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RADICAL-LOCAL TEACHING AND LEARNING: A CULTURAL- HISTORICAL APPROACH Mariane Hedegaard e Seth Chaikin. Aarthus (Dinamarca): Aartrhus University Press, 2005. Capítulos 3, 4, 5 e 6. Tradução de José Carlos Libâneo e Raquel A. M. da Madeira Freitas. PPGE-PUC-Go. Nov.2009. CAPÍTULO 3 Uma introdução ao ensino-aprendizagem radical-local O capítulo anterior examinou brevemente alguns dos objetivos e interesses comumente ligados à educação, e considerou a questão da conclusão escolar, por causa das consequências importantes que ela tem para as condições de vida futura de uma pessoa, as baixas taxas de conclusão escolar historicamente registradas de crianças porto riquenhas e para ajudar a ilustrar a relação complexa entre intervenção educacional e condições sociais. Sem minimizar a importância da graduação no ensino médio, agora mudamos o foco para questões de como a educação pode contribuir para ajudar as crianças a se prepararem para viver uma vida boa, a qual presumimos que não é alcançada simplesmente porque se concluiu o ensino médio, sem considerar o conteúdo daquela educação. Como observado anteriormente, espera-se que a educação ajude as crianças a desenvolverem competências e motivos que são relevantes para a participação na vida societal. O conteúdo da educação que alguém recebe é também relevante para a qualidade de vida que se vive posteriormente. Um foco exclusivo em objetivos facilmente mensuráveis (por exemplo, pontuações em testes padronizados de leitura e matemática) pode impedir a realização da qualidade de vida mais do que favorece (Smith, Gilmore, Goldman, & McDermott, 1993). A ideia do ensino-aprendizagem radical-local é uma perspectiva teórica de como organizar programas educacionais. O objetivo simultâneo do ensino-aprendizagem radical-local é desenvolver o conhecimento conceitual geral sobre as áreas de uma matéria, com conteúdo que está relacionado especificamente à 1

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RADICAL-LOCAL TEACHING AND LEARNING: A CULTURAL-HISTORICAL APPROACHMariane Hedegaard e Seth Chaikin. Aarthus (Dinamarca): Aartrhus University Press, 2005.

Capítulos 3, 4, 5 e 6. Tradução de José Carlos Libâneo e Raquel A. M. da Madeira Freitas. PPGE-PUC-Go. Nov.2009.

CAPÍTULO 3

Uma introdução ao ensino-aprendizagem radical-local

O capítulo anterior examinou brevemente alguns dos objetivos e interesses comumente ligados à educação, e considerou a questão da conclusão escolar, por causa das consequências importantes que ela tem para as condições de vida futura de uma pessoa, as baixas taxas de conclusão escolar historicamente registradas de crianças porto riquenhas e para ajudar a ilustrar a relação complexa entre intervenção educacional e condições sociais. Sem minimizar a importância da graduação no ensino médio, agora mudamos o foco para questões de como a educação pode contribuir para ajudar as crianças a se prepararem para viver uma vida boa, a qual presumimos que não é alcançada simplesmente porque se concluiu o ensino médio, sem considerar o conteúdo daquela educação. Como observado anteriormente, espera-se que a educação ajude as crianças a desenvolverem competências e motivos que são relevantes para a participação na vida societal. O conteúdo da educação que alguém recebe é também relevante para a qualidade de vida que se vive posteriormente. Um foco exclusivo em objetivos facilmente mensuráveis (por exemplo, pontuações em testes padronizados de leitura e matemática) pode impedir a realização da qualidade de vida mais do que favorece (Smith, Gilmore, Goldman, & McDermott, 1993).

A ideia do ensino-aprendizagem radical-local é uma perspectiva teórica de como organizar programas educacionais. O objetivo simultâneo do ensino-aprendizagem radical-local é desenvolver o conhecimento conceitual geral sobre as áreas de uma matéria, com conteúdo que está relacionado especificamente à situação de vida das crianças. Isso não significa que o campo do ensino da matéria deveria ser limitado ao conhecimento e experiência que as crianças trazem à escola. Preferivelmente o interesse é compreender a relação dinâmica entre o conhecimento da matéria, situação de vida, e desenvolvimento pessoal de modo que a compreensão geral da matéria é desenvolvida através e em relação à situação de vida das crianças. Para realizar este objetivo, nós precisamos ter uma análise conceitual mais explícita das relações entre conhecimento conceitual e situações de vida e os processos psicológicos envolvidos na aquisição deste conhecimento de forma que possa ser usado ativamente em relação às condições e situações de vida de alguém.

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Como mencionado no Capítulo 1, Vygotsky interessava-se pelo desenvolvimento de conceito das crianças. A sua análise da relação entre os conceitos cotidianos e os conceitos científicos das crianças é relevante para o nosso interesse em integrar o conhecimento cotidiano das crianças com uma compreensão teórica que é relevante para as condições locais específicas na qual a criança está vivendo. Enfim, a análise de Vygotsky é insuficiente para o nosso propósito, porque ela não contém uma análise da relação do conhecimento para as vidas sociais das crianças, e sua análise da relação entre formas de prática e formas de conhecimento não estavam suficientemente explícitas. É útil, entretanto, considerar a sua análise porque ela fornece uma maneira de entender como o conhecimento da matéria pode se tornar “pessoal” (isto é, uma parte ativa do pensamento de uma pessoa), e por meio disso transformar o conhecimento cotidiano. Ao mesmo tempo, este resumo ajuda a esclarecer a necessidade de uma análise mais explícita da prática institucional em relação ao desenvolvimento e uso do conhecimento. A análise de Vygotsky sobre conceitos cotidianos e científicos

O núcleo da distinção de Vygotsky entre conceitos cotidianos e conceitos científicos é motivado por: a) histórias diferentes para o desenvolvimento psicológico dos dois tipos de conceitos; b) diferenças substantivas em suas formas psicológicas. Quando as crianças vêm à escola, elas já aprenderam o significado de muitas palavras, mesmo se eles não tiveram ensino sistemático sobre essas palavras. Esses conceitos cotidianos são comumente “saturados com a rica experiência pessoal da própria criança” (Vygotsky, 1934/1987, p. 178), e tendem a ser usados espontaneamente, sem serem refletidos e sem estarem relacionados com qualquer sistema de conceitos.

A designação conceito científico, é usada para referir a conceitos que são parte de um sistema bem definido de relações conceituais. As características que definem um conceito científico são as suas relações sistemáticas com outros conceitos e um domínio de se estar ciente do significado do conceito1.

“Conceito científico” refere-se amplamente a todos os conceitos que são formulados em relações sistemáticas, e não apenas aos conceitos dentro das disciplinas científicas (naturais). Vygotsky usa alguns exemplos simples de relações hierárquicas para ilustrar a ideia das relações sistemáticas, conceitos tais como flor e rosa ou mobília e mesa podem vir em relações sistemáticas quando as pessoas se tornam cientes de suas relações de superioridade e inferioridade, as quais não são automaticamente verdadeiras para as crianças.

A distinção de Vygotsky é às vezes mal interpretada como descrevendo uma organização hierárquica com conceitos cotidianos concretos na base e conceitos científicos e abstratos no topo, ou uma substituição dos conceitos cotidianos com conceitos científicos. Na verdade, Vygotsky enxergava os conceitos cotidianos e científicos como sendo partes

1 “Podemos declarar o núcleo da nossa hipótese...Somente dentro de um sistema o conceito pode adquirir consciência e uma natureza voluntária. Consciência e a presença de um sistema são sinônimos quando nós estamos falando de conceitos, da mesma forma que espontaneidade , falta de consciência, e ausência de um sistema são três palavras diferentes para designar a natureza do conceito da criança” (Vygotsky, 1934/1987, p. 191-2, com ênfase no original).

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de um único sistema psicológico,2 onde o desenvolvimento de conceitos científicos resulta em mudanças nos conceitos cotidianos3.

Quando as crianças entram na escola, tem-se um desenvolvimento suficiente de seus conceitos cotidianos para que seja possível a eles se familiarizarem com muitos aspectos diferentes do mundo societal e natural, de tal maneira que eles possam ver filmes, ler histórias, ouvir noticiários de jornais, enquanto se tem algumas ideias sobre o conteúdo que está sendo apresentado; durante toda a escolarização deles, eles também encontram muitos conceitos que são conceitos cotidianos para eles. Ao mesmo tempo, a incapacidade da criança de controlar todos os conceitos envolvidos nessas situações práticas e educacionais geralmente serve para criar um interesse para que a criança se empenhe em ações que ajudam a alcançar esse controle.

Ao analisar o desenvolvimento conceitual, Vygotsky enfatiza a inseparabilidade das formas de pensar em relação ao conteúdo do pensamento. Esta visão opõe-se a muitos pesquisadores que tendem a enxergar a forma e o conteúdo dos conceitos separadamente. Essa visão comum surge, de acordo com Vygotsky, de uma crença de que o conteúdo é culturalmente desenvolvido, e determinado societalmente e historicamente, enquanto formas de pensamento são processos biológicos determinados por maturação orgânica, correndo em paralelo ao desenvolvimento orgânico do cérebro. No ponto de vista de Vygotsky, as formas de pensamento são também realizações culturais, desenvolvidas como parte do pensamento com conteúdos particulares. Deste modo, a interdependência entre forma e conteúdo caracteriza tanto a evolução histórica da humanidade quanto o desenvolvimento de uma única pessoa (Scribner, 1985; Vygotsky, 1930/1998a, p.42).

As análises de Vygotsky são úteis para esclarecer algumas das origens psicológicas que motivam os tipos de ações pedagógicas necessárias para realizar o ensino-aprendizagem radical-local. As análises fornecem um modelo conceitual para compreender as relações entre conceitos cotidianos e conceitos formais da matéria, o por que as crianças estariam interessadas em aprender conceitos científicos, o que isto significaria para que os conceitos científicos tornassem parte do conhecimento pessoal, e as consequências para o desenvolvimento pessoal.

A orientação para estar empenhado na aprendizagem de conceitos vem da situação societal do desenvolvimento (Vygotsky, 1933/1998, p. 198). Este conceito teórico geral focaliza a contradição entre as exigências das relações sociais dentro das quais uma pessoa atua e o estado atual de suas capacidades psicológicas desenvolvidas. Estas capacidades permitem que uma pessoa fique interessada e entre nessas relações sociais, sendo ao mesmo tempo inadequado reunir todas as exigências e possibilidade da 2 “Piaget...não vê que eles [conceitos espontâneos e não espontâneos] estão unidos em um único sistema que é formado no curso do desenvolvimento mental da criança” (Vygotsky, 1934/1987, p. 174).

3 “A emergência de tipos de conceitos mais elevados (por exemplo, conceitos científicos) influenciará inevitavelmente conceitos espontâneos existentes. Estes dois tipos de conceitos não estão encapsulados ou isolados na consciência da criança. ... Elas interagem continuamente. Isto levará inevitavelmente a uma situação onde generalizações com uma estrutura relativamente complexa – tais como conceitos científicos – obtêm mudanças na estrutura dos conceitos espontâneos” (Vygotsky, 1934/1987, p.177).

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situação. Esta inadequação é uma contradição que cria condições apropriadas para o desenvolvimento de novas funções psicológicas.

A força dos conceitos científicos, comparados aos conceitos cotidianos, é que as crianças aprendem a trabalhar conscientemente com as relações lógicas definidas pelo conceito. O uso consciente de modelos conceituais sistemáticos, discutidos no próximo capítulo, é um aspecto central na realização prática do ensino-aprendizagem radical-local, e um exemplo da interligação da forma e do conteúdo do pensamento. Entretanto, os conceitos científicos das crianças tendem a ser fracos quando se trata de “aplicações concretas, espontâneas e situacionalmente significativa” (p. 220). A tarefa do ensino é desenvolver conceitos científicos para que eles tenham a especificidade e a facilidade concreta das aplicações dos conceitos cotidianos, ao passo que os conceitos cotidianos são atraídos para um sistema científico de conceitos. O conhecimento da matéria torna-se, desse modo, integrado com o conteúdo das tarefas e situações na vida da criança fora da escola e pode desenvolver em ferramentas conceituais funcionais para a criança.

O desenvolvimento conceitual das crianças na análise de Vygotsky é caracterizado por um crescimento em complexidade do conhecimento a cerca das relações entre eventos concretos e aspectos abstratos do domínio de um assunto. De um ponto de vista radical-local, o encontro potencial entre conceitos da matéria cotidiana e científica dá a possibilidade para as crianças desenvolverem uma compreensão mais sistemática e analítica das questões, condições e dos problemas que estão presentes em suas condições de vida. O ensino deveria objetivar a desenvolver a habilidade de trabalhar com essas relações. Ao desenvolver essa habilidade a criança torna-se capaz de usar o conteúdo da matéria aprendido como ferramentas para analisar e refletir em atividades cotidianas locais. Os aspectos abstratos ajudam a criança a relacionar eventos locais com possíveis eventos. Se a coerência e a dialética entre os aspectos abstratos e concretos do domínio de um conteúdo podem ser adquiridos através de atividades de ensino, então a pessoa tem uma maneira de combinar conhecimento geral com competência pessoal e tornar efetivo para a pessoa na prática local. A aquisição, por parte de um jovem, de sistemas conceituais que se relacionam com os aspectos sociais, societais e políticos, permite que o jovem torne-se consciente das ideologias sociais e dele próprio como uma pessoa em uma sociedade (isto é, a sua auto consciência se desenvolve) (Vygotsky, 1931/1998, p. 42). Por meio deste processo as crianças vêm a adquirir conhecimento societal historicamente produzido.

Embora a análise de Vygotsky sobre os conceitos cotidianos e científicos seja útil para elaborar a ideia do ensino-aprendizagem radical-local, há ainda muitos aspectos dessas ideias que precisam ser desenvolvidos posteriormente em uma perspectiva teórica radical-local. Vygotsky não desenvolveu uma análise teórica ou concreta detalhada da situação societal do desenvolvimento para alunos em suas obras publicadas, especialmente uma análise das dinâmicas envolvidas em desenvolvimento conceitual. O conceito do motivo, como parte de uma análise mais geral da atividade, introduzida por Leontiev e posteriormente elaborada por El´konin, fornece uma forma útil de elaborar e ampliar a ideia de Vygotsky sobre a situação societal do desenvolvimento através do fornecimento de uma análise mais explícita das dinâmicas do desenvolvimento. Discutiremos esta ideia mais tarde no Capítulo 5.

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Apesar de Vygotsky ter definido conceitos científicos em termos de suas participações em um sistema, ele não estudou realmente os conceitos em suas relações sistemáticas. Ao invés disso, ele focou na relação entre conceitos científicos individuais e suas formas cotidianas (Vygotsky, 1934/1987, pp. 239-40). Uma consequência dessa limitação, na nossa visão, é que suas análises sobre conceitos científicos e cotidianos não levou em consideração suficiente a relação entre conceitos científicos e as práticas sociais das quais eles foram gerados. Nós solucionamos esse problema mais tarde no Capítulo 4.

De alguma forma, a situação societal do desenvolvimento pode ser compreendida como um conceito implícito de “prática”, e os argumentos de Vygotsky refletem uma orientação para a ideia da prática como a fonte do desenvolvimento psicológico, por exemplo, em sua discussão a cerca das diferenças entre conceitos cotidianos aprendidos em casa e conceitos acadêmicos aprendidos na escola. Ele não elaborou uma análise da prática, e por isso não considerou o significado dos conceitos em relação à prática societal ou da situação societal do desenvolvimento.

Precisamos, portanto, introduzir a noção de prática institucional, a qual usaremos nos próximos dois capítulos, como parte de nossa análise do conhecimento e desenvolvimento, e neste capítulo como parte de uma consideração mais elaborada do que queremos dizer com ensino-aprendizagem radical-local.Prática Institucional

Limitamos nossa atenção à ideia da prática institucional, porque práticas pedagógicas na nossa sociedade são geralmente institucionalizadas, e porque o interesse no ensino-aprendizagem radical-local é focado na ideia da educação como preparação para a participação em práticas institucionalizadas (incluindo tanto a educação posterior quanto as práticas de trabalho).

Por um lado, uma prática institucional concreta é um todo integral, realizado pelas ações e interações entre participantes múltiplos. Ao mesmo tempo, uma prática institucional sempre tem pelo menos três aspectos ou perspectivas diferentes que estão presentes na prática, e a qual contribui com as condições para a produção, reprodução e desenvolvimento dessa prática. Estas perspectivas são: societal, refletida em interesses e tradições evoluídos historicamente em uma sociedade de modo que sejam formalizados em leis e regulamentos; geral, a qual pode ser vista como guiada por perfis generalizados ou teóricos para atividades institucionais; e individual, a qual caracteriza as atividades compartilhadas por pessoas em instituições específicas. Todas as três perspectivas são necessárias para compreender uma prática institucional e as variações dentro dela. Sem um destes três aspectos a ideia de uma prática institucionalizada não existe. Cada aspecto – societal, geral, individual – está condicionado ao outro. A figura 3.1 mostra uma representação gráfica de um modelo geral da prática institucional.

A primeira instituição importante para uma criança é geralmente a família. A prática dentro de uma família específica não é normalmente escrita, e geralmente não é dita, incluindo aspectos que são únicos para essa família. Nos termos do modelo, este é o aspecto individual. Aspectos de práticas familiares individuais que são compartilhados com outras

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famílias em uma comunidade podem ser caracterizados como prática familiar geral. O aspecto geral de prática familiar é geralmente encontrado em tradições que são comuns por várias gerações de vida familiar em uma sociedade específica, o qual por meio de um processo histórico tornou-se tradições de como viver e agir em famílias. Famílias individuais estão frequentemente cientes, até certo ponto, dessas tradições gerais (através do conhecimento de práticas em outras famílias, como adquirido por meio de familiaridade pessoal, representações fictícias em filmes, romances e teatro, documentários e reportagens de jornais, e assim por diante. No nossoFigura 3.1. Modelo geral de prática institucional.

Societal

Geral Individual

modelo, essas tradições seriam chamadas de perspectiva geral da prática familiar. Algumas dessas tradições foram formalizadas em leis e regulamentos burocráticos sobre vida familiar por meio de leis (por exemplo, herança, divórcio, direito a vida, exigências educacionais para as crianças). Em outros casos, exigências sociais são impostos ou inspirados por interesses específicos – crenças políticas, consultores profissionais, programas implementados para corresponderem aos problemas sociais. Essas exigências formais são os aspectos sociais da prática familiar.

A escolarização, como uma prática institucional, pode também ser analisada ou caracterizada com esse modelo. Em cada Estado-nação, uma escola individual tem sempre suas características próprias refletindo as ações e decisões históricas das pessoas – administradores, professores, consultores, e crianças – os quais atuaram naquela escola em relação às condições e recursos materiais que estavam disponíveis. O aspecto individual da prática de cada escola dentro de uma determinada nação tem algumas características tipicamente encontradas em todas as escolas, refletindo suas interpretações de práticas gerais que desenvolveram dentro do sistema escolar, geralmente desenvolvido e reforçado por meio de instituições de treinamento de professores, educação posterior, revistas profissionais, e assim por diante. Tradições gerais e individuais de práticas escolares são desenvolvidas em relação ao aspecto societal dessas práticas, as quais refletem interesses nacionais ou sociais, tais como formulados em leis e regulamentos formais, planos curriculares, documentos políticos, guias de ensino, objetivos de testes específicos, e outras exigências oficiais das práticas escolares. Todos os três aspectos estão presentes em qualquer prática concreta, embora a contribuição e interação entre os aspectos variarão para práticas individuais específicas.

Essa perspectiva sobre prática institucional fornece uma maneira de compreender diferenças nas formas de práticas que dominam em casa e na

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escola. Em casa os aspectos individuais das práticas são normalmente dominantes com uma leve influência das tradições familiares gerais. Na maioria dos lares não há um foco explícito na prática societal (isto é, em leis e regulamentos) de como as famílias deveriam cuidar das crianças exceto em situações conflitantes tais como divórcio, maus tratos ou morte na família. Na escola a prática societal domina as atividades tanto no conteúdo (áreas da matéria, planos curriculares e provas) quanto na forma (tempo e espaço característicos tais como horas escolares, os lugares do aluno e do professor na escola e na sala de aula)4.

Esta diferença entre casa e escola em dominância a tradições individuais versus sociais é importante levar em consideração ao criar o ensino radical-local, porque o conhecimento das crianças, fundado em tradições de práticas individuais de casa e da comunidade, é informal e geralmente não formulado explicitamente. Em contraste o conhecimento apresentado na escola é dominado pelos aspectos sociais da prática e é formulado através de exigências de atividades na escola e de provas. O objetivo do ensino radical-local é criar uma integração entre o conhecimento espontâneo da criança trazido de casa e da comunidade e o conhecimento da matéria apresentado na escola como prescrito por meio de áreas da matéria e planos curriculares. Ensino-aprendizagem radical-local

O termo radicalmente local ou localista radical tem sido usado historicamente dentro das práticas políticas, religiosas e acadêmicas. Em contextos políticos, o termo foi usado no final de 1700 para se referir a pessoas na América colonial que se opunham à formação de um sistema federal o qual tornou-se os Estados Unidos da América. Os localistas radicais queriam que as decisões política fossem feitas a um nível local pelas pessoas que seriam afetadas pelas decisões. Um significado semelhante é usado ainda hoje para descrever pessoas ou grupos que enfatizam a ideia de controle da comunidade e tomada de decisão que considera primeiramente as necessidades e os desejos da comunidade, sem considerar sua relação, responsabilidade ou obrigação com unidades políticas maiores e mais comuns. Um significado similar a esse conceito também tem sido usado em discussões contemporâneas de igrejas cristãs, onde uma igreja radicalmente local é aquela que foca nas necessidades específicas de uma igreja em particular e na sua congregação, sem considerar questões ecumênicas mais amplas. Em contextos acadêmicos, o conceito tem sido usado para descrever uma perspectiva de pesquisa em sistemas de sistemas de informações que tentam romper com métodos e diretrizes universais e dão atenção às condições e práticas locais (Henriksen, 2003).

A noção de ensino-aprendizagem radical-local que desenvolvemos aqui é uma transformação dialética do conceito tradicional radical-local. Nosso conceito compartilha a preocupação do conceito tradicional de prestar atenção às características e necessidades locais e específicas de um campo de ação institucional específico. Nos termos do modelo apresentado 4 Se as práticas societais e gerais dominam mais do que as necessidades reais, então as interações humanas em casa tornam-se formais e falta conteúdo emocional positivo. Em contraste, se os aspectos societais e gerais não são as bases para as práticas escolares, então o valor sol societal da escolarização e a importância de teorizar atividade são negligenciados. Na realidade, a prática escolar torna-se “desmiolada” (headless: sem juízo) ou egocêntrica

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na Figura 3.1, os significados religiosos e políticos de radicalmente local centrou-se quase exclusivamente no aspecto local de uma prática, sem considerar os aspectos sociais e institucionais. Ao chamar nossa abordagem ensino-aprendizagem de radical-local, não estamos tentando defender que deveríamos restringir nossa atenção ao local, mas sim que devemos enriquecer nossa compreensão do geral através da compreensão de sua expressão e manifestação no local, enquanto enriquecemos nossa compreensão do local usando conceitos gerais de uma matéria. Esta perspectiva dialética é distintamente diferente do significado do conceito tradicional de radical-local.

Utilizamos o termo “radical local” para referir a um complexo de ideias relacionadas. Quando nós começamos o experimento de ensino, o termo era usado para expressar a ideia de que pesquisa educacional deveria ser focada nas condições e necessidades específicas de um local histórico-cultural particular. Essa formulação, inspirada em parte pela formulação de Rene Dubos de “Pense globalmente, aja localmente”, foi direcionada pela ideia de que se precisava agir em relação às condições locais, mesmo quando se estava pensando sobre o significado dessas ações em uma perspectiva mais ampla. Essa visão sustenta-se em contraste a uma suposição mais comum, geralmente implícita, na pesquisa educacional de que se deveria procurar uma teoria universal de educação para todas as crianças em todos os lugares (ou dissociada do tempo e espaço), para que pesquisadores educacionais, por exemplo, no Japão, Finlândia, e Brasil pudessem reunir-se para discutir algumas análises uns com os outros. Este modelo universal tem sido atraente na história da ciência, mas parece que ele tem sido adotado ou aceito, talvez muito acriticamente ou irrefletidamente dentro da pesquisa educacional. Inspirado pela perspectiva histórico-cultural, pareceu valer a pena desenvolver uma teoria de prática educacional que pudesse levar em consideração as condições locais, neste caso para as crianças porto riquenhas no East Harlem.

A noção de radical local posteriormente tornou-se uma forma alternativa de pensar sobre a ideia do ensino culturalmente sensível, o qual era uma outra motivação para o experimento de ensino relatado aqui. Chegamos a ver que uma formulação culturalmente sensível (ou culturalmente responsiva) tende a direcionar a atenção de alguém primeiramente para os aspectos culturais sem fornecer uma forma de reconhecer as variações individuais entre as pessoas dentro de um grupo cultural ou uma forma de compreender ou relacionar os aspectos culturais específicos às características gerais encontradas dentro de uma sociedade multicultural. A ideia de radical-local não é destinada a acabar com a ideia de sensibilidade cultural, mas sim de ver que o ensino-aprendizagem para todas as crianças, independente de suas origens deveria estar relacionado às suas condições locais, onde aspectos culturais são, ainda que importante, uma parte dessas condições. Discutimos este ponto mais tarde no Capítulo 15.

O termo radical local tornou-se também uma maneira útil de expressar um aspecto adicional de relações entre o geral e o individual na formação ou seleção de exemplos específicos de conteúdo da matéria. O individual é normalmente compreendido como sendo uma concretização do geral. Implícito na ideia de concretização tem-se que adaptações e acomodações são feitas para condições locais, mas também é possível fazer uma concretização individual que seja usada universalmente. Por exemplo,

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pode-se pegar uma ideia pedagógica abstrata (por exemplo, ensinar a aritmética tendo a medida como a relação básica inicial) e torná-la concreta (por exemplo, medindo o comprimento de blocos de madeira) de tal forma que seja uniformemente em todo o mundo. Em uma perspectiva radical-local, a concretização do conteúdo da matéria deve também levar em consideração as relações entre o assunto específico, as características e as condições dos alunos, e a futura prática esperada da qual as crianças participarão. A interpretação específica desta ideia geral enfatizada nesse livro é a necessidade de formular conhecimento geral e societal em relação ao conhecimento e condições locais dos lares e comunidade das crianças, enquanto eles aprendem sobre esses conhecimentos e condições locais formulados através de conceitos mais gerais das tradições da matéria de ensino. Quando a aprendizagem da matéria é organizada de maneira apropriada, então há a possibilidade de ajudar a contribuir com os aspectos gerais e societais do desenvolvimento do conhecimento individual.Finalmente, o modelo da prática institucional na Figura 3.1 nos dá uma maneira de expressar as diferenças entre uma abordagem radical-local para a pesquisa educacional e as abordagens historicamente predominantes para a pesquisa educacional. Tradicionalmente, a pesquisa educacional tem focado primeiramente nos aspectos sociais e gerais da prática educacional sem ter uma forma adequada se conceituar aspectos individuais em relação ao geral e ao societal. A ideia no ensino-aprendizagem radical-local é que todos os três aspectos, o societal, o geral e o individual devem estar integrados no ensino e na aprendizagem da matéria.

Há muitas razões pelas quais acreditamos que uma perspectiva radical-local é útil no planejamento pedagógico. Por agora, mencionaremos três. Primeiro, esperamos que seja mais fácil desenvolver situações de ensino-aprendizagem que são motivadoras para as crianças por causa das ligações com sua comunidade local, a qual é a fonte de seus conhecimentos cotidianos. Segundo, o foco em relacionar o conteúdo do assunto aos aspectos da comunidade local das crianças torna mais fácil para eles usarem os seus conhecimentos prévios em situações de ensino-aprendizagem. Terceiro, o foco em relacionar conceitos acadêmicos gerais em relação às situações cotidianas e locais oferece condições melhores para tentar perceber a ideia de tornar conceitos acadêmicos em conceitos sociais ricos e ativos que são usados pelas crianças em seu pensar e agir. A perspectiva radical-local não é focada simplesmente em uma forma melhor de ensinar conceitos acadêmicos; mas o foco é em como desenvolver uma compreensão dos conceitos acadêmicos através dos tópicos e questões das situações de vida locais, a qual por sua vez, pode ser usada para relacionar-se de forma mais competente àquelas situações.Pesquisa e Prática Relevante em uma Perspectiva Radical-Local

Até onde sabemos, a expressão ensino-aprendizagem radical-local não apareceu anteriormente na literatura de pesquisa educacional. Como uma forma de elaborar a perspectiva radical-local mais adiante, consideraremos alguns exemplos dos muitos estudos de pesquisa concluídos ou em andamento, projetos de intervenções e escolas inovadoras que tenham alguns aspectos ou características que pareçam relevantes ou coerentes com uma perspectiva radical-local na educação. Focaremos particularmente em exemplos de estudos que têm sido

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orientados para a educação de crianças com origens porto-riquenhas, latinas ou das minorias.

Aspectos da ideia do ensino-aprendizagem radical-local estão surgindo, geralmente independentemente, em diversos projetos por todo o mundo. Por exemplo, o Programa de Desenvolvimento Escolar foca nas condições de desenvolvimento para a criança como um todo (Comer & Joyner, 2004), e está preocupado em como a escolarização deveria estar fornecendo conhecimento relevante para a vida de alguém (Comer, 2001). Similarmente, a ideia de que deve haver atenção mais explicita para o uso e escolha do conteúdo da matéria escolar em relação ao conteúdo da vida da comunidade não é exclusiva do ensino-aprendizagem radical-local. Nesses aspectos, uma perspectiva radical-local não fornece necessariamente novos objetivos ou interesses para a educação além daquelas discutidas no início do Capítulo 2, ou novas ideias para a prática pedagógica existente. Preferencialmente as suas contribuições gerais são de fornecer um quadro teórico para analisar e conceituar os objetivos das intervenções pedagógicas e um conjunto de ferramentas teóricas e práticas para planejar e implementar atividades educacionais que visam realizar esses objetivos. Mais especificamente, ela fornece uma análise mais explícita sobre a relação entre conhecimento da matéria e conhecimento local juntamente com uma análise teórica e prática de como o ensino pode ser conduzido para integrar esses tipos de conhecimentos.PROJETOS DE ENSINO QUE FOCAM NA COMUNIDADE

Há vários projetos que também têm usado a comunidade imediata das crianças como uma fonte de material para o conteúdo do ensino, ou têm tentado usar características das comunidades das crianças e/ou origem cultural como uma inspiração para organizar o ensino. O uso dos estudos das comunidades em contextos educacionais tem uma história registrada na literatura educacional que tem pelo menos trinta e cinco anos de idade. Estudos orientados para a comunidade têm sido usados em muitos contextos diferentes, e até institucionalizados em algumas instâncias. Por exemplo, o projeto Foxfire, o qual originou-se na Georgia em 1967, tem sido um exemplo no qual os alunos foram motivados a empenharem-se em atividades de alfabetização por meio da investigação de suas comunidades locais e cultura Appalachian (Puckett, 1989; Wigginton, 1989). No mesmo sentido, Cazden (1982) descreve uma atividade de acampamento de verão em Nova York que foi organizado em torno da investigação das crianças sobre a cultura local. Estudos da história familiar local ou regional também têm sido usados como material de ensino na Inglaterra (Steel & Taylor, 1973; Steel, 1980), e na Suécia (por exemplo, Sutter & Grensjo, 1988).

A ideia principal nesses projetos é usualmente investigar formas de vida em andamento que as crianças são capazes de observar e experimentar diretamente. Este tipo de informação não está normalmente inclusa nos típicos livros didáticos de educação cívica nas escolas, os quais descrevem os regimes políticos e institucionais formais em uma comunidade. Estes tipos de projetos geralmente esperam fazer o conteúdo do ensino escolar mais relevante para as origens e experiências das crianças, e em alguns casos a ajudar as crianças a se tornarem empenhadas nas condições de suas comunidades locais.

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Exemplos semelhantes de estudos orientados para a comunidade, desenvolvidos por meio de experiência prática, também foram relatados por crianças de minorias culturais. Hime (1977) começou a conduzir projetos de ciências, geralmente em colaboração com instituições ou organizações comunitárias, com índios navajos em 1966. Os projetos foram iniciados a partir dos interesses formulados pelos alunos, com uma exigência explícita de usar fontes e tópicos de conhecimento baseado na comunidade fundamentado nas tradições Navajo. Quintero (1989) descreve um projeto que objetivou melhorar a qualidade e o sucesso da escolarização para as crianças em um distrito escolar mal sucedido em San Juan, Porto Rico, no qual as crianças mostravam um interesse em sua comunidade depois que lhes foi permitido fazer algumas apresentações teatrais sobre problemas em sua comunidade. Estes interesses foram mais tarde desenvolvidos em estudos de comunidade específica no qual as crianças aprenderam mais sobre suas histórias e as realizações especiais de suas comunidades específicas. Quintero relatou que isso melhorou a auto-imagem e o respeito próprio das crianças.

Mercado (1992) descreve suas tentativas de introduzir uma atividade de pesquisa no ensino de uma sala de aula de uma escola primária em South Bronx. As crianças escolheram tópicos para investigar, normalmente focando em questões que afetavam diretamente sua comunidade. O seu trabalho mostra que as crianças são capazes de ter mais responsabilidade para fazer trabalho intelectual, e com maior sofisticação e complexidade do que se pode tipicamente presumir de crianças de suas posições sociais. Torres-Guzmán (1992) descreve um exemplo no qual as experiências pessoais dos alunos de, ou com, racismo são usadas como um ponto de partida para seguir uma unidade de um livro didático tradicional na qual tem-se de escrever sobre o racismo. Ela também descreveu um exemplo no qual os alunos ficaram empenhados em investigar poluição industrial em seus próprios bairros. Diaz, Moll, e Mehan (1986) descrevem um exemplo no qual os alunos, organizados por seus professores, conduziram uma pesquisa comunitária sobre atitudes direcionadas ao bilinguismo como um fundamento para escrever uma reportagem sobre o bilinguismo. Vasquez, Pease-Alvarez, e Shannon (1994) descrevem La Clase Mágica na qual elementos da cultura espanhola e mexicana foram incorporados explicitamente no contexto de atividades de alfabetização em um programa de contra turno. Hill (1992) coletou uma grande quantidade de exemplos de provérbios, músicas e rimas que são comumente conhecidas entre as crianças porto riquenhas e sugeriu que isto poderia ser uma boa fonte de materiais para usar na sala de aula. Ela espera que isso traga efeitos positivos na alta estima (pp. 95-99).

O projeto EXCEL, um esforço organizado nacionalmente pelo National Council of La Raza, objetiva apoiar as organizações baseadas na comunidade hispânica a ajudar a melhorar as oportunidades educacionais para crianças, jovens e pais hispânicos (Orum, 1991). Iniciados em 1985, seis modelos de programas educacionais vem sendo desenvolvidos, disseminados e sistematicamente apoiados através de assessoria técnica e de treinamento. Estes programas incluem leitura familiar, uma rede de professores para apoio e preparação para o General Equivalency Degree (um diploma equivalente ao ensino médio) Particularmente relevante para a discussão presente é o programa chamado Academia del Pueblo. Organizado primeiramente por meio de centros da comunidade local, esse programa de contra turno (e às vezes de verão) é “projetado para ajudar

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crianças do ensino primário a construírem as habilidades as quais promovem o sucesso escolar e o amor pela aprendizagem” (p. 8). Há um currículo nuclear (core curriculum) exigido com um foco temático no desenvolvimento da linguagem e nas habilidades de resolução de problemas através do estudo da construção da comunidade e um programa complementar exigido de envolvimento e educação dos pais. Esses programas se reúnem tipicamente duas vezes por semana por duas horas durante o ano letivo. O currículo nuclear explora a questão das “comunidades”, incluindo as estruturas e regras que governam a vida local e resolvem problemas, e os trabalhos que os membros adultos da comunidade possuem. As crianças têm que construir uma comunidade modelo, durante a qual elas têm que escrever histórias e artigos sobre o seu trabalho, projetar um ambiente físico e formular um conjunto de leis para a sua comunidade modelo, geralmente incluindo políticas para o transporte, moradia, eliminação de resíduos, zoneamento e serviços públicos (p. 19). Nas avaliações realizadas até a data, há indicações de que as crianças que participarão nesses programas tiveram melhoras positivas em suas habilidades linguísticas e matemáticas e outros comportamentos relacionados à escola. Tal como as pesquisas escolares eficazes (veja Capítulo 2, pp. 26-27), esses programas tiveram maior sucesso quando a participação dos pais foi integrada com sucesso a eles. O foco principal no EXCEL tem sido na implementação, ao invés do desenvolvimento do método educacional. Este projeto inicial foi elaborado, em parte como resposta aos pedidos dos coordenadores do projeto local por novos materiais de ensino, porque eles tinham dúvidas de como continuar com crianças que retornam pela segunda vez. O projeto agora desenvolveu uma quantidade considerável de planos curriculares detalhados, tanto para alunos da escola primária quanto da secundária (National Coucil of La Raza, 1996, 1999) e adolescentes (National Council of La Raza, 1998), embora nem tudo seja voltado para a comunidade.

A diversidade dos cenários nos quais estes exemplos ocorreram sugere que muitos grupos de crianças podem se interessar em investigar suas comunidades, especialmente quando lhes é dado algumas escolhas sobre o que investigar e são auxiliadas para desenvolverem produtos genuínos e de alta qualidade como resultado de seu trabalho (por exemplo, Foxfire produz revistas, registros, filmes, programas de televisão; as crianças no exemplo de Cazden apresentaram seus trabalhos para as pessoas da cidade local; as crianças de Navajo apresentaram seus resultados para grupos locais; as crianças em Porto Rico começaram a trabalhar em grupo para desenvolver e produzir uma peça sobre sua comunidade; as crianças em South Bronx participaram de conferências de pesquisa acadêmica). Além disso, em muitos dos exemplos, os pesquisadores observaram que as crianças expressam um afeto positivo em relação a essas atividades (por exemplo, comentários a cerca do valor do trabalho, dos seus sentimentos bons ao realizarem o trabalho).O CONTEÚDO DA MATÉRIA RADICAL-LOCAL

Dentro da perspectiva radical-local na educação, o estudo da comunidade não é um fim em si mesmo, ou um instrumento de mediação para criar condições de desenvolver habilidades básicas em alfabetização e habilidades matemáticas. Deve-se levar a sério que o conteúdo acadêmico da escolarização precisa ser relacionado à situação de vida local da criança. Um dos esforços mais compreensivos para ligar sistematicamente as

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condições da comunidade com o conteúdo dos materiais de ensino, de forma que também objetive o desenvolvimento educacional e pessoal dos alunos, é descrito por Freire (1968/1970). O conteúdo do ensino nas intervenções de Freire – as quais focaram o desenvolvimento da alfabetização de adultos – foi planejado explicitamente baseado em análises sociológicas e antropológicas das condições de vida dos alunos, os quais estavam acostumados a escolher o conteúdo e os tópicos do ensino que exigiam que os participantes confrontassem, refletissem e analisassem as suas relações sociais. Isto é, a preocupação não era apenas desenvolver as habilidades da alfabetização dos participantes, mas fazer de tal forma que desenvolvesse as capacidades dos participantes de analisarem e compreenderem a sua comunidade local e situação de vida de forma crítica podendo propiciar motivação e conhecimento para agir em mudança dessas condições.

Estas características do projeto de Freire – a análise das condições sociais a fim de identificar o conteúdo e os temas do ensino, o uso sistemático do conteúdo local como parte do desenvolvimento do conhecimento da matéria, a integração e o uso do conteúdo da matéria com a situação de vida dos participantes, o respeito pelo desenvolvimento pessoal e humano dos participantes (veja especialmente o Capítulo 2 em Freire, 1968/1970) – estão no ideal do espírito do ensino-aprendizagem radical-local. Embora o projeto de Freire não tenha sido direcionado às crianças, nós o mencionamos para reconhecer a inspiração que ele fornece para se pensar em relacionar o ensino acadêmico às situações de vida, um aspecto que nós achamos que deveria ser desenvolvido posteriormente na pesquisa educacional. Ao mesmo tempo, o trabalho de Freire não deveria ser considerado um ideal adequado para a educação de crianças, porque ele não apresenta uma análise suficiente das condições históricas, e é necessária uma análise da relação societal entre crianças e adultos.

Outro programa importante de trabalho em relação à ideia do ensino-aprendizagem radical-local são os recursos financeiros da metodologia de conhecimento (González, Moll, & Amanti, 2004). A ideia básica é que há uma ampla variedade e profundidade de conhecimento para ser encontrado entre as famílias que não são normalmente reconhecidas. No trabalho original, houve um foco na classe trabalhadora das famílias mexicanas (Moll & Greenberg, 1990; Vélez-Ibáñez & Greenberg, 1992), e foram feitos esforços para ter este conhecimento trazido para a sala de aula, não apenas em termos de sua substância, mas literalmente incorporados por pessoas da comunidade que vem para a sala de aula para falar com as crianças (Moll, Amanti, Neff, & González, 1992). Muitos benefícios positivos parecem surgir dessas interações. As crianças podem compreender a relação entre a sua escolarização e as atividades de emprego futuro; seus pais e vizinhos recebem um tipo de reconhecimento e agradecimento oficial como o de ter capacidades valiosas. Subsequentemente uma metodologia tem sido desenvolvida para que os professores possam aprender como fazer entrevistas etnográficas com famílias (González & Moll, 2002), as quais fornecem tópicos e temas que podem ser usados como parte do ensino de sala de aula. Mercado e Moll (2000) descrevem intervenções que compartilham um foco radical-local na importância do conhecimento local, mas parece não haver uma conceituação correspondente de como relacionar este conteúdo local ao desenvolvimento sistemático dos conceitos acadêmicos (por exemplo, Civil, 1994).

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ORIGEM FAMILIARO uso do conteúdo da matéria em relação à comunidade local é o

aspecto principal da perspectiva radical-local na educação investigada neste livro. No entanto, existem outros aspectos de práticas educacionais que deveriam ser pensados em uma perspectiva radical-local. Dado o foco no desenvolvimento da criança, é relevante considerar as tradições locais de prática em casa e na comunidade em relação à aprendizagem da matéria pelas crianças.

Algumas abordagens de pesquisa investigaram as dinâmicas de interação entre professores e alunos que vieram de origens culturais cujas tradições de interação entre adultos e crianças diferem das formas de interações tradicionais encontradas na escolarização tradicional (por exemplo, Philips, 1983). Estes projetos forneceram informações valiosas para ajudar a entender melhor como as condições de interações entre professores e alunos podem criar melhores condições para a aprendizagem, mas novamente estes projetos não conceituam a relação entre práticas caseiras e conteúdo da matéria escolar.

O Projeto de Educação Inicial Kammehameha (KEEP – Kammehameha Early Education Project) no Havaí focou primeiramente em desenvolver intervenções específicas para o desenvolvimento das habilidades de leitura para as crianças Havaianas das três primeiras séries. Uma parte importante do projeto foi compreender as interações de ensino e aprendizagem que são comuns à vida cotidiana das crianças fora da escola. Observações antropológicas ajudaram pesquisadores a identificarem formas de interação que poderiam ser adaptadas às atividades de sala de aula (por exemplo, Vogt, Jordan, & Tharp, 1993).

As experiências no KEEP mostraram que explicar fontes de conflitos culturais para os professores das salas de aulas, ou melhorar o seus usos de técnicas motivacionais para que as crianças ficassem empenhadas nas tarefas educativas não foram suficientes para melhorar a aquisição das habilidades de leitura. A abordagem KEEP foi de modificar as práticas de ensino tradicional por meio da seleção de algumas maneiras de interagir no meio de pares e adultos que as crianças tinham aprendido em casa e evitar outras formas de interagir que pareciam interferir nas atividades de aprendizagem (Jordan, 1985). ESCOLAS VOLTADAS PARA A COMUNIDADE

Nos últimos anos, houve possibilidades nos Estados Unidos a partir de diversas fontes de criar escolas públicas pequenas e inovadoras. Muitas dessas escolas, ambas primárias (por exemplo, Academia Semillas del Pueblo Charter School, Los Angeles, http://www.dignidad.org/english/history.html) e secundárias (Pedro Albizu Campos High School, Chicago, Antrop-González, 2003; Ramos-Zayas, 1998; El Puente Academy for Peace and Justice, Brooklyn, NY, Rivera & Pedraza, 2000; Nueva Esperanza Academy Public Charter High School, Philadelphia, http://www.neacademy.org/) foram abertas em comunidades predominantemente Latinas, e cujas auto-descrições refletem objetivos e preocupações com o ensino radical-local. São encontrados exemplos em outras partes do mundo onde há uma preocupação com o ensino acadêmico que é baseado em tradições educacionais nativas (por exemplo, na Nova Zelândia, Corson, 1993). Os objetivos estabelecidos nessas escolas parecem

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muito interessantes a partir de uma perspectiva radical-local, por causa do foco em usar a comunidade como uma fonte e foco de ensino. O que é mais difícil para nós avaliarmos, porque nós não vimos os detalhes das práticas escolares, é a dimensão para a qual os estudos voltados para a comunidade são usados para desenvolver a compreensão geral da matéria (isto é, o conhecimento teórico) que pode ser usada em relação às práticas sociais.Comentários Finais

Introduzimos a ideia do ensino-aprendizagem radical-local como uma perspectiva teórica para se pensar nas relações entre o desenvolvimento da criança e o ensino da matéria. A ideia geral de radical local expressa a tensão entre o local e o geral em uma prática educacional. Há uma necessidade de atender a prática individual em uma comunidade em relação à escolha e uso da matéria geral, como parte da realização de objetivos sociais para o desenvolvimento completo das crianças.

Tentamos mostrar que aspectos da ideia de uma perspectiva radical-local estão surgindo, quase sempre independentemente, em diversos projetos por todo o mundo. Alguns pesquisadores começaram a descrever a ideia, teoricamente, de usar o ensino da matéria para o desenvolvimento pessoal (por exemplo, Cummins, 1994), ou identificar o desenvolvimento, embora a ideia ainda não seja encontrada como um tema central dentro da pesquisa educacional até o presente momento. Especialistas em currículo progrediram em desenvolver ideias específicas de como incorporar material relevante (por exemplo, Banks, 1994; McIntyre, Rosebery, & González, 2001). Entretanto, muitas das intervenções práticas e virtualmente todas as pesquisas discutidas neste capítulo (incluindo a nossa própria), não têm nenhuma interação ou influência significante uma com a outra5.

Além disso, nós não encontramos exemplos de pesquisa educacional onde havia um foco claro ligando explicitamente o ensino da matéria com o desenvolvimento pessoal dos alunos. Em contraste com o trabalho prático desenvolvido por Freire e as escolas inovadoras, pesquisadores educacionais geralmente não investigaram diretamente as implicações de suas intervenções para o desenvolvimento pessoal das crianças (por exemplo, a relação entre o conteúdo das atividades escolares e o conhecimento e capacidades específicas que as crianças desenvolvem em suas vidas fora da escola). Uma perspectiva radical-local na educação fornece uma forma unificada de conceituar as relações entre o ensino da matéria, condições e conteúdo da comunidade local, e o desenvolvimento da criança, para que uma integração desses aspectos seja vista como sendo necessária, ao invés de estar em conflito ou contradição, uns para com os outros.

Este foco na inter-relação necessária entre conteúdo da matéria, comunidade local e desenvolvimento da criança na prática pedagógica é o núcleo da perspectiva radical-local. Partindo deste ponto de vista não é suficiente usar material familiar das vidas cotidianas dos alunos simplesmente porque eles podem ter uma chance melhor de ficarem empenhados no material de ensino e ter uma chance maior de integrar esse material dentro da sua compreensão da sua situação de vida. Como um princípio geral, é dúbio que a mera presença de materiais culturalmente relevantes seja suficiente para as crianças tanto para entender o significado 5 Mas veja R.T. Carter e Goodwin (1994) cuja reflexão erudita movimenta-se naquela direção.

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desses materiais em relação às tradições da matéria quanto em relação às implicações e possibilidades para as suas próprias vidas. Em outras palavras, não são apenas os estudos voltados para a comunidade que são críticos, mas também o seu potencial de desenvolver uma ligação mais próxima entre o conteúdo da educação escolar, os interesses e motivos dos alunos, o desenvolvimento de sua compreensão conceitual e a sua relação com o seu desenvolvimento societal.

Embora seja útil, talvez até mesmo importante, usar material proveniente do ambiente societal diário das crianças como uma forma de ativá-los a empenharem-se em atividades intelectuais e de alfabetização, não é suficiente como um objetivo educacional. Serem ativadas não é a mesma coisa de usar esse material de forma que fortaleça relações disciplinares e críticas entre o material e a situação de vida de alguém. No próximo capítulo desenvolvemos nossa análise considerando como usar o ensino da matéria em relação ao desenvolvimento pessoal.

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CAPÍTULO 4

A relação do conhecimento com o Ensino-Aprendizagem a partir de uma perspectiva radical-local

Em suas pesquisas, S. Scribner (1984, 1992) e Lave (1988, 1992) identificaram diferentes maneiras pelas quais a aritmética é aprendida e usada na comunidade, em casa, na escola e no trabalho. Esses pesquisadores argumentaram que a escola tem o seu próprio tipo de conhecimento que na maioria dos casos não está relacionado ao conhecimento usado na vida da comunidade, de casa e do trabalho.

Diferentes áreas da vida – em casa, na comunidade, na escola e no trabalho – há formas diferentes de prática e conhecimento os quais contribuem diferentemente para a formação de conceito e pensamento das crianças. Pode ser, portanto, uma tarefa difícil para as crianças relacionarem o conhecimento escolar aos seus conhecimentos cotidianos da comunidade e da vida em casa. Essa diferença entre conhecimento de vida na comunidade, em casa, na escola e no trabalho não é geralmente reconhecido pelos professores e, portanto, eles não fornecem ajuda para construir uma ponte entre as lacunas do conhecimento acadêmico e “local”. Se os professores reconhecem essas diferenças e são bem sucedidos em estabelecer uma ligação entre o conhecimento local e o acadêmico, então os alunos obtêm a possibilidade de basearem-se no conhecimento local ao aprender a matéria e usarem a matéria ou o conhecimento acadêmico nos cenários caseiros e comunitários. No Capítulo 3 nós caracterizamos os princípios para o ensino que pode criar essas ligações como radical-local. A ideia do ensino radical-local é de apoiar as crianças para se apropriarem dos conceitos da matéria para analisarem as suas vidas cotidianas em casa e na comunidade para que eles se tornem melhor em compreender sua comunidade e ação em relação às suas vidas futuras. Para projetar práticas de ensino que criam condições para formar essas ligações, nós devemos ter uma conceituação mais diferenciada do conhecimento da matéria e do conhecimento local.

Para analisar o conhecimento da matéria, baseamo-nos na teoria de Davydov (1972/1990) sobre o conhecimento teórico e empírico e na concepção de Bruner (1986) sobre o conhecimento narrativo. Para relacionar essas formas de conhecimento ao conhecimento local, queremos introduzir uma diferenciação entre os tipos de conhecimento: societal, geral e pessoal. Conhecimento societal, geral e pessoal em relação ao conhecimento acadêmico

O conhecimento geral é sempre localizado em relação a uma área específica da vida (por exemplo, em casa, na escola e no trabalho). A prática dentro de uma área da vida tem problemas de ser controlada, objetivos de serem realizados e novas possibilidades de serem criadas. O conhecimento geral (o qual pode ser expressado de forma empírica, narrativa e teórica) refere-se ao conhecimento que é usado comumente para resolver estas necessidades.

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O conhecimento societal foi originalmente um tipo de conhecimento geral que evoluiu por meio de prática em uma área específica, mas que foi agora ampliado para outras áreas da vida. Quando essa lógica pode ser ampliada ou adaptada às outras áreas da vida (as quais não têm necessariamente os mesmos problemas ou necessidades da área original), então nós o chamamos de conhecimento societal (o qual pode ter forma empírica, narrativa, teórica).

Focaremos no conhecimento geral ligado à prática escolar o qual chamaremos de conhecimento da matéria ou acadêmico. O conhecimento geral de casa e da comunidade chamaremos de conhecimento local. Neste capítulo, analisaremos três formas de conhecimento – empírico, narrativo e teórico – que caracterizam o conhecimento acadêmico e discutem como eles podem ser relacionados ao conhecimento local.

Como discutido no Capítulo 3, Vygotsky diferenciou o conhecimento acadêmico do conhecimento pessoal.

O conhecimento cotidiano pessoal refere-se ao conhecimento e habilidades que uma pessoa usa espontaneamente nas atividades diárias (por exemplo, uma criança de três anos de idade brincando com seu carrinho ou um físico calculando em seu laboratório) em casa, na comunidade, na escola, no trabalho, clubes, encontros esportivos e assim por diante. Na prática educacional o aluno deveria reconhecer que há um conhecimento acadêmico que transcende o seu conhecimento pessoal o qual deveria motivá-lo em direção ao ensino de sala de aula e conhecimento acadêmico. O objetivo do ensino radical-local é de que os alunos se apropriem do conhecimento acadêmico para que ele se torne conhecimento pessoal que é usado em relação à comunidade e outras áreas do cotidiano.

Os conhecimentos, sociais, gerais e pessoais não são mutuamente exclusivos. Não há conhecimento societal se não há prática institucional que exija o conhecimento geral e não há pessoas para interpretar os significados dos eventos, objetos ou símbolos em uma prática especifica. O conhecimento pessoal é sempre localizado em um cenário societal e histórico.

Para as crianças que estão entrando na escola pela primeira vez, os conhecimentos locais encontrados nas práticas familiares e comunitárias já estão transformados em conhecimentos pessoais. Este conhecimento pessoal continua a se desenvolver a medida que novas práticas são apresentadas à criança na escola bem como em casa e na comunidade. Como o conhecimento pessoal da vida das crianças em casa e na comunidade se relacionará ao conhecimento acadêmico na escola depende da forma do conhecimento acadêmico e da prática de ensino. Formas de conhecimento que caracterizam o ensino escolar

CONHECIMENTO EMPÍRICO E MODOS DE PENSAMENTO PARADIGMÁTICOO conhecimento empírico é refletido em conceitos abstratos que são

atingidos através de observação, descrição, classificação e quantificação (Bruner, Goodnow & Austin, 1956; Davydov, 1988, 1972/1990; Gagné, 1966). Esta forma de conhecimento pressupõe que o mundo pode ser representado corretamente, e a representação correta fornece a possibilidade de medição precisa. O conhecimento empírico pressupõe o

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uso de categorias para a sua representação. Semelhanças e diferenças são distinguidas, o que é a fundação para a construção de categorias. Categorias podem ser organizadas hierarquicamente dentro de super e subcategorias, e sistemas e redes hierárquicas podem ser criadas. Paradigmas da lógica clássica são os métodos para combinar categorias de conhecimento.

O pensamento paradigmático é o modo de pensamento do conhecimento empírico (Bruner et al., 1956; Bruner, 1974). No pensamento paradigmático, o foco é em criar consistência na informação por maio do uso de categorias. O pensamento paradigmático transcende o observável buscando formas maiores de abstração que combinam categorias observáveis (Bruner, 1986, p.13).

O conhecimento empírico ou conhecimento factual influencia grande parte da vida cotidiana das pessoas nas sociedades ocidentais industrializadas e caracteriza a atividade educacional da maioria das escolas hoje em dia (Davydov, Lompscher, & Markova, 1982; Davydov1988, 1972/1990). Em uma perspectiva empírica o conhecimento é conceituado como blocos de construção mental que podem ser empilhados, ou como peças de quebra-cabeça que podem ser juntados. O conhecimento adquirido não muda a menos que se prove que a informação está errada. Assim como um prédio é construído ou um quebra-cabeça é montado, pode-se construir um sistema conceitual a partir dos elementos de conhecimento que permanecem os mesmos. Este pressuposto é refletido em muitas das matérias de ensino escolar hoje em dia (por exemplo, na biologia, na história nacional) onde o objetivo é apresentar partes de todas as diferentes áreas do domínio de um assunto e onde a apresentação do conhecimento é fornecida como fatos.

Quando o ensino escolar é organizado em torno do conhecimento empírico, os métodos de investigação e o conteúdo da matéria não são usualmente ensinados juntos. A matéria pode ser diferenciada em temas de habilidades (leitura, escrita, matemática, línguas estrangeiras) e conteúdos (história, geografia, biologia). Os temas de habilidades são, então, usualmente ensinados como “paradigmas” sem preocupação com o conteúdo, enquanto que os conteúdos podem ser apresentados em forma de palestras para serem ouvidas e lembradas sem se preocupar com os aspectos das habilidades (Davydov & Markova, 1983; Lompscher, 1985). Se o ensino é baseado apenas no conhecimento empírico ele orientará os alunos a adquirirem conceitos de domínios de assuntos diferentes que não estão relacionados uns com os outros ou com seu mundo de vida local. CONHECIMENTO NARRATIVO E MODOS DE PENSAMENTOS DIALÓGICOS Bruner é o principal proponente a formular as características epistemológicas do conhecimento e do pensamento narrativo. As características chaves do conhecimento narrativo são: (a) mutabilidade das intenções, (b) possíveis objetivos e perspectivas mútuas que se interagem, e (c) envolvimento de sentimentos e emoções (Bruner, 1986, pp. 16-25).

Os modos de pensamentos dialógicos narrativos estão ligados ao problema de dar sentido às experiências pessoais transcendendo o seu caráter estabelecido e relacionando-as aos temas gerais da vida humana. Bruner descreve o método para isso em três categorias: pressuposição, a criação do implícito ao invés do significado explícito; subjetivação, a

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representação da realidade por meio de uma visão pessoal; e perspectivas múltiplas, contemplando o mundo não universalmente, mas simultaneamente por meio de visões diferentes as quais cada uma expressa parte disso (Bruner, 1986 pp. 25-26). Exemplos de conhecimento narrativo são: descrições épicas, romances, comédia, drama e poesia. Modos de conhecimentos e pensamentos narrativos podem também ser vistos em “teorias folclóricas” sobre os eventos da vida cotidiana.

O conhecimento e o pensamento narrativo caracterizam a comunicação nas práticas cotidianas das crianças em casa e entre pares, mas não é normalmente estimulado na escola. Teorias educacionais que preferem o diálogo como a principal forma pedagógica podem ser vistas como estimuladoras do conhecimento narrativo e do pensamento dialógico. O projeto pedagógico de Ziehe (1978) na Glocksee School, baseado nas ideias de Habermas sobre uma situação de discurso ideal (por exemplo, livre do uso de poder e dominação), pode ser visto como um exemplo de uma pedagogia narrativa. Essa pedagogia tem sido muito influente no sistema escolar dinamarquês. Quando o conhecimento narrativo é a forma dominante do conhecimento acadêmico em situações pedagógicas, então as relações conceituais chaves que se desenvolveram através da história das diferentes tradições das matérias são difíceis de mostrar aos alunos. CONHECIMENTO TEÓRICO E MODOS DE PENSAMENTOS DIALÓGICOS

Os conceitos da matéria estão relacionados uns aos outros em sistemas onde os estes se complementam mutuamente para que se uma mudança em um conceito acontecer ela será refletida em todas as relações centrais do sistema. Este tipo de conhecimento pode ser conceituado como “ferramentas mentais” na forma de teorias e modelos das áreas das matérias que podem ser usadas para compreender e explicar eventos e situações (atividades concretas da vida) e para organizar ações.

O conhecimento teórico e os métodos dialéticos não têm sido predominantes no ensino escolar ou tradições científicas. Exemplos desta forma de conhecimento são normalmente encontrados em áreas profissionais e científicas tias como a biologia (por exemplo, Charles Darwin), economia política (por exemplo, Karl Marx), física (por exemplo, Niels Bohr), psicologia (por exemplo, Lev Vygotsky e Kurt Lewin), pedagogia (por exemplo, John Dewey), sociologia (por exemplo, Pierre Bourdieu) e filosofia (por exemplo, G. W. F. Hegel).

Um modelo nuclear é um modo de pensamento central dentro da tradição do conhecimento teórico. Modelos nucleares contém células germinativas – as relações básicas, oposições e complementações que aparecem dentro de diversos fenômenos estudados dentro de uma área da matéria (Davydov, 1972/1990; Davydov et al., 1982). Por exemplo, na biologia uma célula germinativa é a relação entre o organismo – contexto. Essa relação pode facilmente ser reconhecida em todos os assuntos biológicos específicos. Tal relação nuclear pode ser ampliada com uma nova relação, a qual influencia e muda o significado dos conceitos iniciais, os quais foram definidos através da relação inicial. Por exemplo, no domínio do assunto da zoologia, o organismo da relação nuclear geral – o contexto pode ser formulado mais especificamente como animal – natureza. Essa relação é especificada posteriormente quando ela é aplicada na investigação de problemas específicos tais como a evolução dos animais. A relação nuclear

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animal – natureza é elaborada a partir das relações entre os conceitos de espécie, da população e nicho ecológico. Depois que essa célula germinativa elaborada é formulada em um modelo nuclear, ela pode ser reconhecida e usada em análises das condições para uma espécie sobreviver em um habitat.

O conhecimento teórico de uma área problemática (situação-problema?) usualmente emerge por causa de uma necessidade, ou interesse de resolver problemas e contradições que são centrais para a sociedade. Este conhecimento é desenvolvido por meio de um processo de experimentação, no qual métodos e estratégias são usados para introduzir mudanças no fenômeno que está sendo estudado (Lektorsky, 1999), e relacionando os resultados aos modelos teóricos que postulam as relações nucleares (centrais) envolvidas na aparência das variações observadas. As formas de experimentação usadas para introduzir mudanças podem envolver mudanças físicas e reais em um fenômeno ou mudanças imaginativas. Experimentação imaginada pode tornar-se uma ferramenta para analisar e refletir sobre o conteúdo que está sendo investigado, o qual pode então ser usado para desenvolver o conhecimento dialético teórico.

Experiência imaginativa foi usada no experimento de ensino dinamarquês no qual as crianças trabalharam com o modelo nuclear das espécies, da população e do nicho ecológico (Hedegaard, 1990). Depois de ter trabalhado por algum tempo com o estudo dos animais no deserto e no ártico, foi pedido aos alunos da terceira série que imaginassem o que aconteceria ao urso polar se ele fosse transferido para o Deserto do Kalahari e a lebre do deserto fosse transferida para a Groenlândia. As crianças levaram em consideração o nicho ecológico do urso polar e da lebre do deserto nessa experiência imaginada, da qual eles concluíram que cada espécie adapta ao seu próprio nicho ecológico específico. Eles generalizaram esta conclusão para outras espécies, formulando assim uma relação conceitual geral entre espécies e nicho ecológico.

Através do uso de conhecimento dialético teórico e estratégias de pensamento dentro de uma área problemática, é dada a possibilidade de os alunos organizarem experiências concretas em relação a um modelo nuclear conceitual que pode ser usado para analisar novas experiências e conhecimento empírico, ligando-os a um sistema teórico coerente. Quando essas experiências concretas são baseadas em parte no conhecimento pessoal e local, e os modelos nucleares adquiridos em diferentes áreas da matéria são relacionados ao conhecimento local, juntamente com os métodos de investigação que capacitam as crianças para analisar e entender a complexidade de práticas diferentes, então começamos a realizar a ideia do ensino-aprendizagem radical-local.FORMAS DE CONHECIMENTO E TRADIÇÕES HISTÓRICAS DA PRÁTICA ESCOLAR

As tradições da matéria na prática escolar refletem uma combinação de exigências sociais e formas de conhecimento que caracterizam as diferentes matérias. Na educação primária, dentro da mesma matéria, formas diferentes de conhecimento dominaram em épocas diferentes. Uma forma de conhecimento narrativo é predominante no ensino da alfabetização/língua materna e história através da história das reformas escolares nas sociedades ocidentais. Formas de conhecimento empírico têm

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sido dominantes nos currículos escolares da ciência natural e da matemática. Para ilustrar a ideia da mudança histórica das formas dominantes de conhecimento revisamos brevemente as mudanças das visões sobre o conteúdo e propósito da educação dentro do sistema escolar da Dinamarca, com foco especial no ensino da alfabetização e da história.

Quando obrigatória, a educação escolar universal foi introduzida na Dinamarca no início do século 19, os objetivos principais eram de ensinar as crianças a lerem (particularmente a Bíblia), para se tornarem bons cristãos e obedecerem às leis estaduais. A igreja Protestante Luterana foi (e ainda é) a religião do Estado. Os bispos supervisionavam as escolas. O conhecimento teórico dominava o currículo. O catecismo luterano era usado tanto como uma matéria quanto como um livro de leitura. Após uma reforma escolar no início do século 20 o currículo mudou porque outros objetivos também se tornaram importantes, mas a formação do “bom cristão” ainda permaneceu central. Com uma segunda grande reforma escolar no final de 1950 outros objetivos, tais como habilidades de leitura, escrita, raciocínio lógico e o conhecimento do mundo físico e biológico, se tornaram importantes como uma fundação para a educação posterior. A preparação para o trabalho e a participação em uma sociedade democrática tornaram objetivos explícitos para a educação escolar. O ensino religioso protestante permanece como parte do ensino da matéria, mas ele não domina o ensino da leitura e da escrita e já não mais existe um exame regulado pelo Estado ligado a esse conteúdo.

A leitura e a escrita agora são ensinadas nas séries primárias com uma base empírica, onde o objetivo principal das lições dinamarquesas é ensinar a criança a decorar texto escrito (Johansen & Kreiner, 1992). O conteúdo dos textos ou das formas literárias na escola primária dinamarquesa ainda não é conceituado como importantes.

A história foi introduzida como uma matéria nas escolas dinamarquesas no início do século 20. A forma narrativa de conhecimento caracterizou o ensino da história até a década de 1950 e a formação da identidade nacional era o objetivo do ensino da história quando introduzida pela primeira vez. Este objetivo mudou (após a Segunda Guerra Mundial) na década de 1950, quando uma mudança societal massiva de uma sociedade agrícola para uma sociedade industrializada do bem-estar aconteceu na Dinamarca. Esta mudança refletiu-se na reforma escolar da década de 1950, quando o conteúdo da história mudou de um currículo narrativo para um currículo (Historiedidaktik i Norden 2, 1985; Sødring-Jensen, 1978; Hedegaard, 1998) empírico (voltado para o fato). Atualmente o valor da forma narrativa do ensino de história é novamente promovido por vários pesquisadores na didática da história (Depew, 1985; Historiedidaktik i Norden 3, 1988; Sødring-Jensen, 1990) os quais discutem, como os educadores fizeram na década de 1880, que essa forma de conhecimento é importante para a formação da personalidade e da identidade das crianças.

Formas de conhecimento nas atividades do cotidiano

Um objetivo de todas as práticas educacionais, radical-local ou outras, é desenvolver o conhecimento acadêmico que pode ser usado

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espontaneamente nas atividades individuais em casa, na comunidade, na escola, no trabalho, nos clubes, nos esportes, e assim por diante. As maneiras particulares nas quais o conhecimento acadêmico pode ser usado dependem da sua forma. Os conhecimentos acadêmicos empíricos e narrativos não são particularmente eficazes para mudar a atividade diária das crianças, enquanto o conhecimento acadêmico teórico não é normalmente encontrado no uso diário.

Os materiais e as tarefas no típico ensino escolar são dominados pelo conhecimento empírico, normalmente em forma de conhecimento de fatos ou textos. Como tal ele raramente torna-se útil para a vida dos alunos fora do contexto escolar. Muitos livros escolares são compostos principalmente de conhecimento empírico, apresentando fatos sobre muitas coisas diferentes dentro do domínio de um conteúdo de forma desintegrada, sem um princípio de organização fácil de entender que liga as diferentes partes e ultrapassa o domínio específico. Os alunos ensinados dessa maneira não adquirem um método de questionar como que fatos específicos dentro do domínio de uma matéria estão relacionados às condições específicas. Eles não aprendem a usar o seu conhecimento escolar abstrato apropriado para relacionar e questionar dentro do mundo em que vivem.

Nas típicas práticas de ensino atuais, o conhecimento empírico da matéria e geralmente combinado com o conhecimento local usando este conhecimento para ilustrações (por exemplo, exemplos matemáticos usam situações familiares, o ensino da biologia baseia-se em plantas e mamíferos locais). Entretanto, a forma empírica de conhecimento tem pouca possibilidade de auxiliar as crianças a usarem os seus conhecimentos da matéria em contribuição para a prática escolar. O pensamento paradigmático pode funcionar como paradigma para regras gramaticais ou cálculos matemáticos, mas não há uma lógica interna entre essas atividades e as atividades cotidianas fora da escola.

O conhecimento da matéria na forma narrativa pode ser combinado facilmente com as narrativas diárias locais através de exemplos da própria experiência das crianças. O conhecimento narrativo também pode ser criado como experiências compartilhadas entre alunos por meio de diferentes tipos de projeto de trabalho dentro de uma área da matéria. O uso do diálogo, uma característica principal do conhecimento narrativo, é um método central para desenvolver as competências sociais e um método importante para desenvolver instituições democráticas na sociedade. Entretanto, se não se tem um quadro para ancorar o diálogo, então, deve-se aceitar um relativismo no qual o falante mais fluente ou persuasivo determina qual conhecimento é valioso. Se pessoas diferentes selecionam narrativas diferentes, então, os procedimentos que caracterizam a produção do conhecimento narrativo não fornecem uma forma de resolver o conflito de qual conhecimento deve-se confiar.

É difícil encontrar exemplos de conhecimento escolar que se tornaram conhecimento teórico local para que este conhecimento possa funcionar como a ferramenta do aluno para reflexão e ações habilidosas. Nós acreditamos que isto reflete mais sobre as tradições existentes do ensino escolar do que qualquer limitação fundamental na habilidade dos alunos de pensar teoricamente. Criancinhas na pré-escola e na idade escolar inicial geralmente desenvolveram um sistema associado de compreensão através de brincadeiras e participação em atividades com

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adultos e crianças mais velhas e através de sua própria reflexão sobre fenômenos que são importantes para eles. Eles ponderam sobre as relações que eles não podem experimentar diretamente, tal como, a relação entre vida e morte, o tamanho do mundo e onde ele acaba, e muito mais dessas perguntas filosóficas sobre “o mundo e a vida”. Essas formas de pensamento são precursoras para se pensar dialeticamente utilizando o conhecimento teórico. O objetivo do ensino-aprendizagem radical-local é criar condições para que seja possível às crianças adquirirem conhecimento teórico que possa ser integrado ao uso do dia a dia.A importância do conhecimento teórico para a integração do conhecimento acadêmico, local e pessoal

Neste capítulo, delineamos formas diferentes de conhecimento para ampliar a ideia de Vygotsky (veja o capítulo 3) de que o desenvolvimento do conhecimento da matéria e o conhecimento cotidiano local das crianças podem enriquecer um ao outro. O conhecimento do cotidiano pode ser uma precondição para uma criança aprender o conhecimento da matéria, mas o desenvolvimento de uma criança do conhecimento cotidiano não deixa de ser importante. Reciprocamente, o conhecimento da matéria pode ser integrado ao conhecimento cotidiano através da atividade de aprendizagem da criança. O tipo de atividade de aprendizagem que estimula essa integração é guiada pelo conhecimento teórico onde modelos nucleares guiam a experimentação e a exploração das crianças.

A tarefa educacional na escola deveria ser de ensinar os conceitos das matérias para as crianças por meio da relação com o conhecimento local e pessoal. Utilizar uma abordagem educacional que enfatiza o conhecimento teórico e os métodos dialéticos dentro de uma área da matéria, permite à criança uma possibilidade de relacionar o conhecimento local concebido de uma forma metodológica para os conceitos da matéria e ela pode investigar e talvez analisar as condições para tmas locais específicas. Os conceitos cotidianos das crianças podem, assim, ser ampliados pelos conceitos da matéria. Através da utilização dos conceitos da matéria, integrados em modelos nucleares para analisar a atividade local diária, o ensino fornece às crianças novas habilidades e possibilidades para agirem.

Acreditamos que um foco em temas locais no processo de desenvolver conhecimento teórico da matéria será importante para o desenvolvimento do conhecimento pessoal das crianças. Semelhantemente, um foco em temas locais relacionados com o contexto das crianças independentemente se a sala de aula é culturalmente diversificada ou homogênea, fornece uma maneira de prender os interesses das crianças e levar em conta seus conhecimentos cotidianos no desenvolvimento do conhecimento da matéria.

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Capítulo 5

Desenvolvimento e aprendizagem da criança

Como a aprendizagem pode ser desenvolvimental? Isto é, no que se diz respeito aos alunos, como pode a aprendizagem da matéria contribuir para o seu desenvolvimento psicológico?

Conceituamos o desenvolvimento da criança como um processo cultural no qual uma criança se apropria de motivos e conhecimentos através de participação em práticas institucionais. No Capítulo 3, nós apresentamos um modelo geral de prática institucional que especifica três aspectos da prática que são condições de um para o outro. Um aspecto se refere às tradições sociais para prática educacional, outro se refere às tradições gerais e um terceiro se refere à prática local e atividade individual. As principais instituições educacionais para as crianças em idade escolar são a família, a escola e as instituições após a escola (afterschool, contra-turno?). Tradições para prática nestas instituições são as condições e fonte para desenvolvimento de motivos e competências das crianças. A questão é como relacionar os motivos e competências adequadas ao longo da vida familiar e comunitária como matéria ensinada na escola. Nós iremos apresentar nossa conceituação da relação entre desenvolvimento e aprendizagem das crianças, focando no desenvolvimento motivacional e valendo-se de nossas ideias sobre prática institucional e teorias histórico-culturais de desenvolvimento infantil.Períodos no desenvolvimento da criança

As crianças se apropriam de motivos e competências através da criação e educação, onde ambos contribuem para o aprendizado pela participação nestas atividades institucionalizadas. Apropriação e motivos são necessários para a participação ativa e completa na vida familiar e escolar, trabalho e vida comunitária.

O desenvolvimento pode ser iniciado por mudanças qualitativas em práticas nas quais uma criança participa. Mudança na prática pode aparecer em várias formas, a mais óbvia é quando a criança é introduzida em uma nova instituição como o jardim de infância, escola, ou instituições pós-escola e assim é introduzido a novas atividades. Além disso, mudança ou introdução de novas atividades em instituições nas quais a criança já participa pode também contribuir para o seu desenvolvimento. Se a mudança na prática ou novas atividades influenciarão o desenvolvimento da criança de seus motivos, conhecimento e habilidades, isso dependerá da possibilidade da criança de perceber suas intenções e criar seus próprios objetivos nessas novas atividades.

Daniel B. El’konin (1999) descreveu a personalidade do desenvolvimento das crianças como o processo por três principais períodos (primeira infância, infância, adolescência), onde cada período reflete as mais importantes tradições para a prática nas instituições características de sociedades industrializadas: família/creche, escola/contra-turno, e local de trabalho. A transcendência de um período para o próximo é dependente de mudanças qualitativas na situação societal da criança (Vygotsky, 1998, Capítulo 6) que muitas vezes reflete mudança das práticas institucionais.

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Na teoria de D. B. El’konin cada período contém dois estágios que são caracterizados de acordo com a dominância relativa do motivo e competência. O primeiro estágio é caracterizado primeiramente pelo desenvolvimento do motivo, enquanto o segundo estágio é caracterizado primeiramente pela apropriação de conhecimento/habilidade que é necessário para realizar os motivos formados no primeiro estágio. O conhecimento apropriado e habilidades dão a possibilidade para participar em novas práticas, as quais abrem o caminho para a aquisição de novos motivos e um novo período de desenvolvimento em que o posterior desenvolvimento destes motivos é o foco do primeiro estágio deste período.

No período da primeira infância, a situação societal do desenvolvimento é um no qual a criança é dependente do adulto para conhecer tudo o que é necessário. O primeiro estágio deste período é, portanto dominado pela orientação para o contato emocional direto com outras pessoas, que por sua vez motiva um estágio de aquisição de conhecimento sobre a manipulação de objetos que fazem parte daquelas interações. Na aprendizagem de manipulação de objetos, crianças têm a possibilidade de entrarem em um novo período de desenvolvimento, infância, no qual elas podem usar suas habilidades em manipular objetos para entrarem em interações orientadas para o desenvolvimento de papeis em relação a outras pessoas (isto é, o primeiro estágio deste novo período). Este conhecimento dá suporte ao desenvolvimento dos motivos das crianças para aquisição de conhecimentos necessários para a prática destas atividades, que por sua vez suportam um estágio de aprendizagem formal que é normalmente associado com o aluno. O período da adolescência inicia com um estágio de relações pessoais próximas, seguido de ocupação/trabalho.

Crianças participam na criação de formas específicas e locais das atividades que caracterizam vida familiar e a vida escolar6 e, assim, também influenciam as condições para seu próprio desenvolvimento. A inter-relação entre o conhecimento da criança e desenvolvimento motivacional e seu ambiente começa desde o nascimento, pois uma criança recém-nascida inicia uma nova dinâmica na família. Pai e mãe criam e se adaptam às exigências da criança e a exigência da criança adapta e cria novas formas de interação entre pais e criança, entre os próprios pais e entre parentes e outras pessoas. De modo similar, a sala de aula e as instituições de contra-turno são influenciadas pelas crianças que frequentam estas instituições – isso não é um processo de mão única.

Nossa conceituação de desenvolvimento infantil pode ser resumida pelos pontos a seguir.

1. Desenvolvimento psicológico das crianças ocorre através de uma reprodução criativa de práticas culturais por meio da interação e comunicação com outras pessoas nessas atividades.

6 Hoje com a mudança societal em uma sociedade pós-industrial, outro período é necessário para entender o desenvolvimento infantil relacionado ao longo do período entre o término da escola primária, obter uma ocupação e formar uma família. As principais instituições neste período são o ensino médio, faculdade ou outra forma de preparação para a vida de trabalho. As atividades neste período são orientadas mais para a cultura jovem e qualificação profissional, do que para vida de trabalho e planejamento de uma família. Portanto novos tipos de motivos dominantes caracterizam a população jovem hoje, os quais são motivados em fazerem parte da cultura jovem e por qualificação profissional.

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2. Através destas práticas elas apropriam necessidades culturais, motivos, habilidades e conhecimento.

3. Estas apropriações ocorrem através de interação e comunicação, primeiramente em práticas institucionais as quais se tornam contexto para as atividades pessoais da criança, (isto é, a família, a escola, o contra-turno).

Prática cultural e desenvolvimento do motivo pessoal

Nós conceituamos motivação e motivos como a relação dinâmica entre pessoa e prática. Motivos são conceituados como culturalmente criados pela prática e, portanto tem uma influência estrutural na prática (Leontiev, 1975/1978). Uma pessoa adquire motivos através da participação em práticas institucionais. Os motivos de uma pessoa desenvolvem através de mudanças na dinâmica de uma situação societal dela por participação na prática. Os motivos de uma pessoa podem desenvolver por necessidades biológicas, onde o modo cultural de satisfazer estas necessidades se torna mais importante que elas: Por exemplo, o desejo por motivos específicos objetivados, associados com necessidades tais como fome, na qual se transforma em vontades por diferentes tipos de comida; e sexo, no qual se transforma em desejos de estar com a pessoa que ama. Motivos podem também ser desenvolvidos independentemente de necessidades de aquisição de valores culturais de práticas institucionalizadas, tais como um motivo por discussões intelectuais, um motivo por ser acreditado e confiado pelos amigos.

Motivos apropriados pessoalmente se tornam um aspecto mais permanente da vida da pessoa, dando direção e atividade em diferentes situações. Uma atividade ou tarefa pode ser motivadora se for relacionada com os motivos da pessoa. Motivação lida com a dinâmica da prática local em que uma pessoa está envolvida e descreve os aspectos dinâmicos de ações em situações concretas diárias.

Os motivos de uma pessoa são relacionados uns com os outros. A relação entre diferentes motivos podem tomar a forma de uma hierarquia, mas para as crianças esta hierarquia não é muito estável. O que é mais importante em um ponto pode mudar quando a criança é introduzida em novas atividades. Se brincar é o motivo dominante para uma criança começando na escola, outros motivos serão submetidos a este. Por exemplo, uma criança, para a qual brincar é a atividade dominante, pode desenvolver uma tarefa por um tempo maior se for incorporada a uma dramatização, do que se for dada isoladamente. (D. B. El’konin, 1988). Reciprocamente, uma criança na escola que tenha adquirido um motivo de aprendizagem se envolverá por um tempo maior se ela pensar que a atividade é séria e não uma atividade de brincadeira. Esta criança, por exemplo, participará de atividades esportivas para obter pontos ou ganhar, mas perderá interesse se a atividade esportiva for realizada apenas como uma brincadeira. Isto não implica que um motivo anteriormente dominante da criança desaparece, apenas toma outra posição na hierarquia dos motivos da criança.

Vygotsky e D. B. El’konin construíram-se no pressuposto que as relações sociais entre crianças e adultos dão conteúdo e forma para o desenvolvimento de motivos e cognição das crianças. No entanto, relações sociais apenas não são desenvolvimental. Sim, o desenvolvimento é compreendido como resultado das exigências criadas pela situação societal

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do desenvolvimento, que decorre da interação entre os motivos das crianças e as exigências do adulto associado com a prática na qual eles estão engajados. No desenvolvimento dessa nova questão, Boris D. El’konin (1993) pegou a idéia de D. B. El’konin de arquétipo da vida adulta como a forma ideal de como cada criança imagina seu futuro. Estas formas ideais se manifestam através de eventos, as ações reais de pessoas que mediam essas formas. Adultos têm um importante papel como professores ou mediadores em apresentar essas formas, ambos nos eventos diários de casa, na vida comunitária e na escola.

Essas formas ideais devem ter a possibilidade de serem combinadas com a vida real através de eventos pelos quais a imagem da vida adulta é exemplificada como uma categoria chave que postula a integridade da infância. A vida da criança e o modelo de vida do adulto têm que ser agitada.

A tarefa do professor que vai criar condições para a aprendizagem, de modo que a aprendizagem será desenvolvimental, é ajudar a criança mover da perspectiva de eventos locais e práticas da vida cotidiana para a perspectiva de possíveis eventos e capacidades.

No modelo de desenvolvimento de D. B. El’konin, aprendizagem é retratada como o motivo dominante na idade pré-escolar. Isto não significa que a criança não está aprendendo em outros períodos. Mas aprendizagem em diferentes períodos se difere qualitativamente. Crianças na pré-escola em suas atividades recreativas são orientadas pelo mundo adulto. Através de suas atividades recreativas, crianças exploram as relações adultas e assim formulam suas visões e questões sobre as atividades adultas. Na transição para a idade escolar, as crianças começam a reconhecer a insuficiência dos conhecimentos e habilidades usadas para ‘executar’ suas atividades recreativas. ‘Como se’ não fosse mais suficiente para as crianças que estão em idade da pré-escola. Eles querem ser capazes de adquirir as atividades qualificadas da vida adulta (por exemplo, ser capaz de ler, calcular e manipular ferramentas como os adultos). Brincar como um motivo dominante começa a se tornar subordinado ao motivo da aprendizagem o qual começa a dominar o mundo da criança em idade da pré-escola. O motivo de aprendizagem é iniciado mais cedo, mas este motivo primeiro se torna dominante quando as atividades de aprendizagem na escola são introduzidas. É importante notar que esta mudança nos motivos da criança é conectada também a mudanças em sua relação societal, a introdução de novas atividades na escola e a mudanças em suas capacidades cognitivas. Através de suas atividades recreativas a criança tem desenvolvidas suas capacidades cognitivas por imaginação e usando símbolos e assim ficando pronto para o alfabetizado exigido nas práticas escolares. Para o professor é importante focar nesta mudança de motivos dominantes, apoiando o motivo da aprendizagem se ele estiver presente, e ajudando a criança a adquirir este motivo se não estiver desenvolvido. Se o motivo da aprendizagem ainda não domina as atividades de um jovem aluno, então será possível tomar partida em brincadeiras para motivar a criança para atividades em classe. Mas para desenvolver o motivo de aprendizagem as atividades precisam ser criadas de modo que sejam direcionadas para frente, na direção de atividades de aprendizagem.

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Motivação pode ser criada para através da oferta de atividades recreativas agitadas e estas atividades devem também ter um motivo de aprendizagem.

Uma atividade é sempre multiplamente motivada (Leontiev, 1975/1978). Alunos podem desenvolver novos motivos por engajamento em atividades locais e por estar na atividade, apropriar novos motivos. Educadores podem criar motivações em uma situação de ensinamento por levar em consideração os motivos dos alunos enquanto criam tarefas de aprendizagem. Uma criança pode inserir as atividades em seu local de aula inicialmente para agradar o professor (por exemplo, ir a um museu para descobrir como os Vikings viviam nos tempos antigos). O local de atividade compartilhado entre o professor e a classe pode empenhar crianças individualmente em uma atividade de aprendizagem, a qual pode se tornar motivadora para os outros. Eles podem em seguida apropriar um novo motivo através de seus envolvimentos nos novos aspectos da atividade. No exemplo da classe indo a museu de história, uma criança pode vir a se empenhar em pesquisar como as pessoas viviam antigamente se a atividade do museu capturar seu interesse e tiver suporte de outras atividades. Desta maneira a criança desenvolveu outro motivo em complemento a aquele que tinha ao entrar na atividade (isto é, para agradar o professor). Pesquisando como pessoas viviam antigamente a criança se torna multi-motivada, pois agora ela irá contribuir para atividade em classe tanto para agradar o professor quanto para se empenhar na pesquisa sobre pessoas de períodos históricos antigos.PRÁTICA ESCOLAR E MOTIVAÇÃO

Os motivos que a criança adquiriu através da família e da vida comunitária pode ser usada para empenhar em atividades em classe na escola. Alunos estão cientes de alguma forma que não há conhecimento acadêmico que transcende o conhecimento local e seus conhecimentos pessoais, os quais os dão motivos para participar em ensino em sala de aula e a expectativa para aprender matérias. Na escola a criança começa a se tornar capaz de distinguir entre tradições para prática em diferentes contextos (distinguir entre sua própria vida e vida de outras pessoas). Porque a criança consegue distinguir diferenças entre práticas tradicionais elas se tornam capazes de relacionar intencionalmente com as atividades na escola. Isto implica que a criança está pronta tanto para iniciar sua própria aprendizagem quanto para deixar a atividade de ensino (tanto fisicamente ou mentalmente) se a atividade escolar não adquire sentido para a criança em relação a suas outras atividades da vida. (Berger & Luckmann, 1966).

O conceito de ensino de matéria pode ser combinado com o conhecimento pessoal da criança de sua vida familiar e comunitária através da atividade intencional da criança. O professor que quer que os alunos aprendam e apropriem conhecimento e habilidades que possam superar as atividades em sala e influenciar suas atividades diárias locais, precisa empenhar, e desenvolver os conhecimentos pessoais e diários dos alunos. Conhecimento sobre os motivos das crianças e como criar aprendizagem cheia de conhecimento é importante nesta conexão.

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Ensino e aprendizagem radical-local combinando conhecimento pessoal com conhecimento local e acadêmico através de motivação e atividades significativas

O conhecimento e habilidade desenvolvidos pela criança é determinado pelas capacidades da criança e possibilidades em combinação com as tradições de práticas onde adultos importantes e outras crianças levam a criança a participar dentro de práticas institucionais, assim comunicando e ensinando conhecimento, habilidades e valores que são importante em diferentes situações. Cada tipo de instituição tem seus próprios conhecimentos e habilidades especiais que são mediadas para as crianças que participam nas práticas institucionais. Nas sociedades industrializadas ocidentais atividades educacionais na família são direcionadas ao societal, emocional e educação de habilidades diárias. Adultos no contexto ajudam a criança a se expressar, a mostrar cuidado e amor aos familiares, irmãos e outros parentes, para adquirir habilidades conectadas com as tarefas domésticas diárias, preparo de comida e cuidado higiênico. Na família, os pais da criança, outros irmãos e parentes próximos decidem o que é importante implicitamente através de suas práticas locais. Na escola as atividades educacionais visam ajudar a criança a aprender para ser alfabetizada, fazer cálculos matemáticos, adquirir conhecimento para o domínio de uma série de conteúdos e ajustar à prática da escola como uma instituição educacional. Nas escolas e nas atividades de contra-turno, os adultos responsáveis interpretam as tradições de prática e criam atividades que influenciam a prática local da qual as crianças participam e aprendem. A família, a escola e a instituição de contra-turno, cada uma contribui diferentemente para a aprendizagem e o desenvolvimento das crianças. A aprendizagem é diferente para as crianças da pré-escola e crianças em idade escolar, porque eles participam de práticas das quais os motivos são diferentes. Para uma criança da pré-escola, brincar é o motivo dominante e o ensino deveria seguir a lógica das atividades recreativas da criança; para uma criança em idade escolar que desenvolveu um motivo de aprendizagem, o ensino pode seguir a lógica das tarefas e procedimentos da matéria e atividades iniciadas podem incluir os eventos locais bem como os possíveis eventos.

A comunicação entre adultos e crianças normalmente formaliza-se pela primeira vez quando uma criança entra na escola (Minick, 1993). Na escola, o professor pode planejar atividades de ensino que criam condições para as crianças estabelecerem uma relação entre conhecimento familiar e comunitário e conhecimento da matéria. No ensino escolar, o professor tem que trabalhar com um grupo de crianças e tem que compreender como criar esta relação para todo o grupo. Isto é normalmente possível porque as crianças entram na escola com algum conhecimento comum adquirido das tradições compartilhadas de práticas tanto na vida familiar quanto na vida comunitária. Além disso, tarefas de ensino podem criar possibilidades para as crianças cooperarem em explorar a sua comunidade local. Uma abordagem para planejar o ensino que motivará os alunos para essa atividade será descrita sistematicamente no próximo capítulo, onde ele será caracterizada como um “duplo movimento” entre a formulação dos objetivos de ensino que relacionam o conhecimento da matéria com as competências já adquiridas e os motivos das crianças. Este duplo movimento pode se tornar um processo em curso entre os motivos e competências existentes das crianças e os novos motivos e competências

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que se quer desenvolver em grupo de crianças que irão trabalhar juntas por um determinado período em uma sala de aula.

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CAPÍTULO 6A ABORDAGEM DO DUPLO MOVIMENTO NO ENSINO (*)

Argumentamos no capítulo 4 que os conceitos da matéria e o conhecimento cotidiano da criança podem ser integrados utilizando o conhecimento teórico como referência (frame) para as atividades de ensino-aprendizagem.

O conhecimento teórico pode ser considerado como uma ferramenta para associar os conceitos nucleares de uma matéria ao conhecimento cotidiano local e pessoal. O caráter de ferramenta do conhecimento teórico torna-se especialmente evidente quando formulado em modelos nucleares. Neste capítulo descrevemos abordagem do duplo movimento inspirada na abordagem do ensino-aprendizagem desenvolvimental de Davydov (Aidarova, 1982; Davydov, 1988). Na abordagem do duplo movimento, enfatizamos as relações entre conceitos cotidianos já adquiridos pelas crianças, conceitos da matéria e conhecimento local. O principal ponto do duplo movimento no ensino é criar tarefas de aprendizagem que podem integrar o conhecimento local com relações conceituais nucleares de uma matéria para que a pessoa possa adquirir o conhecimento teórico que pode ser utilizado na prática local das pessoas.

A implementação didática do duplo movimento é baseada em quatro princípios principais:

1. Utilização de um modelo nuclear de conteúdo que está sob investigação para orientar o ensino.

2. Utilização de estratégias de pesquisa que sejam análogas ao modo como investigadores investigam problemas.

3. Criação de fases no processo de ensino que reflitam mudanças qualitativas no processo de aprendizagem da criança.

4. Formação de motivação na sala de aula através de criação de tarefas para pesquisa e pela facilitação de comunicação e cooperação entre as crianças.

Estes princípios serão desenvolvidos nas seções seguintes e ilustrados com exemplos de experiências pedagógicas realizadas na Dinamarca, onde abordagem do duplo movimento foi aplicada em temas de biologia, geografia e história societal na escola elementar. A tradição da escola dinamarquesa do passado combinava biologia, geografia e história em uma única matéria que era ministrada do terceiro ao quinto graus. O ensino experimental aborda esta tradição através da integração destes temas relacionados em três áreas de problema relacionadas: a evolução das espécies, a origem dos seres humanos, e a transformação histórica das sociedades (Hedegaard, 1988, 1990, 1995, 1996, 2002). Princípios do Duplo Movimento no ensino A função de modelos nucleares no ensino

* Exemplos de como crianças contribuem para as atividades em que participam na escola e, assim para seu próprio desenvolvimento são descritas em McDermott (1993) e Willis (1977).

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Na abordagem do duplo movimento, o plano de ensino do professor deve avançar de características abstratas e leis gerais de um conteúdo para a realidade concreta, em toda a sua complexidade. Inversamente, a aprendizagem dos alunos deve ampliar-se de seu conhecimento pessoal cotidiano para as leis gerais e conceitos abstratos de um conteúdo.

O professor orienta diálogo da classe e constrói as tarefas de aprendizagem a partir de conceitos gerais do problema-chave, tal como formulado em um modelo nuclear. Um modelo nuclear cria uma estrutura para o plano do professor das tarefas instrucionais. A mediação instrucional de relações gerais no modelo por meio de tarefas educativas práticas implica que os requisitos e o conteúdo das ferramentas são orientados para tornar as leis gerais do tema visíveis para as crianças.

As duas principais características de um modelo nuclear são: (a) ele representa as relações básicas entre conceitos complementares na área de conteúdo, de modo que, se um aspecto muda, a influência desta mudança pode ser rastreada em outros aspectos representados; (b) as relações básicas podem ser reconhecidas na realidade circundante (as complexidades concretas da vida real).

Um exemplo de um tópico em que as relações básicas são integradas em um modelo nuclear é o problema da evolução dos animais. Os conceitos que constituem as relações básicas neste modelo nuclear (espécie, população e nicho ecológico), foram discutidos anteriormente no capítulo 4, e este modelo foi utilizado no ensino experimental dinamarquês (em que o conceito natureza foi utilizado em vez de nicho ecológico, ver Figura 6.1a). Uma mudança de um dos elementos deste modelo irá afetar os outros. Um exemplo chave foi usado para ilustrar a interdependência dos elementos nas relações: a lebre polar foi trazida da Noruega nas Ilhas Faroe, onde não há neve, e após algumas gerações a população de lebres polares mudaram da cor branca à castanha. Este exemplo foi usado no ensino para criar a necessidade de investigar como isto poderia acontecer. A exploração desta pergunta levou à formulação de princípios básicos da teoria da evolução: adaptação de animais ao seu ambiente e seleção através de descendência.

A formulação de um modelo nuclear exige um profundo conhecimento do assunto sob pesquisa. Para utilizar eficazmente modelos nucleares no ensino exige que o professor tenha um trabalho de compreensão do modelo. O modelo não é um conteúdo a ser transmitido didaticamente. Pelo contrário, o professor formula tarefas, projetos, exercícios e questões que são baseados nas relações gerais no modelo nuclear, incorporando ao mesmo tempo as formas das crianças de formular questões e os seus interesses na substância específica das atividades realizadas. Espera-se dos professores:

1. Analisar a área do assunto, de modo que o ensino seja baseado em um modelo nuclear do conceito central das relações centrais do conceito do assunto;2. Ter conhecimento dos interesses das crianças e de seu contexto; 3. Criar tarefas e problemas, de modo que os conceitos nucleares sejam iluminados (esclarecidos?).

Utilizando exemplos-chave para compreender modelos nucleares

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O modelo nuclear utilizado no projeto de ensino dinamarquês baseia-se em uma “célula germinal” de um indivíduo, um grupo de indivíduos, e o ambiente ou as condições em que o grupo está vivendo. Esta “célula germinal” é adaptada a três áreas problemáticas sob pesquisa, baseada em uma análise das relações específicas em cada área conteúdo. Os modelos para as áreas de problemas são mostrados na Figura 6.1, em que o primeiro modelo é uma aplicação da célula germinal para a evolução das espécies (Figura 6.1a). Este modelo é desenvolvido mais (ampliado) e transformado em um modelo de origem de humanos (Figura 6.1b), enquanto que a transformação histórica da sociedade é construída sobre a origem dos seres humanos (Figura 6.1c).

Em situações de ensino, o desenvolvimento desses modelos é obtido mediante a utilização de exemplos atividades de pesquisa para a sua clarificação. Conceitos do assunto (tema) e suas inter-relações são apresentados durante as discussões em classe destas atividades de pesquisa, e seus resultados são visualizados em modelos.

Figura 6.1a – A evolução dos animais

Natureza

Espécies de animais: Tipos de organismo

Busca de alimento

População

Cuidar da prole

Produção da descendência

Relações sociais

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Figura 6.1b – A origem dos humanos

Figura 6.1c – Mudança histórica da sociedade

Ambiente

Modos de vida de humanos Comunidades

Produção de condições de vida

Ferramentas Regras

Funções do trabalho/

Divisão do trabalho

Ambiente

Resultado do Trabalho / Modos de vida Sociedade /

Comunidades

Crenças / RegrasProdução de ferramentas

Produção de diferentes modos de vida

Tipo de trabalho / Divisão do trabalho

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Exemplos-chave para investigar a área problemática: a evolução dos animais:

(a) a adaptação do urso polar à natureza da Groelândia que permite que o urso polar sobreviva, (b) a adaptação da lebre polar a mudanças em suas condições de vida, condições que resultaram de serem relocadas da Noruega para as Ilhas Faroe, e (c) a transformação de lobos em cães domesticados. Uma maneira pela qual o professor ajudou as crianças a formularem

as relações conceituais foi contrastar condições de vida e, em seguida, pedir às crianças para refletir sobre e analisar os contrastes e os conflitos que poderiam encontrar em diferentes exemplos. Por exemplo, em sua pesquisa com o urso polar, o professor levantou a questão do que aconteceria se o urso polar fosse trazido para o deserto Kalahari (uma ecologia as crianças tinham investigado para saber sobre as condições de vida das lebres no deserto). Este exemplo, assim como o exemplo da lebre polar, incide sobre as consequências de uma mudança no ambiente de indivíduos e grupos de indivíduos.

No estudo da origem do homem, três principais exemplos de produção de ferramentas foram utilizadas para estabelecer relações entre uso de ferramenta utilização/produção, como uma ligação mediadora entre a natureza e as condições de vida. Por exemplo, foi mostrado um filme sobre modos de vida do povo The!Kung e, em seguida, suas condições de vida e foram comparados aquelas pessoas da Idade da Pedra, vistas em desenhos em um livro didático e experienciados durante a visita a um museu. Outro exemplo foi a produção e utilização de ferramentas de pessoas da idade do Ferro para criar condições adequadas para um ambiente frio, em contraste com o clima quente de The!Kung e da Idade da Pedra. Para criar uma compreensão da necessidade de refinamento de instrumentos e habitação, foi realizado um workshop em um museu ao ar livre que apresenta réplicas de casas e as ferramentas da Idade do Ferro. Uso de métodos de pesquisa

A aquisição do conhecimento teórico depende da atividade exploratória. No ensino escolar, esta exploração pode ser iniciada através da utilização de professor-apoio de procedimentos de pesquisa. No experimento de ensino dinamarquês e relatado aqui, a procedimento básico de pesquisa foi uma variação de um processo de pesquisa das ciências sociais inspirados por Kurt Lewin (ver Hedegaard, 1990, 1995). Nosso procedimento continha seis questões (ver figura 6.2).

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Figura 6.2. Procedimento geral de pesquisa que orienta o plano de atividades do professor e a exploração pelas crianças

Quem está investigando?O que está sendo investigado? O que sabemos, o que não sabemos, sobre a área do problema?Como poderemos formular um modelo de relações nucleares para pesquisar? Quais métodos vamos usar para investigar o problema? Como podemos avaliar nossos resultados?

O procedimento de pesquisa na Figura 6.2 foi criado para que os alunos adquirissem uma forma sistemática para explorar as tarefas cuja pesquisa era esperada para revelar as relações nucleares dos modelos. Para conseguir isso, o professor utiliza as questões no modelo de três formas diferentes, na sua interação com as crianças.

Em primeiro lugar, o professor utiliza as perguntas do processo de pesquisa, no início de cada sessão (que durou cerca de 10/15 minutos) para orientar um diálogo com a classe que resume as atividades de pesquisa da sessão anterior. O objetivo é que as crianças devem (a) ser capaz de obter uma compreensão dos problemas ligados em que trabalhou na classe sessões, (b) a possibilidade de refletir sobre soluções problema em relação ao núcleo modelo, e (c) elaborar e formular novas relações no modelo. O diálogo é dirigido pelos seguintes tipos de perguntas:

1. O que nós investigamos na última vez;2. Avaliação das atividades da última sessão (o que aprendemos e o que não sabemos sobre o nosso tema de pesquisa);3. Formulação de conhecimentos adequados numa relação nuclear e mais tarde em um modelo;4. Formulação do objetivo da sessão de hoje;5. Decisão sobre as atividades e tarefas que vão esclarecer os problemas formulados para esta sessão. Por meio deste diálogo, as idéias e o conhecimento das crianças

acerca dos temas tornam-se explícitos, fornecendo uma base para o professor e às crianças extrair (fazer) ligações com as aulas anteriores.

Segundo, o procedimento de pesquisa é utilizado para formular problemas temáticos para períodos de pesquisa mais longos que são executados ao longo de várias aulas. Problemas temáticos são escritos como o principal tema em um quadro negro de objetivos, usado para registrar os principais princípios que vêm sendo investigados, e mostrar progressos na investigação desses princípios. No final de cada período o professor utiliza as perguntas no procedimento de pesquisa para orientar um diálogo na classe resumindo e avaliando as atividades classe em relação a este tema.

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Em terceiro lugar, o procedimento de pesquisa é utilizado para estruturar as atividades em cada sessão de ensino. As atividades foram:

1. Um diálogo na classe no início de cada sessão que resumiu e avaliou a última sessão 2. Escrever a agenda no quadro negro para as tarefas de hoje 3. Atividades de pesquisa 4. Diálogo na classe que reflete a atividade de pesquisa e formulação das relações nucleares. 5. Escrever seus resultados em um quadro de objetivos.

Estruturação da aula atividade ao longo do ano escolar Nas sessões de ensino as atividades de aprendizagem podem ser

caracterizadas como investigações guiadas. As investigações estão estruturadas em três fases principais que refletem tanto a evolução das necessidades de mudança na pesquisa quanto as condições que facilitam a aquisição pelas crianças dos modelos nucleares e procedimentos para a sua pesquisa. Estas fases do ensino são construídas de modo a refletir as três principais fases de atividade de aprendizagem em geral: (a) construção de uma imagem dos objetivos de aprendizagem, (b) ações de aprendizagem (aprendizagem para construir e utilizar um modelo nuclear e procedimentos de pesquisa) e (c) avaliação do sucesso da atividade de aprendizagem. Estas fases também correspondem aproximadamente ao procedimento de pesquisa na Figura 6.2, assim, na prática cada aula é um exemplo unificado das fases de investigação em uma área de problemas.

A sequência básica de estratégias de ensino dentro da abordagem do duplo movimento é:

1. Apresentar tarefas que orientem os alunos na construção de uma imagem do assunto, objetivos de aprendizagem e a área do problema a ser investigado. 2. Apresentar tarefas que guiem o aluno para formular e utilizar um modelo nuclear para investigar uma área de problema e para adquirir procedimentos para exploração ativa. 3. Apresentar tarefas que guiem o aluno para avaliar o modelo nuclear e sua própria apropriação de conhecimentos e habilidades na pesquisa da área de problema (p.76).Inicialmente, o professor tem mais responsabilidade na organização e

gestão das discussões e atividades nas sessões diárias, mas aos poucos as crianças tanto se tornam responsáveis pela gestão das suas próprias atividades, como adquirem competência na utilização do procedimento de investigação e do núcleo de relações conceituais. O planejamento do professor para as tarefas específicas dentro do programa geral de ensino deve adaptar-se idealmente a estas mudanças qualitativas na competência dos alunos. Construção de uma imagem da área de problemas e objetivos de aprendizagem

A construção de uma imagem de uma área de problemas visa focalizar a atenção das crianças sobre os objetivos da atividade de aprendizagem. As crianças devem adquirir desde o início, uma idéia geral

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sobre em que o ensino ajuda, e obter uma imagem de seus objetivos de aprendizagem e da área de conteúdo a ser explorada.

A construção de uma imagem da área de problema tem que ser uma atividade em si mesma que o professor facilita por meio da criação de tarefas que podem orientar o aluno na formulação do problema. A área da matéria deve, através desta primeira fase, tornar-se conceituada como uma área de problema a ser explorada. Para conseguir isso através do ensino, é importante que o professor tenha algum conhecimento sobre o que motiva as crianças e em que estão interessadas em diferentes idades e em diferentes comunidades. Os objetivos e conteúdos do ensino devem transcender as imagens cotidianas das crianças, motivos e conceitos e, assim, ampliar e desenvolver sua visão. Formulação e utilização de um modelo nuclear e aprendizagem para utilizar procedimentos de investigação

Para as crianças adquirirem conhecimento teórico, a atividade de ensino deve ser organizada em torno de tarefas que iluminam as relações fundamentais da matéria. Assim que as crianças se tornam capazes de formular um modelo nuclear, elas têm uma ferramenta que podem utilizar para orientar sua formulação e investigações de questões futuros.

O objetivo de ensino nesta fase é apoiar as crianças na formulação de seus próprios modelos nucleares. O professor pode orientar esta apropriação pela apresentação aos alunos de exemplos-chave e tarefas em que as oposições e os conflitos entre os fenômenos são acentuados, acentuando as relações nucleares. Também é importante que o professor ajude a criança a adquirir procedimentos para investigação de problemas dentro da área do conteúdo ou matéria. Muitas vezes isso acontece pela introdução de ferramentas que podem ser utilizadas para investigar as tarefas associadas aos exemplos-chave. Idealmente, estas ferramentas são comumente encontradas dentro da área do problema, para que possam ser utilizadas para investigar tanto o problema imediato, quanto outros problemas.Avaliação de resultados da atividade de aprendizagem: modelo nuclear e auto-progresso

O modelo nuclear também pode ser usado como uma orientação para avaliar se as perguntas formuladas são relevantes para as imagens da área do conteúdo e aos objetivos de aprendizagem, e se elas refletem as relações conceituais centrais dentro da área de conteúdo. O próprio modelo pode, quando apropriado pelos alunos, também tornar-se o objeto da avaliação. Aqui os alunos devem aprender a refletir sobre o modelo nuclear e aprender que é, também, possível mudar, diferenciar e desenvolver o modelo, se as tarefas de investigação e os resultados assim o exijam. Exemplificando a estrutura da atividade educativa no ensino de história societal

O exemplo apresentado nesta seção destina-se a ilustrar a atividade educativa de: (a) criação de uma imagem de objetivo e objetivos de aprendizagem (b) formulação e utilização um modelo nuclear e utilização de procedimentos de investigação e (c) avaliação do modelo nuclear e progresso dos alunos na atividade de aprendizagem. O ensino, neste exemplo ocorre durante o quarto grau (a idade média dos alunos que iniciam o quarto grau, na Dinamarca, é de 10 anos).

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Formação de imagens do objetivoNa primeira sessão de ensino, a tarefa das crianças, usando um

quadro de resultados (metas), é resumir os resultados das suas investigações das atividades de ensino do ano anterior sobre a área de problema ‘a evolução dos animais’.7 A área do problema para ano que vem é formular o problema geral do por que seres humanos vivem de maneira diferente em diferentes partes do mundo, e por que os seres humanos têm vivido de forma diferente em diferentes períodos históricos na área de terras da atual Dinamarca. A imagem desta área de problema área foi primeiramente delineada através de perguntas sobre a evolução dos animais, e de diálogo em classe sobre como a evolução dos seres humanos poderia ser diferenciada da evolução de animais. Para promover o desenvolvimento ulterior da imagem do objetivo, aos alunos, então, foram apresentadas duas diferentes séries de figuras. Uma serie mostra tipos de trabalho em diferentes sociedades de hoje em todo o mundo (industriais e não industriais); a segunda série mostra as mesmas atividades que ocorreram em diferentes períodos históricos onde hoje está localizada a Dinamarca. As crianças são divididas em grupos de quatro e são solicitadas a classificar as figuras de modo que diferentes formas de vida são agrupadas em uma pilha e diferentes formas de uso de ferramenta são agrupadas em outra pilha. Em seguida, cada grupo é convidado a explicar as suas razões para classificar que fizeram. Os resultados desta discussão levantam muitas questões específicas de investigação que, juntamente com uma tarefa adicional que formulou questões metodológicas sobre como investigar estas questões de pesquisa, tornam-se o ponto de partida da próxima fase na atividade de ensino. Formulação e utilização de um modelo e aprendizagem para usar o procedimento geral de investigação

A próxima etapa do trabalho em sala de aula se concentra no desenvolvimento das relações abstratas nos modelos nucleares. Essas relações são formadas por muitas tarefas práticas que examinam relações concretas, que são, então, formuladas em uma forma geral. Durante esta etapa, as crianças estão aprendendo a utilizar o procedimento geral de investigação na solução dessas tarefas práticas. Às crianças foram dadas tarefas sobre natureza, ferramentas, condições de vida, divisão do trabalho, tipos de sociedade e diferenças de crenças. Algumas das tarefas práticas foram conectadas a uma visita a um centro de atividades pré-históricas em um museu, um filme sobre o povo the!Kung da África, e romances sobre crianças em diferentes períodos históricos, na Dinamarca. As formulações gerais produzidas nesta e em outras tarefas afins são explicadas nos modelos nucleares (ver figuras 6.1b e 6.1c). As relações no modelo na Figura 6.1c são: (a) pessoas sobrevivem na natureza através de diferentes formas de uso e produção de ferramentas, (b) pessoas desenvolvem diferentes tradições em diferentes sociedades para a divisão do trabalho; (c) religiões e crenças são instituídos de forma diferente em diferentes sociedades para apoiar modos específicos de vida, e a alocação de recursos.Modelo e auto-avaliação

Após seis meses, as crianças tinham formulado os seus próprios modelos nucleares e por meio da cooperação discussão em classe 7(*) Extraído do livro de Mariane Hedegaard e Seth Chaikin, Radical-Local Teaching and Teaching. A cultural-historical approach. Aarthus (Dinamarca): Aartrhus University Press, 2005. Tradução de José C. Libâneo e Raquel A. M. da Madeira Freitas. PPGE-PUC-Go, novembro de 2009.

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representaram um modelo elaborado e compartilhado, mostrando a mudança histórica das sociedades. Neste ponto, a atividade principal em sala de aula primária é a de avaliar a sua capacidade de usar o modelo compartilhado para construir e avaliar questões de investigação. Por exemplo, uma tarefa principal nesta fase, que durou várias semanas, foi utilizar o modelo compartilhado para resumir as principais características da vida societal durante os quatro períodos históricos investigados. As crianças foram separadas em quatro grupos e cada grupo investigou um período histórico específico (isto é, da Idade da Pedra, Idade do Ferro, a Viking Age, e Idade Média). As crianças tiveram a tarefa de criar perguntas que refletissem as relações no modelo que desenvolveram no período histórico que lhes foi atribuído, incluindo: a relação entre diferentes tipos de trabalho e divisão do trabalho, a relação entre uso de diferentes ferramentas e condições de vida da população O significado da divisão do trabalho para a função da sociedade, e do significado de crenças e regras para a distribuição de recursos para diferentes grupos em sociedade. Após as crianças em um dos quatro grupos terem criado as suas perguntas, elas as passam ao outro grupo. O outro grupo, em seguida, responde às perguntas, e avalia se formam foram boas ou fracas. O grupo que construiu as perguntas avalia as respostas do outro grupo. Finalmente, todos os grupos reúnem-se para discussão em classe para relatar e discutir as suas avaliações das perguntas e das soluções.

A tarefa subseqüente, que envolveu a avaliação, foi ligada à formulação das perguntas de investigação em relação a uma exposição em um museu Viking. Ao formular essas perguntas, as crianças começaram espontaneamente a dirigir, elas mesmas, sua aprendizagem, perguntando-se o que são "boas perguntas" e como eles podem explorá-las. Usando o modelo nuclear, elas avaliaram suas próprias perguntas. Quando começaram as tarefas do museu, eles avaliaram os demais. As crianças descobriram que suas próprias perguntas sobre a relação entre ferramentas e condições de vida e entre a divisão do trabalho e a organização da sociedade valiam mais a pena do que as do museu, que eram mais empiricamente descritivas, focado principalmente sobre a aparência e funções dos objetos exibidos no museu. As crianças reconheceram que as questões do museu não indicavam o que os objetos poderiam dizer sobre as sociedades das quais vieram.

Escrever peças e representação foram utilizados como outros tipos de atividades para diferenciar as relações no modelo. Os alunos trabalharam em pequenos grupos para criar e executar jogos para explicar a divisão do trabalho e as relações de poder nos quatro diferentes períodos históricos estudados.

A formação de motivação por meio da comunicação e da cooperação Motivos e conhecimento estão dialeticamente ligados porque o

conhecimento fornece conteúdo para motivos e motivos determinam apropriação do conhecimento. Um motivo do aluno para a aprendizagem e aquisição de habilidades e conhecimentos específicos não se desenvolvem independentemente do ensino. Motivos desenvolvem-se como uma relação entre o aluno e as atividades nas quais participa.

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Durante a idade escolar, os motivos das crianças são dominados pelo motivo da aprendizagem que tanto que permite orientar a própria criança para o conhecimento sobre o mundo em geral como para habilidades específicas valorizadas em sua comunidade. O aluno torna-se orientado para tópicos que são valorizados por seus pais, pela comunidade, ou que as crianças descobre como novos e excitantes para explorar. Os motivos sociais dos alunos e os motivos de brincar são ainda importantes. O reconhecimento desses motivos na pesquisa dinamarquesa levou à formulação dos seguintes princípios para motivar as crianças dentro da abordagem do duplo movimento (Hedegaard, 1988, 1989, 2002):

1. Levar os motivos dominantes nas crianças em consideração na formulação da área objeto de um curso. O motivo dominante de crianças em idade escolar precoce é a orientação e a curiosidade em relação ao mundo ao seu redor. Para crianças dinamarquesas de 9-11 anos de idade formulamos as seguintes como curiosidade sobre as grandes questões da vida: por exemplo, de onde viemos? Os animais sempre se pareceram como o que são hoje? Por que as pessoas vivem de forma diferente?

2. Dar às crianças a responsabilidade pela investigação ativa no conteúdo da área temática da matéria e ajudá-los a adquirir conhecimento das relações básicas dessa matéria de modo que possam formular sua própria compreensão (modelo nuclear) e pesquisar os seus próprios problemas.

3. Usar a vida societal da classe. Crianças no ambiente de uma sala de aula muitas vezes se preocupam mais com a opinião de seus pares do que com a opinião do professor. Beneficiamo-nos desse interesse para apoiar o trabalho colaborativo em tarefas de investigação e formulação de problemas que exigem esforço coletivo para a solução.

Para além destes princípios gerais, técnicas específicas para o desenvolvimento da motivação foram:

a) Trabalhar com oposição, contrastes e conflitos no tema ou em pontos de vista sobre o tema.

b) Fornecer uma visão geral do programa para o ano e uma visão geral para cada aula (por exemplo, usando quadros de metas-resultado do que fizeram e o que planejam fazer, criando cartazes para mostrar modelos germinais escrever a agenda do dia no quadro-negro).

c) Formular tarefas para as crianças que exigem autêntica exploração.

d) Usar o diálogo na classe para fazer resumos, visão geral e formulações de objetivo para cada aula (por exemplo, as crianças no experimento da Dinamarca, tiveram que fazer resumos do que elas sabem e do que não sabem sobre os diferentes períodos históricos que estavam explorando.

e) Usar trabalho em grupos com diferenciação de tarefas entre e dentro dos grupos (por exemplo, as crianças trabalharam em pequenos grupos para criar e executar jogos (peças?) sobre as idades da Pedra, Ferro, Viking, e Idade Média. Esta atividade foi

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formulada de modo que tivessem que usar estes jogos para explicar as relações no modelo que haviam desenvolvido.

f) Certificar-se de que cada criança compreende os objetivos de uma tarefa específica em relação ao problema geral a ser pesquisado.

Implicações da abordagem do duplo movimento no ensino e aprendizagem radical-local

A abordagem do duplo movimento provê um conjunto detalhado de princípios para organizar situações de ensino que visam desenvolver a compreensão das crianças de objetivos do ensino e seus motivos de aprendizagem, como parte do processo de desenvolvimento de seu conhecimento teórico e interesses para diferentes matérias. A perspectiva radical-local, tal como descrita nos capítulos 3 e 4, põe mais foco sobre o conteúdo do conhecimento local utilizado no desenvolvimento do conhecimento teórico e o uso deste conhecimento teórico em relação à comunidade local. O ensino radical-local visa auxiliar as crianças a criar uma compreensão entre conhecimento do conteúdo como conhecimento teórico geral, conhecimento local, e o conhecimento cotidiano pessoal pela criança da comunidade e da prática doméstica. A abordagem do duplo movimento fornece um caminho para concretizar ideias.

Por meio desta forma de ensino, o conhecimento teórico e o conhecimento local podem tornar-se integrados, para que este conhecimento possa enriquecer os conhecimentos pessoais da criança de modo que é usado em sua compreensão da prática local cotidiana. Na perspectiva radical-local, o professor parte da compreensão da criança e as orienta para tarefas e problemas no assunto tratado, que pode tornar-se significativo para a criança e, assim, motivador em relação à compreensão, tanto de princípios teóricos como prática local e conhecimento de sua comunidade.

Este foi o propósito para o projeto de ensino pós-escola (atividades no contra-turno) com crianças pequenas de famílias e da comunidade de Porto Rico, descrito nos capítulos de 9 a 13. Para concretizar o objetivo, argumentamos que o conhecimento teórico teria que ser relacionado com o conhecimento local de modo que as crianças se apropriassem de conceitos pessoais que podem funcionar como ferramentas para analisar e compreender áreas temáticas de problemas em sua comunidade local.

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