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0 BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 680 (Ano VIII) (16/8/2016) ISSN - - BRASÍLIA 2016 Boletim Conteúdo Jurídico - ISSN – -

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BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 680

(Ano VIII)

(16/8/2016)

 

ISSN- -  

 

 

 

 

 

 

 

 

BRASÍLIA ‐ 2016 

Boletim

Conteú

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rídico-ISSN

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 ‐ 1984‐0454 

ConselhoEditorial 

COORDENADOR GERAL (DF/GO/ESP) - VALDINEI CORDEIRO COIMBRA: Fundador do Conteúdo Jurídico. Mestre em Direito Penal Internacional Universidade Granda/Espanha.

Coordenador do Direito Internacional (AM/Montreal/Canadá): SERGIMAR MARTINS DE ARAÚJO - Advogado com mais de 10 anos de experiência. Especialista em Direito Processual Civil Internacional. Professor universitário

Coordenador de Dir. Administrativo: FRANCISCO DE SALLES ALMEIDA MAFRA FILHO (MT): Doutor em Direito Administrativo pela UFMG.

Coordenador de Direito Tributário e Financeiro - KIYOSHI HARADA (SP): Advogado em São Paulo (SP). Especialista em Direito Tributário e em Direito Financeiro pela FADUSP.

Coordenador de Direito Penal - RODRIGO LARIZZATTI (DF/Argentina): Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino - UMSA.

País: Brasil. Cidade: Brasília – DF. Contato: [email protected] WWW.CONTEUDOJURIDICO.COM.BR

   

BoletimConteudoJurıdico

Publicação

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SUMÁRIO

COLUNISTA DO DIA

 

16/08/2016 Thomas Ubirajara Caldas de Arruda 

» Juízes de todo o país, fundamentem as vossas decisões!

ARTIGOS  

16/08/2016 Josilene Nascimento de Souza » Uma análise acerca da audiência de custódia no processo penal brasileiro 

16/08/2016 Maria da Conceição Bandeira do Ó 

» Análise da vulnerabilidade do consumidor pessoa jurídica 

16/08/2016 Filipe de Oliveira Cirqueira 

» Da inaplicabilidade da vantagem da coisa feita na apuração da justa indenização em 

desapropriação 

16/08/2016 Myra Cherylin Pereira Figueiró 

» Argumentos sobre a redução da maioridade penal 

16/08/2016 Lucas Paulmier Cosme Guerra 

» A penhora de salário em execução que não seja de alimentos 

16/08/2016 Tauã Lima Verdan Rangel 

» O Reconhecimento da Multiparentalidade pelo Ordenamento Jurídico Nacional e a 

possibilidade de Múltipla Filiação Registral 

MONOGRAFIA 

16/08/2016 Marco Túlio Ferreira dos Santos » Direito penal do inimigo, terrorismo e lei de drogas 

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JUÍZES DE TODO O PAÍS, FUNDAMENTEM AS VOSSAS DECISÕES!

THOMAS  UBIRAJARA  CALDAS  DE  ARRUDA:  Advogado. Assistente  Jurídico  da  Defensoria  Pública  de  Segunda Instância do Estado de Mato Grosso, Membro das Comissões de Direito Civil e Processo Civil, dos Juizados Especiais e do Jovem Advogado da OAB/MT, Pós‐graduando em Direito Civil Contemporâneo  pela  UFMT  e  Pós‐graduando  em  Direito Constitucional pela Universidade Cândido Mendes/RJ 

Com o objetivo de flexibilizar e, principalmente, democratizar o processo, o novo Código Processual Civil deu luz a normas e princípios fundamentais nunca vistos antes no ordenamento jurídico brasileiro e reproduziu algumas outras figuras conhecidas da Constituição Republicana de 1988, dentre elas o princípio do contraditório, da boa-fé e da motivação das decisões judiciais. Logo no artigo inaugural (art. 1º, CPC/2015) - um autêntico cartão de visita – reafirma-se que “o processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os princípios fundamentais da Constituição Federal”. A preocupação do legislador em enunciar simbolicamente o “modelo constitucional” [1], embora pareça redundante, é digna de elogios, pois serve para relembrar os intérpretes que o direito processual está subordinado à Constituição e a ela deve bater continência.

O modelo normativo instituído pelo novo CPC estabeleceu um sistema comparticipativo e incentivador do efetivo diálogo entre todos os sujeitos que integram o processo [2]. Denominado pela doutrina de “modelo processual cooperativo” [3], prestigia a colaboração participativa entre as partes e juiz, tanto na condução do processo como na obtenção de seu resultado. Em termos gerais, o código acertou em sistematizar as normas fundamentais e abreviar procedimentos (afastando formalidades inúteis), mas os resultados práticos dependerão da vontade dos magistrados em

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aplicar a lei em sua essência e na forma prevista, conforme a intenção do legislador ordinário.

O processo é o instrumento de concretização do direito material e deve servir prestimosamente para o alcance dos fins aos quais se propõe. Assim, quando um cidadão ingressa com uma ação judicial, na verdade está apontando um problema (ou o que acredita ser um problema) e pretende ver o conflito solucionado de alguma forma, o que poderá ser feito por autocomposição, em procedimento estruturado de mediação/conciliação (atualmente previsto nos arts. 165 a 175 do CPC/2015 e na Lei n. 13.140/2015), ou contenciosamente.

Veja bem, não se pode dizer que o direito de ação seja exercido aleatoriamente. Claro que há situações em que os pedidos são manifestamente infundados, configurando típica “loteria judicial”, quando não há quase nada a perder (no caso de beneficiário da justiça gratuita) e, eventualmente, muito a ganhar. Todavia, na maioria das vezes há alguma lesão ou perigo, alguma razão por detrás do reclame dirigido ao Estado, até porque não são muitos os advogados que se aventuram processualmente, sem a mínima expectativa de receber os honorários ao final da ação, isto quando se trata de contrato firmado com cláusula quota litis.

Trata-se de um mecanismo constitucional [4] (repetido no art. 3º, CPC/2015), garantidor do acesso à justiça, cujo objeto é o “direito ao provimento jurisdicional, qualquer que seja a natureza deste – favorável ou desfavorável, justo ou injusto (...)” [5]. Para tanto, a tarefa do Estado-juiz no processo contencioso é compreender o sentido dos fatos da causa com base na avaliação das provas, e identificar a norma jurídica em abstrato aplicável ao caso concreto, para então formar a sua convicção com a “verdade possível” [6].

Agora imaginemos a seguinte situação: no meio da noite você começa a sentir fortes dores no corpo e vai correndo ao hospital para se consultar. A primeira coisa que o doutor faz é lhe perguntar

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aonde dói, e recebe uma resposta quase automática: - dói em tudo! Você aguarda ele prescrever algum remédio, mas ele apenas balança a cabeça, diz que é normal sentir dores nessa fase da vida, motivo pelo qual não vê necessidade de exames médicos, muito menos de medicamentos. Convencido sobre a suposta causa das dores, o Asclépio lhe deseja uma ótima noite e o manda de volta pra casa. Só isso? Sim, é o diagnóstico.

No Direito não é diferente. Se um litígio é submetido ao Judiciário, as partes esperam que ele seja resolvido da maneira mais justa possível, observadas todas as diretrizes constitucionais, especialmente o devido processo legal. Mas a questão é que o que se tem por justiça, depende dos olhos de quem vê, não é mesmo? E na jurisdição contenciosa o resultado final quase nunca será capaz de gerar contentamento a ambas as partes.

Exatamente por isso que não basta ao juiz dizer o direito, é preciso dizer francamente o porquê sim ou o porquê não do direito [7]. E juridicamente falando, o dever de dizer o porquê, não se limita à transcrição de normas, doutrinas e julgados, mas sim de efetivamente fundamentar a decisão judicial, correlacionando as fontes ao caso em discussão, analisando as provas produzidas no iter processual e, principalmente, apreciando as questões suscitadas pelas partes.

Suponhamos que o autor ingresse com uma ação monitória, com base em instrumento contratual e depoimentos testemunhais, e na contestação o réu argui a preliminar de ilegitimidade passiva, apresenta provas (recibos e depoimentos testemunhais) e refuta o mérito alegando que já houve a quitação do débito. Ao julgar totalmente procedente a ação, o juiz obviamente irá expor os motivos que o levaram a decidir em favor do autor. No entanto, deverá, ainda, explicar à parte perdedora: i) porque a preliminar de ilegitimidade passiva foi afastada; ii) porque as provas apresentadas não foram acolhidas e; iii) porque o argumento meritório não conseguiu alterar a conclusão adotada. Não basta dizer que o réu

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não tem razão simplesmente porque os motivos do autor lhe formaram o convencimento.

“Há uma crença generalizada de que é o juiz quem deve escolher quais alegações das partes são dignas de apreciação, filtrando aquilo que não considerar pertinente. Como consequência, a motivação acaba se tornando uma exaltação das razões que fundamentam o dispositivo, ignorando completamente tudo o que foi produzido pela parte sucumbente. A decisão diz porque o vencedor venceu, mas não diz porque o sucumbente perdeu”[8].

Conforme preceitua a Constituição Federal (art. 93, IX) [9], toda e qualquer decisão judicial deve ser fundamentada, e, por “fundamentada”, significa dizer que o órgão jurisdicional deve enfrentar todos os argumentos deduzidos pelas partes, capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada (art. 489, §1º, IV, CPC/2015). O professor Nelson Nery Jr. é claro ao afirmar que “em princípio, o juiz deve analisar todos os pedidos e todas as causas de pedir arroladas pelo autor na petição inicial, bem como sobre todas as matérias de defesa suscitadas pelo réu na contestação” [10]. Em outras palavras, não basta ao julgador integrar na decisão somente os fundamentos que circundam a tese vencedora, mas deve também justificar especificadamente as razões pelas quais não foram acolhidos os argumentos da tese derrotada.

A previsão constitucional do dever de motivação das decisões não impediu que o novo código reservasse especial atenção à matéria, a ponto de enumerar, exemplificativamente [11], seis hipóteses em que uma decisão será considerada como não fundamentada. O artigo 489, §1º do CPC/2015 traça um peculiar roteiro de verificação da compatibilidade do pronunciamento judicial com as exigências constitucional e processual (art. 93, IX da CF e art. 11 do CPC/2015). Na verdade, o que o referido dispositivo fez foi apenas descrever alguns tipos de decisões proferidas

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cotidianamente e declarar que não serão mais admitidas. Direto e reto!

“O fato de o CPC/15 estabelecer, nos arts. 11 e 489, §1º, contornos da fundamentação, é um reforço à normatividade do art. 93, IX. Em outras palavras, o novo CPC não cria regras quanto à fundamentação, mas apenas traça limites mínimos de resguardo à garantia constitucional” [12].

Agora a lei prevê expressamente que a decisão não poderá se limitar a indicar ou reproduzir ato normativo, sem que explique racionalmente em que se aplica à causa em discussão (art. 489, §1º, I). A mera repetição de texto legal equivale à “simulação de fundamentação” [13], pois impossibilita compreender como se alcançou determinada conclusão. Da mesma forma, não será válida a decisão que empregar conceitos jurídicos indeterminados (“conduta temerária”, “interesse público”, “prova inequívoca”, etc), sem explicar como se dá a incidência no caso concreto (art. 489, §1º, II). Nas palavras de Fredie Didier, “na fundamentação da sentença deve ele (juiz) especificar de que modo concretizou esses critérios, que são conceitos jurídicos indeterminados” [14].

A decisão que contenha fundamentação padrão também será nula (art. 489, §1º, III). Fundamentação padrão ou pseudomotivação [15], a qual eu prefiro apelidar de “fundamentação curinga”, é aquela utilizada nas mais variadas situações, se amoldando a qualquer outra decisão, da mesma forma como a carta curinga nos jogos de baralho. Um exemplo clássico é a decisão que aprecia o pedido liminar. A técnica utilizada é bem simples, basta descrever os fatos resumidamente (um parágrafo basta), transcrever a norma equivalente e concluir: “ante o não preenchimento dos requisitos dispostos em lei, indefiro a liminar” ou “presentes os pressupostos legais, concedo a tutela provisória”. Voilá! Temos uma decisão interlocutória.

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Mas fora as circunstâncias acima, talvez a maior dor de cabeça para os juízes é o inciso IV, §1º do art. 489 do CPC. O texto legal assevera que a decisão somente estará fundamentada se “enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador”. Não é preciso viajar muito para compreender que todos os argumentos capazes, EM TESE, de alterar a conclusão do julgador deverão ser analisados fundamentadamente. Quando o legislador utiliza a expressão “em tese”, tem a intenção de dizer que mesmo que os argumentos não sejam acolhidos, o juiz deverá sobre eles se manifestar, ainda que para refutá-los.

O professor Didier, elucidativo como sempre, ensina [16]:

“Aí, pois, está o cerne da questão: para acolher o pedido do autor, o juiz não precisa analisar todos os fundamentos da demanda, mas necessariamente precisa analisar todos os fundamentos de defesa do réu; já para negar o pedido do autor, o magistrado não precisa analisar todos os fundamentos da defesa, mas precisa analisar todos os fundamentos da demanda.”

O mais interessante é que há uma intercomunicação sistemática entre as normas no código. O pronunciamento judicial seja ele decisão interlocutória, sentença, acórdão ou unipessoal do relator, que incidir em alguma das hipóteses relacionadas no art. 489, §1º do CPC é nula, cujo vício é passível de correção por meio dos embargos de declaração, com base no artigo 1.022, §único, II do CPC/2015.

Nesse aspecto, pelo menos teoricamente, estaríamos diante do “melhor dos mundos ‘jurídicos’ possíveis” [17], mas, com todo o respeito ao Poder Judiciário (e aos magistrados que porventura estiverem lendo o texto), o que se vê na prática forense é uma verdadeira bagunça, com a proliferação de decisões genéricas irracionais, cujo numerário aumentou progressivamente após a

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criação do CNJ e suas metas de julgamento de processos, situação que com o tempo acabou sendo avalizada jurisprudencialmente, inclusive pelos tribunais superiores.

Antes do CPC/2015 entrar em vigor, o STJ firmou-se no sentido de que “o juiz não fica obrigado a manifestar-se sobre todas as alegações das partes, nem ater-se aos fundamentos indicados por elas ou a responder, um a um, a todos os seus argumentos, quando já encontrou motivo suficiente para fundamentar a decisão” [18], enquanto a Suprema Corte assentou que “o juiz, para atender à exigência de fundamentação do art. 93, IX, da C.F., não está obrigado a responder a todas as alegações suscitadas pelas partes, mas tão-somente aquelas que julgar necessárias para fundamentar sua decisão” [19]. Criou-se, assim, uma espécie de salvo conduto desobrigando os juízes de fundamentarem adequadamente suas decisões.

Com a vigência novo CPC, o que se esperava era uma mudança de mentalidade dos tribunais, para se alinhar aos novos parâmetros, mas a triste notícia é que o melhor dos mundos está longe de ser realidade possível. Por mais clara que tenha sido a lei, parece que no STJ a novidade entrou por um ouvido e saiu por outro. Recentemente a Corte Superior, às avessas, decidiu:

“O julgador não está obrigado a responder a todas as questões suscitadas pelas partes, quando já tenha encontrado motivo suficiente para proferir a decisão. A prescrição trazida pelo art. 489 do CPC/2015 veio confirmar a jurisprudência já sedimentada pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça, sendo dever do julgador apenas enfrentar as questões capazes de infirmar a conclusão adotada na decisão recorrida” [20].

O que se vê é uma aberração reinterpretada que saiu pior do que a encomenda. A atitude do STJ vem sendo recepcionada pela comunidade jurídica como um odioso despropósito em relação ao

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sistema processual recém-vigente, pra não dizer uma tremenda falta de respeito e consideração com o legislador e, mais ainda, com o seu representado: o próprio jurisdicionado. O código chamou a atenção do Judiciário, que por sua vez continua fingindo que não é com ele e alimenta uma verdadeira monstruosidade hermenêutica que mais parece ter saído dos filmes de ficção científica.

O Ministro Luiz Fux destacou em sua carta de apresentação do Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil que o desafio da Comissão de Juristas era o de “resgatar a crença no judiciário e tornar realidade a promessa constitucional de uma justiça pronta e célere” [21]. Alguém consegue explicar como é possível crer em um Judiciário que não aplica a lei simplesmente porque não quer?

O juiz não pode ultrapassar o papel de intérprete e aplicador da lei para o de judge made law (juiz que cria o direito). Nos dizeres da professora Ada Pellegrini Grinover, “a justiça tem que ser distribuída ex parte Populi e não ex parte judicis” [22]. É preciso combater o decisionismo tresloucado, é preciso superar o mito do “decido conforme minha consciência” [23] ou padeceremos, assistindo a diários atentados contra o Estado de Direito Democrático. “A lei é a rainha de todos os mortais e imortais” [24] e por essa justa (e motivada) razão, conclamemos aos juízes de todo o país: fundamentem vossas decisões! “Vós não tendes nada a perder, a não ser vossos grilhões!” [25].

NOTAS

[1] Conforme explicado na “Exposição de Motivos do Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil”, a expressão “constitucionalização do processo” é inspirada na obra de Italo Andolina e Giuseppe Vignera, Il modello costituzionale del processo civile italiano: corso di lezioni (Turim, Giapicchelli, 1990).

[2] CPC/2015 – “Art. 6. Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”.

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[3] “Esse modelo caracteriza-se pelo redimensionamento do princípio do contraditório, com a inclusão do órgão jurisdicional no rol dos sujeitos do diálogo processual, e não como um mero espectador do duelo das partes”. (DIDIER JR., Fredie. Os três modelos de direito processual: inquisitivo, dispositivo e cooperativo. Revista de Processo: RePro, v. 36, n. 198, p. 213-225, ago. 2011. Disponível em: http://bdjur.stj.jus.br/dspace/handle/2011/80945).

[4] Constituição Federal. Art. 5º, inciso XXXV: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

[5] CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 25. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2009.

[6] “A tendência atual inclina-se, decididamente, no sentido de libertar o juiz de cadeias formalísticas tanto na avaliação da prova quanto na investigação dos fatos da causa, facilitando a formação de sua convicção com a verdade possível, própria da condição humana, que ganha no domínio processual a dimensão de pura verossimilhança” (OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro de. Do formalismo no processo civil. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 147-148).

[7] “Na fundamentação, o juiz deve enfrentar todas as questões de fato e de direito que sejam relevantes para a solução da demanda, justificando a conclusão a que chegara no dispositivo. São os porquês do ato decisório, tanto que só é possível afirmar justa ou injusta uma sentença analisando-se, no caso concreto, sua fundamentação.” (NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil Comentado. Salvador: Ed. JusPodivm, 2016. p. 806).

[8] LUCCA, Rodrigo Ramina de. O dever de motivação das decisões judiciais. Salvador: JusPodivm, 2015.

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[9] “Art. 93 (...) IX - todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, (...)”.

[10] NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade.Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. P. 1153.

[11] Conforme entendimento do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC) - Enunciado 303: “as hipóteses descritas nos incisos do §1º do art. 489 são exemplificativas”.

[12] SCHMITZ, Leonard Ziesemer. NCPC: Confirmar a sentença “por seus próprios fundamentos” não é motivar. Artigo publicado no portal JusBrasil. Disponível em:http://leonardschmitz.jusbrasil.com.br/artigos/334756957/ncpc-confirmar-a-sentenca-por-seus-proprios-fundamentos-nao-e-motivar.

[13] THEODORO JR., Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre Melo Franco; PEDRON, Flávio Quinaud. Novo CPC:fundamentos e sistematização. Rio de janeiro: Forense, 2015, p. 262.

[14] DIDIER JR., Fredie. BRAGA, Paula Sarno. OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil II. 10ª ed. Salvador: Ed. JusPodivm. 2015. p. 334.

[15] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil Comentado. Salvador: Ed. JusPodivm, 2016. p. 29.

[16] DIDIER JR., Fredie. BRAGA, Paula Sarno. OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil II. 10ª ed. Salvador: Ed. JusPodivm. 2015. p. 336.

[17] Referência à teoria filosófica do otimismo de Leibniz que afirmava que vivemos no melhor dos mundos possíveis, onde todas as coisas estão compatíveis com a perfeita harmonia do universo.

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[18] STJ – Segunda Turma, AgRg no AREsp 594.615/PA, Rel. Min. Humberto Martins, DJe 04.12.2014.

[19] STF - AI 417.161-AgR, Rel. Min. Carlos Velloso, Segunda Turma, DJ 21.3.2003.

[20] STJ, EDcl no MS 21315 / DF, S1 - DJe 15.6.2016.

[21] Fux, Luiz. Carta de Apresentação do Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil. 2010. Disponível em: https://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/Anteprojeto.pdf

[22] Em entrevista à Revista Eletrônica Consultor Jurídico. Juízes pedem veto a artigo que traz regras para fundamentação de decisões. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2015-mar-04/juizes-pedem-veto-artigo-cpc-exige-fundamentacao

[23] STRECK, Lenio Luiz. O que é isto – Decido conforme minha consciência?. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2013.

[24] MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de. Do espírito das leis. Tradução Roberto Leal Ferreira. São Paulo: Martin Claret, 2010, p. 21.

[25] Parafraseando o grito de protesto socialista do Manifesto Comunista de Karl Marx e Engels.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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THEODORO JR., Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre Melo Franco; PEDRON, Flávio Quinaud. Novo CPC:fundamentos e sistematização. Rio de janeiro: Forense, 2015.

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Uma análise acerca da audiência de custódia no processo penal brasileiro

JOSILENE NASCIMENTO DE SOUZA: Servidora da Secretaria de Estado de Fazenda DF. Pós graduada em Direito Tributário, Graduada em Ciências Contábeis. Concluinte do curso de Direito.

RESUMO: Trata-se de artigo científico que tem por objetivo analisar a necessidade da realização da audiência de custódia no processo penal brasileiro, com apresentação imediata do preso em flagrante ao magistrado. Sabe-se que o Brasil é signatário de Tratados Internacionais que estabelecem a obrigatoriedade da realização da referida audiência quando da prisão de um indivíduo. Contudo, ainda não foi promovida uma reforma legislativa no Código de Processo Penal para tratar desta questão. Após pesquisa bibliográfica e jurisprudencial, constatou-se que o Supremo Tribunal Federal já decidiu, na ADPF n. 347, ser necessária referida audiência, sendo que tramita no Senado Federal o Projeto de Lei n. 554/2011, visando regulamentar o procedimento da audiência de custódia, a qual também é tratada na Resolução CNJ 213/2015. Ao final, conclui-se pela indispensabilidade da realização da audiência de custódia, sendo ela uma forma de assegurar ao indivíduo a efetivação de direitos fundamentais, como contraditório, ampla defesa e dignidade da pessoa humana, pilares do Estado Democrático de Direito.

Palavras-chave: Audiência de Custódia. Necessidade. Processo Penal.

ABSTRACT: It is scientific article aims to analyze the need to hold the custody hearing in the Brazilian criminal procedure, with immediate presentation of caught red-handed to the magistrate. It is known that Brazil is a signatory to international treaties that establish

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the obligation to hold this hearing when the arrest of an individual. However, legislative reform has not yet been promoted in the Criminal Procedure Code to address this issue. After bibliographical and jurisprudential research, it was found that the Supreme Court has held, in ADPF n. 347, it is required such hearing, and pending in the Senate Bill No. 554/2011, in order to regulate the procedure of the custody hearing, which is also addressed in Resolution 213/2015 CNJ. Finally, we conclude the necessity of carrying out the custody hearing, it is a way to assure the individual the realization of fundamental rights, as contradictory, legal defense and human dignity, democratic state pillars of law.

Keywords: Custody hearing . Need. Criminal proceedings.

1 INTRODUÇÃO

Como é cediço, nos termos do artigo 306 do Código de Processo Penal, atualmente deve o magistrado ser imediatamente comunicado acerca da prisão de qualquer indivíduo, com remessa do auto de prisão em flagrante.

Assim, no prazo de 24 (vinte e quatro), ele deverá decidir, com fundamento apenas no que consta em referido documento, se deverá relaxar a custódia, acaso entenda ser ela ilegal, converter em prisão preventiva, se presentes os requisitos legais ou se irá conceder a liberdade provisória, com ou sem imposição de medidas cautelares pessoais diversas da prisão.

Hodiernamente, não existe previsão no Código de Processo Penal acerca da necessidade de apresentação do autuado em flagrante ao magistrado.

No entanto, a Convenção Americana de Direitos Humanos – CADH e o Pacto dos Direitos Civis e Políticos, dos quais o Brasil é signatário, estabelece a obrigatoriedade de a pessoa presa ser levada à presença de um juiz, o que é denominado de audiência de custódia.

Diante desta circunstância, estaria o processo penal brasileiro em descompasso com referidos tratados internacionais?

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Com o presente trabalho objetiva-se analisar a audiência de custódia à luz do processo penal brasileiro. Parte-se da abordagem do conceito do instituto e da previsão normativa na esfera internacional. Em seguida, serão analisadas as regras internas do ordenamento jurídico, inclusive pesquisando posicionamentos jurisprudenciais acerca da questão.

Após, será abordado o Projeto de Lei n. 554/2011, que tramita no Senado Federal e pretende promover alterações no Código de Processo Penal para o fim de tornar indispensável a realização de audiência de custódia quando da prisão de um indivíduo.

Ao final, são apresentadas as vantagens da efetivação da audiência de custódia, concluindo pela necessidade de mudança do regramento jurídico interno para a uniformização da implantação da referida audiência no Brasil.

2 CONCEITO E PREVISÃO NORMATIVA NO ÂMBITO INTERNACIONAL

A audiência de custódia consiste na apresentação célere do preso à autoridade judiciária, onde haverá a oitiva do próprio preso, havendo oportunidade para manifestação do representante do Ministério Público e da defesa, devendo o magistrado decidir, na sequência, acerca da manutenção ou não da custódia.

Referido instituto tem por escopo uma rápida análise da prisão, a fim de que seja exercido um controle acerca da legalidade e necessidade da mesma, coibindo uma apreciação tardia da custódia, além de constatar eventuais tratamentos desumanos ou degradantes, como a tortura, que o custodiado possa ter sido submetido.

Acerca da audiência de custódia, esclarece o Conselho Nacional de Justiça – CNJ:

Durante a audiência, o juiz analisará a prisão

sob o aspecto da legalidade, da necessidade e da adequação da continuidade da prisão ou da eventual concessão de liberdade, com ou sem a imposição de outras medidas cautelares. O juiz poderá avaliar também eventuais ocorrências de tortura ou de maus-tratos, entre outras irregularidades.[1]

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Quanto à previsão normativa, alguns instrumentos estabelecem a audiência de custódia, inclusive Tratados Internacionais.

Inicialmente sobreleva gizar que o artigo 7.5 da Convenção Americana de Direitos Humanos – CADH, conhecida também como Pacto de São José da Costa, assim estabeleceu:

7.5 Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais e tem o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo.[2]

O Brasil aderiu a referida Convenção em 1992, internalizando-a pelo Decreto n. 678, em 6 de novembro daquele ano.

O artigo 9.3 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, que também foi aderido pelo Brasil e promulgado através do Decreto n. 592/92, dispõe acerca da audiência de custódia:

9.3 Qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer as funções judiciais e terá o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade. A prisão preventiva de pessoas que aguardam o julgamento não deverá constituir a regra geral, mas a soltura poderá estar condicionada a garantias que assegurem o comparecimento da pessoa em questão à audiência, a todos os atos do processo e, se necessário for, para a execução da sentença. [3]

Referida audiência também está assegurada na Convenção Europeia de Direitos Humanos. Vejamos:

5. 3 Qualquer pessoa presa ou detida nas condições previstas no parágrafo 1, alínea c), do presente artigo deve ser apresentada imediatamente a um juiz ou magistrado habilitado pela lei para exercer funções judiciais e tem direito a ser julgada num prazo razoável,

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ou posta em liberdade durante o processo. A colocação em liberdade pode estar condicionada a uma garantia que assegure a comparência do interessado em juízo. [4]

Interpretando referidos dispositivos normativos, Lopes Jr (2014, 170-171) destaca:

Ao menos duas expressões constantes na redação dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos que asseguram a audiência de custódia despertam alguma margem para interpretação.

Referimo-nos, primeiro e rapidamente, à expressão “juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais”, encontrada na CADH, no PIDCP e também na CEDH. A esse respeito, importa dizer que a Corte IDH interpreta aquela expressão em conjunto com a noção de juiz ou Tribunal prevista no art. 8.1 da CADH, que estabelece que “Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza”.

Desta forma, a Corte IDH já recusou considerar como “juiz ou outra autoridade por lei a exercer funções judicias” (a) a jurisdição militar, (b) o Agente Fiscal do Ministério Público, e (c) o Fiscal Naval. Fácil perceber, portanto, a partir da jurisprudência da Corte IDH, que juiz ou autoridade habilitada a exercer função judicial somente pode ser o funcionário público incumbido da jurisdição, que, na grande maioria dos países (a exemplo do Brasil), é o magistrado .

A segunda expressão a que nos referimos, agora, é “sem demora”, encontrada tanto na CADH quanto no PIDCP. No sistema regional europeu, a garantia ainda é mais ampla, já que

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a CEDH exige que o cidadão preso seja apresentado imediatamente ao juiz. Pois bem. O que deve significar a expressão “sem demora”? Falemos, primeiro, do que não corresponde a tal garantia. A Corte IDH já reconheceu a violação do direito à audiência de custódia pela ofensa à celeridade exigida pela CADH em casos de condução do preso à presença do juiz (a) quase uma semana após a prisão, (b) quase cinco dias após a prisão, (c) aproximadamente trinta e seis dias após a prisão, (d) quatro dias após a prisão, dentre outros precedentes nos quais restou potencializada a expressão “sem demora” para garantir um controle judicial imediato acerca da prisão. No que se refere ao Brasil, conforme se verá adiante, tramita no Congresso Nacional um Projeto de Lei que, dando cumprimento à CADH, estabelece o prazo máximo de vinte e quatro horas para ser feita a condução do preso ao juiz.[5]

Como é cediço, os tratados devidamente ratificados pelo Brasil, devem ser observados pelas normas internas, que deverão estar em conformidade com eles, havendo um controle de convencionalidade.

Nesse sentido, dispõe o artigo 2º da Convenção Americana de Direitos Humanos:

Art. 2º Se o exercício dos direitos e liberdades mencionados no artigo 1 ainda não estiver garantido por disposições legislativas ou de outra natureza, os Estados-partes comprometem-se a adotar, de acordo com as suas normas constitucionais e com as disposições desta Convenção, as medidas legislativas ou de outra natureza que forem necessárias para tornar efetivos tais direitos e liberdades

Destarte, constata-se que as normas que versam sobre a audiência de custódia estão inseridas em tratados dos quais o Brasil é signatário, inclusive promulgados através de decretos, devendo a legislação ordinária observar suas regras.

3 REGRAS INTERNAS NO ORDENAMENTO JURÍDICO

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O Código de Processo Penal brasileiro, ao tratar da prisão em flagrante, estabelece em seus artigos 306 e 310:

Art. 306 A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente, ao Ministério Público e à família do preso ou à pessoa por ele indicada.

§1º Em até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão, será encaminhado ao juiz competente o auto de prisão em flagrante e, caso o autuado não informe o nome de seu advogado, cópia integral para a Defensoria Pública.

Art. 310 Ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá fundamentadamente:

I- relaxar a prisão ilegal; ou

II- converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou

III- conceder liberdade provisória, com ou sem fiança.

Será que referida previsão legal seria suficiente e equivaleria à realização da audiência de custódia exigida por tratados internacionais?

A Corte Internacional de Direitos Humanos – CIDH, apud Lopes Jr (2014, p. 172), tem decidido que “o simples conhecimento por parte de um juiz de que uma pessoa está detida não satisfaz essa garantia, já que o detido deve comparecer pessoalmente e render sua declaração ante ao juiz ou autoridade competente”, e ainda, que “o juiz deve ouvir pessoalmente o detido e valorar todas as explicações que este lhe proporcione, para decidir se procede a liberação ou a manutenção da privação da liberdade”, concluindo que “o contrário equivaleria a despojar de toda efetividade o controle judicial disposto no artigo 7.5 da Convenção”[6]

De fato, a mera obrigação de comunicação ao magistrado, dentro de 24 horas, que também deverá, dentro deste lapso temporal, decidir acerca da custódia, relaxando-a se constatar ilegalidade, converter em prisão preventiva se presentes os requisitos legais ou conceder a liberdade provisória, com ou sem imposição de outras medidas cautelares não se revela suficiente,

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notadamente porque, se não observado referido prazo, tem a jurisprudência se posicionado no sentido de que se trata de mera irregularidade. Vejamos:

PROCESSUAL PENAL. 'HABEAS CORPUS', NOTA DE CULPA E COMUNICAÇÃO DA PRISÃO EM FLAGRANTE, AO JUIZ. NÃO SE TORNA NULO O FLAGRANTE POR TER SIDO A NOTA DE CULPA ENTREGUE AO PACIENTE POUCAS HORAS DEPOIS DAS 24 HORAS, CONTADAS DA PRISÃO, SE O 'HABEAS CORPUS' FOI IMPETRADO JA APÓS TER-SE REALIZADO TAL ENTREGA E SEM QUE SE VEJA QUAL O PREJUIZO ADVINDO PARA O PACIENTE NESSA PEQUENA DEMORA. E O QUE RESULTA DO ART. 563 DO COD. PROCESSO PENAL. QUANTO A FALTA DE COMUNICAÇÃO AO JUIZ, NO PRAZO, DA PRISÃO EM FLAGRANTE, JUSTIFICAR-SE-IA O 'WRIT' SE A BASE DE TAL IRREGULARIDADE TIVESSE ELE SIDO IMPETRADO ANTES DE ELA EFETUAR-SE. FORA ISSO, A DEMORA NA COMUNICAÇÃO PODE IMPLICAR EM RESPONSABILIDADE FUNCIONAL DA AUTORIDADE POLICIAL, MAS NÃO EM NULIDADE DO FLAGRANTE. PRECEDENTE. RECURSO DE 'HABEAS CORPUS' A QUE SE NEGA PROVIMENTO. (STF - RHC 62187, Relator(a): Min. ALDIR PASSARINHO, Segunda Turma, julgado em 13/11/1984, DJ 08-03-1985 PP-02599 EMENT VOL-01369-01 PP-00190)[7]

"HABEAS CORPUS". TRÁFICO INTERNACIONAL. FALTA DE COMUNICAÇÃO AO JUIZ DA PRISÃO EM FLAGRANTE. NULIDADE INEXISTENTE. EXCESSO DE PRAZO. SUMULA Nº 64 DO STJ. LIBERDADE POVISÓRIA. INVIABILIDADE. PRISÃO PREVENTIVA. PRISÃO PROVISÓRIA DE ADVOGADO. SALA DE ESTADO-MAIOR. LEI Nº 8.906/94. PRISÃO DOMICILIAR. NÃO CABIMENTO. ORDEM PARCIALMENTE

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CONCEDIDA. 1. A falta de comunicação imediata ao juiz da prisão em flagrante, por si só, não torna nulo o respectivo auto, notadamente se não restou evidenciado no feito que a ausência da imediata comunicação referida tenha dado ensejo à ocorrência de qualquer ordem de prejuízo, ainda mais pelo fato, do impetrante não ter trazido aos autos cópia do auto flagrancial ou de qualquer outra prova pré-constituída que pudesse denotar a presença de eventual irregularidade capaz de causar prejuízo à paciente por ocasião de sua prisão em flagrante delito. [...] 8. Ordem de habeas corpus concedida parcialmente, para o fim de assegurar à paciente o direito de ser recolhida em sala de Estado-Maior, na forma do artigo 7º, inciso V, da Lei nº 8.906/94, assim que for disponibilizada ao Juízo Impetrado, ou, ante a impossibilidade, em estabelecimento que assegure à paciente as garantias de cela especial previstas no Código de Processo Penal. (TRF-3 - HC: 66652 SP 2005.03.00.066652-6, Relator: JUIZ CONVOCADO HIGINO CINACCHI, Data de Julgamento: 03/10/2005, QUINTA TURMA)[8]

Ocorre que, em fevereiro de 2015, a Associação dos Delegados de Polícia do Brasil – ADEPOL/BRASIL ajuizou a ação direta de inconstitucionalidade n. 5240, contra a totalidade dos dispositivos do Provimento Conjunto n. 03/2015, da Presidência do Tribunal de Justiça e Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, que tratava da realização da audiência de custódia.

Referida ação foi julgada improcedente, nos seguintes termos:

Ementa: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. PROVIMENTO CONJUNTO 03/2015 DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO. AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA. 1. A Convenção Americana sobre Direitos do Homem, que dispõe, em seu artigo 7º, item 5, que “toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz”, posto ostentar o status jurídico supralegal que os tratados internacionais

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sobre direitos humanos têm no ordenamento jurídico brasileiro, legitima a denominada “audiência de custódia”, cuja denominação sugere-se “audiência de apresentação”. 2. O direito convencional de apresentação do preso ao Juiz, consectariamente, deflagra o procedimento legal de habeas corpus, no qual o Juiz apreciará a legalidade da prisão, à vista do preso que lhe é apresentado, procedimento esse instituído pelo Código de Processo Penal, nos seus artigos 647 e seguintes. 3. O habeas corpus ad subjiciendum, em sua origem remota, consistia na determinação do juiz de apresentação do preso para aferição da legalidade da sua prisão, o que ainda se faz presente na legislação processual penal (artigo 656 do CPP). 4. O ato normativo sob o crivo da fiscalização abstrata de constitucionalidade contempla, em seus artigos 1º, 3º, 5º, 6º e 7º normas estritamente regulamentadoras do procedimento legal de habeas corpus instaurado perante o Juiz de primeira instância, em nada exorbitando ou contrariando a lei processual vigente, restando, assim, inexistência de conflito com a lei, o que torna inadmissível o ajuizamento de ação direta de inconstitucionalidade para a sua impugnação, porquanto o status do CPP não gera violação constitucional, posto legislação infraconstitucional. 5. As disposições administrativas do ato impugnado (artigos 2º, 4° 8°, 9º, 10 e 11), sobre a organização do funcionamento das unidades jurisdicionais do Tribunal de Justiça, situam-se dentro dos limites da sua autogestão (artigo 96, inciso I, alínea a, da CRFB). Fundada diretamente na Constituição Federal, admitindo ad argumentandum impugnação pela via da ação direta de inconstitucionalidade, mercê de materialmente inviável a demanda. 6. In casu, a parte do ato impugnado que versa sobre as rotinas cartorárias e providências administrativas ligadas à audiência de custódia em nada ofende

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a reserva de lei ou norma constitucional. 7. Os artigos 5º, inciso II, e 22, inciso I, da Constituição Federal não foram violados, na medida em que há legislação federal em sentido estrito legitimando a audiência de apresentação. 8. A Convenção Americana sobre Direitos do Homem e o Código de Processo Penal, posto ostentarem eficácia geral e erga omnes, atingem a esfera de atuação dos Delegados de Polícia, conjurando a alegação de violação da cláusula pétrea de separação de poderes. 9. A Associação Nacional dos Delegados de Polícia – ADEPOL, entidade de classe de âmbito nacional, que congrega a totalidade da categoria dos Delegados de Polícia (civis e federais), tem legitimidade para propor ação direta de inconstitucionalidade (artigo 103, inciso IX, da CRFB). Precedentes. 10. A pertinência temática entre os objetivos da associação autora e o objeto da ação direta de inconstitucionalidade é inequívoca, uma vez que a realização das audiências de custódia repercute na atividade dos Delegados de Polícia, encarregados da apresentação do preso em Juízo. 11. Ação direta de inconstitucionalidade PARCIALMENTE CONHECIDA e, nessa parte, JULGADA IMPROCEDENTE, indicando a adoção da referida prática da audiência de apresentação por todos os tribunais do país. (STF - ADI 5240, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 20/08/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-018 DIVULG 29-01-2016 PUBLIC 01-02-2016)[9]

Já em maio de 2015, foi ajuizada a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF n. 347, pelo Partido Socialismo e Liberdade – PSOL, com escopo de que fosse reconhecido o estado coisas inconstitucional do sistema penitenciário brasileiro e, por conseguinte, determinada a adoção de diversas providências objetivando sanar as lesões a preceitos fundamentais da Constituição Federal, inclusive com pedido de concessão de medida cautelar.

Dentre as providências cautelares foi pedido o reconhecimento da aplicabilidade imediata dos arts. 9.3 do Pacto

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dos Direitos Civis e Políticos e 7.5 da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, determinando a todos os juízes e tribunais que passassem a realizar audiências de custódia, no prazo máximo de 90 dias, de modo a viabilizar o comparecimento do preso perante a autoridade judiciária em até 24 horas contadas do momento da prisão.

O Supremo Tribunal Federal reconheceu o cabimento da ADPF e concedeu cautelarmente o pedido acerca das audiências de custódia, estando a decisão assim ementada:

CUSTODIADO – INTEGRIDADE FÍSICA E MORAL – SISTEMA PENITENCIÁRIO – ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL – ADEQUAÇÃO. Cabível é a arguição de descumprimento de preceito fundamental considerada a situação degradante das penitenciárias no Brasil. SISTEMA PENITENCIÁRIO NACIONAL – SUPERLOTAÇÃO CARCERÁRIA – CONDIÇÕES DESUMANAS DE CUSTÓDIA – VIOLAÇÃO MASSIVA DE DIREITOS FUNDAMENTAIS – FALHAS ESTRUTURAIS – ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL – CONFIGURAÇÃO. Presente quadro de violação massiva e persistente de direitos fundamentais, decorrente de falhas estruturais e falência de políticas públicas e cuja modificação depende de medidas abrangentes de natureza normativa, administrativa e orçamentária, deve o sistema penitenciário nacional ser caraterizado como “estado de coisas inconstitucional”. FUNDO PENITENCIÁRIO NACIONAL – VERBAS – CONTINGENCIAMENTO. Ante a situação precária das penitenciárias, o interesse público direciona à liberação das verbas do Fundo Penitenciário Nacional. AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA – OBSERVÂNCIA OBRIGATÓRIA. Estão obrigados juízes e tribunais, observados os artigos 9.3 do Pacto dos Direitos Civis e Políticos e 7.5 da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, a realizarem, em até noventa dias, audiências de custódia, viabilizando o comparecimento do preso perante a autoridade

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judiciária no prazo máximo de 24 horas, contado do momento da prisão. (STF - ADPF 347 MC, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 09/09/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-031 DIVULG 18-02-2016 PUBLIC 19-02-2016)[10]

Diante deste panorama, no dia 15 de dezembro de 2015, o Conselho Nacional de Justiça - CNJ editou a Resolução n. 213, regulamentando a realização da audiência de custódia em todo território nacional.

Contudo, a Associação Nacional dos Magistrados Estaduais - Anamages ajuizou a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5448, com o propósito de questionar a referida resolução, argumentando a ocorrência de inconstitucionalidade formal, por usurpação de competência privativa do Congresso Nacional para legislar sobre matéria processual penal (artigo 22, inciso I, da Constituição Federal).

Referida ação teve negado seguimento, através de decisão monocrática do relator, por faltar legitimidade ativa para referida associação, sendo que a decisão ainda não transitou em julgado.[11]

Todavia, conforme preleciona Moreira (2016), referido ato normativo padece de inconstitucionalidade. Registre-se:

Agora, no entanto, o Conselho Nacional de Justiça, ao baixar a Resolução nº. 213, de 15 de dezembro de 2015 (que entrará em vigor a partir de 1º. de fevereiro de 2016), regulamentando a audiência de custódia, avançou demasiado, pois tratou, em sede de Resolução, de matéria processual penal, o que, por óbvio, é vedado. Como veremos adiante, vários são os dispositivos (quase todos, aliás) que dispõem sobre Processo Penal, o que torna a Resolução formalmente inconstitucional, pois invade a competência legislativa da União, nos termos do art. 22, I da Constituição.[12]

Em fevereiro de 2016, foi proposto pelo Deputado Eduardo Bolsonaro o Projeto de Decreto Legislativo n. 317/2016, com o propósito de sustar os efeitos do inteiro teor da Resolução CNJ n. 231/2015.[13]

As justificativas apresentadas foram de que as audiências de custódia teriam sido instituídas por ato normativo do CNJ,

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agravando a sensação de impunidade, que estimularia os criminosos, apavoraria os cidadãos e geraria um sentimento de impotência aos policiais, frente ao retrabalho diário, acrescentando que os procedimentos previstos no ato normativo fariam inovações no ordenamento jurídico, avançando em competência legislativa do Congresso Nacional.

Ora, sem adentrar na questão da inconstitucionalidade formal da resolução editada pelo CNJ, não se pode negar que ela constitui um inegável avanço, ao traçar os parâmetros a serem seguidos pelo magistrado diante da prisão de um indivíduo, sendo uma das formas de assegurar os princípios da presunção de não-culpabilidade e da dignidade da pessoa humana.

4 O PROJETO DE LEI DO SENADO (PLS) N. 554/2011

Tramita no Senado Federal o Projeto de Lei n. 554/2011, do Senador Antônio Carlos Valadares, que institui as audiências de custódia. Referido projeto altera o §1º do artigo 306 do Código de Processo Penal, que inicialmente passaria a ter a seguinte redação:

Art. 306. [...]

§ 1º No prazo máximo de vinte e quatro horas depois da prisão, o preso deverá ser conduzido à presença do juiz competente, ocasião em que deverá ser apresentado o auto de prisão em flagrante acompanhado de todas as oitivas colhidas e, caso o autuado não informe o nome de seu advogado, cópia integral para a Defensoria Pública.

Posteriormente, na Comissão de Direitos Humanos e Participação Legislativa sofreu uma emenda, modificando o texto para o seguinte:

Art. 306. [...]

§ 1º No prazo máximo de vinte e quatro horas após a prisão em flagrante, o preso será conduzido à presença do juiz para ser ouvido,

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com vistas às medidas previstas no art. 310 e para que se verifique se estão sendo respeitados seus direitos fundamentais, devendo a autoridade judicial tomar as medidas cabíveis para preservá-los e para apurar eventual violação.

§ 2º A oitiva a que se refere o § 1º não poderá ser utilizada como meio de prova contra o depoente e versará, exclusivamente, sobre a legalidade e necessidade da prisão; a prevenção da ocorrência de tortura ou de maus-tratos; e os direitos assegurados ao preso e ao acusado.

§ 3º A apresentação do preso em juízo deverá ser acompanhada do auto de prisão em flagrante e da nota de culpa que lhe foi entregue, mediante recibo, assinada pela autoridade policial, com o motivo da prisão, o nome do condutor e os nomes das testemunhas.

§ 4º A oitiva do preso em juízo sempre se dará na presença de seu advogado, ou, se não o tiver ou não o indicar, na de Defensor Público, e na do membro do Ministério Público, que poderão inquirir o preso sobre os temas previstos no § 2º, bem como se manifestar previamente à decisão judicial de que trata o art. 310 deste Código.

Constata-se, que o legislador preocupou-se em estabelecer detalhadamente o procedimento da audiência de custódia, não pairando dúvidas acerca do prazo de realização da audiência de custódia, de qual autoridade o preso deve ser apresentado, além de fixar regras que possibilitem o contraditório e a ampla defesa, inclusive com defesa técnica.

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Já na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, o mencionado projeto recebeu outra emenda substitutiva (Emenda n. 13), que incluiu a possibilidade de a audiência de custódia ser realizada através do sistema de videoconferência.

Referida alteração foi criticada por Lopes Jr (2014, p. 176), que destacou:

O maior inconveniente desse substitutivo é que ele mata o caráter antropológico, humanitário até, da audiência de custódia. O contato pessoal do preso com o juiz é um ato da maior importância para ambos, especialmente para quem está sofrendo a mais grave das manifestações de poder do Estado. [...]

A redução de custos é fruto de uma prevalência da ideologia economicista, em que o Estado vai se afastando de suas funções a ponto de sequer o juiz estar na audiência. Sob o pretexto dos altos custos e riscos (como se não vivêssemos numa sociedade de risco...) gerados pelo deslocamento de presos “perigosos”, o que estão fazendo é retirar a garantia da jurisdição, a garantia de ter um juiz, contribuindo ainda mais para que eles assumam uma postura burocrática e de assepsia da jurisdição. Matam o caráter antropológico do próprio ritual judiciário, assegurando que o juiz sequer olhe para o réu, sequer sinta o cheiro daquele que está prendendo. É elementar que a distância da virtualidade contribui para uma absurda desumanização do processo penal. É inegável que os níveis de indiferença (e até crueldade) em relação ao outro aumentam muito quando existe uma distância física (virtualidade) entre os atores do ritual judiciário. É muito mais fácil produzir

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sofrimento sem qualquer culpa quando estamos numa dimensão virtual (até porque, se é virtual, não é real...). Acrescentando-se a distância e a “assepsia” geradas pela virtualidade, corremos o risco de ver a indiferença e a insensibilidade do julgador elevadas a níveis insuportáveis. Estaremos potencializando o refúgio na generalidade da função e o completo afastamento do eu, impedindo o avanço e evolução que se deseja com a mudança legislativa. A Convenção Americana de Direitos Humanos assegura, em seu art. 7.5, que toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz. Por mais esforço que se faça, existe um limite semântico que não permite uma interpretação tal que equipare “presença” com “ausência”...

O direito de defesa e do contraditório (incluindo o direito à audiência) são direitos fundamentais, cujo nível de observância reflete o avanço de um povo. Isso se mede não pelo arsenal tecnológico utilizado, mas sim pelo nível de respeito ao valor dignidade humana. E o nível de civilidade alcançado exige que o processo penal seja um instrumento legitimante do poder, dotado de garantias mínimas, necessário para chegar-se à pena. Nessa linha, é um equívoco suprimir-se o direito de ser ouvido por um juiz, substituindo-o por um monitor de computador. Novamente iremos mudar para que tudo continue como sempre esteve...

Referida emenda foi rejeitada pelo fundamento de que seria uma medida que enfraqueceria o objetivo da audiência de custódia, que é o de permitir o contato direto do conduzido com o magistrado, sem intermediários.

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Todavia, referido projeto ainda deverá ser apreciado em turno suplementar.[14]

5 VANTAGENS DA AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA

A primeira vantagem da audiência de custódia que pode ser apontada é o ajuste do processo penal brasileiro aos tratados internacionais do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e da Convenção Americana de Direitos Humanos, que foram internalizados no ordenamento jurídico pátrio por meio dos Decretos n. 592/92 e 678/92, respectivamente, e que prevêem a obrigatoriedade da realização da audiência de custódia.

Embora de caráter obrigatório, em decorrência dos referidos tratados, somente após mais de vinte anos é que o tema está sendo debatido.

Outro benefício diz respeito ao impedimento de manutenção de prisões ilegais e a defesa preventiva de atos de tortura.

Como se sabe, na sistemática atual prevista no Código de Processo Penal (artigo 310 do CPP), o auto de prisão em flagrante, lavrado pelo Delegado de Polícia, será encaminhado ao magistrado que, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, com base somente em referido documento, terá que decidir sobre a manutenção ou não da prisão provisória, que poderá durar até a instrução criminal.

Com a realização da audiência de custódia, antes de decidir sobre a prisão do conduzido, este ficará frente a frente com o juiz, tendo a oportunidade de dar sua versão para os fatos, inclusive com defesa técnica, possibilitando que o magistrado analise a extensão da legalidade da prisão, efetivando o contraditório estabelecido para as medidas cautelares, nos termos do artigo 282, §3º, do CPP e ainda se evitará qualquer tipo de tratamento degradante ou desumano contra o autuado durante sua abordagem e/ou seu interrogatório.

Há que se destacar também que a realização de audiência de custódia contribuirá para a redução da superlotação carcerária, na medida em que, por meio dela, será realizado um encontro entre o magistrado e o preso, sendo que este ato judicial solene romperá o formalismo estabelecido pelo documento (artigo 306, §1º, do CPP), que hoje se completa com o mero encaminhamento do auto de prisão em flagrante para o magistrado, fazendo com que o juiz analise a medida cautelar mais adequada e necessária ao caso concreto, observando que a prisão deve ser a ultima ratio.

Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça:

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O Brasil possui 563.526 pessoas presas, entre as quais 42% seriam de pessoas presas provisoriamente, sendo que entre 1990 e 2013, o crescimento da população carcerária no Brasil foi de 507 %, a segunda maior taxa de crescimento prisional do mundo, havendo um déficit de 206.307 vagas no sistema carcerário.[15]

Assim, diante da realidade dos estabelecimentos prisionais brasileiros, revela-se indispensável a adoção de medidas que visem evitar o número de prisões desnecessárias e, por conseguinte, diminua o número de encarcerados.

Acerca da importância da audiência de custódia, destacou Kehdi (2015):

Destaque-se que a audiência de custódia reveste-se de monumental importância, sobretudo porque é por meio dela que se pode, além de outros benefícios, (i) assegurar judicialmente o respeito às garantias do preso, permitindo um maior controle sobre eventuais violações levadas a efeito no momento da prisão, bem como (ii) promover um conhecimento efetivo, com a presença do preso, e sob o crivo do contraditório, acerca da legalidade e necessidade de manutenção da custódia cautelar. [16]

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Código de Processo Penal, ao tratar das prisões, não estabeleceu a necessidade de apresentação do indivíduo preso ao magistrado, limitando-se a dispor que a prisão deve ser comunicada, com envio do auto de prisão em flagrante.

Ocorre que o Brasil internalizou a Convenção Americana de Direitos Humanos e o Pacto dos Direitos Civis e Políticos, os quais são categóricos ao disporem acerca da indispensabilidade de apresentação ao juiz de qualquer pessoa que for presa ou detida, sem demora, a fim de que tenha um julgamento dentro de prazo razoável ou seja concedida a liberdade provisória.

Diante disso, revela-se indispensável que seja realizado um juízo de convencionalidade, para que o Código de Processo Penal

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(lei ordinária) esteja em conformidade com referidos tratados internacionais.

O Supremo Tribunal Federal, julgando o pedido de medida cautelar na ADPF n. 347, reconheceu a obrigatoriedade de observância das referidas normas internacionais e determinou que fossem tomadas providências para que os tribunais viabilizassem a realização da audiência de custódia, dentro do prazo de 24 horas após prisão.

Embora de duvidosa constitucionalidade formal, o Conselho Nacional de Justiça - CNJ editou a Resolução n. 213, regulamentando a realização da audiência de custódia em todo território nacional.

Também se encontra em trâmite no Senado Federal o Projeto de Lei n. 554/2011, que pretende promover mudanças no Código de Processo Penal, para determinar a obrigatoriedade de realizar a audiência de custódia.

Referida modificação na legislação infraconstitucional revela-se necessária e premente, haja vista que proporcionará o ajuste do processo penal brasileiro aos tratados internacionais, evitará a manutenção de prisões ilegais e/ou despiciendas, fará a defesa preventiva de atos degradantes, contribuirá para a redução da superpopulação carcerária e, acima de tudo, efetivará direitos fundamentais ao contraditório, à ampla defesa e à presunção de não-culpabilidade, tornando a prisão a ultima ratio, como forma de assegurar a dignidade da pessoa humana, um dos pilares do Estado Democrático de Direito.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Câmara dos Deputados. Proposições. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=77E4D68C547C87C0F28DB0FEC80A2C4B.proposicoesWeb1?codteor=1433265&filename=PDC+317/2016> Acesso em 15 jul. 2016.

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________. Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Perguntas freqüentes. Disponível em : <http://www.cnj.jus.br/>. Acesso em 04.jul. 2016.

__________.DECRETO-LEI N.º 3.689, DE 3 DE OUTUBRODE 1941. Código de Processo Penal Brasileiro. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689.htm> Acesso em: 01 jul. 2016.

__________.Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Disponível em: < http://www.ibccrim.org.br/docs/PLS_554_2011.pdf>.Acesso em 03 jul. 2016.

__________. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 5240. Relator: Ministro Luiz Fux. Brasília, 20 de Agosto de 2015. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28ADI%24%2ESCLA%2E+E+5240%2ENUME%2E%29+OU+%28ADI%2EACMS%2E+ADJ2+5240%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/lxjyskt> . Acesso em 12.jul.2016.

__________.Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n.º 347. Relator: Ministro Marco Aurélio. Brasília, 18 de Fevereiro de 2016. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=347&classe=ADPF-MC&codigoClasse=0&origem=JUR&recurso=0&tipoJulgamento=M>Acesso em 12. jul. 2016.

__________.Supremo Tribunal Federal. Recurso em HabeasCorpus n.º 62187. Relator: Ministro Aldir Passarinho. Brasília, 13 de Novembro de 1984. Disponível em:http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/visualizarEmenta.asp?s1=000044275&base=baseAcordaos> Acesso em 13.jul. 2016

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SEMER, Marcelo. A audiência de custódia adapta o processo penal brasileiro à Convenção Americana de Direitos Humanos. Blog Sem Juízo, jun. 2014. Disponível em:< http://blog-semjuizo.blogspot.com.br/2014/06/dpu-pede-audiencia-de-custodiapara.html>. Acesso em: 01.jul.2016.

NOTAS:

[1] Disponível em: < http://www.cnj.jus.br/sistema-carcerario-e-execucao-penal/audiencia-de-custodia.> Acesso em 04.jul.2016.

[2] Artigo 7.5 da Convenção Americana de Direitos Humanos. Disponível em: <http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/sanjose.htm> Acesso em 20.jun.2016.

[3] Artigo 9.3 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0592.htm> Acesso em 19.jun.2016.

[4] Artigo 5.3 da Convenção Europeia de Direitos Humanos. Disponível em: <http://www.echr.coe. int/Documentos/Convention_POR.pdf.> Acesso em 02.jun.2016

[5] Disponível em: <http://www.patriciamagno.com.br/wp-content/uploads/2014/11/Revista_da_Defensoria_P_blica_Ano_V_N_9_mai_ago_2014_v4.pdf#page=161> Acesso em 14.jul.2016.

[6] Idem. p. 172.

[7] Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/visualizarEmenta.asp?s1=000044275&base=baseAcordaos> Acesso em 13.jul. 2016.

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[8] Disponível em <http://trf-3.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/17786557/habeas-corpus-hc-66652-sp-20050300066652-6-trf3> Acesso em 13.jul.2016.

[9] Disponível em:< http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28ADI%24%2ESCLA%2E+E+5240%2ENUME%2E%29+OU+%28ADI%2EACMS%2E+ADJ2+5240%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/lxjyskt> . Acesso em 12.jul.2016.

[10] Disponível em:<http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=347&classe=ADPF-MC&codigoClasse=0&origem=JUR&recurso=0&tipoJulgamento=M> Acesso em 12.jul.2016.

[11] Disponível em:<http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp> Acesso em 12. jul. 2016.

[12] MOREIRA, Rômulo de Andrade. Audiências de custódia e a Resolução 213 do CNJ. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 21, n. 4578, 13jan. 2016. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/45771>. Acesso em: 22 jul. 2016.

[13] Disponível em:<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=77E4D68C547C87C0F28DB0FEC80A2C4B.proposicoesWeb1?codteor=1433265&filename=PDC+317/2016> Acesso em 15 jul. 2016.

[14] Disponível em <https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/102115> Acesso em 19.jul.2016

[15] CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Audiência de Custódia. Disponível em:.< http://www.cnj.jus.br/sistema-carcerario-e-execucao-penal/audiencia-de-custodia/perguntas-frequentes> Acesso em: 02 jul. 2016.

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[16] Disponível em: <http://www.ibccrim.org.br/docs/PLS_554_2011.pdf>.Acesso em 03 jul. 2016.

 

   

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ANÁLISE DA VULNERABILIDADE DO CONSUMIDOR PESSOA JURÍDICA

MARIA DA CONCEIÇÃO BANDEIRA DO Ó: Graduada em Direito pelo Centro Universitário de João Pessoa-UNIPÊ. Pós-graduada em Ordem Jurídica, Ministério Público e Cidadania, ministrado pelo Centro Universitário de João Pessoa- UNIPÊ. Pós-graduada em Direito do Consumidor pela Universidade Cândido Mendes - UCAM.  

RESUMO: O presente artigo tem por objetivo analisar as diversas teorias que visam conceituar e reconhecer como destinatário final a pessoa jurídica.

PALAVRAS-CHAVES: Consumidor. Destinatário final. Pessoa jurídica. Vulnerabilidade. Aplicação do CDC.

INTRODUÇÃO:

O Código de Defesa do Consumidor foi criado com o objetivo de estabelecer na relação de consumo uma igualdade material entre os personagens, isso porque foi elaborado imbuído do espírito de proteger o consumidor por ser este a parte vulnerável na relação consumerista.

A ideia central do tema surgiu diante da polêmica acerca do reconhecimento ou não da pessoa jurídica como destinatária final dos produtos e serviços independente da finalidade para qual adquiriu tais produtos ou serviços.

Abordaremos, incialmente, a previsão constitucional da defesa do consumidor, posteriormente, analisaremos de forma detalhada o conceito de consumidor, e finalizaremos enfrentando a

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polêmica acerca da expressão destinatário final e as teorias explicativas.

DESENVOLVIMENTO:

1. PREVISÃO CONSTITUCIONAL DA DEFESA DO CONSUMIDOR

A proteção consumerista é um instituto bastante atual no direito brasileiro uma vez que nosso Código de Defesa do Consumidor foi instituído com a Constituição Federal de 88, trazendo a regulamentação das relações de consumo que já vinham se intensificando com a nossa industrialização. Vejamos as referências feitas pela Constituição à defesa do consumidor.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)

XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

I - soberania nacional; II - propriedade privada; III - função social da propriedade; IV - livre concorrência; V - defesa do consumidor; VI - defesa do meio ambiente, inclusive

mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de

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seus processos de elaboração e prestação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)

VII - redução das desigualdades regionais e sociais;

VIII - busca do pleno emprego; IX - tratamento favorecido para as empresas

de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 6, de 1995)

Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.

ADCT. Art. 48. O Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da Constituição, elaborará código de defesa do consumidor.

Nesses termos, podemos realizar claramente três afirmações: (a) que o direito do consumidor foi tratado como sendo direito fundamental, (b) que o direito do consumidor foi tratado como princípio da ordem econômica, e (c) que o direito do consumidor deveria ser normatizado por meio de uma codificação.

No que tange ao direito do consumidor como sendo um direito fundamental, vejamos o que Fabrício Bolzan (2014) nos ensina.

“Como a relação jurídica de consumo é uma relação desigual, onde se encontra o consumidor-vulnerável de um lado e o fornecedor detentor do monopólio dos meios de produção do outro, nada melhor que ser alçado

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o Direito do Consumidor ao patamar de Direito Fundamental.

(...) Logo, o amparo constitucional que possui o Direito do Consumidor traz uma conotação imperativa no mandamento de ser do Estado a responsabilidade de promover a defesa do vulnerável da relação jurídica de consumo. Ademais, ao longo do tempo muito se falou em eficácia vertical dos Direitos Fundamentais — respeito pela Administração dos Direitos Fundamentais de seus administrados. Como o advento do Direito do Consumidor foi alçado ao patamar constitucional, é possível tratar na atualidade da eficácia horizontal dos direitos ora em estudo, ou seja, mesmo sem a existência de hierarquia entre as partes envolvidas na relação, como ocorre entre fornecedor e consumidor, o respeito aos Direitos Fundamentais também se faz necessário. Contudo, não poderemos generalizar a constitucionalização do Direito Privado, sob pena de corrermos o risco de tornarmos secundário este ramo do Direito. Assiste razão a André Ramos Tavares quando trata da eficácia horizontal dos direitos fundamentais ao acentuar que “com a eficácia direta e imediata corre-se o grave risco, especialmente no Brasil, de constitucionalizar todo o Direito e todas as relações particulares, relegando o Direito privado a segundo plano no tratamento de tais matérias. Como produto dessa tese ter-se-ia, ademais, a transformação do STF em verdadeira Corte de Revisão, porque todas as relações sociais passariam imediatamente a ser relações de índole

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constitucional, o que não é desejável. Mas, de outra parte, não se pode negar, em situações de absoluta missão do legislador, que os direitos ‘apenas’ constitucionalmente fundados sejam suporte para solução imediata de relação privada”.

Com relação ao direito do consumidor como sendo um princípio da ordem econômica previsto no art. 170, inciso V, da Constituição Federal, Fabrício Bolzan (2014) terce algumas considerações, vejamos:

“Da interpretação dos incisos IV e V, a conclusão a que se chega é a de ser plenamente livre explorar a atividade econômica em nosso país, desde que de forma lícita — em respeito, por exemplo, aos demais princípios da ordem econômica —, e que, para ganhar da concorrência, não poderá colocar um produto ou prestar um serviço no mercado de consumo com violação dos direitos dos consumidores. Sobre o tema, concordamos com Claudia Lima Marques ao ensinar que a “opção da Constituição Federal de 1988 de tutela especial aos consumidores, considerados agentes econômicos mais vulneráveis no mercado globalizado, foi uma demonstração de como a ordem econômica de direção devia preparar o Brasil para a economia e a sociedade do século XXI”.

Por fim, Fabrício Bolzan (2014) entendeu acertada a determinação do art. 48 dos Atos de Disposições Constitucionais Transitórias que previu a necessidade de elaboração de uma codificação para normatizar os direitos dos consumidores.

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“O legislador constituinte optou pela elaboração codificada do Direito do Consumidor, e não pela edição de leis específicas, cada uma disciplinadora de assuntos afetos às relações jurídicas de consumo. Apesar de existirem outras leis especiais dentro do sistema de proteção do consumidor, no momento da elaboração do Diploma de defesa do consumidor a opção pela codificação foi a mais acertada.”

2. CONCEITO DE CONSUMIDOR

A Lei 8.078 (BRASIL, 1990) apresenta o conceito de consumidor em seu art. 2º, caput, como “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.” Assim, em uma análise inicial podemos dizer que consumidores são pessoas naturais ou jurídicas, que adquire o produto ou contrata o serviço, e também aquele que utiliza do produto ou serviço. Consumidor, é pois, o destinatário final do produto ou serviço contratado no mercado de consumo.

No entanto, para entenderemos melhor esta definição jurídica, faz-se necessário uma análise aprofundada deste artigo.

Alguns elementos deste conceito são fáceis de serem definidos, podendo ser extraídos de outros ramos do direito, como o Civil por exemplo. Sabe-se que pessoa física é toda pessoa natural, é o ser humano do momento em que nasce até a sua morte. É aquele com capacidade de agir, de contrair obrigações e de exercer direitos.

Já a pessoa jurídica é a união de pessoas físicas, que formam uma entidade com personalidade jurídica própria e distinta das pessoas que a compõem, também capaz de agir, contrair obrigações e exercer direitos.

3. DESTINATÁRIO FINAL E AS TEORIAS EXPLICATIVAS

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A identificação da pessoa física como consumidora destinatária final não traz divergências, a polêmica se instala no que tange ao reconhecimento da pessoa jurídica como destinatária final. Para se determinar a definição do elemento “destinatário final” a doutrina consumerista se dividiu em três correntes: a finalista, a maximalista e a teoria mista ou finalista temperada. Vejamos a seguir:

A Teoria Finalista também conhecida como subjetiva, considera o destinatário final de forma restrita como sendo aquele que põe fim a cadeia econômica. Nas palavras de Fabrício Bolzan (2014):

“(...) o consumidor de um produto ou serviço nos termos da definição trazida no art. 2º do CDC é o destinatário fático e econômico, ou seja, não basta retirar o bem do mercado de consumo, havendo a necessidade de o produto ou serviço ser efetivamente consumido pelo adquirente ou por sua família. Desta forma, numa visão mais extremada desta corrente estariam excluídas do conceito de consumidor todas as pessoas jurídicas e todos os profissionais, na medida em que jamais poderiam ser considerados destinatários finais, pois o bem adquirido no mercado de alguma forma integraria a cadeia produtiva na elaboração de novos produtos ou na prestação de outros serviços.”

Neste sentido, Claudia Lima Marques (2009) defende:

“(...) Destinatário final seria aquele destinatário fático e econômico do bem ou serviço, seja ele pessoa jurídica ou física. Logo, segundo esta interpretação teleológica, não basta ser destinatário fático do produto, retirá-lo

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da cadeia de produção, levá-lo para o escritório ou residência – é necessário ser destinatário final econômico do bem, não adquiri-lo para revenda, não adquiri-lo para uso profissional, pois o bem seria novamente um instrumento de produção cujo preço será incluído no preço final do profissional que o adquiriu. Neste caso, não haveria a exigida ‘destinação final’ do produto ou do serviço, ou, como afirma o STJ, haveria consumo intermediário, ainda dentro das cadeias de produção e de distribuição (...)” (MARQUES, apud, BENJAMIN, Antônio, 2009).

Isto quer dizer que se a pessoa (física ou jurídica) adquire um produto ou serviço para revendê-lo ou até mesmo para o uso profissional, no caso como insumo, não pode ser considerada consumidora, tendo em vista que tal consumação não colocará fim no ciclo econômico do produto ou serviço.

De outra banda, há a Teoria Maximalista que é bastante ampla, enquadrando como consumidor final qualquer pessoa desde que adquira bens ou serviços. Ou seja, o simples fato de adquirir, independente de sua finalidade, já caracterizaria o consumidor. Para os defensores dessa teoria as pessoas jurídicas e o profissional, quando retiram o produto ou o serviço do mercado de consumo qualquer que seja a finalidade para qual adquiriu o produto ou serviço serão considerados consumidores destinatários finais.

Segundo Claudia Lima Marques (2009), os maximalistas consideram o Código de Defesa do Consumidor um novo regulamento do mercado de consumo brasileiro e não a proteção do consumidor em si, aquele que é vulnerável. (MARQUES, apud, BENJAMIN, Antônio Herman 2009.)

Tal teoria visa aplicar o CDC de forma bastante objetiva, desconsiderando se a pessoa física ou jurídica vai adquirir o produto ou serviço para lucrar em cima dele ou não. Basta o produto ser

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retirado do mercado e consumido por tal pessoa, como por exemplo uma fábrica de sapatos que adquire o couro para sua produção, ou seja, a aquisição de insumos estaria protegida pela lei 8.078/90 de forma indiscriminada, não importando se é vulnerável ou não.

Para os que encampam essa corrente o CDC não deve ser visto como uma lei que tem por objetivo tutelar a parte mais fraca numa relação jurídica desigual, que seria a relação de consumo, mas, sim, como um novo regulamento do mercado de consumo brasileiro, o que possibilitaria por vez incluir a pessoa jurídica na definição de consumidor.

Por fim, após várias discursões acerca da interpretação do artigo 2º do CDC, chegou-se a um novo entendimento, muito parecido com a teoria finalista, contudo com algumas ponderações, a denominada Teoria mista ou finalista temperada, para a qual o consumidor seria aquele que adquire o produto ou serviço para si, contudo podendo utilizá-lo na sua atividade profissional, desde que comprovada sua vulnerabilidade. Para essa corrente seria possível reconhecer uma pessoa jurídica como consumidora final desde que comprovada a vulnerabilidade no caso concreto. Seria um exemplo o restaurante que adquire um veículo para fazer entregas, ou uma loja que contrata um serviço de segurança.

O STJ já se posicionou acerca de tal matéria, adotando a teoria finalista, contudo, de acordo com a jurisprudência mais moderna deste Tribunal, sujeita-se a um abrandamento, sendo denominada “teoria finalista mitigada ou aprofundada”. Assim, para o STJ a comprovação da vulnerabilidade é pressuposto sine qua non para o enquadramento da pessoa jurídica no conceito de consumidor previsto no CDC. Vejamos a ementa desse julgado:

CONSUMIDOR. DEFINIÇÃO. ALCANCE. TEORIA FINALISTA. REGRA. MITIGAÇÃO. FINALISMO APROFUNDADO. CONSUMIDOR POR EQUIPARAÇÃO. VULNERABILIDADE. 1. A jurisprudência do STJ se encontra consolidada

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no sentido de que a determinação da qualidade de consumidor deve, em regra, ser feita mediante aplicação da teoria finalista, que, numa exegese restritiva do art. 2º do CDC, considera destinatário final tão somente o destinatário fático e econômico do bem ou serviço, seja ele pessoa física ou jurídica. 2. Pela teoria finalista, fica excluído da proteção do CDC o consumo intermediário , assim entendido como aquele cujo produto retorna para as cadeias de produção e distribuição, compondo o custo (e, portanto, o preço final) de um novo bem ou serviço. Vale dizer, só pode ser considerado consumidor, para fins de tutela pela Lei nº 8.078/90, aquele que exaure a função econômica do bem ou serviço, excluindo-o de forma definitiva do mercado de consumo. 3. A jurisprudência do STJ, tomando por base o conceito de consumidor por equiparação previsto no art. 29 do CDC, tem evoluído para uma aplicação temperada da teoria finalista frente às pessoas jurídicas, num processo que a doutrina vem denominando finalismo aprofundado , consistente em se admitir que, em determinadas hipóteses, a pessoa jurídica adquirente de um produto ou serviço pode ser equiparada à condição de consumidora, por apresentar frente ao fornecedor alguma vulnerabilidade, que constitui o princípio-motor da política nacional das relações de consumo, premissa expressamente fixada no art. 4º, I, do CDC, que legitima toda a proteção conferida ao consumidor. 4. A doutrina tradicionalmente aponta a existência de três modalidades de vulnerabilidade: técnica (ausência de conhecimento específico acerca do produto ou

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serviço objeto de consumo), jurídica (falta de conhecimento jurídico, contábil ou econômico e de seus reflexos na relação de consumo) e fática (situações em que a insuficiência econômica, física ou até mesmo psicológica do consumidor o coloca em pé de desigualdade frente ao fornecedor). Mais recentemente, tem se incluído também a vulnerabilidade informacional (dados insuficientes sobre o produto ou serviço capazes de influenciar no processo decisório de compra). 5. A despeito da identificação in abstracto dessas espécies de vulnerabilidade, a casuística poderá apresentar novas formas de vulnerabilidade aptas a atrair a incidência do CDC à relação de consumo. Numa relação interempresarial, para além das hipóteses de vulnerabilidade já consagradas pela doutrina e pela jurisprudência, a relação de dependência de uma das partes frente à outra pode, conforme o caso, caracterizar uma vulnerabilidade legitimadora da aplicação da Lei nº 8.078/90, mitigando os rigores da teoria finalista e autorizando a equiparação da pessoa jurídica compradora à condição de consumidora. 6. Hipótese em que revendedora de veículos reclama indenização por danos materiais derivados de defeito em suas linhas telefônicas, tornando inócuo o investimento em anúncios publicitários, dada a impossibilidade de atender ligações de potenciais clientes. A contratação do serviço de telefonia não caracteriza relação de consumo tutelável pelo CDC, pois o referido serviço compõe a cadeia produtiva da empresa, sendo essencial à consecução do seu negócio. Também não se verifica nenhuma vulnerabilidade apta a equipar a empresa à

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condição de consumidora frente à prestadora do serviço de telefonia. Ainda assim, mediante aplicação do direito à espécie, nos termos do art. 257 do RISTJ, fica mantida a condenação imposta a título de danos materiais, à luz dos arts. 186 e 927 do CC/02 e tendo em vista a conclusão das instâncias ordinárias quanto à existência de culpa da fornecedora pelo defeito apresentado nas linhas telefônicas e a relação direta deste defeito com os prejuízos suportados pela revendedora de veículos. 7. Recurso especial a que se nega provimento. (Resp. 1.195.642/RJ, Rel. Ministra Nancy Andrighi, 3ª Turma, DJe 21/11/2012) (www.stj.gov.br)

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR PARA PROTEÇÃO DE PESSOA JURÍDICA. TEORIA FINALISTA APROFUNDADA. REQUISITO DA VULNERABILIDADE NÃO CARACTERIZADO. EXIGIBILIDADE DE OBRIGAÇÃO ASSUMIDA EM MOEDA ESTRANGEIRA. FUNDAMENTO DO ACÓRDÃO NÃO ATACADO.

1.- A jurisprudência desta Corte tem mitigado os rigores da teoria finalista para autorizar a incidência do Código de Defesa do Consumidor nas hipóteses em que a parte (pessoa física ou jurídica), embora não seja tecnicamente a destinatária final do produto ou serviço, se apresenta em situação de vulnerabilidade.

2.- No caso dos autos, tendo o Acórdão recorrido afirmado que não se vislumbraria a vulnerabilidade que inspira e permeia o Código de Defesa do Consumidor, não há como

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reconhecer a existência de uma relação jurídica de consumo sem reexaminar fatos e provas, o que veda a Súmula 07/STJ.

3.- As razões do recurso especial não impugnaram todos os fundamento indicados pelo acórdão recorrido para admitir a exigibilidade da obrigação assumida em moeda estrangeira, atraindo, com relação a esse ponto, a incidência da Súmula 283/STF.

4.- Agravo Regimental a que se nega provimento.

(AgRg no REsp 1149195/PR, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/06/2013, DJe 01/08/2013) (www.stj.gov.br)

O art. 4º do Código de Defesa do Consumidor elenca os princípios que regem a Política Nacional das Relações de Consumo, destacando-se o do reconhecimento da vulnerabilidade. Ou seja, como o objetivo da proteção consumerista é manter o equilíbrio nas relações, a vulnerabilidade do consumidor é uma característica presumida por lei.

No entanto, a análise da vulnerabilidade do consumidor se faz necessária quando estamos diante de uma pessoa jurídica que não põe fim a cadeia de produção, isto é, que adquire o produto ou serviço e o utiliza no desenvolvimento da sua atividade comercial.

Com efeito, o caráter vulnerável do consumidor pode ser de ordem técnica, jurídica ou fática conforme podemos aferir do julgado supracitado. A carência técnica pode ser conceituada como a ausência de conhecimento específico acerca do produto ou serviço objeto do consumo. A jurídica pode ser entendida como a falta de conhecimentos jurídico, contábil, ou econômico e dos seus reflexos nas relações de consumo. A vulnerabilidade fática caracteriza-se

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nas situações em que a insuficiência econômica, física ou até mesmo psicológica do consumidor o coloca em desvantagem perante o fornecedor. Decorre da desproporcionalidade do poderio econômico do fornecedor em relação ao consumidor, seja pela sua posição de monopólio ou em razão da essencialidade do serviço que presta. Por fim, tem se reconhecido a vulnerabilidade informacional que seria a insuficiência de dados sobre o produto ou o serviço capaz de influenciar na decisão do consumidor em adquirir ou não o produto ou serviço.

Assim, podemos concluir que a vulnerabilidade do consumidor final pessoa física é uma característica presumida, no entanto, o mesmo não ocorre com relação às pessoas jurídicas que devem demonstrar no caso concreto que se enquadram em algumas das espécies de vulnerabilidade apresentada pela doutrina e reconhecida pela jurisprudência.

Para finalizarmos importante tercemos algumas considerações acerca do que o CDC denominou de consumidor por equiparação. Com vistas a garantir maior eficiência na proteção dos consumidores, bem como na punição dos maus fornecedores, a Lei 8.078 (BRASIL, 1990) buscou proteger não apenas o consumidor destinatário final, mas também o consumidor por equiparação, e o fez de forma expressa por meio dos seguintes artigos:

Art. 2º. Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.

Art. 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento.

Art. 29. Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas.

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Assim, estendeu o conceito de consumidor previsto no art. 2º à coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo, ou seja, equiparou aqueles que de alguma forma participou da relação de consumos aos consumidores em sentido estrito.

Tal dispositivo se refere ao grupo ou categoria de consumidores relacionados ao consumo de determinados produtos ou serviços. Ou seja, é uma proteção abstrata, que visa em suma punir algumas práticas dos fornecedores que possam atingir um grande número de pessoas.

Outra maneira que o legislador encontrou de estender a proteção consumerista foi equiparando aos consumidores todas as vítimas do acidente de consumo, conforme exposto no artigo 17 da Lei 8.078 (BRASIL, 1990). Tal equiparação gerou a classificação desse tipo de consumidor como “bystander”, ou seja, significa dizer que não é preciso uma participação direta na relação de consumo para sofrer um acidente de consumo e sofrer as mesmas consequências que um consumidor direto.

Em complementação ao dispositivo supracitado, o legislador no art. 29 ainda equiparou ao consumidor todas as pessoas, indetermináveis ou não, que de alguma forma se expõem às práticas previstas neste código. Podemos dizer mais uma vez que o CDC visa conter as práticas abusivas dos fornecedores.

CONCLUSÃO

Diante de todas as considerações, podemos afirmar que o STJ reconhece a possibilidade da pessoa jurídica que adquire o produto ou serviço retirando-os do mercado de consumo (destinatário de fato) mesmo sem por fim a cadeia de produção (destinatário econômico) ser considerada consumidora final, e assim, ser tutelada pelo CDC e suas normas protetivas, desde que seja reconhecida, no caso concreto, como condição sine qua non, algumas das hipóteses de vulnerabilidade.

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REFERÊNCIAS

BENJAMIN, Antônio Herman de V.; MARQUES, Claudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de direito do consumidor. 3ª ed. rev., atual., e ampl. São Paulo: RT, 2010.

BOLZAN, Fabrício; Direito do Consumidor Esquematizado. 2ª ed. São Paulo: Saraiva. 2014.

BRASIL. Lei nº 8. 078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Disponível em:http://www.planalto.gov.br/> Acesso em: agosto de 2016

_______. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/> Acesso em: agosto de 2016

TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 8ª ed. São Paulo: Saraiva.2010.

 

   

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Da inaplicabilidade da vantagem da coisa feita na apuração da justa indenização em desapropriação

FILIPE DE OLIVEIRA CIRQUEIRA: Procurador Autárquico do Município de Belo Horizonte/MG. Especialista em Direito Processual pela PUC/MG. Graduado em Direito pela Universidade Federal de Viçosa.

RESUMO: O presente artigo analisa, com base no conceito de justa indenização, a inaplicabilidade da chamada vantagem da coisa feita quando da apuração do valor indenizatório em processo judicial de desapropriação.

Palavras-chave: Desapropriação; justa indenização; vantagem da coisa feita.

1 INTRODUÇÃO

No ordenamento jurídico pátrio, a desapropriação se destaca como uma das mais importantes formas de intervenção do Estado na propriedade.

Ensina MEIRELLES que a desapropriação “é a mais drástica das formas de manifestação do poder de império, ou seja, da soberania interna do Estado no exercício de seu domínio eminente sobre todos os bens existentes no território nacional” (2010, p.632).

A Administração Pública, à luz do que preceitua o art. 37, caput, da Constituição Federal, deve respeitar em sua atuação, dentre outros, o princípio da legalidade.

Se, de um lado, a Constituição assegura o direito fundamental à propriedade (art. 5º, inciso XXII: “é assegurado o direito de

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propriedade”), por outro lado afasta o dogma de sua intangibilidade, ao condicioná-lo ao atendimento de função social (art. 5º, inciso XXIII: “a propriedade atenderá a sua função social”).

Dessa forma, premida pelo interesse público instrumentalizado na declaração de utilidade pública ou interesse social, a Administração pode proceder à desapropriação, transferindo para si a propriedade de terceiro.

Com efeito, MELLO aduz que “o fundamento político da desapropriação é a supremacia do interesse coletivo sobre o individual, quando incompatíveis” (2008, p. 857).

Não obstante o direito de desapropriar seja conferido ao ente público, referido direito só pode ser exercido com a observância do devido processo legal, seja na esfera administrativa, na hipótese de acordo administrativo, seja na esfera judicial.

Há que ser mencionada, neste ponto, a garantia insculpida no art. 5º, inciso LIV, da Constituição Federal, cuja redação é a de que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.

2 DA INAPLICABILIDADE DA VANTAGEM DA COISA FEITA

Em que pese a previsão do art. 15 do Decreto-lei nº 3.365/1941 no sentido de que, alegada urgência e depositado o preço arbitrado, seja o ente público imitido liminarmente na posse do bem a ser desapropriado, a praxe indica que, ao receber a petição inicial de ação de desapropriação, o magistrado determine a citação da parte contrária para contestar.

Comumente, após a resposta, ou sem ela, quando infrutífera a citação, há a nomeação de perito para a realização de avaliação judicial do imóvel.

Verifica-se que, ao seguir referido procedimento, busca o juízo garantir que os trabalhos técnicos de avaliação sejam

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realizados sob o contraditório das partes, que poderão formular quesitos, solicitar esclarecimentos e oferecer impugnação ao laudo do expert.

No que tange aos trabalhos de avaliação, esses são realizados pelo profissional nomeado pelo juízo tendo por base norma técnica da Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT, especificamente a NBR 14.653-1, que disciplina os procedimentos gerais de avaliação de bens.

À luz do art. 5º, inciso XXIV, da Constituição Federal, “a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição”.

Acerca do conceito de indenização justa, ensina José Carlos Moraes Salles (2006, p. 511):

[...] para que haja justeza e justiça na indenização, é preciso que se recomponha o patrimônio do expropriado com quantia que corresponda, exatamente, ao desfalque por ele sofrido em decorrência da expropriação.

Não deverá atribuir ao desapropriado nem mais nem menos do que se lhe subtraiu, porque a expropriação não deve ser instrumento de enriquecimento nem de empobrecimento do expropriante ou do expropriado.

Entretanto, em que pese o objeto da avaliação ser o de apurar o valor do imóvel desapropriado para recomposição do patrimônio do expropriado, atendendo ao preceito constitucional de justa indenização, a norma técnica prevê o acréscimo de um terceiro elemento, qual seja, o fator de comercialização, estranho ao objetivo mencionado.

Nesse sentido, prevê a NBR 14.653-1:

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3.20 fator de comercialização: razão entre o valor de mercado[1] de um bem e o seu custo de reedição[2] ou de substituição[3], que pode ser maior ou menor do que 1 (um).

Verifica-se, assim, que o fator de comercialização é obtido pela operação matemática de divisão do valor de mercado do bem pelo custo de reedição do mesmo.

Pode o resultado desta ser menor ou igual a 1 (um), ou, então, maior que 1 (um), quando se tem a denominada vantagem da coisa feita, assim definida pela norma técnica: “3.48 vantagem da coisa feita: diferença entre o valor de mercado e o custo de reedição de um bem, quando positiva”.

Dessa forma, o resultado maior do que 1 (um) representa que o valor de mercado do bem expropriado é superior ao seu custo de reedição calculado. Por outro lado, quando menor do que 1 (um), significa que o valor de mercado do bem foi inferior ao seu custo de reedição.

Não obstante sua previsão na norma técnica, a adoção do fator de comercialização, em especial da vantagem da coisa feita (resultado maior que 1), acarreta interferência indevida na mensuração do valor do bem expropriado.

Em tais casos, em verdade, ocorre o acréscimo de um lucro ao seu proprietário, que já usufruiu do bem, não sendo justo e razoável incluir tal verba no quantum indenizatório.

Além disso, a prática indica que a declaração de utilidade pública de imóveis para fins de desapropriação resulta, normalmente, em um aumento da procura por imóveis na região em que se realizará a obra pública, e consequentemente, no aumento dos valores pelos quais esses são ofertados ou transacionados.

Com efeito, a vantagem da coisa feita, também chamada degoing concern value, não encontra amparo no ordenamento

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jurídico, vale dizer, em norma editada pelo Estado no exercício da função legislativa, pelo que se mostra ilegal sua inserção nos trabalhos pericias de avaliação de imóveis em desapropriação.

Precisa a lição de HARADA (2014, p 138-139) sobre o tema:

[...] advirta-se que o laudo não deve conter, também a inclusão de valores aleatoriamente apurados como a chamada vantagem da coisa feita, prevista no item 3.2. das Normas Gerais de Avaliação, consistente no acréscimo de uma verba a título de vantagem que todo proprietário de imóvel edificado teria. Essa verba parte da premissa de que o valor do imóvel expropriado, por si só, não satisfaria a justa indenização, porque o proprietário de prédio expropriado teria que sofrer toda sorte de vicissitudes na procura de outro ou na construção de prédio semelhante.

Admitir a vantagem da coisa feita nos laudos de avaliação em desapropriação, resultaria, ademais, na incorporação de uma mais valia, que ao cabo fará com que o poder público sofra prejuízos financeiros em razão do investimento realizado.

Ou seja, a realização de uma obra pública que demande desapropriações traria custos não só com o valor da recomposição do prejuízo causado por esta forma de intervenção na propriedade, mas também do próprio movimento especulativo por ela causado no mercado.

Na jurisprudência, é possível encontrar julgados que confirmam a aplicação da vantagem da coisa feita (fator de comercialização maior que 1), por estar prevista na NBR 14.653-1. Entretanto, tal entendimento não merece prosperar, tendo em vista que aludida norma técnica não pode inovar originariamente no ordenamento jurídico, o que é dado, tão somente às leis formalmente editadas pelo Estado.

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Nessa esteira, por se entender consentâneo ao princípio da justa indenização, colaciona-se os seguintes precedentes, que afastam a aplicação do fator de comercialização em razão da ausência de sua previsão em lei.

Na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, tem-se:

DESAPROPRIAÇÃO. Verba para reposição de despesas com aquisição de outro imóvel ('frais de remploi'). A desapropriação corresponde a indenização justa pela perda do imóvel, não pela aquisição de outro. Danos causados ao imóvel pelo expropriante, na qualidade de locatário. Ação própria. Vantagem da coisa feita ('goingvalue'). Parcela indevida, se o laudo já adotara o valor atual do imóvel. II - Recurso extraordinário conhecido parcialmente, apenas quanto a parcela 'frais de remploi', mas não provido."

(STF; RE 88767; RJ; Primeira Turma; Rel. Min. Thompson Flores; DJU 08/06/1979).

Decidiu o Tribunal Regional Federal da 1ª Região:

ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO. REFORMA AGRÁRIA. JUSTO PREÇO. AVALIAÇÃO EM SEPARADO DA COBERTURA FLORÍSTICA. VANTAGEM DA COISA FEITA. JUROS COMPENSATÓRIOS. JUROS MORATÓRIOS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. I - Integram o preço da terra nua as florestas naturais, matas nativas e qualquer outro tipo de vegetação natural, não podendo o montante apurado superar, em qualquer hipótese, o valor de mercado do imóvel. II - Em face da solidez dos fundamentos da avaliação do Incra, acolhe-se,

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como justa, a oferta inicial. III - A cobertura florística somente pode ser indenizada em separado quando houver prova de sua exploração econômica, o que não é o caso. IV - A vantagem da coisa feita, que equivale ao lucro do incorporador, é descabida. V - Juros compensatórios devidos sobre a parcela que ficara indisponível, muito embora o art. 6º, § 2º, da Lei Complementar 76/93, permitisse o seu levantamento initio litis. V - Juros moratórios incidentes em função do atraso no pagamento da indenização, no percentual de 6% ao ano, a partir de 1º de janeiro do exercício seguinte ao que o pagamento deveria ser feito. VI - Verba honorária mantida. VII - Apelação parcialmente provida.

(TRF1, AC 0000044-21.2000.4.01.3600 / MT, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL CÂNDIDO RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, DJ p.13 de 21/10/2005)

Igualmente, na jurisprudência do Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

EMENTA: DESAPROPRIAÇÃO - JUSTO PREÇO - LAUDO DO PERITO OFICIAL - CORREÇÃO MONETÁRIA DA DATA DO LAUDO - FATOR COMERCIALIZAÇÃO - NÃO INCIDENCIA - CUMULATIVIDADE DOS JUROS MORATÓRIO E COMPENSATÓRIOS - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - CRITÉRIOS DO DECRETO. 1- O justo preço da indenização (CR, art. 5º, XXIV, e art. 182, § 3º) é aquele que recompõe integralmente o patrimônio do expropriado, habilitando-o a adquirir outro bem equivalente ao que possuía, considerando-se o valor na data da avaliação

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(art. 26, Decreto-Lei nº 3.365/41); 2- Para fins de obtenção do justo preço, deve-se levar em conta a avaliação do perito oficial, todavia, deve ser excluído o "fator de comercialização", custo adicional para a procura e reconstrução de imóvel nas mesmas condições do expropriado, por ausência de previsão legal; 3- Os juros compensatórios incidirão a razão de 12% ao ano, a partir da imissão provisória na posse até o efetivo levantamento, sobre os 20% do valor depositado que somente podem ser levantados depois do trânsito em julgado; 4- A correção monetária incidirá a partir da data laudo quando a avaliação considerou esta do valor de mercado, incidindo até a data do depósito; 5- Os honorários advocatícios serão fixados entre 0,5% e 5% do valor da diferença entre o valor arbitrado na indenização e o valor da oferta administrativa e em observância ao §3º do art. 20 do CPC (art. 27, §1º, DL nº 3.365/41).

(TJMG – Apelação Cível 1.0024.11.278058-0/002, Relator(a): Des.(a) Renato Dresch , 4ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 03/03/2016, publicação da súmula em 10/03/2016)

3 CONCLUSÃO

Verifica-se do exposto que a norma técnica NBR 14.653-1, da ABNT, que objetiva disciplinar procedimentos gerais de avaliação, prevê o acréscimo nos laudos de avaliação do denominado fator de comercialização, que se traduz na operação matemática de divisão do valor de mercado do bem pelo custo de reedição do mesmo.

Quando o resultado dessa operação for maior que 1 (um), o fator de comercialização ganha o nome específico de vantagem da coisa feita.

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Entretanto, a vantagem da coisa feita representa a incorporação de um lucro, na medida em que a pessoa desapropriada receberá pelo valor de mercado do bem, enquanto a reedição do mesmo possui custo menor.

Ainda, deve ser afastada a adoção da vantagem da coisa feita em desapropriação, pois despida de previsão legal. A norma técnica da ABNT não pode inovar originariamente no ordenamento jurídico, estabelecendo a indenização com o acréscimo de elemento estranho ao necessário à recomposição do patrimônio, violando o preceito da justa indenização.

Por fim, há que se considerar que o fato de o valor de mercado ser superior ao custo de sua reedição em geral decorre da própria influência, direta ou indireta, da intervenção do poder público na localidade para a execução da obra pública.

REFERÊNCIAS

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 27ª ed. São Paulo: Atlas, 2014.

HARADA, Kiyoshi. Desapropriação: doutrina e prática. 10ª ed. São Paulo: Atlas, 2014.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 36ª ed. São Paulo: Malheiros, 2010.

MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 25ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008.

MOREIRA, Egon Bockmann; GUIMARÃES, Bernardo Strobel. A desapropriação no Estado Democrático de Direito. Em: ARAGÃO, Alexandre Santos de; MARQUES NETO, Floriano de Azevedo (coord.). Direito administrativo e seus novos paradigmas. Belo Horizonte: Fórum, 2008.

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OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de direito administrativo. 2ª ed. São Paulo: Método, 2014.

SALLES, José Carlos de Moraes. A desapropriação à luz da doutrina e da jurisprudência. 5ª ed. São Paulo: RT, 2006.

NOTAS

[1] A NBR 14.653-1 define o valor de mercado como a “quantia mais provável pela qual se negociaria voluntariamente e conscientemente um bem, numa data de referência, dentro das condições do mercado vigente”.

[2] A NBR 14.653-1 define o custo de reedição como o “custo de reprodução, descontada a depreciação do bem, tendo em vista o estado em que se encontra”.

[3] A NBR 14.653-1 define o custo de substituição como o “custo de reedição de um bem, com a mesma função e características assemelhadas ao avaliando”.

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ARGUMENTOS SOBRE A REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL

MYRA CHERYLIN PEREIRA FIGUEIRÓ: Advogada atuante na área cível, família, criminal e consumidor. Bacharel em Direito pela Faculdade Anhanguera e pós-graduanda em processo civil pela Faculdade Damásio Educacional.

Resumo: A polêmica acerca da redução da maioridade penal tem dividido opiniões de vários pensadores do Direito, por isso, este trabalho tem por finalidade, confrontar os argumentos mais utilizados entre as pessoas que se filiam ao entendimento de que a idade penal deve ser reduzida e os que são desfavoráveis a esta redução.

Palavras-Chave: Idade Penal. Redução. Argumentos.

1. INTRODUÇÃO

O Código Penal (Decreto- Lei nº 2848 de 7.12.1940), em seu artigo 27 (com a redação dada pela Lei nº 7.209 de 11.7.1984), prevê a inimputabilidade dos menores de 18 (dezoito) anos. Posteriormente, a Constituição Federal de 1988 recepcionou essa ideologia, no seu artigo 228. Anos mais tarde o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei nº 8.069, de 13.7.1990) reforçou essa previsão em seu artigo 104.

Por força desses três diplomas legais, sobretudo a Carta Magna, o menor de 18 anos atualmente é considerado inimputável, ou seja, incapaz de sofrer as sanções previstas pelo Código Penal. Não obstante, são-lhe aplicadas medidas socioeducativas, nos termos do ECA.

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Para parte do senso comum social, isso significa a previsão legal de impunidade ao menor infrator, e a cada novo delito, cometido por um menor e amplamente divulgado pela mídia, acende-se a polêmica acerca da redução dessa idade penal.

Destarte, este trabalho tem por objetivo pesquisar na doutrina os prós e contras dessa mudança, postulada hodiernamente por grande parte da população, bem como será analisada a sua viabilidade, e serão propiciados elementos para enriquecer o debate acerca da eficiência desta medida como forma de redução da criminalidade praticada por menores. O assunto ainda causa divergência entre o meio jurídico, dividindo opiniões de juízes, promotores, defensores públicos, advogados, e até mesmo profissionais da área da saúde psicológica.

2. BREVE DISTINÇÃO ENTRE MAIORIDADE PENAL E MAIORIDADE CIVIL

A maioridade civil torna o sujeito apto a praticar sozinho todos os atos da vida civil. Esta aptidão é atualmente conferida ao agente ao completar 18 anos, conforme expressa determinação legal do art. 5º do Código Civil, em seu caput, que assim dispõe “a menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil”. Antes de integralizado desta idade, a pessoa possui uma restrição legal à pratica dos atos civis.

Entretanto, essa idade imposta pela Lei para de adquirir a maioridade civil não é absoluta, pois o art. 5º, CC, elenca a possibilidade de remoção dessa incapacidade do menor de 18 anos, por meio da emancipação aos 16 anos completos.

A maioridade penal, por sua vez, embora ocorra também aos 18 anos, estabelece que a partir desse marco etário o agente passará a responder pelos seus crimes na forma da Lei Penal, com igual tratamento dispensado aos adultos. Antes dessa faixa etária é responsabilizado pelos crimes (denominados atos infracionais) na

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forma de Legislação Especial - o Estatuto da Criança e do Adolescente, que em verdade constitui um Sistema Penal Juvenil.

Ocorre que a maioridade penal, distintamente da maioridade civil, não pode ser questionada via judicial, e não há nenhuma exceção na Lei Penal (hodiernamente) que possibilite a submissão dos adolescentes infratores às sanções do Código Penal.

3. DESMISTIFICANDO A IMPUNIDADE - A RESPONSABILIZAÇÃO DO ADOLESCENTE INFRATOR PREVISTA NO ECA

No Brasil a maioridade penal se inicia aos 18 anos, consoante o art. 27, do Código Penal (CP), recepcionado pelo art. 228 da Carta Magna, e art. 104, do ECA, que dispõe em seu caputque “são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às medidas previstas nesta Lei.”

Nesse toar, a imputabilidade é a aptidão para ser culpável, ou seja, um requisito indispensável à responsabilização penal de um sujeito que tenha cometido algum delito. Essa previsão Legal de inimputabilidade aos menores de 18 anos confere a estes o direito de não ser responsabilizado criminalmente perante as sanções do Código Penal.

No entanto, estes indivíduos são responsabilizados pelos ilícitos penais cometidos, só que por meio de uma Lei especial (ECA), que leva em consideração, as peculiaridades que lhes são inerentes - de um ser em desenvolvimento, ainda despreparado para o convívio social, que está em transição da fase criança para a fase adulta.

Este sistema de responsabilidade criado pelo ECA, réplica do sistema penal de adultos, é denominado, por alguns autores, a exemplo de Karina Batista Sposato, como sendo um Sistema Penal Juvenil, pois consiste em um sistema penal para adolescentes, conforme a autora.

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Pertinente salientar as principais características do tratamento diferenciado previsto ECA para os adolescentes em conflito com a Lei. Liminarmente, impõe salientar as diferenças terminológicas.

A conduta considerada é crime quando cometida pelo adulto, tipificadas no Código Penal e demais legislações, valem também para os adolescentes. A diferença é que quando estes praticam tais atos, denomina-se ato infracional, pois os termos crime e criminoso são considerados muito fortes e estigmatizantes.

Por esse motivo, o adolescente em conflito com a Lei é denominado infrator e não criminoso. No entanto, apesar de cometerem as mesmas condutas praticadas pelo adulto, não sofrem a mesma punição, pois a resposta estatal para a conduta desvirtuada do adolescente tem por finalidade reeducá-lo, reintegrá-lo a sociedade, demonstrar a ele o seu erro e lhe instruir a não repeti-lo.

Assim, a resposta estatal não se denomina pena, quando é destinada ao adolescente (assim compreendidos entre 12 e 18 anos, nos termos do art. 2º, do ECA), e sim medida socioeducativa. Todavia, tais medidas devem ser aplicadas considerando as condições sociais, culturais e até econômicas do menor infrator. Assim, preleciona Estevão (2013, p. 15):

Ademais, é necessário que o Estado tenha políticas públicas voltadas às crianças e adolescentes, pois limitar-se à aplicação das medidas previstas contraria a finalidade de reeducação e ressocialização, além do caráter retributivo que lhe são inerentes.

As medidas socioeducativas estão previstas no art. 112 do ECA, constituindo-se um rol taxativo (ISHIDA, 2010, p. 224), in verbis:

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Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas: I - advertência; II - obrigação de reparar o dano; III - prestação de serviços à comunidade; IV - liberdade assistida; V - inserção em regime de semiliberdade; VI - internação em estabelecimento educacional; VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI . § 1º. A medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração. § 2º. Em hipótese alguma e sob pretexto algum, será admitida a prestação de trabalho forçado. § 3º. Os adolescentes portadores de doença ou deficiência mental receberão tratamento individual e especializado, em local adequado às suas condições.

A advertência, prevista no inciso I, é regulamentada no art. 115 do referido diploma. Trata-se de uma repreensão judicial, com o objetivo de sensibilizar e esclarecer o adolescente e sua família sobre os riscos ou consequências do envolvimento e da reincidência infracional. Sobre a advertência, preleciona Aquino (2012, p.01):

Talvez seja a medida de maior tradição no Direito do Menor, tendo constado tanto no nosso primeiro Código de Menores, o Código Mello Mattos, de 1927, no art. 175, como também do Código de Menores, de 1979, no art. 14, I, figurando entre as chamadas "Medidas de Assistência e Proteção": dispõe o art. 115 do ECA, que “A advertência consistirá na admoestação verbal, que será reduzida a termo e assinada”.

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Esta medida é a mais branda, e seu objetivo principal “é ensinar ao infrator que ele é realmente culpado pelo que fez e que sua atitude não é correta sob o ponto de vista social, e que ainda há chances de mudança do seu caráter (uma vez já marginalizado)”. (AQUOTTI, 2004, p. 74) “Os pais podem ser encaminhados ao Conselho Tutelar para receber as medidas previstas no art. 129 do ECA, que se mostrarem pertinentes.” (DIGIÁCOMO, 2013, p. 171)

A medida socioeducativa de reparar o dano é altamente pedagógica, mas raramente aplicada (ESTEVÃO, 2013, p. 15), e está prevista no art. 116 do referido diploma infraconstitucional. É, pois, cabível quando o ato infracional produz efeitos patrimoniais. Possibilita que a autoridade determine ao adolescente a restituição da coisa, promova o ressarcimento do dano, ou compense o prejuízo da vítima de outro modo, sendo aplicável somente quando o menor não puder ressarcir o dano, (COUTINHO, 2011, p. 28), a fim de evitar que a reprimenda ultrapasse a pessoa do infrator, afastando seu caráter pedagógico. (AQUINO, 2012, p.01)

A prestação de serviços à comunidade, prevista no art. 117 do ECA, consiste “na realização de tarefas gratuitas de interesse geral, por período não excedente a 6 (seis) meses, junto a entidades assistenciais, hospitais, escolas e estabelecimentos congêneres, bem como em programas comunitários ou governamentais”, desde que “observadas as vedações legais de atividades laborativas ao adolescente, também não podendo ser prejudicada sua freqüência escolar ou sua jornada normal de trabalho.” (COUTINHO, 2011, p. 28) “É a medida mais aplicada nas Varas da Infância e Juventude, pois possibilita aos adolescentes a reeducação sem a necessidade da infrutífera privação de liberdade”, acrescenta Estevão (2013, p. 15).

A finalidade desta medida é trazer ao adolescente a conscientização da estima do trabalho e da sua função na sociedade, proporcionando a chance de realizar atividades construtivas, desenvolvendo a solidariedade e a consciência social. (OLIVEIRA, 2010, p. 29)

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A medida de liberdade assistida, por sua vez, esta regulamentada no art. 118 do diploma em análise, devendo ser fixada sempre que se mostrar a mais adequada para o fim de acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente. Todavia, deverá a autoridade competente instituir pessoa habilitada para a assistência do caso, “que poderá ser indicada por entidade ou programa de atendimento”. Será estabelecida pelo prazo mínimo de seis meses, podendo a qualquer tempo ser delongada, revogada ou suprida por outra medida, com a prévia oitiva do orientador, do Ministério Público e do defensor. (COUTINHO, 2011, p. 28)

Digiácomo, assim, explica este instituto, em nota ao art. 118 do ECA:

A liberdade assistida é a medida que melhor traduz o espírito e o sentido do sistema socioeducativo estabelecido pela Lei nº 8.069/1990 e, desde que corretamente executada, é sem dúvida a que apresenta melhores condições de surtir os resultados positivos almejados, não apenas em benefício do adolescente, mas também de sua família e, acima de tudo, da sociedade. Não se trata de uma mera “liberdade vigiada”, na qual o adolescente estaria em uma espécie de “período de prova”, mas sim importa em uma intervenção efetiva e positiva na vida do adolescente e, se necessário, em sua dinâmica familiar, por intermédio de uma pessoa capacitada para acompanhar a execução da medida, chamada de “orientador”, que tem a incumbência de desenvolver uma série de tarefas, expressamente previstas no art. 119, do ECA. (2013, p.173)

Entretanto, Ishida (2010, p. 235) refere que tal medida não possui relevante eficácia, comparando-a inclusive à suspensão

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condicional do processo, existente no Código Penal, o que demonstra uma grande discrepância entre o que a Lei determina e o que os governantes aplicam:

A medida na pratica consiste no comparecimento periódico a um posto determinado e proceder a entrevista com o setor técnico, sendo medida de pouca ou nenhuma eficácia (Del-Campo e Oliveira, ob. cit., p. 175-6). Esse comparecimento se assemelha atualmente a suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei ns 9.099/95), acordo entre o MP e o réu, condicionado ao comparecimento mensal, bimestral ou trimestral.

Existe, ainda, a medida da semiliberdade, prevista no art. 120 do referido Estatuto, sendo admissível como início ou como forma de progressão para o meio aberto e “se caracteriza pela privação parcial da liberdade, ficando ele (menor) com parte do seu tempo privado do seu direito de ir e vir, sendo assegurado, no entanto, a realização de atividades externas, independentemente de autorização judicial”. (COUTINHO, 2011, p. 29) “Por esta medida, os adolescentes infratores trabalham e estudam durante o dia e à noite são recolhidos em uma entidade especializada” (AQUOTTI, 2004, p. 77).

De outro lado, Ishida (2010, p. 239) aponta que “não há prazo de duração determinado, dependendo de avaliação a cada seis meses como na internação pelo Setor Técnico. Corresponde no sistema penal ao regime semiaberto.” Já para Estevão (2013, p. 16) “o problema mais sério em relação a essa medida de semiliberdade é a omissão do poder público em construir unidades especiais para abrigar os adolescentes no período noturno e para aplicar as medidas pedagógicas durante o dia.”

Digiácomo considera esta a medida mais complexa e obscura prevista no ECA, por exigir um programa socioeducativo de excelência e profissionais altamente capacitados, esclarecendo

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também que por tais motivos existem poucos programas em execução no país:

A semiliberdade é das medidas de execução mais complexa e difícil dentre todas as previstas na Lei nº 8.069/1990. [...] vários aspectos sobre a forma como se dará o atendimento do adolescente permanecem obscuros, o que sem dúvida contribui para a existência de poucos programas em execução em todo o País. Talvez mais do que qualquer outra, por suas características e particularidades, a medida de inserção em regime de semiliberdade pressupõe a elaboração de um programa socioeducativo de excelência (cf. art. 90, inciso VI, do ECA), que deverá ser devidamente registrado no CMDCA local (cf. art. 90, §1º, do ECA), assim como no Conselho Estadual (ou Distrital) dos Direitos da Criança e do Adolescente (cf. art. 9º, da Lei nº 12.594/2012) e executado porprofissionais altamente capacitados. Pressupõe ainda uma adequada avaliação da sua efetiva capacidade de cumprimento, pelo adolescente individualmente considerado (cf. art. 112, caput, do ECA) que, afinal, irá realizar atividades externas e permanecerá recolhido na entidade apenas durante determinados períodos, de acordo com o previsto no programa em execução.(2013, p.176 – grifos do autor).

Aquotti (2004) refere que há poucas escolas e instituições educacionais em relação à quantidade de adolescentes sujeitos a esta medida e estas não são totalmente adequadas para oferecer este tipo de assistência. Todavia, mesmo com esses óbices, as autoridades frequentemente as têm aplicado.

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Derradeiramente, a internação, prevista no inciso VI, do art. 112, e regulamentado no art. 121, do referido Estatuto, constitui a privação da liberdade do infrator, por isso é a medida mais gravosa das socioeducativas. Tal medida somente “será aplicada quando se tratar de ato infracional praticado mediante grave ameaça ou violência à pessoa, em razão da reiteração no cometimento de outras infrações graves e por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta” (COUTINHO, 2011, p. 29), ficando “sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento”, consoante prevê o artigo 121 do ECA.

Esta medida, conforme já citado, é condicionada a três princípios, elencados no art. 121. Em observância ao princípio da brevidade, a Lei estipula o prazo máximo de 3 anos para cumprimento desta medida, sendo ainda obrigatória a liberação do menor quando completar seus 21 anos. Assim esclarece Ishida:

O ECA, visando garantir os direitos do adolescente, contudo, condicionou-a a três princípios mestres: (1) o da brevidade, no sentido de que a medida deve perdurar tão somente para a necessidade de readaptação do adolescente; (2) o da excepcionalidade, no sentido de que deve ser a ultima medida a ser aplicada pelo Juiz quando da ineficácia de outras; e (3) o do respeito a condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, visando manter condições gerais para o desenvolvimento do adolescente, por exemplo, garantindo seu ensino e profissionalização. Em obediência a brevidade, estipula a lei menorista o prazo máximo de 3 (três) anos (§ 3a) e a liberação compulsória ao 21 (vinte e um) anos (§ 59). (ISHIDA, 2010, p. 241)

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O prolongamento da medida não será proporcional à gravidade da infração, e somente deverá durar o tempo estritamente necessário para cumprir seu papel pedagógico, visto que não se trata de pena e que o menor até 18 anos é inimputável, não podendo vir previamente estabelecido na sentença por quanto tempo o infrator ficará com a liberdade restringida, nem tampouco de quanto em quanto tempo se procederá a sua avaliação, uma vez que o ECA estabelece o prazo de seis meses no máximo de intervalo para que esta ocorra.

Assim reflexiona Digiácomo:

Uma vez aplicada a internação, sua execução deverá se prolongar pelo menor período de tempo possível, posto que orientada pelo princípio constitucional da brevidade, insculpido no art. 227, §3º, inciso V, da CF, estando sua duração condicionada unicamente ao êxito do trabalho socioeducativo desenvolvido, e jamais à gravidade da infração praticada. Importante não perder de vista que o adolescente é penalmente inimputável e a medida socioeducativa não é e nem pode ser comparada ou equiparada a uma pena, pois do contrário haveria negativa de vigência ao disposto no art. 228, da CF. Reputa-seinadmissível estabelecer, já na sentença, umprazo mínimo ou máximo para a sua duração e/ou mesmo para reavaliação da necessidade, ou não, de continuidade da internação, que deverá ocorrer (de formaautomática e obrigatória - inclusive sob pena da prática do crime previsto no art. 235, do ECA) no máximo a cada seis meses. (DIGIÁCOMO, 2013, p.178 – grifei)

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Como se observa, a resposta estatal tem como escopo a re-educação e não a reprimenda proporcional à gravidade do delito, por isto é que nos termos do ECA a aplicação da medida de internação que é a mais grave, deve ser exceção e não a regra, sendo que seu limite máximo é de 3 anos e não deve ser imposta já por um período especifico, uma vez que, não é possível prever quanto tempo será necessário para reeducação do infrator. E, ainda que não tenha sido reeducado, será liberado compulsoriamente aos 21 anos.

4. AS FACES DO DEBATE A CERCA DA REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL

Existe uma parcela da população que acredita que o índice de “crimes” praticados pelos adolescentes é muito alto e que o adolescente fica impune ou que o tratamento do ECA é muito brando e ineficiente. Estes defendem a redução da maioridade penal, ou seja, pretendem que esse tratamento diferenciado do ECA seja revogado, e que o adolescente em conflito com a lei tenha as mesmas sanções do adulto e seja submetido integralmente as normas do Código Penal.

Entretanto, há outra parcela que acredita que reduzir a maioridade penal para submeter os menores infratores ao tratamento dos adultos não será a solução para a criminalidade infanto-juvenil. Por isso, serão analisados os argumentos utilizados pelos defensores da redução da maioridade penal, bem como serão analisados os argumentos dos autores que se posicionam contra tal redução.

Conforme o Conselho Federal de Psicologia (2013, p. 10), a opinião pública está dividida em três grupos: o primeiro grupo inclui as pessoas pró-redução, que defendem a capacidade de discernimento dos adolescentes. No segundo grupo, estão incluídos os que são opositores à redução da maioridade penal e a favor de uma modificação no ECA para aumentar o tempo máximo de cumprimento das medidas socioeducativas. E o terceiro grupo,

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inclui aqueles que acreditam que somente a efetiva e integral aplicação do ECA e do Sinase, aliados à melhoria da qualidade das políticas sociais básicas já seriam suficientes para reduzir o número de delitos cometidos por adolescentes e reprimir a reiteração delitiva.

Partindo dessa premissa, principia-se a abordagem dos argumentos em prol da redução da maioridade penal, correlacionando-os imediatamente aos seus contra-argumentos.

4.1 Capacidade de discernimento dos adolescentes menores de 18 anos

A capacidade de discernimento é um dos mais relevantes argumentos que fomentam a discussão acerca da redução da maioridade penal. Isso porque a previsão legal de imputabilidade penal aos 18 anos se respalda no princípio de que o menor, antes de completar essa idade, não é uma pessoa com personalidade completa (é um ser em desenvolvimento), e por isso se presume a sua incapacidade de discernimento. Por tal fator, é-lhes ausente a culpabilidade. Todavia, os adeptos do reducionismo defendem com veemência que os jovens de hoje em dia são mais maduros que os jovens de 1940 e possuem pleno discernimento de seus atos, devido ao extenso alcance dos meios de comunicação, devendo ser punidos como adultos. (CUNHA, 2009, p.13)

Filiado a este entendimento, Capez (2007, p. 01), faz o seguinte questionamento: “como podemos, nos dias de hoje, afirmar que um indivíduo de 16 anos não possui plena capacidade de entendimento e volição?”. Em seguida, o referido autor responde:

Estamos “vendando” os olhos para uma realidade que se descortina: o Estado está concedendo uma carta branca para que indivíduos de 16, 17 anos, com plena capacidade de entendimento e volição, pratiquem atos atrozes, bárbaros. Ora, no

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momento em que não se propicia a devida punição, garante-se o direito de matar, de estuprar, de traficar, de ser bárbaro, de ser atroz.

Nucci (2009, p. 109) também partilha do entendimento de que menores de 18 anos possuem plena capacidade de discernimento. Assim assinala o autor:

há uma tendência mundial na redução da maioridade penal, pois não mais é crível que os menores de 16 ou 17 anos, por exemplo, não tenham condições de compreender o caráter ilícito do que praticam, tendo em vista que o desenvolvimento mental acompanha, como é natural, a evolução dos tempos, tornando a pessoa mais precocemente preparada para a compreensão integral dos fatos da vida.

Aquotti (2014, p. 100), por sua vez, expõe que em decorrência do amplo acesso de informações, que são facilmente obtidos pelo uso de televisões, aparelhos eletrônicos, internet, computadores e jornais, dentre outros citados pela autora, é inegável o amadurecimento acelerado das crianças e adolescentes, concluindo-se que aos 16 anos o adolescente já possui plena capacidade de ponderar seus próprios atos.

A PEC nº 90/2003, proposta pelo Senador Magno Malta, respalda-se primordialmente nesta tese, fundamentando a proposta no entendimento de que o jovem a partir de 13 anos já possui plena capacidade de discernimento. Com efeito, segue trecho da proposta referida:

Alinhamo-nos entre aqueles que acreditam que o jovem de 13 anos de idade é perfeitamente capaz de reconhecer a gravidade de certas condutas delituosas, especialmente as mais graves. Não é factível que no atual estágio da civilização, com as informações disponíveis, nos

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diversos meios de comunicação de massa, uma pessoa de 13 anos não tenha consciência do sofrimento que se abate sobre uma vítima de estupro, ou da dor suportada por uma família cujo pai, mãe ou filho tenha sido assassinado. (Senado Feral, 2014)

Entre os simpatizantes desta ideologia, destaca-se que não se exige uma inteligência anormal e, sim, apenas uma inteligência e um amadurecimento medianos (JORGE, 2002, p. 01), restando suficiente que o adolescente saiba distinguir o certo do errado para verificar a sua capacidade de discernimento.

Já Estevão (2013, p. 07), que se opõe à redução, concorda que os adolescentes hodiernos possuem mais acesso às informações. Entretanto, nem todas as informações coadunam para uma “boa formação e amadurecimento; pelo contrário, muitas delas são mais próprias para a deformação”. Para este escritor, não basta apenas que o adolescente possua o discernimento; tem que haver também a capacidade de agir de acordo com esse discernimento, o que é ausente ao jovem.

Para Bandeira (2006, p.198), a questão não é só ter acesso a informações e sim à formação do adolescente. Para o Magistrado da Vara da Infância e da Juventude, o jovem é por sua incompletude, inconsequente e só o tempo é capaz de habilitá-lo a reflexão e ponderação dos seus atos:

a questão não é só de informação, mas de formação; não é só de razão, mas de equilíbrio emocional; não apenas de compreensão, mas de entendimento.

Indaga-se: será que o adolescente de 15 ou 16 anos age refletidamente? Será que pensa, antes de agir? Ou é, por excelência, inconseqüente, por força mesmo de sua incompletude, de sua imaturidade? Somente o

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tempo é capaz de edificar mecanismos que habilitem o homem a refletir, a ponderar, a mensurar suas ações.

A questão do discernimento é totalmente irrelevante. O que deve ser ponderado é que o adolescente, situado entre os estágios da fase infantil e adulta passa por inúmeras transformações psicossomáticas, estando mais propensos a pratica de atos anti-sociais e não apenas a delitos. Neste sentido, refere Digiácomo (2009, p. 01 - grifos do autor), defendendo que a solução deve ser pedagógica:

A fixação da idade penal em 18 (dezoito) anos ou mais - critério adotado por 59% (CINQÜENTA E NOVE POR CENTO) dos países do mundo, se deve não apenas a questões de "política criminal", mas também - e especialmente, em razão da COMPROVAÇÃO TÉCNICO/CIENTÍFICA de que, na adolescência, onde há a transição entre a infância e idade adulta, a pessoa atravessa uma fase de profundas transformações psicossomáticas, tornando-a mais propensa à prática de atos anti-sociais (não apenas crimes, mas toda e qualquer forma de manifestar rebeldia e inconformismo com regras e valores socialmente impostos, facilmente identificáveis pela forma de se vestir, colocação de tatuagens e "piercings", fumo, consumo de bebidas alcoólicas, drogas etc.), em especial quando o jovem se envolve com algum grupo, perante o qual sente necessidade de se afirmar. A condição sui generis do adolescente demanda um tratamento diferenciado, com especial enfoque para sua orientação e efetiva recuperação, que somente pode ser obtida em

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instituição própria, onde exista uma PROPOSTA PEDAGÓGICA SÉRIA e bem definida.

Assim, dividem-se as opiniões: o grupo a favor a redução da idade penal, aduz que os adolescentes de hoje em dia tem capacidade de discernimento, pois vivem num mundo mais evoluído e com mais acesso às informações que outrora. Já o grupo desfavorável, funda-se basicamente no princípio de que não basta à capacidade de discernimento, mas também indispensável à capacidade de autodeterminação, à formação completa.

4.2 Adolescentes como responsáveis por grande parte da violência do país

Outra relevante justificativa para a redução da maioridade penal, para os adeptos a idéia, é o discurso de que os delitos cometidos por adolescentes infratores aumentaram sobremaneira nos últimos tempos, de modo que a redução se faz indispensável para reduzir à criminalidade e oportunizar a sensação de justiça à sociedade.

A PEC nº 74/2011, proposta pelo Senador Acir Gurgacz, apoia-se na tese de que o menor possui pleno discernimento e principalmente no argumento de que a violência praticada por adolescentes infratores vem crescendo assustadoramente, e que estes não têm sido punidos adequadamente. Estas são as palavras do Senador:

Observa-se, entretanto, no Brasil, um pavor social em torno da crescente criminalidade praticada por menores inimputáveis. Nos dias de hoje, a violência praticada por adolescentes vem aumentando assustadoramente; e os adolescentes praticantes de infrações graves, não tem sido punidos adequadamente.

Nesse sentido também argumentou o Senador Magno Malta, em defesa da PEC de sua autoria, nº 90/2003, revelando a origem

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de suas informações nas divulgações da imprensa: “Os órgãos de imprensa noticiam diariamente, uma infinidade de crimes praticados por menores de 18 anos”. Como se observa, a opinião pública, muitas vezes, é influenciada pelas notícias veiculadas pela mídia.

Para a Fundação Abrinq (2013, p. 17, apud Volpi 2001), há um hiperdimensionamento do problema, fomentado quando se percebe que é veiculado pela “mídia, autoridades e profissionais que atuam com o tema e o próprio cidadão comum afirmam, categoricamente, que são milhões de adolescentes que praticam delitos, e que a violência praticada por esse grupo é crescente”.

Na verdade, no período entre 2002 e 2011 observou-se uma queda do percentual de crimes graves contra a pessoa cometidos por adolescentes de 14,9% para 8,4%. Se comparado o número de adolescentes do Brasil em cumprimento de medida socioeducativa com a população total do país, estes representam 0,01%. (FUNDAÇÃO ABRINQ, 2013, p. 18)

Segundo dados do CONANDA (2007, p. 01), somente 10% dos crimes praticados no Brasil são cometidos por adolescentes entre 12 e 18 anos. E, de acordo, com o Levantamento do Atendimento Socioeducativo ao Adolescente em Conflito com a Lei, da Secretaria de Direitos Humanos (2011, p. 08), da população total de adolescentes (entre 12 e 18 anos incompletos) que representa pouco mais de 20 milhões, somente 0,09% estão em cumprimento de medida socioeducativa em meio fechado.

Veja-se, a partir dessas informações, com bases em dados oficiais, que o panorama não é tão assustador quanto o alarmado.

A televisão também enfatiza os crimes de maior gravidade cometidos pelos adolescentes, como estupro e homicídio. Todavia, os atos infracionais de maior repercussão entre os adolescentes infratores são os delitos contra o patrimônio e o tráfico de entorpecentes.

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Gomes (2013, p. 01) chega a aduzir que se vive em “tempos de desespero coletivo”. Segundo o autor, parte desse desespero é real e a outra parte é imaginária, por força da influência midiática. Já Digiácomo (2009, p. 01 – grifos do autor), corroborando o acima exposto, explica que a mídia desinforma a população sobre a verdade:

Os adolescentes são responsáveis por MENOS DE 10% (DEZ POR CENTO) das infrações registradas, sendo que deste percentual, 73,8% (SETENTA E TRÊS VÍRGULA OITO POR CENTO) são infrações contra o patrimônio, das quais MAIS DE 50% (CINQÜENTA POR CENTO) são meros FURTOS (sem, portanto, o emprego de violência ou ameaça à pessoa), geralmente de alimentos e coisas de pequeno valor, que para o Direito Penal se enquadrariam nos conceitos de "furto famélico" e "crime de bagatela", impedindo qualquer sanção a adultos. Apenas 8,46% (OITO VÍRGULA QUARENTA E SEIS POR CENTO) das infrações praticadas por adolescentes atentam contra a vida (perfazendo cerca de 1,09 - UM VÍRGULA ZERO NOVE POR CENTO do total de infrações violentas registradas no País), sendo que, historicamente, crianças e adolescentes são muito mais VÍTIMAS que autores de homicídios (na proporção de 01 homicídio praticado para cada 10 crianças ou adolescentes mortas por adultos). Ocorre que as infrações praticadas por adolescentes ganham grande VISIBILIDADE e REPERCUSSÃO na mídia, que nos últimos anos, além de DESINFORMAR a população sobre a VERDADE relacionada ao Estatuto da Criança e do Adolescente, deflagrou verdadeira CAMPANHA a favor da redução da idade penal,

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elegendo de forma absolutamente INJUSTA adolescentes como "bodes expiatórios" da violência no País, para qual comprovadamente os jovens contribuem muito pouco.

Como se observa, muitos defendem a redução da maioridade penal por acreditar que os jovens são os principais responsáveis pelo maior percentual dos crimes praticados na sociedade e que ficam impunes, devido à sua inimputabilidade. Já os desfavoráveis à redução contra argumentam, no sentido de que os jovens não são os responsáveis pela maior parte dos delitos, e sim pela minoria deles, e ainda que o responsável pela divulgação dessa “falsa” idéia é a mídia.

4.3 Adolescentes são recrutados pelos adultos para a prática delituosa

Outro argumento bastante utilizado em prol da redução é o de que “cada vez mais, adultos se servem de adolescentes nas ações criminosas, o que impossibilita a efetiva e eficaz ação da polícia e da justiça”. (ESTEVÃO, 2013, p. 02)

Corroborando o acima exposto, Cunha (2009, p. 13) explica que grande parte dos crimes cometidos pelos infratores são comandados por adultos, uma vez que estes aliciam os menores sob o argumento de que eles não serão punidos. Assim, aduz o autor:

Outro argumento levantado é que tem aumentado, nos últimos anos, o número de crimes com envolvimento de crianças e adolescentes e que os autores intelectuais dos delitos se utilizam da inimputabilidade dos mesmos, atraindo-os com propostas sedutoras para integrarem o mundo do crime, aduzindo que eles não têm nada a perder, pois não vão ser mesmo punidos.

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Segundo Silva (2011, p. 30, apud Souza, 2005, p. 17), representa “um ponto positivo na redução da maioridade penal que os menores de 18 (dezoito) anos não mais se prestariam como instrumentos dos bandidos e quadrilhas.”

Já Aquotti (2004, p. 102) diz que a maioria dos autores se revela contra esta tese, pois se os adultos utilizam-se dos inimputáveis, reduzir a maioridade penal só irá acarretar o recrutamento de jovens cada vez mais novos. Ou seja, segundo a autora, o recrutamento irá ocorrer de igual forma, sempre abrangendo a faixa etária inimputável.

Digiácomo (2009, p. 01, grifos do autor), corroborando o entendimento de Aquotti, afirma que seriam recrutados adolescentes cada vez mais jovens e até mesmo crianças. O autor sugere que sejam recrudescidas as penas dos adultos que se utilizam de menores na empreitada delituosa. Assim preleciona o escritor:

Embora o "recrutamento" de adolescentes para prática de crimes de fato ocorra, a redução da idade penal para dezesseis anos fará com que este patamar seja reduzido para quinze, quatorze anos ou ainda menos. Se tal argumento fosse válido para justificar a redução da idade penal, qual seria o limite etário a atingir, diante da utilização, pelo crime organizado de adolescentes cada vez mais jovens e mesmo de crianças? Hoje já se fala, em tom jocoso (mas não sem uma boa dose de ironia e preconceito), em "berçários de segurança máxima", onde seriam colocados os bebês recém-nascidos que, por apresentarem um "perfil" ou uma "tendência natural" (devido, em especial, a uma condição sócio-familiar desfavorável) à prática de crimes. Evidente que não é este o caminho, sendo necessário o recrudescimento da repressão

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penal aos adultos que utilizam adolescentes e mesmo crianças para prática de crimes, através da alteração da Lei nº 2.252/54 (que dispõe sobre a "corrupção de menores"), com a previsão de penas mais rigorosas e mesmo da previsão de que semelhante conduta, independentemente de qualquer "histórico infracional" da criança ou adolescente, caracteriza "crime hediondo", com todas as consequências daí advindas.

Como se vislumbra, no tocante a este argumento, os favoráveis à redução afirmam que é necessário reduzir a idade penal para inibir o recrutamento de adolescentes pelos adultos criminosos. Já os contrários ao rebaixamento afirmam que, embora com a redução da idade penal, os adultos continuariam utilizando os jovens e até mesmo crianças, diminuindo cada vez mais as faixas etárias. Como alternativa sugerem o aumento das penas dos adultos que utilizem jovens para o cometimento de delitos.

4.4 O direito ao voto como incoerência jurídico-normativa

Este constitui um dos argumentos mais utilizados entre os defensores da redução da maioridade penal. Segundo estes, a própria CF que determinou a imputabilidade aos 18 anos, em função da incapacidade de discernimento, previu a capacidade de voto aos 16 anos. Aí se desvela a seguinte questão: como o legislador constituinte diz que o adolescente infrator não tem capacidade para arcar com a responsabilidade de seus próprios atos e tem capacidade para escolher os governantes que decidirão o futuro de um país? Neste sentido, leciona Cunha (2009, p.13): “a incoerência jurídico-normativa, também é invocada: como o adolescente pode votar e não ser criminalizado?”.

Corroborando o acima exposto Jorge (2002, p. 01), assevera:

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O próprio legislador-constituinte reconhece aos maiores de dezesseis e menores de dezoito anos lucidez e discernimento na tomada de decisões ao lhes conferir capacidade eleitoral ativa, conforme expressa previsão constante no artigo 14, § 1º, inciso II, alínea c, da Magna Carta. Segundo a Constituição da República, homens e mulheres entre 16 e 18 anos estão aptos a votar em candidatos para qualquer cargo público eletivo (vereador, prefeito, deputado estadual, deputado federal, senador e Presidente da República). Cuida-se, evidentemente, de responsabilidade só atribuída a quem possua elevado grau de maturidade.

Oliveira e Sá (2008, p. 19) também referem que a CF/88 atribuiu maturidade aos adolescentes de 16 anos ao lhes atribuir o direito ao voto, mesmo que seja facultativo, entretanto, a contrario sensu[1], não podem ser responsabilizados por crimes eleitorais caso os pratiquem.

Miguel Reale (1990, p. 161) também refere esta incongruência normativa, assim aduzindo: “alias não se compreende que possa exercer o direito de voto, quem nos termos da lei vigente, não seria imputável de delito eleitoral”.

Silva (2011, p. 09, apud Souza, 2005, p. 24) refere que se o adolescente pode votar, também pode ser punido pelos crimes de sua autoria, como qualquer pessoa. Com efeito, aduz a autora:

Ora, quem tem capacidade de escolher Presidente da República, Senadores, Deputados, Prefeitos e Vereadores, interferindo, assim, diretamente na escolha do destino da Nação, não terá discernimento para saber que matar, roubar ou furtar é errado?

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Em contra partida, Digiácomo (2009, p. 01, grifos do autor) refere que, mesmo possuindo direito ao voto, poucos adolescentes o exercem, demonstrando a sua inabilidade para o exercício deste direito. Ademais, para o escritor, do fato de o adolescente não poder exercer cargos públicos nem ser eleito, resulta claro o entendimento do legislador constituinte de que o adolescente é imaturo:

Aqueles que utilizam o direito de o adolescente, a partir dos 16 (dezesseis) anos votar, como argumento para a redução da idade penal se esquecem que, em primeiro lugar, o voto até os 18 (dezoito) anos é FACULTATIVO, e em segundo que, apesar de poder votar (e as estatísticas revelam que menos de 25% - VINTE E CINCO POR CENTO dos adolescentes de 16/17 anos se inscrevem como eleitores, demonstrando franco despreparo para o exercício do voto), o adolescente NÃO PODE SER VOTADO, não podendo exercer cargos públicos de qualquer natureza (que em muitas vezes exigem idade superior a 21 ou mesmo 25 anos), obviamente porque o legislador constituinte entendeu não terem os jovens a maturidade suficiente para assumirem tais cargos.

No tocante ao direito ao voto, mais uma vez restam nítidas as diferenças ideológicas entre os favoráveis ao rebaixamento, que acreditam que o direito ao voto, ainda que facultativo, reflete o desejo do legislador constituinte em reconhecer a maturidade dos adolescentes aos 16 anos. Entendimento, porém, que não encontra arrimo entre os que são manifestamente contrários à redução, os quais esclarecem que o voto não é obrigatório, já a responsabilização penal seria. Ademais, para eles, o legislador não considerou os jovens amadurecidos completamente, pois senão teria lhes conferido também a elegibilidade e a capacidade de assumir cargos públicos.

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4.5 A redução da maioridade penal como tendência mundial

Alguns autores, favoráveis ao rebaixamento, ainda asseveram que existe uma tendência mundial na redução da maioridade penal e que o Brasil estaria contra essa tendência, conforme Coutinho (2011, p. 34 apud Nucci, 2000, p. 109).

Entretanto, Sposato (2013, p. 219) explica que “o Brasil não se encontra em desequilíbrio se comparado à maioria dos países do mundo”. Para a autora, o que acarreta essa confusão é o fato de que a maioria dos países acolhem a expressão penal para designar o sistema de responsabilidade juvenil para adolescentes a baixo dos 18 anos.

Odon (2013, p. 03) elucida que um levantamento do Reino Unido, largamente divulgado na mídia, foi que incentivou essa comparação equivocada. Contudo, esclarece que há de se ter cautela e saber distinguir a idade de responsabilidade penal juvenil, que no Brasil ocorre aos 12 anos - quando o menor é submetido à responsabilização de seus atos perante o ECA, onde passa por um tratamento especial de ressocialização, e a maioridade penal propriamente dita, que é atingida aos 18 anos e permite a responsabilização penal do adolescente como se fosse adulto, submetido às penas prescritas no Código Penal.

Sposato (2013, p. 219 – grifos da autora), complementando a lição de Odon explica que:

a diferença é que no Direito Brasileiro, nem a Constituição Federal nem o ECA mencionam a expressão penal para designar a responsabilidade que se atribui aos adolescentes a partir dos 12 anos de idade. Apesar disso, as seis modalidades de sanções jurídico-penais possuem, tal qual as penas dos adultos, finalidades de reprovação social. A não utilização da palavra Penal em nosso sistema

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não altera a natureza das medidas aplicadas, que, como visto, é inegavelmente penal.

Conforme Sposato (2013, p. 220), de 53 países, sem contar o Brasil, tem-se que 42 deles (79%) adotam a maioridade penal aos 18 anos ou mais. E a idade da responsabilidade juvenil especial ocorre na maioria destes países (25 deles, representando 47% da lista), entre 13 e 14 anos de idade, ao passo que no Brasil ocorre aos 12 anos.

A partir deste momento abordar-se-ão dois principais argumentos utilizados pelo grupo desfavorável ao rebaixamento da idade penal, e contra argumentados pelos favoráveis à referida modificação constitucional. São eles: a alegada inconstitucionalidade da redução da maioridade penal e a falência do sistema carcerário brasileiro.

4.6 Constitucionalidade da redução da maioridade penal

Um argumento muito propagado entre os aliados ao movimento contra a redução da idade penal é o de que “a inimputabilidade dos adolescentes compõe o rol de direitos e garantias fundamentais que não podem ser abolidos por Emenda Constitucional”, conforme Conselho Federal de Psicologia - CFP (2013, p. 35).

A Constituição Federal de 1988, que é, por sua natureza, rígida, impõe limites para sua alteração. Existem os limites expressos na CF, os limites formais que dizem respeito ao procedimento para a concretização das reformas, e os limites materiais que tem por finalidade impedir reformas contrárias ao espírito da Lei Constituinte. (BULOS, 2010, p. 109) É desta limitação à alteração do texto constitucional que decorrem as cláusulas pétreas, cerne intangível da Constituição (OLIVEIRA, 2010, p. 37).

Por força do art. 60, § 4º, IV, da CF/88, “não será objeto de deliberação a proposta de Emenda Constitucional tendente a abolir, os direitos e garantias individuais”. Nesse sentido, a Fundação

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Abrinq (2013, p. 19) defende que os direitos e garantias fundamentais constituem “cláusulas pétreas”, impassíveis de alteração, sequer por meio de Emendas Constitucionais e que a imputabilidade penal representa uma garantia ao adolescente.

Assim corrobora a lição de Bandeira (2006, p. 203), o qual, aduzindo que foi a condição peculiar de pessoa em desenvolvimento que levou o legislador constituinte a erigir esta garantia individual ao adolescente, que constitui-se cláusula pétrea, não podendo ser modificada por meio de Emenda Constitucional:

A adolescência representa uma fase de crescimento, de incompletude, de construção do ser, cujo término , sem qualquer controvérsia entre os estudiosos da matéria, ultrapassa a faixa etária dos 18 anos. Essa condição de pessoa em desenvolvimento, que ainda está construindo a sua estrutura psicológica, a sua inteligência emocional, é a base científi ca que levou o legislador constituinte a erigir em presunção absoluta de inimputável o menor de 18 anos de idade, elevando-o à condição de garantia individual, nos termos do Art. 228 da CF, considerando que o rol de garantias individuais não se exaure no elenco do Art. 5º da Carta Magna, ampliando-se para outros direitos inerentes à pessoa humana, nos termos preconizados pelo § 2º do Art. 5º, pelo que a garantia da inimputabilidade penal para crianças e adolescentes – Art. 228 da CF -, embora inserida no capítulo “Dos Direitos Sociais”, é uma verdadeira garantia individual para crianças e adolescentes, constituindo-se em cláusula pétrea, a qual não pode ser abolida nem por emenda constitucional, a teor do que dispõe o Art. 60, § 4º, IV da Constituição Federal de 1988.

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Todavia, o conjunto de pessoas mobilizadas em prol da redução alinha-se à teoria de que o art. 228 da CF não constitui “cláusula pétrea”, pois os direitos e garantias individuais a que se refere o art. 60 da CF/88 estão expressamente previstos no art. 5º da Carta Magna, que é um rol taxativo. Portanto, passível de Emenda Constitucional. (COUTINHO, 2011, p. 18)

Greco (2012, p. 86) ensina ser possível a redução da maioridade penal, considerando “que o art. 228 não se encontra entre aqueles considerados irreformáveis, uma vez que não se amolda ao rol das cláusulas pétreas elencadas nos incisos I a IV do § 4º do art. 60 da Carta Magna”.

Entretanto, Sposato (2013, p. 228) afirma que as propostas de alteração da idade penal afrontam sim o texto constitucional, que prevê a prioridade absoluta aos direitos da criança e do adolescente e elege princípios de respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, bem como de excepcionalidade e brevidade das medidas privativas de liberdade. Para a autora, tais aspectos constitucionais conferidos à população infanto-juvenil constituem-se em direito individual de todo adolescente.

A autora defende que o rol do art. 5º da CF/88 não é taxativo, sendo suficiente que exista no texto constitucional como um direito ou garantia relativo aos elencados no art. 5º. Para ela, o indispensável para que se constitua direito ou garantia individual é que “diga respeito à vida, à liberdade, à igualdade e até mesmo à propriedade, e que no caput do citado art. 5º venha reforçado por uma cláusula de inviolabilidade” (SPOSATO, 2013, p. 229).

Assim como Sposato, o constitucionalista Moraes (2005, p.2176) refere que:

Assim, o artigo 228 da Constituição Federal encerraria a hipótese de garantia individual prevista fora do rol exemplificativo do art. 5º, cuja possibilidade já foi declarada pelo STF em relação ao artigo 150, III, b (Adin 939-7

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DF) e consequentemente, autentica clausula pétrea prevista no artigo 60, § 4.º, IV. Essa verdadeira cláusula de irresponsabilidade penal do menor de 18 anos enquanto garantia positiva de liberdade, igualmente transforma-se em garantia negativa em relação ao Estado, impedindo a persecução penal em Juízo.

Unicef (2007, p.61) refere que os principais argumentos que justificam a inconstitucionalidade da alteração são fundados na principiologia constitucional de proteção especial a crianças e adolescentes, bem como pela força vinculante das normas constitucionais de parâmetros internacionais “decorrentes da Convenção Internacional das Nações Unidas Sobre os Direitos das Crianças”, que propagam a necessidade de uma jurisdição especial à população infanto-juvenil.

Logo (UNICEF, 2007, p. 68):

As propostas de alteração da idade penal afrontam o texto constitucional brasileiro, pois a Constituição Federal de 1988 destaca a absoluta prioridade dos direitos da criança e do adolescente e consagra ainda como princípios o respeito à condição peculiar de desenvolvimento de crianças e adolescentes e à brevidade e excpecionalidade na aplicação de medidas privativas da liberdade. Trata- se do direito à proteção integral que abrange ainda o direito a responder por infrações penais com base na legislação especial, nos moldes do que prescreve o artigo 228.

Nucci (2010, p. 286), por sua vez, assevera que “não há qualquer impedimento para a emenda constitucional suprimindo ou modificando o art. 228 da Constituição”.

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Entretanto, impõe-se destacar que até o momento prevalece na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, o entendimento da inconstitucionalidade das Propostas de Emenda à Constituição nº 20/1999; 90/2003, 74 e 83 de 2011; 33 de 2012 e 21 de 2013, conforme exarado no parecer vencedor do Relator Senador Randolfe Rodrigues.

Tal parecer dispõe que o art. 228 da CF/88 constitui sim cláusula pétrea:

Assim, a idade da imputabilidade penal constitui direito fundamental do indivíduo, previsto na constituição como cláusula pétrea já que o constituinte originário teve a preocupação de fixar, expressamente, na própria Constituição, seu termo aos 18 (dezoito) anos de idade. Alterar o texto constitucional sobre a maioridade penal, mesmo que de forma excepcional como apresentado na Proposta de Emenda, é uma afronta direta ao núcleo essencial imutável da Constituição. (Senado Federal, 2014, p.04)

O Senador Randolfe Rodrigues ainda argumenta que o Supremo Tribunal Federal (STF) já se manifestou, no julgamento da ADI nº 939/DF, no sentido de que as cláusulas pétreas podem estar previstas fora do Título II da CF/88. Ressalta, ainda, que o STF deixou assentado, na ocasião deste julgamento, que as Emendas Constitucionais não podem acarretar violação a princípios basilares do Estado Democrático de Direito (Senado Federal, 2014, p. 07).

Entretanto, o parecer ainda conclui que, caso não fosse verdadeira a premissa acima, a PEC nº 33/2012, ainda assim, deveria ser rejeitada, pois sua justificativa é a de que a onda de violência cometida pelos adolescentes infratores é fruto da impunidade, argumento do qual discorda o Senador, acentuando que não é a redução da maioridade penal o meio mais eficaz no combate à violência. Ademais, para o Senador, o que espera a

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sociedade é a satisfação dos direitos e garantias fundamentais das crianças e dos adolescentes previstos na CF e no ECA (que não foi integralmente implementado por omissão do Estado). (Senado Federal, 2014, p. 07)

Como se pode observar, embora exista divergência sobre o tema, o parecer até o momento na CCJ é pela inconstitucionalidade das PECS.

4.7 Falência do sistema prisional brasileiro

Mais uma justificativa interposta à redução da maioridade penal e de bastante destaque, entre os contrários a tal medida, são os “deletérios efeitos das prisões” que são popularmente conhecidos, como os elevados índices de reincidência e “violência institucional praticadas no interior destas instituições” (UNICEF, 2007, p. 76).

Lopes Jr (2009, p. 21) discorre sobre a problemática da pena de prisão, concluindo que ao sair do presídio o indivíduo encontra-se em situação pior do que antes:

A falência da pena de prisão é inegável. Não serve como elemento de prevenção, não reeduca e tampouco ressocializa. Como resposta ao crime, a prisão é um instrumento ineficiente e que serve apenas para estigmatizar e rotular o condenado, que, ao sair da cadeia, encontra-se em uma situação muito pior do que quando entrou. Dessarte, o Direito Penal deve ser mínimo e a pena de prisão reservada para os crimes realmente graves. O que deve ser máximo é o Estado Social (algo que nunca tivemos).

Nesse sentido também é a lição de Damásio (2007, p. 01), que se posicionando contra a redução da maioridade penal, argumentou que não podemos esquecer que estamos no Brasil, o

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país com um dos piores sistemas penitenciários e que remeter jovens para lá seria o mesmo que mandá-los para pós-graduação em criminalidade. Assim refere o autor, elencando como argumentos a falta de dignidade e superlotação dos presídios brasileiros:

O Brasil, hoje, infelizmente, é um dos países que têm péssimo sistema penitenciário. De modo que, se baixarmos a maioridade para 16 anos, simplesmente vamos transferir aqueles que têm 16 anos, 17 anos, para as penitenciárias. E elas não têm nenhuma condição de dignidade de recebê-los. O sistema penitenciário tem que ser responsável, sério, eficiente. Não temos isso. O princípio da dignidade é um dos que norteiam a população brasileira e esse princípio é previsto na Constituição Federal. O condenado deve sofrer uma pena justa, certa e de acordo com a gravidade do crime. Em muitas cadeias públicas e penitenciárias há celas em que cabem dez pessoas e são colocadas 40, 50 pessoas. Temos acompanhado essa situação há muitos anos e não há nenhuma medida que na prática tenha, se não resolvido esse problema definitivamente, pelo menos tornado-o razoável. [...] Vamos mandar um garoto de 16 anos para pós-graduação em criminalidade.

Neto (2009, p.01) defende que a redução da maioridade penal acabará por acarretar aos jovens que completem o seu processo de formação num ambiente totalmente desequilibrado e promiscuo, sujeitos a violência psíquica, física e sexual, o que contribuirá para que retorne a sociedade mais revoltado e violento. Assim aduz o autor:

A opção pela diminuição da imputabilidade penal (para dezesseis ou catorze anos de idade)

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importará exatamente nisso: ao invés de oportunidade para vir a desenvolver sua potencial sociabilidade (e construir projeto de vida afastado da criminalidade) o adolescente (inclusive aquele autor de delitos sem gravidade) acabará completando seu processo de formação na promiscuidade da penitenciária de adultos, convivendo com a violência física, psíquica e sexual, tornando-se ainda mais revoltado e violento, quando não passando a integrar organizações criminosas (ou seja, sendo devolvido depois à sociedade um cidadão de pior categoria de que quando ingressou no sistema).

Zibetti (2007, p. 01) assim refere: “se o sistema penitenciário que hoje temos já torna preocupante qualquer perspectiva ressocializante à atual população carcerária, seria de imaginar como ele se tornaria com o aumento de sua clientela...”

O Promotor de Justiça, em seguida, conclui sua tese se posicionando contra a redução da maioridade penal:

Além disso, o que esperar de um jovem de 16 anos colocado em um presídio além do aprendizado precoce dos meandros da vida criminosa? Reduzir a idade penal, pois, seria lavar nossas mãos, levando adolescentes a um sistema falido por não se acreditar que, sem prejuízo à segregação já prevista para casos mais graves, educação e oportunidades, ao jovem de 16 anos, é a melhor resposta à sociedade, mesmo que para um futuro próximo. (ZIBETTI, 2007, p. 02)

Gomes (2007, p. 01) prevê uma perspectiva ainda pior, pois remeter os adolescentes infratores para os presídios significaria adiantar a inserção do infrator às organizações criminosas:

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Embora conte com forte apoio popular, a proposta de redução da maioridade penal para 16 anos ou menos deve ser refutada, em razão, sobretudo da sua ineficácia e insensibilidade. Se os presídios são reconhecidamente faculdades do crime, a colocação dos adolescentes neles (em companhia dos criminosos adultos) teria como conseqüência inevitável a sua mais rápida integração nas bandas criminosas organizadas. Recorde-se que os dois grupos que mais amedrontam hoje o Rio de Janeiro e São Paulo (Comando Vermelho e PCC) nasceram justamente dentro dos nossos presídios. Uma coisa é a prática de um furto, um roubo desarmado etc., outra bem distinta é a morte intencional (dolosa), especialmente quando causada com requintes de perversidade.

Impende, por fim, retornar a lição de Damásio (2007, p. 01) para o desfecho do tema. Para o autor, não adianta alterar a Lei, aumentar as penas, tornar os crimes hediondos, pois não surtirá nenhum efeito. Ele acredita que, se não conseguimos resolver o problema sequer dos adultos com o presídio, como resolveremos o dos adolescentes? Damásio leciona que a alteração deve ocorrer no sistema penitenciário, pois é a certeza da punição o único fator que reduz a criminalidade:

Baixar a maioridade para 16 anos não vai alterar a criminalidade. Porque se não podemos hoje resolver a situação dos condenados maiores, como é que vamos resolver a situação daqueles que hoje são menores e amanhã serão pela lei nova, se vier a viger, maiores? Falam em alterar o Código Penal, a Lei de Execução Penal, o Código do Processo Penal e a ECA. Não vai adiantar nada. Tenho repetido que podemos alterar qualquer lei de natureza penal um milhão de vezes, nada altera. Porque o que deve ser

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alterado é na prática o sistema penitenciário. Os códigos desembocam na Lei de Execução Penal e nessa lei a instituição mais forte, a principal, é a pena. E a pena hoje não é executada nos moldes previstos na Constituição e nem no Código Penal. Criar novos crimes, criar uma qualificadora em relação àquele que cometeu um crime com um menor, isso já existe. De maneira que se colocar cinco anos, seis anos a mais na pena, não adianta, porque o que reduz a criminalidade não é a criação de novos tipos penais, não é o aumento da pena, é a certeza da punição.

A fim de corroborar o acima exposto, traz-se à liça dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2013, p. 54), os quais revelam que no ano de 2012, havia 515.482 pessoas no sistema penitenciário brasileiro. Todavia, para este número de encarcerados, existiam somente 303.741 vagas, ou seja, conforme o anuário, havia um déficit de 211.741 vagas. (2013, p. 60)

Entretanto, cenário pior se desvela no Novo Diagnostico de Pessoas Presas no Brasil, divulgado pelo CNJ em junho deste ano (2014), porque os dados mais atuais revelam que computado o número de pessoas presas no sistema carcerário mais as que estão em cumprimento de prisão domiciliar os números exatos chegam a 711.463 pessoas presas, com um déficit de 354.244 vagas no sistema carcerário brasileiro. (CNJ, 2014, p. 06)

Outro dado bastante relevante trazido pelo CNJ é o de que num ranking com os 10 países com maior população prisional, o Brasil registra a posição de quarto lugar, com 563.526 reclusos, perdendo apenas para os Estados Unidos que ocupam o primeiro lugar com a população de 2.228.424, a China que ocupa a segunda posição com 1.701.344, e a Rússia que ocupa a terceira posição com 676.400.(CNJ, 2014, p. 15)

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O CNJ, por fim, revela que, se somado o número total de pessoas presas (computadas as hipóteses de prisão domiciliar) mais o número do total de cumprimentos de mandados de prisão em aberto, qual seja, de 373.991, resultaria no total de 1.085.454, representando, assim, um déficit de 728.235 vagas no sistema carcerário brasileiro. (CNJ, 2014, p. 17)

Impõe-se destacar, ainda, algumas outras fundamentações propagadas pelos que se manifestam contrariamente à redução da idade penal. A mais notável diz respeito à natureza da criminalidade infanto-juvenil, que, para os discordantes da posição redutora, muito longe de ter origem legislativa, possui natureza sociológica. Para estes, remeter os adolescentes infratores para o seio prisional está a combater as consequências da criminalidade, mas, de forma alguma, os fatores que a desencadeiam.

Nesse aspecto, ao invés de encarceramento, conclamam os não redutores a implementação integral do ECA e do SINASE, que reconhecidamente no meio jurídico ainda não foram implementados na íntegra, bem como a aplicação do princípio da prioridade absoluta e proteção integral previstas pelo legislador constituinte, tudo isso a fomentar a efetivação de políticas públicas voltadas à educação, à saúde, à profissionalização, ao lazer, ao fortalecimento da instituição da família, para assim, de modo efetivo, conseguir resultados positivos na redução da criminalidade. Outro argumento de destaque é o posicionamento de que somente estímulos educativos ensejam a ressocialização, defendidos primariamente no âmbito psicológico.

Ratificando o acima exposto, Damásio (2007, p. 01) aponta que alterar a Lei não produzirá nenhum resultado para amortizar a criminalidade, e somente a educação seria capaz de promover esse resultado aos adolescentes:

A criminalidade pode ser reduzida a termos razoáveis por uma série de instrumentos, como a educação. Temos que educar as crianças e esperar 30 anos, 40 anos. Aí, vai mudar. Mas

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uma medida de emergência, alterar o Código Penal, o ECA, não vai criar nenhum efeito benéfico para a sociedade. Vamos mandar um garoto de 16 anos para pós-graduação em criminalidade.

A Fundação Abrinq (2013, p. 24), em nota técnica, também se manifesta nesse sentido, aduzindo que a re-educação, a ressocialização e a garantia aos adolescentes do acesso aos direitos sociais, tais como educação, saúde, moradia e etc., irão proporcionar a justiça social:

Não podemos, todavia, desistir da reeducação e ressocialização dos adolescentes infratores, acreditando que a simples redução da idade penal solucionará o problema da violência. Não podemos nos agarrar às soluções simplistas, posto que problemas complexos necessitam de soluções sistemáticas e, dessa forma, há que se implementar políticas públicas intersetoriais efetivas voltadas à criança e ao adolescente. Ou seja, antes de criminalizarmos a adolescência, é preciso que os direitos sociais, tais como, educação, saúde, moradia, lazer, segurança, entre outros, estejam assegurados para cada adolescente brasileiro. Somente assim poderemos ser de fato um país democrático, rico e com justiça social.

Com efeito, foram analisados os argumentos em prol e contra a redução da maioridade penal, sustentados por sociólogos, psicólogos e pensadores do Direito de diversas áreas atuantes.

CONCLUSÃO

Conforme demonstrou-se no presente trabalho, a idade de responsabilidade penal inicia-se aos 18 anos completos, por força de expressa determinação do texto constitucional, em adoção ao

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critério puramente biológico. Esta previsão legal confere ao adolescente infrator uma garantia de não ser submetido às sanções do Código Penal, todavia, impinge-lhe uma responsabilização especial, prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente, submetendo-o as medidas socioeducativas e protetivas, que tem por principal escopo, não punir, mas sim educar e ressocializar, corrigindo o desvio de conduta do adolescente.

Dentre as medidas socioeducativas, cabíveis ao adolescente infrator, considera-se a mais gravosa, a medida de internação, pois retira a liberdade do indivíduo. Entretanto, tal medida só é cabível em atendimento aos princípios da brevidade e excepcionalidade, previstos também no ordenamento Constitucional, e não pode ser decretada por um prazo determinado, estando limitada a duração de três anos, observando-se a hipótese de liberação compulsória aos vinte e um anos.

Como se demonstrou existe pesquisa de opinião popular, aduzindo que parcela da população visa à redução desse marco etário, a fim de que se retire este tratamento especial conferido ao adolescente em conflito com a lei, para que este arque com as conseqüências do ato infracional, da mesma forma que o adulto.

Ante a essa expectativa de mudança na Lei Magna, surgiram seis Projetos de Emenda à Constituição. Entretanto, exsurgem inúmeros argumentos favoráveis e contra a medida proposta para acabar com a criminalidade infanto-juvenil. Os principais argumentos favoráveis a redução da maioridade penal como se observou são: a capacidade de discernimento, a incoerência normativa constitucional que prevê a faculdade do voto, o desincentivo ao recrutamento de adolescentes pelos adultos criminosos, a redução da criminalidade e a tendência mundial na redução da maioridade penal, etc. Já as principais justificativas para a não redução, aos aliados a este entendimento são: que os jovens possuem capacidade de discernimento, mas não formação completa para agir segundo esse entendimento, a inconstitucionalidade da medida, que a maioria dos crimes são

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praticados por adultos e a minoria praticada pelos adolescentes são de pouca gravidade, que reduzir a maioridade penal combateria as conseqüências e não as causas das infrações, que a solução para a redução da criminalidade deve ser pedagogia, que o crime é um fenômeno sociológico e não legislativo e por fim a falência do sistema carcerário, como óbice a aplicação da medida e como um fator agravante da criminalidade.

Espera-se que a solução executada, independente de qual seja, realmente contribua para a redução da criminalidade e não para o seu agravamento. Sobretudo, salienta-se que eventual reforma no sistema prisional, independente de reduzida a maioridade penal é medida, mais que bem vinda.

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[1] Em uma tradução livre: “Em sentido contrário”.

 

   

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A PENHORA DE SALÁRIO EM EXECUÇÃO QUE NÃO SEJA DE ALIMENTOS

LUCAS PAULMIER COSME GUERRA: Advogado graduado pela Universidade Potiguar - UnP, especialista em Direito Processo Civil pela Universidade Anhanguera - Uniderp e pós-graduando do Programa de Residência Judicial pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN

RESUMO: O presente trabalho tem por objetivo definir se é possível ou não a penhora de parte do salário – e seus congêneres – no intuito de satisfazer o credor em execuções que não sejam relativas à pensão alimentícia. Por meio de pesquisa bibliográfica da doutrina processualista civil e de consulta aos julgados do Superior Tribunal de Justiça e de alguns Tribunais de Justiça estaduais – a exemplo dos Tribunais de Justiça do Rio Grande do Sul e do Distrito Federal e Territórios –, concluiu-se que o Tribunal da Cidadania, ao analisar a questão sob a sistemática dos recursos repetitivos, sedimentou entendimento no sentido da impossibilidade de constrição da verba salarial, conferindo, desta forma, interpretação literal ao disposto no inciso IV do art. 649 do CPC/73, posição essa bastante criticada pela doutrina especializada.

Palavras-chave: penhora, salário, execução, não-alimentícia.

ABSTRACT: The present work aims to define whether or not the attachment of part of the salary - and their counterparts - is possible in order to satisfy the lender in executions that are not alimony-related. By means of literature research of the civil proceduralist doctrine and research in the unchangeable sentences of the Superior Court of Justice and some state Courts of Justice - the Courts of Justice of Rio Grande do Sul and the Federal District and Territories, for example -, it was concluded that the Court of Citizenship, when examining the issue under the process of repetitive appeals, cemented the understanding towards the impossibility of constriction of the wage budget, thus giving literal

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interpretation of what was provided in item IV of Article 649 of the CPC/73, a position widely criticized by the specialized doctrine.

Keywords: attachment, earnings, execution, non alimony-related.

INTRODUÇÃO

O presente artigo, baseado em pesquisas jurisprudenciais, legais e doutrinárias, é resultado de sumário, porém embasado, estudo acerca da possibilidade da penhora de salário em execução que não seja de alimentos.

Ao longo das páginas seguintes, analisa-se e se debate assuntos como: conceito de penhora; casos legais de impenhorabilidade e a exceção do § 2º do art. 649[1] do Código de Processo Civil de 1973 (CPC/73); breve síntese do problema da impenhorabilidade do salário e seus variantes em execução que não seja de alimentos; a atual posição do Superior Tribunal de Justiça (STJ) acerca da constrição de salário em execução que não seja de alimentos; a posição doutrinária quanto à penhora da verba salarial em execução não-alimentícia; os reflexos do “anteprojeto do CPC” na (im)penhorabilidade de verba salarial em execução não-alimentícia; além de resumir os argumentos favoráveis à possibilidade da penhora de verba salarial em execução não-alimentícia.

Consoante é cediço, o salário goza da garantia da impenhorabilidade. Por outro lado, também é sabido que o ordenamento jurídico brasileiro excepciona a impenhorabilidade da remuneração nas execuções que tratem de alimentos, em atendimento aos ditames do princípio da dignidade da pessoa humana. Assim, levando-se em consideração o direito fundamental do exequente à tutela executiva, iniciou-se uma discussão acerca da possibilidade de a penhora recair ao menos sobre parte do salário, que é, como dito acima, impenhorável, de acordo com o teor do art. 649, IV[2], do CPC/73.

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Muito se discutiu na doutrina e os tribunais brasileiros se debruçaram sobre a (im)possibilidade de realização de penhora sobre o salário do executado em execução de crédito não alimentício. Teve-se durante anos um cenário de dúvidas e incertezas acerca do assunto, até que o STJ, julgando o Recurso Especial (REsp) nº 1.184.765/PA em sede de recursos repetitivos, assentou a impossibilidade da contrição em relação às execuções não-alimentares.

Assim, diante da controvérsia que rodeou o tema, levando em conta a importância da matéria no dia a dia forense e buscando expor os argumentos contrários à posição firmada pelo STJ, é que se elegeu o estudo do assunto a fim de esclarecer dúvidas recorrentes.

1. CONCEITO DE PENHORA

Antes de adentrar o tema do presente estudo se faz necessário estabelecer o conceito do instituto da penhora.

Gonçalves (2007, v. 12, p. 75) conceitua penhora como: “é o primeiro ato executório praticado na execução por quantia. Tem ela a função de individualizar os bens que serão expropriados para pagar o credor.”

Marinoni e Arenhart (2008, v. 3, p. 254), por sua vez, preconizam que:

A penhora é o procedimento de segregação dos bens que efetivamente se sujeitarão à execução, respondendo pela dívida inadimplida. Até a penhora, a responsabilidade patrimonial do executado é ampla, de modo que praticamente todos os seus bens respondem por suas dívidas (art. 591 do CPC e art. 391 do CC). Por meio da penhora, são individualizados os bens que responderão pela dívida objeto da execução. Assim, a penhora é o ato processual pelo qual determinados bens do devedor (ou de terceiro

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responsável) sujeitam-se diretamente à execução.

A penhora pode ser entendida, portanto, como o ato de constrição de determinado bem em ação executiva para a futura satisfação do credor. Contudo, verifica-se que a legislação processual civil em vigor, em observância à dignidade da pessoa humana, que é fundamento da República Federativa do Brasil, excepcionou um rol de bens/direitos do executado dessa espécie de constrição judicial, atribuindo-lhes a característica da impenhorabilidade, conforme restará demonstrado no próximo tópico.

2. CASOS LEGAIS DE IMPENHORABILIDADE E A EXCEÇÃO DO § 2º DO ART. 649 DO CPC/73

Estatui o art. 648[3] do CPC/73 que “não estão sujeitos à execução os bens que a lei considera impenhoráveis ou inalienáveis”.

O art. 649 do Código de Ritos, por sua vez, elenca o rol de bens/direitos absolutamente impenhoráveis, no qual o legislador incluiu a impenhorabilidade do salário e seus congêneres (inciso IV), de modo a garantir a sobrevivência com dignidade do devedor-executado e de seus dependentes.

É esse, aliás, o fundamento da proteção conferida à verba salarial segundo a avaliação de Didier Junior et al. apud Rodrigues (2011, v. 5, p. 554), que asseveram, in verbis:

O principal fundamento [da impenhorabilidade] é, sem dúvida, a proteção da dignidade do executado. Busca-se garantir um patrimônio mínimo ao executado, que lhe permita sobreviver com dignidade. Daí a impossibilidade de penhora do bem de família e do salário, por exemplo.

Lado outro, uma das exceções a essa regra é encontrada no § 2º, que, resguardando interesse de igual relevância, ressalva o preceito contido no inciso IV do art. 649 e assevera que a impenhorabilidade do salário não se aplica quando a ação executiva

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versar sobre prestação alimentícia. Nesse sentido, eis a observação de Montenegro Filho (2008, p. 686):

A impenhorabilidade das verbas destinadas à subsistência do devedor e da sua família é afastada quando o crédito é de natureza alimentícia (§ 3º da norma em comentário). Não obstante a permissibilidade do aperfeiçoamento da penhora nessa hipótese, entendemos que o magistrado deve observar o princípio da proporcionalidade, evitando que a penhora imponha a ruína financeira do executado.

Nada mais justo, visto que a proteção à verbal salarial e aos alimentos gozam de igual importância – ambos têm natureza alimentar. A respeito, eis os ensinamentos de renomado doutrinador do processo civil brasileiro, senão vejamos:

Essa é uma clara opção axiológica do legislador, que intencionalmente quis priorizar os alimentos como fator indispensável à subsistência do ser humano. [...] Dada a natureza alimentar também desses valores, caberá ao juiz, caso a caso, proporcionar a penhora a ser feita sobre eles, de modo a não comprometer a subsistência de um a pretexto de assegurar a de outro (‘para pagamento de prestação alimentícia, não pode ser penhorada a integralidade dos proventos líquidos da aposentaria, mas apenas um percentual que permita o indispensável à subsistência do executado-alimentante’ – STF, apud Negrão-Gouvêa). (DINAMARCO, 2009, v. 4, p. 409).

Caminha em igual direção a jurisprudência do STJ, sintetizada no REsp 1.139.401/RS, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi.

Doutra banda, enfatize-se que os casos de impenhorabilidade previstos no art. 649 do CPC/73 são aplicados também ao cumprimento de sentença, embora estejam localizados

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topograficamente em seção na qual os dispositivos são destinados à execução de titulo executivo extrajudicial, senão vejamos:

As matérias argüidas em sede de cumprimento de sentença estão enumeradas no art. 475-L do CPC, do qual reconhece, dentre outros caracteres prováveis, a penhora de bem de família protegido pela Lei 8.009/90, desde que seja o bem o único de propriedade do executado e que nele resida, aplicável ainda o disposto no art. 649 do CPC, e no art. 475-R do CPC. (CUNHA, 2009, p. 114)

Não restam dúvidas, portanto, quanto à possibilidade de penhorabilidade do salário – e seus congêneres – em execução de alimentos. A redação do art. 649, § 2º, do CPC/73, dada pela Lei nº 11.382/06, é clara nesse sentido. O problema, no entanto, diz respeito à (im)possibilidade de penhora de salário em execução que não seja de alimentos.

3. BREVE SÍNTESE DO PROBLEMA DA IMPENHORABILIDADE DO SALÁRIO EM EXECUÇÃO QUE NÃO SEJA DE ALIMENTOS

Como dito alhures, em regra o salário e seus congêneres gozam da proteção da impenhorabilidade, excepcionada somente na hipótese de execução de alimentos (art. 649, § 2º, do CPC/73). Ocorre que a aplicação apriorística dessa norma sem levar em conta aspectos inerentes ao caso concreto fez nascer uma série de injustiças, principalmente nas situações envolvendo devedores contumazes que recebiam salários de elevada monta.

Não raras vezes, devedores que auferiam ganhos salariais elevados – e que poderiam dispor de parte dessa verba sem comprometer sua subsistência e de seus familiares para adimplir suas obrigações – simplesmente se escoravam na proteção conferida pelo inciso IV do art. 649 do CPC/73 para não quitar seus débitos.

Deste modo, apoiados no direito fundamental à tutela executiva, credores-exequentes começaram a defender que, assim como era possível ao “assalariado” dispor de até 30% de sua verba

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salarial para pagamento de empréstimos, financiamentos e operações de arrendamento mercantil concedidos por instituições financeiras e sociedades de arrendamento mercantil, também seria possível que houvesse a constrição judicial de igual percentual, como forma de viabilizar a execução de créditos não-alimentícios. Dessa forma, de um lado resguardar-se-ia o direito à tutela executiva e, de outro, a dignidade do executado, eis que este ainda teria, no mínimo, 70% de seu salário incólume para custear sua sobrevivência.

Nesse cenário, vários Tribunais de Justiça (TJ) brasileiros, debruçando-se sobre a nova tese, começaram a entender pela possibilidade de constrição de parte do salário (no máximo 30%) como forma de viabilizar o adimplemento das obrigações em execução não-alimentícias.

Sintetizando esse posicionamento, eis precedente de 2008 do Egrégio Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) que, ao julgar agravo de instrumento interposto em face de decisão interlocutória que determinou a penhora online de 30% dos valores constantes da conta-salário do executado, entendeu pela possibilidade de mitigação da regra prevista no art. 649, IV, CPC/73 e, consequentemente, pela viabilidade da penhora de tal percentual em execução diversa da alimentar:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO. PEDIDO DE PENHORA ON LINE. SISTEMA BACEN-JUD. SALÁRIO E PROVENTOS. ART. 649, IV, DO CPC.

Segundo remansosa jurisprudência deste Eg. TJDFT, a impenhorabilidade da verba salarial, disposta no art. 649, inc. IV, do CPC, há de ser mitigada em favor da efetividade do processo de execução, mormente quando se verifica que o bloqueio de parte da renda não privará o devedor de honrar outros compromissos assumidos. Nesse sentido, a limitação dos descontos na conta-corrente do

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devedor em 30% (trinta por cento) de seus rendimentos líquidos se mostra razoável. (Agravo de Instrumento nº 20080020151401AGI, Sexta Turma Cível, Tribunal de Justiça do DFT, Relatora Desembargadora Ana Maria Duarte Amarante Brito, Julgado em 26/11/2008)

Por outro lado, alguns outros Tribunais de Justiça, a exemplo do TJ gaúcho, decidiam em sentido diametralmente oposto, ou seja, pela impenhorabilidade do salário quando a execução não versasse sobre verba alimentar, conforme exemplificado pela ementa abaixo:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL CIVIL. PENHORA EM CONTA CORRENTE. VALORES DECORRENTES DE SALÁRIO. IMPENHORABILIDADE. É impenhorável o numerário existente em conta corrente depositado a título de salário. Exegese do art. 649, inc. IV, do CPC. Precedentes jurisprudenciais. AGRAVO PROVIDO. (Agravo de Instrumento nº 70027832575, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Tasso Caubi Soares Delabary, Julgado em 11/12/2008).

A contraposição de entendimentos entre os Tribunais estaduais levou à interposição de diversos recursos especiais, haja vista a existência de interpretações divergentes quanto ao mesmo dispositivo de lei federal: o art. 649, inciso IV, do CPC/73.

Destarte, coube ao Tribunal da Cidadania, competente que é para unificar a interpretação da legislação federal, analisar e definir se seria possível ou não a penhora de salário em execução que não fosse de alimentos, nos termos expostos na seção seguinte.

4. A ATUAL POSIÇÃO DO STJ ACERCA DA PENHORA DE SALÁRIO EM EXECUÇÃO QUE NÃO ALIMENTÍCIA

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Instado a dirimir a controvérsia na interpretação do art. 649, IV, do CPC/73, o STJ concluiu pela impossibilidade da penhora do salário em execução que não fosse de alimentos.

Veja-se ementa do julgado proferido em sede de recursos repetitivos que acabou com a polêmica jurisprudencial, in verbis:

RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ARTIGO 543-C, DO CPC. PROCESSO JUDICIAL TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. PENHORA ELETRÔNICA. SISTEMA BACEN-JUD. ESGOTAMENTO DAS VIAS ORDINÁRIAS PARA A LOCALIZAÇÃO DE BENS PASSÍVEIS DE PENHORA. ARTIGO 11, DA LEI 6.830/80. ARTIGO 185-A, DO CTN. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. INOVAÇÃO INTRODUZIDA PELA LEI 11.382/2006. ARTIGOS 655, I, E 655-A, DO CPC. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA DAS LEIS. TEORIA DO DIÁLOGO DAS FONTES. APLICAÇÃO IMEDIATA DA LEI DE ÍNDOLE PROCESSUAL.

[...] 17. Contudo, impende ressalvar que a

penhora eletrônica dos valores depositados nas contas bancárias não pode descurar-se da norma inserta no artigo 649, IV, do CPC (com a redação dada pela Lei 11.382/2006), segundo a qual são absolutamente impenhoráveis "os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal. (STJ, REsp nº 1.184.765/PA, Primeira Seção, Relator Ministro Luiz Fux, DJe 03/12/2010)

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Hodiernamente, esse posicionamento vem sendo mantido e reiterado pelo STJ, como é exemplo o acórdão proferido no AgRg no REsp 1.373.174/RO.

Destarte, verifica-se que a atual posição do STJ é no sentido de não se admitir a penhora do salário e seus congêneres quando se tratar de execução que não seja de obrigação alimentícia (seja em razão de parentesco ou oriunda de ato ilícito).

5. A POSIÇÃO DOUTRINÁRIA QUANTO À PENHORA DA VERBA SALARIAL EM EXECUÇÃO NÃO-ALIMENTÍCIA

Na doutrina, diversamente do que restou pacificado na jurisprudência do STJ, especialmente após o julgamento do REsp nº 1.184.765/PA, realizado sob o regime dos recursos repetitivos (art. 543-C[4] do CPC/73), continuam autores de renome defendendo a possibilidade de penhora de parte do salário para satisfazer o credor em execuções que não sejam de alimentos. A exemplo, eis o ensinamento de Didier Júnior et al (2011, v. 5, p. 560):

[...] É possível mitigar essa regra da impenhorabilidade, se, no caso concreto, o valor recebido a título de verba alimentar (salário, rendimento de profissional liberal etc.) exceder consideravelmente o que se impõe para a proteção do executado. É possível penhorar parcela desse rendimento. Restringir a penhorabilidade de toda a ‘verba salarial’, mesmo quando a penhora de uma parcela desse montante não comprometa a manutenção do executado, é interpretação inconstitucional da regra, pois prestigia apenas o direito fundamental do executado, em detrimento do direito fundamental do exequente.

Neves (2012, p. 868), por sua vez, formulando ferrenha crítica ao modelo brasileiro que salvaguardou da constrição judicial as verbas salariais, assim aduz:

Registre-se, mais uma vez, o art. 649, § 2º, do CPC, que prevê a inaplicabilidade da

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impenhorabilidade tratada pelo inciso IV desse dispositivo legal para o pagamento das prestações alimentícias. O Superior Tribunal de Justiça entende que a excepcional penhorabilidade atinge também a gratificação de férias e natalina (décimo terceiro salário). O tribunal é bastante severo na aplicação da norma, não admitindo outras exceções que não aquela expressamente prevista em lei. A impenhorabilidade de salários consagrada no dispositivo legal ora analisado é lamentável, contrariando a realidade da maioria dos países civilizados, que, além da necessária preocupação com a sobrevivência digna do devedor, não se esquecem que salários de alto valor podem ser parcialmente penhorados sem sacrifício de sua subsistência digna.

Dos ensinamentos doutrinários expostos, percebe-se que os estudiosos do direito processual civil brasileiro na atualidade não concordam com o entendimento esposado pelo STJ no julgamento do REsp 1.184.765/PA.

6. ARGUMENTOS FAVORÁVEIS À POSSIBILIDADE DA PENHORA DE VERBA SALARIAL EM EXECUÇÃO NÃO-ALIMENTÍCIA

Em que pese o assentamento da jurisprudência do STJ no sentido da impenhorabilidade do salário em execução que não seja de alimentos, em verdadeira interpretação literal ao art. 649, inciso IV, do CPC/73, entende-se que esse não se mostra o melhor entendimento.

De fato, é inimaginável que a proteção da impenhorabilidade possa abranger salários de valores extremamente elevados ou, ainda, sobre valores que, ainda que sejam classificados como salário, não foram utilizados até o recebimento da verba alimentar do mês subsequente, deixando-se esquecido o direito fundamental à tutela executiva.

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Ressalte-se, que a própria Lei de Consignação Voluntária (em seu art. 6º, § 5º[5], da Lei nº 10.820/03), aplicada por analogia em diversos casos julgados antes da uniformização do entendimento pelo STJ, permite que os aposentados e pensionistas possam dispor de parte de seu benefício através de “desconto em folha de pagamento” de valores não excedentes a 30% para pagamento de empréstimos, financiamentos e operações de arrendamento mercantil concedidos por instituições financeiras e sociedades de arrendamento mercantil.

Ou seja, o próprio ordenamento jurídico que confere impenhorabilidade à verba salarial (e demais congêneres), de um lado, abre a possibilidade para que sejam realizados descontos em folha de pagamento do “assalariado”, desde que esse desconto não seja maior que 30% da verba remuneratória.

Ora, se o devedor possui o direito (art. 6º, § 5º, da Lei nº 10.820/03) de comprometer 30% de seu salário com empréstimos descontados diretamente em folha de pagamento, não se mostra absurda a tese de que percentual igual ou inferior a esse – a depender do caso concreto sob análise – pudesse ser penhorado para a satisfação de seus credores não-alimentar.

Não se defende, com isso, que a constrição judicial determinada recaia sobre parte substancial da verba salarial, privando o executado do necessário à própria subsistência e de seus familiares, eis que, se assim fosse, não se preservaria sua dignidade.

Contudo, é possível entender que vedar-se aprioristicamente a possibilidade de se proceder à penhora de qualquer porção que seja do salário nas execuções que não sejam de alimentos, como o fez o STJ, a despeito do posicionamento dos doutrinadores alhures indicados, viola frontalmente o direito constitucional à tutela executiva do exequente.

Desde que resguardada proporção suficiente à sobrevivência do executado e de sua família – o que somente se mostra possível diante da análise do caso concreto – , mostra-se perfeitamente possível a constrição de parte da verba salarial para

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a satisfação do crédito perseguido em ação executiva que não de alimentos.

Esta seria, portanto, a melhor maneira de interpretar a regra insculpida no art. 649, IV, do CPC/73, que zelaria pelos interesses em conflito.

7. REFLEXOS DO ANTEPROJETO DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC) NA (IM)PENHORABILIDADE DE VERBA SALARIAL EM EXECUÇÃO NÃO-ALIMENTÍCIA

A Redação original do projeto de Lei do Senado nº 166, de 2010 (anteprojeto do novo CPC) repetia o atual dispositivo (art. 649, IV, do CPC/73) concernente à impenhorabilidade do salário e seus congêneres na redação de seu art. 758, excepcionando apenas as hipóteses de penhora para pagamento de prestação alimentícia, mantendo, desta forma, inalterado o regramento em vigor.

Durante a tramitação do referido projeto de lei, tentou-se incluir regra que permitisse a penhora do salário em execução não alimentar sobre a quantia excedente à cinquenta salários mínimos mensais.

Contudo, a versão final do anteprojeto de novo CPC aprovada pela Câmara dos Deputados em março de 2014, ainda pendente de nova votação pelo Senado das emendas realizadas, reproduz (art. 849, IV, e § 2º[6]) sem qualquer modificação o regramento anterior (CPC/73), mantendo a impenhorabilidade do salário e seus congêneres, salvo na hipótese de execução de alimentos.

Assim, observa-se que até o presente momento não houve nenhuma evolução na matéria, que continuará sendo tratada da maneira idêntica à atual, é dizer, só sendo permitida a penhora de salário em execução alimentícia.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste trabalho, tratou-se do conceito de penhora; mostraram-se os casos legais de impenhorabilidade e a exceção do § 2º do art. 649 do CPC/73; fez-se uma breve síntese do problema da impenhorabilidade do salário em execução diversa da de alimentos; explicitou-se a atual posição do STJ quanto à constrição

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do salário em execução que não seja de alimentos; teceram-se breves comentários acerca da posição doutrinária quanto à penhora da verba salarial em execução não-alimentícia; falou-se dos reflexos do anteprojeto de novo CPC na (im)penhorabilidade de verba salarial em execução não-alimentícia; e, por fim, concluiu-se o estudo resumindo os argumentos favoráveis à possibilidade da penhora de verba salarial em execução não-alimentícia.

Não obstante o STJ, realizando interpretação literal do art. 649, IV, do CPC/73, tenha sedimentado entendimento no sentido de vedar incondicionalmente a penhora do salário e demais verbas congêneres em ações executivas que não versem sobre alimentos (decorrentes de parentesco ou de ato ilícito), verifica-se que a doutrina majoritária brasileira acertadamente permanece defendendo a possibilidade da constrição da verba salarial nesses casos – limitados a, no máximo 30%, a depender da análise do caso concreto.

Com efeito, há severa contradição entre o posicionamento atual do STJ e o ordenamento brasileiro na medida em que, de um lado, confere-se impenhorabilidade à verba salarial, e, de outro, possibilita-se que esse mesmo “assalariado” autorize o desconto em folha de pagamento de até 30% de sua verba remuneratória em razão de empréstimos consignados.

Ora, se o devedor possui o direito (art. 6º, § 5º, da Lei nº 10.820/03) de comprometer até 30% de seu salário com empréstimos descontados diretamente em folha de pagamento, não se pode vedar que percentual igual ou inferior a esse seja constrito para a satisfação de seus credores não-alimentar.

Conclui-se, assim, que a solução apriorística do STJ não é a melhor e contempla apenas à dignidade do executado, deixando totalmente desprotegido o direito fundamental à tutela executiva do credor-exequente, importando, assim, em clara violação a CRFB/88.

Destarte, defende-se a revisão do entendimento do STJ para que seja permitida a penhora da verba salarial em execução que não seja de alimentos, a despeito da redação do art. 649, IV, do CPC/73, limitados a no máximo 30% da remuneração, a depender

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da análise do caso concreto, notadamente nas situações que envolvem devedores contumazes que recebem salários de elevada monta. Somente desta forma seriam preservados os interesses aparentemente em conflito, quais seja, de um lado a dignidade do devedor e, de outro, o direito fundamental à tutela executiva do credor.

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financeiros em nome do executado, por meio do Sistema BacenJud, não deve descuidar do disposto no art. 649, IV, do CPC, com a redação dada pela Lei 11.382/2006, segundo o qual são absolutamente impenhoráveis "os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal". 2. Agravo Regimental não provido. Acórdão no agravo regimental no recurso especial n. 1.373.174/RO, Estado de Rondônia e Jose Luiz Lenzi. Relator Ministro Herman Benjamin, DJe 16 set. 2013. Disponível em: . Acesso em: 1º de julho de 2014.

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BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso especial representativo de controvérsia. Artigo 543-C, do CPC. Processo judicial tributário. Execução fiscal. Penhora eletrônica. Sistema BACEN-JUD. Esgotamento das vias ordinárias para a localização de bens passíveis de penhora. Artigo 11, da Lei 6.830/80. Artigo 185-A, do CTN. Código de processo civil. Inovação introduzida pela Lei 11.382/2006. Artigos 655, I, e 655-A, do CPC. Interpretação sistemática das leis. Teoria do diálogo das fontes. Aplicação imediata da lei de índole processual. [...] 17. Contudo, impende ressalvar que a penhora eletrônica dos valores depositados nas contas bancárias não pode descurar-se da norma inserta no artigo 649, IV, do CPC (com a redação dada pela Lei 11.382/2006), segundo a qual são absolutamente impenhoráveis "os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal. Acórdão no recurso especial n. 1.184.765/PA, Fazenda Nacional e Correa Sobrinho Importação Exportação e Navegação Ltda. e outros. Relator Ministro Luiz Fux, DJe 03 dez. 2010. Disponível em: . Acesso em: 1º de julho de 2014.

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SACCO NETO, Fernando et al. Nova execução de título extrajudicial: Lei 11.382/2006 comentada artigo por artigo. São Paulo: Método, 2007.

SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. 3 v. Rev. e atual. por Maria Beatriz Amaral Santos Köhnen.

SILVA, Ovídio A. Baptista da. Curso de processo civil. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. 2 v. Rev. e atual.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: processo de execução e cumprimento de sentença processo cautelar e tutela de urgência. 45. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010. 2 v.

[1] “Art. 649. São absolutamente impenhoráveis:

[...]

§ 2º O disposto no inciso IV do caput deste artigo não se aplica no caso de penhora para pagamento de prestação alimentícia. (Incluído pela Lei nº 11.382, de 2006).”

[2] “Art. 649. São absolutamente impenhoráveis:

[...]

IV - os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as

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quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, observado o disposto no §3o deste artigo; (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006).”

[3] “Art. 648 Não estão sujeitos à execução os bens que a lei considera impenhoráveis ou inalienáveis.”

[4] “Art. 543-C. Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito, o recurso especial será processado nos termos deste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.672, de 2008).”

[5] “Art. 6º Os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão do Regime Geral de Previdência Social poderão autorizar o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS a proceder aos descontos referidos no art. 1o desta Lei, bem como autorizar, de forma irrevogável e irretratável, que a instituição financeira na qual recebam seus benefícios retenha, para fins de amortização, valores referentes ao pagamento mensal de empréstimos, financiamentos e operações de arrendamento mercantil por ela concedidos, quando previstos em contrato, nas condições estabelecidas em regulamento, observadas as normas editadas pelo INSS. (Redação dada pela Lei nº 10.953, de 2004)

[...]

§ 5º Os descontos e as retenções mencionados no caput deste artigo não poderão ultrapassar o limite de 30% (trinta por cento) do valor dos benefícios. (Incluído pela Lei nº 10.953, de 2004)”

[6]“Art. 849. São impenhoráveis:

[...]

IV – os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2º;

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[...]

§ 2º O disposto nos incisos IV e X do caput não se aplica à hipótese de penhora para pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem, devendo a constrição observar o disposto no art. 542, § 7º, e no art. 543, § 3º.”

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O RECONHECIMENTO DA MULTIPARENTALIDADE PELO ORDENAMENTO JURÍDICO NACIONAL E A POSSIBILIDADE DE MÚLTIPLA FILIAÇÃO REGISTRAL

TAUÃ LIMA VERDAN RANGEL: Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Especializando em Práticas Processuais - Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Produziu diversos artigos, voltados principalmente para o Direito Penal, Direito Constitucional, Direito Civil, Direito do Consumidor, Direito Administrativo e Direito Ambiental.

Resumo: O homem tem sua atuação motivada pelo interesse próprio, o qual, corriqueiramente, se materializada na busca pela felicidade, competindo à sociedade, enquanto construção social destinada a proteger cada indivíduo, viabilizando a todos viver juntos, de forma benéfica. Impostergável se faz o reconhecimento do afeto e da busca pela felicidade, enquanto valores impregnados de juridicidade, porquanto abarcam a todos os indivíduos, suplantando qualquer distinção, promovendo a potencialização do superprincípio em destaque. Ademais, em se tratando de temas afetos ao Direito de Família, o relevo deve ser substancial, precipuamente em decorrência da estrutura das relações mantidas entre os atores processuais, já que extrapola a rigidez jurídica dos institutos consagrados no Ordenamento Pátrio, passando a se assentar em valores de índole sentimental, os quais, conquanto muitas vezes sejam renegados a segundo plano pela Ciência Jurídica, clamam máxima proteção, em razão das peculiaridades existentes. Destarte, cuida reconhecer que o patrimônio, in casu,não é material, mas sim de ordem sentimental, o que, por si só, inviabiliza qualquer quantificação, sob pena de coisificação de seu detentor e aviltamento à própria dignidade da pessoa humana.

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Palavras-chaves: Princípio da Afetividade. Busca pela Felicidade. Multiparentalidade.

Sumário: 1 Comentários Introdutórios: A Filiação à Luz do Princípio da Igualdade entre os Filhos; 2 A Presunção de Paternidade no Direito de Família; 3 A Filiação Socioafetiva: A Complexidade dos Arranjos Familiares Contemporâneos como elementos de influência do estabelecimento dos Vínculos de Filiação; 4 O Princípio da Afetividade enquanto Axioma de Validação da Filiação Socioafetiva; 5 O Reconhecimento da Multiparentalidade pelo Ordenamento Jurídico Nacional e a possibilidade de Múltipla Filiação Registral

1 Comentários Introdutórios: A Filiação à Luz do Princípio da Igualdade entre os Filhos

Em sede de comentários introdutórios, cuida destacar que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, buscando promover um diálogo entre os anseios da sociedade e as maciças modificações insertas na sociedade, em decorrência do cenário contemporâneo, estabeleceu um sucedâneo de alterações em valores que, até então, estavam impregnados de aspecto eminentemente patrimonial. Nesta senda, denota-se que as disposições legais que norteavam as relações familiares, refletindo os aspectos característicos que abalizavam a Codificação de 1916, arrimada no conservadorismo, estavam eivadas de anacrocidade, não mais correspondendo aos desejos da sociedade. Nesta toada, é possível pontuar que, com clareza solar, o artigo 227 da Constituição Federal, em seu parágrafo 6º, hasteia o princípio da isonomia entre os filhos, afixando que “os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”[1]. Por oportuno, cuida evidenciar que o ideário de igualdade, enquanto flâmula orientadora, tem o condão de obstar as distinções entre filhos, cujo argumento de fundamentação é a união que estabelece o liame entre os genitores, casamento ou união estável, além de repudiar as diferenciações alocadas na origem biológica ou não. “Não há mais, assim, a possibilidade de

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imprimir tratamento diferenciado aos filhos em razão de sua origem. Sequer admite-se qualificações indevidas dos filhos”[2]. Ora, com a promulgação da Carta de 1988, verifica-se que o Constituinte, sensível ao cenário contemporâneo apresentado, bem como impregnado pela mutabilidade, passou a valorar as relações familiares enquanto emolduradas pelo aspecto de afetividade.

Desta feita, com supedâneo em tal sedimento, é plenamente possível anotar que todo e qualquer filho gozará dos mesmos direitos e proteção, seja em órbita patrimonial, seja em âmbito pessoa. Destarte, todos os dispositivos legais que, de maneira direta ou indireta, acinzelem algum tratamento diferenciado entre os filhos deverão ser rechaçados do Ordenamento Pátrio. Operou-se, desta sorte, a plena e total equiparação entre os filhos tanto na constância da entidade familiar como aqueles tidos fora de tal entidade, bem assim os adotivos. Ademais, não mais prosperam as regras discriminatórias que antes nomeavam os filhos como sendo ilegítimos. Trata-se, com efeito, da promoção da dignidade da pessoa humana, superprincípio hasteado pelo Ordenamento Pátrio como pavilhão, que fora, em razão dos costumes e dogmas adotados pelo Códex de 1916 olvidados. Colaciona-se, além disso, o entendimento jurisprudencial que obtempera:

Ementa: Direito de Família. Filiação Adulterina. Investigação de Paternidade. Possibilidade Jurídica. I - Em face da nova ordem constitucional, que abriga o princípio da igualdade jurídica dos filhos, possível é o ajuizamento da ação investigatória contra genitor casado. II – Em se tratando de direitos fundamentais de proteção a família e a filiação, os preceitos constitucionais devem merecer exegese liberal e construtiva, que repudie discriminações incompatíveis com o desenvolvimento social e a evolução jurídica. (Superior Tribunal de Justiça – Quarta Turma/ REsp 7.631/RJ/ Relator Ministro Sálvio de

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Figueiredo Teixeira/ Julgado em 17.09.1991/ Publicado no DJ em 04.11.1991, p. 15.688).

Nesse diapasão, a mais proeminente consequência da afirmação do corolário da isonomia entre os filhos é tornar o interesse menorista o essencial critério de solução de conflitos que envolvam crianças ou adolescentes, inserindo robustas alterações no poder familiar. Ao lado disso, cuida citar as ponderações de Madaleno, “embora ainda não tenha sido atingido o modelo ideal de igualdade absoluta da filiação, porque esquece a lei a filiação socioafetiva, ao menos a verdade biológica e a adotiva não mais encontram resquício algum de diferenciação e tratamento”[3]. Sobreleva ponderar que a isonomia propalada no Texto Constitucional compreende a prole havida ou não durante a constância do matrimônio, bem como “os filhos adotivos e aqueles havidos por inseminação artificial heteróloga (com material genético de terceiro)”[4], como bem destacam Flávio Tartuce e José Fernando Simão. Neste sentido, é possível colacionar que “a licença maternidade conferida às mães adotantes encontra-se embasada no princípio da isonomia insculpido na Carta Magna, que garantiu tratamento igualitário aos filhos naturais e adotivos, consoante disposto no art. 227, da CR/88”[5]. Com toda a propriedade e pertinência, as modificações propiciadas pelos anseios da coletividade e pela contemporaneidade, as quais influenciaram o Constituinte na elaboração da Carta Cidadã, permitiram que fossem extirpadas do Ordenamento Pátrio as discriminatórias expressões de filho adulterino e filho incestuoso, tal como a nomenclatura de filho espúrio ou filho bastardo, querefletiam o tratamento diferenciador existente durante o Estatuto Civil de 1916, o qual privilegiava a família pautada no conservadorismo e no patrimônio. Ora, a norma abrigada no Texto Constitucional estabelece a isonomia entre toda a prole, consagrando, por mais uma vez, os aspectos de afetividade, não permitindo mais a diferenciação que vigia.

Insta salientar que, conquanto a legislação não tenha consagrado à proteção a filiação socioafetiva, os Tribunais de

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Justiça, com fincas no superprincípio da dignidade da pessoa humana, têm ofertado respaldo a tal situação. Afora isso, impender negritar que a estruturação de uma relação pautada em liames socioafetivos, de maneira indelével e robusta, a existência do filho afetivo assegura o direito subjetivo, inclusive, de vindicar em juízo o reconhecimento desse vínculo. No mais, deve a filiação socioafetiva ser inconteste, reunindo, via de consequência, além do óbvio convívio entre os possíveis genitores e os pretensos filhos, elemento concretos, que demonstrem, com segurança, que aqueles detinham o desejo de exercerem a condição de pais, conjugado com o nome, o tratamento e os fatores caracterizadores da posse do estado de filho. Cita-se, oportunamente, o seguinte entendimento jurisprudencial que se coaduna com o lançado a campo:

Ementa: Civil e Processual Civil. Recurso Especial. Família. Reconhecimento de Paternidade e Maternidade Socioafetiva. Possibilidade. Demonstração. 1. A paternidade ou maternidade socioafetiva é concepção jurisprudencial e doutrinária recente, ainda não abraçada, expressamente, pela legislação vigente, mas a qual se aplica, de forma analógica, no que forem pertinentes, as regras orientadoras da filiação biológica. 2. A norma princípio estabelecida no art. 27, in fine, do ECA afasta as restrições à busca do reconhecimento de filiação e, quando conjugada com a possibilidade de filiação socioafetiva, acaba por reorientar, de forma ampliativa, os restritivos comandos legais hoje existentes, para assegurar ao que procura o reconhecimento de vínculo de filiação sociafetivo, trânsito desimpedido de sua pretensão. 3. Nessa senda, não se pode olvidar que a construção de uma relação socioafetiva, na qual se encontre caracterizada, de maneira indelével, a posse do estado de filho, dá a esse o direito subjetivo de pleitear, em juízo, o

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reconhecimento desse vínculo, mesmo por meio de ação de investigação de paternidade, a priori, restrita ao reconhecimento forçado de vínculo biológico. […] (Superior Tribunal de Justiça – Terceira Turma/ REsp 1189663/RS/ Relatora Ministra Nancy Andrighi/ Julgado em 06.09.2011/ Publicado no DJe em 15.09.2011).

Ementa: Direito civil. Família. Recurso Especial. Ação de anulação de registro de nascimento. Ausência de vício de consentimento. Maternidade socioafetiva. Situação consolidada. Preponderância da preservação da estabilidade familiar. […] - O descompasso do registro de nascimento com a realidade biológica, em razão de conduta que desconsidera o aspecto genético, somente pode ser vindicado por aquele que teve sua filiação falsamente atribuída e os efeitos daí decorrentes apenas podem se operar contra aquele que realizou o ato de reconhecimento familiar, sondando-se, sobretudo, em sua plenitude, a manifestação volitiva, a fim de aferir a existência de vínculo socioafetivo de filiação. Nessa hipótese, descabe imposição de sanção estatal, em consideração ao princípio do maior interesse da criança, sobre quem jamais poderá recair prejuízo derivado de ato praticado por pessoa que lhe ofereceu a segurança de ser identificada como filha. - Some-se a esse raciocínio que, no processo julgado, a peculiaridade do fato jurídico morte impede, de qualquer forma, a sanção do Estado sobre a mãe que reconheceu a filha em razão de vínculo que não nasceu do sangue, mas do afeto. - Nesse contexto, a filiação socioafetiva, que encontra alicerce no art. 227, § 6º, da CF/88, envolve não apenas a adoção,

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como também “parentescos de outra origem”, conforme introduzido pelo art. 1.593 do CC/02, além daqueles decorrentes da consanguinidade oriunda da ordem natural, de modo a contemplar a socioafetividade surgida como elemento de ordem cultural. - Assim, ainda que despida de ascendência genética, a filiação socioafetiva constitui uma relação de fato que deve ser reconhecida e amparada juridicamente. Isso porque a maternidade que nasce de uma decisão espontânea deve ter guarida no Direito de Família, assim como os demais vínculos advindos da filiação. - Como fundamento maior a consolidar a acolhida da filiação socioafetiva no sistema jurídico vigente, erige-se a cláusula geral de tutela da personalidade humana, que salvaguarda a filiação como elemento fundamental na formação da identidade do ser humano. Permitir a desconstituição de reconhecimento de maternidade amparado em relação de afeto teria o condão de extirpar da criança – hoje pessoa adulta, tendo em vista os 17 anos de tramitação do processo – preponderante fator de construção de sua identidade e de definição de sua personalidade. E a identidade dessa pessoa, resgatada pelo afeto, não pode ficar à deriva em face das incertezas, instabilidades ou até mesmo interesses meramente patrimoniais de terceiros submersos em conflitos familiares.[…] (Superior Tribunal de Justiça – Terceira Turma/ REsp 1000356/SP/ Relatora Ministra Nancy Andrighi/ Julgado em 25.05.2010/ Publicado no DJe em 07.06.2010).

Com realce, a realidade inaugurada pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988[6], notadamente a robusta

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tábua principiológica que a influencia, concatenada com os anseios da sociedade, rendeu ensejo a um polimorfismo familiar, manifestado precipuamente no princípio da diversidade das entidades familiares, viabilizando que núcleos familiares distintos gozem do amparo legal e reconhecimento, bem assim especial proteção do Ente Estatal, como instrumento de afirmação dos feixes irradiados pela dignidade da pessoa humana. Não se pode olvidar que os princípios constitucionais concernentes a institutos típicos de direito privados passaram a nortear a própria interpretação a ser conferida à legislação infraconstitucional.

O bastião robusto da dignidade da pessoa humana passou a assumir dimensão transcendental e normativa, sendo a Carta de 1988 içada a centro de todo o sistema jurídico, irradiando, por conseguinte, seus múltiplos valores e conferindo-lhe unicidade. No mais, cuida pontuar que o direito é fato, norma e valor, motivo pelo qual a modificação maciça do fato deve, imperiosamente, conduzir uma releitura do fenômeno jurídico, iluminado pelos novos valores hasteados. Destarte, a família é um fenômeno fundamentalmente natural-sociológico, cuja gênese é antecedente a do próprio ente Estatal e cuja salvaguarda assegurar a constituição e formação do ser humano.

2 A Presunção de Paternidade no Direito de Famílias

À sombra dos argumentos expendidos, cuida salientar que filiação consiste na relação de parentesco consanguíneo, em primeiro grau e em linha reta, que estabelece um liame entre uma pessoa àquelas que a geraram, ou mesmo a receberam como se a tivessem gerado, “sendo que no parentesco consanguíneo em linha reta estão estruturadas todas as regras de filiação, do pai que gerou o filho e este o seu próprio filho, neto daquele e assim por diante”[7], afixando-se os vínculos em linha reta ascendente ou descendente entre genitores e prole. Tal como pontuado algures, inexiste qualquer discriminação conceitual com referência à filiação, sendo todos considerados iguais perante a lei, não mais subsistindo a odiosa distinção entre filhos legítimos ou ilegítimos, estes últimos

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subdivididos entre naturais e espúrios, em conformidade com a existência, ou não, de impedimento matrimonial. Os filhos espúrios, por seu turno, poderiam ser adulterinos, se algum ou ambos os genitores fossem casados, ou incestuosos, caso os pais tivessem vínculos próximos de parentesco, tal como pai e filha, o irmão e a irmã produzindo descendência. Quanto aos nomeados filhos espúrios, Maria Helena Diniz firma magistério no sentido que:

Espúrios, os oriundos da união de homem e mulher entre os quais havia, por ocasião da concepção, impedimento matrimonial. Assim, são espúrios: a) os adulterinos, que nascem de casal impedido de casar em virtude de casamento anterior, resultando de um adultério. O filho adulterino pode resultar de duplo adultério, ou seja, de adulterinidade bilateral, se descender de homem casado e mulher casada; ou, ainda, de adulterinidade unilateral, se gerado por homem casado e mulher livre ou solteira, caso em que é adulterino a patre, ou por homem livre ou solteiro e mulher casada, sendo, então, adulterino a matre; os provenientes de genitor separado não são adulterinos, mas simplesmente naturais [...]; b) os incestuosos, nascidos de homem e de mulher que, ante parentesco natural, civil ou afim, não podiam convolar núpcias à época de sua concepção. Hoje, juridicamente, só se pode falar em filiação matrimonial e não matrimonial; vedadas estão, portanto, quaisquer discriminações[8].

Conquanto tenham desaparecido as designações acerca da legitimidade da prole, quando decorrente das chamadas justas núpcias, atualmente, à luz dos robustos influxos constitucionais, todos os filhos são iguais e naturais, ainda que o Estatuto de 2002 reporte, de maneira exclusiva, à filiação conjugal, quando, na redação do artigo 1.597[9], afixa os pressupostos de presunção

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conjugal de paternidade, no sentido de conferir reconhecimento à presunção de paternidade nas hipóteses expressamente consagradas nos incisos do sobredito dispositivo legal. “Ocasião, então, que nascendo um filho na constância do casamento, essa prole é presumida por lei, como fruto do matrimônio e o registro civil da criança pode ser feito por iniciativa da mãe, querendo, bastando provar seu casamento”[10].

Inexiste na codificação de regência dispositivo legal que permite a presunção de paternidade dos filhos, em sede de união estável, apesar de ser constitucionalmente acampada como entidade familiar. “Diante da situação gerada pela exclusão da incidência da presunção pater is est na união estável, concluímos que, apesar da regra expressa na Constituição Federal de proibição de todo e qualquer tratamento discriminatório entre os filhos”[11], subsiste uma distinção teórica e prática na legislação civil. Com efeito, ao aplicar a presunção de paternidade tão apenas no casamento, a Lei Nº 10.406, de 10 de Janeiro de 2002[12], que institui o Código Civil, estatuiu diferentes categorias de filhos, quais sejam: os filhos de pessoas casadas, que gozam de presunção e podem, automaticamente, reclamar os seus direitos decorrentes do parentesco paterno, e os filhos de mulheres não casadas, que, não dispondo de presunção, precisam de reconhecimento pelos seus pais e, não ocorrendo de forma espontânea, precisam investigar a paternidade, aguardar a prolação da decisão judicial para, somente então, vindicar os direitos respectivos. Apenas com o escopo de ilustrar a situação vertida nos autos, é possível trazer à colação o paradigmático posicionamento explicitado pelo Ministro Athos Gusmão Carneiro, ao relatoriar o Recurso Especial Nº. 23/PR, quando explicitou que:

Além desta ponderável linha de argumentação, outra já agora se poderá opor relativamente ao tema filiação: a que resulta da equiparação, que a nova ordem constitucional fez, entre todos os filhos, os quais, “havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção,

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terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação” – Constituição Federal, art. 227, §6º. Numerosos dispositivos das leis civis, alusivo ao Direito de Família, terão agora necessariamente de ser repensados ou interpretados sob esta nova visão, pois ampliados aos filhos nascidos fora do casamento civil aqueles direitos ou posições antes reservados àqueles nascidos de justas núpcias. [...] Incontestada a vida “more uxório”, sob o pálio do casamento eclesiástico, induvidosa a “união estável” que a vigente Constituição protege e define como entidade familiar, tenho em que presumem-se (sic) filhos do casal os nascidos durante a aludida união estável, aplicando-se-lhes a antiga parêmia do pater est [...] Negar esta presunção aos filhos nascidos de “união estável”, sob o pálio de casamento religioso, com vivência como marido e mulher, será manter funda discriminação, que a Constituição não quer e proíbe, entre filhos nascidos da relação de casamento civil, e filhos nascidos da união estável que a vigente Lei Maior igualmente tutela[13].

Salta aos olhos, o flagrante tratamento discriminatório entre os filhos dispensado pela legislação infraconstitucional, aviltando a filosofia isonômica constitucional, sendo, em decorrência disso, reclamada uma interpretação concatenada com os ditames constitucionais, estendendo-se, dessa forma, os efeitos práticos da presunção também à união estável. A mesma situação ocorre em referência aos filhos gerados da filiação entre pessoas solteiras e divorciadas, ou das pessoas formalmente separadas, ou cujos casamentos foram julgados nulos ou, ainda, foram anulados, tal como as pessoas viúvas há pelo menos trezentos dias subsequentes à dissolução de sua sociedade conjugal.

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3 A Filiação Socioafetiva: A Complexidade dos Arranjos Familiares Contemporâneos como elementos de influência do estabelecimento dos Vínculos de Filiação

Em sede de comentários introdutórios, cuida destacar que a filiação socioafetiva não esta lastreada no nascimento, enquanto fato biológico, mas sim decorre de ato de vontade, construída e reconstruída, cotidianamente, no tratamento e na publicidade, colocando em destaque, concomitantemente, a verdade biológica e as presunções jurídicas. “Sócio-afetiva é aquela filiação que se constrói a partir de um respeito recíproco, de um tratamento em mão-dupla como pai e filho, inabalável na certeza de que aquelas pessoas, de fato, são pai e filho”[14]. Desta sorte, o critério socioafetivo de determinação do estado de filho apresenta-se como um instrumento que aquilata o império da genética, conferindo concreção a um rompimento dos liames biológicos que emolduram a filiação, possibilitando, via de consequência, que o vínculo paterno-filial não esteja estanque à transmissão de genes. Trata-se, com efeito, da possibilidade de cisão entre o genitor e o pai. Aliás, a valoração da socioafetividade, em sede de liames familiares, já foi consagrada pelo entendimento jurisprudencial, consoante se extrai do aresto paradigmático coligido:

Ementa: Direito de família. Recurso especial. Ação investigatória de paternidade e maternidade ajuizada pela filha. Ocorrência da chamada "adoção à brasileira". Rompimento dos vínculos civis decorrentes da filiação biológica. Não ocorrência. Paternidade e maternidade reconhecidos. 1. A tese segundo a qual a paternidade socioafetiva sempre prevalece sobre a biológica deve ser analisada com bastante ponderação, e depende sempre do exame do caso concreto. É que, em diversos precedentes desta Corte, a prevalência da paternidade socioafetiva sobre a biológica foi proclamada em um contexto de ação negatória

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de paternidade ajuizada pelo pai registral (ou por terceiros), situação bem diversa da que ocorre quando o filho registral é quem busca sua paternidade biológica, sobretudo no cenário da chamada "adoção à brasileira". 2. De fato, é de prevalecer a paternidade socioafetiva sobre a biológica para garantir direitos aos filhos, na esteira do princípio do melhor interesse da prole, sem que, necessariamente, a assertiva seja verdadeira quando é o filho que busca a paternidade biológica em detrimento da socioafetiva. No caso de ser o filho - o maior interessado na manutenção do vínculo civil resultante do liame socioafetivo - quem vindica estado contrário ao que consta no registro civil, socorre-lhe a existência de "erro ou falsidade" (art. 1. 604 do CC/02) para os quais não contribuiu. Afastar a possibilidade de o filho pleitear o reconhecimento da paternidade biológica, no caso de "adoção à brasileira", significa impor-lhe que se conforme com essa situação criada à sua revelia e à margem da lei. 3. A paternidade biológica gera, necessariamente, uma responsabilidade não evanescente e que não se desfaz com a prática ilícita da chamada "adoção à brasileira", independentemente da nobreza dos desígnios que a motivaram. E, do mesmo modo, a filiação socioafetiva desenvolvida com os pais registrais não afasta os direitos da filha resultantes da filiação biológica, não podendo, no caso, haver equiparação entre a adoção regular e a chamada "adoção à brasileira". 4. Recurso especial provido para julgar procedente o pedido deduzido pela autora relativamente ao reconhecimento da paternidade e maternidade,

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com todos os consectários legais, determinando-se também a anulação do registro de nascimento para que figurem os réus como pais da requerente. (Superior Tribunal de Justiça – Quarta Turma/ REsp 1.167.993/RS/ Relator: Ministro Luis Felipe Salomão/ Julgado em 18.12.2012/ Publicado no DJe em 15.03.2013).

À sombra dos comentários expendidos até o momento, notadamente a proeminência contida no corolário da afetividade, é possível destacar que o preceito ora mencionado representa vetor de interpretação, sendo considerado como verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira todo o Ordenamento Pátrio vigorante, traduzindo, de modo expressivo, um dos fundamentos em que se assenta a ordem republicana e democrática, salvaguardada pelo sistema de direito constitucional positivo. “A afetividade deve estar presente nos vínculos de filiação e de parentesco, variando tão somente na sua intensidade e nas especificidades do caso concreto”[15]. Com efeito, os vínculos sanguíneos não têm o condão de se sobrepor aos laços afetivos nutridos, podendo, inclusive, ser afirmada a prevalência desses em relação àqueles[16]. Ora, não se pode olvidar que, corriqueiramente, se vislumbra a concreção da filiação socioafetiva enquanto processo contínuo e diário, no qual a convivência e a responsabilidade são responsáveis por nutrir e desenvolver laços que superam o biológico, estando pautados em uma identificação afetiva. “A filiação sócio-afetiva é aquela em que se desenvolvem durante o tempo do convívio, laços de afeição e identidade pessoal, familiares e morais”[17]. A partir daí, o afeto passou a merecer atutela jurídica tanto nas relações interpessoais como também nos vínculos de filiação. A partir da Constituição de 1988, linhas fundamentais foram regulamentadas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e projetaram-se no Código Civil de 2002, dando prevalência à paternidade afetiva e aos interesses primordiais da criança.

Esta paternidade é aquela que se sobrepõe aos laços sanguíneos decorrentes das alterações familiares da atualidade:

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desconstituição das famílias, pai que não assume a paternidade, adoção, entre outros. Na verdade, é aquela em que o pai não biológico passa a tratar a criança, no âmbito de uma família, como filha, criando-a e sendo responsável pela mesma. O afeto, enquanto constitutivo de dogma, se revela de maciça importância, sendo, inclusive, um dos baldrames estruturantes dos argumentos que inspiraram o reconhecimento da união homoafetiva pelo Supremo Tribunal Federal, explicitando a valoração dos vínculos pautados no mútuo respeito, companheirismo e busca pela felicidade. No mais, com bastante proeminência, Daniel Sarmento, ao lecionar acerca do tema em debate, saliento, oportunamente, que:

Enfim, se a nota essencial das entidades familiares no novo paradigma introduzido pela Constituição de 88 é a valorização do afeto, não há razão alguma para exclusão das parcerias homossexuais, que podem caracterizar-se pela mesma comunhão e profundidade de sentimentos presentes no casamento ou na união estável entre pessoas de sexos opostos, não existindo, portanto, qualquer justificativa legítima para a discriminação praticada contra os homossexuais[18].

Em que pese o substancial destaque da afetividade, enquanto elemento estruturação de filiações, cuida salientar que aquela não tem o condão de suplantar, cegamente, o critério biológico. Com efeito, tão somente no caso concreto, consideradas as mais diversas e complexas circunstâncias, tal como os elementos probatórios que instruem o apostilado processual, para que seja possível definir um determinado critério para estabelecer o vínculo paterno-filial. “O acolhimento de uma pessoa como filho, mesmo sem a presença do elemento biológico, não é recente na história do Direito, apenas passou por um tempo oculto pela força da presunção decorrente do casamento”[19]. Ao lado disso, quadra salientar que a filiação socioafetiva decorre da convivência

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cotidiana, de uma edificação diária, não encontrando explicação nos laços genéticos, mas sim no tratamento estabelecido entre pessoas que ocupam, de maneira recíproca, o papel de pai e filho. Não há que se falar, contudo, que a filiação socioafetiva decorre de um único ato; ao reverso, imprescindível se faz um conjunto de atos de afeição e solidariedade, que, com clareza solar, tornam explicitados a existência de uma relação entre pai/mãe e filho.

Ora, não se trata de qualquer dedicação afetiva que tem o condão de construir um liame paterno-filial, promovendo, por consequência, a alteração do estado filiatório do indivíduo. Nesta senda, é preciso que o afeto existente na relação seja capaz de sobrepujar os vínculos biológicos, em razão da sua robustez, sendo elemento decisivo na construção intelectual do indivíduo. É o afeto substancializado, rotineiramente, por dividir diálogos e projetos de vida, repartir carinho, conquistas, esperanças e preocupações, orientar os caminhos a ser seguido, ensinar e aprender, reciprocamente. Há, neste aspecto, uma compreensão ética da filiação no critério socioafetivo, concedendo prestígio ao comportamento das partes envolvidas ao longo de defluxo do lapso temporal. Nas situações em que se verifica no caso de incidência do critério socioeducativo, a filiação está assentada no serviço e no amor dispensado e não na procriação. Com maestria, Rolf Madaleno sustenta que:

Maior prova da importância do afeto nas relações humanas está na igualdade da filiação (art. 1.596, CC), na maternidade e paternidade socioafetivas e nos vínculos de adoção, como consagra esse valor supremo ao admitir outra origem de filiação distinta da consanguínea (art, 1.593, CC), ou ainda através da inseminação artificial heteróloga (art. 1.597, V, CC); na comunhão plena de vida, só viável enquanto presente o afeto, ao lado da solidariedade, valores fundantes cuja soma consolida a

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unidade familiar, base da sociedade a merecer prioritária proteção constitucional[20].

Por óbvio, o laço socioafetivo reclama de comprovação da convivência respeitosa, pautada na publicidade e alicerçada firmemente. Entrementes, não é preciso que o afeto esteja presente no instante em que é discutida a filiação em juízo, sendo comum, quando a demanda alcança as vias ordinárias judiciais, o afeto ter cessado por diferentes motivos. Importante faz-se provar a existência do afeto durante a convivência e que aquele era o liame que entrelaçou os envolvidos durante suas existências, sendo possível sublinhar que a personalidade do filho foi constituída sobre o vínculo afetivo, ainda que, naquele exato momento, não mais exista. O exemplo mais corriqueiro é a “adoção à brasileira”, na qual o indivíduo registra como seu filho um estranho e, depois de anos de uma relação pautada no afeto e de uma vivência como pai e filho, busca negar a relação filiatória por algum motivo. Rememorar se faz imperioso que, mesmo cessado o afeto em determinado momento, a filiação, in casu, se estabeleceu pelo critério afetivo, o qual deve ser reconhecido pelo Poder Judiciário, nos casos concretos.

Destacam Farias e Rosenvald que “adquire o critério sócio-afetivo singular importância para a determinação filiatória por implicar o reconhecimento da insuficiência do critério biológico”[21]. Nesta senda, a filiação, a depender de cada situação concreta, atento às diferentes circunstâncias da vida humana, é possível apresentar diferentes feições, ora alicerçada, essencialmente, na genética e noutras situações, sedimentada no afeto, daquele que assumiu função paterna. É possível, em algumas hipóteses, verificar a presença de afeto, como elemento delineador do estado de filiação, a saber: (i) na adoção obtida de maneira judicial; (ii) no fenômeno de acolhimento de um “filho de criação”, quando explicitada a presença da posse do estado de filho; (iii) na “adoção à brasileira”, consistente no reconhecimento voluntário de seu um filho que sabe não ser; e (iv) no reconhecimento voluntário ou judicial da filiação de um filho de outra pessoa[22]. Remansoso é o

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entendimento jurisprudencial que consagra a filiação afetiva, consoante se inferem dos arestos:

Ementa: Direito de Família. Ação Negatória de Paternidade. Exame de DNA negativo. Reconhecimento de paternidade socioafetiva. Improcedência do pedido. [...] 2. No caso, as instâncias ordinárias reconheceram a paternidade socioafetiva (ou a posse do estado de filiação), desde sempre existente entre o autor e as requeridas. Assim, se a declaração realizada pelo autor por ocasião do registro foi uma inverdade no que concerne à origem genética, certamente não o foi no que toca ao desígnio de estabelecer com as então infantes vínculos afetivos próprios do estado de filho, verdade em si bastante à manutenção do registro de nascimento e ao afastamento da alegação de falsidade ou erro. [...]. (Superior Tribunal de Justiça – Quarta Turma/ REsp 1.059.214/RS/ Relator: Ministro Luis Felipe Salomão/ Julgado em 16.02.2012/ Publicado no DJe em 12.03.2012).

Ementa: Direito Civil e da Criança. Negatória de paternidade socioafetivavoluntariamente reconhecida proposta pelos filhos do primeiro casamento. Falecimento do pai antes da citação. Fato superveniente. Morte da criança. 1. A filiação socioafetiva encontra amparo na cláusula geral de tutela da personalidade humana, que salvaguarda a filiação como elemento fundamental na formação da identidade e definição da personalidade da criança. [...] 3. Recurso especial provido.(Superior Tribunal de Justiça – Terceira Turma/ REsp 450.566/RS/

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Relatora: Ministra Nancy Andrighi/ Julgado em 03.05.2011/ Publicado no DJe em 11.05.2011).

Mencionar faz-se imperioso que o critério socioafetivo, tal como os demais, pode ser empregado em todas as ações que versem acerca da filiação, desde a ação investigatória de parentalidade, aforada pelo filho para o reconhecimento de seu pai ou mãe, até a ação negatória de filiação, ajuizada pelo pai/mãe ou pelo filho para negas a existência do vínculo paterno filial, caminhando pela ação de impugnação de filiação, promovida pelo filho, pelo pai/mãe ou mesmo pelo terceiro interessado para demonstrar a inexistência de uma relação paterno-filial já reconhecida. Em qualquer demanda, contendo no seu bojo a discussão acerca do estado de filho, é possível alegar e discutir a tese da afetividade, com o escopo de determinar se é, ou não, o critério caracterizador daquela situação concreta. “De qualquer sorte, releva a lembrança de que a afetividade somente pode ser invocada para determinar o estado de filiação, jamais para negá-lo. Isto é, não pode o juiz acolher a tese de desafetividade, de modo a negar um vínculo”[23]. Visando negar o vínculo, deverá o indivíduo invocar os demais critérios, destoantes do afetivo, em razão dos argumentos expostos.

Registrar faz-se carecido de que, uma vez fixada a filiação, com supedâneo no critério socioafetivo, quando a afetividade foi a marca caracterizadora da relação entre as pessoas envolvidas, afasta-se, em definitivo, o vínculo biológico, não sendo possível, em razão disso, vindicar verba alimentar ou participar da herança do genitor. Com destaque, essa é a única solução, consolidando, inclusive, o fenômeno de despatrimonialização do Direito das Famílias. Ora, não faz sentido que se determine a paternidade ou maternidade com arrimo em interesses puramente econômicos, devendo ressaltar e ser prestigiado o indivíduo e, por consequência, a proteção da personalidade. Nesta senda, são rompidos os vínculos com o biológico, que atua, simplesmente, como genitor, não podendo ser compelido a prestar alimentos e não

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transmitindo herança para o filho que estabeleceu uma filiação socioafetiva com outrem.

4 O Princípio da Afetividade enquanto Axioma de Validação da Filiação Socioafetiva

Ao se analisar as relações compreendidas pelo Direito de Família, denota-se que o afeto é o axioma de sustentação dos laços familiares e das relações interpessoais movidas pelo sentimento e pelo amor, a fim de atribuir sentido ao corolário da dignidade da pessoa humana. Consoante lecionam Tartuce e Simão, “o afeto talvez seja apontado, atualmente, como o principal fundamento das relações familiares. Mesmo não constando a expressão afeto do Texto Maior como sendo um direito fundamental, pode-se afirmar que ele decorre da valorização constante da dignidade humana”[24]. Neste aspecto, é possível salientar que o corolário da afetividade, enquanto preceito implicitamente alocado no superprincípio da dignidade da pessoa humana, apresenta-se como proeminente vetor de inspiração das relações familiares.

Após o advento da Constituição Federal de 1988, surgiu um novo paradigma para as entidades familiares, não existindo mais um conceito fechado de família, mas, sim, um conceito eudemonista socioafetivo, moldado pela afetividade e pelo projeto de felicidade de cada indivíduo. Assim, a nova roupagem assumida pela família liberta-se das amarras biológicas, transpondo-se para as relações de afeto, de amor e de companheirismo. Vale dizer, em razão da fluidez e complexidade dos contemporâneos arranjos familiares, é plenamente possível destacar que os vínculos, notadamente a filiação, não decorrem tão somente de uma questão biológica; ao reverso, o afeto se apresenta como baldrame impregnado de substância, notadamente quando é responsável por estabelecer os vínculos entre os integrantes da entidade familiar.

Cuida destacar que o afeto não decorre tão somente da biologia, mas sim dos liames de sentimentos e responsabilidade que decorrem da convivência. O contemporâneo Direito das

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Famílias, superado o aspecto patriarcal-patrimonialista que vigorava durante a regência do Estatuto de 1916, valora o cânone em comento como bastião sustentador das relações, conferindo a proeminência à complexidade dos arranjos familiares. “Em que pese o distanciamento entre a verdade real e a biológica, o acolhimento do pleito anulatório não se justifica quando o ato jurídico de reconhecimento de filho não padece de vício e quando ficou claro que se estabeleceu forte liame socioafetivo”[25]. O novo ordenamento jurídico estabeleceu como fundamental o direito à convivência familiar. Faz-se necessário reconhecer que a Constituição Federal legitimou o afeto, emprestando-lhe efeitos jurídicos.

5 O Reconhecimento da Multiparentalidade pelo Ordenamento Jurídico Nacional e a possibilidade de Múltipla Filiação Registral

Ora, em razão da afetividade, no ordenamento jurídico nacional, ter ganhado contornos de fundamentalidade e imprescindibilidade nas relações familiares, há que se reconhecer que a sua ausência tem ensejado como mecanismo autorizador para a destituição da autoridade parental e colocação da criança ou do adolescente para adoção. Ora, é plenamente denotável que o Direito imprimiu grande valor ao afeto, sendo este capaz não apenas de formar novas entidades familiares, refletindo, via de consequência, a dinamicidade peculiar da contemporaneidade, mas também de mitigar vínculos biológicos em face das relações socioafetiva firmadas. Tal como pontuado algures, uma vez reconhecida a filiação socioafetiva, mesmo que de forma voluntária, ela se torna irrevogável, em decorrência dos influxos advindos dos princípios do melhor interesses da criança e do adolescente, da afetividade e, principalmente, da dignidade da pessoa humana.

Doutro ângulo, nos casos em que nunca existiu uma filiação socioafetiva ou, ainda, esta tenha desaparecido, dá-se preferência ao critério biológico para fins de reconhecimento da paternidade, porquanto não se deve impor o dever de carinho,

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cuidado e afeto àquele que, não sendo o pai biológico, também não quer ser pai socioafetivo. Diante de situações revestidas de tamanha complexidade, maiormente quando há conflito entre as paternidades socioafetiva e biológica, uma alternativa interessante que tem ganhado relevo jurisprudencial é a inscrição no Registro Civil de ambos os pais (biológico e socioafetivo) da criança ou do adolescente, quando restar verificado o convívio com os dois, ensejando, via de consequência, a figura da multiparentalidade. Ora, cuida explicitar que a multiparentalidade não encontra restrição apenas na figura paterna, podendo ser plenamente observada na maternidade biológica e na maternidade socioafetiva.Dito isso, verifica-se que a aplicação dos princípios da legalidade, tipicidade e especialidade, influxos norteadores dos registros públicos, regidos pela legislação originária pré-constitucional, deve ser relativizada, naquilo que não se compatibiliza com os princípios Constitucionais vigentes, notadamente a promoção do bem de todos, sem preconceitos de sexo ou qualquer outra forma de discriminação (artigo 3, inciso IV, da Constituição da República Federativa do Brasil), bem como a proibição de designações discriminatórias relativas à filiação (artigo 227, § 6º, da Constituição da República Federativa do Brasi), “objetivos e princípios fundamentais” esses, decorrentes do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana. O magistério robusto apregoa que:

No caso da dupla maternidade, em decorrência da fertilização medicamente assistida, o julgador entende que o que queriam as requerentes é possível pelas razões supra, e seria a forma de o Estado-Juiz contribuir para a felicidade delas e da criança. Felicidade que será tanto mais ampla com o reconhecimento de que tanto uma quanto a outra requerente, além de serem mães de fato da criança para cuja existência contribuíram, são também mães de direito. O juiz do nosso século não é um mero leitor da lei e não deve temer novos direitos. Haverá sempre novos direitos e também haverá

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novos séculos. Deve estar atento à realidade social e, cotejando os fatos e ordenamento jurídico, concluir pela solução mais adequada[26].

Também há que se considerar, a partir da interpretação sistemática conjunta com demais princípios infraconstitucionais, tal como a doutrina da proteção integral o do princípio do melhor interesse do menor, informadores do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90), bem como, e especialmente, em atenção do fenômeno da afetividade, como formador de relações familiares e objeto de proteção Estatal, não sendo o caráter biológico o critério exclusivo na formação dos vínculos familiares, consequentemente, também dos “vínculos de filiação”. Ora, cuida repisar que, nas relações familiares contemporâneas, o aspecto patrimonial não mais vigora, florescendo, em seu lugar, a afetividade como tônica delineadora dos vínculos. Neste sentido, é possível colacionar remansoso entendimento pretoriano que orienta na seguinte senda:

Ementa: Apelação Cível. Ação de adoção. Padrasto e enteado. Pedido de reconhecimento da adoção com manutenção do pai biológico. Multiparentalidade.Observada a hipótese da existência de dois vínculos paternos, caracterizada está a possibilidade de reconhecimento da multiparentalidade. Deram provimento ao apelo. (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Oitava Câmara Cível/ Apelação Cível Nº 70065388175/ Relator: Desembargador Alzir Felippe Schmitz/ Julgado em 17.09.2015)

Ementa: Apelação Cível. Declaratória de Multiparentalidade. Registro civil. Dupla maternidade e paternidade. Impossibilidade jurídica do pedido. Inocorrência. Julgamento

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desde logo do mérito. Aplicação artigo 515, §3º do CPC. A ausência de lei para regência de novos - e cada vez mais ocorrentes - fatos sociais decorrentes das instituições familiares, não é indicador necessário de impossibilidade jurídica do pedido. É que "quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito (artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil). Caso em que se desconstitui a sentença que indeferiu a petição inicial por impossibilidade jurídica do pedido e desde logo se enfrenta o mérito, fulcro no artigo 515, § 3º do CPC. Dito isso, a aplicação dos princípios da "legalidade", "tipicidade" e "especialidade", que norteiam os "Registros Públicos", com legislação originária pré-constitucional, deve ser relativizada, naquilo que não se compatibiliza com os princípios constitucionais vigentes, notadamente a promoção do bem de todos, sem preconceitos de sexo ou qualquer outra forma de discriminação (artigo 3, IV da CF/88), bem como a proibição de designações discriminatórias relativas à filiação (artigo 227, § 6º, CF), "objetivos e princípios fundamentais" decorrentes do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana. Da mesma forma, há que se julgar a pretensão da parte, a partir da interpretação sistemática conjunta com demais princípios infraconstitucionais, tal como a doutrina da proteção integral o do princípio do melhor interesse do menor, informadores do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90), bem como, e especialmente, em atenção do fenômeno da afetividade, como formador de relações familiares e objeto de

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proteção Estatal, não sendo o caráter biológico o critério exclusivo na formação de vínculo familiar. Caso em que no plano fático, é flagrante o ânimo de paternidade e maternidade, em conjunto, entre o casal formado pelas mães e do pai, em relação à menor, sendo de rigor o reconhecimento judicial da "multiparentalidade", com a publicidade decorrente do registro público de nascimento. Deram provimento. (Segredo de Justiça) (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Oitava Câmara Cível/ Apelação Cível Nº 70062692876/ Relator: Desembargador José Pedro de Oliveira Eckert/ Julgado em 12.02.2015).

Ementa: Maternidade Socioafetiva. Preservação da Maternidade Biológica. Respeito à memória da mãe biológica, falecida em decorrência do parto, e de sua família - Enteado criado como filho desde dois anos de idade. Filiação socioafetiva que tem amparo no art. 1.593 do Código Civil e decorre da posse do estado de filho, fruto de longa e estável convivência, aliado ao afeto e considerações mútuos, e sua manifestação pública, de forma a não deixar dúvida, a quem não conhece, de que se trata de parentes - A formação da família moderna não-consanguínea tem sua base na afetividade e nos princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade Recurso provido. (Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – Primeira Câmara de Direito Privado/ Apelação Cível 0006422-26.2011.8.26.0286/ Relator: Desembargador Alcides Leopoldo e Silva Júnior/ Julgado em 14.08.2012/ Publicado no DJe em 14.08.2012).

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Com efeito, ao analisar a situação em comento, quadra sublinhar que a dupla filiação, externada pela constatação no registro civil de ambos os pais – afetivo e biológico -, é responsável por fixar um novo paradigma no Direito, conferindo às relações familiares contornos assentados no afeto, zelo e dever de cuidado daquele que escolheu ser pai, mantendo a concomitância com aquele que os vínculos biológicos estabelece como pai genético. Assim, o registro não pode afigurar como um óbice para a sua efetivação, considerando que sua função é refletir a verdade real, logo, se a verdade real é concretizada no fato de várias pessoas exercerem funções parentais na vida dos filhos, o registro deve, imperiosamente, refletir esta realidade. Mais do que isso, não reconhecer as paternidades biológica e socioafetiva, ao mesmo tempo, com a concessão de todos os efeitos jurídicos, é negar a existência tridimensional do ser humano, que é reflexo da condição e da dignidade humana, na proporção em que a filiação socioafetiva é tão irrevogável quanto a biológica, devendo-se, portanto, manter incólumes as duas paternidades, com o acréscimo de todos os direitos, porquanto ambas integram a trajetória da vida humana.

Nesta linha, com o reconhecimento da multiparentalidade no registro de nascimento, os filhos passarão a ter, com efeito, todos os direitos advindos de uma relação parental. No que toca aos direitos não-patrimoniais – nome, estado, parentesco -, estes já são reconhecidos e garantidos pelo ordenamento jurídico. No que atina aos direitos patrimoniais, cuida fazer alguns esclarecimentos, sobretudo no que atina a alimentos e herança. Na primeira hipótese, partindo-se da premissa que a verba alimentar compreende valores, bens ou serviços destinados às necessidades existenciais da pessoa, em decorrência da relação de parentesco, quando ela própria não pode prover, com seu trabalho ou rendimentos, a própria mantença. Com realce, inexiste justificativa para tratamento diferenciado, devendo, portanto, ser aplicadas as disposições previstas a respeito de a verba alimentar, estendendo-se a ambos os pais, afetivo e biológico. Em relação ao direito sucessório, inexiste sustentação jurídica para tratamento diverso, devendo, assim, admitir a possibilidade de multi-hereditariedade,

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estabelecendo-se tantas linhas sucessórias quanto fossem os pais, devendo, porém, ter a ressalva de não se estabelecer a multiparentalidade com vistas exclusivas para atender a interesses patrimoniais.

Referências:

BRASIL. Conselho da Justiça Federal. Disponível em: <http://daleth.cjf.jus.br>. Acesso em 02 jul. 2016.

__________. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 02 jul. 2016.

__________. Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002.Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 02 jul. 2016.

__________. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: <http://www.stj.jus.br>. Acesso em: 02 jul. 2016.

CASSETTARI, Christiano. Multiparentalidade e Paternidade Socioafetiva: Efeitos Jurídicos. São Paulo: Editora Atlas, 2014.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito de Família. v. 05. 27 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2012.

FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008.

MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. Rio de Janeiro: Forense, 2008.

MINAS GERAIS (ESTADO). Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Disponível em: <http://www.tjmg.jus.br>. Acesso em 02 jul. 2016.

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RIO GRANDE DO SUL (ESTADO). Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Disponível em: <http://www.tjmg.jus.br>. Acesso em 02 jul. 2016.

SARMENTO, Daniel. Casamento e União entre Pessoas do mesmo Sexo: Perspectivas Constitucionais in: Igualdade, Diferença e Direitos Humanos. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008.

TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito Civil: Direito de Família. v. 5. 7 ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Método, 2012.

NOTAS:

[1] BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 02 jul. 2016.

[2] FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson.Direito das Famílias. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008, p. 41.

[3] MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 67.

[4] TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito Civil: Direito de Família. v. 5. 7 ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Método, 2012, p. 13.

[5] MINAS GERAIS (ESTADO). Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Acórdão proferido em Agravo de Instrumento N° 1.0433.11.022098-8/001. Agravo de instrumento. Tutela antecipada. Licença maternidade. Servidora municipal. Constituição da República. Prorrogação do benefício. Possibilidade. Cediço é que a licença maternidade conferida às mães adotantes encontra-se embasada no princípio da isonomia insculpido na Carta Magna, que garantiu tratamento igualitário aos filhos naturais e adotivos, consoante disposto no art. 227, da CR/88. A norma constitucional que instituiu o benefício da licença maternidade (art. 7º, inciso XVIII, da CF/88) não se limita apenas à proteção da mãe (biológica ou adotante), mas, sobretudo à proteção do filho recém-nascido. Nos

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termos dos arts. 41 do ECA, não há que se falar entre diferença de direitos para filhos adotados ou não. Recurso ao qual se nega provimento. Órgão Julgador: Terceira Câmara Cível. Relator: Desembargador Dídimo Inocêncio de Paula. Julgado em 22.03.2012. Publicado no DJe em 30.03.2012. Disponível em: <http://www.tjmg.jus.br>. Acesso em 02 jul. 2016.

[6] BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 02 jul. 2016.

[7] MADALENO, 2008, p. 381.

[8] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito de Família. v. 05. 27 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2012, p. 515-516.

[9] BRASIL. Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 02 jul. 2016: “Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos: I - nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal; II - nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento; III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido; IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga; V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido”

[10] MADALENO, 2008, p. 382.

[11] FARIAS; ROSENVALD, 2008, p. 497.

[12] BRASIL. Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 02 jul. 2016.

[13] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão proferido em Recurso Especial Nº. 23/PR. Recursos Especiais. Ação de anulação de atos jurídicos translativos de propriedade em condomínio. Legitimidade “ad causam” ativa de filhos não reconhecidos de condômino já falecido. A regra “pater est...” aplica-

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se também aos filhos nascidos de companheira, casada eclesiasticamente com o extinto, suposta união estável e prolongada. Defesa oposta pelo réu adquirente, de aquisição por usucapião ordinário. O usucapião é forma originária de adquirir. O usucapiente não adquire de outrem; simplesmente, adquire. Assim, são irrelevantes vícios de vontade ou defeitos inerentes a eventuais atos causais de transferência da posse. No usucapião ordinário, bastam o tempo e a boa-fé, aliados ao justo título, hábil em tese à transferência do domínio. Bem divisível. Os prazos de suspensão do tempo para usucapir (Código Civil, art. 553), que beneficiam os autores menores impúberes, aproveitam aos demais herdeiros do falecido condômino, mas não beneficiam outros condôminos: regra da “personalidade dos efeitos”. Artigo 169, I e 171 do Código Civil. Tese do interesse da anulação dos atos jurídicos, face ao usucapião obtido frente àqueles antigos condôminos não favorecidos pela suspensão do prazo de prescrição aquisitiva. Nulidades de ordem processual afastadas. Recurso especial dos autores não conhecido, e recurso especial dos recorrentes provido em parte. Órgão Julgador: Quarta Turma. Relator: Ministro Athos Gusmão Carneiro. Julgado em 19.09.1989. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 02 jul. 2016.

[14] FARIAS; ROSENVALD, 2008, p. 517.

[15] MADALENO, 2008, p. 66.

[16] Neste sentido: MINAS GERAIS (ESTADO). Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Acórdão proferido em Apelação Cível N° 1.0024.11.026717-6/001. Apelação Cível - Direito de Família - Ação Declaratória - Paternidade Sócio-Afetiva - Situação Fática - CR/88 - Requisitos - Relação paterno filial não demonstrada. - O elemento sócio-afetivo foi elevado a valor jurídico pela Constituição da República de 1988, com o intuito de possibilitar o reconhecimento pela ordem jurídica de situações fáticas que antes ficavam desprotegidas, estando tutelado, inclusive, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90), em seus artigos 28 a 52, ao tratar das famílias substitutas. - Atualmente, a paternidade afetiva vem assumindo grande importância, já que a posse do estado de filho é que gera os efeitos jurídicos capazes de definir a filiação. É dizer, a filiação não decorre apenas de vínculos sanguíneos, mas, sobretudo, das relações afetivas. - Não demonstrado nos autos os requisitos necessários à configuração da paternidade sócio-afetiva não há como declará-la.

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Órgão Julgador: Quarta Câmara Cível. Relator: Desembargador Dárcio Lopardi Mendes. Julgado em 06.09.2012. Publicado no DJe em 12.09.2012. Disponível em: <http://www.tjmg.jus.br>. Acesso em 02 jul. 2016.

[17] MINAS GERAIS (ESTADO). Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Acórdão proferido em Apelação Cível 1.0024.09.643339-6/001. Ação anulatória de paternidade cumulada com exoneração de alimentos - Anseio do pai registral em ver revista a qualificação paterna no registro da criança - Estudo Social - Demonstração de existência de relação paterno-filial entre o pai sócio-afetivo e a criança - Prevalência dos interesses da menor - Provimento negado. A filiação sócio-afetiva é aquela em que se desenvolvem durante o tempo do convívio, laços de afeição e identidade pessoal, familiares e morais. À luz do princípio da dignidade humana, bem como do direito fundamental da criança e do adolescente à convivência familiar, traduz-se ser mais relevante a idéia de paternidade responsável, afetiva e solidária, do que a ligação exclusivamente sanguínea. O interesse da criança deve estar em primeiro lugar, uma vez que é inegável que em casos de convivência habitual e duradoura com pessoas estranhas ao parentesco, o menor adquire vínculos de confiança, amor e afetividade em relação a estas pessoas. Esse vínculo não pode ser destruído, mesmo que com base na ausência laços biológicos, se afronta os interesses da criança, colocando-a em situação de instabilidade e insegurança jurídica e emocional. Órgão Julgador: Primeira Câmara Cível. Relatora: Desembargadora Vanessa Verdolim Hudson Andrade. Julgado em 17.10.2012. Publicado no DJe em 19.10.2012. Disponível em: <http://www.tjmg.jus.br>. Acesso em 02 jul. 2016.

[18] SARMENTO, Daniel. Casamento e União entre Pessoas do mesmo Sexo: Perspectivas Constitucionais in: Igualdade, Diferença e Direitos Humanos. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008, p. 643.

[19] FARIAS; ROSENVALD, 2008, p. 518.

[20] MADALENO, 2008, p. 67.

[21] FARIAS; ROSENVALD, 2008, p. 519.

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[22] Neste sentido: BRASIL. Conselho da Justiça Federal. Disponível em: <http://daleth.cjf.jus.br>. Acesso em 02 jul. 2016: “Enunciado Nº 103 – Art. 1.593: o Código Civil reconhece, no art. 1.593, outras espécies de parentesco civil além daquele decorrente da adoção, acolhendo, assim, a noção de que há também parentesco civil no vínculo parental proveniente quer das técnicas de reprodução assistida heteróloga relativamente ao pai (ou mãe) que não contribuiu com seu material fecundante, quer da paternidade sócio-afetiva, fundada na posse do estado de filho”.

[23] FARIAS; ROSENVALD, 2008, p. 520.

[24] TARTUCE; SIMÃO, 2012, p. 22.

[25] RIO GRANDE DO SUL (ESTADO). Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Acórdão proferido em Apelação Cível N° 70052673894. Negatória de paternidade. Registro civil. Inexistência de vínculo biológico. Liame socioafetivo. 1. O ato de reconhecimento de filho é irrevogável (art. 1º da Lei nº 8.560/92 e art. 1.609 do CCB). 2. A anulação do registro civil, para ser admitida, deve ser sobejamente demonstrada como decorrente de vício do ato jurídico (coação, erro, dolo, simulação ou fraude). 3. Não pode alegar que foi induzido a erro o companheiro da genitora quando afirma, na exordial, que, durante o tempo de relacionamento, ocorreram diversas brigas entre o casal e a genitora da menor manteve, de forma concomitante, relacionamento amoroso com outros homens. 4. Em que pese o distanciamento entre a verdade real e a biológica, o acolhimento do pleito anulatório não se justifica quando o ato jurídico de reconhecimento de filho não padece de vício e quando ficou claro que se estabeleceu forte liame socioafetivo. Recurso desprovido. Órgão Julgador: Sétima Câmara Cível. Relator: Ministro Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves. Julgado em 30.01.2013. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br>. Acesso em 02 jul. 2016

[26] CASSETTARI, Christiano. Multiparentalidade e Paternidade Socioafetiva: Efeitos Jurídicos. São Paulo: Editora Atlas, 2014, p. 156.

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FACULDADE DE DIREITO PROFESSOR DAMÁSIO DE JESUS

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL E DIREITO

PROCESSUAL PENAL

DIREITO PENAL DO INIMIGO, TERRORISMO E LEI DE DROGAS

ALUNO: MARCO TÚLIO FERREIRA DOS SANTOS ORIENTADOR:

Minas Gerais

2014

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MARCO TÚLIO FERREIRA DOS SANTOS

DIREITO PENAL DO INIMIGO, TERRORISMO E LEI DE DROGAS

Monografia apresentada à Faculdade de

Direito Professor Damásio de Jesus por

Marco Túlio Ferreira dos Santos, como

requisito parcial para a obtenção do título de

Pós- Graduado em Direito Penal e Direito

Processual Penal.

Orientador: Profº. André Vinícius Monteiro