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B Ib o l e t i m i n f o r m a t i v o # 1 5
Alto-Comissariado para a Imigração e Minorias Étnicas
acime
F E V E R E I R O
OS NOVOS DIPLOMAS
SOBRE IMIGRAÇÃODR. NUNO MORAIS SARMENTO,
MINISTRO DA PRESIDÊNCIA
O CHOQUE CULTURALDRA. CARMEN GUANIPA
AS RAÍZES DA TOLERÂNCIADR. ABDOOL VAKIL
PATERNALISMO
OU VOLUNTARISMODRA. ESTHER MUCZNIK
Desde Fevereiro de 2003 que a Comunidade Imigrante e todos aqueles que trabalham com e para os imigrantes, têm
estado à espera da regulamentação do Decreto-Lei 34/2003.
Como é do conhecimento público, foi um processo complicado e moroso, envolvendo várias perspectivas e
sensibilidades e difícil também por implicar a participação de vários Ministérios e Secretarias de Estado (Finanças,
Administração Interna, Presidência do Conselho de Ministros, Segurança Social e Trabalho) e vários departamentos
governamentais. Finalmente, a 19 de Janeiro de 2004, o Governo tornou públicos os Diplomas Legais que irão
regulamentar a temática em questão. Concretamente:
1 – O Decreto Regulamentar do Decreto-Lei34/2003; 2 – A criação de um Registo nacional de menores estrangeiros
em situação irregular e, finalmente; 3 – A Resolução que aprova o relatório da previsão de oportunidades de trabalho
para o ano de 2004.
Que pensar do “fruto” alcançado?
Para responder honesta e sensatamente a esta questão central é bom recordar as 3 Recomendações feitas pelo COCAI (Conselho Consultivo para os Assuntos da Imigração) na sua sessão de 28 de Abril, p. p., tendo como objectivo
precisamente a Regulamentação futura do Decreto-Lei 34/2003.
Aí se propunha como pontos essenciais:1 – A regularização dos imigrantes irregulares que no entanto contribuíram para a Segurança Social ou pagaram os
seus impostos.
2 – A salvaguarda dos direitos das crianças nascidas em Portugal, filhos de imigrantes em situação irregular.
3 - A possibilidade de acesso à reunião familiar de titulares de autorização de permanência (AP) em condições
similares ao reagrupamento familiar, não estando sujeitos à contingentação no acesso ao mercado de trabalho.
A recente legislação aprovada:
1 - Consagra, como era de justiça e era nossa vontade expressa, a possibilidade de regularização dos imigrantes que contribuíram para a Segurança Social ou que pagaram os seus impostos, permitindo até, (mediante documentos
comprovativos) a regularização de imigrantes, que prestaram trabalho ou cujo empregador tenha retido na fonte as
suas prestações.
2 – Institui um Registo nacional de crianças, filhos de imigrantes ilegais, permitindo-lhes o acesso em condições de
igualdade, à saúde e à educação.
3 – Admite a possibilidade de acesso à reunião familiar dos titulares de autorização de permanência (AP); mas aqui
não se conseguiu a plena equiparação com o reagrupamento familiar dos titulares de autorização de residência (AR)
ficando por isso os seus titulares sujeitos à contingentação do mercado de trabalho e a um moroso e complicado
processo burocrático...
4 – Além do Decreto Regulamentar e da criação do Registo nacional de menores estrangeiros em situação irregular,
foi também aprovado o Relatório de Previsão de oportunidades de trabalho (quotas) para o ano de 2004 que teve
por base um inquérito às empresas, (que apontava para a necessidade de 20.000 pessoas) o parecer do Instituto do
Emprego e Formação Profissional (IEFP) e a consulta às Regiões Autónomas e a várias entidades envolvidas.
A questão das quotas merece uma especial consideração.
Não é a solução ideal, e como afirmou recentemente o Comissário Europeu, António Vitorino, “são um instrumento e
não um fim e muito menos uma fórmula mágica. O grande combate terá de ser exercido contra as redes clandestinas
de tráfico”.
É bom ter consciência de que o princípio das quotas é aceite pelos partidos da actual coligação e pelo PS, também; e
sobretudo, que é o modelo de regulamentação aceite e em vigor em todos os países da União Europeia.
Neste momento, lutar contra este modelo de regulação parece-me inútil e prejudicial, até... . Mais importante é ver a
aplicação do princípio à realidade portuguesa, em 2004.
Esta Resolução, com a respectiva quota – 6500 lugares previstos para 2004, foi a notícia mais discutida e
questionada na Comunicação Social... 6500 parece efectivamente um número demasiado baixo, mas é necessário ter
em conta outros factores: há cerca de 13000 imigrantes legais, actualmente sem emprego e inscritos nos Centros de
Emprego, e a quem é dada prioridade; há um número ainda indeterminado de imigrantes que verão regularizada a sua
situação legal por terem pago impostos, Segurança Social ou ainda porque os seus patrões retiveram ilegalmente o
seu contributo para a Segurança Social;
há ainda aqueles que poderão legalmente trabalhar ao abrigo do reagrupamento familiar (AR). Há, finalmente
cerca de 30.000 brasileiros que esperam a sua legalização num processo que tem sido lento e não só por culpa
do Estado Português... mas que ao longo de 2004 deverão ver a sua situação definitivamente resolvida.
Em resumo e fazendo as contas finais, não se conseguiu tudo o que nos parecia justo, mas deram-se passos
muito importantes no bom caminho.
Agora, há que assimilar os resultados conseguidos, procurar agilizar os processos burocráticos e com
serenidade e firmeza continuar a caminhar em direcção a uma situação mais justa, digna e solidária.
O Alto-Comissário para a Imigração e Minorias Étnicas
P. António Vaz Pinto, s.j.
A REGULAMENTAÇÃO
Boletim Informativo Fevereiro 2004
(...) não se conseguiu tudo o que nos parecia justo, mas deram--se passos muito importantes no bom caminho.Agora, há que assimilar os resultados conseguidos e procurar agilizar os processos burocráticos (...)
P. António Vaz Pinto, s.j.
EDITORIAL
ACIME | Alto-Comissariado para a Imigração e Minorias Étnicas
e normal nestes processos (passaporte,
documento de viagem, certidão de registo
criminal). O decreto regulamentar
contempla ainda, como aspecto importante
a destacar, a possibilidade de os portadores
de autorizações de permanência estarem
sujeitos às mesmas regras dos portadores de
autorizações de residência para efeitos de
reunião familiar.
Neste diploma há ainda uma novidade a
destacar. Trata-se da concessão de
autorização de residência para todos os
menores que tenham nascido em
Portugal até à data da entrada em vigor
do Decreto-Lei n.º 34/2003, de 25 de
Fevereiro, bem como aos progenitores que
em relação a eles efectivamente exerçam o
poder paternal.
Por fim, foram também aprovados os
valores do relatório anual das
oportunidades de emprego, documento
que tem levantado algumas dúvidas.
A aprovação deste contingente é uma
obrigação do governo, estabelecida na
chamada Lei de Imigração, e baseia-se
numa projecção macro-económica e num
levantamento das necessidades de mão de
obra feito junto das empresas. O valor final
agregado a que se chegou - 6.500 - não
leva em conta o processo já iniciado com a
comunidade brasileira, nem os imigrantes
que se regularizarem ao abrigo do art.º 71.
Às oportunidades discriminadas no relatório
terão acesso preferencial os familiares ao
abrigo do reagrupamento, desde que se
insiram nos sectores carenciados.
Estes três diplomas representam mais
alguns passos no sentido de
desenvolvermos em Portugal uma nova
forma de estar perante a imigração:
Com respeito pelos imigrantes, com
responsabilidade e com humanismo. E
permitem continuar a concretizar uma
verdadeira política de imigração por parte
do Governo assente numa visão humanista e
positiva da imigração.
O Conselho de Ministros aprovou no dia
17 de Janeiro três diplomas de grande
importância para o enquadramento e
consolidação de uma política solidária e
justa pela qual nos temos vindo a bater.
O que quero destacar em primeiro lugar
é o diploma que estabelece a criação de
um registo prévio para os menores cujos
pais não estejam legalizados, por forma
a assegurar o seu acesso à educação e
aos cuidados de saúde. Este diploma
terá ainda que ser regulamentado, mas
o que se pretende - e o que a comissão
Nacional para a Protecção de Dados
aprovou - é criar uma base de dados no
Alto Comissariado para a Imigração com
o registo dos menores nesta situação, a
partir da qual serão emitidos cartões que
possibilitam ao menor ser acompanhado
pelos pais ou por outras pessoas às escolas
e aos centros de saúde sem que sejam
questionados sobre a sua situação legal. O
segundo diploma que o governo aprovou
é a regulamentação da Lei da Imigração.
Neste documento, mais concretamente
no seu art.º 71, cria-se a possibilidade
de regularização da situação legal dos
imigrantes com descontos efectuados para
a Segurança Social e para o Sistema
Fiscal; de imigrantes que, tendo tido os seus
descontos retidos pela entidade patronal,
esses pagamentos não foram efectuados à
administração; e ainda os que, tendo um
vínculo laboral duradouro, não descontaram
por responsabilidade dos empregadores.
Para utilizarem esta possibilidade, os
imigrantes terão que fazer um registo
prévio obrigatório no Alto Comissariado
para a Imigração, num prazo de 45 dias
a contar da data de entrada em vigor do
diploma. Os serviços
administrativos respectivos dispõem dos
180 dias subsequentes para verificar as
informações do registo prévio, após o que os
imigrantes deverão dirigir um requerimento
ao SEF com a documentação necessária
Dr. Feliciano Barreiras DuarteSecretário de Estado-Adjunto do Ministro da Presidência
(...) Estes três diplomas representam mais alguns passos no sentido dedesenvolvermos em Portugal uma nova forma de estar perante a imigração: com respeito pelos imigrantes, com responsabilidade e com humanismo. (...)
OPINIÃO
OS NOVOS DIPLOMAS SOBRE IMIGRAÇÃO
Boletim Informativo Janeiro 2004
À medida que as populações imigrantes aumentam em
todo o mundo, aumentam também as remessas dos
imigrantes, que chegam em muitos casos a ultrapassar
os montantes de investimento directo e ajuda externa
aos países menos desenvolvidos por parte do mundo
industrializado. Com base em dados do Banco Mundial,
a revista Newsweek publicou uma lista, que aqui
reproduzimos, dos “dez mais”, relativa tanto aos países
de onde provêem essas remessas como àqueles que delas
são beneficiários.
AS REMESSAS DOS IMIGRANTES
BR
EV
ES
Desde o mês Dezembro que vai para o ar nas
antenas da RDP/Açores o
programa “O mundo aqui”,
uma iniciativa da Associação
dos Imigrantes nos Açores,
tendo como parceiros o
Gabinete da Secretária
Regional Adjunta da
Presidência e a RDP/Açores.
O programa será emitido
todos os sábados, das 11h00
às 11h30, e pretende ser,
essencialmente, um espaço de
diálogo de povos e culturas,
tendo como público alvo a
sociedade açoriana no seu
todo.
“O Mundo Aqui” terá
como rubricas a “Semana
informativa”, onde é feita
uma pequena viagem sobre a actualidade dos
países lusófonos africanos, Brasil e Leste europeu,
“Figuras de Sempre”, onde se falará sobre
artistas, investigadores ou escritores, o “Tema
da semana”, um espaço de discussão sobre as
questões que afectam a humanidade, e “Música”,
onde se realizará a divulgação de artistas
africanos, brasileiros e do Leste europeu.
PROGRAMA DE RÁDIO “O MUNDO AQUI“
Principais países originários das remessas: (Biliões de Euros)
Estados Unidos – 22,7
Arábia Saudita – 12,0
Alemanha – 6,5
Bélgica – 6,4
Suíça – 6,4
França – 3,1
Luxemburgo – 2,4
Israel – 2,4
Itália – 2,0
Japão – 1,8
Principais países beneficiários das remessas: (Biliões de Euros)
Índia – 8,0
México – 7,9
Filipinas – 5,1
Marrocos – 2,6
Egipto – 2,3
Turquia – 2,2
Líbano – 1,8
Bangladesh – 1,6
Jordânia – 1,6
República dominicana – 1,6
Boletim Informativo Fevereiro 2004
Rica
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Bent
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A Amnistia Internacional premeia a excelência no
jornalismo de direitos humanos em todo o mundo
através de um prémio destinado a um artigo
que tenha promovido a compreensão de temas
relacionados com os direitos humanos, a nível local,
nacional ou internacional. Os textos propostos
deverão ter sido originalmente publicados entre
1 de Março de 2003 e 28 de Fevereiro de 2004,
num jornal, revista ou outro meio impresso ou na
Internet, na forma de um único artigo. O prazo
limite das candidaturas termina a 1 de Março de
2004.
Todas as propostas deverão ser feitas por
Organizações Não Governamentais, locais, nacionais
ou internacionais. Não serão aceites propostas
feitas directamente por jornalistas, jornais ou
outros media. Os artigos propostos poderão estar
escritos em qualquer língua, devendo contudo vir
acompanhados da respectiva tradução em inglês.
O Prémio final será anunciado na cerimónia dos
Prémios Media da Amnistia Internacional a 13 de
Maio de 2004, em Londres.
Para mais informações, contactar: Alex GraceAmnesty International Media Awards99-119 Rosebery AvenueLondon EC1R 4REE-mail:
AMNISTIA INTERNACIONAL PREMEIA JORNALISMO PELOS DIREITOS HUMANOS
O Presidente George Bush propôs em Janeiro um conjunto
de medidas que poderão regularizar o estatuto dos cerca de
oito milhões de imigrantes ilegais que trabalham nos EUA:
“É de senso comum e de justiça que as nossas leis devem
permitir a entrada de trabalhadores no nosso país para
preencher empregos que os americanos não preenchem”,
declarou o presidente americano, acrescentando que esta
reforma tem como objectivo “criar uma sociedade mais
solidária e humanitária”. Apesar das críticas tanto da
direita como da esquerda, estas propostas poderão conferir a
Bush uma grande vantagem na sua campanha de reeleição: a
questão dos imigrantes ilegais é de grande importância para
a comunidade hispânica nos EUA, aquela que tem maior
taxa de crescimento e cujos votos, que tradicionalmente
apoiam os democratas, já nas últimas eleições se deslocaram
para este Presidente devido à simpatia que lhe valeu o
domínio da língua espanhola.
O Presidente americano propõe um programa de emprego
temporário que irá permitir às empresas americanas
contratar estrangeiros não legalizados para os postos
de trabalho para os quais não haja cidadãos americanos
interessados. Cada trabalhador integrado neste programa
receberá um visto temporário de três anos, renovável por
mais três. Findo esse prazo, os trabalhadores poderão ter de
regressar aos seus países de origem, mas terão entretanto
direito a candidatar-se ao “green card”, o documento que autoriza a residência permanente nos EUA.
A questão dos imigrantes ilegais afecta particularmente as relações dos EUA com o seu vizinho do sul, o México. Metade dos oito milhões
de imigrantes ilegais nos Estados Unidos são mexicanos, e a fronteira dos EUA é todos os dias atravessada por milhares de mexicanos à
procura de uma vida melhor na América.
ACIME | Alto Comissariado para a Imigração e Minorias Étnicas
BUSH PROPÕE A LEGALIZAÇÃO DE MILHÕES DE IMIGRANTES
Segundo as estimativas demográficas relativas ao ano de 2003,
publicadas em Janeiro pela Eurostat, a agência europeia para
as questões estatísticas, a União Europeia tem actualmente uma
população de 380,8 milhões de pessoas. No ano passado, nos países
da União Europeia, a população aumentou 3,4 por cada 1000
habitantes, 0,8% devido ao crescimento natural e 2,6% devido à
imigração. Calcula-se que o crescimento natural da população na EU
(nascimentos que excedem as mortes) terá diminuido de +309.000
em 2002 para +294.000 em 2003, e o número de imigrantes terá
também decrescido de +1.260.000 em 2002 para +983.000 em
2003. No total, os cálculos apontam para que a população da EU
tenha aumentado 1.276.000 em 2003, um valor semelhante ao
dos últimos anos, mas modesto se comparado com os de décadas
anteriores.
Imigração representa três quartos do crescimento populacional Em 2003, mais de três quartos do aumento da população da União
Europeia deveram-se a migrações transfronteiriças. Espanha acolheu
23% dos imigrantes de todos os Estados membros, a Itália 21%,
a Alemanha 16% e o Reino Unido 10%. Em termos relativos, os
maiores fluxos migratórios foram para a Irlanda (7 imigrantes por
DEMOGRAFIA E IMIGRAÇÃO
cada 1.000 habitantes), Portugal (6,9) e Espanha (5,5). A Holanda
(0,2%) e a França (1%) foram os países com menores taxas de
imigração. E sem os novos imigrantes, a Alemanha, a Itália e a
Grécia teriam sofrido um decréscimo populacional.
Em resumo, a população de todos os Estados Membros teve um
aumento em 2003, mas com variações assinaláveis. Os maiores
aumentos registaram-se na Irlanda (15,3%), Espanha (7,2%) e
Portugal (6,9%), e os menores na Alemanha (0,1%), Dinamarca
(2,6%) e Grécia (2,6%).
Metade dos dez países candidatos registaram um decréscimo
populacional em 2003, sobretudo a Letónia (-5,6%) e a Lituânia
(-4,5%), enquanto que os maiores aumentos foram em Chipre
(+17,4%) e em Malta (+5,7%).
Os números portuguesesSegundo a Eurostat, no início de 2003 Portugal tinha uma
população de 10.408.000 habitantes, que aumentou para
10.480.000 até ao princípio de 2004. Em 2003, por cada mil
habitantes houve uma taxa de 10,8 nascimentos e de 9,9 mortes, o
aumento natural de população foi de 0,9 e a imigração de 6,1. A
taxa total do aumento de população foi de 6,9.
Boletim Informativo Janeiro 2004
e deveres. E isso só se consegue com
políticas de inclusão, que passam pelo
reconhecimento da situação legal dos
estrangeiros em Portugal, pelo combate ao
tráfico, às redes de imigração clandestina e
ao trabalho paralelo. Dentro deste espírito,
o Conselho de Ministros aprovou o conjunto
de diplomas referidos.
O primeiro diploma que quero destacar
estabelece um regime especial de protecção
às crianças filhas de imigrantes. Trata-
se de um diploma inovador, um regime
legal que garante o acesso de todas as
crianças à educação e aos cuidados de
saúde, independentemente da situação
legal dos pais e sem que estes possam, por
esta via, ser penalizados. Consagram-se
assim, na prática, os direitos estabelecidos
na Declaração Universal dos Direitos das
Crianças, das Nações Unidas, e criam-
se condições legais e regulamentadas
para assegurar que nenhuma criança é
prejudicada por uma situação que não
escolheu e pela qual não é responsável.
O diploma que regulamenta a lei da
imigração, por sua vez, estabelece alguns
direitos importantes para os imigrantes no
capítulo de uma política pró-família. Assim,
os imigrantes que detém autorizações
de permanência passam a ter acesso à
reunião familiar, para o mesmo universo
de membros do agregado familiar definido
para as autorizações de residência. Esta
alteração, visa combater a situação
injusta que herdámos e que fazia com que
imigrantes em situações idênticas estivessem
sujeitos a regras diferentes de reunião
familiar, ou mesmo à ausência de qualquer
regra.
Estabelece-se ainda o princípio do acesso
preferencial ao mercado de trabalho, no
universo definido pela quota, por parte dos
estrangeiros ao abrigo da reunião familiar.
Por outro lado, e numa visão positiva da
imigração, são valorizadas as mais valias
dos imigrantes reconhecendo as suas
habilitações e competências, apostando na
valorização de formação profissional e na
qualificação dos cidadãos estrangeiros em
Portugal.
Um outro ponto merece igual destaque.
Quem trabalha, efectua descontos e paga
impostos não deve ser excluído. É um
“Precisamos de imigrantes para manter os níveis de competitividade da nossa economia. Mas precisamos de imigrantes, no quadro de uma política de fluxos regulados, que apenas permita, de facto, receber aqueles que podemos responsavelmente acolher e integrar.”
O Conselho de Ministros aprovou um
conjunto de diplomas que dizem respeito
à imigração. Este corpo jurídico vem na
sequência da legislação já aprovada e visa
consolidar as linhas de uma política de
imigração positiva e pro-activa que temos
vindo a pôr em prática.
Portugal, como qualquer país da EU,
precisa da colaboração de imigrantes.
As transformações demográficas por que o
país passa, à semelhança do que acontece
por toda a Europa, não podem ser iludidas.
A população portuguesa está a diminuir
e, segundo as projecções do Instituto
Nacional de Estatística, esta tendência vai
acentuar-se nos próximos anos. Precisamos
de imigrantes para manter os níveis de
competitividade da nossa economia. Mas
precisamos de imigrantes, no quadro de
uma política de fluxos regulados, que
apenas permita, de facto, receber aqueles
que podemos responsavelmente acolher e
integrar. Como queremos ter imigrantes
que sejam também cidadãos, com direitos
UMA POLÍTICA DE IMIGRAÇÃO GLOBAL, COERENTE E HUMANISTA
aspecto decisivo. É uma premissa base que,
na regulamentação da lei da imigração,
e com a definição de um conjunto de
requisitos que permita garantir a verificação
rigorosa das situações, surge finalmente
assumida.
Para terem acesso a este novo regime,
os imigrantes terão que fazer um registo
prévio obrigatório num prazo de 45 dias
a contar da data de publicação do decreto
regulamentar junto do Alto Comissariado
para a Imigração e Minorias Étnicas.
Após este registo, e para apresentação
e confirmação dos dados pelos serviços
envolvidos, é previsto um prazo máximo de
seis meses. Mas também quem descontou
e, por culpa de terceiros designadamente a
entidade patronal, não viu os seus impostos
ou os seus descontos para a segurança
social serem entregues à administração, vai
igualmente ter oportunidade de demonstrar
essa situação, e ver o seu caso reconhecido.
O Governo orgulha-se de, com este
conjunto de diplomas, e no estrito respeito
pelo quadro definido na Lei Imigração,
consolidar a implementação de uma
verdadeira política de imigração. Global,
coerente e humanista, de acordo com o que
são as nossas responsabilidades históricas
e estamos absolutamente convictos, em
sintonia com o sentir dos portugueses.
A justiça para com os imigrantes não se
apregoa; pratica-se.
Esperamos, com estes diplomas,
potenciar as energias da sociedade civil,
das associações, das organizações não
governamentais, dos sindicatos, das
entidades patronais, das organizações
ligadas às diversas igrejas e de todos os
cidadãos no sentido de construirmos, todos
juntos, uma sociedade justa e próspera para
todos os que, independentemente do local
onde nasceram, se empenham no dia a dia
em construir um Portugal melhor.
Dr. Nuno Morais Sarmento
Ministro da Presidência
“Quem trabalha, efectua descontos e paga impostos
não deve ser excluído.”
Rica
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Boletim Informativo Fevereiro 2004
ACIME | Alto Comissariado para a Imigração e Minorias Étnicas
princípio, instaladas no interior do edifício.
Para além do português, o GAT poderá
realizar o atendimento em crioulo de
Cabo Verde e em Russo, havendo ainda a
possibilidade de tradução para romeno e
moldavo.
Um trabalho de parceria
Os CNAI’s resultam de uma parceria
de várias instituições, organismos e
serviços, orientados para uma resposta
integrada que coloca o utente no centro
das suas preocupações. Assim, esta
organização integrará nas mesmas
instalações a Segurança Social, o
IDICT, o IEFP, o Ministério da Saúde,
o Ministério da Educação, o Instituto
Nacional de Habitação, a Santa Casa da
Misericórdia de Lisboa, o Gabinete de
O ACIME encontra-se já instalado junto à Igreja dos Anjos, em Lisboa, no mesmo edifício onde funciona o CNAI, um conjunto de serviços que pretende dar uma resposta integrada aos problemas dos imigrantes.
Os CNAIs (Centros Nacionais de Apoio
ao Imigrante) surgem para responder de
uma forma integrada aos problemas que
se colocam aos imigrantes que escolheram
Portugal como país de acolhimento. A
estrutura estabelecida no edifício onde se
encontram também instalados os serviços
do Alto Comissariado para a Imigração
e Minorias Étnicas tem como objectivo
responder às necessidades dos imigrantes,
procurando resolver as suas questões e os
seus problemas com eficácia e humanidade.
Uma resposta integrada
A necessidade de um acesso mais fácil
à informação sobre direitos e deveres
dos cidadãos imigrantes tem sido
sentida por diversos serviços públicos e
instituições, mas sobretudo por parte dos
imigrantes. Frequentemente, as questões
burocráticas obrigam trabalhadores com
pouco tempo disponível a visitar a várias
instituições diferentes, com modos de
funcionamento distintos e por vezes mesmo
com incompatibilidade de horários. Esta
dispersão de serviços é frequentemente
apontada como um factor de desistência
do processo de legalização e de integração
social dos imigrantes. Assim, procurou-
se juntar dentro de um mesmo edifício,
à semelhança do que acontece na Loja
do Cidadão, os vários serviços que se
relacionam com os imigrantes, de uma
forma que lhes permita comunicar entre si e
dar uma resposta conjunta às necessidades
de cada pessoa.
O imigrante que entra no CNAI é recebido
pelo Gabinete de Acolhimento e Triagem
(GAT), que faz o diagnóstico da sua
situação, elabora um processo individual
informatizado e um roteiro das instituições
a que deverá recorrer e que estarão, em
ACIME E CNAI EM NOVAS INSTALAÇÕES
apoio de reconhecimento de habilitações e
competências e o Gabinete de Apoio Técnico
às Associações de Imigrantes.
No decurso do mês de Março irão ser
inauguradas as instalações do CNAI Porto.
CNAI Rua Álvaro Coutinho, 14/16
1150-025 LISBOATelefone: 21 321 95 00 Fax: 21 810 90
38
Horário de atendimento: De segunda a sábado, das 8h30 às
14h30
ACIME | Alto Comissariado para a Imigração e Minorias Étnicas
O GAT ( Gabinete de Acolhimento e Triagem) em funcionamento.Go
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Boletim Informativo Janeiro 2004
O CHOQUE CULTURAL
limpeza excessiva.
• Saudades da família.
• Sentimentos de marginalização,
exploração e abuso.
Etapas do Choque Cultural
O choque cultural tem muitas etapas.
Cada uma delas pode desenrolar-se de
uma forma contínua ou em momentos
diferentes. A primeira etapa é a da
incubação, em que o recém-chegado
poderá sentir-se eufórico e satisfeito
com todas as novas realidades com que
depara. Este período designa-se como a
fase da “lua de mel”, pois tudo é novo e
entusiasmante.
Mais tarde, surge a segunda etapa.
Uma pessoa pode deparar-se com
algumas fases difíceis e crises na sua
vida quotidiana, como por exemplo
dificuldades em ser compreendido pelas
pessoas da nova cultura. Nesta etapa,
surgem sentimentos de insatisfação,
impaciência, raiva, tristeza e sensação
de incompetência. Isto acontece quando
uma pessoa está a tentar adaptar-se a
uma nova cultura muito diferente da
sua cultura de origem. A adaptação dos
hábitos antigos para os do novo país é
difícil e leva algum tempo. Durante este
período de adaptação, podem surgir
sentimentos intensos de insatisfação.
Podemos descrever o choque cultural como
um incómodo físico e emocional sofrido
quando uma pessoa se instala noutro país ou
noutro lugar que não o de onde é originário.
Frequentemente, a forma como vivíamos até
então não é aceite ou considerada normal no
novo local de residência. Tudo é diferente,
desde a língua até às caixas multibanco ou o
funcionamento dos telefones do novo país de
residência.
Os sintomas do choque cultural podem
aparecer em alturas diferentes de pessoa para
pessoa, e os seus sintomas poderão causar um
verdadeiro sofrimento; contudo, este choque
poderá proporcionar uma oportunidade para
redefinir os objectivos de uma vida, aprender e
adquirir novas perspectivas. O choque cultural
pode forçar o desenvolvimento de uma melhor
compreensão de nós próprios e estimular a
criatividade.
Sintomas:
• Tristeza, solidão, melancolia.
• Preocupação com a saúde.
• Incómodos, dores e alergias.
• Insónia, necessidade de dormir em excesso,
pouca vontade de dormir.
• Variações de humor, depressão,
vulnerabilidade, sentimento de impotência.
• Raiva, irritabilidade, vontade de se isolar.
• Identificação com a cultura de origem ou
idealização do país de origem.
• Perda de identidade.
• Esforço excessivo para absorver todos os
aspectos da nova cultura ou país.
• Incapacidade para resolver os problemas.
• Falta de confiança em si próprio.
• Sentimento de desadaptação e insegurança.
• Desenvolvimento de estereótipos acerca da
nova cultura.
• Desenvolvimento de obsessões como a
O termo choque cultural foi introduzido pela primeira vez em 1958 para descrever a ansiedade que surge quando uma pessoa se muda pela primeira vez para um ambiente totalmente diferente. Esta expressão traduz a desorientação e a sensação de não saber o que fazer ou como fazer as coisas num ambiente novo, e não saber o que é ou não apropriado. A sensação de choque cultural costuma surgir ao fim de algumas semanas num novo ambiente.
“Frequentemente, a forma como vivíamos antes não é aceite ou
considerada normal no novo local de residência.”
OPINIÃO
Boletim Informativo Fevereiro 2004
Dr.ª Carmen Guanipa*
ACIME | Alto Comissariado para a Imigração e Minorias Étnicas
A terceira etapa é caracterizada pela
aquisição de alguma compreensão da nova
cultura, surgindo um novo sentimento de
satisfação e eventualmente algum sentido
de humor. Começa a sentir-se algum
equilíbrio psicológico. O recém-chegado não
se sente tão perdido e tem já algum sentido
de orientação. Está mais familiarizado com
o meio que o rodeia e quer integrar-se, o
que dá início a um processo de avaliação e
comparação dos valores antigos em relação
aos novos.
Na quarta etapa, a pessoa começa a
compreender que a nova cultura oferece
coisas boas e más. Esta etapa pode ser
uma fase de dupla ou de tripla integração,
dependendo do número que culturas que
uma pessoa tem de processar no seu
interior. Esta integração vem acompanhada
por um sentimento de pertença mais
sólido. O indivíduo começa a definir-se e a
estabelecer metas para a sua vida.
A quinta etapa designa-se como “o choque
do regresso” e ocorre quando regressamos
ao país de origem e verificarmos que as
coisas já não são como eram. Por exemplo,
descobrimos que alguns dos hábitos que
adquirimos não se integram na cultura de
origem.
Estas etapas surgem em alturas diferentes,
pois cada pessoa tem a sua forma própria
de reagir às etapas do choque cultural,
O choque cultural pode forçar o desenvolvimento de uma melhor compreensão de nós próprios e
estimular a criatividade.
pelo que algumas delas serão mais longas e
difíceis do que outras. Há muitos factores
que contribuem para a duração e para
os efeitos do choque cultural, como a
saúde mental de cada pessoa, o tipo de
personalidade, as experiências anteriores, as
condições sócio-económicas, a familiaridade
com a língua, os sistemas de apoio
familiares ou sociais e o nível de educação.
Como combater o Choque Cultural
A maioria dos indivíduos e das famílias que
imigram de outros países têm a capacidade
de confrontar de uma forma positiva os
obstáculos apresentados por um novo meio
ambiente. Estas são algumas das formas
possíveis de combater a tensão originada
pelo choque cultural:
• Arranje um passatempo.
• Não se esqueça das coisas boas que tem
na vida!
• Lembre-se de que há sempre soluções a
que pode recorrer.
• Seja paciente. O acto de imigrar é um
processo de adaptação a novas realidades.
Vai levar algum tempo.
• Seja construtivo. Se deparar com um
ambiente desfavorável, não se volte a
colocar na mesma posição. Não seja
demasiado duro consigo próprio.
• Aprenda a incluir uma forma regular de
actividade física no seu quotidiano. Isso
ajudará a combater a tristeza e a solidão
de uma forma construtiva. Faça exercício,
nade, inscreva-se na ginástica, etc.
• Relaxamento e meditação são actividades
muito positivas para quem vive um período
de stress.
• Mantenha o contacto com o seu grupo
étnico. Isso dar-lhe-á um sentimento de
integração e reduzirá a sensação de solidão
e de alienação.
• Mantenha o contacto com a nova cultura.
Aprenda a língua. Participe em actividades
comunitárias que permitam praticar a
língua que está a aprender. Isto contribuirá
para que sinta menos stress e ao mesmo
tempo se sinta útil.
• Permita-se a si próprio sentir-se triste
em relação a tudo o que ficou para trás: a
família, os amigos, etc.
• Reconheça o desgosto que teve ao
deixar o seu país de origem. Aceite o novo
país. Concentre-se na sua capacidade de
ultrapassar a transição.
• Esteja atento às relações com a sua
família e no trabalho. Essas pessoas
poderão ser um apoio importante em
tempos difíceis. • Estabeleça metas simples
e avalie os seus progressos.
• Encontre formas de conviver com as
coisas que não o satisfazem a cem por
cento.
• Mantenha a confiança em si próprio. Não
desista das suas ambições e dos seus planos
para o futuro.
• Se se sentir angustiado, procure ajuda.
Há sempre alguém ou algum serviço
disponível para o ajudar.
*
A Dr.ª Carmen Guanipa, venezuelana de origem, é
Professora Assistente da Universidade de San Diego
e especialista em Psicologia Multicultural.
O Choque Cultural é um incómodo físico e emocional sofrido quando uma pessoa se instala noutro país.
João
Saú
de
Intervenção do Dr. Abdool Magid Vakil, Presidente da Comunidade Islâmica de Lisboa, no Colóquio “A Promoção da Tolerância nas Religiões”, realizado no Palácio Foz no dia 14 de Novembro de 2003.
Começo por invocar o nome de Deus, Deus
de Abraão, de Ismael, de Isaac, de Jacob
e dos Filhos de Israel, Deus de Moisés, de
Jesus e de Maomé, (que a Paz e Bênçãos
de Deus estejam com todos eles). De
acordo com as palavras divinas contidas
no Alcorão, um muçulmano tem de crer
em Deus, no que foi revelado a Abraão,
a Ismael, a Isaac, a Jacob e às tribos; no
que foi concedido a Moisés e a Jesus e no
que foi dado aos profetas pelo seu Senhor,
“...tolerância deverá significar aceitar, sem preconceito, a Fé que motiva os crentes e religiosos de todas as religiões, respeitando, sem quaisquer reservas, as convicções de cada um e aceitando os diferentes preceitos.”
não fazendo distinção alguma entre uns e
outros, e ser submisso a Deus, termo que
em árabe se traduz por Muslim, ou seja,
Muçulmano.
Esta é a base da crença de um muçulmano
e, portanto também, estas são as raízes
da Tolerância, que hoje é o tema que nos
propomos tratar, do ponto de vista de
cada uma das confissões religiosas aqui
presentes, incluindo a do Islão, que tenho
a honra de representar. Aproveito para
agradecer o convite que nos foi endereçado
para participar nesta sessão comemorativa
do Dia Internacional da Tolerância.
Querendo trazer a perspectiva e o
contributo do Islão para este diálogo, e
atendendo ao contexto específico que hoje
nos serve de razão e oportunidade para
uma demonstração simbólica desse mesmo
desiderato de tolerância, o imigrante e a
forma como a sua condição nos provoca,
ou pelo menos nos devia provocar a pensar
sobre os deveres de hospitalidade, sobre a
forma como tratamos o outro, e através
dele, como nos inter-relacionamos, uns com
os outros e entre nós próprios, gostava de
deixar duas notas:
1) A presença Muçulmana na Europa é hoje
um facto. A sua condição de segunda
religião na Europa e da Europa, uma
realidade inegável. Já duas gerações de
muçulmanos aqui nasceram e a reconhecem
como sua terra e terra dos seus filhos.
O Islão é a sua religião, mas abraçam a
cultura e a cidadania dos países em que se
integraram. Mas integração não significa
dissolução; significa transformação:
transformação pelos valores das sociedades
onde se inseriram, e desses mesmos valores,
através da contribuição própria que
também trouxeram, enquanto portadores
de uma ética e de uma espiritualidade
simultaneamente afim e diferente.
Enquanto minorias, e através da
experiência de serem minorias, em grande
parte simultaneamente religiosas e étnicas,
reconhecem a urgência da tolerância que
desejam para si próprios, a ela apelam e
dela se socorrem, mas têm também eles
ainda muito a aprender com essa mesma
lição de tolerância, até nas relações entre si
próprios, e até na prática da religião.
2) O Deus que se nos revelou através
do Profeta Maomé, cuja mensagem
e orientação o Alcorão preserva, e
as tradições e biografia do Profeta
exemplificam, é um Deus que acima de tudo
tem, para com a sua Criação, uma relação
de Benevolência e Compaixão: Deus é o
Beneficente, o Todo Misericordioso. A Paz
que o Islão traz, e que inscreve desde logo
no próprio nome da religião, é a paz interior
da criatura que reconhece o seu Criador,
e do ser humano que se relaciona com os
outros a partir da interiorização dessa
espiritualidade: desejando para o Outro
o que deseja para si próprio; procurando
a Justiça na relação com o Outro mesmo
quando, ou até especialmente quando,
contra si próprio.
Ninguém nega que há muçulmanos
intolerantes e exclusivistas, que também
se alimentam no Alcorão, e no Islão, que
procuram defini-lo à sua imagem, tal como
acontece em todas as religiões. Mas esse
não é o espírito do Islão. Antes, e muito
pelo contrário, e valerá sempre a pena
lembrá-lo nos tempos que correm, o Islão
é ele próprio portador de uma riquíssima
tradição Alcorânica de tolerância; uma
tradição com que temos o dever de
contribuir para as sociedades em que
vivemos.
Relativamente ao título proposto “A
Promoção da tolerância nas Religiões”,
estou convicto de que, à semelhança do
Islão, todas as Religiões estão cheias de
apelos à Tolerância, à Paz e à Fraternidade.
Difícil é promover a Tolerância das
Religiões junto dos seus crentes. Esses sim,
necessitam de compreender a verdadeira
mensagem de fraternidade entre todos os
homens e mulheres, afinal filhos de Adão e
Eva, que Deus criou e a quem, através das
palavras dos mensageiros que foi enviando
ao longo dos tempos, ensinou a amarem-se
uns aos outros. O Alcorão é particularmente
esclarecedor: “A todos (crentes e não
crentes) chegam as dádivas do teu Senhor.
As dádivas do teu Senhor não serão negadas
a ninguém” (17:20)
Importa também sublinhar que as palavras
Tolerância e Paz estão intimamente ligadas
a uma outra, que é o Diálogo, porque este
é uma condição sine qua non para que as
outras duas se concretizem. Mas o Diálogo
“A presença Muçulmana na Europa é hoje um facto. A sua condição de
segunda religião na Europa e da Europa, uma realidade inegável.”
AS RAÍZES DA TOLERÂNCIA
Dr. Abdool Magid VakilPresidente da Comunidade
Islâmica de Lisboa
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OPINIÃO
Boletim Informativo Fevereiro 2004
só acontece se todas as partes estiverem
dispostas a realizá-lo e nele acreditarem de
facto.
Igualmente importante é encontrar o
significado de Tolerância para o cidadão
comum. Se formos ao Dicionário da Língua
Portuguesa Contemporânea, lemos que
Tolerância é o “carácter ou atitude de quem
aceita ou admite aquilo que é diferente;
aceitação da diversidade, do pluralismo;
paciência” e, a seguir, define Tolerante como
“o que aceita ou admite o que é diferente;
que admite e respeita as convicções, as ideias
e opiniões diferentes das suas “ e, finalmente,
Tolerar é “aceitar alguém ou alguma coisa,
embora não concordando com ela ou não a
aprovando”.
Transpondo para o ponto de vista das
religiões, porém, tolerância deverá significar
aceitar, sem preconceito, a Fé que motiva
os crentes e religiosos de todas as religiões,
respeitando, sem quaisquer reservas, as
convicções de cada um e aceitando os
diferentes preceitos.
Aqui vale a pena citar uma passagem do
Alcorão “Ó Humanidade. Nós vos criamos
de um único par, um macho e uma fêmea,
e vos agrupámos em tribos e em povos
para que vos conhecêsseis. Na verdade,
aos olhos de Deus, o mais digno de vós é o
mais justo”. (Cap 49, vers. 13) que justifica
outras como: “Revelamos a Torá que encerra
orientação e luz...”(Cap 5: vers. 44); “O
Evangelho contem orientação e luz. Que os
seus seguidores apliquem os Ensinamentos
que Deus revelou no Evangelho” (Cap 5: vers.
46).
Portanto, a tolerância no Islão é não
excluir os crentes de outras religiões e, por
conseguinte, crer e respeitar todos os Profetas
e as suas mensagens. É dado particular relevo
aos judeus e cristãos, que são designados
de Povos do Livro que devem estreitar as
suas relações, comportando-se com uma
Ummah, a Ummah Abraâmica. Esse foi o
desejo do nosso amado Profeta Maomé (que
a Paz e Bênçãos de Deus estejam com ele) e
que no seu tempo não conseguiu. Mas hoje
temos decerto condições para conseguir unir
a nossa Fé num só Deus único, verdadeiro
e transcendente, embora cada uma das
religiões seguindo os seus próprios preceitos
e tradições.
O Alcorão mais não pretende ser afinal que
a última revelação de Deus na sequência e
como continuidade das revelações anteriores.
É a mesma Verdade de Deus que foi sendo
revelada desde Noé, passando por Abraão,
Moisés e Jesus (que a Paz e Bênçãos de
Deus estejam com todos eles). Entre
as três religiões Abraâmicas existem
naturalmente mais pontos comuns do
que divergentes. O Islão constitui como
que uma Globalização da Fé em Deus
que é o Criador e Senhor do Universo.
Uma religião - a da submissão a Deus - e
diferentes preceitos. Por sua vez, Deus, o
Altíssimo, o Beneficente e infinitamente
Misericordioso, ama toda a sua Criação
sem excepção alguma.
Assim, se foi o apelo à Tolerância que
aqui nos trouxe, não é pela tolerância
que nos devemos ficar, se por ela
entendermos um mero sofrer da diferença
do outro. É antes uma cultura da
tolerância enquanto reconhecimento
positivo da diferença, da pluralidade e
da solidariedade que devemos procurar
construir. É esta a leitura que sugerem
hoje muitos muçulmanos atentos à forma
como Deus, no Alcorão, nos alerta para
“... estou convicto de que, à semelhança do Islão, todas as Religiões estão
cheias de apelos à Tolerância, à Paz e à fraternidade. Difícil é promover a
Tolerância das Religiões junto dos seus crentes.”
o facto da própria pluralidade da Criação,
das comunidades humanas, do encontro
e relacionamento entre elas, e da própria
diversidade religiosa. Quando lemos no
Alcorão cap. 5 vers. 48 “E revelamos-te
a ti (a Maomé) o Livro (o Alcorão) que na
verdade confirma o conteúdo dos Livros
anteriores... A cada um de vós revelámos
uma lei e um sistema. Se Deus quisesse,
teria feito de todos vós uma única nação,
mas quis testar-vos naquilo que preceituou
para vós, emulai-vos pela virtude. O vosso
propósito é para com Deus. É Ele que vos
mostrará a verdade das vossas contendas”.
Acreditamos, ou deveríamos acreditar, que
nos devemos estimular uns aos outros na
realização do Bem e da Justiça porque Deus
será o nosso Árbitro e Juiz.
Que Deus, Beneficente e Misericordioso, nos
guie a todos pelo bom caminho e nos ajude
a edificar um mundo em que estejamos
irmanados em Deus. Ameen.
ACIME | Alto Comissariado para a Imigração e Minorias Étnicas
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Dr.ª Alda Gonçalves
Tradição e Prospectiva nos Meandros da Economia Cigana
A generalidade das actividades económicas da
comunidade cigana, situando-se nos meandros
da economia informal, goza dos benefícios
próprios deste tipo de economia e sofre as
desvantagens inerentes a uma economia
subterrânea. A sua situação “periférica” em
relação ao sistema de Segurança Social, e o
predomínio de fontes de rendimento marcadas
pela incerteza, logo sem continuidade
assegurada, pode conduzir e (re)forçar
situações de precariedade. No entanto, esta
mesma ausência permite-lhes o acesso a outro
tipo de rendimentos e de benefícios sociais.
Esta atitude de “escape ao controlo
efectivo” permite a algumas famílias
usufruírem de complementaridades nos seus
rendimentos, nomeadamente através do
RMG, o que não significa necessariamente
que tais complementaridades lhes forneçam
rendimentos não necessários, já que as suas
necessidades e lógicas de consumo são também
diferentes das
dos grupos
da sociedade
dominante.
As actividades
geradoras de
rendimentos a
que a comunidade
cigana se
dedica têm
sofrido algumas
alterações nas
últimas décadas.
Contudo, também
as actividades
tradicionalmente
associadas
a esta etnia,
nomeadamente “o negócio”, têm conhecido
algumas alterações. Estas alterações,
apesar de não serem estruturais, já que o
comércio permanece, hoje como ontem,
um negócio essencialmente familiar e num
circuito relativamente marginal de revenda
de bens, são evidentes ao nível dos produtos
comercializados. Reflectindo, também eles
se adaptam, reinventando os produtos que
comercializam, adequando-os em função da
procura.
Esta capacidade de adaptação, não se
limitando somente ao leque de produtos
comercializados, faz-se sentir também
no alargamento a outras actividades
económicas, procurando-se novas formas de
profissionalização que possam substituir ou
complementar os rendimentos decorrentes do
comércio ambulante.
José António Jimenez
Cooperativa “Principado de Asturias”
A experiência da cooperativa de venda
ambulante “Principado de Asturias”, como
pioneira neste ramo, já que fomos os primeiros
a organizar uma cooperativa com estas
características, é indiscutível. Esta cooperativa
nasce devido a uma legislação que impedia os
vendedores de exercer o seu ofício devido aos
custos elevados que impunha, o que afectava
95% dos ciganos
asturianos.
Apresentámos o
nosso projecto
a diversos
organismos
oficiais sem
obter qualquer
resposta, de
modo que
recorremos
aos sindicatos,
nomeadamente
a UGT, que o
apoiou. Deste
modo, no
ano de 1988
constituímos a
Cooperativa de
Venda Ambulante Principado de Astúrias, com
50 sócios trabalhadores e um capital social de
9.000 , comparticipado em 50% pelos sócios.
No ano de 1990, contávamos já com 225
sócios e um capital social de 30.000.
Basicamente, o funcionamento interno da
Cooperativa de Venda Ambulante consiste
nos sócios realizarem todas as suas compras
através da Cooperativa, que faz a gestão
dos aspectos fiscais e financeiros. Cada
sócio é dono do seu negócio, pagando uma
percentagem à Cooperativa, que varia
consoante a sua actividade e período de
trabalho. É um sistema relativamente simples,
no qual a grande dificuldade é explicar aos
sócios o que é uma cooperativa. Antes de
organizarmos uma cooperativa através do
sindicato, realizávamos um pequeno curso de
cooperativismo onde explicávamos a lei, os
impostos, a filosofia, direitos e obrigações dos
sócios, etc..
Este sistema dá uma estabilidade económica
ao vendedor, fazendo-o viver um pouco melhor
e libertando-o dos aspectos de gestão, que os
vendedores espanhóis desconheciam totalmente.
As cooperativas de venda ambulante em
Espanha têm sido um êxito, existindo
actualmente entre trinta e quarenta, apesar
de algumas pessoas as utilizarem de modo
incorrecto. Este tipo de organização permite
ainda que o sector tenha representantes legais
em qualquer negociação, como por exemplo
regulação da venda e abertura ou fecho dos
mercados.
Devido às dificuldades económicas que os ciganos têm vindo a ter e a situações de exclusão social que ainda persistem, o ACIME organizou um workshop sobre venda ambulante, o principal meio de sobrevivência desta etnia. Com a presença de diversas instituições e pessoas ligadas ao sector, o encontro permitiu compreender melhor e acompanhar as realidades desta actividade, em forte crise devido à concorrência das grandes superfícies. Nas intervenções, das quais publicamos alguns excertos, foram abordados, entre outros temas, a participação dos cidadãos ciganos na legislação relativa à venda ambulante, a experiência de outros países, o valor das coimas, a necessidade de formação dos ciganos, a criação de espaços específicos para venda ambulante, o acompanhamento dos serviços sociais para a integração das famílias ciganas, as medidas de discriminação positiva, a sensibilização das Câmaras Municipais para a questão da venda ambulante e a dificuldade de inserção de membros da etnia cigana no mercado de trabalho português.
“COMUNIDADE CIGANA E VENDA AMBULANTE”
SEMINÁRIO
Boletim Informativo Fevereiro 2004
António Pinto Nunes
Vendedor ambulante
Existem grandes dificuldades para os
vendedores ambulantes, das quais vou
enumerar algumas. A principal é o capital.
Quem for muito pobre e não tiver uma ajuda
não tem capacidade de se tornar um vendedor
ambulante com condições de sobrevivência.
Existem muitos ciganos que são vendedores
ambulantes que estão agregados ao rendimento
mínimo garantido. E acontece que muitos
ciganos auferem mensalmente 300 ou 400
euros, que empregam em mercadoria para
vender, mas
correm um
risco tremendo:
para além de
ganharem pouco,
se o técnico que
acompanha cada
caso verificar
que têm muita
mercadoria,
corta-lhes
imediatamente
o rendimento e
acabam por ficar
mais pobres.
Precisamos
também de
locais de venda,
e cada vez há
menos, principalmente na Grande Lisboa,
onde a quantidade de vendedores ambulantes é
enorme. Se os locais de venda das autarquias
forem atribuídos por leilão, só aqueles que têm
um alto poder aquisitivo os conseguem obter, e
não os que realmente precisam deles. Existem
ainda posturas municipais relativas à venda
ambulante que muitas vezes dificultam a nossa
vida. (...)
Concluindo, não entrando em pormenores
técnicos, não é muito complicado sintetizar
aquilo que faz falta ao vendedor ambulante.
Precisamos de locais de venda com bons
acessos, que não sejam em locais onde exista
marginalidade aberta, para que as pessoas de
bem possam procurar-nos e comprar os nossos
produtos. Precisamos de facilidades de crédito:
os bancos não têm uma ideia muito abonatória
sobre os ciganos. Então, uma vez que se trata
de uma profissão que é digna e que se pretende
continuar a dignificar, que seja o governo a
tentar ajudar-nos com empréstimos, tomando
as precauções devidas, e com juros reduzidos.
Anabela Abreu
Presidente da Associação Raízes Calé
Venho aqui falar não só como membro da
comunidade cigana mas como presidente de
uma associação que trabalha com ciganos.
São muitas as pessoas que chegam a nós com
problemas porque perderam tudo o que tinham
ao fugirem à polícia, tendo as mercadorias
apreendidas. Não se trata de criticar os
membros das autoridades policiais, eles fazem
o trabalho deles porque não há leis que nos
protejam. É isso que nós queremos, leis que
nos protejam, a nós, comunidade cigana, e
que nos abram caminhos a um futuro melhor.
O cigano hoje em dia tem uma profissão de
risco, porque os mais velhos não vão deixar de
fazer a sua actividade de venda ambulante. O
que eles querem é garantias para um futuro,
para eles e para os filhos. Eu trabalho numa
escola e sei que as
crianças ciganas que
frequentam mais
a escola são filhos
de pais que têm a
venda legalizada. Os
filhos de pais que
vendem na rua e
fogem à polícia não
frequentam a escola.
É necessário criar
bases para a venda
ambulante. Essas
bases passam pelo
apoio às famílias e
principalmente às
crianças que estão em idade escolar. Com que
ideia ficam essas crianças da autoridade, dos
professores. Temos de criar um futuro para
essas crianças, e apoiando os pais estamos
também a apoiar as crianças. O Rendimento
Mínimo Garantido, que agora tem outro nome,
deveria ser também para apoiar a venda
ambulante. A venda ambulante é considerada
profissão para os técnicos da segurança social,
mas não é considerada profissão para mais
ninguém. Assim, perdemos para ambos os
lados. (...)
Drª Idália Moniz
Vereadora da Câmara Municipal de Santarém
Nos últimos anos, a intervenção da Câmara
Municipal Santarém tem-se caracterizado
junto da comunidade cigana pela procura de
habitação social municipal e pela constituição
e encaminhamento
de processos
para obtenção
do Rendimento
Social de
Inserção.
(...)Temos
aproxima-
damente
trinta e cinco
agregados que
beneficiam deste
tipo de apoio,
registando-se a
sua participação
em planos de
inserção ao nível
da educação - por
via do ensino
recorrente - acompanhamento social, formação
profissional e social, que são desenvolvidos
pelos parceiros locais.
Estas famílias de etnia cigana estão
integradas na sociedade local, dedicando-se,
maioritariamente, ao comércio ambulante,
quer nos mercados do concelho de Santarém,
quer nos mercados dos concelhos vizinhos.
As crianças em idade escolar frequentam a
escola, apresentando níveis de sociabilidade
razoáveis na comunidade escolar onde estão
inseridas.
Observam-se no entanto, alguns atritos no
seio da comunidade instalada no Concelho.
(...) Estas são, no entanto, famílias
integradas que mantêm relações e interacções
com a comunidade local, aos níveis comercial,
religioso, educacional e cultural.
Outras situações que temos enfrentado,
manifestamente mais difíceis de resolver,
dizem respeito às famílias ciganas nómadas,
que acampam em várias zonas do concelho,
nomeadamente na cidade e na sua periferia.
Dr. Carlos Manuel Soares Miguel
Vice Presidente da Câmara Municipal de Torres Vedras
Torres Vedras é um concelho um pouco
ao norte de Lisboa, mas apesar desta
proximidade é um concelho que nada tem a
ver com os grandes centros. É um concelho
extenso, mas com cerca de 80 mil habitantes
e uma comunidade cigana residente e
sedentária de cerca de quatrocentas pessoas.
Os ciganos são cerca de 0,5 por cento da
população, o que no fundo é a realidade
do país, se tivermos em conta que em dez
milhões de pessoas há cerca de 50 mil
ciganos. É uma micro-região que de alguma
forma pode repercutir a realidade dos ciganos
no país, se bem
que a realidade
dos ciganos a
nível nacional é
extremamente
diversa entre
os grandes e
os pequenos
aglomerados.
Em Torres
Vedras existem
os problemas
de integração
normais e no que
se refere à venda
ambulante não
existe uma situação
de permanente conflito entre o vendedor e a
entidade que fiscaliza ou policia. Isso deve-
se a dois ou três factores importantes. Por
um lado, temos uma comunidade sedentária,
o que para a integração é algo que ajuda
bastante. (...)
Nesta comunidade de cerca de 400 pessoas,
a esmagadora maioria são vendedores
ambulantes. E não existem estes conflitos
porque há situações que se foram resolvendo
ao longo do tempo, e o próprio tempo também
se encarregou de resolver muitas delas. Temos
mercados mensais que se foram polarizando.
E se há vinte anos atrás o único mercado
mensal era o que existia em Torres Vedras,
hoje em muitas das sedes de freguesia existem
mercados mensais, que são tão bons ou tão
fortes como o da própria sede do concelho.
ACIME | Alto Comissariado para a Imigração e Minorias Étnicas
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Boletim Informativo Janeiro 2004
PATERNALISMO OU “VOLUNTARISMO”
“É fácil dar lições de humanismo aos
outros”, dizia uma ouvinte da Antena 1,
professora, a propósito da rejeição pela
Associação de Pais da Escola Augusto
Moreno de Bragança, da integração na
escola de uma turma, supostamente de
maioria cigana.
Não deixa de ter razão a professora. Acusar
o próximo de racismo é fácil e é barato.
Mais difícil é encarar os problemas de
frente e procurar as soluções adequadas.
Normalmente, em Portugal, este tipo de
debates são pervertidos à partida pela
catalogação imediata e automática das
posições: neste caso, os pais são “racistas”
e “xenófobos”; os outros, “humanistas”
e “solidários”. Assim, por exemplo, para
Augusto Santos Silva, ex-ministro da
Educação, a reacção dos pais dos alunos
reflecte “um lado populista de xenofobia”
inadmissível. ~
Afinal, segundo parece, a tal turma nem
sequer ciganos tinha, o que revela que
colocar o debate nestes termos serve apenas
para obscurecer as questões e impede de
encarar de frente, com lucidez e bom senso,
o real problema de integração das minorias
étnicas e de uma forma mais geral a questão
da imigração. Mais uma vez, a tirania do
“politicamente correcto” substituindo-se
à difícil, mas necessária resolução dos
problemas...
Não conheço a situação da referida
escola de Bragança e não gosto de falar
de cor. Mas à partida parece-me errado
concentrar numa turma perto de 20 jovens
com dificuldades de integração social e
escolar. Por muito “inclusiva” que seja a
escola, não me parece evidente que essa
“exclusão” na “inclusão” possa contribuir
para uma inserção harmoniosa. Mas admito
estar enganada e melhor do que ninguém
saberão as pessoas e entidades que há anos
trabalham e reflectem sobre a integração
das minorias, desde que o façam com
uma real independência de espírito e sem
medo de serem acusadas de racismo ou de
xenofobia.
Portugal tem a particularidade de ser hoje
um país de imigração, ao mesmo tempo
que continua a ser um país de emigração.
Mas enquanto a emigração é um fenómeno
antigo, a imigração é recente e cada vez
mais importante: próximo do meio milhão
de imigrantes, ou seja quase cinco por cento
da população, o que exige uma visão clara e
uma política adequada.
Estudos recentes fornecem-nos matéria de
reflexão: em primeiro lugar, o Inquérito
Social Europeu, já aqui divulgado, no
qual Portugal aparece como o país menos
favorável à vinda de imigrantes, com
61,5 por cento da população a defender
o acolhimento de “poucos ou nenhuns”
imigrantes de etnias diferentes. Racismo?
Xenofobia?
Na realidade, este número não surpreende
quando sabemos que Portugal é o país com
Acusar o próximo de racismo é fácil e é barato. Mais difícil é encarar os problemas de frente e procurar as
soluções adequadas.
“Não se pode tratar de forma igual o que é diferente e deixar os mecanismos de integração funcionarem
espontaneamente. Porque não funcionam: quando
se vive num gueto de marginalidade, em que a
delinquência é a regra, limitar-se a proclamar a
igualdade dos direitos é pura retórica.”
Dra. Esther Mucznik
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Bent
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OPINIÃO
Boletim Informativo Fevereiro 2004
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ACIME | Alto Comissariado para a Imigração e Minorias Étnicas
salário médio e mínimo mais baixo da União
Europeia, com os níveis de desemprego a
disparar, e sobretudo com uma formação
profissional e cultural baixa: o medo de
perder o emprego, do “choque de culturas”,
o receio da violência social e da degradação
da moral e dos costumes, tudo isso leva as
pessoas a fecharem-se, suspirando muitas
vezes por um “antigamente” tão mítico
quanto ilusório, quando “éramos só nós”,
sossegadinhos, a assistir da janela às
convulsões do mundo...
É evidente que nem o antigamente era
tão bom nem se pode parar a marcha da
história. Portugal é hoje uma porta aberta
para a passagem ou destino de imigrantes
vindos do Leste, do Brasil, das ex-colónias,
e seria bom que se aceitasse como tal,
porque essa é hoje a nossa realidade.
A imigração e a diversidade étnica,
cultural e religiosa são um factor de
abertura e de enriquecimento cultural e de
desenvolvimento de um país. Em Portugal
é também, segundo um estudo do Alto-
Comissariado Para a Imigração e Minorias
Étnicas, um factor indispensável para
contrariar o envelhecimento da população.
Mas para isso torna-se necessária uma
política adequada de integração e os meios
dessa política.
Como actuar? Como agir no terreno de
forma a que as pessoas que contribuem com
o seu trabalho se sintam também acolhidas
e integradas na sociedade? Em Portugal
existe legislação antidiscriminatória, há
o Alto-Comissariado e a Comissão para a
Igualdade e contra a Discriminação Racial.
Está em curso também uma campanha da
União Europeia “pela diversidade e contra
a discriminação”, mas apesar de todos os
esforços, o impacte é diminuto: não falando
já nos imigrantes recém-chegados, não se
observa nos jovens da segunda geração
uma verdadeira integração social e as suas
oportunidades de ascender e progredir
socialmente são muito mais fracas.
Seria interessante conhecer as estatísticas
sobre a presença dos filhos dos imigrantes
na carreira universitária, na hierarquia
do Estado e no mundo empresarial. Não
seriam, certamente, muito animadoras. Isto
significa que a escola não tem sido capaz
de cumprir o seu papel de integração e
hoje o mundo económico exige um nível de
formação cada vez mais elevado, do qual
grande parte desses jovens continuam a ser
excluídos.
Nunca fui favorável ao sistema de “quotas”,
sobretudo se baseadas no sexo, na raça,
na origem étnica ou religiosa, porque
isso é partir do princípio de que essas
características constituem deficiências ou
fraquezas que exigem um tratamento
especial.
Em minha opinião, esse sistema contribui
para reforçar os preconceitos sexuais ou
raciais, substituindo o sucesso através
do mérito e do esforço, pelo “mérito”
das origens raciais ou outras. As pessoas
discriminadas por esses motivos, e
obviamente essa discriminação existe, têm
ao seu dispor instrumentos de combate e
devem usá-los sempre que necessário.
Mas quando as condições de base são
objectivamente desfavoráveis do ponto
de vista social e económico, e essa é
a realidade da maioria do mundo da
imigração e das minorias étnicas, são de
facto necessárias políticas específicas,
susceptíveis de favorecer a integração
social, o que implica um tratamento
desigual em função da diversidade das suas
próprias condições.
Não se pode tratar de forma igual o que
é diferente e deixar os mecanismos de
integração funcionarem espontaneamente.
Porque não funcionam: quando se vive
num gueto de marginalidade, em que a
delinquência é a regra, limitar-se a proclamar
a igualdade dos direitos é pura retórica.
Em contrapartida, adoptar uma política que
beneficie os bairros pobres, dotar as escolas
desses bairros de meios suplementares e as
autarquias dessas zonas de dotações maiores
para fazer face às múltiplas carências,
facilidades fiscais a empresas que aceitem
instalar-se nessas zonas, é contribuir
activamente para a integração social dos
grupos discriminados. Assim, acredito
que só uma política “voluntarista” e não
paternalista poderá acabar com os guetos,
sejam eles geográficos, culturais ou escolares.
Jornal “Público” 12-12-2003
ERCOMERhttp://www.ercomer.org/
O ERCOMER é um centro de
investigação europeu especializado
na investigação comparativa, dentro
do contexto europeu, nas áreas das
migrações internacionais, relações
étnicas, racismo e conflitos étnicos.
Baseada na Faculdade de Ciências
Sociais da Universidade de Utrecht, na
Holanda, esta organização tem como
objectivos a promoção da investigação
académica, a publicação dos resultados
da investigação nestas áreas e o
auxílio a jovens investigadores nos seus
trabalhos sobre migrações internacionais
e relações étnicas no contexto europeu,
bem como o apoio à comunicação entre
os investigadores dos diferentes países
europeus através da organização de
seminários e conferências.
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Título: Raça e História Autor: Claude Lévi-Strauss Edição: Editorial Presença
Este texto de Claude Lévi-Strauss,
de 1952, ganha hoje uma nova
actualidade, à luz das mais recentes
transformações ocorridas à escala
mundial. Trata-se de uma reflexão
em torno de alguns conceitos
fundamentais das ciências humanas,
para a renovação das quais o
contributo do autor foi sem dúvida
um dos mais importantes. O seu nome
ficou indissociavelmente ligado à
constituição do método estruturalista,
mas, para além disso, Lévi-Strauss é
acima de tudo um dos mais fecundos
pensadores deste século e a releitura
do presente texto, hoje, revela
precisamente o alcance e a justeza
dos seus pontos de vista. Este volume
inclui ainda um estudo de Jean
Pouillon sobre a obra de Claude Lévi-
Strauss, avaliando-a, perspectivando-
a e problematizando-a também, em
alguns dos seus
aspectos.
Título: Do Outro Lado da Linha Edição: Centro Social do Bairro 6 de Maio
O Bairro 6 de Maio tem uma história
comum à de tantos bairros pobres.
E como quase todos, tem do resto da
cidade confinante uma impiedosa e
incomensurável distância. É rotulado
como uma zona de risco, onde os
perigos espreitam de ruelas escuras,
esguias e tortuosas. Dos olhares
das crianças, adultos e anciãos do
bairro, e de cinco irmãs dominicanas,
nasceu a ideia deste livro, que se
afirma como uma homenagem
a protagonistas desconhecidos e
corajosos da luta por um mundo
melhor. Para além das fotografias
de Rosa Reis, que passou meses no
bairro, destacam-se os textos de
Paquete de Oliveira,
Germano de Almeida e Rui Machado,
que abordam a realidade da diáspora
cabo-verdiana e guineense em
Portugal.
EDIÇÃO
INTERNET
EMCIhttp://www.ecmi.de
O European Centre for Minority Issues
(ECMI), ou Centro Europeu para as
questões das minorias, promove a
investigação informação e documentação
e disponibiliza serviços de assessoria
na área das relações entre minorias
e maiorias na Europa. Os serviços
desta organização apoiam os governos
europeus e as organizações regionais
intergovernamentais, assim como os
grupos minoritários do continente
europeu. O centro dirige-se ainda à
comunidade académica, aos media e
ao público em geral através das suas
análises e acções informativas.
A monitorização imediata das tensões
e potenciais conflitos em toda a
Europa, Ocidental e de Leste, constitui
a principal actividade do Centro,
cujo objectivo é a consolidação dos
governos democráticos que defendam a
diversidade étnica e os direitos humanos.
EFILhttp://efil.afs.org/
EFIL significa European Federation for
Intercultural Learning, ou Federação
Europeia para a Aprendizagem
Intercultural, a organização de cúpula
para a European AFS Organizations
na Europa, uma entidade sem fins
lucrativos que promove o voluntariado
e organiza o intercâmbio de estudantes,
jovens adultos e professores em mais
de 50 países de todo o mundo. As
organizações associadas ao EFIL,
igualmente sem fins lucrativos, têm
como objectivo contribuir para a
aquisição de conhecimentos, capacidades
e compreensão indispensáveis para a
criação de um mundo mais justo e mais
pacífico. A seguir à Segunda Guerra,
o AFS surgiu da convicção de que o
conhecimento e a compreensão poderão
no futuro evitar todos os conflitos.
Título: Le Destin des Immigrés Edição: Seuil – Poche Essais Autor: Emmanuel Todd
Um ensaio oportuno sobre as
grandes questões da imigração,
que aborda as estruturas sociais de
quatro sociedades: Estados Unidos,
Inglaterra, Alemanha e França. O
autor, historiador de formação, ataca
o mito da convergência cultural
trazida pela globalização e analisa as
estruturas familiares, os casamentos
mistos e as diversas religiões e
crenças, distinguindo dois tipos de
sociedades: as diferencialistas, como
a americana, a alemã, a inglesa ou a
japonesa, e as universalistas, como a
francesa, a espanhola ou a chinesa, e
defende que esta dicotomia determina
as atitudes em relação às populações
imigrantes.
Da polémica sobre o véu islâmico
ao debate sobre a existência de uma
identidade europeia, Emmanuel Todd
deita por terra numerosas ideias
estabelecidas.
ACIMEAlto Comissariado para
a Imigração e Minorias Étnicas
O ACIME encontra-se na dependência
da Presidência do Conselho de Ministros, regulado pelo
D.L. nº251/2002, 22 de Novembro.
Alto Comissariado
PortoPraça Carlos Alberto, 71
4050-157 Porto
Tel.: (00 351) 22 2046110
Fax: (00 351) 22 2046119
LisboaRua Álvaro Coutinho, nº 14
1150-025 Lisboa
Tel.: (00 351) 21 3219500
Fax: (00 351) 21 3219518
e-mail:
website:
www.acime.gov.pt
www.oi.acime.gov.pt
BOLETIM INFORMATIVODirecçãoP. António Vaz Pinto, S.J.Alto Comissário para a Imigração e Minorias Étnicas
Coordenação da ediçãoMiguel Justino Alves
DesignJorge Vicente ([email protected])
Colaboraram nesta ediçãoJoão Van ZellerGonçalo GilRicardo BentoTeresa ChampalimaudPatrícia SousaHelena Torres
Fotografia da capaRicardo Martins
Pré-impressão e ImpressãoEuro-Scanner
Tiragem4.500 exemplares
Depósito legal23.456/99