERFATY,

1986; PROSHANSKY, 1976) e à construção da identidade social” (GONÇALVES, 2007, p.

28).

Fischer (1994, p. 196) afirma que não existe espaço vazio ou neutro, do ponto de

vista psicológico. “Mas o significado dos lugares resulta também dos valores criados pela

sociedade, o que nos leva a sublinhar a importância da carga cultural presente nas

organizações sociais”.

A construção social de uma identidade comunitária surge das interações que os

membros de um território local estabelecem com “os de fora”, servindo para definir sua

comunidade. Gonçalves (2007, p. 33) afirma que “as relações entre comunidades são

permeadas de significados socialmente elaborados que configuram identidades sociais a um

entorno ”.

“Una persona lo es porque pertenece a una comunidad, en la medida que ésta Le

proporciona lo que son sus princípios, las actitudes reconocidas de todos los miembros de la

comunidad hacia lo que son los valores de esa comunidad” (GARAY, 2001, p. 3).

Dessa forma, quando fala-se de identidade de lugar, Gonçalves (2007, p. 27) aborda-

a como “[...] um componente específico do “eu” do sujeito, forjado por meio de um

complexo processo de idéias conscientes e inconscientes, sentimentos, valores, objetivos,

preferências, habilidades e tendências”.

Sobre a apropriação do espaço, Gonçalves (2007, p. 28) afirma que tem sido definida

por Korosec-Serfaty “[...] como o sentimento de possuir e gestionar um espaço,

independentemente de propriedade legal, por uso habitual ou por identificação.” O espaço

onde se encontram as instalações da COOPERVITA LTDA não é de propriedade dos seus

associados, e sim cedido por comodato por um dos seus membros. João (2008) fala que

quando a cooperativa foi fundada, sua família já possuía uma situação mais estável. Dessa

forma, preocupados com o êxodo rural, resolveram ajudar às outras famílias. Mesmo não

sendo de propriedade da cooperativa, tal local é gestionado de forma coletiva, zelado por

todos, apropriado como sede da COOPERVITA LTDA.

Para que haja apropriação é preciso que o sujeito deixe sua marca, de forma que

tanto ele quanto o lugar sejam influenciados. Atualmente, a sociedade de consumo nos

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39

apresenta uma imagem ou significação pronta. Isso não gera a apropriação, no sentido de que

não instiga a pessoa a fazer parte de alguma forma da significação daquele lugar ou objeto.

Os processos psicossociais da apropriação, segundo Pol (s.d.), compreendem os

processo cognitivos, afetivos, simbólicos e estéticos que dependem da relação com

outros sujeitos, grupos e de situações objetivas ligadas ao modo de viver, de morar.

A partir das cores, das formas, dos odores, das sensações e do prazer, o sujeito vão

modificando as paisagens concretas do lugar, deixando sua marca, e, ao mesmo

tempo, vai transformando sua paisagem interna, ou seja, as paisagens de seu mundo

interno (GONÇALVES, 2007, p. 29).

O enraizamento é outro fator da identidade, que atribui ao espaço um valor ligado ao

indivíduo. O jovem Silas (2008) se criou em um meio rural, envolvido com muitas atividades

na comunidade, com relacionamentos típicos de tal meio, onde as pessoas se conhecem com

mais facilidade. Enfrentou as dificuldades de uma mudança de ambiente ao iniciar a

universidade. Conta que de repente se viu sem chão, em um lugar diferente, onde não

conhecia as pessoas e existia uma outra cultura. “Eu saia pra rua, sei lá, me sentia realizado o

dia que alguém me cumprimentava só na rua, pra mim já tava bom”, afirma o mesmo.

Assim são as ligações psicológicas que o sujeito tem a determinado lugar. Fischer

(1994, p. 198) fala sobre um porto de atracagem, “[...] o homem não só tem necessidade de

um espaço mínimo para aí viver e trabalhar, como precisa também de “estar num sítio”, de

nele exercer um domínio físico e psicológico através de atividades que indicam a sua

influência pessoal”.

Decorrente disso vai ser a identificação comunitária, que ocorre a partir da

construção do social dos significados e das comunidades. A exclusão social é manifesta

através de várias formas na sociedade. Para Frantz e Schönardie não se refere apenas às

limitações materiais, sendo um processo de rompimento de identidades e laços sociais de

pertença. Está enraizada, segundo os autores, na “[...] perda de poder nas relações econômicas

e políticas, destruição das identidades e laços sociais, a ruptura de estruturas socioculturais e a

perda de valores e tradições de referência” (FRANTZ; SCHÖNARDIE, 2006, p. 7).

Moscovici (2003) fala que entre os vários conceitos pertinentes à representação

social está o senso comum, uma forma de conhecimento cuja finalidade é atender às

necessidades do dia-a-dia. Existe “uma necessidade contínua de re-construir o “senso

comum” ou a forma de compreensão que cria o substrato das imagens e sentidos, sem a qual

nenhuma coletividade pode operar” (MOSCOVICI, 2003, p. 48). Assim, cada grupo social

tem suas próprias características, sua cultura, seu modo de agir, de interagir, que constituem a

sua identidade. Esse senso comum pode, na visão do autor, alimentar a diversas ciências. É o

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40

caso, por exemplo, da ciência jurídica que baseia-se em suprir as necessidades de

regulamentação social, e que não é estática e muda de acordo com as próprias alterações da

sociedade.

Em meio a tantas teorias, cabe questionar: a sociedade pós-moderna tem formado

que tipo de sujeito, de quem especificamente estamos falando como resultado do modelo

capitalista? Levando em consideração tantos antagonismos, a perda de um vínculo criativo do

trabalho, a aculturação, pode-se afirmar que estamos diante de um sujeito não crítico, que

aceita padrões estabelecidos por um sistema dominante; sem motivação para o trabalho

visando muitas vezes apenas o capital; competitivo para responder as expectativas da “lei da

selva” e para suprir suas necessidades instigadas pela mídia; que prioriza o cognitivo, o

racional, e não desenvolve outras capacidades como o afetivo e o simbólico.

Neste trabalho enfocamos que a subjetividade não pode ser reduzida às exigências do

mercado, à racionalidade. O Homem não pode ser considerado como uma máquina,

renegando toda sua formação histórica-cultural, suas raízes, seus lugares. Ao resgatar a

solidariedade, o cooperativismo pode envolver um vínculo de afetividade, de interação

humana em prol de um objetivo comum.

É oportuna a noção de sujeito de Damergian (2001, p. 88), que ressalta uma

concepção humanista “[...] subjacente à construção da subjetividade e que seja capaz de nos

conduzir a uma sociedade mais solidária, mais amorosa, mais humana”. Quer-se esse sujeito

reflexivo, mas pautado na viabilidade de experiências concretas, mais especificamente um

agente de mudanças.

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41

4 SOCIEDADE, DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE: DA PERFEIÇÃO DA

CRIAÇÃO AOS DESAFIOS DA CONTEMPORANEIDADE

Refletir sobre os conflitos da sociedade se faz urgente, tanto mais sobre a inter-

relação entre os aspectos humanos e ambientais que permeiam tais implicações. A

reflexividade é umas das características da chamada sociedade de risco.

Etimologicamente, desenvolver é tirar a casca da semente. Todo desenvolvimento

significa des-envolver algo que está envolvido, ou seja, abrir, desfazer, destruir, para

reorganizar e reenvolver o que foi des-envolvido em um novo padrão, em uma nova estrutura,

com outras propriedades e funções (MELLO, 2006).

Mendes (1995, p. 54) define desenvolvimento como a “[...] criação de condições

tendentes à produção do ser humano em sua integridade”. É dessa forma, um processo e um

resultado, um meio e um fim.

Como envolvimento defino as articulações do ser humano com o ambiente que o

cerca: seu comprometimento e os cometimentos correspondentes. E, ao falar em

ambiente, não falo só do natural, que precede, condiciona, e afinal sucede ao

homem. Falo também do ambiente que procede do homem, fruto das relações que

ele entretece com o entorno e consigo mesmo (MENDES, 1995, p. 55).

Segundo critérios econômicos, quanto mais riqueza material a sociedade possui mais

ela será desenvolvida. No entanto, os conflitos sócioambientais demonstram que esse conceito

de desenvolvimento não condiz com o bem-estar social, deixando uma grande lacuna na

forma de progresso implantada pela visão capitalista.

Como afirma Aristóteles, “a riqueza não é, evidentemente, o bem que procuramos,

pois ela é útil apenas para obter outra coisa qualquer” (ARISTÓTELES). É justamente essa

concepção que instiga a propor teorias desenvolvimentistas que levem em consideração a

complexidade humana e ambiental.

Existe uma riqueza que não é evidenciada com a mera acumulação de capital, como é

o caso das diferentes culturas espalhadas pelo mundo e da biodiversidade que abarca tantos

tesouros compondo esse todo, a Terra, nossa casa maior.

Para entender a problemática sócioambiental é necessário, a princípio, compreender

as origens da relação conflituosa entre o Homem e a natureza, quais são os pensamentos

dominantes na sociedade, para posteriormente embasar novas teorias.

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42

4.1 Criou Deus os Céus e a Terra (Gênesis 1.1)

Muito se fala sobre as raízes da nossa oposição à natureza. O ponto de partida

bastante mencionado é a narrativa da Criação, fonte bíblica da construção do Universo.

Mendes (1995), fala que a discussão sobre a crise planetária e suas raízes não se limita no

plano técnico, mas avança nos âmbitos teológico e religioso, apelando às “Escrituras

Sagradas”.

Salatino tem uma visão muito peculiar sobre tal tema e merece ser aqui exposto.

Considera o autor que o início da nossa atitude anti-natural é antiga e funda-se na tradição

judaico-cristã. Ao basear-se num Deus único, diferentemente das culturas orientais politeístas,

perdeu-se o sagrado mítico da natureza. Para ele, “[...] a natureza perde todo o significado

espiritual e retém ainda alguma conexão sagrada apenas como o exemplo do esplendor divino

da criação” (SALATINO, 2001, p. 485).

O autor se refere à questão da mitologia, que implicava na presença de deuses

correspondentes aos fenômenos e elementos naturais. Dessa forma, os Homens teriam um

respeito maior devido à associação do natural com o sobrenatural.

Trevisol (2003) também fala sobre as fases da história da relação Homem- natureza a

primeira seria a de dependência e temor à mesma. Este foi, segundo o autor, o maior período

da história, englobando desde a visão geocêntrica do universo até a organização social

baseada na agricultura. Eram as civilizações do chamado mundo pré-moderno, que

exploravam a natureza apenas para o seu sustento e dela dependiam diretamente. Havia uma

dualidade nesta relação, o Homem experimentava tanto os fatores provedores e bondosos da

natureza quanto as adversidades e os seus mistérios.

A religião gerava no Homem tanto o temor quanto a benignidade da natureza. Dela

era explorado com limites, apenas o necessário para a subsistência desses povos que usavam a

caça, pesca e agricultura de forma orgânica. Essa visão, consequentemente, levava a uma

postura ecológica, pois o Homem se integrava à natureza de tal forma que respeitava seus

ciclos e interferia o menos possível nela. Ele não era um ser superior, nem melhor, era um

participante.

A argumentação sugerida indica que a transposição do politeísmo para uma cultura

de um único Deus teria estabelecido, como posiciona-se Mendes (1995, p. 65), uma “[...]

relação unilateral de domínio”. O Homem, à semelhança do Deus Pai, teria como subordinada

toda a restante criação, tendo a capacidade de domínio sobre todas as coisas.

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43

Estas considerações, de que o contexto bíblico foi grande influenciador na postura

anti-ecológica da Humanidade, recebe aqui algumas contestações. Adotamos a visão da eco-

teologia para embasar que a Bíblia pode ser interpretada também a partir de uma perspectiva

ecológica.

A eco-teologia é considerada recente, tendo surgido nos últimos trinta anos, a partir

da preocupação de alguns teólogos com a questão ambiental. Ela demonstra o caráter de

urgência de um novo paradigma, conciliando uma obra das mais antigas vista sob um novo

modelo, lembrando que Deus está também na natureza.

Reportamo-nos ao início, à criação. “E viu Deus tudo quanto tinha feito, e eis que era

muito bom.” A passagem bíblica de Gênesis 1:31, descreve o ato da criação, tendo Deus

como o grande escultor de todo o Universo. O Homem foi criado, segundo as escrituras, como

a última grande obra que faria parte do todo.

Para Deus, tudo o que Ele havia criado era muito bom, “[...] esse tudo compreendia

Adão e Eva, e “os peixes do mar”, “as aves do céu”, “os animais que rastejam sobre a terra”,

“as ervas que dão semente” e “todas as árvores que dão fruto”, bem como, para arrematar, “o

céu e seu exército” (de seres)” (MENDES, 1995, p. 61).

A Bíblia nos mostra a necessidade de olhar para o cosmos como uma obra divina e

que tudo o que Deus fez é bom (Gênesis 1:31). A criação, o universo, a natureza são

obras de um Ser maior e não me cabe o direito de propriedade. O livro de Jó faz uma

afirmação de extrema valia: “Nu saí do ventre de minha mãe e nu voltarei a ele” (Jó,

1,21). Se olharmos a realidade, não conseguiremos fugir dessa constatação simples:

por mais luxuoso que seja o mausoléu, a realidade é comum a todos depois da

morte. Viemos ao mundo sem nada e tudo o que fazemos deixamos aqui. Portanto,

se compararmos o ventre da mãe ao ventre da terra, viemos e voltamos a ela nas

mesma condições (MAZZAROLO, 2008, p. 09).

Alguns autores ainda mencionam o seguinte texto, afirmando daí ter decorrido o

poder de domínio do Homem: “[...] sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e sujeitai-a;

dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus e sobre todo animal que rasteja pela

terra” (GÊNESIS, 1:28). No entanto, a sua seqüência deixa bem claro qual seria o intuito de

Deus ao colocar nas mãos do Homem tal poder, transcorre o texto enfatizando que Deus

concedeu todas as coisas para o seu sustento: “E a todos os animais da terra, e a todas as aves

dos céus, e a todos os répteis da terra, em que há fôlego de vida, toda erva verde lhes será

para mantimento” (GÊNESIS, 1:30).

A poética inserida na descrição do Jardim do Éden mostra o equilíbrio que no

princípio existia entre o Homem e a natureza. Descreve o mesmo com diversos rios, flores,

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44

árvores e todo o suprimento necessário para a vida humana. Assim, o Homem poderia

encontrar na natureza sua fonte de vida.

Ele não foi criado para dominar apenas, para exercer seu poder. Foi sim criado,

segundo a Bíblia, para ser um aliado e guardião da natureza. “Tomou, pois, o Senhor Deus ao

Homem e o colocou no Jardim do Éden para o cultivar e o guardar” (GÊNESIS, 2:15).

“Nem sempre o jardineiro desvelou-se pelo jardim, cultivando-o- pois cultivar

implica restaurar, recuperar, repor. Muitas vezes, limitou-se a dispor dele, explorá-lo ad

nauseam” (MENDES, 1995, p. 59). O autor fala sobre a sociedade industrial, defendendo que

na narração da criação, infelizmente, tem se sobressaído a Palavra de Gênesis 1:28 a de

Gênesis 2:15. Ou seja, o primeiro se referia ao desenvolvimento do mundo e o segundo ao

envolvimento com o mundo, e preferiu-se enfatizar o direito dos habitantes e negligenciar os

deveres com o habitat.

Como afirma Mazzarolo (2008, p. 09), “O cosmos é, então um lugar para todos, não

só para alguns. O ser humano está neste mundo como inquilino, como administrador e

subalterno, que terá que prestar contas de tudo o que faz ou deixa de fazer”. O Homem

sempre foi um ser cultural. Ele deveria dominar, mas também cultivar e guardar, mantendo

tudo em equilíbrio.

Deus deu o Homem o livre arbítrio, mas estabelecendo limites como o de não comer

o fruto do conhecimento do Bem e do Mal deixou claro que nossas escolhas gerariam

conseqüências Assim, “[...] no dia em que alguém fere a natureza, fere a criação, prejudica

seu próximo, priva a geração seguinte dos benefícios próprios da natureza e isso se chama

pecado” (MAZZAROLO, 2008, p. 09).

Mazzarolo destaca exigências que não apenas podem ser entendidas como sugestões,

mas como imperativos éticos, sociais e políticos. Para ele, temos que ter consciência de

fatores que estão à luz da bíblia, tais como: ser criatura à imagem e semelhança de Deus;

saber que virão outros depois de mim; a natureza poderá se vingar sempre; o ser humano foi

feito de barro, como condição de igualdade para todos; o Bem e o Mal são opções do ser

humano; a pedagogia do amor supremo e da responsabilidade e harmonia cósmica; cultivar a

terra é missão do ser humano, mas ela faz parte deste todo e é direito das futuras gerações; a

produção de bens deve ser voltada para a satisfação das necessidades humanas; a ecologia

deve partir da contemplação, todas as criaturas formam a harmonia da criação. Enfim, “Deus

é tudo em todas as criaturas” (MAZZAROLO, 2008, p. 10).

Não pode ser deixada de lado neste momento uma citação de Einstein, quando o

mesmo afirma que “uma mente que se expande jamais volta ao seu tamanho normal”.

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45

(EINSTEIN). Insensato seria, não percorrer este estudo sobre as bases da relação conflituosa

entre Homem e natureza sem contribuir com algo novo, que faz parte de uma nova linha de

pensamento. Trazemos em pauta então, uma Ecologia à luz da bíblia. Acreditamos que o

equívoco não está no texto bíblico, mas sim na ganância humana que levou a Humanidade a

uma administração irresponsável das obras de Deus.

4.2 A Natureza que Chora com Dores de Parto

A segunda fase da relação entre o Homem e a natureza é a de dominação, quando

deixou-se de temer o desconhecido e passou-se a crer no racionalismo e na ciência como

verdades absolutas. Trevisol (2003) destaca que nessa fase a modernidade foi impulsionada

pela separação do Homem e da natureza, deixando a visão orgânica e alterando o seu modo de

viver.

Foi o início do império do antropocentrismo, que considera a natureza exterior ao

Homem. Para satisfazer as vontades humanas a mesma precisa ser transformada, modificada e

domada por técnicas e ciências. Esse sistema não somente comparou a natureza com uma

máquina, acreditando na sua inesgotabilidade, mas também as pessoas.

A concepção cartesiana do universo como um sistema mecânico criou as condições

para que a manipulação e a exploração da natuteza se inserissem na cultura

ocidental. A drástica mudança na imagem da natureza- de organismo vivo para

máquina- teve um processo efeito sobre os mais variados subsistemas da vida social

(na ciência, na economia, na indústria, na política, na cultura etc). A sociedade

passou a imprimir transformações no mundo, sem considerar as suas consequências

(TREVISOL, 2003, p. 70).

Não podemos dissociar a dominação da natureza da dominação dos Homens. Ao

passo que se estabelecia um sistema de mercado, no qual um podia mais do que os outros,

houve uma subordinação por parte do Homem, tanto aos mais poderosos quanto aos artificios

de dominação da natureza.

Já vemos a ganância humana gerando grandes tragédias ecológicas no período

chamado de pré-capitalismo, quando ocorreram as Grandes Navegações e a expansão

marítima. As colonizações eram a fonte de riqueza das nações mais desenvolvidas, de onde

tiravam matéria-prima e fortaleciam o comércio. Como afirma Gonçalves (2006), a

modernização ocorreu, por vezes, através da colonização.

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46

Alfred Crosby descreveu como foram as conseqüências da colonização européia em

ambientes nativos. Ao comentar a colonização portuguesa nas Ilhas Afortunadas, já baseada

numa lógica de exploração a fim de riquezas, escreve:

Nos anos da década de 1420, os primeiros colonos chegaram de Portugal: menos de

uma centena de plebeus e nobres de segunda classe, todos em busca de terras novas

que pudessem melhorar sua expectativa de riqueza e avanço social. Madeira e Porto

Santo eram virgens no sentido mais estrito da palavra: não eram habitadas e não

apresentavam qualquer marca de ocupação humana, paleolítica, neolítica ou pós-

neolítica. Os recém chegados puseram-se a trabalhar, tentando racionalizar a

paisagem, a flora e a fauna, que até então só tinham sido afetadas pelas forças cegas

da natureza (CROSBY, 1993, p. 75).

A ciência e a filosofia passam a indicar que não existem somente para produzir o

conhecimento, mas também para entender as leis da natureza e subordiná-las ao Homem.

Trevisol destaca Copérnico, Kepler, Descartes, Galileu Galilei, Bacon e Newton como pais de

todas essas mudanças, numa época que as fronteiras do Universo foram extendidas além da

Terra. O “ir além”, o poder de domínio, passou a se concretizar para a Humanidade, sedenta a

explorar e a deter.

O sistema capitalista, explicado por Stahel (1995), tem como base de funcionamento

o capital, visa a sua expansão obtida na produção de mercadorias. Pra o mesmo autor, ele é

[...] calcado em um critério monetário, quantitativo e unidimensional, o mercado

direciona e sansiona os desenvolvimentos compatíveis com a lógica de acumulação

e de expansão capitalista. A eficiência produtiva, mesmo que às custas de uma

ineficiência social ou de uma ineficiência ambiental (as externalidades negatiovas

para os economistas), é uma necessidade de sobrevivência no quadro de um

capitalismo de mercado. (STAHEL,1995, p.107)

Singer (2002, p. 10) diz que

[...] o capitalismo é um modo de produção cujos princípios são o direito de

propriedade individual aplicado ao capital e o direito à liberdade individual. A

aplicação destes princípios divide a sociedade em duas classes básicas: a classe

proprietária ou possuidora do capital e a classe que (por não possuir capital) ganha a

vida mediante a venda de sua força de trabalho à outra classe. O resultado natural é a

competição e a desigualdade.

Esse progresso, que tinha como objetivo um futuro promissor e moderno, passou por

duas crises, durante as grandes guerras mundiais. No pós guerra de 1945, “um excelente

porvir é restaurado, seja na idéia de futuro radioso prometido pelo comunismo, seja na idéia

do futuro apaziguado e próspero prometido pela sociedade industrial” (MORIN, 1995, p. 80).

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47

A expansão do capitalismo revestia-se, deste modo, de uma aura de missão

civilizatória e, então, absolviam-se o etnocídio e o genocídio cometidos contra os

povos da África, da Ásia e da América Latina, considerados primitivos e atrasados e,

assim, assimilados à natureza – selvagens (da selva) e bárbaros (para os romanos, os

que falam como se fossem aves)- estava justificada a sua dominação. A burguesia

estaria cumprindo a sua missão civilizatória ao destruir os povos atrasados

(GONÇALVES, 2004, p. 15).

A indústria, formatada para servir a um mercado mais amplo, seguiu uma

padronização na produção. Dessa forma, o trabalho mais mecanizado também passou por uma

adaptação. Silva (2008) afirma que era um trabalho repetitivo em uma estrutura de produção

com tamanha rigidez, que não possibilitava a incrementação da criatividade dos trabalhadores.

O importante era a rapidez e a produção de produtos com preço acessível, a serem adquiridos

por um grande número de pessoas

Os Estados Unidos da América se destacaram, após a Segunda Guerra Mundial,

consolidando sua hegemonia perante as demais nações. Já a partir do século XIX, a super

produção não encontrava mercados que demandassem a produção. O conjunto de princípios

organizacionais taylorismo-fordismo, deram ao sistema características predominantes: a

produção excedente, devido à Primeira e à Segunda Revolução Industrial a produção (oferta)

de bens e o consumo cresceram num ritmo mais acelerado do que a demanda interna, e esse

excedente passando a necessitar novos mercados que o absorvessem; o excedente de capital,

provém dos lucros, cada vez maiores obtidos pela industrialização; abastecimento de matéria-

prima, porque o processo industrial exigia o abastecimento de matérias- primas muitas vezes

escassas, devido ao processo predatório (MELO, 2006).

A noção de desenvolvimento passou a ser indicada como um modelo a ser

perseguido. O subdesenvolvimento era a expressão oposta, utilizada para rotular países e/ou

regiões que, aos olhos dos especialistas norte-americanos, eram considerados atrasados em

relação aos demais (CAPORAL; COSTABEBER, 2008).

Emanuel (2008) descreve essa mudança cultural, entre a agricultura e a tecnologia.

Relata como era a propriedade na qual seus pais trabalhavam, cujo dono era um imigrante

italiano.

Ele tinha vacas de leite, tinha um pomar, um pomar que era uma maravilha. E usava

já uma tecnologia bem mais avançada que aqui a gente nunca tinha visto, né. Ele

veio de lá com uma formação mais avançada, né, na Itália. E aqui nós estávamos

muito atrasados ainda, né. Então ele tinha uma propriedade modelo, né.

O mesmo se refere à colonização italiana na serra gaúcha e às novas tecnologias

implantadas pelo modelo europeu. Considerou, na narrativa, que as técnicas utilizadas pelos

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48

pequenos agricultores eram atrasadas. Enquanto, as inovações trazidas pelos europeus seriam

o modelo a ser seguido.

Para Leff (2000), o processo de subdesenvolvimento está relacionado com a

apropriação dos recursos naturais e a exploração do trabalho dos povos tradicionais pelos

países europeus. Tendo em vista que esta era uma estratégia para a expansão do capital, esse

processo gerou como resultado a divisão internacional do trabalho, a troca desigual e a

degradação ambiental.

O subdesenvolvimento é o efeito da perda do potencial produtivo de uma nação,

devido a um processo de exploração e espoliação que rompe os mecanismos

ecológicos e culturais, dos quais depende a produtividade sustentável das suas forças

produtivas e regeneração de seus recursos naturais (LEFF, 2000, p. 21).

Segundo essa teoria desenvolvimentista ocidental, o desenvolvimento é representado

pelo crescimento econômico. Para sua mensuração observa-se a riqueza que uma determinada

sociedade produz, medida pelo seu PIB. O valor central é o “ganhar dinheiro” para consumir

cada vez mais. Essa visão que ostenta o crescimento econômico como fator primordial, não

leva em consideração quais são as fontes geradoras desse desenvolvimento.

Ocorre “sem importar-se se é constituído de mísseis e armas ou de bens cosméticos;

pela superexploração dos recursos não renováveis e pela superprodução de mercadorias

subvencionadas pela subvalorização da natureza, pela destruição das florestas e pela

contaminação do planeta” (LEFF, 2004, p. 94).

O desenvolvimento tem dois aspectos. De um lado, é um mito global no qual as

sociedades industrializadas atingem o bem-estar, reduzem as desigualdades

extremas e dispensam aos indivíduos o máximo de felicidade que uma sociedade

pode dispensar. De outro lado, é uma concepção redutora, em que o crescimento

econômico é o motor necessário e suficiente de todos os desenvolvimentos sociais,

psíquicos e morais. Essa concepção tecno-econômica ignora os problemas humanos

de identidade, da comunidade, da solidariedade, da cultura (MORIN, 1995, p. 83).

A relação do Homem com a natureza entra em um novo estágio a partir de 1945,

nota-se que além de ser dominada em prol do sistema capitalista ela passa a ser recriada. Para

Leff (2000) ela foi totalmente socializada, a natureza intocada deixa de existir e passa a ser

uma “secunda natureza” que leva em consideração a intervenção antrópica. Isso se deve ao

fato de que os efeitos e riscos da ação humana não encontram mais fronteiras, é a chamada

sociedade de risco. “Muitos sistemas naturais primitivos são agora produtos da tomada de

decisão humana” (LEEF, 2000, p. 72).

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49

A expansão dos interesses capitalistas elevaram as organizações a um âmbito

transnacional, não encontrando barreiras espaciais para seus negócios. Giddens (1991, p. 69),

conceitua globalização como “[...] a intensificação das relações sociais em escala mundial,

que ligam localidades distantes de tal maneira que acontecimentos, locais são modelados por

eventos ocorrendo a muitas milhas de distância e vice-versa.” A facilidade na esfera

econômica é somada à globalização de fatores de ordem social, cultural e comportamental, na

medida em que forma uma rede de transformação contínua entre nações.

Os processos produtivos tecnificados gerados pela acumulação do capital foram

sendo transferidos para o Terceiro Mundo. Essa mudança gerou uma organização produtiva

dependente, degradando os ecossistemas naturais e cultural das populações.

[...] O subdesenvolvimento é o resultado dos processos de degradação ambiental que

sofreram os países do Terceiro Mundo devido à sua dependência tecnológica do

exterior e à deformação do seu modelo de desenvolvimento, sujeito às condições

históricas impostas pela expansão da racionalidade econômica, nos níveis nacional e

internacional (LEFF, 2000, p. 28).

Esse mesmo desenvolvimento passou a ser discutido os anos de 1950 a 1960 na

Europa e nos EUA. Enquanto isso, na mesma época ele era difundido no Terceiro Mundo,

como é o caso da Revolução Verde na América Latina. A principal crítica ao sistema

provinha do marxismo, que ressaltava o caráter desigual do desenvolvimento capitalista. Era a

crítica feita à desigualdade do desenvolvimento e não ao desenvolvimento, dessa forma

considerava-se que o progresso deveria ser um direito de todos. Esse direito ao

desenvolvimento, tal como ele é considerado pelo sistema capitalista, deveria ser uma opção.

No entanto, se tornou uma imposição como parte do avanço das nações consideradas pelo

mesmo sistema como atrasadas (GONÇALVES, 2004).

Assim, a idéia de igualdade estava relacionada com a de desenvolvimento, que já era

considerada sinônimo de crescimento econômico e de exploração da natureza. Tudo isso,

levando em consideração uma padronização, sem questionar a possibilidade dos diferentes

modos de viver, as culturas e peculiaridades de cada povo. Ao classificar os povos em

avançados e atrasados, como se houvesse um parâmetro que servisse de relógio universal, se

confunde a luta contra a injustiça social com a luta pela igualdade na visão eurocêntrica

(GONÇALVES, 2004).

Essa dinâmica de funcionamento gerou um estilo de vida insustentável, baseado no

materialismo e na super exploração dos recursos naturais. Decorrente desse sistema, a

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50

sociedade pós-moderna caracteriza-se pela obsessão pelo êxito e “[...] os dolorosos vazios do

peito são preenchidos com coisas ou com o sonho de possuí-las” (GALEANO, 2001).

Para o economista Amartya Sen, prêmio Nobel de economia, a economia tradicional

não conseguiu em nenhum aspecto satisfazer as necessidades subjetivas. Caracteriza algumas

peculiaridades dessa sociedade do “ter”, tais como: o bem-estar de uma pessoa é avaliado pelo

seu domínio sobre bens e serviços; o nível de satisfação pessoal é traduzido pelo nível de

renda; a liberdade de uma pessoa pode ser avaliada pela extensão do seu conjunto de

oportunidades representadas por pacotes alternativos de bens e serviços (SEN, 2001).

Assim, Capra (2002, p. 268) descreve esse modelo de mercado como “[...] uma rede

de máquinas programadas para atender a um único princípio fundamental: o de que o ganhar

dinheiro deve ter precedência sobre os direitos humanos, a democracia, a proteção ambiental e

qualquer outro valor”.

4.2.1 A Policrise Planetária

Neste contexto, uma palavra tem ecoado em todo o mundo: crise. Pelo “progresso”

se cometeu sacrifícios em favor de uma minoria. A partir disso, da relação que o Homem

estabelece com a natureza, evidencia-se a raiz da crise planetária: a crise de percepção, do

homem consigo mesmo e com o que está ao seu redor.

Estudar essa crise ecológica também é buscar entendimento sobre o modo como a

sociedade estáorganizada, como os bens são produzidos e consumidos, quais são os estilos de

vida. Da mesma forma, esclarece Trevisol (2003, p. 64) que “as origens dessa crise devem ser

buscadas no modo como as diferentes sociedades foram se apropriando do meio natural e,

mais retrospectivamente, como a civilização foi instrumentalizando a natureza em nome do

desenvolvimento e do progresso”.

A sociedade industrial, através das noções de progresso e desenvolvimento, gerou a

busca incessante da transformação da natureza. Como afirmou Mahatma Gandhi “há riqueza

bastante no mundo para as necessidades do homem, mas não para a sua ambição” (GANDHI).

No entanto, hoje devemos partir da reflexividade, para buscar soluções para os conflitos

sócioambientais.

Morin ainda se refere a uma policrise. Segundo o mesmo, “[...] não há um único

problema vital, mas vários problemas vitais, e é essa inter-solidariedade complexa dos

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51

problemas, antagonismos, crises, processo descontrolado, crise geral do planeta, que constitui

o problema vital número um” (MORIN, 1995, p. 99).

Leff também se remete à crise traçando um comparativo entre épocas distintas, nas

quais:

O homem pré-moderno via seu destino pendente de forças desconhecidas e

incontroláveis. O homem moderno, em seu afã de controlar a natureza através da

ciência e da tecnologia, ficou preso por uma racionalidade e por processos que

dominam sua vida mas ultrapassam sua capacidade de decisão e entendimento.

(LEFF, 2004, p. 92)

“A crise ambiental não pode ser tematizada apenas enquanto fenômeno físico-natural

externo à evolução das sociedades. A bem da verdade, não é a natureza que se encontra em

desarmonia; é a própria sociedade” (TREVISOL, 2003, p. 64).

Perante essa crise não existem sujeitos específicos, titulares que respondam

isoladamente pelo mal que assola nosso Planeta. Assim como todos nós somos responsáveis

de alguma forma por ele, seja por nossas ações ou omissões, também somos chamados a

buscar alternativas que possam garantir que as gerações que estão por vir vivam com

dignidade.

Cattani (2003) destaca três principais problemas decorrentes do sistema capitalista. O

primeiro indica que através da intensificação da sua natureza, acumular sem limites, a

subjetividade foi deixada de lado. Fatores como a criatividade inerente ao ser humano e o

trabalho como um processo vital, foram alienados pela lógica de mercado. “Para grande parte

da Humanidade, o trabalho é desenvolvido de forma desinteressante e estressante,

assegurando a inserção subordinada na esfera social e garantindo acesso à sociedade de

consumo alienado” (CATTANI, 2003, p. 09).

O trabalho passou a ser entendido como uma forma competitiva de satisfação

econômica e não mais como um processo vital, pelo qual as pessoas desenvolvem suas

aptidões e se realizam plenamente. No lugar de homens, máquinas. As realidades subjetivas

humanas são deixadas de lado em detrimento às especificações do sistema: a super

especialização, a mecanização, a racionalização.

A mecanização assume o controle do que não é mecânico: a complexidade humana.

A existência concreta é mal tratada. O reinado anônimo do dinheiro progride ao

mesmo tempo que o reinado da tecnoburocracia. Os fatores de estímulo são também

desintegradores: o espírito da competição e de êxito desenvolve o egoísmo e

dissolve a solidariedade (MORIN, 1995, p. 88).

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52

O segundo corresponde à agravação das desigualdades, através da injustiça e no

acesso e fruição aos bens desenvolvidos. O antagonismo, riqueza e miséria, muitas vezes é

considerado como mera conseqüência do esforço de alguns e da incapacidade de outros em

progredir. “Essa concepção de meritocracia, fundamentada na concorrência entre desiguais,

permite legitimar processos de exclusão e de eliminação dos “menos capazes””. (CATTANI,

2003, p. 10).

Os 25% da população do Globo que vivem nos países ricos, consomem 75% da

energia; as grandes potencias conservam o monopólio da alta tecnologia e se

apropriam até mesmo do poder cognitivo e manipulador do capital genético das

espécies vivas, inclusive a humana. O mundo desenvolvido destrói seus excedentes

agrícolas, põe suas terras em pousio enquanto fomes e miséria se multiplicam no

mundo pobre. Quando há guerras civis ou desastres naturais, a ajuda filantrópica

momentânea é devorada por parasitas burocráticos ou políticos interessados em

negócios. O Terceiro Mundo continua a sofrer a exploração econômica, mas sofre

também a cegueira, o pensamento limitado, o subdesenvolvimento moral e

intelectual do mundo desenvolvido (MORIN, 1995, p. 83).

O terceiro, é o risco da sobrevivência no Planeta. O afastamento do Homem e da

natureza ocorreu na medida em que ela foi subordinada a uma lógica de mercado, deixando de

ser valorizada pelas conexões existentes entre todas as formas de vida e passando a ser mero

produto a ser explorado com fins lucrativos (CATTANI, 2003).

Figura 4: Bandeira do Brasil

Fonte: Mendes (1889)

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53

“Em teu seio formoso retratas/Este céu de puríssimo azul. A verdura sem par destas

matas/E o esplendor do Cruzeiro do Sul” (Hino a Bandeira do Brasil) (BILAC, 1906). Vemos

nas estrofes do Hino a Bandeira do Brasil a descrição das nossas matas como algo sem

comparação, sem par. Na própria bandeira, encontramos a inscrição “Ordem e Progresso” em

verde, que é o lema político do Positivismo, forma abreviada do lema de autoria do positivista

francês Auguste Comte: O Amor por princípio e a Ordem por base; o Progresso por fim.

Essa é uma visão positivista, conservadora que segue uma racionalidade instrumental

na perspectiva de Habermas. A sociedade industrial se apegou a uma racionalidade que

define-se através da ciência e da técnica. Habermas tenta superar essa visão, considera-se

contra a técnica e a ciência universalizadas, contra a racionalidade científica em esferas onde

deveria haver uma racionalidade comunicativa, onde exista a interação entre as pessoas. Esta

é mediada por normas, valores e máximas gerais, estabelecidas e reconhecidas pela

convivência dos sujeitos, capazes de comunicação, ação e com entendimento sobre as regras

sociais (HABERMAS, 1987).

O Estado cada vez mais vinculado ao mecanismo financeiro ocupa-se com questões

técnicas, perdendo as instituições o vínculo com os fins para os quais foram criadas. Para

Habermas (1987, p. 45), “na medida em que a técnica e a ciência pervadem as esferas

institucionais da sociedade e transformam assim as próprias instituições,desmoronam-se as

legitimações”.

Mostra que a racionalidade instrumental é movida por uma essência de domínio do

Homem sobre a natureza e sobre o próprio Homem, para atingir determinado fim. O verde

identificado na simbologoia da bandeira e que representa as nossas matas está sendo

substituído pelas cortinas de fumaça, em nome do progresso. Progresso esse que é tido como

fim no lema descrito. Um progresso que gera a escassez. Um progresso que privilegia uma

minoria, gera a exclusão, a desigualdade e a indignidade. Que não enxerga além do lucro, não

faz as conexões entre o social e o ambiental.

A idéia desenvolvimentista foi e é cega às riquezas culturais das sociedades arcaicas

ou tradicionais que só foram vistas através das lentes economistas e quantitativas.

Ela reconheceu nessas culturas apenas idéias falsas, ignorância, superstições, sem

imaginar que continham instituições profundas, saberes milenarmente acumulados,

sabedorias de vida e valores éticos atrofiados entre nós (MORIN, 1995, p. 84)

Melo (2006) destaca que esse estilo de desenvolvimento é tanto danoso para o meio

ambiente quanto para a sociedade, gerando diversas dívidas: ecológica; sócio-econômica; e

cultural. Os âmbitos social e ambiental não podem ser dissociados, as conseqüências da ação

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54

humana são tanto prejudiciais à natureza quanto aos próprios homens, são questões inter

relacionadas através da complexidade da vida no Planeta.

Portanto, como bem coloca Cattani (2003, p. 10), “o capitalismo tem dimensões

senis, ultrapassadas, e insisto, medíocres, devendo, pois, ser superado por modalidades mais

avançadas de organização econômica e social”.

Esse sistema gerou um paradoxo, uma essência que se contradiz. Pode-se dizer que

esse desenvolvimento alavancou grandes inovações para a Humanidade: enorme variabilidade

de produtos, máquinas cada vez mais funcionais, a informatização, tudo contribuindo para o

conforto e bem-estar de uma sociedade de consumo. Por outro lado, a qualidade

sócioambiental foi negligenciada e o alto custo de todo esse “progresso” ressalta a

necessidade de refletir sobre alternativas para o mesmo.

4.3 Correndo atrás do Vento: Desenvolvimento, Sustentável para Quem?

“Há muito tempo a sustentabilidade têm existido

apenas entre aspas”. Michael R. Redelift

O paradigma cartesiano, a partir do século XX, começa a ser rompido pela noção de

complexidade e holismo em diversas disciplinas. “O mundo mecanicista-euclidiano é hoje

uma metáfora de museu, uma ideologia que só se sustenta pela força gerada pela tecnociência

instrumentalizadora, utilizada pelos detentores do poder político” (ROHDE, 1995, p. 41).

Uma série de desastres ecológicos ocorreram devido à ação antrópica e a novas

tecnologias. Braun (2001) cita, entre as décadas de 1970 e 1980, desastres como de Seveso

Chemical (Roche), na Itália, o acidente nuclear de Three Mile Island, nos EUA, os acidentes

químicos de Bophal, na índia, e Basel, na Suíça, o desastre nuclera de Chernobyl, na extinta

União Soviética, e o derrame do petroleiro Valdez, no Alasca.

No ano de 1962, Rachel Carson publicou a obra Primavera Silenciosa, livro marcante

ao abordar a intervenção humana na natureza. Ao trazer à tona os efeitos nocivos do DDT na

saúde humana e no meio ambiente, a autora alertou sobre a vulnerabilidade da natureza frente

aos impactos das inovações tecnológicas.

Em 1968, o Clube de Roma debateu a utilização dos recursos não renováveis e sua

possível escassez. Em 1972, publicou um relatório intitulado Os Limites do Crescimento,

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55

vendido em mais de trinta idiomas e abordando os problemas cruciais que afetavam o mundo,

tais como: poluição, energia e crescimento populacional.

O ambientalismo começou a tomar corpo cientifico e técnico mais tarde, a idéia de

colocar limites ao crescimento foi abordada também por Beck e Giddens ao tratarem da noção

de sociedade de risco (GONÇALVES, 2003).

Como afirma Morin (1995, p. 83) “o mito do desenvolvimento determinou a crença

de que era preciso sacrificar tudo por ele”. Ressalta, em sua obra Terra Pátria, alguns fatores

que chamaram a atenção para a degradação sócioambiental: a partir dos anos 70 os resultados

negativos do desenvolvimento capitalista começaram a ficar evidentes no Terceiro Mundo,

trazendo à tona uma série de problemas sócioambientais decorrentes da economia de

mercado; a tríade ciência/ técnica/ indústria se via cada vez mais radical; o domínio da

energia nuclear pelas ciências físicas resulta não somente no progresso humano, mas também

na probabilidade da sua extinção; a ambivalência chega à biologia nos anos de 1980 com o

reconhecimento dos genes e dos processos biomoleculares; verifica-se que os subprodutos de

dejetos de indústrias, bem como a aplicação dos métodos industriais à agricultura, à pesca, à

criação de gado, causam prejuízos e poluições cada vez mais abrangentes.

Com a realização da Conferência de Estocolmo, em 1972, representantes de cento e

treze países se reuniram para discutir as questões ambientais. Todo o contexto de degradação

sócio ambiental, tornou ciente que a própria existência humana corria risco. Atentou-se para o

fato de que “os desequilíbrios ecológicos não são tão naturais como frequentemente se

imagina. Os fatores antrópicos estão no âmago da crise ambiental” (TREVISOL, 2003, p. 64)

Então, começou a surgir o enquadramento da variável ambiental nos diversos setores,

como é o caso da legislação ambiental. A norma jurídica tem como gênese, segundo o Direito

Romano5, o fato. Quando o Homem começou a sentir a gravidade dos problemas oriundos da

exploração irresponsável dos recursos naturais, entendeu ser conveniente incorporar o meio

ambiente na tutela estatal.

Foi nesse contexto que surgiu o ambientalismo, trazendo um alerta sobre os riscos

globais e para o fato de que uma nova ética deveria ser o alvo da sociedade pós-moderna.

Gonçalves (2003, p. 29) escreve que “já não é mais contra a natureza que devemos lutar, [...]

mas sim, contra os efeitos da própria intervenção que o próprio sistema técnico provoca.”

O relato histórico-social do ambientalismo fala em síntese que “[...] nos anos 50

emergiu o ambientalismo dos cientistas, nos anos 60 o das ONGs e nos 70 o dos atores

5 EX FACTO ORITUR JUS (Do fato origina-se o Direito)

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56

políticos e estatais [...], nos anos 80, do Relatório de Brundtland [...] encontramos a largada

dos atores econômicos” (LEIS; D´AMATO, 1995, p. 81).

A Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CMMAD) elaborou

um relatório, em 1987, como umas das iniciativas da ONU em crítica ao modelo de

desenvolvimento adotado pelos países industrializados. O Relatório de Brundtland, intitulado

de Nosso Futuro Comum, apresenta o termo Desenvolvimento Sustentável como sendo:

“àquele que atende as necessidades do presente sem comprometer a possibilidade das

gerações futuras atenderem às suas próprias necessidades” (CMMAD, 1987, p.46).

Esse estudo apontou para a incompatibilidade do referido conceito, com o modo de

exploração capitalista, referindo-se então à necessidade de uma nova postura ambiental.

As falhas que precisamos corrigir derivam da pobreza e do modo equivocado com

que temos frequentemente buscado a prosperidade. Muitas partes do mundo

entraram numa espiral descendente viciosa: os povos pobres são obrigados a usar

excessivamente seus recursos ambientais a fim de sobreviverem, e o fato de

empobrecerem seu meio ambiente os empobrece mais, tornando sua sobrevivência

ainda mais difícil e incerta. A prosperidade conseguida em algumas partes do mundo

é com freqüência precária, pois foi obtida mediante práticas agrícolas, florestais e

industriais que só trazem lucro e progresso a curto prazo. (CMMAD,1987, p. 29)

Para Menegati e Almeida (2004, p. 74), “o desenvolvimento é muito mais do que

crescimento. É progresso. Progresso mediante tecnologia adequada ao serviço de valores

oportunos. Crescer não basta. E manter-se também não. O desenvolvimento sustentável é,

definitivamente, o desenvolvimento”.

A temática do Desenvolvimento Sustentável ainda é bastante controversa, alguns

autores consideram que o termo é utilizado de forma banalizada e como um jogo de marketing

do próprio sistema capitalista (ecocapitalismo). Seria uma forma de manter o próprio sistema,

dando apenas uma aparência de “sustentabilidade”.

Em 1960, o estilo de consumo foi chamado de “lixo ocidental”, e passamos a partir

dos anos 80 a caminhar para a idéia de desenvolvimento sustentável. As anos 90 marcados

pelo “verde” (selo verde, marketing verde, ecoturismo...), retratam ainda um projeto de

globalização que vem sendo construído de cima, pelos de cima, “para os de cima”

(GONÇALVES, 2003).

Pelizzoli (1999, p. 102) descreve esse paradoxo in terminis afirmando que existe um

problema fático:

[...] O desenvolvimento econômico- e social-, em seu movens reporta-se ao modo

como a cultura e a racionalidade (desde nossa ciência e tecnologia) do Ocidente no

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57

capitalismo, no seu anseio evidente de dominação e transformação da natureza bruta,

encetou a transformação desta em um mundo de produtos e bens socioamteriais

determinado. [...] “Sustentável” reporta-se ao ecossistema em equilíbrio dinâmico,

em sua integridade assimilando a entropia e elaborando a emergência do caótico,

onde se mantém o funcionamento de um sistema com pontos de equilíbrio e

reestabilização que possuem um limite de alteração e adaptação. Como conciliar tais

forças ou limites?

A indagação do autor é muito pertinente no sentido de que o Desenvolvimento

Sustentável é muitas vezes relacionado com a mera economia dos recursos naturais. Nessas

circunstâncias, as discussões sobre o mesmo não levam em consideração as necessidades

humanas, limitando-se a uma natureza exterior e subtraindo o social. Isto, segundo a própria

finalidade do estudo da Organização das Nações Unidas (ONU), se constitui num grande

equívoco.

De maneira crescentemente freqüente, a “sustentabilidade” foi se separando do meio

ambiente e a sustentabilidade ambiental foi confundida com questões mais amplas

de equidade, governabilidade e justiça social, o que serviu para transferir a discussão

política para diferentes lugares. A “sustentabilidade” foi usada como um sufixo para

quase qualquer coisa julgada desejável (REDELIFT, 2003, p. 47).

Para Fernandez (2005) a expressão vem sendo usada atualmente com pelo menos

quatro sentidos diferentes, relacionados a seguir: um elogiável e necessário objetivo (para os

de boa-fé); uma maneira de obter permissão para explorar recursos em áreas naturais

protegidas: todas as portas oficiais se abrem diante da mágica palavra “sustentabilidade”,

mesmo se tal qualidade for apenas suposta; uma maneira de inserir produtos num mercado

cada vez mais consciente ecologicamente: muitos produtos vendem mais quando têm um selo

atestando exploração sustentável, ainda que na realidade não o seja, ou não se saiba se é; uma

maneira de desviar para outros usos os abundantes recursos financeiros internacionais

destinados à conservação da natureza.

Layrargues (1998), fala sobre o discurso empresarial verde. Segundo o autor, existem

evidências de que nos deparamos com um processo de apropriação ideológica, que o

Desenvolvimento Sustentável trata-se apenas da racionalidade econômica operando envolta

sobre uma nova aparência. A ecologia teria se tornado uma nova variável no mercado, e não

seria a consciência ecológica que leva o empresário a adotar medidas sustentáveis, mas sim a

mesma consciência econômica do modelo de mercado.

As técnicas utilizadas para a minimização dos impactos ambientais ou até sua

reparação são de suma importância, mas não constituem a sustentabilidade de forma ampla.

Pelizzoli (1999) esclarece algumas concepções de ecologia a serem questionadas ou

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58

repudiadas, dentre elas existe justamente uma vertente que considera que a crise ecológica

pode ser resolvida apenas pela tecnologia, noção de Primeiro Mundo que não enquadra os

antagonismos sociais decorrentes da desvalorização da vida como um todo.

Neste processo, a noção de sustentabilidade foi-se divulgando e vulgarizando, até

fazer parte do discurso oficial e da linguagem comum. Contudo, para além do

mimetismo discursivo que gerou a retórica do crescimento sustentável ou duradouro,

não se conseguiu no sentido conceitual e pratico capaz de unificar as vias de

transição para a sustentabilidade. Neste sentido, surgem os desacordos e

contradições do discurso da sustentabilidade, bem como os diferentes sentidos que

adora em relação aos interesses antagônicos pela apropriação da Natureza (LEFF,

2000, p. 265).

A sustentabilidade do capitalismo, ou seja, a racionalidade econômica que tem ainda

como base o crescimento econômico, é incapaz de deter as conseqüências da ação humana no

meio ambiente. Esse discurso, segundo Leff (2000, p. 294), “[...] volta como um bumerangue,

degolando e engolindo o Ambiente como conceito que orienta a construção de uma nova

racionalidade social”.

Gonçalves (2007) afirma que é preciso fazer um debate teórico sobre esses conceitos,

o que indica a necessidade de discussão sobre desenvolvimento e sustentabilidade incluindo

além dos argumentos da ecologia, os sociais como a exclusão da maioria da Humanidade

nesse processo de desenvolvimento capitalista.

É preciso que ocorra um diálogo com os diferentes saberes, com os diferentes lugares

e suas culturas. “A lógica matemática é abstrata, indiferente aos lugares, às pessoas- nela cada

um é um, e não ente diferente (difer-ente); já a lógica da qualidade é, sempre, concreta”

(GONÇALVES, 2003, p. 73).

A sustentabilidade tem sido então debatida por estudiosos de diversas áreas, a busca

é no sentido de conciliar as esferas ambiental e social em um sistema justo de

desenvolvimento. Sachs faz uma revisão do conceito de desenvolvimento, abrangendo um

ecodesenvolvimento. O mesmo propõe a sustentabilidade para o desenvolvimento, no sentido

de que possa melhorar as condições de vida humana.

Faz uma relação dos princípios organizativos da natureza com os da sociedade,

destacando como base do ecodesenvolvimento: a satisfação das necessidades básicas; a

solidariedade com as gerações futuras; a participação da população evoluída; a preservação

dos recursos naturais e do meio ambiente em geral; a elaboração de um sistema social,

garantindo emprego, segurança social e respeito a outras culturas; programas de educação

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59

(SACHS. I apud GÓMEZ, 1996). Assim, Sachs trabalha com mais dimensões na idéia de

sustentabilidade, aborda a tríade: ambiental a econômica e a social.

Para Leff, aparece como uma necessidade atual para a reprodução do Capital em uma

nova fase: a ecológica. Suas estratégias não abordam apenas um conservacionismo cultural e

ecológico, nem mesmo que se retorne às praticas milenares e tradicionais, ele é “[...] um

processo social inserido nas lutas de casa comunidade pela apropriação de seus recursos e de

sua riqueza” (LEFF, 2000, p. 277).

Como vemos, existe emergência por um novo padrão de desenvolvimento, tendo em

vista que os moldes capitalistas já não podem ser mais considerados “aceitáveis”, requer um

olhar menos superficial sobre a relação Homem e natureza. Ou seja, não podemos permitir

que a adoção de algumas técnicas geradas pela racionalidade sejam consideradas como

suficientes, diante de uma crise que é sobretudo de percepção.

“[...] A aplicação automática dessas soluções não é, de qualquer modo, o

desenvolvimento sustentável em si mesmo: o que tem por extrair dessas experiências é a

atitude imaginativa perante a realidade e o convencimento de que existem algumas

alternativas” (ALMEIDA; MENEGATI, 2004, p. 78).

Por fim, voltamos ao início. Da criação descrita em Gênesis, partimos para o Livro

de Eclesiastes. Salomão, em desabafo, chega a conclusão de que tudo é vaidade. Essa palavra

foi usada aqui para definir tudo aquilo que é transitório, que não tem substância. O autor

descreve a sua vida, período no qual buscava a todo preço o “prazer”. Nessa busca constante

não se importava com as pessoas, escravizando-as, nem consigo próprio, fadigando-se.

A partir desse texto fazemos uma analogia a busca insana do prazer da sociedade

pós-moderna, às escamas que foram postas em nossos olhos a fim de que não enxergássemos

além do que nos foi mostrado como ideal. Salomão procurou o prazer na bebida, no

consumismo e na riqueza, na promiscuidade, na falta de amor e no individualismo.

Infelizmente, esses ingredientes que juntos formam a base de sua vida ainda se fazem presente

em nosso mundo.

Porém, em nosso tempo, a tecnologia chegou ao topo, com poder de agredir e

explorar a Terra de forma devastadora. É por isso que temos que desfazer-nos do aspecto

sedutor do desenvolvimento sustentável, que aparentemente nos mostra um mundo “limpo”,

da tecnologia limpa, escondendo a real sujeira para baixo do tapete. Esconde a desigualdade

social, a aculturação, a padronização, a falta de amor ao próximo e solidariedade, a frustração

por falta de oportunidade, a depressão que vem da opressão do sistema, a busca de ser algo

inatingível porque sempre haverá um novo modelo.

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60

Ficamos com a frase de Salomão, como reflexão, em Eclesiastes 2:17: “Sim, tudo é

vaidade e correr atrás do vento”. Que venhamos a parar de correr atrás do vento!

5 O NOVO PARADIGMA DO DESENVOLVIMENTO HUMANO SUSTENTÁVEL

“Precisamos chegar a um outro futuro”.

Edgar Morin

As teorias anteriormente analisadas levam a uma certeza: precisamos romper antigos

paradigmas e voltar nossos olhos a um futuro diferente. De forma geral um paradigma é

considerado um padrão. Para Pelizzoli (1999, p. 69) são

[...] Os esteios pressupostos e vigentes sob os comportamentos e grandes visões ou

culturas; eles podem ser mais particularizados, como a moda de uma década, ou

abarcantes como a noção de progresso via crescimento econômico e dominação da

natureza. No sentido mais forte são grandes visões do mundo, que perpassam a

mídia e a cultura de um povo e que orientam mesmo implicitamente os seus passos e

valores mais amplos e gerais.

O paradigma capitalista, como já foi retratado, trouxe consigo o antropocentrismo

que colocava o Homem como centro de todas as coisas, subordinando a natureza à sua

necessidade de prosperar, no sentido de “ter” cada vez mais. Aqui, buscamos um paradigma

que enfoque a sustentabilidade em comunhão com os aspectos humanos, sociais e culturais.

Busca-se um novo sentido para o desenvolvimento, ou ainda, como fala Paulo Freire

(GADOTTI, 2007, p.89): “um caminhar com sentido”.

A noção de Desenvolvimento Humano Sustentável é recente, ainda não possuindo

um conceito muito bem formado. A tendência é receber atenção de diversas áreas do

conhecimento a fim de que possa embasar políticas públicas, formando aliança entre a

preservação do natural e do social, principalmente no sentido das subjetividades.

5.1 Conceito, Abrangência e Finalidades

Page 63: 000051 a3

61

O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) vem, desde 1990,

trabalhando essa noção, que tem como base dois conceitos anteriormente instituídos: o

mencionado Desenvolvimento Sustentável, do Relatório de Brundtland; e o de

desenvolvimento humano, definido como “um processo conduzindo à realização de três

condições essenciais: viver longamente e ter boa saúde, adquirir saber para participar da

comunidade e ter acesso aos recursos necessários para gozar de um nível de vida digna”

(PNUD, 2000).

Para Jacobi (2005, p. 11), o desenvolvimento desigual da sociedade humana requer

um novo modo de agir:

[...] ambientalmente sustentável no acesso e uso dos recursos naturais e na

preservação da biodiversidade; que seja socialmente sustentável na redução da

pobreza e das desigualdades e na promoção da justiça social; que seja

culturalmente sustentável na conservação dos sistemas de valores, práticas e

símbolos de identidade de que determinam integração nacional ao longo do tempo; e

que seja politicamente sustentável aprofundando a democracia e garantindo o

acesso a participação de todos os setores de sociedade nas decisões públicas. Esse

estilo tem como diretriz uma nova ética de desenvolvimento, uma ética na qual os

objetivos econômicos de progresso material subordinam-se às leis que governam o

funcionamento dos sistemas naturais, bem como à critérios superiores de respeito à

dignidade humana e de melhoria na qualidade de vida das pessoas.

Uma das questões intrínsecas ligadas à relação Homem e natureza está ancorada na

formação de valores éticos ligados à cultura. Sem uma concepção clara de sujeito, de mundo e

de sociedade fica difícil a compreensão das dificuldades dessa aludida relação. Por outro lado,

sem ela é impossível falar de mudança de atitude ou de mudança de comportamento frente à

uma nova postura da Humanidade diante da crise planetária. Crise que passa pelo Planeta

enquanto um elemento físico do cosmos e pela sociedade humana que habita este mesmo

Planeta. Crise também que pode tanto significar perigo, quanto uma nova oportunidade para

emergirem novos conceitos, padrões e valores.

O Desenvolvimento Humano Sustentável possui um caráter transdisciplinar e uma

grande abrangência. Envolve fatores relacionados com as questões sociais, ambientais,

culturais, delineadas pela forma com que cada pessoa vive, seu estilo de vida e suas volições.

[...] Abrange meios e fins; justiça social e desenvolvimento econômico; bens

materiais e bem-estar humano; investimento pessoal e empoderamento das pessoas;

atendimento das necessidades básicas e estabelecimento de redes de segurança;

sustentabilidade ambiental para as gerações atuais e as futuras; e a garantia dos

direitos humanos- civis, políticos, sociais, econômicos e ambientais (OLIVEIRA,

2006, p.05)

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62

As pessoas são o centro desse desenvolvimento, é a partir delas que ele ocorre e para

elas devem retornar seus frutos de forma eqüitativa e justa. O Brasil ratificou essa noção

quando se tornou signatário da Declaração do Direito ao Desenvolvimento, consagrada pela

ONU em 1986, na qual consta que: “Art. 2 – A pessoa humana é o sujeito central do

desenvolvimento e deveria ser participante ativo e beneficiário do direito ao

desenvolvimento”(ONU, 1993, p.03).

Dessa forma, as pessoas saem da situação de meros espectadores e se tornam agentes

do desenvolvimento. E esse processo de desenvolvimento, quando julgado pela ampliação da

liberdade humana, precisa incluir a eliminação da privação dessa pessoa dando a ela a

oportunidade de fazer suas escolhas e participar ativamente da sociedade.

O economista Amartya Sen, ao tratar do desenvolvimento como liberdade, contribui

para a formação da idéia de Desenvolvimento Humano Sustentável. Sua teoria é de que o

desenvolvimento pode ser visto como um processo de expansão das liberdades que as pessoas

desfrutam. Contrasta então com a noção de que o crescimento econômico deva ser o fim do

desenvolvimento. Logicamente, ele precisa ser enfocado nesse processo, mas como um meio

para expandir as liberdades desfrutadas pelas pessoas.

Considera que esse novo paradigma de desenvolvimento inicia-se com a expansão

das liberdades substantivas. Em outras palavras, é o desenvolvimento das pessoas, no sentido

de que elas, desde que tenham acesso a todos os bens materiais e imateriais necessários para

se realizarem de acordo com o modo que escolheram viver, passam a se des-envolver

efetivamente.

Para Sen (2000), a expansão da liberdade humana é tanto o fim principal quanto o

principal meio do desenvolvimento. Ao avaliar as liberdades reais desfrutadas pelas pessoas,

deve-se então, ter o entendimento desses dois aspectos: a liberdade como papel constitutivo e

como papel instrumental do desenvolvimento.

Segundo o autor mencionado, o papel constitutivo, ou seja, a liberdade como fim

primordial do desenvolvimento, está embasado na importância da liberdade substantiva para o

enriquecimento da vida das pessoas. Esse enriquecimento ocorre através da obtenção de

capacidades elementares como: evitar a fome, a miséria, a falta de saúde, o analfabetismo, a

alienação política, etc (SEN, 2000).

A outra função da liberdade em meio ao desenvolvimento é a de ser instrumento para

a concretização do mesmo, sendo assim também o fator que vai impulsioná-lo. Sen (2000, p.

53) afirma que “o papel instrumental da liberdade concerne ao modo como diferentes tipos de

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63

direitos, oportunidades e intitulamentos [entitlements] contribuem para a expansão da

liberdade humana em geral e assim, para a promoção do desenvolvimento”. Ele aborda aqui,

diferentes tipos de liberdades que se relacionam entre si e reforçam umas às outras. Os

intitulamentos são representados pelo conjunto de pacotes alternativos de bens que podem ser

adquiridos mediante o uso dos vários canais legais de aquisição facultados a essa pessoa

(SEN, 2000).

Dentre as liberdades instrumentais, Sen (2000) destaca cinco tipos diferentes. A

começar pela liberdade política, que incluem os direitos civis e a oportunidade de escolher

seus governantes, de fiscalizar e criticar as tomadas de decisões. Está relacionada com a

capacidade de participação política e social das pessoas na sociedade.

Outra esfera é a das facilidades econômicas, que “são as oportunidades que os

indivíduos tem para utilizar recursos econômicos com propósitos de consumo, produção ou

troca” (SEN, 2000, p. 55). Assim, quando o crescimento econômico aumenta,

consequentemente deve aumentar também os intitulamentos econômicos das pessoas. Isso

está relacionado com a questão da distribuição eqüitativa dos recursos.

Ainda são mencionadas a oportunidades sociais. Os direitos sociais regidos na

Constituição da República Federativa do Brasil, como consta no Art. 6, são: a educação, o

trabalho, o lazer, a segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância, a

assistência aos desamparados. Todos esses direitos inter-relacionados vão, não meramente

possibilitar uma vida digna às pessoas e que realizem seus projetos pessoais, mas também

capacitá-las para que possam atuar de forma mais eficaz na sociedade. A privação de um,

seria então, prejudicial a outros. Exemplificando, quando a pessoa não desfruta do direito à

educação, os resultados dessa violação podem afetar sua vida profissional, tendo dificuldades

de encontrar um trabalho e de garantir o acesso a outros direitos.

Sen (2000) esclarece que a garantia de transparência também é uma das liberdades

instrumentais. Operar na sociedade tendo clareza e uma base de confiança é necessário,

principalmente para inibir a corrupção, ilicitudes e demais irresponsabilidades. A

transparência deve ocorrer nesse sentido, através de instrumentos jurídicos que garantam as

pessoas o acesso à informações e garantias de não vão ser lesadas por falta dessa liberdade.

Por fim, é ressaltada a importância da segurança protetora. Ao abordar a questão da

liberdade, também existe a possibilidade da sua privação e de instituir meios que possam

suprir tais adversidades. Para tanto, Sen (2000) acredita que devam existir redes de segurança

social, benefícios, suplementos de renda, e demais medidas para ajudar as pessoas afetadas

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64

por uma crise. Essa seria, na opinião do autor, também um instrumento para o

desenvolvimento, garantindo a segurança da população em tempos difíceis.

Como vimos, existe uma multiplicidade de liberdades inter-relacionadas,

impulsionando o desenvolvimento. Todas dependem da ação do Estado, suas instituições,

legislação, estrutura, administração, prestação de serviços. Assim, tanto o Estado quanto a

sociedade são responsáveis pelo “fortalecimento e proteção das capacidades humanas. São

papeis de sustentação e não de entrega sob encomenda” (SEN, 2000, p. 71).

Alguns conceitos importantes norteiam o ideal desse desenvolvimento. Um deles é a

abrangente noção de oportunidades. As oportunidades envolvem a subjetividade e estão além

da mera disponibilidade de recursos, passando por critérios de escolhas que vão depender

diretamente do ambiente no qual as pessoas estão inseridas, sua cultura.

Oportunidades reais ou substantivas envolvem mais do que disponibilidade de

recursos. Capacidades são poderes para fazer ou deixar de fazer (incluindo “formar,

“escolher”, “buscar”, “revisar” e “abandonar objetivos”), sem os quais não há

escolha genuína. Também envolvem algo que poderíamos chamar de

“acessibilidade” a recursos, que depende muito das habilidades e talentos que cada

pessoa tem para usar alternativamente recursos. Não dispor de recursos limita não só

as alternativas de meios que de fato se tem e de objetivos que deles dependem, como

também os próprios objetivos preferências que se formam durante e vida. Ser

carente de habilidades e talentos consiste numa limitação de liberdades e de fazer

escolhas (SEN, 2001, p. 13).

Ao impor um modelo de desenvolvimento ocidental, como verdade absoluta,

frustrou-se gravemente uma série de habilidades de povos que possuem suas características

peculiares. Muitas dessas características interferem drasticamente no modo como diferentes

culturas se relacionam com o meio ambiente, como fazem o manejo dos recursos naturais. A

biodiversidade não é somente formada pelo natural, inclui a dimensão humana porque

justamente está associada aos ambientes, relacionando-se com eles.

Fala-se de um modelo, no sentido que de molda as pessoas, de forma que oprime.

Remete-se ao processo automatizado das fábricas, cujos produtos passam por esteiras e

chegam ao final sobre uma forma padronizada. E os que não adquirem essa mesma forma são

descartados, como algo que não tem valor porque não se “encaixaram” no padrão desejado.

Pessoas não são máquinas, nem mercadorias. Todos devem ter o direto ao desenvolvimento,

sim. Mas um desenvolvimento como liberdade, tendo ciência de como deseja praticar esse

direito.

Assim, atenta-se particularmente para a expansão das “capacidades” [capabilities]

das pessoas de levar o tipo de vida que elas valorizam- e com razão. Essas

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65

capacidades podem ser aumentadas pela política publica, mas também, por outro

lado, a direção da política pública pode ser influenciada pelo uso efetivo das

capacidades participativas do povo. Essa relação de mão dupla é central na análise

aqui apresentada (SEN, 2000, p. 32).

Pode-se afirmar então, que o Desenvolvimento Humano Sustentável além de ser para

as pessoas, ocorre pelas pessoas. Tendo suas liberdades substantivas garantidas, os mesmo

estarão mais aptos a participar ativamente da sociedade, das decisões sobre suas vidas, suas

comunidades e todos os fatores relevantes do ambiente no qual estão inseridos. Para exercer

efetivamente a cidadania é preciso ter substância

As pessoas são criadoras do desenvolvimento, sendo que o mesmo deve ser

adequado a sua realidade. A esse poder de decisão, chama-se de empoderamento. Segundo

Oliveira (2006, p. 03) empoderar significa que “as pessoas, independemente de seu grau de

instrução, se encontram em condições de fazer e de implementar suas escolhas, desde que

devidamente informadas”. Requer que a sociedade civil sinta-se participante na tomada de

decisões e implementação de políticas públicas.

Por fim, deve-se apontar que o Desenvolvimento Humano Sustentável é para as

pessoas. Tendo a substância para se desenvolver, o ser humano tem o direito de receber de

forma justa e equitativa os frutos desse desenvolvimento. Colocar em prática as liberdades,

dentre as quais o crescimento econômico, “[...] não só torna nossa vida mais rica e mais

desimpedida, mas também permite que sejamos seres mais completos, pondo em prática

nossas volições, interagindo com o mundo em que vivemos e influenciando esse mundo”

(SEN, 2000, p.29).

Figura 5: Diagrama Desenvolvimento Humano Sustentável.

Fonte: Benvenuti (2008)

Das Pessoas

Pelas Pessoas

Para as Pessoas

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66

Neste sentido, o Desenvolvimento Humano Sustentável visa:

[...] criar um ambiente que permita às pessoas usufruírem uma vida longa, saudável

e criativa, na qual elas desfrutem da oportunidade de obter as coisas que mais

valorizam: maior acesso ao conhecimento, melhor nutrição e melhores serviços de

saúde, uma subsistência garantida, segurança em relação a crimes e violência física,

horas satisfatórias de lazer, liberdade política e cultural, e um sentimento de

participação nas atividades da comunidade (OLIVEIRA, 2006).

Essa abordagem de desenvolvimento evidencia uma sustentabilidade, cujo enfoque

não é meramente ambiental, mas sócio ambiental. Deixando de lado, tanto o mito do

progresso a qualquer custo quanto o do desenvolvimento sustentável como controle dos

efeitos da degradação ambiental. Trata assim, de consolidar as necessidades sociais e

ambientais, buscando melhores condições políticas, culturais, econômicas, sociais e

ambientais para que as pessoas possam ter mais oportunidades, cobrar os seus direitos e fazer

suas escolhas livremente. Sob o ponto de vista dessa complexidade é que o Desenvolvimento

Humano Sustentável deve ocorrer, levando em consideração os diversos sistemas sociais, a

sustentabilidade e a responsabilidade de cada um na construção de um novo paradigma, mais

eqüitativo e digno.

5.2 As Fomes Coletivas

O desenvolvimento segundo Sen (2000), tem como perspectiva a liberdade e não

apenas o mero crescimento econômico. No entanto, vemos em nossa sociedade atual inúmeras

privações de liberdade. As fomes coletivas, segundo o autor, negam a milhões de pessoas a

possibilidade até mesmo de sobrevivência. Vamos mais além no significado da palavra fome,

utilizando-a no sentido amplo de penúria, privação do necessário. Não vamos entendê-la

somente como a falta de alimentos, mas como a falta de condições básicas para uma vida

digna, incluindo os direitos sociais e políticos.

Tal sentido é encontrado na música popular brasileira, em meio a versos displicentes

que retratam a conjuntura dos anos 80. Ao cantar, “a gente não quer só comida, a gente quer

comida, diversão e arte. A gente não quer só comida, a gente quer saída para qualquer parte”

(ANTUNES;FROMER;BRITO,1997, Faixa 1), os jovens manifestavam a vontade de ir mais

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67

além, de manifestar sua opinião e de serem ouvidos. A fome não era só de “comida”, mas de

cultura, de educação, de liberdade.

Geralmente associamos essas fomes coletivas a paises pobres que estão ligados à

miséria extrema, à morte prematura e são mais carentes de oportunidades. Mas, até mesmo

paises ricos podem apresentar deficiências, privações de liberdades. Sen (2000), exemplifica

com a desigualdade entre homens e mulheres, restringindo geralmente as liberdades do sexo

feminino e afetando suas vidas até mesmo na longevidade.

A falta de condições econômicas é sem dúvida uma privação de liberdade

significativa, podendo atingir outras e limitando muito o desenvolvimento da vida de uma

pessoa. Mas a pobreza na visão do Desenvolvimento Humano Sustentável encontra outro

significado, além do baixo nível de renda. Aqui, a pobreza é entendida mais amplamente

como a privação das capacidades.

Sen (2000) destaca alguns argumentos para essa noção de pobreza. Primeiro,

devemos ter em mente que, as privações de capacidades são intrinsicamente importantes para

o desenvolvimento, enquanto a baixa renda é um meio, é um fator instrumental. Ainda,

existem outros fatores que influenciam na privação das capacidades, estes são inter-

relacionadas, sendo a baixa renda apenas um deles. Por fim, considera o autor que a relação

entre baixa renda e baixa capacidade varia entre comunidades, família e indivíduos, sendo

contingente e condicional.

Tomamos como exemplo a China, que foi um dos países que serviam de exemplo aos

outros no sentido de políticas financeiras, e hoje sofre grandes conseqüências de um

desenvolvimento às avessas. Não vemos êxito na obtenção do elevado crescimento

econômico (SEN, 2000).

Outras pessoas sofrem a privação de liberdade na área política e dos direitos civis

básicos. Sen (2000) fala sobre a chamada “tese Lee”, atribuída a Lee Yuan Yew, que defende

a negação dos direitos civis e políticos em favor do desenvolvimento, embasando que isso

estimularia um rápido crescimento econômico. A falta de participação política e privação de

direitos essenciais como educação e saúde, gera sujeitos sem capacidade de opinar e

reivindicar mudanças no sistema autoritário. Em decorrência disso, a máquina econômica gira

rapidamente, mas utilizando meios injustos e desiguais. Isso é desenvolvimento?

Sen (2000, p. 31) acredita que

[...] a liberdade política e as liberdades civis são importantes por si mesmas, de um

modo direto; não é necessário justificá-las indiretamente com base em seus efeitos

sobre a economia. Mesmo quando não falta segurança econômica adequada a

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pessoas sem liberdades políticas ou direitos civis, elas são privadas de liberdades

importantes para conduzir suas vidas, sendo-lhes negada a oportunidade de

participar de decisões cruciais concernentes a assuntos públicos. Essas privações

restringem a vida social e a vida política, e devem ser consideradas repreensivas

mesmo sem acarretar outros males (como desastres econômicos).

A reflexão a ser feita é sobre o que está gerando a fome coletiva. Sen (2000, p.189)

se refere á relação entre a falta de alimentos e demais privações, afirma que “o crucial para

analisar a fome é a liberdade substantiva do indivíduo e da família para estabelecer a

propriedade de uma quantidade adequada de alimento. [...]”. Mesmo em meio a abundância

de alimentos, uma pessoa pode passar fome, por falta de renda para adquirir os alimentos.

Mesmo tendo terra para cultivar uma pessoa pode passar fome, por falta de condições para

comprar os insumos. Ou ao contrário, mesmo tendo renda suficiente uma pessoa pode ter

escassez de alimentos por causa da má distribuição dos mesmos.

No caso de pequenos agricultores, cuja produção de concentra na produção de grãos,

vemos a dificuldade de manter tal produção aliada à necessidade da renda para obter no

mercado a variedade de alimentos necessários para manter suas famílias. Embora tenha a

disponibilidade de terra, de certos alimentos, ainda precisa de condições para obter outras

mercadorias e serviços diversos.

João6 (2008) afirma que “era pra continuar os estudos, mas o pai não tinha condição.

Até tinha o capital, mas não tinha... dinheiro, não tinha!”. Mostra assim, que apesar dos pais

agricultores possuírem bens, terras, na época não pode estudar porque não havia uma renda

para mantê-lo na cidade.

Essa é uma análise do ponto de vista econômico, político e social, integrando várias

crises à fome coletiva. “Subnutrição, fome crônica e fomes coletivas são influenciadas pelo

funcionamento de toda economia e de toda a sociedade- e não apenas pela produção de

alimentos e atividades agrícolas” (SEN, 2000, p.190).

No contexto da COOPERVITA LTDA, da história de vida dos associados

entrevistados, vemos delineado o período no qual os mesmos passaram por sérias restrições

em suas liberdades, inclusive a escassez de alimentos. Essa cadeia se desenvolveu pelos

planos de governo, como relata Emanuel (2008) sobre tal situação: “depois da ditadura, com o

Governo Sarney, uns par de planos econômicos fracassados, né, depois Collor de Melo,

enfim, né, mais planos econômicos”. Nesta época todos encontravam dificuldades

6 João – membro da COOPERVITA LTDA. Trabalha na produção animal, entre outros. É um dos fundadores da

mesma.

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69

econômicas, falta de oportunidades, falta de incentivos, falta de acesso a bens e serviços

necessários, falta de estrutura para viver da agricultura.

Voltamos então à noção de intitulamento, pois suas deficiências acarretam as

privações de liberdades. Remediar esse problema requer, para Sen (2000, p. 193), um “nível

mínimo de rendas e intitulamentos para as pessoas afetadas pelas mudanças econômicas”.

Como fomos mais longe no conceito de fome, podemos dizer que isso não se limita à questão

financeira, mas também à garantia dos direitos civis e políticos. É o caso da Coréia do Sul por

exemplo, que apesar de um bom crescimento econômico e distribuição de renda considerada

igualitária, não possui um regime democrático, negando a participação das pessoas, segundo

Sen (2000).

5.3 Tirando a Casca da Semente: Algumas Premissas para o Desenvolvimento Humano

Sustentável

Até aqui refletimos sobre o que é o Desenvolvimento Humano Sustentável, sua

relação com as liberdades substantivas e as privações dessas liberdades. Mas, faz-se oportuno

indagar sobre os pilares da concretização desse novo paradigma de desenvolvimento.

Ao analisarmos a vida de uma planta vemos que ela se dá em etapas. Semeia-se. A

água da chuva, do orvalho a rega. E ela vai tomando forma. Sua raiz começa a se fortalecer.

Da terra brota seu esplendor. Por mais que ela esteja em meio a várias, sempre será única,

com suas características peculiares. Até que ela cresça, gere flores e frutos. Será que podemos

comparar o Desenvolvimento Humano Sustentável com o crescer de uma planta? Já vimos

que etimologicamente desenvolver significa tirar a casca da semente. Então, usaremos tal

analogia para tecer esse estudo.

Para Sachs, vivemos mais do que a Era dos Direitos considerada assim por Norberto

Bobbio, mas sim a idade do desenvolvimento. Isto porque tanto os direitos humanos como o

desenvolvimento são questões centrais das discussões das Nações Unidas. A complexidade

passou a ser abordada na noção de desenvolvimento: “[...] econômico, social, cultural,

certamente, político, sustentável, por fim, como última adição, humano para significar que o

desenvolvimento tinha por objetivo a plena realização dos homens e das mulheres em vez da

multiplicação de bens” (SACHS, 1998, p. 3).

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70

O Desenvolvimento Humano Sustentável não implica em uma igualdade imposta,

mas no direito à desigualdade. Diferentes escolas de pensamento tratam sobre o tema

igualdade, cada qual no seu enfoque. Sen (2000, p. 21) destaca os “igualitaristas de renda”,

que são a favor de rendas iguais; os “igualitaristas de bem-estar”, que pedem níveis iguais de

bem-estar; os utilitaristas clássicos, que falam sobre pesos iguais para as utilidades das

pessoas; e os libertários puros, que exigem igualdade a uma classe de direitos e liberdades.

Sen (2000) chama atenção para o fato de que ao incluir uma variável em certa teoria

a mesma poderia não ser igualitária com demais variáveis. Por exemplo, um utilitarista que

exige igualdade para determinada utilidade, estaria se contradizendo ao exigir também

igualdade de liberdade ou direitos. Dessa forma, “[...] querer a igualdade no que se considera

como o exercício social “central” anda junto com aceitar a desigualdade nas periferias mais

remotas” (SEN, 2000, p. 22).

A diversidade das pessoas é fator que deve ser levado em consideração ao tratarmos

das teorias igualitaristas. Assim como as plantas precisam de muitos fatores pra o seu

crescimento, as pessoas também se desenvolvem de acordo com suas características pessoais

e com os estímulos externos que recebem. Muitos fatores diferem os seres humanos, suas

características externas (ambiente no qual está inserido, riqueza, modo de vida...) e pessoais

(idade, sexo...). Essa diversidade deve ser respeitada como condição do desenvolvimento, ou

seja, as pessoas devem escolher o que é melhor para suas vidas, elencando as necessidades

que julgam ser mais importantes.

Sen (2000) considera que o bem-estar das pessoas pode ser associado ao nível de

renda das mesmas, mas não só isso. Ao usufruir tais rendas e mercadorias, levamos em

consideração algumas fontes que variam. São elas: a heterogeneidade pessoal; as diversidades

ambientais; as variações no clima social (tais como serviços de educação, saúde,...);

diferenças de perspectiva relativas (um bem pode ser essencial em uma determinada cultura e

em outra não); a distribuição na família (ela é a base da distribuição da renda, o bem-estar de

cada um depende desse fator).

O autor considera então, que devemos levar em consideração tais diversidades para

entendermos o que realmente é uma “necessidade”. Para Sen (2000), a qualidade de vida vem

através de escolhas genuínas, embasadas na vontade verdadeira de fazer ou abster-se de algo,

e não meramente impostas por um sistema dominante.

Gonçalves (2007, p. 83) afirma que “a noção de qualidade de vida implica aberturas

dos desejos e das aspirações para além das satisfação das necessidades básicas. Requer

desejos de cidadania, participação garantida na gestão da solidariedade e os direitos e bens

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71

comuns, além da esperança e felicidade”. Para a autora, vivemos uma época de avaliação da

própria existência humana, da qualidade de tudo o que fazemos e do que recebemos.

Silas (2008) comenta sobre qualidade de vida em sua narrativa. Ao concluir o curso

universitário de Engenharia de Alimentos obteve a oportunidade de trabalhar na Bahia. Conta

o mesmo que neste trabalho sua renda seria maior do que se permanecesse na COOPERVITA

LTDA. No entanto, lá não tinha acesso a muitos bens, tais como: saúde, boa alimentação,

estudo. Isso foi fundamental para fazer a escolha de retornar para sua terra de origem.

Ressaltou ele que “é maravilhoso você saber de onde vem o alimento que come, sem

agrotóxicos e produzido ali mesmo”.

Vemos que a noção de qualidade de vida de Silas é mais abrangente do que somente

a renda. Inclui os direitos básicos, a preocupação com o meio ambiente e a saúde, o apego á

sua cultura, etc.

Essa abordagem de qualidade de vida se vincula à cultura, no sentido de que os

valores culturais é que determinam a estruturação das necessidades de uma comunidade, de

uma família, de uma pessoa. Atrelados aos seus valores e costumes estão os seus sonhos, as

suas ambições, tudo aquilo que realmente almeja.

Se tirarmos uma planta característica de uma determinada região e plantá-la em

outra, com características diferentes, a mesma até poderá se adaptar. Para isso, terá que sofrer

transformações, e no fim, perderá suas características. Aqui, no caso das pessoas, vemos a

perda da identidade.

Gonçalves (2007) fala que o sujeito internaliza o mundo, conforme sua cultura. Isso

acontece com as noções de modernidade, bem-estar, qualidade de vida, que lhe são

transmitidas pela sociedade capitalista. Ao internalizar conceitos prontos, muitas vezes não

percebe as não-adaptações que podem ocorrer na sua vida. Já, quando percebe as disfunções,

pode gerar uma mobilização social em protestos ou a sua adaptação, procurando novas formas

de satisfazer as suas necessidades.

O receio de abandonar o campo e morar na cidade, abandonar sua cultura, viver uma

dura realidade em bolsões de pobreza, todos são motivos que levaram as famílias de

agricultores a formar a COOPERVITA LTDA. Foi uma forma de inovar, permanecendo no

meio rural, e buscando a satisfação das suas necessidades.

É dever do Estado garantir a todos os seus direitos fundamentais, tais como saúde,

lazer, segurança e cultura. Como consta na Declaração do Direito ao Desenvolvimento, “o

Estado tem o dever de formular políticas nacionais adequadas para o desenvolvimento, que

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72

visem o constante aprimoramento do bem-estar de toda a população e de todos os indivíduos,

com base na sua participação ativa, livre e significativa [...]” (ONU, 1986, p. 03).

Ao transcorrer sobre o desenvolvimento humano, Sen (2000) afirma que as

oportunidades sociais estão diretamente relacionadas com a qualidade de vida e a expansão

das capacidades, tema central do seu trabalho.

A expansão dos serviços de saúde, educação, seguridade social etc. contribui

diretamente para a qualidade de vida e seu florescimento. Há evidências até de que,

mesmo com renda relativamente baixa, um pais que garante serviços de saúde e

educação a todos pode efetivamente obter resultados notáveis de duração e

qualidade de vida de toda a população (SEN, 2000, p. 170).

No entanto, o sujeito autônomo, enfatizado como resultado do processo do

Desenvolvimento Humano Sustentável, não requer um Estado Paternalista. Reporta-se aqui, a

um dito popularmente conhecido, que diz que “não se deve dar o peixe, mas sim ensinar a

pescar”. A atuação dos indivíduos se relaciona com a existência de instituições. “Não só as

instituições contribuem para nossas liberdades, como também seus papeis podem ser

sensivelmente avaliados à luz da constituição das nossas liberdades” (SEN, 2000, p. 168).

Requer dos governantes a promoção de ações em vários setores, como: transparência

e prestação de contas permanente; apuração e compartilhamento de informações sobre a

realidade social, econômica e ambiental em que vivem as pessoas, realização de

investimentos em educação, saúde e no ambiente onde vive a comunidade, para que as

pessoas possam usufruir oportunidades em condições mais igualitárias; apoio às minorias

como forma de garantir oportunidade de emprego.

Dessa forma, a participação popular é o resultado do empoderamento, da expansão

das liberdades. O desenvolvimento deve gerar cidadãos aptos a participarem ativamente da

sociedade. Cidadania, em sentido amplo, é a consciência de que todos temos direitos e

deveres. Preferimos adotar a visão de uma cidadania que engloba não somente isso, mas que

visa a responsabilidade de todos pelo Planeta.

Para Ayala e Leite (2004), a cidadania ambiental deve ser exercida em termos

planetários e exige uma participação compartilhada do Estado e dos cidadãos na consecução

dos seus novos fins para proteção das responsabilidades com o ambiente e que deve ser

configurada em uma ética intergeracional. Destacam os autores que a cidadania clássica se

relaciona a um determinado território, assim ao falarmos que somos cidadãos segundo essa

concepção, estaríamos afirmando que somos pessoas portadoras de direitos e deveres

referentes a um determinado Estado. A nova cidadania ambiental se difere por não estar

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73

limitada a um local, povo ou nação; mais abrangente ela é intercomunitária, fundada na

solidariedade e na participação dos sujeitos políticos. É exercida em ações conjuntas, entre

sociedade e Estado, de forma solidária e coletiva.

Gadotti (2007) se refere a uma cidadania planetária como um conjunto de princípios,

atitudes e comportamentos que demonstram uma nova percepção da Terra como uma

comunidade única. Assim, não basta apenas pensar no global ou no local, como o mesmo

autor sugere, temos que incorporar uma preocupação “glocal” em nosso cotidiano,

priorizando a adoção de atitudes éticas que reflitam na harmonia entre os seres humanos e a

natureza.

A participação deve ser entendida como a possibilidade de todos os cidadãos terem

condições de opinar e influenciar na decisão final relativa às opções coletivas. Isso

não é afirmar que o Estado não deva definir ou tutelar os processos de realização da

cidadania, ao contrário. Entretanto, deve-se conferir se a organização do processo de

definição e tutela enseja uma participação real, ou se existem mais mecanismos de

exclusão do que de integração da cidadania (SILVA-SÁNCHEZ apud CAUBET,

2000, p. 399).

É essencial, na perspectiva do Desenvolvimento Humano Sustentável, que as pessoas

se sintam capacitadas a fazer suas escolhas. Como tudo na sociedade capitalista, nossas

escolhas também foram se baseando na racionalidade, no individualismo, no egoísmo. Hoje,

porém, existe a necessidade da inclusão de fatores sociais, indo além o interesse próprio e

partindo para um interesse coletivo.

Como criaturas reflexivas, temos a capacidade de observar a vida de outras pessoas.

Nosso senso de responsabilidade não precisa relacionar-se apenas às aflições que

nosso próprio comportamento eventualmente tenha causado (embora isso também

possa ser importantíssimo), mas também pode relacionar-se de um modo mais geral

às desgraças que vemos ao nosso redor e que temos condições de ajudar a remediar.

[...] Não é tanto uma questão de ter regras exatas sobre como exatamente devemos

agir, e sim de reconhecer a relevância de nossa condição humana comum para fazer

as escolhas que se apresentam (SEN, 2000, p. 321).

Esse processo inclui uma educação que dê condições para que as mesmas tenham o

discernimento do que é bom ou ruim para si e para a comunidade, quais são os seus anseios e

o que esperam do futuro. A educação como prática da liberdade, “[...] implica a negação do

homem abstrato, isolado, solto, desligado do mundo, assim como também a negação do

mundo como uma realidade ausente dos homens” (FREIRE, 2003, p. 70).

Sen (2000) fala que além da valorizar o capital humano, ou seja, a atuação das

pessoas para aumentar a produtividade, devemos levar em consideração a capacidade humana.

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74

Estes devem andar juntos, sendo que a capacidade humana é o “[...] potencial -liberdade

substantiva – das pessoas para levar a vida que elas tem razão para valorizar e para melhorar

as escolhas reais que elas possuem” (SEN, 2000, p. 332).

Ao expandir a capacidade de alguém, através da educação, saúde, cultura, etc, a

tendência é que ocorra uma mudança social. Não vemos como apenas uma mudança

econômica, do capital humano. Mas, como uma questão de realização pessoal e qualidade de

vida.

O agente de mudanças, resultante do Desenvolvimento Humano Sustentável, é

aquele que tem liberdade para cuidar da sua vida e influenciar a sociedade. É a planta quando

está apta a gerar frutos. Para Sen (2000, p. 33), este sujeito é “[...] alguém que age e ocasiona

mudança e cujas realizações podem ser julgadas de acordo com seus próprios valores e

objetivos, independentemente de as avaliarmos ou não também segundo algum critério

externo.”

As palavras de Emanuel nos falam sobre um sujeito que constrói

Então a gente passô também por dificuldades, né. E daí eu comecei... e daí, como se

tinha pouca terra, né, trabalhar fora né: construí. Comecei construindo algumas

casas, depois construí igrejas. Construí várias igrejas, quinze. Quinze igrejas.

Construí não sei a quantia de casas, salões (Emanuel, 2008).

Figura 6: Igreja católica da Comunidade de Vila Campos. É a construção que mais orgulha Emanuel

Fonte: Benvenuti (2008)

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75

Durante sua vida, para ter uma renda a mais e sustentar a família, o mesmo edificou

muitos prédios. De agricultor, teve que se adaptar a essa nova profissão. Mas, vemos ainda na

sua história que não foram somente prédios que ele ajudou a estruturar. Ele foi um sujeito

engajado em causas políticas, sociais e muito ativo na sociedade. Foi também um líder na sua

família, participando na formação dos seus filhos. Um dos fundadores da COOPERVITA

LTDA, hoje muito contente recebe e conta toda sua trajetória aos estudantes que lá chegam

com sede de conhecimento. Aposentado, já poderia parar de trabalhar. Mas, sua função

continua sendo construir: é um construtor de sonhos.

A persistência, a valência positiva de o apoio que encontrou em certas instituições o

ajudaram a colocar em prática seu projeto. Projeto este que não visa somente o interesse

próprio, mas que beneficiou muitas famílias direta e indiretamente. A sua preocupação vai

além do âmbito da cooperativa, mas através de seus produtos entra em vários lares da região.

Nesse exemplo, encontramos a motivação para crer no Desenvolvimento Humano

Sustentável. Não o consideramos como uma utopia, e sim que ele necessita de vários fatores

inter-relacionados para se concretizar, sendo responsabilidade do Estado e da sociedade como

um todo. Ele é “sustentável”, justamente no sentido de que se sustenta em vários pilares e

ocorre através do ciclo: das pessoas, pelas pessoas e para as pessoas.

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76

6 AGRICULTURA E SUSTENTABILIDADE

A agricultura tem suas raízes alicerçadas em técnicas milenares, que andam

conjuntamente com o próprio desenvolvimento social do Homem. O modelo agrícola em

tempos mais remotos era vinculado ao respeito ao meio ambiente, à produção para

subsistência e ao trabalho essencialmente braçal. Com o avanço da modernidade foram

incorporados nesse sistema os pacotes tecnológicos, a biotecnologia, a monocultura, os

produtos químicos. Toda essa inovação fez surgir grandes problemas ambientais e sociais. As

críticas se concentram tanto nos desastres ambientais decorrentes de suas práticas, quanto no

caráter concentrador de riqueza, mazelas sociais e desestruturação de culturas.

A formação da COOPERVITA LTDA ocorreu a partir de um modelo de agricultura

familiar, passando para a economia solidária. Por isso, é de nosso interesse englobar neste

estudo algumas considerações relevantes sobre as raízes da agricultura familiar, traçando um

paralelo com a atual relação entre o humano, o ecológico e a agricultura.

6.1 A Agricultura Familiar: as Mãos no Arado.

Conforme explica Altieri (2002), até mais ou menos quatro décadas atrás, no mundo

em desenvolvimento, os pequenos agricultores impulsionaram sistemas agrícolas complexos e

biodiversos, nutridos pelo conhecimento indígena- camponês que superou a prova do tempo.

Emanuel (2008), ao falar sobre sua vida no campo, nos mostra como era a agricultura

nos tempos de “piázote”: “[...] na época de cortar trigo, cortava tudo à mão, né, com uma

foicinha, cortá o trigo, depois passá amarrá em feixes, e amontoá, cobrir, pra depois esperá

sabe lá quando, as vezes até demorava até um mês ou mais, pra vim uma trilhadeira pra maiá

o trigo, né.”

Neste sistema de cultivo, havia a conexão entre agricultura e ecologia e raramente se

evidenciavam sinais de degradação ambiental. O trabalho era feito à mão, como menciona,

sem a utilização de máquinas. Para os trabalhos mais pesados, como lavrar a terra, se

utilizavam animais.

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77

Era plantado com boi, né. A gente lavrava as terra com boi. Nós tinha uma junta de

boi e um par de mulas, né. É, duas mulas. Então, com dois arrados, pra lavrá as terra.

Então, se plantava o trigo, ia de manhã um dia que nem (se referindo ao tempo frio)

... então o trigo é plantado no inverno, no mês de junho por aí, né, se plantava o

trigo. E então ia pra roça, não se tinha bota que nem hoje se usa bota e se agasalha.

Naquela época saia de tamanca. Às vezes com geada. Então começava a grudá o

gelo embaixo e a terra né...faz um saldo alto. E daí pinxava as tamanca. Chegava na

roça lá, e começava a lavrar de pé no chão no meio do gelo. Pense, né...mas era. E a

gente acostumava e nem dava bola pra isso (Emanuel, 2008).

O sacrifício era considerado grande, as condições para comprar instrumentos de

trabalho eram poucos. Mas, por outro lado, vemos que os limites da natureza eram

respeitados. João (2008), também fala sobre o assunto de forma saudosista: “E era na época

do transporte, era cavalo e carroça, né. Tinha um pau pra amarrar os cavalos, é no moinho lá

do lado. Um monte de cavalos, muito bonito era aquilo.”

A agricultura era feita de modo familiar, fruto de um longo processo histórico. O

termo agricultura familiar é considerado recente no Brasil, antes eram utilizados termos com

pequenos agricultores ou camponeses. Para Denardi (2001), os empreendimentos agrícolas

familiares se destacam por duas características: são administrados pela própria família e

trabalhados pela mesmo, podendo ou não ter ajuda de mais pessoas. Afirma também o autor

que “[...] um estabelecimento familiar é, ao mesmo tempo, uma unidade de produção e de

consumo; uma unidade de produção e de reprodução social” (DENARDI, 2000, p. 57).

Um estudo do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar-

PRONAF abordou a questão das raízes da agricultura familiar no Brasil. De acordo com essa

pesquisa, no período colonial as grandes extensões de terra foram doadas por Portugal a um

grupo reduzido de senhores. Restaram pequenas propriedades no interior de fazendas ou em

áreas de pouco valor econômico, que foram cultivadas por pequenos agricultores.

Segundo o PRONAF (2000), vemos nessa história o destaque de três culturas

distintas que contribuíram para a formação da agricultura familiar. Inicialmente, os

portugueses que aqui chegaram utilizaram a mão-de-obra indígena para a formação e

manutenção das lavouras. A organização comunitária, o manejo sustentável dos recursos

naturais e a visão orgânica de mundo são as principais contribuições desse povo. Não existia

uma lógica de patrões e empregados, cada família reconhecia as suas necessidades e

trabalhava para satisfazê-las levando em consideração o respeito aos indivíduos e ao meio

ambiente.

O trabalho do índio foi, com o avanço pelo processo de civilização, sendo substituído

pelo dos escravos negros. O índio foi rejeitado, considerado como indolente e muito

culturalmente atrasado. O negro veio para o Brasil para assumir a função do trabalhador rural

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78

e doméstico. Após a sua libertação, acabavam adquirindo terras através da compra ou doação

dos antigos senhores, ou ainda ocupação das áreas para instalação dos quilombos. Dessa

forma, assumiam a função de camponeses, com uma agricultura de base familiar. A relação

com a natureza era harmônica, cuidavam das matas, sendo elas muitas vezes seu refúgio

(PRONAF, 2000).

Outra cultura incorporada no Brasil e influenciadora na agricultura familiar foi a

européia. Isso é bastante evidente na região Sul do pai, colonizada por italianos, alemães,

poloneses, e outras etnias. No século XIX a industrialização na Europa gerou um aumento de

desemprego no campo e na cidade, despertando o interesse para a migração para o continente

americano. Muitos acabaram trabalhando na lavoura do café, substituindo o trabalho dos

escravos. Alguns eram abastados, mas a maioria era de origem simples e camponesa,

formando junto com os índios e os negros a base da agricultura familiar brasileira (PRONAF

2000).

É de grande relevância neste trabalho dar maior ênfase para a região Sul do Brasil,

fatos que mostram o contexto no qual se desenvolveu essa cultura. O estudo do PRONAF

(2000) relata que além das técnicas agrícolas indígenas, os caboclos (miscigenação dos índios,

negros e portugueses) desenvolveram um sistema de áreas coletivas para criação de animais

na região, chamados de “faxinais”. Os europeus chegaram a partir de 1850, quando foi

decretada a Lei de Terras que incentivava a colonização e implantação de uma agricultura

comercial. Os colonos, grande parte de italianos e alemães, consolidaram o cultivo de

subsistência e criação de animais. É grupo social de maior influência na agricultura da região

Sul. O esgotamento solo foi uma das conseqüências de tal exploração, fazendo com que

desbravassem as terras ainda virgem, desmatassem para plantar e ampliassem a sua ocupação

territorial.

“Diziam que aqui era um lugar que tinha futuro, né, que era um lugar ainda bastante

novo, né. Que ainda muito mato, ainda tinha pinhais, naquela época tavam derrubando os

pinheiros, muitas serraria, né, aqui ao redor” (Emanuel, 2008). Emanuel (2008) conta sobre a

chegada de sua família na cidade de Tapejara-RS, seus pais descendentes de italianos

moravam na cidade de Caxias do Sul, onde trabalhavam na propriedade de um outro italiano

com grandes posses. A proposta para mudar de região foi motivada pelo “novo”, por ser uma

área que possuía mata nativa, na qual a atividade humana estava apenas iniciando. Vemos

assim, como mencionado anteriormente, a exploração das florestas virgens pelos colonos

europeus, a fim de fazer lavouras ou utilizar a madeira extraída das florestas.

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79

Figura 7: Onça capturada nos anos 70.

Fato ocorrido na cidade de Tapejara-RS, a presença desses animais ainda ocorriam nas matas da região. Devido a

isso, a cidade ficou conhecida vulgarmente como “a terra da onça”.

Fonte: Acervo pessoal de Vinícius Roman.

Assim, segundo o PRONAF (2002), a agricultura familiar pode sofrer variações de

acordo com a região do país. Mas, a agricultura familiar tradicional é aquela realizada por

uma família, que trabalha na terra com todos ou parte de seus membros, para gerar produtos

agrícolas alimentares, com caráter de subsistência, venda ou troca. A unidade de produção é a

família. Geralmente tal cultura esta inserida num contexto de comunidade, passando seus

hábitos e costumes de geração a geração. O fato da família possuir outras rendas extras,

pessoas assalariadas não descaracteriza a agricultura familiar. O importante é existir essa

unidade, centralizando as decisões sobre como organizar as atividades econômicas,

ambientais, sociais e culturais que fazem parte do seu cotidiano.

6.2 A Crise no Campo

Ao longo do tempo a agricultura tradicional foi sempre substituída pela tecnologia

ocidental, que trazia grande inovação ao modo de produzir e prometia facilidades aos

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80

agricultores. Vemos no relato de João (2008) a introdução das máquinas no trabalho da sua

família, possibilitando o desbravamento e utilização de terras até então consideradas como

difíceis de serem cultivadas.

Naquelas época lá, já logo depois, começaram a trabalhar com as máquinas aí. Os

mano ali e eu, eles trabalhavam as terras do pai e arrendavam por aí. As terras muito

brutas, terras ruins mesmo: encapoeiradas e valetão naquelas épocas, muito feio,

barba de bode e tinha muita invernada e coisa, né! Nossos terrenos bem feios! Sei

que foi trabalhado muito, né, com umas máquinas velhas aí. E com o passar do

tempo, daí comecei a plantar um pouquinho mais, daí, com umas máquinas ali, uns

pedacinhos a mais e começar a corrigir as terras. As terras muito fracas! Colocar um

calcário, pra produzir um pouco. E foi desenvolvendo e, começamos daí a comprar

alguma máquina. A gente sempre comprava em parceria, porque não tinha às vezes

condição de comprar junto (João, 2008).

Ao mesmo tempo que a modernização atingiu a forma de produzir na agricultura, o

vínculo existente entre esta e a ecologia foi se rompendo. Silva (1998) explica que o processo

produtivo agrícola foi sendo comparado com o processo industrial das fábricas. Visando

aumentar a produtividade, diminuir o tempo de produção e gerar mais lucros, a tecnologia foi

sendo implantada nesse setor. No entanto, o autor chama a atenção para três peculiaridades do

sistema agrícola, que o diferem de qualquer outro modo de produção, especialmente pela sua

dependência da natureza.

A primeira diz respeito a particularidade da sua dependência aos processos

biológicos. A agricultura depende basicamente de plantas e animais que nascem e se

reproduzem em tempos específicos. Isso possibilita uma produção integrada, como é o caso

do cultivo de espécies diferentes em uma mesma área, de forma intercalada e respeitando o

tempo de cada uma. Também pode-se integrar as produções, como é o caso da animal e

vegetal. Mas, por outro lado, essa dependência dos processos biológicos impossibilita a

produção paralela de várias partes de um determinado ciclo. Isso está relacionado com a

complexidade existente no Planeta, segundo Silva (1998).

Também ressalta que o capitalismo tem uma forma de produzir totalmente diferente

da visão de complexidade, impõe seu caráter reducionista. A agricultura “[...] está longe do

caso de uma indústria em que as diversas peças podem ser produzidas ao mesmo tempo em

seções diferentes e montadas no final” (SILVA, 1998, p. 25). Ainda, tem-se que considerar

que a continuidade das atividades está condicionada a fatores naturais como o clima, as

chuvas, a luminosidade, o tipo de solo, etc. Sempre há na agricultura uma vinculação aos

fatores naturais e à produtividade. “Na indústria, consegue-se quase inteiramente isolar o

processo produtivo das condições atmosféricas e climáticas. Uma fábrica tem telhado para

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81

eliminar a chuva, paredes para não deixar entrar muito vento, luz elétrica para funcionar à

noite e etc” (SILVA, 1998, p. 29).

Por fim, Silva (1998) fala sobre o papel da terra como meio de produção. Considera a

terra como um bem natural limitado, é um bem primordial, dela vindo o alimento, o sustento,

a esperança. Na indústria, a terra significa algo passivo, já para a agricultura ela é a vida em

essência.

Além disso, a própria relação social também condiciona a “disponibilidade de

terras”. Nas sociedades primitivas, por exemplo, em que tudo era propriedade da

tribo, a alocação de terras para diferentes usos era função das necessidades coletivas

do grupo. Nas sociedades de classe, em que a propriedade das terras é dos

indivíduos de determinada classe, a alocação das terras para diferentes usos não se

faz mais em função das necessidades da coletividade (SILVA, 1998, p. 31).

Essas características mencionadas pelo autor, a ligação e dependência da agricultura

aos fatores ambientais, apresentavam empecilhos para o modo de produção capitalista, já que

este está baseado na acumulação do capital, cuja lógica consiste num ritmo acelerado de

produção. Silva destaca alguns fatores que seriam barreiras para o “progresso” na agricultura:

uma duração maior do processo de produção, se comparada com o parâmetro industrial; as

técnicas utilizadas eram condicionadas pelas leis da natureza que geravam uma incerteza a

respeito da qualidade e quantidade da produção; e a existência de uma diferença entre o tempo

de trabalho e o tempo de produção, porque existem lapsos entre o plantar e o colher.

Dessa forma, para suprir as limitações do desenvolvimento rural tradicional, a nova

dinâmica da agricultura foi “[...] produto de um conjunto de desenvolvimentos teóricos no

campo da economia, conjunto esse que proporcionou ao setor agrícola um papel relevante no

crescimento econômico” (NAVARRO, 2003, p. 3).

A teoria desenvolvimentista, que considerou como subdesenvolvidas as nações que

não se encontravam nos seus moldes, passou a estimular um progresso vinculado ao consumo

de recursos naturais não renováveis. Caporal e Costabeber (2002, p. 10), ao comentarem sobre

a extensão rural, afirmam que “[...] fomos estimulados e orientados a associar-nos a uma linha

de pensamento linear e cartesiano que pretendia ser a única via possível para o

desenvolvimento agrícola e rural”.

Esse “otimismo tecnológico” redefiniu, especialmente depois da Segunda Guerra

Mundial, o papel da agricultura no crescimento econômico. As interpretações sobre

a Revolução Industrial, que culminaram com a entronização e a universalização da

experiência britânica, contribuíram para que a “Revolução Agrícola” fosse

considerada como um passo prévio ou necessário para a industrialização.

(NAVARRO, 2003, p. 3)

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82

Navarro (2003) ainda destaca seis funções especiais que a produção agrícola deveria

exercer para desempenhar um papel de acordo com o crescimento econômico e industrial:

provisão decrescente de alimentos; transferência de mão-de-obra para a indústria; recursos

para o desenvolvimento industrial; criação de mercados; receitas de exportação e cooperação

internacional.

A agricultura passou a ser então subordinada a uma lógica de mercado, a industrial, e

para ter o acúmulo de capital característico desse modelo era necessário ter um crescimento

muito grande na produtividade.

[...] Conforme a modernização agrícola foi avançando, a conexão ecologia- sistema

agrícola foi sendo destruída já que os princípios ecológicos foram ignorados ou

omitidos. O lucro, e não a necessidade do povo ou a preocupação pelo ambiente,

determinou a produção agrícola. Os interesses dos agronegócios e as políticas

dominantes favoreceram as grandes propriedades, a produção especializada, a

monocultura e a mecanização (ALTIERI, 2002, p. 07).

Para Silva (2003), as inovações tecnológicas na agricultura podem ser classificadas

como: inovações mecânicas, que afetam a intensidade e o ritmo da jornada de trabalho quando

incide sobre uma fase inicial ou final de certa cultura; inovações físico-químicas, modificam

as condições naturais do solo e elevam a produtividade do trabalho, já que reduzem as perdas

por causas naturais; inovações biológicas, através das quais o Homem interfere nas forças da

natureza com o objetivo de acelerar a velocidade de rotação do capital ou transpor

interferências como a de pragas; e por fim, fala sobre as inovações agronômicas, permitindo

novos métodos de organização da produção através da recombinação de recursos disponíveis.

6.2.1 As Revoluções Tecnológicas

A Revolução Verde foi o primeiro grande movimento propulsor de mudanças no

campo. No Brasil, assumiu marcadamente uma produção industrial na forma de pacotes

tecnológicos, nos anos 60 e 70. Segundo Pádua (2006, p. 4), a essência desse modelo

supunha:

[...] a substituição de formas tradicionais e locais de agricultura, baseadas no

trabalho humano, por um “pacote tecnológico” fundado em um “conjunto bem mais

homogêneo de práticas tecnológicas, isto é, de variedades vegetais geneticamente

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83

melhoradas, muito exigentes em fertilizantes químicos de alta solubilidade,

agrotóxicos com maior poder de biocida, irrigação e motomecanização”.

Lutzenberger questiona como surgiu e proliferou a agroquímica. Segundo ele, a

revolução tecnológica não foi desencadeada pela pressão da agricultura, mais sim pelo esforço

bélico das duas grandes guerras mundiais. “Depois da guerra, as grandes instalações de

síntese de amoníaco levaram a indústria química a procura de novos mercados. A agricultura

se apresentou como mercado ideal” (LUTZENBERGER, 1985, p. 56).

Os aumentos de produtividade impulsionaram o mercado da indústria química, um

caminho aparentemente fácil. Altieri (2002) diz que a maior parte dos agricultores de escassos

recursos na América Latina, África e Ásia ganhou muito pouco nesse processo de

modernização. Quem realmente conseguiu se adaptar, foram os proprietários de terras mais

extensas. Essa mudança progressiva da agricultura de subsistência para uma agricultura de

economia monetária, evidenciou uma série de problemas ecológicos e sociais, entre os quais:

erosão genética, perda da diversidade e do conhecimento tradicional, perda da autonomia

alimentar; e incremento da pobreza rural.

Para Moreira (2000), a crítica à Revolução Verde pode ser baseada em três pilares:

crítica técnica, que traz à tona a relação herdada do homem com a natureza e que está presente

principalmente nos novos movimentos alternativos; crítica social, que diz respeito a própria

natureza do capitalismo num modelo excludente de formação tecnológica na agricultura

brasileira; e a crítica econômica, que é baseada principalmente nos custos crescentes de

produção.

Segundo o PRONAF (2000), embora o modelo tenha gerado um aumento na

produtividade, a qualidade dos alimentos e do meio ambiente onde são produzidos piorou

drasticamente. Para a agricultura familiar isso foi muito prejudicial, tendo me vista que era

um sistema caro e que gerava um dependência das multinacionais.

Destaca que não região Sul do país, na década de 70, chegaram os grandes

complexos agroindustriais, a industrialização da soja, as carnes brancas, a produção de óleos

vegetais. Grande parte dos pequenos agricultores não estavam aptos a enfrentar as mudanças,

e produzir tais matérias-primas. Um marco dessa época é então o êxodo rural, desencadeando

uma serie de causas sociais e movimentos de luta das minorias.

Apesar de todos os efeitos negativos oriundos da Revolução Verde, a agricultura

moderna ainda tem como base a ciência reducionista e a industrialização multinacional. O

sistema agrícola passa então a ser visto pelas partes que o compõe e não de forma integrada à

natureza. Além disso, a monopolização de produtos protegidos por patentes e propriedade

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intelectual insere-se no contexto agrícola de forma determinante e faz com que os agricultores

se tornem “escravos” dessas empresas.

Shiva (2003) ressalta a imposição do saber ocidental frente ao conhecimento

tradicional, rompendo com conhecimentos primitivos, culturas. Esse conjunto de

conseqüências acabou formando um sistema onde “o saber científico dominante cria uma

monocultura mental ao fazer desaparecer o espaço das alternativas locais, de forma muito

semelhante à das monoculturas de variedades de plantas importadas, que leva à substituição e

destruição da diversidade local” (SHIVA, 2003, p. 25).

A agricultura atual é influenciada pelo modelo que pode ser chamado de Segunda

Revolução Verde. As técnicas agrícolas obtiveram doses de processos de engenharia genética,

sendo que estas descobertas foram impulsionadas por grandes empresas que possuem

praticamente o monopólio da área biotecnológica.

No que tange à forma de produção agrícola, houve uma continuidade na referência

da monocultura como principal modelo a ser aplicado. “A monocultura cresceu de maneira

drástica em todo mundo, principalmente através da expansão geográfica anual das lavouras

dedicadas a cultivos individuais” (ALTIERI, 2002, p. 07).

Lutzemberguer (1999, p.41) faz uma crítica a esse sistema, descrevendo que:

O jovem Einstein, quando elaborava as suas geniais teorias, ganhava a vida como

funcionário do departamento de patentes da Suíça, em Zurique. Jamais, no entanto,

lhe teria ocorrido patentear suas idéias. O próprio James Watts e seu companheiro

Francis Crick, que desvendaram as estrutura molecular do código genético, não

tiveram a presunção de requerer patente para sua descoberta. Regozijaram-se, isto

sim, com o Premio Nobel.

Esse apontamento do autor nos faz refletir sobre a verdadeira intenção da aplicação

da biotecnologia na agricultura, tomando por base a justificativa das próprias empresas que

detêm esse poderio tecnológico. A afirmação utilizada é que a incorporação de alimentos

transgênicos é a única forma de acabar com a fome no mundo, pois a produção de alimentos

convencionais não poderia acompanhar o crescimento populacional.

É claro que a questão da fome é um problema antigo e alarmante, e quando o

indagamos não vislumbramos alternativas imediatas para remediá-lo. Estima-se que “[...] um

em cada seis habitantes deste planeta ainda luta diariamente para satisfazer suas necessidades

críticas, como nutrição adequada, água não contaminada, abrigo seguro e saneamento, bem

como acesso aos cuidados de saúde” (SACHS, 2005, p. 48).

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85

Contudo, não é tarefa difícil contestar ou ao menos duvidar do argumento mais

utilizado pelas multinacionais, tendo em vista o grande contraste social que envolve as várias

partes do mundo. Também desperta incompreensão a afirmação de que somente a engenharia

genética poderia mudar esse cenário, fazendo com que a produção aumentasse

substancialmente.

Nota-se que o problema da fome está intrinsicamente relacionado com a questão da

distribuição de renda e não meramente com o crescimento populacional ou a falta de

alimentos. Segundo Capra (2002, p. 68), “no decorrer dos últimos trinta anos, o aumento de

produção global de alimentos superou em 16 por cento o aumento da população global”.

Ainda nesse sentido, a Revista Business Week publicou que “embora os silos da

Índia estejam abarrotados, atualmente cinco mil crianças morrem por dia devido à desnutrição

nesse país” (ROSSET, 2006, p. 1). Esse dado deixa claro que não existe falta de alimentos, e

sim uma distribuição desequilibrada tanto da terra para cultivo quanto dos produtos obtidos a

partir dela.

Dessa forma, o caráter social do desenvolvimento da biotecnologia agrícola tornou-

se desacreditado frente aos dados que indicam que a pobreza e a fome são resultantes da má

estruturação política e econômica dos países. O fundamento apontado para a atuação das

empresas não passa meramente de marketing proveniente da necessidade de restabelecer a sua

credibilidade depois de vários desastres ambientais. “As campanhas tiveram que atuar e

mudar a estratégia tradicional que era negar toda a responsabilidade nos acontecimentos, o

que até então lhes havia funcionado bem” (ALTIERI, 2002, p. 11).

Não restam dúvidas que estas empresas movimentam grandes lucros advindos dos

resultados de pesquisas de engenharia genética que viram produtos lançados no mercado

mundial. A partir disso, pode-se ressaltar que o objetivo de tal desenvolvimento cientifico é o

lucro e não o combate à fome como pregam.A rede de empresas tende a controlar desde a

produção das sementes, sua venda e o herbicida que corresponde à mesma.

“O objetivo desses gigantes empresariais é criar um único sistema agrícola mundial

no qual eles possam controlar todos os estágios da produção de alimentos e manipular tanto

os estoques quanto os preços da comida” (CAPRA, 2002, p. 196).

[...] Sempre que podem, as corporações obrigam os agricultores a comprar uma

marca de insumo de sua empresa e os proíbem de guardar ou vender as sementes.

Se os agricultores do Estados Unidos adotam a soja transgênica, devem assinar um

acordo com a Monsanto. Se plantam soja transgênica no ano seguinte, usando

semente própria, a multa é de uns US$ 7.411,06 por hectare, dependendo da área.

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86

Essa multa pode custar ao agricultor a sua propriedade ou a sua casa (ALTIERI,

2002, p. 13).

Para Moreira (2000) o papel das políticas públicas para suprir as lacunas desse

sistema foi insatisfatório. A pobreza do campo foi gerada por uma política que não viabilizava

um impulso de progresso econômico e social, sua tendência era o assistencialismo e não

políticas de ascensão social. O autor fala que o próprio crédito agrícola subsidiado na

Revolução Verde, beneficiava as próprias elites da agricultura brasileira, os grandes

produtores e não os pequenos.

Capra considera que (2002, p. 198), “[...] a biotecnologia poderia ter um lugar na

agricultura do futuro, se fosse usada judiciosamente, acompanhada de medidas sociais e

políticas adequadas, e se de fato pudesse nos ajudar a produzir alimentos melhores sem efeitos

colaterais nocivos”.

Hoje, a forma de produção e competitividade no mercado agrícola impulsionou a

necessidade de buscar novas rendas, de viabilizar formas de obter recursos fora do campo.

Para uma melhor condição de vida, as família de pequenos agricultores acabam migrando

para as cidades, ou ainda conciliando os afazeres do campo com outras atividades nas cidades.

“Eles recorrem à realização simultânea de atividades rurais e urbanas- membros da família

com emprego urbano, pequenos comércios, como as bodegas, etc” (MOREIRA, 2000, p. 49).

Não vemos associada a essa realidade da agricultura a qualidade de vida, o

desenvolvimento humano. Os agricultores têm buscado novas formas de produção, mais

solidárias, como é o caso do cooperativismo. Bem como, a diversificação produtiva e a busca

de uma agricultura sustentável, focando também no diferencial contemporâneo do mercado

agroecológico.

6.3 (Re) Construção: O Ecológico na Agricultura

A importância de buscar uma agricultura alternativa está em criar uma consciência

social. “[...] Não está ao nível da “produção da produção”, mas da produção da consciência

[...]” (SILVA, 2003, p. 54). Portanto essa alternativa não é representada apenas pela geração

de outras tecnologias ditas sustentáveis, mas também pela forma de pensar, de ter a

oportunidade de participar da sociedade, de ter seus direitos garantidos, suas culturas

protegidas.

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87

Dito em outras palavras, a Revolução Verde, que transformou-se no modelo básico

para a mudança na agricultura, contribuiu para elevar a produtividade nas

propriedades e regiões em que as rendas já eram mais elevadas, mas nada conseguiu

fazer para melhorar a situação dos pobres do campo. Ao contrário, ampliou a

exclusão e as desigualdades sociais, ademais de agravar os efeitos negativos da

agricultura sobre o meio ambiente (CAPORAL; COSTABEBER, 2002, p. 07).

Com já foi referido, a atividade agrícola depende necessariamente da natureza, suas

condições, seus processos biológicos. Não há como dissociar a complexidade da vida da

forma de produção agrícola, pois na natureza tudo está inter-ligado. Novos estudos sobre a

relação da tecnologia, modernidade e agricultura passaram a ressaltar a condição de

insustentabilidade nesse setor.

A sustentabilidade da agricultura deve enfocar dois fatores: o ambiental e o social. O

ambiental seria as conseqüências que os agrossistemas geram na base de recursos, como é o

caso do desmatamento, contaminação do solo, das águas, etc. O social está relacionado com a

possibilidade de através dela as pessoas conquistarem uma melhor qualidade de vida,

participarem da sociedade, ter seus direitos garantidos, sua subsistência e fonte de renda.

“Porcaria” foi o termo utilizado por Emanuel (2008) para definir os produtos

químicos utilizados no cultivo do pêssego, uma das primeiras atividades desenvolvidas no

início da COOPERVITA LTDA. Considerava um absurdo o uso demasiado de tais produtos

nas frutas, mas dependiam da parceria com outra cooperativa para a qual vendiam a produção.

[...] Mandavam aplicar veneno...mas aquilo era...é loucura, de veneno! Até poucos

dias antes de colher o pêssego, durante a produção né, colhia uma parte ... não mais

esse pêssego pode ir mais uns dias, então apliquem veneno que pode dar bicho no

pêssego. Pensa bem! Dois, três dias depois de passado aquele veneno! Como é que

chama o ... tala vermelha, acho que é... é o mais tóxico. É, e mandavam aplicar! E

até nos alertemô nosso pessoal, vamô colhê mas não vamô comê. Pra nós comê,

vamô comê aqueles pêssego comum que a gente tem lá em casa (Emanuel, 2008).

Dessa forma, o descontentamento dos mesmos gerou um “despertar” para outra

forma de produzir, livre de venenos. Emanuel (2008) explica: “[...] daí fomo atrás né, com a

EMATER, vê a possibilidade de produzí diferente, né, sem muito agrotóxicos. E foi aonde a

gente começô pensá, daí, de instalar uma agroindústria, né, e produzir produtos mais livres de

porcaria, né.”

Essa ruptura de um sistema moderno para uma agricultura alternativa demonstra que

a forma de produção aparentemente eficaz pode dar espaço a múltiplas formas de agriculturas

co-existentes. Isso significa que a sustentabilidade pode estar aliada à tecnologia, mas

buscando um sistema auto- organizado. Para Morin (1999), esse princípio de auto-

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88

organização pode ocorrer tanto na ordem biológica quanto sociológica humana, já que a

sociedade está constantemente em autoprodução através da morte dos seus indivíduos. As

relações entre suas partes, suas interações, revelam a forma de organização do todo.

Para Dominguéz e Simon (2001), se faz necessário refletir sobre modelos de

desenvolvimento rural que sejam sustentáveis sob o ponto de vista ambiental,

economicamente viáveis e socialmente aceitáveis. Continuam os autores afirmando que “[...]

uma condição essencial para uma agricultura sustentável e, por extensão, de uma sociedade

sustentável, é um ser humano evoluído, cuja atitude em relação à natureza seja de

coexistência com a mesma e não exploração da natureza” (2001, p. 18).

A sustentabilidade ambiental está relacionada com a base dos recursos naturais e sua

utilização. Segundo Para Dominguéz e Simon (2001) isso pode ser representado

essencialmente por suas questões básicas: com o que se produz? E como se produz? Assim, é

necessário atentar para quais recursos estão sendo utilizados no processo produtivo e quais

são as tecnologias, conhecimentos e formas de produção empregados.

Uma produção agrícola “ecologicamente correta” quer dizer, segundo Paulus e

Schlindwein (2001), que esta respeita a manutenção da qualidade dos recursos naturais,

mantendo ou melhorando o funcionamento do agrossistema. Dominguéz e Simon (2001)

consideram que a sustentabilidade ambiental local exige que reconheçamos as unidades

naturais do ecossistema (solo, animais, plantas...) a serem trabalhadas e sua adaptação do

modo de produção às leis ecológicas. Deve se priorizar assim, o respeito e a harmonia, e não o

conflito com as leis da natureza.

Outro fator do desenvolvimento rural sustentável é o social, incluindo o

“economicamente viável” que é a geração de renda e auto-suficiência a partir da agricultura.

A sustentabilidade social na agricultura indica que existe a qualidade de bens e serviços

oriundos da mesma, satisfazendo as necessidades humanas não somente de quem vive da

agricultura mas também de quem consome seus produtos.

Para Dominguéz e Simon (2001, p. 21) a sustentabilidade social pode ser definida

como “[...] a capacidade que tem um agrossistema para manter a produtividade, seja em uma

atividade agrícola, em uma propriedade ou em uma nação, quando é submetido a uma pressão

ou a uma perturbação”. As pressões e perturbações aqui mencionadas dizem, respeito a

eventos regulares ou irregulares que afetam a produção, tais como falta de mão-de-obra,

secas, dívidas, epidemias, etc. Assim, existindo uma auto-organização, com mecanismos

adequados, podem ser vencidas possíveis distorções produtivas. Podemos citar como exemplo

um sistema de monocultura e um sistema biodiverso. No primeiro, as conseqüências de um

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89

evento natural pode ser muito mais danoso, devido à presença de uma mesma espécie, de um

solo mais fragilizado e esgotado. É uma produção mais vulnerável se compararmos com uma

produção que está em harmonia com as leis naturais.

A perspectiva humana da agricultura é muito relevante. Ela deve ser embasada

respeitando todas as formas e vida. Para Paulus e Schlindwein (2001, p. 47), “deve ser

reconhecida a dignidade fundamental de todos os seres humanos, e as relações e instituições

devem incorporar valores humanos básicos como confiança, honestidade, auto-respeito,

cooperação e compaixão”. Os autores declaram que deve existir não somente a valorização

econômica das comunidades rurais, mas também dos aspectos sociais, humanos e culturais.

Consideram que a diversidade cultural é tão importante para a sustentabilidade quanto a

biodiversidade animal e vegetal, a agricultura antes de mais nada é resultante de um processos

socioculturais de construção humana.

Assim, a reconstrução do significado da agricultura vai além do avivamento de

técnicas usadas antigamente, dos métodos indígenas-camponeses. Nos coloca diante da

mudança de postura do Homem com a natureza. Paulus e Schlindwein (2001) falam sobre a

adaptabilidade, ou seja, sobre a capacidade de ajuste nas mudanças ocorridas no tempo e no

espaço, nas diferentes tecnologias, e inovações sociais e culturais.

Para o PRONAF (2000) a agricultura familiar, que hoje corresponde 85,2% dos

estabelecimentos rurais do país, tem sido cada vez mais fundamental para a construção de

uma nova realidade agrícola no país. Para tanto, devem existir políticas públicas que

observem os aspectos econômicos, sociais, culturais e tecnológicos. Outros papeis ainda,

como a importância da atuação das mulheres no âmbito rural, devem ser destacados.

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90

7 O COOPERATIVISMO: TECENDO NOVOS CAMINHOS

“O capitalismo se tornou dominante há tanto tempo que tendemos a torná-lo como

normal ou natural” (SINGER, 2002, p. 07). No entanto, suas conseqüências foram trágicas

para o ambiental, o social, o cultural, o afetivo. As contestações sobre o modelo não

permeiam-no somente no âmbito econômico, mas também como forma de organização social.

Para Santos, (2005) desde o surgimento do capitalismo houveram lutas de resistência e

críticas ao mesmo sistema, como é o caso dos camponeses, no séc. XVIII, contra a sua

integração forçada nas fábricas, até as comunidades indígenas, que ainda lutam para manter

seus territórios.

Atualmente, discutem-se outras formas de economia. As práticas que afrontam o

capitalismo são classificadas como “alternativas”, mas para Santos (2005) é preciso entender

quais são as razões para sucedê-lo, o que elas visam especificamente alternar. Segundo o

referido autor, o capitalismo deve ser substituído por outro sistema porque, em primeiro lugar,

resulta a desigualdade de recursos e de poder; segundo, porque a concorrência gera um

modelo que se baseia no benefício pessoal ao invés da solidariedade; e terceiro, porque a

exploração devastadora dos recursos naturais põe em risco o Planeta.

A competição, uma das marcas do capitalismo, ressaltou a racionalidade como

capacidade humana. A economia deveria ser competitiva, as pessoas deveriam competir entre

si, gerando a exclusão de quem não tivesse o poder aquisitivo. Restaurar valores, princípios e

outras capacidades do ser humano, como o sentir e o intuir, é uma das emergências da

sociedade pós-moderna.

A alternativa destacada neste trabalho é o cooperativismo, uma das formas de

economia solidária. Abordarmos tanto as questões de cunho teórico quanto fatos e relatos

importantes sobre a cooperativa estudada, a fim de que nos situemos na forma com que a

mesma está organizada. É nosso objetivo entender os aspectos humanos, ambientais, culturais

e sociais que a levam ao Desenvolvimento Humano Sustentável, ou que limitam que esse

desenvolvimento seja alcançado no âmbito do cooperativismo.

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91

7.1 Breve Histórico da Economia Solidária

Como economia solidária entende-se “[...] o modo de produção, cujos princípios

básicos são a propriedade coletiva ou associada do capital e o direito de liberdade individual”

(SINGER, 2002, p. 10). Sustenta a idéia da solidariedade, em contraste com o individualismo

do sistema capitalista, e refere- se a organizações que se distinguem por suas especificidades:

praticam a solidariedade entre os membros mediante a prática da autogestão; e praticam a

solidariedade para com a população trabalhadora em geral, com ênfase em ajudar os mais

desfavorecidos. (SINGER, 2003).

Esse movimento nasceu como reação ao empobrecimento dos artesãos decorrente da

mecanização e da produção concentrada nas fábricas, logo depois do início da expansão do

capitalismo industrial (SINGER, 2003). Nesta época o trabalho era condicionado a exaustivas

jornadas, o alvo principal era a produtividade, independentemente do bem-estar do

proletariado.

O pensamento e a prática cooperativista modernos são tão antigos quanto o

capitalismo industrial. De fato, as primeiras cooperativas surgiram por volta de

1826, na Inglaterra, como reação à pauperização provocada pela conversão maciça

de camponeses e pequenos produtores em trabalhadores das fabricas pioneiras do

capitalismo industrial. (SOARES, 2005, p. 33)

Como resposta ao descaso com os trabalhadores algumas pessoas, dentre elas o

pioneiro Robert Owen, se preocuparam em propor normas de proteção para os mesmos. Owen

ficou conhecido por ter limitado a jornada de trabalho e por ter repudiado o trabalho infantil.

Sua luta teve como conseqüência a melhoria da produtividade, tendo em vista que o que era

investido no bem-estar dos trabalhadores voltava em forma de lucro. Em 1817, projetou a

Aldeia Cooperativa que tinha como fundamento a compra de terras e formação de aldeias,

pelo governo britânico, que na época gastava muito com ajuda aos pobres, vítimas da

Revolução Francesa. Sua visão era formar um novo modelo de sociedade, e não tendo mais o

apoio dos britânicos implantou a Aldeia Cooperativa em 1825, no estado da Indiana. Ficou à

frente dela até 1829, mas conquistou muitos seguidores que espalharam suas idéias.

(SINGER, 2002).

Existem algumas referências históricas que relatam experiências semelhantes à

economia solidária, mesmo antes do século XIX. As comunas, geralmente agrícolas,

praticavam a repartição: a cada um conforme suas necessidades, de cada um conforme suas

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92

capacidades. Se distinguem por praticarem a solidariedade na produção, no consumo, na

poupança e em todas as áreas da vida social. As pessoas moram juntas, numa aldeia,

desempenhando as funções de uma sociabilidade urbana. Tem como base o igualitarismo.

Têm ideologias distintas: religiosas, filosóficas, anarquistas, etc (SINGER, 2003).

A Cooperativa dos Pioneiros Eqüitativos de Rochdale é “considerada a mãe das

cooperativas, pois seus princípios foram adotados por inúmeras cooperativas que foram sendo

criadas, não só na Inglaterra, mas nos demais países também” (SINGER, 2003, p. 119).

Começou em 1844 como cooperativa de consumo e de aplicação de poupança, mas teve êxito

social e comercial. Em 1864, possuía 4.747 membros. A partir dela foram fundadas outras

cooperativas de produção, como moinhos de trigo e fábricas têxteis. Mas o que mais chama a

atenção nessa experiência são os princípios formulados desde a sua concepção. Até então, não

havia um modelo comum de valores, cada cooperativa formulava-o de acordo com o

entendimento dos seus membros.Formada por tecelões, na sua maioria, elaboraram normas e

suas práticas e valores foram compilados no Estatuto da Cooperativa Pioneira que foi copiado

por todo o mundo.

Para acarretar um intercâmbio sobre as áreas educacional e técnicas, Robert Owen

criou a Associação de Todas as Classes, nas décadas de 30 e 40, impulsionando assim a

criação da Associação Cooperativa Internacional (ACI). Ela é uma Organização Não

Governamental independente, a mais antiga e numerosa das universais existentes. E hoje,

devido a sua credibilidade em outros setores além do cooperativismo, é um dos órgãos

consultivos das Nações Unidas (SCHNEIDER; HENDGES, 2006).

Ao longo do tempo, muitas empresas que nasceram como solidárias deixaram de ser

assim classificadas, se adaptando ao sistema capitalista e não mais atentando para a

autogestão. Muitas aproximaram-se com maior grau ou menor do perfil da empresa solidária.

“Estas oscilações devem-se à inserção econômica e social de cada cooperativa- muitas surgem

a partir de lutas operárias camponesas- e ao “espírito da época”, que impregna aos cooperados

ora valores solidários e democráticos, ora de individualismo rumo à competição” (SINGER,

2005, p. 86).

Uma experiência muito conhecida é a de 1956, quando o padre José Maria

Arizmendiarreta fundou a primeira cooperativa de produção, que virou semente do complexo

cooperativo de Mondragón, na Espanha. O desemprego era grande nesta localidade e além de

ter se tornado uma das maiores empresas do país, retomou a prática da autogestão. Hoje, é um

elemento vital de um novo movimento que procura na economia solidária uma alternativa

factível ao capitalismo, não só ao desemprego e à marginalização (SINGER, 2003).

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93

7.1.1 No Brasil

Um Estado cooperativo começou a ser construído no Brasil, em 1610, através das

primeiras reduções jesuíticas. Esse modelo, baseado no amor cristão e na ajuda mútua, deu

exemplo de sociedade solidária onde o bem-estar do indivíduo e da família era primordial

frente ao interesse econômico da produção. Apesar dessa experiência, foi só em 1847, que se

iniciou o cooperativismo propriamente dito, através da atuação do médico Maurice Faivre,

fundador da colônia Tereza Cristina. Outras surgiram no Brasil, como no Estado de Santa

Catarina (SCHMIDT; PERIUS, 2003).

A Colônia Cecília foi uma experiência muito conhecida, era uma comuna

experimental baseada em premissas anarquistas. A Colônia foi fundada em 1890, no

município de Palmeira, no estado do Paraná, por um grupo de libertários mobilizados pelo

italiano Giovanni Rossi. Havia uma grande dificuldade para organizar o trabalho dos artesãos

e lavradores, que encontravam diferenças no solo brasileiro. Ações coletivas foram

implantadas, como a construção de habitações, compra de instrumentos e máquinas para o

trabalho nas lavouras, a casa da escola, o pavilhão coletivo, estábulos, além das lavouras.Nos

quatro anos de existência da colônia, sua população chegou a atingir cerca de 250 pessoas.

As primeiras experiências de organizações cooperativas começaram no século

passado, concentradas mais no Estado de São Paulo, mas de forma tímida e com falta de

apoio. A maior concentração de cooperativas ocorreu no Sul do país, até as décadas de 60,

mas mesmo assim a decadência foi se aprofundando nos anos 70 (RECH, 2000). Em 1902,

segundo dados da Organização das Cooperativas Brasileiras – OCB, as cooperativas de

crédito surgiram no Rio Grande do Sul, por iniciativa do padre suíço Theodor Amstadt. Pouco

tempo depois, em 1906, nasceram as primeiras no meio rural. Os agricultores que vieram da

Alemanha e Itália trouxeram de lá o trabalho associativo e a experiência de atividades

comunitárias, motivando a formação de cooperativas familiares.

Como resposta à crise de 1981 a 1983, na qual muitas indústrias de grande porte

entraram em processo de falência, a economia solidária ressurge com maior força. Ainda nos

anos 80, deve-se destacar o trabalho da Cáritas, ligada à Conferência Nacional de Bispos do

Brasil (CNBB), que financiava os Projetos Alternativos Comunitários- PACs. Grande parte

desses projetos, que visava gerar trabalho e renda para pessoas pobres tanto das periferias

urbanas quanto rurais, acabaram se transformando em unidades de economia solidária.

(SINGER, 2002).

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94

Não podemos deixar de abordar no histórico do cooperativismo brasileiro as

experiências do MST. Uma inicial resistência ao modelo cooperativo existia, fundamentada

nas antigas experiências de grandes agroindústrias. A aceitação ocorreu gradualmente, a partir

do I Encontro Nacional dos Assentados em 1986 e pelo estímulo de órgãos governamentais de

extensão rural, como a EMATER. Em 1988, foi elaborado um Manual de Cooperação

Agrícola do MST. No Rio Grande do Sul, em 1989, criaram-se as primeiras Cooperativas de

Produção Agropecuária – CPAs, como a Coopanor e a Cooptil. Assim, a motivação para

implantar a visão cooperativa nos assentamentos passou a ser não apenas econômica, mas

também política como uma forma de sustentar o movimento (SINGER, 2005).

Foi justamente o conhecimento sobre cooperativismo dentre os assentados que

estimulou a início da organização da COOPERVITA LTDA. O contato com o MST

possibilitou maior esclarecimento sobre a noção do que seria o cooperativismo, bem como a

capacitação inicial sobre organização cooperativa. Emanuel (2008) comenta sobre os filhos

que participavam do movimento, se referindo ao impulso das famílias Canali, Sbardelotto e

Gaiardo em buscar uma nova alternativa econômica. “Ficaram dois anos lá provisoriamente

embaixo de barracas. E, em 87, ele foi contemplado por sorteio na primeira turma, né, de 32

famílias que foram assentadas dentro da Fazenda Anoni”, relata o mesmo.

Podemos afirmar que foi de suma importância o relacionamento com o MST para a

formulação dos princípios e valores da cooperativa em estudo. Para suprir a carência de

conhecimento administrativo e técnico, que dificultava o desenvolvimento das CPAs, foi

criado um curso Técnico em Administração de Cooperativas, em Veranópolis-RS. Pedro

ainda jovem conseguiu uma vaga para o curso, devido à presença dos irmãos no movimento.

Ele e muitos filhos de agricultores conseguiram concluir seus estudos dessa forma, e tiveram a

base para a implementação e administração de cooperativas.

E mudou muito porque, uma que daí a gente tem uma base de conhecimento que tu

não tem em outras escolas, esse é o primeiro fator. O segundo é que a gente passou a

conhecer um monte de experiências...em tudo que é...então, nós fomos fazer estágio

em várias cooperativas aqui pelo Rio Grande do Sul, né, então isso já mudou

bastante a visão da gente sobre as coisas, vê onde que tava dando certo, onde que

não tava dando certo. Então, teve todo esse processo. E, depois mais tarde, a escola

foi transferida, o estudo foi transferido para Veranópolis (Pedro, 2008).

Emanuel (2008) fala sobre a importância do trabalho de Pedro, com orgulho: “E ele

tá até hoje administrando daí a cooperativa. Isso ajudô muito nós, se não tivesse isso aí, eu

acho que dificilmente a gente tinha resistido, né, porque exige muito alguém que saiba

né...administrar e levá as coisa porque não é fácil”.

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95

Hoje, no Brasil, existem experiências muito satisfatórias, como é o caso da Catende,

no sul da zona da mata Pernambucana. A maior agroindústria de açúcar da América Latina,

numa região que priorizava a monocultura como forma de produção e renda. Esse contexto foi

repensado a partir da década de 90, por advento da crise do setor sulcro-alcooleiro, demissão

de milhares de trabalhadores, possibilidade de fechamento da usina e perda do patrimônio por

ter sido decretada falência. Os trabalhadores se organizaram e constituíram a Companhia

Agrícola Harmonia, sobre os moldes da autogestão e administrada em regime de co-gestão

com o Poder Judiciário7.

Tabela 1. Atlas de Economia Solidária- SIES- Sistema Nacional de Economia Solidária.

Quantidade segundo Região

REGIÃO QUANTIDADE

TOTAL 2.114

Região Norte 253

Região Nordeste 586

Região Sudeste 429

Região Sul 668

Região Centro-Oeste 178

Fonte: http: ∕∕ www.mte.gov.br∕ecosolidaria∕sies.asp (2007)

Como mostram os dados, a região Sul do país possui o maior número de cooperativas

registradas. E ao todo, no ano de 2007, já existiam 2.114.

7.2 A Identidade Cooperativa

A palavra cooperativa advém do vocábulo cooperar (cum + operare, que é igual a

trabalhar+ com os outros) (SCHNEIDER; HENDGES, 2006).

Para Schimidt e Perius (2005, p. 63), as cooperativas são “[...] associações

autônomas de pessoas que se unem voluntariamente e constituem uma empresa, de

propriedade comum, para satisfazer aspirações econômicas, sociais e culturais.”

7 A experiência da Cooperatica Catende/Harmonia pode ser acessada através do endereço eletrônico:

<http://www.catendeharmonia.com.br>.

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96

Essas aspirações foram traduzidas em ações em setembro de 1995, no Congresso

Mundial da Aliança Cooperativa Internacional (ACI), em Manchester, Inglaterra:

“Cooperativa é uma associação autônoma de pessoas, unidas voluntariamente, para atender

suas necessidades e aspirações econômicas, sociais e culturais comuns através de uma

empresa coletiva e democraticamente controlada” (ACI,1995).

Alguns conceitos norteiam a questão da identidade cooperativa, a OCB destaca três:

Cooperar – unir-se a outras pessoas para conjuntamente enfrentar situações adversas, no

sentido de transformá-las em oportunidade e bem-estar econômico e social; Cooperação –

método de ação pelo qual indivíduos ou familiares com interesses comuns constituem um

empreendimento. Os direitos são todos iguais e o resultado alcançado é repartido somente

entre os integrantes, na proporção da participação de cada um; Sócios – indivíduo,

profissional, produtor de qualquer categoria ou atividade econômica que se associa a uma

cooperativa para exercer atividade econômica ou adquirir bens de consumo e/ou duráveis

(OCB, 2008). Assim, uma cooperativa depende, para sua formação, ter presente esses três

fatores.

Para Singer (2003), as instituições cooperativas possuem duas dimensões. A primeira

diz respeito à dimensão empresarial, pois a cooperativa também é uma empresa a serviço dos

seus membros. Para Singer (2003, p. 66) “os aspectos econômicos, administrativos e técnicos

são tão importantes no cooperativismo, como em qualquer outra organização”.

É uma empresa peculiar, de propriedade dos associados, na qual devem atuar com

participação e direitos específicos. Essa empresa tem a finalidade de viabilizar e

promover os objetivos que os associados, em conjunto, se propuseram no estatuto. A

visão empresarial, em seus aspectos econômicos, administrativos e técnicos, são

muito importantes. Do sucesso como empresa, decorrem a projeção social e humana

(SINGER, 2003, p. 66).

A segunda dimensão, segundo o referido autor, é a dimensão social. Deve existir a

harmonia entre os fatores econômicos e sociais, levando em consideração que a cooperativa

existe para suprir as necessidades de seus associados, e isso diz respeito não somente ao

capital.

Aonde ...uma empresa privada né, o cara é dono da empresa ... ele faz do jeito que

qué e o resto são empregados, né. Então o empregado é ... trabalha e né... não

precisa saber o que acontece né... lá dentro né. E aqui é diferente, né! Os sócio, eles

são dono. Se trabalha, mas são dono também. Então tem que tê uma capacidade de

conciliar conflitos,né, nem todos pensam igual, né. Então é mais difícil, né! Então

tem que ter muito jogo de cintura pra ir, quando se toma uma decisão bem discutida,

até amadurecer bem as idéias né, com o pessoal: vamô topá? Vamô! Então se vai

né!Senão,vamô esperá mais um poco (Emanuel, 2008).

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97

Gaiger (2003) fala sobre o caráter multifuncional dos empreendimentos solidários,

como os mais diversos tipos de economias solidárias. Essa multifuncionalidade seria

[...] sua vocação a atuar simultaneamente na esfera econômica, social e política, a

agir concretamente no campo econômico ao mesmo tempo que interpelam as

estruturas dominantes. Eles rejeitam a dicotomia entre interesses econômicos e

questões sociais, respectivamente atribuídos ao binômio mercado privado- Estado,

bem como as fronteiras estabelecidas entre tempo de trabalho produtivo e tempo de

satisfação das necessidades. (GAIGER, 2003, p.139-140)

Para Milanez (2003), o discurso da competitividade do sistema capitalista é uma

ilusão no sentido de que o mercado está dominado por monopólios. Assim, a competitividade,

como forma de oferecer maiores opções para o consumidor, não corresponde à realidade.

Dessa forma, não haveria como estabelecer uma nova economia, se não fosse com

base na sustentabilidade. A própria organização da natureza é um exemplo disso, “[...] onde a

competição só existe como fonte de seleção de soluções para novos desafios do meio e visa à

harmonização do sistema à mudança e não a vitória ou a concentração de poder como nossa

espécie” (MILANEZ, 2003, p. 79).

7.2.1 Princípios

Os primeiros princípios do cooperativismo foram os do Pioneiros de Rochdale,

constantes em seus estatutos originais que eram: livre adesão, gestão, controle cooperativo,

distribuição das sobras na proporção das operações e pagamento de juros limitados ao capital.

Eram os chamados princípios primários. Posteriormente, os congressos da ACI acrescentaram

outros. Houve uma revisão dos princípios no Congresso da ACI em Manchester (1995),

acrescentando uma declaração sobre os valores do cooperativismo e a definição de sete

princípios (RECH, 2000).

Na Declaração sobre a Identidade Cooperativa, a ACI esclarece os valores do

cooperativismo:

As cooperativas baseiam-se em valores de ajuda e responsabilidade próprias,

democracia, igualdade, eqüidade e solidariedade. Na tradição dos seus fundadores,

os membros das cooperativas acreditam nos valores éticos da honestidade,

transparência, responsabilidade social e preocupação com o próximo (OCB,2009).

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98

Como princípios foram estabelecidos:

Primeiro Princípio: Adesão livre e voluntária.

As cooperativas são organizações voluntária abertas para todas aquelas pessoas

dispostas a utilizar seus serviços e dispostas a aceitar suas responsabilidades

inerentes à sua condição de associado, sem discriminação de gênero, social, racial,

política ou religiosa (OCB,2009).

As pessoas podem entrar e sair do vínculo cooperativo, de forma aberta. Isto está

regulamentado na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, no seu art. 5º,

inciso XX: “Ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado”. Mas

podem existir mecanismos internos na cooperativa que indicam se as pessoas vão ser aceitas

pela maioria ou não, como é o caso de alguns critérios para serem votados em Assembléia.

Então, apesar da livre adesão ser um princípio, a cooperativa pode se basear na democracia

para decidir se a pessoa é apta ou não a fazer parte da mesma, sem discriminá-la pelas razões:

gênero, classe social, raça, posição política ou religião.

Segundo Princípio: Controle, organização e gestão democrática.

As cooperativas são organizações democráticas controladas pelos seus membros, os

quais participam ativamente da definição de suas políticas e na tomada de decisões.

Os homens e mulheres, eleitos para representar a sua cooperativa, respondem por

suas responsabilidades frente aos associados. Nas cooperativas de base, os

associados têm igual direito de voto (um associado, um voto, sendo que as

cooperativas de outros níveis também devem se organizar com procedimentos

democráticos) (OCB,2009).

Esse princípio, deve vir acompanhado pela possibilidade de todos os sócios

manterem uma posição de igualdade em termos de apropriação dos poderes políticos e

econômicos, serem eleitos para cargos de direção e usufruírem de qualquer benefício (RECH,

2000).

Terceiro Principio: Participação econômica.

Os associados contribuem de maneira equitativa e controlam de maneira

democrática o capital da cooperativa. Pelo menos uma parte desse capital é

propriedade comum da cooperativa. Usualmente, recebem uma compensação

limitada, se for possível, sobre o capital subscrito como condição de fazer parte da

cooperativa. Os associados contribuem com a cooperativa, distribuindo as sobras

existentes prioritariamente da seguinte maneira: no desenvolvimento da cooperativa

através da criação de reservas, as quais, pelo menos uma parte, deve ser indivisível;

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99

beneficiando os associados em proporção ás suas transações com a cooperativa; no

apoio a outras atividades da cooperativa, segundo decisão da assembléia dos

associados(OCB,2009).

O capital das cooperativas existe para satisfazer as necessidades dos sócios, não para

gerar lucro ou para exercer o domínio na cooperativa (SCHNEIDER; HENDGES, 2006). As

cooperativas necessitam, para começar a funcionar, que os sócios entrem com capital inicial

que é dividido em quotas-partes, além disso na medida em que vai crescendo deve investir em

melhorias nas suas atividades (RECH, 2000).

Quarto Princípio: Autonomia e independência.

As cooperativas são organizações autônomas, de ajuda mútua, controladas pelos

seus associados. Caso entrem em acordo com outras organizações (inclusive

governos) ou busquem capital de fontes externas, devem realizar estas iniciativas

somente na medida em que possa ser assegurado o controle democrático por parte

dos associados, mantendo a autonomia da cooperativa (OCB,2009).

Deve ser autônoma, pois nada pode condicionar sua atuação. Podem existir vínculos

com outras instituições ou com o Estado, mas isso não pode interferir na sua autonomia e

independência.

Quinto Princípio: Educação, treinamento e informação.

As cooperativas devem oferecer educação e capacitação aos seus associados, a seus

dirigentes eleitos, gerentes e empregados, de tal maneira que contribuam

eficazmente no desenvolvimento das suas cooperativas. As cooperativas informaram

também ao publico em geral- principalmente aos jovens e aos criadores de opinião-

sobre a natureza e aos benefícios de cooperativismo (OCB,2009).

A idéia cooperativa, seus princípios devem ser muito bem entendidos por todos. Por

quem já faz parte da cooperativa, e por quem está chegando. Além disso, é de suma

importância que parte do excedente de produção seja investido na capacitação dos

cooperados, das famílias e dos jovens.

Sexto Princípio: Cooperação entre cooperativas.

“As cooperativas servem os seus associados e fortalecem o movimento

cooperativista trabalhando de maneira conjunta por meio de estruturas

locais (centrais), regionais (federações), nacionais (confederações) e

internacionais” (OCB,2009).

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100

Essa integração visa o fortalecimento das cooperativas envolvidas, que podem fazer

trocas de informações, experiências, produtos, etc. Isso em prol da possível contribuição que

possam estabelecer, não somente no âmbito das cooperativas, mas na sociedade como um

todo.

Sétimo Princípio: Preocupação com a comunidade.

“A cooperativa trabalha para o desenvolvimento sustentável de sua

comunidade, através de políticas definidas por seus associados”

(OCB,2009).

A cooperação não deve, portanto, se limitar a cooperativa, mas se estender à

comunidade. Muitas dos benefícios atingidos pela existência de uma cooperativa em

determinado local podem se estender à comunidade na qual esta inserida. Essa preocupação

deve existir, não sendo optativa, já que consiste num dos princípios. A sustentabilidade

mencionada, vai além da ambiental, inserindo a dimensão humana.

Cabe ressaltar que, embora os sete princípios adotados pela ACI sejam considerados

universais, as cooperativas vão de adaptar a eles de forma que se ajustem a suas

características específicas: tipo de cooperativa (consumo, produção, trabalho...), região na

qual se localiza, cultura dos seus associados, entre outros fatores. A COOPERVITA LTDA

aderiu a tais princípios norteadores, mas estabeleceu além disso seus próprios valores a serem

observados pelos associados.

7.3 O Humano no Cooperativismo

Rech chama a atenção para a centralidade da iniciativa cooperativa: as pessoas.

Segundo o autor, “elas, suas necessidades, suas aspirações, é que devem motivar o esforço do

empreendimento e a conquista de novos espaços que o consolidem, sem o que a cooperativa

não existe” (RECH, 2000, p. 32).

Perius (2001, p. 282) descreve a cooperativa como o “[...] braço alongado do

associado, uma extensão do associado”.

Tem como característica marcante a solidariedade, que vai em contrapartida a

individualidade ressaltada pelo sistema capitalista. Ainda, baseiam-se em valores como a

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101

ajuda mútua, democracia, participação e autonomia. Os valores definem as motivações mais

profundas do agir cooperativo, sendo a instância inspiradora dos princípios do Movimento

Cooperativo Mundial.

Segundo a OCB, o cooperativismo vai além de um modelo simplesmente econômico.

É considerado um movimento, filosofia de vida e modelo socioeconômico capaz de unir

desenvolvimento econômico e bem-estar social. É o sistema fundamentado na reunião de

pessoas e não no capital. Visa às necessidades do grupo e não do lucro. Busca prosperidade

conjunta e não individual. Estas diferenças fazem do cooperativismo a alternativa

socioeconômica que leva ao sucesso com equilíbrio e justiça entre os participantes (OCB,

2008).

Para Rech (2000, p. 22), a cooperativa tem dupla natureza, no sentido de que a

mesma é

[...] simultaneamente uma entidade social (um grupo organizado de pessoas) e uma

unidade econômica (uma empresa financiada, administrada e controlada

comunitariamente), tendo como objeto principal o de ser utilizada diretamente pelos

associados como meio para prover bens e serviços que necessitam e que não

conseguem obter individualmente em condições semelhantes.

Esse entendimento remete a estudar o cooperativismo também sobre a óptica da

sociologia das ausências e das emergências. A “hermenêutica das emergências” consiste

numa “[...] perspectiva que interpreta de maneira abrangente a forma como as organizações ,

movimentos e comunidades resistem à hegemonia do capitalismo e aderem a alternativas

econômicas baseadas no não-capitalismo” (SANTOS, 2005, p. 26). É através da análise a da

crítica a experiências que levam em consideração a economia solidária, que pode-se

vislumbrar a sua credibilidade sobre dois aspectos importantes: a emancipação social e a

viabilidade econômica de tais experiências.

Esse procedimento psicossociológico parte de uma preocupação com o desperdício

da riqueza de experiências sociais, em curso ao redor do mundo, incluindo formas

diversas de economia solidária, descredibilizadas porque seus agentes ocupam um

lugar de “não existência”, um lugar inferiorizado na perspectiva da lógica

hegemônica, considerando o sistema-mundo globalizado como arena pública

ocidental contemporânea (VERONESE, 2007, p.3)

O que se espera de um empreendimento solidário é que o mesmo foque no

desenvolvimento das pessoas, dos associados. Esse resultado ideal seria Desenvolvimento

Humano Sustentável aqui mencionado.

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102

7.3.1 A Solidariedade

O termo solidariedade pode ser entendido de diversas formas, de acordo com o

tempo e o espaço. Antigamente, de acordo com o modo de vida comunitário, significava uma

certa segurança nas adversidades. Sabiam que uns podiam contar com ou outros, como no

caso dos vizinhos, famílias e comunidades. Com a modernidade e a autonomia do sujeito,

esse conceito foi se perdendo.

Para Lisboa (2003, p. 243)

Na modernidade, através das políticas sociais do Welfare State, se tentou fazer o

bme impessoalmente, sem um sentimento de coresponsabilidade, gerando o

individualismo ao dispensar a ajuda dos mais próximos, e asfixiando a

solidariedade, pois esta nasce na concretude das relações que nos ligam uns aos

outros.

As conseqüências desse individualismo são colhidas por todos, virando até uma

patologia. Para Lisboa (2005) não há como nos apartar dos laços naturais da solidariedade,

pois sem a sociedade não encontramos a autonomia do eu. Somos seres sociais por natureza.

Para ele, no entanto, a sociedade contemporânea busca uma solidariedade emergente. Como

exemplo dessa busca cita as lutas operárias contra a exploração do trabalho, da juventude

contra o regime disciplinar e contra a guerra do Vietnã, do movimento ecológico, da luta das

mulheres por igualdade, etc.

Solidus quer dizer: um todo internamente composto de elementos coesos. Lisboa

(2005) considera que a solidariedade não é somente emoção, mas uma situação concreta.

Como menciona a etimologia da palavra, tudo está interconectado, a relação entre os

elementos da vida social são parte da condição humana. Além disso, o autor cita a

solidariedade como uma questão de atitude, de responsabilidade com o todo, com o outro,

com o Planeta.

Num mundo onde cada vez mais as distâncias se encurtam, nessa verdadeira “aldeia

global”, a diversidade humana escancara nossas portas, assustando aquele que tem

medo do diferente, do estranho. O desafio maior da construção de um mundo mais

justo reside em conviver na diversidade, no reconhecimento do outro! (LISBOA,

2005, p. 247)

A solidariedade como um diferencial do cooperativismo deve ter, segundo Schimidt

e Perius (2005), uma parcela de racionalidade. Isso porque existe uma dificuldade para as

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103

pessoas que estavam acostumadas a um sistema econômico competitivo se adaptarem a uma

forma solidária. Os autores acreditam que “existe uma questão a ser adequada entre

solidariedade cooperativa e na busca de um bem comum e a realização de benefícios às

atividades dos associados individualmente” (SCHIMIDT; PERIUS, 2005, p. 69).

Dessa forma, a solidariedade não pode ser considerada como um fator que deixa de

lado os objetivos pessoais dos associados. A busca de realização individual deve ocorrer

através da “[...] concepção filosófica e doutrinária do cooperativismo onde, além da busca de

maiores bens materiais, busca-se um ambiente social mais humano, em contexto de vida com

perspectivas futuras mais promissoras” (SCHIMIDT; PERIUS, 2005, p. 69).

7.3.2 A Emancipação Social

Entende-se por exclusão social um processo que resulta da perda de poder de uma

determinada sociedade, grupo social ou situação social (FRANTZ; SCHONARDIE, 2006).

Assim, pessoas excluídas da sociedade não são somente aqueles que pedem condições

materiais, mas também suas raízes, suas identidades.

É um dos fenômenos mais antigos da sociedade, um fenômeno social. Hoje, vivemos

a busca de meios de intervenção que possam alterar as relações sociais, seus conflitos e suas

desigualdades.

Decorrente do sistema capitalista, a submissão do mundo ao capital gera um

sentimento de resignação. Para Frantsz e Schonardie (2006, p. 8) “trata-se de um estado de

perplexidade, de impotência, de um “desarmamento” dos indivíduos de sua condição de

atores históricos, de produtos da sociedade.” Seria um fenômeno psico-sociológico da

sociedade pós-moderna, manifestado através da exclusão social. É uma forma de alienação, de

submissão consentida, de redução da dimensão humana. Um estado de pobreza espiritual,

intelectual e de acomodação.

Em meio a esse contexto, surge a necessidade de novos mecanismos de intervenção.

Para Cattani (2005, p. 130), “emancipar-se significa aceder à maioridade de consciência;

entendendo-se por isso a capacidade de conhecer e reconhecer as normas sociais e morais

independentemente de critérios externos expostos ou equivocadamente apresentados como

naturais”.

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104

Ao traçar valores contrários ao capitalismo, as alternativas econômicas geram dois

tipos de efeitos emancipadores:

Em primeiro lugar, no nível individual implicam frequentemente em mudanças

fundamentais nas condições de vida dos seus autores, como mostram os estudos

sobre a transformação da situação dos coletores e recicladores de lixo na Índia e na

Colômbia [...]. Em segundo lugar, no nível social, a difusão de experiências bem-

sucedidas implica a ampliação dos campos sociais em que operam valores e formas

de organização não capitalistas. (SANTOS, 2005, p. 31)

Cattani (2005, p. 131) fala sobre as “sociedades mobilizadas e “agenciadas por

projetos”, como as resultante dos processos de desenvolvimento e modernização da sociedade

capitalista. “São sociedades que se autoproduzem como segundo a capacidade de controle das

lógicas societárias e econômicas”. A elite contemporânea julga o povo como incapaz de ter

iniciativas autônomas e de defender seus próprios interesses, estabelecem um critério de

maior capacidade aos que prosperam mais, como algo natural. Assim, as grandes

desigualdades seriam entendidas como algo decorrente da supremacia intelectual dos países

considerados como desenvolvidos, frente à submissão do Terceiro Mundo.

Santos (2005) se refere aos novos caminhos da emancipação social, a sua reinvenção,

traçando os diferentes enfoques sobre a globalização. A globalização neoliberal, como um

novo regime de acumulação de capital e dominante e hegemônica que distribui desigualmente

custos e oportunidades; e uma alternativa, chamada de contra-hegemônica, emergente e

debatida no Fórum Social Mundial de Porto Alegre, em 2001.

Segundo o mesmo autor, os novos caminhos sobre a emancipação social se baseiam

na ultima forma de globalização, a contra-hegemônica

[...] Constituída pelo conjunto de iniciativas, movimentos e organizações que,

através de vínculos, redes e alianças locais/globais,lutam contra a globalização

neoliberal mobilizados pela aspiração de um mundo melhor, mais justo e pacífico

que julgam possível e ao qual sentem ter direito (SANTOS, 2005, p. 15)

Assim, a emancipação social se manifesta nas lutas contra opressão, desigualdade,

discriminação. Vinculado ao conceito de autonomia, “[...] é a apropriação coletiva, a

descentralização, a participação consciente no processo produtivo, na vida em sociedade e na

criação cultural” (CATTANI, 2005, p. 134).

Frantsz e Schonardie (2006, p. 8) afirmam que as cooperativas podem ser fortes

instrumentos de intervenção contra a exclusão social. Tendo em vista seu caráter de “[...]

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105

construção do poder, de laços sociais de identidade, de afirmação de valores, cultura e

comportamentos”.

Os relatos dos associados entrevistados indicam sua luta contra a exclusão no meio

rural. O momento em que os mesmos começam a ver novos horizontes, através d

cooperativismo também faz parte dos seus discursos.

E eu gosto de dizer assim, gosto não, eu sempre digo pra todo mundo, que hoje se a

gente (a gente a minha família) ainda tá aqui no interior, sabe, se eu tenho uma

faculdade hoje, eu em cinquenta por cento, digamos assim, a gente deve pra

COOPERVITA, pro grupo em si, pra organização, sabe. Porque chegou uma época

assim, que eu já tava com uma idade né, quatorze, quinze anos, e nós tava assim

pensando, ia ter que morar pra cidade e tal, sabe, porque nós tava bem com poucas

condições. E daí surgiu essa oportunidade do pai e a mão se associarem na...foi

quando surgiu a COOPERVITA, no caso né. Então ali abriu, abriu as portas pra

mim trabalhar, pra ter um dinheirinho, por mais pouco que era, mas na época valia

muito, né. A mãe começou a trabalhar, então a nossa renda da família aumentou.

Como a gente não tem lavoura, não tem nada, né. A nossa renda até o momento era

só do salário do pai, né. E alguma coisinha que a gente tinha aí por roda de casa e

tal. Enfim, começou a melhorar um pouco financeiramente, né. Porque eu não sei, se

tipo, se a gente tivesse ido pra cidade hoje onde é que a gente estaria não sei, talvez

numa favela, sei lá. Nem gosto de pensar sabe, porque a situação tava ruim na época,

né. Enfim, melhorando e tal (Silas, 2008).

Silas nem gosta de pensar onde estaria a sua família se não fosse o trabalho da

cooperativa, quem sabe mais uma família vítima do êxodo rural, em algum bolsão de pobreza,

tentando se adaptar ao modo de vida urbano.

E daí acabo dando certo e a gente entrou aqui. Porque achava que valia a pena,

porque era uma coisa nova, uma coisa diferente, trabalhar no coletivo, porque já que

a gente, né, não...pouca coisa a gente têm e né, e daí sozinho pior ainda, né. E a

gente começo, com muita garra quando a gente começou aqui, muito animado,

sonhando bastante, né. E de lá pra cá foi indo, a gente construiu muita coisa, né, de

lá pra cá. Juntos! Com as recaídas e as... né. E subindo e descendo, mas a gente ta aí.

Pra mim, pra mim assim foi, pra nossa família foi muito bom. Porque se nós não

tivesse aqui, né, sócio da cooperativa, acho que meus filhos não tinham estudado.

Porque pra nós assim mudou muito né, desde a renda da família, né. Porque daí eu

comecei a trabalhar aqui, quando a gente entro eu já comecei né, e os filhos também

né, porque daí eles cresceram e começaram trabalhá (Ester, 2008).

O reconhecimento de Ester, ao mencionar a conquista da educação dos filhos, deixa

evidente que a cooperativa foi um instrumento para superar a exclusão, a falta de renda, de

perspectivas da família. A mesma contou com a solidariedade de um parente para associar-se,

sendo que sua família ainda não possuía o valor para pagar a cota. Hoje, seus filhos cursam a

faculdade. Um já está formado. Sua realidade mudou com muito esforço e persistência.

Frantsz e Schonardie (2006, p.11) chamam a atenção para o fato de que a cooperação

por si só, não remete ao processo de combate à exclusão social. Deve existir, para os autores,

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106

o seu uso político que engloba as necessidades e interesses do trabalho. “A qualificação das

práticas de educação pela educação para a cooperação é fundamental para que esta possa

instrumentalizar o processo o combate à exclusão social pelo cooperativismo”.

7.3.3 A Educação Cooperativa

Cooperativas são espaços de capacitação e campos de educação. Essa educação pode

ser praticada não somente entre seus membros, mas também entre os membros da

comunidade na qual está inserida.

Schneider e Hendges (2005) a educação e capacitação nas cooperativas devem ser

permanentes, são um processo contínuo em nossas vidas. Atualmente, o principio da ACI que

fala sobre a educação como um dos pilares do cooperativismo, é interpretado de forma que

abarque a capacitação e a informação. Para Schneider; Hendges (2005) a educação está

associada a uma gama ampla de conhecimentos, enquanto a capacitação restringe-se a uma

determinada classe que precisa de conhecimentos específicos.

Os princípios do cooperativismo não podem ser vistos de forma isolada. O princípio

da educação merece destaque, mas não podemos afirmar que o mesmo é hierarquicamente

superior aos demais. Ele foi denominado como “regra de ouro” no meio cooperativo devido a

sua grande relevância e como um instrumento para que os outros princípios fossem

compreendidos e a visão do sistema difundida (SCHNEIDER; HENDGES, 2005).

A princípio a educação cooperativa é tida como a expressão de valores e princípios

referentes ao modo de produção da economia solidária. Abrange assim, a informação aos

futuros sócios sobre o funcionamento, regras e legalidade de adesão, bem como a capacitação

dos integrantes para expansão das possibilidades e crescimento a cooperativa.

Mas, a educação vai além desse âmbito. Pode se apresentar como um projeto

pedagógico genérico, visando a expansão das capacidades, oportunizando o crescimento do

homem e da mulher em vários setores, atingindo a sociedade no sentido de esclarecer como se

dá o processo cooperativo, englobando o potencial humano de mobilização e responsabilidade

coletiva.

No cooperativismo a educação tem algumas peculiaridades, como destacam

Schneider e Hendges (2005, p.39), deve ser voltada para despertar a criatividade e a

motivação nas pessoas. Não usando de uma “lavagem cerebral” para convencer sobre os

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107

benefícios do mesmo, mas dando a oportunidade para que as pessoas tirem suas próprias

conclusões. Para os referidos autores “o importante não é educar por educar mas sim envolver

o homem na sociedade, de maneira que possua conhecimentos tanto em nível especifico-

identidade e filosofia cooperativa- como em nível geral”.

Silas (2008) fala que “sem formação não adianta ter gente para trabalhar”. Se refere

ao programa de capacitação existente na COOPERVITA LTDA. Diz que hoje em dia é muito

difícil as pessoas conhecerem o funcionamento de uma cooperativa, quais são os princípios,

como é o agir coletivo. Quem começa a fazer parte como um associado sente uma grande

transição, nas palavras de Silas (2008), por isso é muito importante as pessoas receberem

constante aperfeiçoamento. Destaca não somente a qualificação profissional, mas o viver

segundo os valores do cooperativismo.

A educação e demais valores do cooperativismo ressaltam a possibilidade do mesmo

ser uma prática social humanizadora, de ser um mediador para a qualidade de vida, a

sustentabilidade, se contrapondo à sociedade individualista.

Para Gaiger (2005, p. 129) a economia solidária representa condições para uma

sociedade sustentável, através de uma eficiência sistêmica. “[...] Evoca uma racionalidade,

orientada à satisfação das necessidades e à realização das aspirações humanas, estimulando a

simbiose da com o ambiente natural, por meio de um vínculo integrador e de modelos de

desenvolvimento sustentável.”

Assim, uma mudança paradigmática pode ocorrer através da difusão da cooperação,

do conhecimento dos princípios e de experiências concretas que deram certo, que ampliaram

as oportunidades das pessoas, como é o caso da COOPERVITA LTDA.

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108

CONCLUSÃO

A discussão sobre o desenvolvimento é muito ampla, sendo o Desenvolvimento

Humano Sustentável um tema recente que expande ainda mais o debate, no sentido de que

questiona as finalidades do crescimento econômico. Ao englobar o humano no

desenvolvimento, estudiosos como o citado Amartya Sen, afirmam que a renda é um dos

fatores para a expansão da liberdade substantiva, mas também é a sua distribuição equitativa e

a totalidade das aspirações humanas.

O conceito de sustentabilidade está de certo ponto contaminado pelo conceito de

sustentabilidade econômica. Este trabalho apresentou o esforço para construí-lo de uma forma

mais abrangente que encontramos na literatura. O Programa das Nações Unidas para o

Desenvolvimento, por exemplo, aborda o conceito do Desenvolvimento Humano Sustentável

mencionando as dimensões da erradicação da pobreza, a promoção da equidade e inclusão

sociais, da igualdade de gênero e raça, da sustentabilidade ambiental, da participação política

dos direitos humanos.

Assim, de acordo com o PNUD, que discute isso em vários países, a performance

econômica dos mesmos não pode ser considerada como o único indicador do

desenvolvimento. O desenvolvimento não pode, assim, ser reduzido meramente à

performance econômica dos países e o PIB não pode ser tomado sozinho como a medida do

desenvolvimento. O órgão das Nações Unidas estabeleceu uma medida-resumo do

desenvolvimento humano, com a mesma “simplicidade” que se calcula o PIB, mas que inclui

as questões sociais. O Índice de Desenvolvimento Humano - IDH é utilizado não como uma

medida de felicidade ou de todos os aspectos do desenvolvimento humano, porque este

abrange muitos fatores, mas como uma forma de se ter um quadro mais compreensivo sobre o

desenvolvimento dos países. São abordados três fatores no seu cálculo: a longevidade, a

educação e a renda.

O IDH pode ser considerado como um grande avanço, um paradigma mais humano,

social e sustentável. Mas, entendemos que o desenvolvimento humano vai muito além desses

três indicadores, não estando atrelado a um modelo pré-determinado, como é o caso do

capitalismo. Ele enfoca fatores sociais, ambientais, psicológicos, culturais, econômicos. Como

diz nos versos de Raul Seixas, “cada um de nós é um universo”. Esse universo tem que ser

respeitado, seus valores, sua cultura, suas escolhas. Devem existir medidas que propiciem

uma igualdade no sentido de uma ordem social, uma plausibilidade. Isso sem prejudicar os

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109

direitos inerentes a cada ser humano de se desenvolver de acordo com o que considera

essencial para sua vida.

Falamos aqui sobre a questão da Eco-teologia, não enfocando uma ou outra religião

mas sim a Palavra de Deus encontrada na Bíblia Sagrada. Esse foi o ponto de partida para

refletirmos sobre a Sociedade, Desenvolvimento e Meio Ambiente.Vimos que segundo os

preceitos bíblicos tudo foi criado com perfeição pelas mãos do construtor: Deus. No livro de

Gênesis 1: 31 está descrito o sexto dia da criação: “E viu Deus tudo quanto tinha feito, e eis

que era muito bom...”

Alguns autores, como é o caso do citado Salatino, vincula a ação antrópica do

Homem à consideração de um Deus único, que segue a religião judaico cristã. Diferentemente

das tradições das épocas mais arcaicas como a mitologia, que atrelava deuses à fenômenos

naturais, aquela falaria de um Homem criado à imagem e semelhança de Deus e que teria por

direito dominar todos os demais seres. Ora, não cremos em tal interpretação que não leva em

conta a exegese bíblica, tirando do contexto apenas alguns trechos e escrevendo uma tese em

cima deles.

Analisando as entrelinhas dos textos, concluímos que Deus criou o Homem para ser

um guardião da natureza, para cuidar de todas as suas obras e tirar sua subsistência dos

recursos naturais. Isso é visto no trecho que fala sobre Adão e o Jardim do Éden: E tomou o

SENHOR Deus o homem, e o pôs no jardim do Éden para o lavrar e o guardar (Gênesis 2:15).

Segundo essas Escrituras, mais relatos existem de que o Homem foi feito para viver

em harmonia com a natureza, respeitando seus limites, do que seria ele um degradador desde

a sua concepção.

A ganância do Homem, a estipulação de um sistema que tem como centro o fator

econômico, a desenfreada competitividade, são fatores que decorrem do um

antropocentrismo. Habermas (1987) fala sobre uma racionalidade que é decorrente da

sociedade industrial. Ela é caracterizada pela instrumentalidade, pela relação meios-fins, pela

ciência como uma verdade absoluta e universalizada, pelos critérios técnicos de decisão

racional que levam a um estilo de vida insustentável. O “vírus” da dominação da natureza

pelo Homem foi implantado, buscando um meio para atingir o fim desse modelo de

desenvolvimento: o progresso tido somente como crescimento econômico.

Não considera este autor que a ciência e a técnica são em si um problema, mas o

modo como elas se aplicam na sociedade que é controverso. Elas podem ampliar as

possibilidades humanas, desde que aplicadas com um novo paradigma que atente para a

necessidade do Homem se libertar da escravidão material, buscando se realizar como um ser

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110

humano pleno. Para ele, as decisões da sociedade devem se basear em um agir comunicativo,

e não em uma racionalidade instrumental que desconsidera as necessidades sociais e uma

cidadania planetária. Com essa razão instrumental, o sujeito se torna condizente com tudo o

que lhe é apresentado como ideal, sem questionar se é justo ou não, se está de acordo com

seus valores e com suas expectativas. Como questiona Sen (2001), em Desigualdade

Reexaminada: igualdade de que? Para quem?

Ao falar sobre a racionalidade comunicativa, Habermas (1987) esclarece a

necessidade da interação social para a tomada de decisões e enfrentamento dos conflitos

sociais. A subjetividade não é construída de forma isolada, mas através de uma rede de

interações entre o sujeito e a sociedade. Essa interação é comunicativa, no sentido de que o

Homem através do diálogo pode coordenar suas ações, mobilizar, observar e inovar as normas

sociais, interagir, deixando aflorar suas vivências, suas experiências, seus sonhos. O agir

comunicativo visa que os sujeitos se organizem socialmente, dialoguem, buscando um

desenvolvimento com liberdade e não como uma imposição.

Moscovici (2003) fala que cada grupo social tem seu senso comum, e isso deve ser

levado em consideração também quando falamos da teoria de Habermas. Há “uma

necessidade contínua de re-construir o “senso comum” ou a forma de compreensão que cria o

substrato das imagens e sentidos, sem a qual nenhuma coletividade pode operar”

(MOSCOVICI, 2003, p. 48).

As teorias sobre subjetividade e identidade, tratadas por autores como Damergian e

Follmann também foram muito relevantes quando tratamos da experiência da COOPERVITA

LTDA, dentro do contexto do Desenvolvimento Humano Sustentável. As narrativas dos

entrevistados, suas histórias se vida, dão a noção do tipo de sujeito que estávamos

trabalhando. Demonstraram de forma clara a “ponte” existente entre o antes de depois da

participação na cooperativa. A palavra “sobreviver” demarcou essa mudança, antes apenas

sobreviviam. Sujeitos que apenas sobreviviam, de forma precária tiravam seu sustento da

agricultura, mantendo às vezes sim e às vezes não a sua subsistência através das atividades

agrícolas. Mas tendo uma série de oportunidades frustradas, como a possibilidade de

continuar seus estudos em alguns dos casos.

O modelo de desenvolvimento ocidental gerou na agricultura um processo de

exclusão social, as famílias dos entrevistados eram famílias humildes que plantavam para

comer. Frantz e Schönardie (2006) não se referem apenas à exclusão social como resultado da

falta de recursos, mas também com o rompimento de identidades e laços sociais de pertença.

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Com o advento da modernização, se tornou impossível acompanhar os avanços

tecnológicos e as exigências de mercado. Os insumos, as máquinas, a capacitação, custavam

muito caro para quem possuía poucas terras, pouca estrutura. A base dos seus trabalhos era a

agricultura familiar, sendo complementadas as suas rendas com outros serviços.

Vemos então delineado o perfil do “colono”, de descendência alemã ou italiana, que

explorou o Rio Grande do Sul, desbravou as matas, fez suas lavouras e casas, comunidades

inteiras, e no fim viveu uma grande crise. Estes, porém, criaram uma identidade de

resistência, enquanto muitos deixaram seu modo de viver e partiram para as cidades em busca

de emprego. Essa perseverança é marca da COOPERVITA LTDA, conhecida e respeitada na

região como a cooperativa que deu certo.

A identidade de resistência, segundo Castells (1999), é gerada por atores que se

encontram em situações desconfortáveis, que foram desvalorizados pela sociedade através de

um sistema de dominação, mas que por outro lado resolveram buscar novas alternativas. Essa

atitude contra o comodismo, foi o impulso inicial para a formação da cooperativa, segundo os

fundadores entrevistados Emanuel e João.

Também podemos falar aqui sobre a identidade de projeto, tratada por Follmman

(2001), que considera o ser humano como um ser de projetos. Esclarece o autor que na atual

sociedade muitas vezes estamos vivendo projetos alheios, não pertinentes com a nossa

realidade. Para colocarmos em prática nossos sonhos, temos que ter um projeto delimitado no

tempo e espaço, caso contrário os mesmos viram apenas uma utopia. As reais necessidades

para a formação da cooperativa, um sonho coletivo de pessoas que lutavam contra o êxodo

rural, foram colocadas em pauta e discutidas pelo grupo que aos poucos foi viabilizando e

buscando ajuda em órgãos estatais, como é o caso da EMATER/RS.

Ainda se destacou a relação com o lugar, meio onde vivem, onde a maioria cresceu e

“foram criados”. A COOPERVITA LTDA pode ser considerada como uma cooperativa

familiar, as famílias são em sua maioria oriundas da mesma comunidade, com grau de

parentesco e com uma prévia convivência. A cultura e o cuidado com o meio ambiente local

estão presentes no seu dia-a-dia, buscando melhoramentos para toda a comunidade, zelando

em manter seus costumes, participando dos eventos e promovendo o bem-estar social dos seus

associados.

Encontramos na cooperativa um espaço carregado com a dimensão simbólica. Para

Fischer (1994), todo espaço é um lugar onde se constroem socialmente significados que

condicionam a nossa vida e, ao mesmo tempo, são condicionados por ela. Esse significado é

parte da subjetividade, construída também pelo local onde o sujeito vive, trabalha, interage

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com as demais pessoas. Gonçalves (2007) explica que o agir do sujeito é orientado por signos

que contextualizam o meio no qual eles vivem e qual é a sua cultura. No âmbito da

cooperativa o viver é coletivo, a gestão do espaço é baseada na noção de solidariedade e co-

responsabilidade.

Os fatores da subjetividade descritos, reforçam a idéia de que os sujeitos

participantes da pesquisa são agentes de mudanças, mesmo tendo uma sociedade madrasta

como descreve Damergian (2001) foram em busca de um ideal, do seu ideal de vida. Apesar

da falta de apoio, das poucas condições, a união falou mais alto, e a partir da coletividade

sonhos pessoais foram realizados.

Essa identidade cooperativa é marcada por fatores que vão em contrariedade ao

sistema competitivo de mercado, e a favor do desenvolvimento humano. Os princípios

norteadores do cooperativismo trazem em essência valores importantes para romper o

paradigma desenvolvimentista dominante. A cooperação ao invés da competitividade, a

solidariedade ao invés da individualidade, a participação democrática ao invés do controle

centralizado, são direções que nos levam a um contexto mais justo e reforçam a formação de

sujeitos pró-ativos, agentes de transformação social.

A cooperativa estudada atenta não somente para a dimensão empresarial, mas

também para a esfera social. Toda a evolução conquistada não apaga o espírito do

pioneirismo, isso quer dizer que mesmo depois de ter vencido muitas etapas e atingido um

crescimento como empresa os associados fazem questão de manter a sua história viva. Isso é

passado por gerações, como é o caso de Silas que após ter concluído a faculdade voltou às

suas raízes e hoje aplica o seu conhecimento técnico em conjunto com o que lhe foi ensinado

pelos pais e avós.

Durante a sua constituição houve uma mudança na forma de produção referente tanto

à organização cooperativa quanto à questão ecológica. A preocupação com o meio ambiente

se fez presente no momento em que os riscos de uma agricultura baseada em produtos

químicos passaram a ser maiores do que seus benefícios. A preocupação com a saúde e a

natureza, com as futuras gerações, deu partida à agroecologia. Hoje, os produtos de origem

ecológica beneficiam seus associados e seus consumidores, contribuindo com a qualidade de

vida dos mesmos.

A reconstrução da agricultura passa tanto pela esfera ambiental quanto social, como

foi abordado neste trabalho. Assim, tanto a manutenção dos recursos naturais e o respeito às

leis da natureza quanto a viabilidade econômica e a satisfação das necessidades humanas são

elementos que devem ser observados.

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O desenvolvimento rural sustentável não se refere apenas à adoção de antigas

práticas camponesas. Refere-se sim, à adaptação da tecnologia a um sistema que leve em

consideração as leis naturais e uma produção com consciência planetária. Vivemos

atualmente em uma sociedade de risco, de forma que pequenos gestos isolados fazem a

diferença no todo. Concordamos com Morin (1999), quando fala que a agricultura deve levar

em consideração o principio da auto-organização, no sentido das relações e interações de

ordem biológica e sociológica humana.

Dessa forma, consideramos que dentro de um espaço cooperativo podem existir as

oportunidades que conduzem ao Desenvolvimento Humano Sustentável, desde que sejam

levados em consideração seus princípios constitutivos, seus valores e suas dimensões. Para

Rech (2000), as pessoas são a razão de ser do cooperativismo, as suas necessidades e

aspirações é que levam um empreendimento a avançar.

Sen (2000) diz que a vida boa é aquela onde se tem a oportunidade de fazer escolhas

genuínas. Assim, a liberdade humana é tanto um fim e quanto um meio do desenvolvimento.

O desenvolvimento tem de estar relacionado com a melhoria de vida que levamos e das

liberdades que desfrutamos.

A insuficiência de renda é muitas vezes a causa das privações de liberdade, mas não

atua isoladamente podendo ser somada a ela fatores como a falta de acesso à educação, aos

direitos civis e políticos, entre outros. Nesse sentido, os interesses empresariais são

importantes e necessários para a sobrevivência da cooperativa, mas vemos que a sua

dimensão empresarial é apenas um meio para chegar a fins mais grandiosos. Elas podem ser

vistas como um espaço de poder, o instrumento adequado contra a exclusão social, construção

da subjetividade, resguardo das identidades culturais, laços de pertença, dos valores, dos

costumes.

A cooperação somente como uma técnica operacional não atinge os objetivos do

Desenvolvimento Humano Sustentável, deve estar intrinsicamente ligado à sustentabilidade.

Essa entendida não na visão reducionista como a preservação dos recursos naturais ou

mitigação dos impactos antrópicos através da ciência e da técnica, mas na concepção do

ecodesenvolvimento de Sachs e da complexidade de Morin. A proposta da complexidade é a

abordagem transdisciplinar dos fenômenos, e a mudança de paradigma, abandonando o

reducionismo que tem pautado a investigação científica em todos os campos, e dando lugar à

criatividade e ao caos. A idéia do Desenvolvimento Humano Sustentável implica além de

preservar os recursos naturais, assegurar as condições políticas, sociais, econômicas,

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114

simbólicas, afetivas e culturais para que a futura geração tenha o mesmo direito de fazer as

suas escolhas.

Vimos então, em meio à experiência relatada da COOPERVITA LTDA, as

características do Desenvolvimento Humano Sustentável atingidas através do meio

cooperativo. Consideramos que ocorreu o desenvolvimento das pessoas, pela ampliação das

capacidades, oportunidades, criatividade e dos direitos de escolha dos indivíduos; por meio do

acesso a bens materiais e imateriais, dentre eles a renda, a educação, a capacitação, a gestão

democrática, o envolvimento com a sociedade, e de outras condições fundamentais para uma

vida digna.

Também o desenvolvimento foi promovido pelas próprias pessoas, pelos associados,

que participam ativamente nas decisões que dizem respeito às suas vidas e de forma mais

abrangente à sua comunidade e sociedade como um todo. É o que Sen (2000) chama de

empoderamento, no âmbito do cooperativismo os sujeitos são criadores do desenvolvimento

através do poder de participação e de decisão sobre suas prioridades, necessidades e

investimentos.

Identificamos ainda neste contexto, um desenvolvimento que é para as pessoas. No

cooperativismo, o capital existe para satisfazer as necessidades dos sócios, não simplesmente

para gerar lucro ou criar diferenças entre os associados. Todos são igualmente beneficiários

dos frutos, quando administrada com transparência e equidade. A riqueza de uma cooperativa

reflete o bem-estar dos seus sócios.

Não existe plena concordância ou alcance de um ideal, como vimos no caso

estudado. A experiência da COOPERVITA LTDA nos mostra uma atmosfera de superações

permanentes, pois o ambiente coletivo requer aperfeiçoamento principalmente das pessoas e

disposição para atuarem de forma solidária. Muitos planos e projetos, desde o início da sua

concepção, foram frustrados pela falta de experiência ou por dificuldades do próprio setor

agrícola da época. Nas entrevistas foram narradas várias tentativas, diversos cultivos e

parcerias, até se chegar no sucesso.

Dessa forma, como foi proposto nos objetivos do trabalho, vimos que algumas

limitações são encontradas ainda hoje: financeira para expandir os projetos; de pensamentos

para colocar em prática os objetivos e outros fatores que são considerados normais neste

meio. Julgamos que o mais importante é haver a união e a discussão sobre toda medida

tomada pelo grupo, devendo favorecer a expansão das liberdades de cada um.

Concluímos este trabalho com uma fruição poética, dotada de memórias e

simbolismo carregado de emoção, unindo a teoria aqui compreendida com o afetivo que foi

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115

empregado nesta jornada. Eis que algo se tornou marcante e corriqueiro durante as entrevistas,

o convívio com os associados e as visitações feitas à cooperativa. Esse se tornou um símbolo

do calor humano, da cultura, do sujeito que abordamos: um ser que interage, que se comunica,

que transmite seus valores, suas aspirações e permite-se compartilhar com os demais.

A princípio o chimarrão pode ser apenas mais um gesto da cultura gaúcha, mas

nestes devaneios tornou-se uma analogia ao cooperativismo e ao seu aspecto humano, ao

desenvolvimento humano citado por tantos renomados autores. Bebida genuinamente nativa,

remete à mais pura tradição, à herança cultural transmitida de geração a geração. Mateando

somos todos iguais, homens e mulheres, velhos ou jovens, todos tem a sua vez de saboreá-lo.

Um simples mate é uma grande demonstração de valores. É a solidariedade de passar de mão

em mão. É a preocupação com o outro em saber se a água está quente, ou se a erva está boa. É

o respeito para saber a hora de falar e a hora de escutar, enquanto um toma o outro fala. É o

companheirismo, é a sensibilidade, é a justiça de um por um. É a atitude ética de

compartilhar, de capacitar o pequeno para que um dia possa cevar o próprio mate.

Esperamos que o conteúdo desse trabalho venha a contribuir com as Ciências

Ambientais, no sentido de fomentar um debate transdisciplinar sobre o Desenvolvimento

Humano Sustentável. Cremos que o mesmo será de utilidade para embasar políticas públicas e

pesquisas referentes a aspectos mais abrangentes do desenvolvimento, assim como reforçar o

enfoque humano no cooperativismo.

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123

APÊNDICE

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APENDICE A - Modelo de Autorização para utilização da entrevista narrativa

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125

APENDICE B - Entrevista Narrativa de Emanuel - História de Vida

Tapejara, 01 de junho de 2008.

ENTREVISTA

Ficha Técnica

Entrevistado: Moacir Remidio Gaiardo (Emanuel)

Entrevistadora: Caroline Benvenuti

Local da Gravação: Cooperativa de Produção Agropecuária Terra e Vida- Comunidade de

Vila Campos, Tapejara-RS.

Equipamento: Gravador digital.

Transcrição e digitação: Caroline Benvenuti

HISTÓRIA DE VIDA

Nome: Moacir Remidio Gaiardo

Nascimento: 31/05/1937, na cidade de Farroupilha/RS.

Idade: 71 anos

Estado civil: casado

Profissão (função na cooperativa): aposentado. Hoje, ajuda nas funções e no atendimento ao

público, especialmente dos estudantes que visitam a cooperativa,

Tempo de cooperativado: um dos fundadores.

Família: esposa e oito filhos.

Entrevistadora: Estou aqui pedindo a sua colaboração, esta entrevista é muito importante

para mim e vai fazer parte de uma pesquisa acadêmica. Então peço que o Sr. Fale sobre sua

historia de vida, desde a sua infância, como se desenvolveu, sobre sua família e como viviam,

o trabalho, e como vivem nos dias atuais. Essa entrevista vai ser gravada com a sua

autorização. Depois, vai ser transcrita e lida para que autorizes a sua utilização.

Entrevistado: Eu nasci em Farroupilha, né, onde meus pais ainda moravam junto com os

meus avós. E, que eles também eram família grande, né, com dificuldades também. Até o meu

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126

pai arrumá emprego então, fora né. Então, arrumô emprego numa outra propriedade, até no

município de Caxias do Sul. Mas não era muito longe dali onde moravam os meus avós.

Então, o meu pai foi morar lá eu tinha em torno de dois anos de idade. E daí o pai trabalhava

numa propriedade que eles tinha sete hec de parreiras, e tinha mais outras atividades, mas era

... mas a maior renda enfim naquela propriedade era os parrerais e a cantina, né, que fabricava

vinho. E, então ali a gente morô por sete anos. Eu sai de lá com nove anos de idade, daí me

lembro bem, né, que lá foi onde comecei ir pra aula, né, primeira escolazinha, me lembro bem

onde é o lugar, e tudo lá. E daí a gente saiu de lá, porque o pai daí recebeu uma proposta

melhor, né, num outro, numa outra propriedade, também agricultura. Mas daí uma...era dum

italiano, né, que veio da Itália, e ele, como ele era agrônomo mas ele tinha também uma

empreiteira, alguma...uma construtora, na cidade de Caxias do Sul. E ele daí comprou essa

propriedade no interior, e ele implantou lá uma agricultura bem diversificada. Ele tinha vacas

de leite, tinha um pomar, um pomar que era uma maravilha. E usava já uma tecnologia bem

mais avançada que aqui a gente nunca tinha visto, né. Ele veio de lá com uma formação já

mais avançada, né, na Itália. E aqui nós estávamos muito atrasados ainda, né. Então, ele tinha

uma propriedade modelo lá. E o pai então trabalhô dois anos lá. E daí a gente recebeu uma

proposta de arrendar terras aqui em Tapejara, né. Diziam que aqui era um lugar que tinha

futuro, né, que era um lugar ainda bastante novo, né. Que ainda muito mato, ainda tinha

pinhais, naquela época tavam derrubando os pinheiros, muitas serraria, né, aqui ao redor. E a

gente veio, porque tinha parentes que já moravam aqui. E a gente veio! Então arrendamos

uma área de terra ali (apontando para uma área próxima), da família Sitta. É, e daí a gente

pagava 25% sobre o que a gente produzia nessa área, então. Então, trabalhamos em terra

arrendada 5 anos, então. Até daí o meu pai, daí pensou, né, de fazer um esforço e comprar

um pedacinho de terra, né. Que era o sonho dele naquela época, de poder comprar um pedaço

de terra. E foi, veio muitos lugares ali pra comprar. E tinha até terras mais barato de que aqui

na... mas aí depois acabou comprando aqui na... pertinho da vila aqui, né. Naquela época até

tavam construindo uma escola, que era ...no interior era uma novidade uma escola maior,né. E

daí o pai dizia: não, mas vamos morar,vou comprar ali, porque ali fica fácil para as crianças ir

pra aula, e um lugar assim mais perto pra ir pra cidade também, né. Enfim, comprou aqui.

Fizemos divida daí, né. Comprou essa área de terra, 27 hec de terra. E a gente trabalhava

muito, naquela época era trabalhado mesmo. Eu me lembro, eu era piazote, né, ia pra roça co

falecido pai. E a gente levantava, vamos supor na época de cortar trigo, cortava tudo à mão,

né, com uma foicinha, cortá o trigo, depois passá amarrá em feixes, e amontoá, cobrir, pra

depois esperá sabe lá quando, as vezes até demorava até um mês ou mais, pra vim uma

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trilhadeira pra maiá o trigo, né. Era coisa que hoje, né, tu conta pra essa juventude e pras

crianças, eles nem fazem idéia do que fosse, né, aquilo, né. É coisa...Nem se compara com a

facilidade que tem hoje, né, com tudo a tecnologia que tem. Mas naquela época era um

sacrifício muito grande. Então se levantava ainda no clareá o dia, nós saíamos eu e o falecido

pai, que eu era o mais velho, né, a gente ia pra roça sem tomá café. E depois daí o meu irmão,

o segundo, né, que era o mais novo que eu, ficava com a falecida mãe e os mais pequenos, né,

em casa, tirá leite, tratá os bichinhos, e daí o meu irmão levava o café na roça. E a gente ia na

roça, né, e assim tomava o café lá na roça pra render mais o serviço, né. E era assim. Na época

de capinar pra limpar o milho também, se ia bem cedo pra roça, bem cedinho, né. Outro

sacrifício muito grande quando se plantava o trigo, então. Era plantado com boi, né. A gente

lavrava as terra com boi. Nós tinha uma junta de boi e um par de mulas, né. É, duas mulas.

Então, com dois arrados, pra lavrá as terra. Então, se plantava o trigo, ia de manhã um dia que

nem (se referindo ao tempo frio) ... então o trigo é plantado no inverno, no mês de junho por

aí, né, se plantava o trigo. E então ia pra roça, não se tinha bota que nem hoje se usa bota e se

agasalha. Naquela época saia de tamanca. As vezes com geada. Então começava a grudá o

gelo embaixo e a terra né...faz um saldo alto. E daí pinxava as tamanca. Chegava na roça lá, e

começava a lavrar de pé no chão no meio do gelo. Pense, né...mas era. E a gente acostumava e

nem dava bola pra isso. Hoje, Deus o livre ! Tem que ser tudo né...cheio de...nossa!

Pausa para dar passagem a um grupo de estudantes que visitava a Cooperativa, da

Universidade Aberta do Brasil, curso de Agricultura Familiar.

Entrevistadora: E daí o Sr foi crescendo...

Entrevistado: E fomo crescendo. Daí, a gente conseguiu, né, pagar aquela terra. E daí eu fui

pro quartel depois, né. Eu tinha dezenove anos. Fui pro quartel. Fiquei quaje um ano no

quartel. Voltei. E daí pouco tempo depois, daí, me achei com minha esposa, né. Comecô a

namorar. Que ela morava aqui também pertinho. E casamos em 1960, que nós casamos. Eu

voltei do quartel em 58, 1958. E daí casamos. Daí a gente conseguiu comprar, daí, um

alqueire de terra, do lado ali, pertinho, né, onde a gente morava. Onde mora agora meu irmão,

minha filha mora ali, né, e bem encostadinho. E daí tinha uma casa velha lá, daí fomos morar

naquela casa. E daí os meus irmãos, daí, o mais velho é solteirão até hoje, né, e sempre

morou junto com os pais, até que os pais tavam vivos, né. E os outros foram saindo, né. As

minhas irmãs casaram. Os meus irmãos...um...dois ficaram padre. E outro, daí o mais novo,

mora aqui na cidade agora, né. E a gente foi se virando desse jeito. Daí então a minha família,

então, né,nós também tivemos...como naquela época não tinha educação que tem hoje,

né...educar os casais de planejar os filhos, né. Não tinha nada disso. Então, as famílias eram

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grandes assim. Achavam que era natural e... né. Não se pensava assim, né, de que se podia se

tornar difícil depois pra educá, pra dar um nível de vida melhor né, se tivesse poucos filhos.

Não se pensava nada disso naquela época, né. Então a gente passô também por dificuldades,

né. E daí eu comecei ...e daí, como se tinha pouca terra, né, trabalhar fora né: contruí.

Comecei construindo algumas casas, depois contruí igrejas. Construí varias igrejas, 15. 15

igrejas. Construí não sei a quantia de casas, salões. E até que a rapaziada daí começarô sai,

se virar né, e começarô casar. Daí eu parei com as construções. E daí comecei cuidá mais na

minha propriedade, né. E ficar mais por casa. E nesse meio tempo né, é bom que se ressalte

que depois que eu casei eu comecei participá, mais assim na...entrei já numa diretoria como

tesoureiro no Esporte Clube Juventude, que ta até hoje aqui na comunidade. Esporte Clube

Juventude, né! Eu fui convidado pra ser tesoureiro, como eu era sócio já, né. E depois que eu

casei, eu acho que um ano depois que eu casei, e daí já comecei assim me envolver bastante,

né, nessa diretoria. E daí depois foi difícil sair. Quando não era tesoureiro, era secretário, e eu

era presidente, e eu era não sei o que, né! (risos). E depois daí quando não era do Juventude,

era da comunidade, né! Na comunidade também fui por três vezes presidente, da comunidade.

E nas três vezes, né, me colocaram em situações difíceis, né. Quando a comunidade tava em

crise né, com alguma... algum conflito, alguma coisa, me colocavam pra...eu era considerado

como um conciliador, um cara, né, que tinha jogo de cintura pra...pra dar a volta por cima, né.

Então, isso ali né...eu acho que foi assim uma coisa que pra mim, né... me deixa assim até

como uma coisa gratificante. A gente fez muito sacrifício né, mas não me arrependo, né. A

gente se sente bem né, quando faz alguma coisa pros outros também. Eu sou assim pelo

menos. Então, até hoje né, eu faço parte ali do conselho comunitário, já desde que foi

fundado. E nunca... sempre sou convidado a participar das reuniões dos conselhos né, e a

colaborar com idéias assim, querem saber minha opinião. Fiz parte de diretoria de sindicato,

até participei da Central Única dos Trabalhadores, eu era dirigente sindical aqui do Sindicato

dos Trabalhadores Rurais, né. Daí comecei participar na central única dos trabalhadores

Planalto né, aqui de Passo Fundo. E daí eu não me lembro mais em que ano, né, que eu fiz

parte até da direção da regional Planalto dos trabalhadores. Daí participei em vários

congressos estaduais, até nacionais no Rio de Janeiro, participei, foi isso em 86. Então faz

parte um pouco da história da vida e do meu passado. E daí aqui, por volta ali...quando,

depois da...a agricultura, então...como a gente...como nosso meio de subsistência é a

agricultura né, aqui ...então ali desde... depois da ditadura, com o Governo Sarney, uns par de

planos econômicos fracassados né, depois Collor de Melo, enfim né, mais planos econômicos.

E sempre uns planos que levaram a agricultura pra uma situação cada vez pior, né. Então, a

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maioria dos agricultores endividados, né. E então, o pequeno agricultor então, pra não ficar

inadimplente nos bancos ou no comércio acabava vendendo terras né, e indo morar pra

cidade. E a gente vendo essa situação, começamos ,né,pensar...uma forma de ... tá na hora da

gente pensá alguma coisa que se possa assim dar a volta por cima sem precisá de buscar

emprego na cidade. Então, ali naquela época um filho meu mais velho, entrou no movimento

Sem Terra, né. Foi um dos que entraram na Fazenda Anoni, quando ocuparam a Fazenda

Anoni, em 85. Ele foi assentado em 87 já, na Fazenda Anoni, né!. Ficaram dois anos lá

provisoriamente embaixo de baracas. E, em 87 ele foi contemplado por sorteio na primeira

turma,né, de 32 famílias que foram assentadas dentro da Fazenda Anoni. Má um canto da

Fazenda Anoni, ali uma área, que era ...que os Anoni tinham arrendado prum holandês, aquela

área que ele plantava. Então o INCRA né, destinou as primeiras 32 familias né...então, já

foram assentadas. E o meu filho por sorte né, entrou nesse primeiro grupo. Tinha 2000 e não

sei quantas famílias, né. E ele teve sorte de ser sorteado na primeira turma. E então ali, e ele ta

até hoje lá. Então ali, a partir dali , ele traballhava junto comigo antes nas construções, né.

Então ele saiu. Dois anos depois saiu o outro também,né. E um já tava...o segundo já tava no

seminário, estudando em Passo Fundo. Então já começou a diminuir a família, né. E depois

tinha as duas filhas, né. E daí eu parei de...com as construções e me dediquei mais aí. E então

nessa época que foi que...com esses planos econômicos que eu dizia né, a gente pensou em

fazê alguma coisa pra ver se a gente podia resistir na terra, sem precisar ir pra cidade. Então a

gente sentô com algumas famílias num primeiro momento mais com Mario Canali e o

Osvaldo, irmão dele, o Sbardeloto ali...o Albino e os filho dele. E depois a gente foi juntando

mais otros vizinhos ali né , e discuti formas de o que que vamô fazê. A gente então, num

primeiro momento a gente pensô então de implantá uma lavora de alho, que tinha uma

proposta ali de plantá alho. Então a gente topô a parada, né. Plantamos dois hec de alho, e

compramos um equipamento de irrigação. E daí a gente plantô um hec de arroz, outros de

feijão, né. Esse seria pra...no sentido de garantí feijão, arroz ,né, alimentos pras famílias, né. E

então, com a irrigação a gente pensô que seria numa eventualidade de seca, né, tu garante que

produza ...e como produziu bem também. E daí, a gente começô. Daí como ninguém tinha

dinheiro pra colocá. Então, as famílias colocavam serviço, mã-de-obra daí, né. Sem ser

remunerado, daí pra capitalizar, né, através da mão-de-obra. Então era uma experiência nova.

Foi uma coisa que foi discutida com o grupo, né! Daí, então em 91, naquele mesmo ano, foi já

em agosto a gente numa reunião daí pra ... que nós pegamos daí uma assessoria, né, da

Emater, Secretaria Municipal da Agricultura e outras pessoas que eu não lembro no momento,

né. A gente buscou subsídios pra gente formalizá um estatuto, legalizá a nossa associação.

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Daí o dia 27 de agosto de 91, numa reunião, numa família, na casa do Osvaldo Canali, até eu

lembro bem que foi, a gente então discutiu item por item a proposta de estatutos né... que a

gente mais ou menos fez varias reuniões, né, pra também mais ou menos fechá, né, um

modelo. E...mas ali foi onde a gente aprovô os estatutos e oficializô né, encaminhô pra

registro, né. Então foi denominado Associação dos Agricultores do Condomínio São

Domingos. É ... e não era COOPERVITA naquela época. Então era uma associação de

agricultores com treze famílias de associadas. E ali então, com essas atividades que a gente

tinha iniciado, a gente foi trabalhando. Então em...até...a gente em 93 já... a não, em 92 daí

construímos o aviário, que tá até hoje lá. Então, construímos o aviário e plantamos um pedaço

de alfafa pra ... então...recebemos umas proposta de um pessoal que vinham procurá aqui na

região procurar alfafa pra tratá cavalo. E vamô espremetá, vê se pode dá dinheiro. Vamô

tenta. Plantamô então uma areazinha de um hec de alfafa, mas não dava muito. Daí eu acho

que cultivamos essa alfafa em torno de um ano e meio por aí, depois desistimô da alfafa. E

naquela época lá implantamos um pomar de pêssego. Outro de figo também, que era pra

vender pra COOTRIGO, né. Que eles tinham uma proposta né, que eles comprariam a

produção. Só que o figo daí, quando começou a produzir, daí veio uma proposta dumas

empresas de Pelotas que pagavam bem mais do que a COOTRIGO. Daí vendemos duas safras

né, pra empresas de Pelotas que pegavam o figo aqui. E o pêssego, o primeiro ano que

produziu, ele...a produção foi pequena, né. Que pro primeiro ano não se pode esperar muito.

No segundo ano deu uma supersafra, mas não só o nosso né, mas quem tinha pêssego

plantado. Então a COOTRIGO daí só recebia o... tinha que ser muito bem classificado, só os

melhores mesmo. E ainda o precinho, não pagava nem a mão-de-obra. E então a gente perdeu

muito pêssego, Deus ô livre! Quanto pêssego que foi fora! É, daí o nosso pessoal começô

pensá...Ha, naquela época foi que daí ...nós pegamos daí um financiamento via FIAPERGS,

que era do Governo do Estado, pra construir o matrizeiro daí. Instalamos aqui os suínos, daí

com o matrizeiro com 170 matrizes. Daí integrados, daí, com a Chapecó, que era uma

empresa de Santa Catarina. É, um frigorífico de Santa Catarina. Tá, mais uma cabeçada ali

também! Então, o primeiro ano começo a produzí os leitões né, que era pra entrega para

Chapecó . Que era representante aqui em Tapejara , os Scariot, esses que tem materiais de

construção e o posto ali. É... que eles eram representantes. Então o frigorífico Chapecó faliu,

né. O preço do porco lá embaixo, e a empresa faliu. Nossa Senhora, foi um talaço! E mas daí

entramos com... integramos com a Perdigão, daí né, fechamos contrato com a Perdigão, e

tamô tocando até hoje...ampliamos, hoje a gente tá com em torno de 300 matrizes, né. E, a

gente ta lutando! Daí como dizia né, do ... voltando atrás, das frutas...então no segundo ano

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foi aquele fracasso com uma produção grande, a gente perdeu bastante, eu acho que 2/3 da

produção foi fora e a gente penso: vamô começá a pensá em industrializá a produção, vamô

pensá em nós agregá valor, sem vendê pros outros. E ali...outra coisa, que foi assim um

momento que a gente desperto também pruma outra forma de produzir né, livre de muito

veneno. A gente se deu conta, né, que o pêssego que era produzido pra COOTRIGO, eles

davam assistência técnica né, então mandavam aplicar veneno...mas aquilo era...é loucura, de

veneno! Até poucos dias antes de colher o pêssego, durante a produção né, colhia uma parte ...

não mais esse pêssego pode ir mais uns dias, então apliquem veneno que pode dar bicho no

pessego. Pensa bem! Dois, três dias depois de passado aquele veneno! Como é que chama o ...

tala vermelha, acho que é... é o mais tóxico. É, e mandavam aplicar! E até nos alertemô nosso

pessoal, vamô colhê mas não vamô comê. Pra nós comê, vamô comê aqueles pêssego comum

que a gente tem lá em casa. E vamô dexá esses bonito que levem, né! Então a gente desperto

né...nossa ...daí fomo atrás né, com a EMATER, vê a possibilidade de produzí diferente, né.

Sem muito agrotóxicos. E foi aonde a gente começô pensá, daí, de instalar uma agroindústria,

né, e produzir produtos mais livres de porcaria, né. E assim a gente foi avançando, né. E daí,

em ... a agroindústria ficou pronta daí em... no ano 2000.. no ano 2000. Ha, daí antes, daí, em

98 foi aonde foi fundada a COOPERVITA,em 98. Que daí nós pegamos mais cinco famílias

de sócios né, ampliamos os sócios, já tinha entrado algumas famílias antes, mas daí foi pego

mais cinco famílias. E daí foi fundada a cooperativa. Daí nós já tinha ... nessa época uma

coisa que eu não lembrei , que é bom ressaltá, já no...em 92 se não me engano, em 93, surgiu

uma oportunidade nós colocá...porque eu dizia pro nosso pessoal: olha, nós vamô precisá ...

porque ninguém tinha estudo, né, e nós queremô avançá, né... nós temo que prepará pessoas

pra podê tocá, né, administrar depois. E daí, como assim uma ... a minha família

principalmente né, tinha uma relação com o pessoal dos assentados da Reforma Agrária né, e

os assentados implantaram uma escola técnica em Braga, naquela época era Município de

Braga, que era um antigo seminário que tava fechado lá. E então, pegaram aquele e

transformaram numa escola técnica. E eu consegui então, com essa relação que a gente tinha

né, que a finalidade da escola era pra formá filhos de assentados, né, a nível do pais, né. Eles

pegavam dos diversos Estados, onde tinha assentamentos. E daí eu fui atrás e consegui

encaixá uma vaga né, com essa relação que nós tinha com eles, né. E conhecia até professores

né, que tavam trabalhando pra implantação dessa escola. E como o Nego tinha só...tinha só

também o primeiro grau, né ...e daí conseguí uma vaga pro Nego se formá nessa Escola

Técnica em Cooperativismo. Então ele começô, estudô um ano lá em Braga, depois essa

escola foi transferida pra Veranópolis,né,a mesma escola foi transferida pra Veranópolis...e

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era lá. Então ele estudô lá, se formô, e...mas ele durante o estudo, ele já começô assessorá o

nosso grupo né, que ele foi conhecendo melhor como é que devia funcionar certas coisas e já

ajudou muito a gente, também a podê se organizar melhor, né. E daí o Nego, ele terminô o

curso dele que é um curso de nível médio, não é faculdade...superior! É de nível médio! Mas

é uma formação...quem sai formado em cooperativismo de lá, sai afiado! Só que o cara não

quera, mas... E então, ele terminô o estudo, ainda quiseram que ele ficasse lá,né, mais um ano

ele fico lá como diretor pedagógico da escola. Trabalhô mais um ano lá. Depois voltô aqui,

daí né, daí foi tocando! E ele tá até hoje administrando daí a cooperativa. Isso ajudô muito

nós, se não tivesse isso aí, eu acho que dificilmente a gente tinha resistido,né, porque exige

muito alguém que saiba né...administrar e levá as coisa porque não é fácil. Aonde ...uma

empresa privada né, o cara é dono da empresa ... ele faz do jeito que qué e o resto são

empregados, né. Então o empregado é ... trabalha e né... não precisa saber o que acontece né...

lá dentro né. E aqui é diferente, né! Os sócio, eles são dono. Se trabalha, mas são dono

também. Então tem que tê uma capacidade de conciliar conflitos,né, nem todos pensam igual,

né. Então é mais difícil, né! Então tem que ter muito jogo de cintura pra ir, quando se toma

uma decisão bem discutida, até amadurecer bem as idéias né, com o pessoal: vamô topá?

Vamô! Então se vai né!Senão,vamô esperá mais um poco. Vamô pensa bem pra alguém

depois não saí descontente ou frustrado. Enfim né, não é fácil! Mas enfim...tamo aí até hoje!

Daí depois de todo esse tempo, com a agroindústria, daí nosso produto teve sucesso, Graças a

Deus, né! Boa aceitação no mercado! E depois agora, com um impurrão do agrônomo da

Emater ali, a gente entrou com uma outra atividade que é o frango caipira, né! E daí também,

parece que tá se firmando também, né! Então a gente....a horta também, aumentando cada vez

mais a produção pra fornece pra agroindústria e também pra abastece os mercados, né!

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APENDICE C - Diário de Pesquisa sobre a entrevista de Emanuel

Tapejara, 1 de junho de 2008

DIÁRIO DE PESQUISA

ENTREVISTA: SEU MOACIR (Emanuel)

Fui até a casa de Seu Moacir, no intuito de encontrá-lo lá para fazer a entrevista. No

entanto, fui informada por sua esposa que o mesmo me aguardava na sede da cooperativa, que

fica não muito longe dali. Chegando lá encontrei-o ansioso e ao mesmo tempo muito

receptivo, a ansiedade era porque havia também um grupo de estudantes visitando as

instalações, e presumo que ele gostaria de atender a todos. Muito bem apanhado e sorridente.

Então, após lhe explicar o trabalho, decidimos fazer a entrevista andando pelas

instalações da cooperativa. Logo começou a falar empolgado sobre a sua infância, dizendo

que a pouco tempo havia visitado “aquelas terras” , nas quais se criou. No meio de todo

alvoroço daqueles estudantes passando por nós, percebi que o gravador havia parado no

segundo minuto de entrevista. Isso para uma pesquisadora de primeira viagem pode ser uma

tragédia. Mas tudo conspirava a favor de que nos saíssemos bem: eu, depois do susto; o Seu

Moacir, que quis continuar colaborando; e o gravador, que resolveu funcionar.

Percebi então sua determinação, pois mesmo que estivesse cansado ele ia cumprir

sua tarefa, contar sua história de vida. E lá começamos nós novamente. Com o mesmo

empenho, e detalhismo ainda maior do que nos relatos anteriores.

Apesar de tudo o que ocorria a nossa volta, ele tentava não se desconcentrar, pra não

esquecer nenhum fato importante. E quando isso acontecia, logo voltava atrás.

O que mais chamou a minha atenção foi o fato dele sorrir sempre que abordava

alguma tentativa fracassada, alguma dificuldade enfrentada durante a formação da

cooperativa. Rir dos próprios erros. E persistir. Talvez seja essa sua filosofia de vida.Falou

com orgulho sobre o casamento, sobre as construções das igrejas e sua participação na

comunidade. Até achando graça quando se referiu a ser um tipo de aconselhador.

Apesar da idade avançada e de ter sofrido um grave acidente, que o levou a ficar

internado por um mês, sua recuperação ocorreu de forma gradual. Hoje se diz, “quase”

recuperado. Após saber deste fato, me surpreendi com sua capacidade de organizar as idéias,

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134

lembrar das datas e fatos de sua vida e da comunidade. A respeito, conta indignado que ao

fazer uma consulta de rotina relatou ao médico que sentia ainda um pouco de dificuldade pra

realizar certas tarefas, e que o profissional perguntou se ele queria se aposentar. Como se

estivesse falando aquilo somente com essa finalidade. E ele se espantou, afirmando que queria

ficar bom. Isso o deixou triste, considerou descaso com sua situação. E disse que as pessoas

têm que fazer o que gostam, e não trabalhar por dinheiro.

Hoje, ele afirma que não precisaria mais trabalhar, pois recebe aposentadoria. Mas

que a cooperativa é sua vida, e é diferente de todas as outras que tem por aí. Então ele faz

questão de ajudar como pode, especialmente recebendo os visitantes. Gosta muito de falar

com os estudantes, afirma que eles lêem nos livros, mas que ver de perto como as coisas

funcionam é muito melhor.

Ainda se preocupa com os filhos, que trabalham demais. Diz que pretendem

melhorar o atendimento e organizar melhor a empresa.

Assim terminou a entrevista. Levamos seu Moacir para casa. Esta por sinal, apesar

do frio, estava com as portas e janelas abertas. É assim que vivem e recebem as pessoas. De

portas e corações abertos.

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APENDICE D- Entrevista Narrativa de Pedro- História de Vida

Tapejara , 06 de junho de 2008.

ENTREVISTA

Ficha Técnica

Entrevistado: Adelmir Gaiardo (Pedro)

Entrevistadora: Caroline Benvenuti

Local da Gravação: Cooperativa de Produção Agropecuária Terra e Vida- Comunidade de

Vila Campos, Tapejara-RS.

Equipamento: Gravador digital.

Transcrição e digitação: Caroline Benvenuti

HISTÓRIA DE VIDA

Nome: Adelmir Gaiardo

Nascimento: 17 de dezembro de 1974- Vila Campos- Tapejara-RS

Idade: 34 anos

Estado civil: casado

Profissão (função na cooperativa):técnico em cooperativismo, atua na administração.

Tempo de cooperativado: desde o inicio.

Família: esposa e três filhas.

Entrevistadora: Então, como já tinha comentado, esta entrevista vai fazer parte de uma

pesquisa acadêmica, do curso de mestrado. Por isso peço que você comente sobre sua história

de vida, desde a sua infância, sobre sua família , como viviam e como vivem nos dias atuais.

Pode ficar bem tranqüilo e falar o que vier a sua memória. Depois, essa entrevista vai ser

transcrita e lida para que autorizes a sua utilização nos trabalhos.

Entrevistado: Bem, assim, eu acho que vou falar um pouco do que a gente lembra, desde

criança e como é que a gente se criou, né. Eu acho assim, que a gente já vem de uma família

que já tem um certo costume, uma certa tradição,né. Tem os pais que são de origem italiana,

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136

os dois, os dois eram aqui da comunidade. O pai veio de fora, mas já morava aqui na

comunidade quando eles se casaram, né, o pai e a mãe. E, vamos dizer assim, eles já tinham

os seus costumes aqui, a sua tradição, né.. E eu acho que assim, a gente se criou nesse meio

onde que eles viviam, né. Então, nesse meio onde eles viviam e também com as

características que eles tinham, né, e que preservaram, né. Eu acho assim, que o que a gente

poderia dizer é que a nossa vida foi, praticamente de infância assim, foi uma vida simples, né.

Que a gente tinha, o pai no começo lá, o pai e a mão tinham uma casinha de madeira, né, bem

simples. Nós era uma família grande, então nós tinha, nós era em oito irmãos, e eu fui o

ultimo né. Então assim, a gente viveu assim, uma infância assim onde que era bem simples,

né. Nada de...Estudei até a quarta série e depois da quarta série, daí eu tinha muito, uma coisa

assim comigo que eu dizia assim: ah, eu não vou ir pra cidade pra estudar. Porque não era

aquilo que eu queria, e tal né. E daí tive que aguardar. Aguardei um tempo, fiz a quinta série.

Não, aguardei um ano, daí veio a quinta série aqui na Vila Campos. Depois, fiquei mais três

anos sem estudar. Daí que surgiu a sexta, a sétima, e daí veio, fui fazer a oitava em Tapejara.

Então, o último ano foi em Tapejara. Daí já tinha transporte, tudo direitinho pros alunos, tal.

Coisa que no começo, nos primeiros anos eu lembro que o meu irmão mais velho tinha que

morar em Tapejara pra ele poder fazer, concluir o primeiro grau. Então, já mais ou menos

assim. Então, tinha que ir lá morar pra fazer o segundo grau, daí depois fica bem mais difícil,

né. E até pro pai e pra mãe também na época era ruim e tal. E eu peguei então toda uma fase,

também de infância, onde que os meus irmãos mais velhos começaram a fase de ir casando e

saindo, e a gente ia vendo e assistindo aquilo e tentando entender, né, como é que se dava

essas relações, né. Enfim, alguns conflitos também tinha, né. E assim, né... Mas eu acho que

assim, em geral a nossa família assim, uma família...eu considero desde o começo assim, uma

família bastante unida, todo mundo defendia né. A gente sabia de defender, né. E os irmãos

se ajudavam também. Sempre o caçula, às vezes, paga o pato né...um pouco! Mais ou menos

nessa lógica. Do ponto de vista de valores, eu acho que o pai e a mãe sempre ensinaram um

monte de coisa bonita, bacana pra gente ,né. Eles eram muito rigoroso com a gente, do ponto

de vista de a gente aprender a trabalhar, a fazer as coisas. Então desde pequeno a gente

começo a ir pra roça, a fazer tudo que pudesse, a tirar leite junto com a mãe sempre, né, tirar

leite. O meu pai trabalho dezoito anos de pedreiro, pra fora, pra ajudAR a complementar a

renda da família porque não, só da rocinha que plantava ali era muito pouco, né, e não se dava

conta de manter a família. Então ele trabalhava fora, né. Então ficava praticamente toda

semana fora, e vinha só sábado e domingo pra casa. E foi assim que, mais nessa época de

criança, acho que até uns quinze anos quase, né. Então, até uns quinze anos que o pai tava

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trabalhando fora. E, então a gente era muito apegado à mãe porque a mãe ficava lá com nós.

Só que também ela também surrava, xingava, ela também cobrava de nós porque a gente fazia

as coisas, ajudava ela, né, no que pudesse fazer. Quando completei dezoito anos é que daí

surgiu a oportunidade, e a gente já tinha começado aqui a discussão da organização do grupo,

que daí surgiu a oportunidade da gente estudar fora. Na verdade eu tinha dito assim, pra mim

mesmo: eu, se é pra fazer o segundo grau em Tapejara, eu fico em casa, não vou perder tempo

e toco as minhas coisas aí, do jeito que eu sei e pronto. Só que daí surgiu, bem certinho

quando terminei o, conclui o primeiro grau, que é a oitava série, né, e ele surgiu a

oportunidade de estudar na FUNEP, que na época funcionava em Braga. Daí quando eu fui

estudar, dai em junho de 93 é que eu fui estudar lá. Era um curso de três anos de duração

também, era assim: uma etapa de escola, uma etapa de tempo de comunidade, ia intercalando.

E a gente conseguiu daí, nesse período de estudo, daí eu acho que a gente, que mudou muito,

né, a minha vida. Porque daí assim: primeiro porque era uma escola totalmente...era aquilo

que a gente sonhava, sabe, era aquilo que a gente sonhava. Então, curso técnico em

cooperativismo, ta, nível médio, beleza! Eu acho que era isso que a gente sonhava. E mudou

muito porque, uma que daí a gente tem uma base de conhecimento que tu não tem em outras

escolas, esse é o primeiro fator. O segundo é que a gente passou a conhecer um monte de

experiências...em tudo que é...então, nós fomos fazer estágio em várias cooperativas aqui

pelo Rio Grande do Sul, né, então isso já mudou bastante a visão da gente sobre a as coisas,

vê onde que tava dando certo, onde que não tava dando certo. Então, teve todo esse processo.

E, depois mais tarde, a escola foi transferida, o estudo foi transferido para Veranópolis. Então

a gente concluiu o estudo aqui em Veranópolis, no INTERA. Mas o mesmo...continuou tudo

normal, só mudou a localização, né. E ali no INTERA, a gente concluiu o curso, e logo em

seguida eu já comecei a ... trabalhei um ano na parte pedagógica da escola. Então trabalhei um

ano na parte pedagógica da escola, lá existia a equipe de apoio pedagógico,né, e eram sempre

escolhidos pessoas, duas ou três pessoas por turma que ajudavam. E aí eu fiquei um ano nessa

função, mais um temporada que eu acho...que creio que mais uns seis meses eu fiz uma

substituição, que era uma transição lá pro administrador da escola que não...que teve que

mudar, sabe. Ele teve que se mudar dali, eu não lembro, me parece que ele foi pra São Paulo,

que ele tinha a família dele lá em São Paulo. Até que eles colocaram outro administrador

definitivo,então daí eu fiz essa transição. E em seguida, daí eu fui trabalhar na CONTRAB,

que era a Confederação das Cooperativas lá de São Paulo, mas que daí a minha sede, a minha

localização era em Sarandi. Daí eu tive que me ir com a família lá pra Sarandi. Então esse foi

o ponto de vista de trabalho. Fiquei dois anos nesse serviço, e em 2001 que eu voltei aqui pra

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Tapejara pra tocar essa, pra denovo tocar esse trabalho aí. Então, mais ou menos, esse é o

ponto de vista de trabalho. E acho que da família, assim, depois em 96 que eu conheci a

Jussara, né, a gente começou a namorar. Conheci lá no colégio, porque ela é natural de

Dionísio Cerqueira, é lá na divisa com a Argentina. E ela...a gente se conheceu lá no colégio.

E se conheceu, então em 96. E em 98, em julho de 98, daí eu...em julho que nasceu a Cariane,

a primeira menina nossa, né, em julho de 98. Agora a gente então tem três meninas, né, e eu

acho que sei lá, a gente já ta muito contente, né. A gente conseguiu se estabelecer aqui, eu

acho que a gente conseguiu construir.. eu tenho muito isso comigo assim, aonde a gente vai

tem que gostar das coisas, né. E eu não sei, não existe serviço ruim, eu acho que pode até

existir, mas eu acho que da forma como a gente encara as coisas, a gente determina como é

que a...se a gente vai se realizar ou não. Se a gente encara e diz: oh, eu gosto, eu vou quere

fazer, é isso que eu quero da minha vida, então tu toca pra frente e vai, e faz com vontade, e

vai em frente, né. Acho que é um pouco isso que foi esse processo todo. Então hoje a gente se

estabeleceu aqui, e a gente firmou raízes, eu acho que a gente tem um grupo que a gente

confia muito, né. E a gente sempre pensa que tem um futuro muito bonito pela frente ,né. Eu

acho que é só a gente continuar unido e organizado que a gente...tem muita coisa bonita pra

acontecer, com certeza.

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APÊNDICE E - Diário de Pesquisa sobre a entrevista de Adelmir

Tapejara, 09 de junho de 2008.

DIÁRIO DE PESQUISA

ENTREVISTA: ADELMIR (Pedro)

A entrevista foi realizada no escritório da cooperativa, onde trabalha. É a pessoa que

mais tive contato anterior à entrevista, pois é responsável pelo setor administrativo e fica a

disposição para receber os visitantes. Sua esposa trabalha como secretaria e as crianças estão

sempre a sua volta. O escritório é muito simples, de chão acimentado e com cortinas

estampadas improvisadas. Mas sempre tem um chimarrão quente para recepcionar as pessoas,

ali são feitas as vendas dos produtos e a recepção das demais pessoas (estudantes,

pesquisadores, professores, técnicos). Tem uma prateleira onde são expostos os produtos da

agroindústria e outros como erva-mate. Marcamos para depois das 18:00 porque segundo ele

no horário comercial seria praticamente impossível.

Filho do Seu Moacir, mais conhecido por todos como “Nego”, é uma das peças

chave da cooperativa, pois teve capacitação para atuar com cooperativismo. Passou um tempo

afastado, cerca de uma não e meio, trabalhando na cidade. Mas retornou porque era

imprescindível a sua ajuda e precisava “tocar” em frente o projeto.

É muito calmo ao falar e tratar, característica também marcante é seu poder de

conciliação e perseverança. No entanto, ao falar que seria entrevista do tipo história de vida

ficou um pouco retraído. Notei que prefere falar sobre a parte técnica da cooperativa, seu

funcionamento e organização. Mas aos poucos foi se soltando.

Sempre se realiza ao falar sobre seus pais e a família, existe grande união entre os

irmãos. Estes também se fazem presente e contribuem na organização da cooperativa. Além

do Seu Moacir, que é grande incentivador dos filhos.

Para ele, a COOPERVITA já deu certo. Sonha com um escritório caprichado, que

possa receber as pessoas, principalmente estudantes. Fica orgulhoso com as visitas, diz que

muitas vezes não tem noção da repercussão do trabalho e do exemplo que se tornaram para

muitas famílias de pequenos agricultores. Somente quando vem pessoas de fora, outras

cidades e estados, é que notam o quanto a cooperativa é conhecida.

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APENDICE F- Entrevista Narrativa de Ester- História de Vida

Tapejara , 10 de junho de 2008.

ENTREVISTA

Ficha Técnica

Entrevistado: Rejane Scariot Vidal (Ester)

Entrevistadora: Caroline Benvenuti

Local da Gravação: Cooperativa de Produção Agropecuária Terra e Vida- Comunidade de

Vila Campos, Tapejara-RS.

Equipamento: Gravador digital.

Transcrição e digitação: Caroline Benvenuti

HISTÓRIA DE VIDA

Nome: Rejane Scariot Vidal

Nascimento: 27 de julho de 1963- Vista Alegre- Tapejara-RS

Idade: 45 anos

Estado civil: casada

Profissão (função na cooperativa): agroindústria

Tempo de cooperativado: desde 1998- 10 anos

Família: esposo e 3 filhos.

Entrevistadora: Esta entrevista vai fazer parte de uma pesquisa acadêmica para dissertação

de curso de mestrado. Sua participação é muito importante pra mim, por isso peço que você

comente sobre sua história de vida,sua infância, sua família , como viviam, como era o

trabalho e como isso se dá atualmente. Pode ficar bem tranqüila. A entrevista vai ser

transcrita e lida para que autorizes a sua utilização nos trabalhos.

Entrevistada: Que eu me lembre, né, desde criança assim, a gente vivia com meu pai, minha

mãe, né, eu sou a mais velha, né, da família. E a gente era em seis irmãos, né: quatro meninas

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e dois guris. É, dois irmãos. E junto a gente tinha a Vó, né, que morava junto. Que ela viveu

até depois que eu casei, né. Então assim, ela falava italiano, né. É, a gente aprendeu então um

pouco disso, né. Daí desde que eu me lembro que eu tinha assim uns... que comecei ir na

aula, né. A primeira escola que estudei foi Linha Scariot, que é aqui né, que era José

Bonifácio naquela época. Depois, né, quando fui pra segunda série, é que eu fui estudar na

escola de Vista Alegre, né, que lá eu conclui até a quarta série só. E, desde aí né, que a gente

ia na catequese, né, na escola. Passei a Primeira Eucaristia com nove anos, pequena, né. E

desde então que eu me lembro que a gente começou trabalhar, né, na roça, né. Eu ia com

minha Vó, ia com o pai, com a mãe, né. Então quando também quando não ia na roça de

manhã, então que eu só ficava em casa, né. Depois, foi depois que eu terminei aula, né, com

onze anos acabô, né. Daí se eu não ia, tinha que ficar em casa fazendo almoço, né. Daí a mãe

deixava mais ou menos encaminhado, e a gente fazia o almoço, né. E assim passou, né, os

anos ali. Daí a mãe teve, as quatro meninas primeiro, depois veio o mano. Depois ela deu uma

paradinha, depois veio mais dois. Daí a ultima nasceu eu tinha treze anos, né. É, daí eu já

tinha treze anos, senão ou outros foi tudo mais pertinho. E daí, com treze anos eu me lembro

que eu já era assim, sabe né, tinha que fazer meio de tudo, né, em casa, comida. Eu me lembro

que a minha Vó fazia bolacha, nós assava no forno sabe, forno de tijolo, que antigamente

tinha. E assim, com treze anos eu me lembro que eu era uma criança ainda, fiz o primeiro

corte costura, né, lá na Vista Alegre. Daí eu custurava assim, o que eu podia, o que eu sabia,

pra família, né, pros meus irmão, pro pai e pra mãe, assim o que precisava. Lembro que cada

peça de roupa que eu riscava pra cortar, daí eu pedia pra mãe: “mãe, posso cortar?” Né, não

tinha aquela firmeza da coisa, né. E depois daí com quinze anos eu fiz o curso de Educação

Familiar, no colégio das freiras em Tapejara, né. Que hoje mudou né, é outro. Daí eu fiz. Daí

conclui, foi no período de um ano, né. Fiz o curso de educação familiar. Daí lá tinha: corte e

costura, tinha culinária, tinha as palestras com os padres, né, tudo assim acompanhamento

com as freiras, né. Muito bom, aprendi muito, sabe. Assim que a gente, que serviu, né,

bastante pra minha vida, né. Porque sabendo que estudo a gente não tinha mais, né. Então, o

que valia era tudo que tu, assim, conseguia ter, né. E assim, o que mais também me marcou na

minha vida, assim, que eu acho que foi onde me fez, né, a gente ser alguém ou ver as coisas

diferentes, tinha assim, a gente sempre participou nas comunidades, né: na liturgia, na parte

de catequese. Então naquela época era bem mais dinâmica a coisa do que hoje, né. Tinha

muito mais palestras, encontros, né, ensaios, né.. Então, isso foi que nem uma formação, né.

Quera ou não quera é uma formação que a gente tem, né. Hoje até a gente sente que não tem,

mas isso serviria, né, muito pra vida da gente, né, pra gente ter uma visão também diferente

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das coisas. Comecei namorar nova, né. Mas namorava e sempre continuava, né, trabalhando,

né. Porque daí a gente continuava, participava da comunidade, aonde tivesse algum encontro,

alguma coisa a gente ia. Do grupo de jovens, né, participei, né,sempre fui atuante, até depois

de casada. E daí namorando assim, né, a gente nunca deixou de participar das coisas, né, de

ajudar. Então a gente, a mãe naquela época, sei lá, acho que naquele tempo assim, acho que

deu depressão, né. A gente não sabia o que que era, né. Ela ficou muito...É daí a gente tinha

que fazer o almoço, nós tinha que lavar a roupa, tinha que ir na roça, né, porque tudo esse

tempo a gente nunca deixou de trabalhar, né, porque era o único... E eu era a mais velha

ainda, né, então tinha que ajudar o pai ó: e carrega bolsa e carrega não sei o que. E foi

passando. Casei com dezenove anos, né. Daí, dali onze meses já nasceu o Claiton, né. Não

casei grávida, mas logo engravidei. Aí foi uma luta, né, porque a gente tinha pouca coisa, né,

nada bem dizer. Daí a gente foi construindo junto, assim né, trabalhando. O Ita trabalhava

daí, até hoje ele trabalha, né, no DAE, funcionário público. Ganha uma miséria,né, o salário

dele...Mas a gente sobreviveu até entrar aqui, né, com esse salário e fazendo assim aos

pouquinhos o que a gente podia,né, comprando as coisinhas, criando os filhos, né. Aí ele saia,

a maioria do tempo que os filhos eram pequenos, até nove, dez anos de casado, onze, ele

trabalhou mais fora do que aqui perto, né. Então ele saia a semana toda, saia na segunda e

vinha na sexta. E eu ficava com os pequenos. Daí ali a minha sogra, então, a gente tinha...

plantava na terra que era dela, né. Daí eu plantava as coisinhas, cuidava com eles, eles me

ajudavam. E fomos, né.... Então pra negócio assim de comida, de feijão, mandioca, batata,

essas coisas assim. A gente plantava, né, o que era necessário assim de horta, né. E cuidava e

tinha, né. E daí com o dinheiro pouco que ele ganhava, fazia as outras coisas, né, quando

sobrava, né. Sei que daí eu tive os dois filhos mais velhos, é diferença de dois anos e sete

meses, né. E o João Paulo, daí, é mais... tinha cinco anos e meio o Regi quando ele nasceu.

Sei lá se tu quer passar, se tu quer saber tudo mesmo?

Entrevistadora: Pode ir falando o que tu...

Entrevistada: Porque eu passei muita dificuldade daí ali, né. Quando eu engravidei do João

Paulo eu fiz uma cirurgia, né. Hã, de vesícula,né, eu tava grávida de dois meses dele. Aí ele

nasceu dali sete meses, e eu me fui, me afundei,né. Eu decerto já tive uma depressão pós

operatório e foi indo e tive toxoplasmose, no fim da gravidez, né. Aí foi indo, fiquei mal,

fiquei ruim, não sabia o que que era e não tinha nada, né. Mas, foi indo. Foi, e passou dois,

três anos, pra mim conseguir começar a recuperar, né. Aí naquele meio de tempo o Ita voltou

trabalhar, daí perto aqui, né. Daí ele ficava em casa, é, graças a Deus, né. Porque o que eu

tinha era o apoio da minha família e dele, né. Porque ele me levantava muito, né, sempre me

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deu força e me apoiou, né. Meus filhos eram pequenos, mas me ajudavam, né. E eu só não

queria morrer, era a única coisa que eu queria, era não queria morrer, né, que eu tinha eles

três. Mas foi passando assim, ele nasceu em noventa e um, o João Paulo. Isso passou três anos

pra mim começar me, me recuperar, né. É. Então que nem eu te falava, que eu costurava, né.

Quando eles eram pequeno eu também, né, sempre tinha assim alguma coisa pra gente ter

também alguma, né, uma rendinha. Eu disse assim: “Eu não vou mais costurar”. Sabe que eu

não podia mais me sentir fechada, né. Dentro de casa, né. Parada ali, depois que eu passei

tudo aquilo, né. Não tinha mais cabeça praquilo. E eu disse: “Eu quero nem que seja sair pra

estrada, mas eu não vou mais ficar dentro de casa!”. Daí passados, hã, que daí a gente foi em

noventa e sete que a gente foi convidado a vim aqui, né. Daí eu já tava melhor, né, tava bem.

E em noventa e oito que daí a gente foi convidada, daí foram, convidaram a gente pra entrar

aqui, isso porque a gente foi escolhido, né, a família escolhida quando foi pra... Porque a

cooperativa não...não acolhe qualquer família, né. Daí eles escolheram umas família, e a gente

foi uma né. Daí em noventa, é foi no começo de noventa e oito, fim de noventa e sete.

Noventa e oito daí a gente decidiu e entrou. Até quem... quem emprestou dinheiro pra nós

entrá aqui, porque nós tinha comprado uma casa em Tapejara né, daí não tinha né, e a gente

achou que a idéia era boa né, que valia a pena. E nós não queria vender lá e não queria perder

de...é. Daí foi o meu irmão, lá do Mato Grosso né, que tinha que colocar uma cota de quatro

mil e quinhentos reais, né. E daí acabo dando certo e a gente entrou aqui. Porque achava que

valia a pena, porque era uma coisa nova, uma coisa diferente, trabalhar no coletivo, porque já

que a gente, né, não...pouca coisa a gente têm e né, e daí sozinho pior ainda, né. E a gente

começo, com muita garra quando a gente começou aqui, muito animado, sonhando bastante,

né. E de lá pra cá foi indo, a gente construiu muita coisa, né, de lá pra cá. Juntos! Com as

recaídas e as... né. E subindo e descendo, mas a gente ta aí. Pra mim, pra mim assim foi, pra

nossa família foi muito bom. Porque se nós não tivesse aqui, né, sócio da cooperativa, acho

que meus filhos não tinham estudado. Porque pra nós assim mudou muito né, desde a renda

da família, né. Porque daí eu comecei a trabalhar aqui, quando a gente entro eu já comecei né,

e os filhos também né, porque daí eles cresceram e começaram trabalhá. Até quando fizeram

o segundo grau em Tapejara, então eles trabalhavam meio-dia e meio-dia iam na aula, né. Só

depois daí que foram pra faculdade, que daí... E daí a gente se...nossa, agora vai dar né, meio

que um né, Gastando bastante e daí ganhando menos, né. Mas Graças a Deus, né, que a gente

conseguiu. E que nem daí o Claiton passou cinco anos e ele se formou, a idéia dele, ele achou,

optou por voltar aqui, porque acha que vale a pena,né, do que ... De repente seria bom sair pra

longe, porque ele fez estagio na Bahia, né. Mas, vai ganhar mais e de repente não compensa,

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né. Então ele disse: “acho que aqui eu vou ta ajudando, to em casa, e também ele acha assim

que pra ele é um alicerce , né, começar aqui. Se um dia ter que ele partir pra outra, ele já tem

bem mais experiência da coisa do que ... E que nem, daí o Ita né, ele é funcionário publico,

mas sempre que né...nos fins de semana também trabalha, quando pode ajuda nos eventos, nas

festas que a gente tem né. E ele ta sempre envolvido, dum jeito ou de outro sempre participa,

né. Participa nos trabalho e também como...quando tem negócio de reunião e debates e coisa.

Quando é pra fazer crescer...

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APENDICE G - Diário de Pesquisa sobre a entrevista Ester

Tapejara, 12 de junho de 2008.

DIÁRIO DE PESQUISA

ENTREVISTA: REJANE (Ester)

A entrevista foi realizada na sede da cooperativa, e no momento a entrevistada estava

trabalhando. Ela coordena a agroindústria e ainda ajuda nos demais trabalhos da cooperativa,

como é o caso do abate de aves. De uniforme branco, preferiu conversar nas instalações da

agroindústria, afirmando que ali se sentiria mais a vontade. Depois de me mostar e falar um

pouco sobre seu trabalho, nos sentamos e demos inicio a entrevista propriamente dita.

Receosa em não saber como falar, comentou sobre a possibilidade de ter um questionário. Em

contatos anteriores com a entrevistada, já havia notado que era uma mulher de muita fibra,

destacando-se entre os demais cooperados. Seu ponto forte é a vontade de trabalhar e sua

capacidade de liderança e organização.

Comentou sobre o fato de não ter estudado, como algo que a deixa triste. Estudou até

a quarta serie, porque não tinha mais series nas escolas da redondeza. Também não havia

estrutura para estudar na cidade, nem ônibus que levasse os estudantes havia naquela época. O

pai falava que ela tinha muita habilidade com matemática, e ficava triste por ela não poder

concluir os estudos.

Hoje, se diz realizada como mulher e mãe, e com seu trabalho também. Tem o sonho

de um dia se aposentar e voltar a estudar. Já teria condições para isso, mas as atividades na

cooperativa tomam o seu tempo. Ainda afirma que as reuniões na cooperativa não são tão

freqüentes quando antigamente, porque as famílias se ocupam muito com a mão-de-obra. Se

sente feliz por já ter participado da diretoria e dos conselhos.

Sua grande preocupação atualmente é com o futuro da cooperativa, com a nova

geração, enfim com as crianças. Percebe que a educação dos filhos dos cooperados está sendo

mais liberal do que era na sua época, quando tinha que assumir responsabilidades desde cedo.

Agora, como as famílias já tem uma estabilidade, as crianças fazem exigências e têm algumas

regalias. Acredita que a historia das famílias não pode se perder, que essa é a essência da

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cooperativa, deve ser relembrada sempre. Não se pode perder o espírito da cooperação e

solidariedade, indaga “quem vai tocar tudo isso?”

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ANEXOS

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ANEXO A - DALLAGASPERINA, Rosangela M. C., OLIVEIRA, Amadeo. Coopervita -

Cooperativa de Produção Agropecuária Terra e Vida. Revista de Extensão Rural e

Desenvolvimento Sustentável. Porto Alegre, v.2, n.1/2, jan/ago, 2006. p. 18-22.

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ANEXO B - Estatuto Social da COOPERVITA LTDA.