· 5 1 disponível em: boletim conteúdo jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano viii) issn ‐ 1984...

432
0 BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 666 (Ano VIII) (30/7/2016) ISSN - - BRASÍLIA 2016 Boletim Conteúdo Jurídico - ISSN – 1984-0454

Upload: duongnhan

Post on 09-Nov-2018

216 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

0  

 

   

BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 666

(Ano VIII)

(30/7/2016)

 

ISSN- -  

 

 

 

 

 

 

 

 

BRASÍLIA 2016

Boletim

Conteú

doJu

rídico-ISSN

–1984-0454

 

Page 2:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        1 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

ConselhoEditorial 

COORDENADOR GERAL (DF/GO/ESP) - VALDINEI CORDEIRO COIMBRA: Fundador do Conteúdo Jurídico. Mestre em Direito Penal Internacional Universidade Granda/Espanha.

Coordenador do Direito Internacional (AM/Montreal/Canadá): SERGIMAR MARTINS DE ARAÚJO - Advogado com mais de 10 anos de experiência. Especialista em Direito Processual Civil Internacional. Professor universitário

Coordenador de Dir. Administrativo: FRANCISCO DE SALLES ALMEIDA MAFRA FILHO (MT): Doutor em Direito Administrativo pela UFMG.

Coordenador de Direito Tributário e Financeiro - KIYOSHI HARADA (SP): Advogado em São Paulo (SP). Especialista em Direito Tributário e em Direito Financeiro pela FADUSP.

Coordenador de Direito Penal - RODRIGO LARIZZATTI (DF/Argentina): Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino - UMSA.

País: Brasil. Cidade: Brasília – DF. Contato: [email protected] WWW.CONTEUDOJURIDICO.COM.BR

   

BoletimConteudoJurıdico

Publicação

  diária 

Circ

ulaç

ão: A

cess

o ab

erto

e g

ratu

ito 

 

Page 3:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

2  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

SUMÁRIO

COLUNISTA DO DIA

 

30/07/2016 Roberto Monteiro Pinho 

» Judiciário caro, hostil, moroso e debilitado

ARTIGOS  

30/07/2016 Luiz Henrique Damasceno de Moura » Criação do Direito com base nas decisões judiciais 

30/07/2016 Alan Pinto Teixeira Alves 

» Tutelas de urgência: tutela cautelar e tutela antecipada 

30/07/2016 João Gabriel Moreira Cavalleiro de Macêdo Ribeiro 

» Tributação e direitos fundamentais: a capacidade contributiva e o dever 

fundamental de pagar tributos 

30/07/2016 Raphael Rodrigues Valença de Oliveira 

» A estabilidade do servidor público e o princípio da eficiência 

30/07/2016 Eduardo Henrique Ferreira 

» Noções básicas sobre desapropriação 

30/07/2016 Mario Sérgio da Costa Carlos 

» Medidas desoneratórias e substituição tributária em cadeias plurifásicas 

de tributação 

30/07/2016 Larissa Costa de Almeida 

» Princípios de Direito do Trabalho 

 

Page 4:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        3 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

30/07/2016 Fernando Caldas Bivar Neto 

» Crimes hediondos e liberdade provisória: evolução conceitual e 

discussões atuais 

30/07/2016 Higo Araújo Bezerra 

» A responsabilidade civil do estado por atos omissivos e o entendimento 

do Supremo Tribunal Federal acerca do tema 

30/07/2016 Jamille Coutinho Costa 

» A razoabilidade nas relações de emprego e suas implicações 

30/07/2016 Erick Joseph Rabelo Chagas 

» O ICMS ‐ energia elétrica e seus aspectos material e quantitativo da 

hipótese de incidência tributária 

30/07/2016 Ticiano Marcel de Andrade Rodrigues 

» Apontamentos sobre a divergência entre o STF e STJ acerca da 

transferência das multas pessoais na sucessão tributária 

30/07/2016 Rafaela Fernanda Fontoura Pszebiszeski 

» O paradigma dominante do discurso jurídico e do ensino do Direito 

30/07/2016 Natália Luiza Lima Dantas Lira 

» O tratamento diferenciado para microempresa e empresa de pequeno 

porte sob a ótica da Constituição federal de 1988 

30/07/2016 Tauã Lima Verdan Rangel 

» Breves Explicitações aos Livros do Tombamento Cultural: Primeiros 

Apontamentos 

30/07/2016 Amélia Maria Motta da Hora 

» Audiência de Custodia: Eficácia para o sistema Carcerário 

Contemporâneo 

 

 

Page 5:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

4  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

www.conteudojuridico.com.br

JUDICIÁRIO CARO, HOSTIL, MOROSO E DEBILITADO

ROBERTO  MONTEIRO  PINHO:  Foi  diretor  de  Relações Internacionais  da  Confederação  Geral  dos  Trabalhadores (CGT), editor do Jornal da Cidade, subeditor do Jornal Tribuna da Imprensa, correspondente internacional, juiz do trabalho no regime paritário, tendo composto a Sétima e Nona Turmas e  a  Seção  de  Dissídios  Coletivos  ‐  SEDIC,  é  membro  da Associação Brasileira de  Imprensa  ‐ ABI, escritor,  jornalista, radialista,  palestrante  na  área  de  RH,  cursou  sociologia, direito, é consultor sindical, no setor privado é diretor de RH, especialista  em  Arbitragem  (Lei  9.307/96).  Membro  da Associação Sulamericana de Arbitragem  ‐ ASASUL, Membro do Clube Jurídico do Brasil

Com 108 milhões de ações acumuladas, o judiciário brasileiro é o maior do mundo, o que mais gasta e o mais moroso na solução dos conflitos. É tamanha a complexidade da nossa justiça, que navega na turbulência de seus códigos, de 44 mil leis, súmulas, jurisprudências, normas suplementares e instruções normativas. Isso sem contar o estratosférico sistema privado e público dos processos administrativos, envolvendo, multas, penalidades disciplinares e outros do seu arcabouço.

Na Justiça do Trabalho, por exemplo: se aplicam a rejeição as normas estatuídas no novo CPC. São 300 normas rejeitadas pelos juízes trabalhistas, e 70 delas já se transformaram em súmula branca, através de um Ato denominado Instrução Normativa. Tudo, desde que atenda aos interesses dos senhores magistrados onipotentes e absolutos. Como me confidenciou recentemente um deles, “se o governo aumentar a jornada de trabalho para 80 horas semanal, eu indefiro e aplico dano moral”. Nem precisava, duvido que isso ocorra.

Lembro uma observação de saudoso jurista amigo, de que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e os tribunais superiores, nunca contabilizaram nas suas estatísticas os conhecidos recursos e processos de Mandado de Segurança, Habeas Corpus, Cautelares e outros que englobam a complexa máquina da

Page 6:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        5 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

judicialização. Se isso fosse conferido, teríamos mais alguns milhões de processos acrescidos no seu montante.

Há pouco, a direção do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo (TRT-2) anunciou que vai fechar todos os seus prédios a partir do dia 1º de agosto. A fonte é um documento da presidência do tribunal, divulgado no site direito global. Com. Br, que afirma que “não será possível continuar as atividades sem o apoio dos terceirizados que atua na segurança, limpeza, manutenção, movimentação de processos, dentre outras atividades”.

O corte de 40% no orçamento, promovido pelo governo federal, segundo o documento, “feriu de morte” a Justiça do Trabalho em todo o País, em especial a de São Paulo. O fechamento dos prédios já foi comunicado ao Tribunal Superior do Trabalho (TST) à OAB nacional e às procuradorias que atuam na Justiça do Trabalho, assim como aos magistrados e servidores. O documento informa ainda que seja suspensa a execução de todos os contratos que impliquem em custos aos cofres públicos também a partir de 1º de agosto.

Duas Propostas de Emenda Constitucional (PECs) tramitam no Congresso para pôr fim à aposentadoria compulsória. A PEC 505, de 2010, está parada na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. O projeto exclui a aposentadoria e permite a perda de cargo de magistrados e membros do Ministério Público. A PEC 53, de 2007, que também tramita na Câmara, prevê a aposentadoria, mas mantém intactos os vencimentos de autoridades acusadas de irregularidades.

Desconstrução do direito, e a compulsividade das demandas, tem sido uma constante no judiciário brasileiro. Mesmo ostentando números hiperbólicos, a prestação da tutela jurisdicional, no Brasil, é uma das mais morosas do mundo, refletindo a ineficiência do Estado como prestador de serviços públicos. Malgrado as tentativas de combater o problema, o insucesso tem sido evidente, notadamente porque são atacadas as conseqüências, quando o foco deveria ser as causas.

Apenas para ilustrar o que se afirma, apesar do estratosférico número de 105 milhões de ações em tramitação no País, os juízes,

Page 7:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

6  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

na verdade, têm muitos processos cuja temática é repetida, restando aos magistrados o absurdo de decidir quase que uma a uma, algo que o novo Código de Processo Civil, por meio do incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR), busca, de forma muito tímida e burocrática, debelar.

Por outro lado o acesso ao judiciário tem suas nuances, e são antagônicas. Na justiça federal e trabalhista o autor, não tem necessidade custear sua demanda, enquanto que na justiça comum o custo é elevado e a propagada gratuidade é uma ficção.

O Juizado Especial Civil – JEC (lei 9009/2005), criado para pequenas demandas e sem a necessidade de custas processuais, se tornou tão moroso quanto o rito ordinário.

A condução do processo de relacionamento judiciário - advocacia atravessa uma fase no limite da tolerância, tamanhas as injunções e desnecessários incidentes ocorridos nos tribunais.

Levantamento feito pelo jornal O Dia revelou que o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro recebeu 47 pedidos de abertura de processos administrativos disciplinares contra magistrados entre 2010 e 2015. Apenas oito resultaram em punição: duas advertências, quatro censuras, uma disponibilidade compulsória e uma aposentadoria compulsória.

Page 8:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        7 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

www.conteudojuridico.com.br

CRIAÇÃO DO DIREITO COM BASE NAS DECISÕES JUDICIAIS

LUIZ HENRIQUE DAMASCENO DE MOURA: Bacharel em Direito pela UnB; Técnico Judiciário no Tribunal Superior do Trabalho.

RESUMO: O presente artigo trata da criação do direito com base nas decisões judiciais, tema de especial relevância no atual estágio do ordenamento jurídico brasileiro, sobretudo em razão da tensão entre o ativismo judicial e a separação de poderes.

1. Introdução

Atualmente, o Poder Judiciário tem assumido uma posição de destaque na solução de controvérsias, sobretudo envolvendo direitos sociais e programáticos e implementação de políticas públicas, afastando-se daquela ideia mais contida proposta por Montesquieu, segundo a qual o juiz é a boca da lei.

Nesse contexto, torna-se importante examinar o fenômeno da criação do direito com base nas decisões judiciais.

2. Natureza jurídica da súmula (ato legislativo x ato jurisdicional)

Enquanto no sistema do Common Law o Direito se revela muito mais pelos usos e costumes e pela jurisprudência, no Civil Law, a sua principal fonte é a lei, adquirindo as demais, de acordo com Reale, um valor secundário[1]. No segundo, é comum a afirmação de que o precedente judicial não possui, em regra, o mesmo efeito vinculante que se verifica no primeiro – o juiz julga segundo a lei e conforme a sua consciência[2]. Todavia, a jurisprudência é reconhecida ao menos como fonte de interpretação do Direito e, por isso, é importante distinguir o ato legislativo do

Page 9:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

8  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

jurisdicional, principalmente quando se admite, no plano dos fatos, um ativismo judicial no Brasil.

A divisão das funções do Estado ganhou força na obra Do Espírito das Leis, de Montesquieu, quando o autor previu, além das atividades executivas e legislativas, a judiciária separada. In verbis:

Há em cada Estado, três espécies de poder: o poder legislativo, o poder executivo das coisas que dependem do direito das gentes, e o poder executivo daquelas que dependem do direito civil.

Pelo primeiro poder, o príncipe ou magistrado cria as leis para um tempo determinado ou para sempre, e corrige ou ab-roga aquelas que já estão feitas. Pelo segundo, determina a paz ou a guerra, envia ou recebe embaixadas, estabelece a segurança, previne as invasões. Pelo terceiro, pune os crimes ou julga as questões dos indivíduos. Chamaremos este último “o poder de julgar”, e o outro chamaremos, simplesmente, “o poder executivo do Estado”[3].

Ao poder legislativo foi reservada a função de editar leis, corrigi-las ou ab-rogá-las, enquanto que o poder executivo das coisas que dependem do direito civil consiste na função de punir os crimes e julgar as questões dos indivíduos.

Em outra passagem, tentando mais bem explicitar as funções que seriam exercidas pelo Estado com base nos poderes acima mencionados, o autor afirma que o legislativo e o executivo das coisas que dependem do direito das gentes seriam dados a magistrados ou a corpos permanentes, porque não atuam sobre nenhum indivíduo, e o primeiro seria responsável por revelar a vontade geral do Estado, enquanto que o segundo tão-somente executaria essa vontade. Já o poder de julgar não seria dado de forma permanente a um senado, mas, sim, exercido por representantes do povo de forma temporária para compor um

Page 10:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        9 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

tribunal que durasse apenas o tempo necessário, de modo que a sociedade temeria a magistratura e não os magistrados[4]. Tornou-se célebre a passagem em que o autor afirma que os juízes não seriam “mais do que a boca que pronuncia as palavras da lei, seres inanimados que desta lei não podem moderar nem a força e nem o rigor”[5].

Fica evidente a preocupação de Montesquieu de restringir o exercício do poder de julgar, que interfere diretamente nas questões dos indivíduos ou decide sobre a punição de crimes, o que o tornou um dos autores mais consultados pelos teóricos da revolução francesa. No período que antecedeu a revolução, os magistrados franceses integravam a aristocracia e interpretavam a legislação de modo a atender aos seus interesses e de seus protegidos e manter o status quo[6]. Daí, porque uma das principais preocupações dos teóricos da revolução foi de limitar o poder dos juízes.

Todavia, nos ordenamentos jurídicos modernos, independentemente da tradição jurídica a que o país esteja vinculado, parece inevitável a conclusão de que a atuação dos juízes, mais do que simplesmente pronunciar as palavras da lei, é fonte de construção do Direito, o que será abordado em tópico próprio.

No Civil Law, essencialmente, o que difere os atos legislativos dos jurisdicionais é o processo por meio do qual eles criam o Direito. No exercício da jurisdição, o agente (juiz) encontra-se jungido a limites processuais e assume um comportamento passivo e imparcial, não podendo dar início ao processo de ofício ou resolver questões nas quais tenha interesse direito, devendo, ainda, observar os postulados da ampla defesa e do contraditório, em que às partes envolvidas é assegurado o direito de participar do processo decisório e formular requerimentos[7].

Já o processo legislativo é deflagrado de acordo com um juízo de oportunidade do agente e o seu principal limite é a

Page 11:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

10  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Constituição, que estabelece as suas regras e institui garantias que não poderão ser suprimidas ou alteradas. Os atores envolvidos no processo podem ter interesse no seu objeto. Não obstante exista a possibilidade de serem realizadas audiências públicas para que os grupos de interesse da sociedade participem da decisão, tal providência não é requisito para a validade do ato, mas é de uma característica importada do processo judicial, tanto que o fenômeno foi chamado de judicialização[8]. O ato resulta, ainda, em uma norma geral e abstrata, direcionada a todos e com efeito vinculante, ao contrário do que ocorre na decisão judicial, que constitui uma norma jurídica individual.

Contudo, dessas definições, a edição de uma súmula não se enquadra com perfeição nem no ato legislativo, nem no judicial.

Ao tentar definir a natureza jurídica da súmula vinculante, Jorge Amaury Nunes classifica essa como ato político, pelos seguintes motivos:

Ora, a jurisdição incide sobre (a) relação jurídica ou (b) direitos formativos. Em ambos os casos, incide sobre atividade de partes que terão, com a entrega da prestação da atividade jurisdicional, uma resposta sobre almejado bem da vida.

Na elaboração da súmula vinculante, nada disso acontece. Não se disputa sobre bem da vida, e, ao final do procedimento instituído para a edição da súmula, ninguém tem efetivamente atribuído a si nenhum bem da vida. Ninguém pediu nada e ninguém ganhou nada. Não houve nenhuma atividade do Estado de natureza substitutiva (Chiovenda) e autoritativa (Calmon de Passos) que pudesse caracterizá-la como jurisdicional.

O único e insuficiente ponto de contato da edição da súmula com a atividade jurisdicional é que ambos, em regra, são exercidos por órgãos

Page 12:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        11 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

integrantes da estrutura do Poder Judiciário somente. Só isso.

... Não se pode emprestar aplauso às tentativas

de situar essa atividade de controle como sendo uma atividade de legislação, porque, como demonstrado em momento anterior com arrimo nas considerações expendidas por Jorge Miranda, o editor da súmula vinculante seria estranho órgão legislativo que não só está subordinado a um outro órgão, que não só não pode fazer lei quando o entender, como também é órgão que se vincula ad futurumàs suas mesmas decisões e interpretações da lei.

Trata-se, isso sim, de controle político, que atua no momento normativo da regra, ainda que se possa tomá-lo por formalmente jurisdicional[9].

É bem verdade que a análise do autor se refere à súmula vinculante, que tem como principal característica a sua observância obrigatória pelos órgãos do Poder Judiciário e pela administração pública direta e indireta. Porém, vale ressaltar a conclusão lançada por Marinoni, no sentido de que não há distinção ontológica entre as súmulas vinculantes e as de caráter persuasivo do Supremo Tribunal Federal, pois, em razão da função desta Corte, não há como ter unidade do Direito, por meio da Constituição, quando as suas decisões podem ser desrespeitadas pelos demais tribunais, de modo que o ordenamento jurídico não precisa dizer que as súmulas do STF, “cuja missão é dar sentido único ao direito mediante afirmação da Constituição”, têm eficácia vinculante[10].

Recorrendo ao raciocínio exposto no parágrafo anterior, é possível concluir que as súmulas dos Tribunais Superiores também são dotadas de força obrigatória, uma vez que esses órgãos são responsáveis pela unidade do direito quando a discussão se limita a matéria infraconstitucional. Assim, Marinoni, analisando a

Page 13:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

12  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

principal função do STJ, arremata: “se a esta Corte cabe uniformizar a interpretação da lei federal e, se for o caso, cassar a interpretação destoante, as suas decisões certamente deve se impor sobre os tribunais inferiores”[11].

Tercio Sampaio Ferraz Jr. chega até a afirmar que as súmulas editadas tanto pelos Tribunais Superiores como pelo STF obrigam no plano dos fatos, visto que exprimem uma uniformidade dos órgãos aplicadores do Direito, in verbis:

[...] Súmulas do Supremo Tribunal Federal, que, a rigor, obrigam não porque estão previstas expressamente pelo sistema normativo, mas porque representam o modo pelo qual certos casos são, via de regra, julgados pelo Tribunal Superior, assinalando, assim, certa uniformidade na atividade dos órgãos aplicadores do Direito. As normas de validade fática são, pois, aquelas que expressam esta atividade do aparelho sancionador do Estado. De modo geral, o apelo do jurista, no estudo de um instituto jurídico, às decisões da jurisprudência representa, assim, um recurso à validade no sentido fático[12].

Nesse cenário, tal qual a súmula vinculante, a de caráter persuasivo é juízo político, que opera a delimitação do sentido, validade e eficácia das normas constitucionais e legais.

3. Precedente Judicial no Direito brasileiro

Primeiramente, impõe-se destacar, a fim de evitar eventuais equívocos, que, no direito inglês, nem toda decisão judicial constitui um precedente. Este só se configura quando a decisão for dotada de potencialidade de se firmar como paradigma para a orientação dos jurisdicionados e dos magistrados, o que permite concluir que todo precedente é uma decisão, mas nem toda decisão é um precedente[13].

Page 14:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        13 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Nesse sentido, Didier, Braga e Oliveira definem precedente como “a decisão judicial tomada à luz de um caso concreto, cujo núcleo essencial pode servir como diretriz para o julgamento posterior de casos análogos”[14], ou seja, a norma surge de um caso específico, podendo tornar-se regra geral para uma série de casos análogos[15]. Seria, portanto, um efeito exterior da norma jurídica individual.

Por sua vez, Cruz e Tucci, tendo em vista que o precedente judicial pressupõe uma decisão já proferida, o divide em duas partes, quais sejam: “a) as circunstâncias de fato que embasam a controvérsia; eb) a tese ou princípio jurídico assentado na motivação (ratio decidendi) do provimento decisório”[16].

O que pode ou não ter eficácia vinculante é aratio decidendi, que não se confunde com o obiter dictum. Embora exista intensa discussão doutrinária acerca da conceituação dos dois elementos, para efeitos do presente trabalho, podemos nos valer da definição de Cruz e Tucci, no sentido de que a primeira “constitui a essência da tese jurídica suficiente para decidir o caso concreto (rule of law)”[17]; já o segundo é “passagem da motivação do julgamento que contém argumentação marginal ou simples opinião, prescindível para o deslinde da controvérsia”[18]. Fazendo-se um exercício mental de inverter o teor do núcleo decisório, se a decisão permanecer a mesma, a tese não pode ser considerada ratio decidendi, mas, sim, obiter dictum.

Para se tornar um precedente, a decisão judicial deve, interpretando a norma legal, enfrentar os principais argumentos relacionados à questão de direito. Não seriam assim consideradas, então, as decisões que se limitam a reproduzir o que está escrito na lei ou aplicar um precedente[19].

Pela definição tradicional, precedente judicial também não se confunde com jurisprudência. Carneiro Jr. aponta diferenças em termos quantitativos e qualitativos entre os dois institutos, já que o precedente se refere à decisão de um único caso, constituindo regra

Page 15:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

14  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

universalizável, que pode ser aplicada a casos futuros, desde que presentes os elementos fáticos que conduziram à ratio decidendi do caso anterior; enquanto que a jurisprudência é formada pelo conjunto decisões uniformes e constantes em vários casos concretos de um tribunal, no exercício da jurisdição[20].

O precedente assumiu feições distintas nas duas tradições jurídicas ocidentais. No direito casuístico a sua eficácia é vinculante, enquanto que, no direito codificado, em regra, a doutrina majoritária defende que o seu efeito é meramente persuasivo, prestando-se a auxiliar o julgador no processo decisório[21]. Nesse contexto, naturalmente o common law foi responsável pela maior parte do desenvolvimento da teoria do precedente vinculante.

Com o passar do tempo, houve uma nítida aproximação entre os modelos de juiz previstos nos sistemas do common law e do civil law. Atualmente, como adverte Marinoni, em países filiados ao primeiro, muito do direito jurisprudencial toma forma de interpretações explicativas da lei, sendo raro o seu desenvolvimento puro; já nos países filiados à tradição do direito codificado, houve uma superação da ideia ancorada nas razões da Revolução Francesa de que o juiz estaria proibido de interpretar a lei e a força do constitucionalismo e a atuação judicial de concretização de regras abertas delineou um modelo de julgador completamente distinto daquele inicialmente previsto[22]. Isso aproximou as técnicas e conceitos trabalhados nas duas tradições.

Em vista disso, torna-se cada vez mais relevante a discussão acerca da vinculação dos precedentes judiciais no direito brasileiro, pois o stare decisis (eficácia vinculante dos precedentes), se baseia na necessidade de igualdade, coerência, estabilidade da ordem jurídica e previsibilidade[23], valores que, por óbvio, são inerentes aos dois sistemas.

Nesse sentido Marinoni expõe a sua preocupação com o tema, in verbis:

Page 16:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        15 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

A advertência de que a lei é igual para todos, que sempre se viu escrita sobre a cabeça dos juízes nas salas do civil law, além de não mais bastar, constitui piada de mau gosto àquele que, em uma das salas do Tribunal e sob tal inscrição, recebe decisão distinta da proferida – em caso idêntico – pela Turma cuja sala se localiza metros mais adiante, no mesmo longo e indiferente corredor do prédio que, antes de tudo, deveria abrigar a igualdade de tratamento perante a lei[24].

No atual modelo de processo brasileiro, identifica-se uma preocupação do legislador em conferir maior uniformidade às decisões judiciais, por meio de institutos como a eficácia erga omnes das decisões proferidas em controle de constitucionalidade, a repercussão geral para os recursos extraordinários, o procedimento de julgamento de recursos especiais repetitivos e a edição de súmulas vinculantes. Percebe-se também uma crescente autoridade do precedente judicial mesmo nas hipóteses em que a legislação não lhe atribui expressamente eficácia vinculante, como na possibilidade de julgamento de improcedência do pedido sem citação do réu quando a matéria for unicamente de direito e já houver sido proferida sentença no juízo de total improcedência em situações idênticas e de o relator negar seguimento a recurso em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior, ou mesmo dar-lhe provimento se a contradição for com a decisão impugnada, hipóteses previstas respectivamente nos arts. 285-A e 557, caput, do CPC e no caso de edição de súmula. Tais ferramentas não podem ser vistas como um mero mecanismo para facilitar a atividade do Judiciário, pois têm, também, o efeito de conferir maior segurança e estabilidade ao direito e garantir a aplicação do princípio da igualdade.

O modelo de precedente judicial que, de certa forma, já vem sendo observado pelo Poder Judiciário brasileiro distingue-se

Page 17:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

16  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

do clássico, porquanto o precedente, em regra, é formado pela jurisprudência, ao passo que no tradicional os julgadores se vinculam ao entendimento adotado em um único julgamento.

No sistema do civil law, geralmente os precedentes não possuem eficácia vinculante, porém, no caso brasileiro, em razão da função do STF e dos Tribunais Superiores de dar a interpretação final das normas constitucionais e infraconstitucionais, não há como negar a eficácia vinculante da jurisprudência dessas Cortes. Nesse sentido, Arruda Alvim ensina que “nos sistemas do civil law, de regra, precedentes começam a gozar de respeito quando formam a jurisprudência predominante. Ou quando se trata de umleading case”[25].

Tal função, aliás, pode ser verificada na estrutura piramidal da organização judiciária brasileira, em que os juízes de primeiro grau e tribunais estaduais e regionais devem adequar-se ao entendimento dessas Cortes[26] e uma eventual recalcitrância dos magistrados deve resultar na alteração da decisão, o que, por consequência, estimula a recorribilidade, contribuindo para a ineficiência da prestação jurisdicional.

Segundo Marinoni, originalmente, no direito brasileiro, as súmulas foram compreendidas como um mecanismo para facilitar a resolução de casos fáceis que se repetem[27], abreviando a fundamentação da decisão nessas situações. Não tiveram, assim, uma pretensão de garantir a coerência da ordem jurídica, a igualdade ou a previsibilidade das decisões judiciais, mas apenas de desafogar o Poder Judiciário, o que as diferencia do precedente judicial.

Por outro lado, Carneiro Jr. defende que as súmulas foram instituídas também com o objetivo de conferir maior certeza ao Direito, in verbis:

Não somente o acúmulo de serviço pode ter servido de mote à instituição das súmulas, mas também a necessidade de se conferir maior

Page 18:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        17 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

certeza do Direito, pois, por intermédio dela, se identifica rapidamente a jurisprudência firme, cristalizada do Tribunal, trazendo segurança jurídica[28].

Fato é que, como extrato da jurisprudência do tribunal, a súmula é formada a partir do precedente e, por isso, sua aplicação deve observar determinados limites a este impostos, tais como o distinguishing(distinção entre o caso em julgamento e o paradigma), o que constantemente não é considerado pelos tribunais, que aplicam o enunciado sem examinar a identidade fática entre o precedente que lhe deu causa e o caso novo submetido a julgamento. Numa situação distinta daquela que deu origem ao precedente, este até pode ser utilizado na construção da fundamentação, mas não de forma indistinta, como se as situações fossem idênticas.

Nessa linha, o CPC de 2015 prestigiou a uniformização de jurisprudência, impondo, de certa forma, uma vinculação dos julgadores às decisões proferidas pelos plenários e órgãos especiais dos tribunais.

4. Conclusão

É inegável a criação do direito com base nas decisões judiciais. Contudo, é preciso definir os limites dessa atividade e, sobretudo, buscar uma uniformidade mínima, em respeito à segurança jurídica, sem que isso suprima a independência funcional assegurada aos magistrados. Isso além de racionalizar a atividade do Poder Judiciário, possibilitando efetivamente a observância da razoável duração do processo, prestigia a isonomia, evitando decisões díspares para situações semelhantes a depender do juiz a quem distribuída a ação.

NOTAS:

[1] REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 131-132.

Page 19:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

18  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

[2] FERRAZ JR, Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 211.

[3] MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de. Do Espírito das Leis. Trad. Jean Melville. São Paulo: Martin Claret, 2009, p. 167.

[4] Ibidem, p. 167.

[5] Ibidem, p. 173.

[6] MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 52.

[7] CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores?Trad. Carlos Alberto Álvaro de Oliveira. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1993, p. 74-76.

[8] Ibidem, p. 77.

[9] NUNES, Jorge Amaury Maia. Segurança Jurídica e Súmula Vinculante. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 125-127, versão digital.

[10] Op. cit., p. 486-487.

[11] Op. cit., p. 98.

[12] FERRAZ JR, Tercio Sampaio. A ciência do Direito. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1998, p. 59

[13] MARINONI, Luiz Guilherme. Op. cit., p. 215.

[14] DIDIER JR, Fredie; BRAGA, Paulo Sarno; Oliveira, Rafael. Curso de Direito Processual Civil: teoria da prova, direito probatório, teoria do precedente, decisão judicial, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela. vol. 2,. 4. ed. Salvador: JusPodivm, p. 381.

[15] TUCCI, José Rogério Cruz e. Op. cit., p. 11-12.

[16] Ibidem, p. 12.

[17] Ibidem, p. 175.

Page 20:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        19 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

[18] Ibidem, p. 177.

[19] MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. Op. cit., p. 215-216.

[20] Op. cit., p. 142-147.

[21] TUCCI, José Rogério Cruz e. Op. cit., p. 12-13.

[22] Op. cit., p. 18-19.

[23] Ibidem, p. 4.

[24] Ibidem, p. 101.

[25] WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Estabilidade e adaptabilidade como objetivos do direito: civil lawe commn law. Revista de Processo. vol. 172. jun. 2009, p. 132.

[26] CARNEIRO Jr., Amilcar Araújo. Op. cit., p. 145.

[27] Op.cit., p. 480.

[28] Op. cit., p. 254.

Page 21:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

20  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

www.conteudojuridico.com.br

TUTELAS DE URGÊNCIA: TUTELA CAUTELAR E TUTELA ANTECIPADA

ALAN PINTO TEIXEIRA ALVES: Graduado pela Universidade Federal do Ceará.

Resumo: As tutelas de urgência são instrumentos previstos pelo legislador diante da necessidade de conferir maior celeridade ao processo e têm como requisitos de aplicação o fummus boni iuris e o periculum in mora, isto é, somente será utilizado quando se constatar a previsibilidade de um bom direito e o fundado receio de dano decorrente do decurso do tempo. Com o intuito de imprimir maior velocidade ao processo e garantir sua efetividade por meio de sua gradual simplificação, houve uma aproximação entre as tutelas cautelares e a antecipada, o que redundou na inserção, ao sistema jurídico, do princípio da fungibilidade entre tais medidas.

Palavras-chave: Tutelas de urgência. Tutela cautelar. Tutela antecipada. Simplicidade processual. Efetividade jurisdicional.

1 INTRODUÇÃO

O legislador previu tais institutos como uma forma de evitar que fatores externos ou internos, originados pela duração do processo, viessem a acarretar prejuízos ao bem jurídico demandado no processo principal, ou seja, funcionam como uma forma de garantir a efetividade jurisdicional.

Desta feita, importante analisar os principais pontos das tutelas de urgência, a fim de verificar sua relevância no cenário processual.

2 TUTELA CAUTELAR

Page 22:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        21 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

A tutela cautelar envolve um processo de riscos, contendo características e requisitos próprios, que, se preenchidos, obrigarão o juiz a aplicar a medida assecuratória mais adequada para a proteção do objeto litigioso.

Nesta senda, precisas são as lições de Vicente Greco Filho.

Desde o momento em que ocorre uma possível lesão até o momento em que, declarado o direito da parte, o Judiciário entrega ao credor um bem jurídico devido ou seu equivalente compensatório, muitos bens jurídicos permanecem, por longo tempo, envolvidos no processo ou aguardando os atos de satisfação final. Esses bens jurídicos, em virtude do tempo, correm perigo de deterioração, a ponto de poder tornar-se inútil toda a atividade jurisdicional se não existir um outro tipo de providências assecuratórias da subsistência e conservação, material e jurídica, desses bens.

Com essa finalidade existem o processo cautelar e as medidas cautelares, que formam um tipo de atividade jurisdicional destinada a proteger bens jurídicos envolvidos no processo. [1]

Desta maneira, é fundamental analisar suas peculiaridades, a fim de se obter uma melhor compreensão do instituto como um todo.

2.1 Características

O processo cautelar possui pontos que o distinguem dos processos de conhecimento e de execução, tornando extremamente relevante a análise de suas características.

A preventividade é a primeira peculiaridade a ser destacada, uma vez que está intimamente relacionada com o

Page 23:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

22  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

mandamento constitucional previsto no artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal de 1988.

O referido dispositivo constitucional determina que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, ou seja, a tutela jurisdicional não se dará somente após a efetivação do dano – lesão – mas também para evitar sua ocorrência – ameaça a direito – sendo que, aqui, inclui-se o processo cautelar, pois tem como finalidade proteger os bens jurídicos de possíveis danos acarretados pela duração do processo.

Outra característica que merece destaque é a provisoriedade, na qual se revela parte do caráter acessório das medidas cautelares, posto que são eficazes somente até a obtenção do resultado útil do processo.

Tal ponto está previsto na primeira parte do artigo 807 da Lei Processual Civil, estando disposto que “as medidas cautelares conservam a sua eficácia no prazo do artigo antecedente e na pendência do processo principal”.

Logo, denota-se que as medidas assecuratórias somente terão eficácia, se antecedentes, no período de trinta dias previstos pelo artigo 806 do CPC para o ajuizamento da ação principal, ou, se incidentais, enquanto durar o processo principal.

Marcelo Lima Guerra, lecionando sobre esta temática, afirma que “a provisoriedade da tutela cautelar se manifesta na peculiaridade desta forma de tutela, de estar fadada a, em razão da sua função específica (acessoriedade), a cessar seus efeitos tão logo o resultado útil do processo, à garantia do qual a tutela foi prestada, seja produzido.”[2].

A acessoriedade do processo cautelar é sua principal característica, a qual está expressamente prevista no artigo 796 do CPC que expressa “o procedimento cautelar pode ser instaurado antes ou no curso do processo principal e deste é sempre dependente”.

Page 24:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        23 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Esta peculiaridade destaca que o processo cautelar terá como fim maior proteger o bem jurídico demandado no processo principal, do qual será sempre dependente, ao passo que nasceu para garantir a efetividade da jurisdição.

Parte da doutrina tende a diferenciar a acessoriedade da instrumentalidade do processo cautelar, levando em consideração sua finalidade, a qual é eminentemente processual – vocacionado à tutela mediata e indireta do direito material – ao passo que os processos de conhecimento e de execução têm escopo material, buscando de forma direta e imediata a tutela do direito material pretendido.

Neste azo, Lopes da Costa aduz que “nas medidas cautelares, em processo, as garantias não visam diretamente à satisfação do direito principal. Destinam-se a ser substituídas por outras, cujo material apenas preparam.”[3].

Os provimentos cautelares, além disso, são apreciados mediante cognição sumária do juiz, isto é, o magistrado somente analisará a existência da plausibilidade do direito alegado e do risco de dano irreparável ou de difícil reparação. Portanto, a concessão de medida cautelar não constitui decisão definitiva, não fazendo coisa julgada e podendo ser revogada ou modificada a qualquer tempo, desde que por decisão fundamentada.

A segunda parte do artigo 807 do CPC prevê essa possibilidade de revogação ou modificação quando dispõe que “as medidas cautelares [...]; mas podem, a qualquer tempo, ser revogadas ou modificadas”.

Resumindo a caracterização das medidas cautelares, Alfredo Buzaid assevera:

A ação cautelar é um poder processual autônomo, que corresponde à função preventiva, diversa da função declaratória e da função executiva. Nestas duas, a atividade jurisdicional consiste em assegurar a realização

Page 25:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

24  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

do direito. Na função cautelar, o escopo não é realizar o direito, mas garantir que ele se realize oportunamente. O seu caráter é instrumental e temporário. A garantia é destinada, como ensina Alberto dos Reis, não propriamente a fazer justiça, mas a dar tempo a que a justiça realize sua obra. [4]

Assim, nota-se que o processo cautelar possui características próprias, as quais o distinguem do processo de conhecimento e do executivo, e que devem ser observadas pelas partes e pelo julgador quando da aplicação da tutela assecuratória.

2.2 Requisitos

O deferimento da tutela cautelar está condicionado à verificação, pelo juiz, de dois requisitos fundamentais, o fummus boni iuris e o periculum in mora.

Inicialmente, é interessante analisar debate que, durante certo período, estabeleceu-se na doutrina, o qual orbitava em torno da alocação desses requisitos como condições da ação ou como sendo o próprio mérito do processo cautelar.

O Código de Processo Civil de 1973, fortemente influenciado pelas ideias de Enrico Tullio Liebman, adotou uma visão eclética do direito de ação, o qual representava o próprio direito ao julgamento domeritum causae. [5]

Todavia, nesse modelo adotado pelo CPC, o julgamento do mérito, a ser proferido pelo juiz por meio de sentença, está condicionado ao preenchimento de algumas condições, as quais seriam inerentes à própria existência da ação. Tais condições se resumem na legitimidade das partes, na possibilidade jurídica do pedido e no interesse de agir.

Dispondo nesse sentido, Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco salienta que

Page 26:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        25 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

“embora em abstrato e ainda que até certo ponto genérico, o direito de ação pode ser submetido a condições por parte do legislador ordinário, que são as denominadas condições da ação.”[6].

A legitimidade das partes é condição inerente à titularidade do direito subjetivo material, isto é, somente aquele que for titular do direito pleiteado, nos termos da lei, poderá exercer o direito de ação. Tal noção está estampada no artigo 6º do CPC/73, o qual estabelece que “ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei”.

A possibilidade jurídica do pedido representa a compatibilidade do pedido com os ditames do ordenamento jurídico, ou seja, a verificação se a pretensão formulada tem amparo no sistema normativo pátrio.

Já o interesse de agir subdivide-se em interesse-adequação, o qual estabelece a devida interação entre a pretensão e o instrumento processual; interesse-necessidade, determinando que a mobilização do aparato Judiciário seja a ultima ratiopara a solução do conflito; e em interesse-utilidade, primando que o processo somente deverá ser utilizado quando puder propiciar o resultado dele pretendido.

Galeno Lacerda entende que os requisitos cautelares se inserem nas condições da ação, pois julga que a fata acarreta a carência da ação.

Como na cautela não se cuida nem da declaração do direito material (função de conhecimento), nem de sua realização coacta (função de execução), mas da existência ou não de necessidade de segurança em face de risco iminente, não resta a menor dúvida de que a avaliação desta necessidade e deste risco, ou seja, do periculum in mora, singulariza interesse legítimo em eliminá-lo, como condição peculiar, não só da ação como de toda a função cautelar,

Page 27:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

26  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

incluídas as providências voluntárias. Sua falta provoca juízo de carência.[7]

Contrapondo-se a este posicionamento, Ovídio Batista da Silva considera que tais requisitos são inerentes ao próprio mérito do processo cautelar, afirmando que “o juiz, ao decidir sobre esses pressupostos, decide o mérito da controvérsia cautelar.”.[8]

Vicente Greco Filho também defende que opericulum in mora e o fummus boni iuris compõem o mérito cautelar, tendo em vista que sem eles há a improcedência da ação.[9]. Além disso, este é o posicionamento hodiernamente adotado pelo STJ[10].

Tais requisitos, portanto, devem ser vistos como o próprio mérito do processo cautelar, uma vez que neste o juiz restringe-se a verificar se estão presentes o fummus boni iuris e o periculum in mora, o que se fará mediante cognição sumária, já que a análise detalhada (exauriente) do direito posto deverá ser realizada na demanda principal, a qual tem o condão de fazer coisa julgada, fenômeno que não se verifica nas ações cautelares.

2.2.1 Periculum in mora

O processo é o instrumento pelo qual o Estado, por meio de seu poder jurisdicional, busca resolver os conflitos de interesses existentes na sociedade.

No entanto, como já detalhadamente explicitado, o processo demanda uma duração razoável para que haja seu necessário amadurecimento, o que, em algumas situações, revela perigo não só para o bem jurídico tutelado, mas à própria efetividade jurisdicional.

Nessa toada, Marcelo Lima Guerra destaca que o periclum in mora “não representa um risco a direitos subjetivos, diretamente, mas à possibilidade de prestação efetiva da tutela jurisdicional relativa aos direitos subjetivos.”[11].

Page 28:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        27 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Alexandre Freitas Câmara também destaca que “esta iminência de dano irreparável (ou de difícil reparação), tradicionalmente denominada periculum in mora, não é capaz de afetar o direito substancial, mas gera perigo, tão somente, para a efetividade do processo.”[12].

Desta sorte, é função das medidas cautelares tentar neutralizar ou eliminar o periculum in mora, a fim de que haja a efetividade da tutela jurisdicional.

Cassio Scarpinela Bueno, dissertando sobre o tema, frisa que “o periculum in mora [...] impõe-se a pronta atuação do Estado-juiz para evitar que o tempo inerente à prestação da tutela jurisdicional seja obstáculo à fruição plena do direito que se afirma na iminência de ser lesionado.”. [13]

Além disso, é salutar enfatizar que a doutrina tem se posicionado pela existência de duas espécies de perigo, conforme é facilmente observado pelas precisas palavras de Alexandre Freitas Câmara:

A doutrina mais autorizada tem afirmado a existência de dois tipos distintos de situações de perigo, nos termos do que aqui se fez. Fala-se em pericolo di infruttuosità e em pericolo di tardività. O primeiro dos tipos de periculum in mora corresponde às situações de perigo para a efetividade do processo principal, já que este não seria frutuoso (ou seja, não produziria bons resultados). O segundo tipo de periculum in mora é o perigo de morosidade, em que se verifica a existência de risco de dano para o direito substancial, caso em que será adequada a tutela antecipatória.[14]

Tal requisito, portanto, manifesta-se pela existência de perigo de dano irreparável ou de difícil reparação, em que deverá o juiz, a requerimento das partes ou ex officio, aplicar medidas

Page 29:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

28  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

assecuratórias para garantir a integralidade do bem jurídico e a efetividade da jurisdição.

2.2.2 Fummus boni iuris

O requisito do fummus boni iuris traduz-se na expressão “fumaça do bom direito”, ou seja, na demonstração da plausibilidade do direito alegado pelas partes.

Este requisito, em verdade, mostra-se como uma previsibilidade hipotética, uma vez que representa a probabilidade de que o direito alegado pela parte seja o amparado pelo ordenamento jurídico.

Percebe-se que tal requisito possui conceituação extremamente imprecisa, tanto que Humberto Theodoro Jr. doutrina que “somente é de cogitar-se da ausência do ‘fummus boni iuris’ quando, pela aparência exterior da pretensão substancial, se divise a fatal carência da ação ou a inevitável rejeição do pedido pelo mérito.”[15].

Impende sobrelevar, ainda, que a aferição dessa probabilidade deve ser realizada pelo juiz mediante cognição sumária, isto é, pela análise superficial da verossimilhança dos fatos alegados. No entanto, deverá o magistrado fundamentar sua decisão, demonstrando a plausibilidade do direito alegado, a fim de que o deferimento de providência cautelar não se configure como um ato arbitrário.

Assim, o fummus boni iuris revela-se como a exposição sumária do direito ameaçado, o qual deverá ser tutelado pelo juiz, para que resultado final do processo principal não reste prejudicado, preservando, com isso, a efetividade da jurisdição.

2.3 Cautelares típicas e atípicas

Page 30:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        29 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

O Brasil adotou um sistema misto de tutelas cautelares, pois estabeleceu, no mesmo ordenamento, medidas individual e genericamente determinadas em Lei.

A práxis forense fez que o legislador rotulasse alguns remédios cautelares que deveriam ser utilizados em situações pré-definidas, estando elas disciplinadas no Capítulo II do Livro III do Código de Processo Civil de 1973, e sendo usualmente denominadas cautelares típicas ou nominadas.

Porém, diante da impossibilidade de se prever todas as providências assecuratórias necessárias para proteger os bens jurídicos em litígio e a própria efetividade jurisdicional, surgiram as cautelares atípicas ou inominadas.

As medidas típicas possuem regramentos próprios, devendo o magistrado observá-los quando da aferição do caso concreto, ao passo que as cautelares atípicas têm como fundamento infraconstitucional o poder geral de cautela previsto no artigo 798 do Digesto Processual Civil, e constitucional o artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal.

Importante frisar que os julgadores não poderão realizar a aplicação indiscriminada do poder geral de cautela, pois somente deve ser utilizado quando a Lei não previr nenhum remédio específico para a situação em análise.

Lecionando sobre esta temática, assim aduz Humberto Theodoro Júnior:

[...] ao regular o poder geral de cautela do juiz, a lei, segundo a experiência da vida e a tradição do direito, prevê várias providências preventivas, definindo-as e atribuindo-lhes objetivos e procedimentos especiais. A essas medidas atribui-se a denominação de medidas cautelares ‘típicas’ ou ‘nominadas’. [...]. Mas a função cautelar não fica restrita às providências típicas, porque o intuito da lei é assegurar meio

Page 31:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

30  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

de coibir qualquer situação de perigo que possa comprometer a eficácia e utilidade do processo principal. Daí existir, também, a previsão de que caberá ao juiz determinar outras medidas provisórias, além das específicas, desde que julgadas adequadas, sempre que houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão de grave e difícil reparação.[16]

Portanto, é evidente a divisão das medidas cautelares em típicas e atípicas, tendo cada categoria seus próprios fundamentos e suas hipóteses de aplicabilidade, mas finalidade idêntica, neutralizar ou eliminar os efeitos do periculum in mora, protegendo o bem jurídico do processo principal.

2.4 Processo cautelar e processo principal

Uma das principais características da tutela cautelar é sua acessoriedade, pois os provimentos assecuratórios são utilizados para garantir a efetividade da tutela jurisdicional pleiteada em um processo de conhecimento ou de execução.

Acerca desta temática, importante colacionar os ensinamentos de Marcelo Lima Guerra:

[...] a característica reconhecida como a mais marcante da tutela cautelar, e que melhor traduz as especificidades apontadas do periculum in mora, é a da instrumentalidade ou acessoriedade, como é bastante conhecida na doutrina e na jurisprudência. Tal característica parece evidente à luz da mencionada especificidade dopericulum in mora, a saber, que ele consiste, imediatamente, em uma ameaça à efetividade da tutela jurisdicional, e não aos direitos subjetivos que possam ser, eventualmente, reconhecidos ou satisfeitos

Page 32:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        31 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

através desta última. Compreende-se, portanto, que a função específica da tutela cautelar impõe um correlacionamento necessário de cada medida a uma outra providência jurisdicional (que se diz principal) em relação à qual a medida deve funcionar como garantia, eliminando ou neutralizando o periculum in mora, cuja própria existência deve ser aferida tomando-se em consideração a providência principal. [17]

O artigo 796 estabelece que “o procedimento cautelar pode ser instaurado antes ou no curso do processo principal e deste é sempre dependente”. A partir desta transcrição, nota-se que o processo cautelar poderá ser preparatório ou incidental.

O processo cautelar será preparatório sempre que for iniciado antes do processo principal e com o fim de resguardar o bem jurídico que futuramente será alvo de demanda.

Nessa espécie, a demanda principal deverá ser iniciada no prazo de trinta dias da data da efetivação da medida cautelar preparatória, conforme bem elucida o artigo 806, sob pena de cessação da eficácia do provimento.

Quando incidente o procedimento cautelar, ou seja, quando ajuizada ação cautelar no curso do processo principal, aquele deverá seguir apenso a este, sendo que os resultados obtidos em um influenciarão no prosseguimento do outro.

Deste modo, nota-se que o processo cautelar, em regra, não tem caráter satisfativo, ao passo que busca assegurar os resultados de uma demanda principal, seja ela de conhecimento ou de execução.

Todavia, há situações em que a tutela cautelar e a principal se confundem, ganhando aquela certa satisfatividade, como ocorre no caso dos alimentos provisionais, em que o juiz, verificando a existência do periculum in mora e do fummus boni

Page 33:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

32  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

iuris, fixará alimentos, em caráter provisório, ao alimentante. Ocorre que tais alimentos são irrepetíveis, isto é, por sua própria natureza, não podem ser futuramente restituídos[18].

Portanto, o processo cautelar, em regra, é um remédio utilizado para que o Estado, no exercício do seu ius imperium, salvaguarde o provimento pleiteado pelas partes das intempéries acarretadas pela necessária duração do processo principal, motivo pelo qual deste será sempre dependente.

3 TUTELA ANTECIPADA

O instituto da tutela antecipada, como o próprio nome já está a frisar, representa a antecipação dos provimentos jurisdicionais pleiteados, isto é, o juiz deverá conceder a tutela requerida pela parte no momento em que verificar a ocorrência de determinados pressupostos que são característicos da tutela de urgência.

A legislação processual civil brasileira, porém, previa uma aplicação restrita desse instituto, sendo utilizado apenas em alguns procedimentos específicos, tais como nas ações possessórias, nos mandados de segurança e nas ações de alimentos[19].

Ocorre que, com a evolução dos anseios sociais, os quais passaram a ser cada vez mais complexos e a exigir providências jurisdicionais mais rápidas, tal lacuna legislativa se tornou mais evidente, demonstrando a inadequação da sistemática processual na busca para oferecer meios mais eficazes para solucionar os litígios.

Frente a essa insuficiência, as medidas cautelares atípicas vieram a ser utilizadas como meios para a obtenção de tutelas satisfativas, passando os juízes, amparados pelo poder geral de cautela, a conceder as chamadas “cautelares satisfativas”.

Todavia, a acessoriedade, principal característica da tutela cautelar, passou a ser mitigada, tendo em vista que o

Page 34:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        33 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

processo principal começou a representar uma mera confirmação do processo cautelar.

Diante deste cenário, e para tentar reestabelecer a integridade fenomenológica das demandas cautelares, o legislador, por meio da Lei n. 8.952, de 13 de dezembro de 1994, que alterou os artigos 273 e 461, § 3º, do Código de Processo Civil, inseriu no ordenamento jurídico a figura da tutela antecipada.

Fredie Didier Júnior, neste ponto, destaca que “o § 3º do art. 461 destina-se à tutela antecipada em ações de prestação de fazer, não-fazer ou dar coisa distinta de dinheiro, enquanto que o artigo 273 cuidaria da antecipação dos efeitos da tutela nas ações declaratórias, constitutivas e de prestação pecuniária.” Diante disso, afirma que “não há processo, portanto, que não contenha regra que permita a antecipação de tutela.”. [20]

Com isso, houve uma ampliação no campo de aplicação da antecipação de tutela, não sendo mais plausível a utilização de medidas cautelares para fins satisfativos, posto que não se coaduna com sua natureza.

Entretanto, para que a tutela antecipada seja concedida, faz-se necessário que o magistrado observe a presença de alguns pressupostos que estão presentes no artigo 273, a fim de que sua aplicação não se dê de maneira arbitrária e indiscriminada.

3.1 Pressupostos

O artigo 273 do CPC destaca que “o juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação ou fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.”.

Page 35:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

34  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Pela dicção do supracitado dispositivo legal, percebe-se que o legislador estabeleceu alguns pressupostos necessários para que a tutela antecipada pudesse ser concedida, quais sejam: i) prova inequívoca, ii) verossimilhança das alegações, iii) fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação ou iv) abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu.

É importante salientar que tais pressupostos devem ser observados de forma conjunta, sendo, necessariamente, a prova inequívoca suficientemente apta a demonstrar a verossimilhança do dano irreparável ou de difícil reparação ou do abuso do direito de defesa ou do manifesto propósito protelatório do réu.

A prova inequívoca é aquela suficiente para convencer o juiz da verossimilhança dos fatos alegados, ou seja, que demonstre ao magistrado o fundado receio de dano ou o abuso do direito de defesa ou, ainda, o manifesto propósito protelatório do réu.

Todos os meios de prova poderão ser utilizados para esse fim, no entanto a valoração do conteúdo probatório é atividade intrínseca do magistrado, uma vez que é este o destinatário final da prova.

Cassio Scarpinella Bueno corrobora com tal posicionamento, chegando a asseverar que “deve ser prestigiada a interpretação de que quaisquer meios de prova – respeitado, sempre, o limite constitucional do art. 5º, LVI – podem conduzir o magistrado à antecipação da tutela jurisdicional para os fins aqui discutidos.”[21].

A verossimilhança, nas palavras de Luiz Guilherme Marinoni, “deve considerar o valor do bem jurídico ameaçado, a dificuldade de o autor provar suas alegações, a credibilidade da alegação e a própria urgência descrita.”.[22]

Desse modo, o julgador deverá analisar todas as peculiaridades que a situação apresenta, pois a verossimilhança é

Page 36:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        35 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

um “conceito variado”, sofrendo mutações de acordo com as especificidades do caso concreto.

O fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação é uma característica não só da tutela antecipada, mas é da essência das tutelas de urgência.

Este pressuposto é mais uma expressão do princípio da efetividade jurisdicional, ao passo que representa a tentativa do Estado de proteger os bens jurídicos de possíveis deteriorações que não poderiam ser evitadas antes da sentença sem a concessão da antecipação de tutela.

No mais, o legislador inovou ao prevê a possibilidade de concessão de tutela antecipatória em casos de abuso do poder de defesa e de manifesto propósito protelatório do réu.

É certo que nessas hipóteses não há um caráter de urgência, mas sim de punição àqueles que se valeram de suas prerrogativas de modo impróprio, portanto é uma espécie de tutela antecipada sancionatória.

Os embaraços a ser criados pelo réu podem ser tanto endoprocessuais - caso de retirada dos autos da vara e a não devolução no prazo determinado, o requerimento de produção de provas claramente descabidas – como extraprocessuais – o envio de notificações, e-mails ou cartas no sentido de postergar o ajuizamento de determinada ação[23].

Esses são os pressupostos exigidos pelo legislador para que o juiz conceda a tutela antecipada, devendo sempre observar o princípio da proporcionalidade, a fim de adotar um juízo necessário e adequado para o exercício do poder geral de antecipação.

3.2 Poder Geral de Antecipação

Com a generalização da tutela antecipada, surgiu para o juiz a figura do poder geral de antecipação, o qual, nas sábias

Page 37:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

36  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

palavras de Fredie Didier Júnior, “é aquele conferido ao órgão jurisdicional para que conceda medidas provisórias e sumárias que antecipem a satisfação do direito afirmado, quando preenchidos os respectivos pressupostos legais.”[24].

No entanto, com o surgimento desse instituto, a doutrina passou a ampliar os estudos quanto ao grau de liberdade que era conferido aos juízes, a fim de tornar claro se tal poder seria uma discricionariedade do julgador ou um dever imposto ao mesmo, que teria de ser exercitado sempre que observados os pressupostos legais.

Hodiernamente, na doutrina, prevalece o entendimento de que o juiz, quando do exercício do poder geral de antecipação, deverá observar se há ou não o preenchimento dos requisitos impostos pelo artigo 273 do CPC, sendo que em caso positivo deverá conceder a antecipação e, caso contrário, negá-la.

Logo, não há uma faculdade, mas sim uma obrigação jurisdicional, à medida que o julgador não poderá, mediante critérios subjetivos, decidir pela concessão ou não da tutela antecipada.

4 FUNGIBILIDADE ENTRE A TUTELA ANTECIPADA E A CAUTELAR

A tutela antecipada, quando de seu surgimento, proporcionou inúmeras dúvidas na doutrina pátria, a qual, em um primeiro momento, optou por estabelecer severas distinções entre ela e a tutela cautelar, não sendo compreendidas como espécies do gênero tutelas de urgência.

Ocorre que a influência da doutrina italiana e a práxis forense fizeram que os juristas pátrios passassem a observar as inúmeras semelhanças existentes entre ambas as tutelas, o que as aproximava e, até mesmo, gerava enormes confusões no cenário prático, já que eram requeridas medidas cautelares em sede de antecipação de tutela e vice-versa.

Page 38:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        37 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Observando tal fenômeno, Luiz Guilherme Marinoni enfatiza que “com a instituição do novo art. 273, verificou-se na prática forense certa dificuldade em precisar a natureza da tutela de cognição sumária contra o periculum in mora, especialmente daquela que pode ser concedida nas ações declaratória e constitutiva.”[25].

Diante de tal cenário, o legislador, por meio da Lei n. 10.444, de 7 de maio de 2002, inseriu o § 7º ao artigo 273, estabelecendo que “se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado”.

Tal normatização prevê a fungibilidade entre a tutela antecipada e a tutela cautelar, possibilitando uma maior abertura para a introdução da ideia das tutelas de urgência, como bem salienta Cândido Rangel Dinamarco[26], in litteris:

A fungibilidade entre as duas tutelas deve ser o canal posto pela lei à disposição do intérprete e do operador para a necessária caminhada rumo à unificação da teoria das medidas urgentes - ou seja, para a descoberta de que muito há, na disciplina explícita das medidas cautelares, que comporta plena aplicação às antecipações de tutela.

A inserção desse dispositivo na sistemática processual civil trouxe novas possibilidades e perspectivas para os estudiosos e operadores do direito, tendo em vista que representa mais uma alternativa para garantir a efetividade jurisdicional, fazendo que o Estado cumpra com o papel que lhe é conferido pelo ius imperium.

A fungibilidade vem a adequar a sistemática das tutelas de urgência ao “modelo constitucional do processo civil”, uma vez que ambas as formas de tutela têm o mesmo objetivo, a garantia da

Page 39:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

38  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

efetividade jurisdicional, isto é, proteger o bem jurídico de possíveis danos que possam vir a ocorrer durante o trâmite processual.

Desta feita, a conscientização de que a visão distintiva que afastava a tutela antecipada da cautelar resta enfraquecida na atualidade, é fundamental não só para o aperfeiçoamento do “modelo constitucional do processo civil”, mas também para a evolução do processo como um todo, resultando no sincretismo hodiernamente observado.

O § 7º do artigo 273 do CPC veio, portanto, para possibilitar que o juiz concedesse tutela de urgência em processos de conhecimento quando a natureza do provimento requerido fosse duvidosa (cautelar ou antecipatória), a fim de que o resultado último do processo não deixasse de ser obtido em detrimento a formalidades que não se adéquam com as garantias constitucionais insculpidas no artigo 5º, principalmente a disposta no inciso XXXV.

Todavia, uma dúvida se estabeleceu no seio doutrinário: a fungibilidade do § 7º do artigo 273 do CPC seria uma via de mão dupla?

Inicialmente, adotou-se o pensamento pregado por Humberto Theodoro Júnior, o qual afirmava que a fungibilidade somente poderia se dar de forma regressiva, isto é, da antecipação de tutela satisfativa para a tutela cautelar.

Tal processualista adverte que “não se pode tolerar a manobra inversa, ou seja, transmudar medida antecipatória em medida cautelar, para alcançar a tutela preventiva, sem observar os rigores dos pressupostos específicos da antecipação de providências satisfativas do direito subjetivo em litígio.”[27].

Este pensamento encontra amparo quando se analisa a literalidade do § 7º do artigo 273, visto que somente dispõe acerca de pedido de natureza cautelar em sede de antecipação de tutela.

Page 40:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        39 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Entretanto, tal corrente perdeu força, passando a imperar a noção de fungibilidade de mão dupla defendida por Cândido Rangel Dinamarco, o qual frisa que, se os requisitos estiverem preenchidos, deverá o magistrado conceder tutela antecipada em vias de cautelar e a cautelar em vias de tutela antecipada.[28].

O Superior Tribunal de Justiça tem se posicionado pela mão dupla da fungibilidade entre a tutela cautelar e a antecipatória. [29]

Portanto, o entendimento pela fungibilidade de mão dupla é o que hodiernamente predomina na doutrina e na jurisprudência, constituindo uma forma de solidificar a ideia de um “modelo constitucional do processo civil” em que sempre se busca privilegiar as garantias individuais e a efetividade jurisdicional.

3 CONCLUSÃO

Com o advento do Código de Processo Civil de 1973, o processo cautelar foi aprimorado, ficando bem estabelecidas suas características, seus requisitos e sua finalidade.

Todavia, em face das constantes mudanças na sociedade, provocadas principalmente pelo acelerado movimento de avanço tecnológico, os quais impuseram que o processo se desenvolvesse de forma mais célere, as medidas cautelares passaram a ser utilizadas com um caráter satisfativo, fato que vai de encontro com sua própria essência.

Percebendo isso, o legislador inseriu no ordenamento jurídico o instituto da tutela antecipada, a qual, também com um viés provisório, pode ser concedida pelos magistrados nos próprios autos do processo principal e a qualquer tempo.

Ocorre, porém, que a inclusão desse instituto trouxe muitas dúvidas para os que militam na seara jurisdicional, pautando-se a doutrina por dar ênfase às distinções entre a tutela cautelar e a antecipada.

Page 41:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

40  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Com a evolução dos estudos acerca de tais institutos, passou a preponderar a linha dos que viam a tutela antecipada e a cautelar como espécies do gênero tutela de urgência.

Diante disso, o legislador incluiu na sistemática processual a figura da fungibilidade entre ambas as formas de tutela, sendo preponderante o entendimento de que tal fungibilidade é de mão dupla, ou seja, antecipada para cautelar e vice-versa.

Esse movimento, portanto, sinaliza a preocupação do legislador em buscar alternativas para garantir a efetividade jurisdicional, coadunando-se com o “modelo de processo civil” imposto a partir da Constituição Federal de 1988.

REFERÊNCIAS

BAUERMANN, Desirê. Estabilização da Tutela Antecipada. Vol. VI. Rio de Janeiro: Revista Eletrônica de Direito Processual, 2010.

BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência. São Paulo: Malheiros, 2003.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 495933 - RS, Relator Ministro Luiz Fux. Primeira Turma. Data do Julgamento: 16 de março de 2004. DJe. 19 de abril de 2004.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 777293 - RS, Relator Ministro Paulo Furtado (Desembargador convocado do Tribunal de Justiça da Bahia). Terceira Turma. Data do Julgamento: 09 de fevereiro de 2010. DJe. 24 de fevereiro de 2010.

BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. 5ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

Page 42:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        41 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

BUZAID, Alfredo. “Ação Cautelar”. Estudos e Pareceres de direito Processual Civil. Organizado por Ada Pellegrini Grinover e Flávio Luiz Yarshell. São Paulo: RT, 2002.

CALMON, Eliana. Tutelas de urgência. Vol. 11. Informativo Jurídico da Biblioteca Oscar Saraiva: 2010.

CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. Vol. III. 11ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2006.

CAVALCANTE, Mantovanni Colares. A antecipação de tutela no novo sistema de eficácia da sentença. São Paulo: Revista Dialética de Direito Processual, 2003.

CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil. 4ª Ed. Campinas-SP: Bookseller Editora, 2009.

CINTRA, Antônio Carlos de Araújo. GRINOVER, Ada Pellegrini. DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 27ª Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2011.

COSTA, Alfredo de Araújo Lopes da. Medidas preventivas – medidas preparatórias – medidas de conservação. Belo Horizonte: Bernardo Álvares, 1958.

DESTEFENNI, Marcos. Natureza constitucional da tutela de urgência. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002.

DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade do Processo. 2ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990.

DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma da reforma. 5ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2003.

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. Vol. I. São Paulo: Malheiros, 2001.

FABRI, José Carlos. Tutela jurisdicional de urgência. 2ª Ed. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2001.

Page 43:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

42  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

FILHO, Vicente Greco. Direito Processual Civil Brasileiro. 11ª Ed. São Paulo: Saraiva, 1996.

GUERRA, Marcelo Lima. Estudos sobre o Processo Cautelar. 1ª Ed. São Paulo: Malheiros Editora, 1991.

JÚNIOR, Fredie Didier. Curso de Direito Processual Civil. 13ª Ed. Vol. I. Salvador: Editora JusPodivm, 2011.

JÚNIOR, Fredie Didier. Curso de Direito Processual Civil. Vol. II, 4ª Ed. Salvador: Juspodivm, 2009.

JÚNIOR, Humberto Theodoro. Curso de Direito Processo Civil. 20ª Ed. Vol. II. Rio de Janeiro: Forense, 1997.

JÚNIOR, Humberto Theodoro. O compromisso do Projeto de Novo Código de Processo Civil com o processo justo. Revista de Informação Legislativa. Vol. 48, n. 190, 2011.

JÚNIOR, Humberto Theodoro. Tutela de emergência. Antecipação de Tutela e medidas cautelares”. O Processo Civil no Limiar do Novo Século. Rio de Janeiro: Forense, 1999.

LACERDA, Galeno. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de janeiro: Forense, 1980.

LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de Direito Processual Civil. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1985.

LOPES, João Batista. Os poderes do juiz e o aprimoramento da função jurisdicional. Revista de Processo nº. 35. São Paulo: Revista dos Tribunais.

MARINONI, Luiz Guilherme. Antecipação da Tutela. 12ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

MARINONI, Luiz Guilherme. Manual do Processo de Conhecimento. 4ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.

Page 44:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        43 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

MARINONI, Luiz Guilherme. Processo cautelar. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

MARQUES, José Frederico. Manual de Direito Processual Civil. Vol. IV. 7ª Ed. São Paulo: Saraiva, 1987.

MOREIRA, José Carlos Barbosa. Aspectos polêmicos da antecipação de tutela. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.

NETTO, José Manoel de Arruda Alvim. Tutela antecipatória: algumas noções – contrastes e coincidências em relação às medidas cautelares satisfativas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.

OLIVEIRA, Rocha. Fundamento constitucional da tutela de urgência. São Paulo: Revista Dialética de Direito Processual, 2003.

ROCHA, José de Albuquerque. Teoria Geral do Processo. 10ª Ed. São Paulo: Atlas, 2009.

SANCHES, Sydney. Poder cautelar geral do juiz no processo civil brasileiro. São Paulo: RT, 1978.

SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de Direito Processual Civil. 13ª Ed. Vol. II. São Paulo: Saraiva, 2010.

SILVA, Ovídio Araújo Batista da. A Ação Cautelar inominada no Direito Brasileiro. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1991.

SILVA, Ovídio Batista da. As Ações Cautelares e o Novo Processo Civil. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1991.

SILVA, Ovídio Araújo Batista da. Comentários ao Código de Processo Civil. Porto Alegre: Letras Jurídicas Editora Ltda, 1985.

WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso Avançado de Processo Civil. 6ª Ed. Vol. III. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.

Page 45:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

44  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

VIANA, Juvêncio Vasconcelos. Do Processo Cautelar. São Paulo: Dialética, 2014.

ZAVASCKY, Teori Albino. Antecipação de tutela. 5ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

[1] FILHO, Vicente Greco. Direito Processual Civil Brasileiro. 11ª Ed. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 151.

[2] GUERRA, Marcelo Lima. Estudos sobre o Processo Cautelar. 1ª Ed. São Paulo: Malheiros Editora, 1991, p.22.

[3] COSTA, Alfredo de Araújo Lopes da. Medidas preventivas – medidas preparatórias – medidas de conservação. Belo Horizonte: Bernardo Álvares, 1958, p. 15.

[4] BUZAID, Alfredo. “Ação Cautelar”. Estudos e Pareceres de direito Processual Civil. Organizado por Ada Pellegrini Grinover e Flávio Luiz Yarshell. São Paulo: RT, 2002, p. 224.

[5] LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de Direito Processual Civil. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1985.

[6] CINTRA, Antônio Carlos de Araújo. GRINOVER, Ada Pellegrini. DINAMARCO, Cândido Rangel. Op. cit., p. 280.

[7] LACERDA, Galeno. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de janeiro: Forense, 1980, p. 212.

[8] SILVA, Ovídio Batista da. As Ações Cautelares e o Novo Processo Civil. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1991, p. 74.

[9] FILHO, Vicente Greco. op. cit., p. 153.

[10] STJ, REsp 495933 / RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, T1, Data do Julgamento: 16/03/2004, DJe. 19/04/2004, p. 155.

[11] GUERRA, Marcelo Lima. op. cit., p. 16.

Page 46:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        45 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

[12] CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. Vol. III. 11ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2006, p. 38.

[13] BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. 5ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 204.

[14] CÂMARA, Alexandre Freitas. Op. cit., p. 39.

[15] JÚNIOR, Humberto Theodoro. Tutela Jurisdicional Cautelar., apud GUERRA, Marcelo Lima. Estudos sobre o Processo Cautelar. 1ª Ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 26.

[16] JÚNIOR, Humberto Theodoro. Curso de Direito Processo Civil. 20ª Ed. Vol. 2. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 377.

[17] GUERRA, Marcelo Lima. op. cit., p. 18.

[18] SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de Direito Processual Civil. 13ª Ed. Vol. II. São Paulo: Saraiva, 2010, pp. 346-347.

[19] JÚNIOR, Fredie Didier. Curso de Direito Processual Civil. Vol. II, 4ª Ed. Salvador: Juspodivm, 2009, p. 465.

[20] JÚNIOR, Fredie Didier. Op. cit., p. 467.

[21] BUENO, Cassio Scarpinella. Op. cit., p. 39.

[22] MARINONI, Luiz Guilherme. Manual do Processo de Conhecimento. 4ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 210.

[23] BUENO, Cassio Scarpinella. Op. cit., PP. 45-46.

[24] JÚNIOR, Fredie Didier. Op. cit., p. 465.

[25] MARINONI, Luiz Gulherme. Op. cit., p. 224.

[26] DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma da reforma. 5ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2003, pp. 91-92.

Page 47:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

46  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

[27] JÚNIOR, Humberto Theodoro. Tutela de emergência. Antecipação de Tutela e medidas cautelares”. O Processo Civil no Limiar do Novo Século. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 94.

[28] “O novo texto deve ser lido somente como portador da autorização a conceder uma medida cautelar quando pedida a antecipação da tutela. Também o contrário está autorizado, isto é: também quando feito um pedido a título de medida cautelar, o juiz estará autorizado a conceder a medida a título de antecipação de tutela, se esse for seu entendimento e os pressupostos estiverem satisfeitos. Não há fungibilidade em uma só mão de direção. Em direito, se os bens são fungíveis isso significa que tanto pode substituir um por outro, como outro por um.” DINAMARCO, Cândido Rangel. Op. cit., p. 92.

[29] STJ, REsp 777293 / RS, Relator Ministro PAULO FURTADO, TERCEIRA TURMA, Data do Julgamento: 09/02/2010, DJe 24/02/2010.

Page 48:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        47 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

www.conteudojuridico.com.br

TRIBUTAÇÃO E DIREITOS FUNDAMENTAIS: A CAPACIDADE CONTRIBUTIVA E O DEVER FUNDAMENTAL DE PAGAR TRIBUTOS

JOÃO GABRIEL MOREIRA CAVALLEIRO DE MACÊDO RIBEIRO: Servidor Público no Tribunal de Justiça do Estado do Pará.

RESUMO: O presente estudo visa analisar os pontos nevrálgicos do princípio da capacidade contributiva e a inevitável tensão entre o princípio do não confisco em detrimento do dever fundamental de pagar tributos. É mandamento expresso da Constituição Federal que o contribuinte deve pagar tributos de acordo com a sua capacidade, de forma a não ser atingido o núcleo essencial dos seus direitos fundamentais, mormente o mínimo existencial. Por outro lado, a não tributação, em larga escala, gera efeitos danosos às políticas públicas e a manutenção dos próprios direitos fundamentais sob o prisma coletivo, assim, é imperioso encontrar o ponto de equilíbrio entre os mencionado princípio do não confisco e o dever de pagar tributos.

Palavras chaves: Tributação. Capacidade Contributiva. Isonomia. Proporcionalidade. Progressividade. Seletividade. Dever Fundamental de Pagar Tributos. Ponderação.

SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2.DESENVOLVIMENTO. 2.1.CAPACIDADE CONTRIBUTIVA: NOÇÕES GERAIS. CAPACIDADE CONTRIBUTIVA E O MÍNIMO EXISTENCIAL. 2.1.1. Capacidade Contributiva e espécies tributárias. 2.1.2.Modalidades de aplicação da capacidade contributiva. 2.1.2.1. Progressividade e Impostos Reais. 2.2. VEDAÇÃO AO CONFISCO: NOÇÕES GERAIS E O DIREITO DE PROPRIEDADE. 2.2.1.Confiscatoriedade de cada tributo ou do Sistema Tributário. Fixação de limites à confiscatoriedade. 2.2.2. Extrafiscalidade e

Page 49:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

48  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Confisco. 2.2.3.Capacidade contributiva, confisco e multa fiscal. 2.3.TRIBUTAÇÃO E DIREITOS FUNDAMENTAIS. 2.3.1.O Custo dos Direitos Fundamentais. 2.3.2. Dever Fundamental de Pagar Tributos. REFERÊNCIAS.

1. INTRODUÇÃO.

É princípio basilar da ordem jurídica tributária a capacidade contributiva. É cediço que o Supremo Tribunal Federal vem concedendo interpretação ampliativa à respectiva norma axiológica insculpida no artigo 145, §1º da Constituição Federal, a estendendo, inclusive às demais espécies tributárias.

Neste contexto, cumpre estudar noções gerais sobre o instituto em comento, bem como os mecanismos de concretização e a jurisprudência sobre o tema, buscando, por fim, verificar a tensão inevitável entre a capacidade contributiva e o dever fundamental de pagar tributos, com o fito de atingir a maximização da garantia dos direitos fundamentais, sob a ótica individual e coletiva.

2. DESENVOLVIMENTO. 2.1. CAPACIDADE CONTRIBUTIVA:NOÇÕES

GERAIS. CAPACIDADE CONTRIBUTIVA E O MÍNIMO EXISTENCIAL.

A capacidade contributiva é princípio inerente a norma axiológica da isonomia em matéria tributária prevista no artigo 150, II da Constituição Federal, que prevê a vedação a todos os entes federativos em “instituir tratamento desigual entre os contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos”.

Isto porque a isonomia prevista na lex legum deve ser vista sob a perspectiva material, permitindo-se tratamento diferenciado, desde que se busque a razoabilidade e que se tencione atingir uma finalidade lícita. Em suma, veda-se apenas os tratamentos diferenciados arbitrários.

Page 50:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        49 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Para atingir este fim, a Carta Magna Brasileira previu, em seu artigo 145, §1º da CF/88 que “sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte (...)”.

Pois bem, Leandro Paulsen aduz que a previsão da graduação dos impostos segundo a capacidade econômica do contribuinte consiste em positivação do princípio da capacidade contributiva, sabendo que a doutrina majoritária afirma que este princípio é, inclusive, metajurídico, ou seja, que deveria orientar o exercício da tributação independentemente de constar expressamente da Constituição[1].

Prossegue o doutrinador afirmando que, nos termos deste princípio, o Estado deve exigir que as pessoas contribuam para as despesas públicas na medida de suas possibilidades, de forma que nada deve ser exigido de quem só tem o suficiente para sua própria subsistência, variando a cobrança de tributos de acordo com as demonstrações de riqueza e, independentemente disso, nunca podendo a exação tributária resultar em confisco[2].

O princípio em tela, tido como metajurídico, detém dois objetivos precípuos, quais sejam, de garantir o mínimo existencial de cada contribuinte e vedar o confisco[3].

No que toca a preservação do mínimo vital contra a tributação como decorrência dos direitos fundamentais, garantido pela capacidade contributiva, Vieira Andrade afirma que “o direito a não tributação do rendimento necessário ao mínimo de existência – não apenas porque se trata de uma prestação jurídica que se traduz numa prestação de facto negativa (embora envolva um custo econômico) - mas também porque representa, logicamente o mínimo dos mínimos”[4].

2.1.1. Proporcionalidade e razoabilidade tributária. Como meio de garantir a observância do princípio da capacidade

contributiva, é curial que a autoridade pública atue observando os princípios da proporcionalidade e razoabilidade tributárias.

De acordo com Luciano Amaro, o princípio da proporcionalidade impõe que o gravame fiscal deve ser diretamente proporcional a riqueza evidenciada em cada situação impositiva. É a consequência

Page 51:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

50  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

do princípio da capacidade contributiva, conjugado com o da igualdade[5].

Roque Carrazza afirma, em sentido análogo, que este princípio, no campo tributário, impõe que se busque a melhor maneira de exigir o cumprimento dos deveres tributários, sem acarretar ônus desmedidos para os contribuintes e nem violar, além do estritamente necessário, valores consagrados na Constituição da República[6].

Neste sentido, as atitudes adotadas pelo Estado tencionando a concretização dos objetivos fazendários devem ter a menor ingerência possível nos negócios das pessoas, jamais se sobrepondo aos direitos fundamentais de liberdade e igualdade.

Destarte, é necessário que haja racionalidade da aplicação - seja por lei ou por ato administrativo - das normas tributárias. Isto porque a arrecadação fiscal não pode ter extensão e nem intensidade desmedidas, capazes de inviabilizar ou dificultar as atividades normais dos contribuintes.

2.1.2. Capacidade Contributiva e espécies tributárias: Cumpre expor, que o artigo 145, §1º da Constituição Federal,

apesar de dispor que será observada a capacidade contributiva para os impostos, em verdade, vem sendo interpretada como regra de imperiosa observância, sempre que possível para todos os tributos.

Leandro Paulsen, corroborando o entendimento externado, afirma que a proibição do confisco e a preservação do mínimo vital, como decorrências do princípio da capacidade contributiva, impõem-se a todas as espécies tributárias, sendo mais nítida a aplicação destes nos tributos com fato gerador não vinculado, uma vez que o princípio da capacidade contributiva pressupõe que a hipótese de incidência respectiva possibilite, de fato, mensurar tal capacidade[7].

José Maurício Conti, por sua vez, afirma que: “O princípio da capacidade contributiva é

aplicável a todas as espécies tributárias. No tocante aos impostos, o princípio é aplicável em toda a sua extensão e efetividade. Já no caso

Page 52:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        51 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

dos tributos vinculados, é aplicável restritivamente, devendo ser respeitados apenas os limites que lhe dão os contornos inferior e superior, vedando a tributação do mínimo vital e a imposição tributária que tenha efeitos confiscatórios”[8].

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal vem evoluindo sobre o tema. Exemplificativamente, é necessário citar excerto do voto do Ministro Ricardo Lewandowski, quando do julgamento do RE 573675, em março de 2009:

“(...) a despeito do art. 45, §1º, da constituição Federal, que alude à capacidade contributiva, fazer referência apenas aos impostos, não há negar que ele consubstancia uma limitação ao poder de imposição fiscal que informa todo o sistema tributário. É certo, contudo, que o princípio da capacidade contributiva não é aplicável, em sua inteireza, a todos os tributos. (...) Como se sabe, existe certa dificuldade em aplica-lo, por exemplo, às taxas, que pressupõe uma contraprestação direta em relação ao sujeito passivo da obrigação. Na hipótese das contribuições, todavia, o princípio em tela, como regra, encontra guarida, como ocorre no caso das contribuições sociais previstas no art. 195, I, b e c, devidas pelo empregador”

Apesar da dificuldade inerente a aplicação do princípio em comento aos tributos vinculados, o Supremo Tribunal Federal possui decisões em que invoca expressamente o princípio da capacidade contributiva como fundamento para legitimação da cobrança de taxas[9]. É imperioso citar como exemplo o julgado paradigmático da taxa de fiscalização da Comissão de Valores Mobiliários, instituída pela lei 7.940/1989:

O critério adotado pelo legislador para a cobrança dessa taxa de polícia busca realizar o princípio

Page 53:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

52  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

constitucional da capacidade contributiva, também aplicável a essa modalidade de tributo, notadamente quando a taxa tem, como fato gerador, o exercício do poder de polícia.

Em suma, é possível verificar que o Supremo Tribunal Federal vem tentando – diante das limitações impostas pela prática tributária – aplicar o princípio em tela a todas as espécies tributárias e não apenas aos impostos.

2.1.3. Modalidades de aplicação da capacidade contributiva:

Leandro Paulsen afirma que há diferentes modos pelos quais se viabiliza a aplicação do princípio da capacidade contributiva, dentre os quais cita-se a imunidade, a isenção, a seletividade e a progressividade.[10]

De acordo com o autor, através da imunidade, a lex legum afasta da incidência tributária, exemplificativamente, o ato de obtenção de certidão de nascimento e de óbito – taxas de serviço - por pessoas reconhecidamente pobres[11].

Em sentido análogo, por meio da isenção, o legislador pode dispensar do pagamento de determinado tributo pessoas que não detenham capacidade contributiva. V.g. Isenção de taxa de inscrição em concurso público para desempregados e isenção de pagamento de imposto de renda para pessoas que recebam renda ou proventos de qualquer natureza abaixo de um determinado patamar[12].

No que toca a seletividade, esta consiste na necessidade de que a tributação seja diferenciada conforme a qualidade do objeto da tributação, de forma que se estipule alíquotas diferentes, para produtos diferentes, de acordo com a sua essencialidade[13].

A Carta magna pátria estipula o critério da essencialidade do produto, mercadoria ou serviço para a aplicação da seletividade (vide Art. 153, §3º, I para o IPI e art. 155, §2º, III para o ICMS). Isto porque presume-se que quanto mais supérfluo o bem adquirido, maior será a capacidade contributiva de seu adquirente. No mais, a lex legum, também estabelece como parâmetro para a seletividade

Page 54:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        53 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

o tipo e a utilização do veículo automotor (art. 155,§6º, II, relativo ao IPVA) e a localização e o uso do imóvel (art. 156, § 1º, II, para o IPTU).

Por fim, a progressividade não deve ser confundida com a seletividade. Isto porque a primeira consiste na ideia de que quanto maior a base de cálculo do tributo, maior será sua capacidade contributiva presumida, e portanto, mais elevada deverá ser sua alíquota.

Corroborando o exposto, Roque Carrazza afirma que as leis que criam os tributos em abstrato devem estruturá-los de forma que suas alíquotas variem para mais à medida que forem aumentando suas bases de cálculo[14].

2.1.3.1. Progressividade e Impostos Reais:

O entendimento tradicional do Supremo Tribunal Federal, inclusive por interpretação literal do que dispõe o artigo 145, §1º da Constituição Federal, era no sentido de que apenas os tributos pessoais obedeceriam o princípio da progressividade, salvo disposição expressa em sentido contrário.

Além da interpretação literal, tal assertiva decorria do raciocínio de que os impostos reais não levavam em consideração características do contribuinte, mas apenas da coisa. Neste contexto foram editadas as súmula 656 e 668 do Supremo Tribunal Federal

Em louvável evolução jurisprudencial, o Supremo Tribunal Federal analisou a progressividade do Imposto de Transmissão causa mortis do Estado do Rio Grande do Sul e assentou no Recurso Extraordinário 562.045/RS o entendimento de que o princípio da progressividade, nesse caso, não era incompatível com a Constituição Federal e nem feria o princípio da capacidade contributiva.

O raciocínio da Suprema Corte é pertinente, uma vez que, apesar da tributação não levar em consideração características de forma direta e imediata do contribuinte, mas apenas da coisa, é inequívoco que indiretamente é possível se verificar a capacidade contributiva de determinado sujeito passivo em função de seus bens.

Page 55:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

54  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

É possível se inferir que, mesmo um contribuinte que adquire um imóvel com valor venal de, v.g.R$10.000.000,00 (dez milhões de reais), é dotado de capacidade contributiva maior e deve ser tributado de forma mais enérgica do que um contribuinte que adquire imóvel de R$100.000,00 (cem mil reais).

Insta ressaltar que o princípio da proporcionalidade - ou seja, o aumento da tributação pela majoração da base de cálculo, ainda que com alíquotas uniformes - é insuficiente para concretizar a capacidade contributiva no caso concreto.

No exemplo exposto anteriormente, é razoável expor que se fosse adotada a técnica da proporcionalidade, inequivocamente o adquirente do imóvel de dez milhões de reais seria beneficiado, apesar de pagar mais. Caso fosse imposta uma alíquota de 2% (dois por cento) no caso, o primeiro contribuinte pagaria duzentos mil reais, enquanto o segundo seria tributado em dois mil reais. Apesar disso, R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) para quem compra imóvel de valor exorbitante pode não ser apto a atingir seu mínimo existencial (o que é absolutamente indesejável, ressalte-se), enquanto R$ 2.000,00 (dois mil reais) pode ser um valor apto a atingir o núcleo essencial dos direitos de quem adquire um imóvel tido como popular.

Resta saber se o Supremo Tribunal Federal cancelará as súmulas supracitadas, por medida de coerência.

2.2. VEDAÇÃO AO CONFISCO: NOÇÕES GERAIS E O DIREITO DE PROPRIEDADE.

O princípio da vedação ao confisco está previsto no artigo 150, IV da constituição Federal e, consiste, segundo Leandro Paulsen, na impossibilidade de tomada compulsória da propriedade privada pelo Estado, sem indenização.

A vedação ao confisco, especificamente, previsto na mencionada norma constitucional, entretanto, refere-se à forma velada, indireta de confisco, que pode ocorrer por tributação excessiva[15].

Ainda nas lições de Leandro Paulsen, não importa a finalidade, mas o efeito da tributação no plano dos fatos, de forma que, se a alíquota de um tributo for tão elevada a ponto de se tornar

Page 56:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        55 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

insuportável, violando o direito de propriedade, haverá tributação confiscatória[16].

Roque Carrazza ratifica o raciocínio de Leandro Paulsen, ao afirmar que a tributação não pode agredir a propriedade privada, a ponto de colocá-la em risco[17]. Outrossim, Hugo de Brito Machado suscita que a vedação ao confisco decorre da garantia constitucional da propriedade e que o constituinte, ao colocar esta vedação de forma expressa dentre os limites do poder de tributar, quis evitar controvérsias a respeito da questão de saber se a garantia do direito de propriedade estaria, ou não, preservada pelo fato das exações tributárias serem instituídas por lei[18].

Conforme exposto alhures, o não confisco é um dos objetivos fundamentais do princípio da capacidade contributiva e, portanto, ambos possuem ligação indissociável. Assim sendo, para se afastar o confisco, é necessário aplicar a capacidade contributiva em todas as suas modalidades, ou seja, valendo-se de imunidades, isenções, progressividade e seletividade, além, claro, da proporcionalidade.

O princípio da não confiscatoriedade exige do legislador conduta marcada pelo equilíbrio, pela moderação e pela medida, quando for fixado o quantum debeatur do tributo, buscando, assim, um direito tributário justo.

É necessário, entretanto, perquirir se há parâmetros para se constatar a confiscatoriedade do tributo, e, ato contínuo, os limites idôneos a evitar este fenômeno.

2.2.1. Confiscatoriedade de cada tributo ou do Sistema Tributário. Fixação de limites à confiscatoriedade.

Questão de debates na doutrina e na jurisprudência, é lícito verificar se deve-se analisar cada tributo isolado, ou o sistema tributário, para fins de se constatar a confiscatoriedade.

O entendimento francamente majoritário na doutrina e sedimentado pelo STF quando do julgamento da ADIn 2.010-2, é de que a análise do caráter confiscatório de um novo tributo ou

Page 57:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

56  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

majoração dos existentes se faz em face da carga tritubtária total a que resta submetido o contribuinte. Vide infra:

“(...) A TRIBUTAÇÃO CONFISCATÓRIA É VEDADA PELA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA...A identificação do efeito confiscatório deve ser feita em função da totalidade da carga tributária, mediante verificação da capacidade de que dispõe o contribuinte – considerado o montante de sua riqueza (renda e capital) – para suportar e sofrer a incidência de todos os tributos que ele deverá pagar, dentro de determinado período, à mesma pessoa política que os houver instituído (a União Federal, no caso), condicionando-se, ainda, a aferição do grau de insuportabilidade econômico-financeira, à observância, pelo legislador, de padrões de razoabilidade destinados a neutralizar excessos de ordem fiscal eventualmente praticados pelo Poder Público. Resulta confutrado o caráter confiscatório de determinado tributo, sempre que o efeito cumulativo – resultado das múltiplas incidências tributárias, estabelecidas pela mesma entidade estatal – afetar, substancialmente, de aneira irrazoável, o patrimônio e/ou rendimentos do contribuinte. – O poder Público, especialmente em sede de tributação (as contribuições de seguridade social resvetem-se de caráter tributário), não pode agir imoderadamente, pois a atividade estatal achas-se essencialmente condicionada pelo princípio da razoabilidade (...)” (STF, Plenário, ADIn 2.010-2/DF, Min. Celso de Mello, Dj 12.04.2002).

A decisão do Supremo Tribunal Federal encontra eco na doutrina pátria. Hugo de Brito Machado preleciona que o caráter

Page 58:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        57 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

confiscatório do tributo há de ser avaliado em função do sistema, ou seja, em face da carga tributária em conjunto[19].

Neste contexto, torna-se possível verificar, casuisticamente, eventuais limites à tributação. Conforme supracitado, o princípio da não confiscatoriedade exige do legislador conduta marcada pelo equilíbrio e pela moderação, quando for fixado oquantum debeatur do tributo, buscando, assim, um direito tributário justo.

Ora, a exação tributária não, pode, inviabilizar o funcionamento de uma empresa, ou violar o direito de propriedade de forma não razoável, mesmo que para salvaguardar outros direitos fundamentais, como a saúde, educação, lazer e cultura.

Há de se buscar, em verdade, formas lícitas e constitucionais de adquirir receita e garantir estes direitos fundamentais, mas é vedado que eles sejam alcançados por força de atividade inconstitucional do Estado, onde este confisca o patrimônio de um sujeito, para privilegiar a coletividade. O argumento seria meramente utilitarista e inadmissível.

Conforme Leandro Paulsen, confiscatória será a carga cuja restrição ao patrimônio do contribuinte seja desproporcional, comprometendo demasiadamente os direitos individuais, não só de propriedade, mas também de livre exercício de atividade econômica. Segundo o autor, os princípios da razoabilidade, da vedação do excesso e da proporcionalidade configuram instrumentos importantes para verificação dos limites na tributação, no caso concreto.[20]

Todas as informações relativas à vedação ao confisco expostas alhures, indubitavelmente são aplicáveis aos impostos, uma vez que é nesta hipótese tributária que parece mais comum a aplicação da capacidade contributiva e da vedação ao efeito confiscatório do tributo.

É necessário, entretanto, fazer uma ponderação quanto aos impostos incidentes sobre patrimônio e sobre renda.

Page 59:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

58  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

A renda é uma riqueza que se renova continuamente, portanto, é viável que se apliquem alíquotas altas, sem incorrer em confisco. Verbi gratia, o imposto de Renda admite incidência de alíquotas que chegam até a 27,5% sobre a renda ou os proventos de qualquer natureza.

De toda sorte, se a mesma alíquota fosse aplicada aos patrimônios que configuram riquezas não renováveis, ela seria evidentemente confiscatória. Neste caso o patrimônio é estático. Em caso de se admitir a mesma alíquota de 27.5%, exemplificativamente, a título de IPTU, ensejaria em retirar a propriedade do particular em menos de quatro anos.

No que toca as taxas, Sacha Calmon Navarro Coêlho afirma que a não confiscatoriedade deve ser medida de acordo com a proporção do custo da atividade estatal e a cobrança. O exemplifica o raciocínio ao afirmar que a cobrança de uma taxa exorbitante para a expedição de passaporte ensejaria o confisco do dinheiro do contribuinte (propriedade lato sensu), ferindo seu também direito de ir e vir, de entrar e sair de seu país com seus bens, que são contemplados pela Constituição Federal[21].

Em relação as contribuições de melhorias, é necessário que o fisco se atenha a dois limites. O primeiro é individual, ou seja, a Fazenda jamais poderá cobrar, a título de contribuição de melhoria, montante superior à valorização efetiva do imóvel. O segundo limite é o coletivo, ou seja, de que a cobrança de contribuições de melhorias de todos os imóveis afetados não poderá exceder o valor global da obra. Neste sentido, Aires Barreto:

“Se a hipótese de incidência da contribuição é a valorização imobiliária acarretada pela obra pública, o máximo que se poderá exigir a esse título é toda a valorização. (...) Confisco (efeito de) haverá se a alíquota aplicável e aplicada for superior a 100%. Estar-se-á absorvendo parcela da propriedade (atribuindo-a ao Estado), produzindo inegável efeito de confisco.

Page 60:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        59 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Ocorrerá, nesse caso, mutilação da propriedade porque o Estado, em virtude da aplicação da alíquota ‘confiscatória’, absorverá um valor (total ou parcial) da propriedade estranho à valorização imobiliária decorrente de obra pública (Aires Barreto, vedação ao efeito do confisco, em RDT n.63. Malheiros, p. 105)[22]

Por fim, curial abordar o empréstimo compulsório que, segundo Sacha Calmon Navarro “mesmo restituível e temporário, não pode um empréstimo compulsório tomar todo patrimônio ou renda do contribuinte” (COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 10ª edição. Forense, 2009. p.126)[23]

2.2.2. Extrafiscalidade e Confisco.

O Tributo de função extrafiscal não detém função precíupa de arrecadação tributária. Por meio deste mecanismo, busca o poder público atuar no mercado de forma ordinatória, estimulando ou desestimulando comportamentos.

É controversa entretanto, se é lícito ao Estado, com o fim de conduzir o mercado para atender o bem social, induzindo comportamentos desejados ou inibindo comportados indesejados.

Sacha Calmon Navarro Coelho afirma que a vedação ao confisco cede às políticas extrafiscais, mormente as expressamente previstas na Constituição. Assim sendo, onde o constituinte previu a exacerbação da tributação para incentivar ou desestimular condutas, seria vedado ao contribuinte a arguição do princípio do não confisco tributário, salvo em casos limites de absorção da renda ou do patrimônio. Segundo o autor, “o princípio do não confisco atua no campo da fiscalidade tão somente e daí não sai(..)”[24]

Em sentido contrário, Leandro Paulsen, baseado no Voto do Desembargador Roque Volkweiss (TJ/RS, AP 70012471538, mar/06), a finalidade extrafiscal não justifica tributação confiscatória. Isto porque quando o tributo confiscatório não objetiva estimular ou desestimular a prática de determinado fato gerador, mas punir ou

Page 61:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

60  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

castigar o contribuinte, extorquindo-lhe imotivada e abusivamente o patrimônio[25].

Em sentido complementar, alguns autores como Alfredo Augusto Becker e Hugo de Brito Machado, afirmam diferenciam tributação proibitiva de tributação confiscatória.

Alfredo Augusto Becker sustenta que o tributo extrafiscal proibitivo é um instrumento jurídico do Estado para impedir ou desestimular indiretamente um ato ou fato que a ordem jurídica permite[26].

Pois bem, como a Constituição Federal não trouxe à baila exceções ao princípio da vedação ao confisco, parece razoável concluir que a vedação também se aplica aos tributos extrafiscais, de modo que o Estado, a pretexto de desestimular comportamentos, não pode chegar ao limite de inviabilizar uma atividade econômica lícita, sendo-lhe permitido apenas a imposição tributária proibitiva.

2.2.3. Capacidade contributiva, confisco e multa fiscal.

É reconhecida, ao menos em sede jurisprudencial, a aplicação do princípio da vedação ao confisco às multas tributárias. O princípio da proporcionalidade impede que se convalide uma multa que imponha gravame em manifesto descompasso com a gravidade do ato.

Leandro Paulsen afirma que é possível reduzir multa excessiva, expurgando-a do excesso inconstitucional, fundamentando-se no princípio da proporcionalidade, mas desde que esta seja a única solução para sanar a inconstitucionalidade, ou seja, quando não haja lei posterior mais benéfica, cuja aplicação, por força do art. 106, II, c do CTN, seja suficiente para redução da alíquota a patamar aceitável[27].

A redação do artigo 150, IV pode trazer a conclusão de que a vedação ao confiso só se aplica aos tributos, excluindo-se, portanto as multas fiscais. Este foi o entendimento do Ministro Francisco Falcão, quando julgou o Resp. 660692/SC, em fevereiro de 2006:

Page 62:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        61 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

“MULTA MORATÓRIA. REDUÇÃO. IMPOSSIBILIDADE...III –A multa moratória não está adstrita à regra de não confisco, que deve ser seguida apenas para fins de fixação da exação. Pelo contrário, deve, em regra, ser aplicada sem indulgência, evitando-se futuras transgressões às normas que disciplinam o sistema de arrecadação tributária, não merecendo respaldo a pretensão do recorrente de ver reduzida tal penalidade”

Ocorre que a posição do Eminente Ministro encontra-se superada pelo próprio Supremo Tribunal Federal.Vide o voto proferido pelo Ministro Ricardo Lewandowski em dez de junho de dois mil e treze, quando do julgamento do Recurso Extraordinário 657372.

Trata-se de recurso extraordinário interposto contra acórdão que entendeu pela inexistência de direito a crédito de ICMS quando esse imposto é recolhido em razão do consumo de energia elétrica, da contratação de serviços de comunicação e da aquisição de bens para o ativo fixo do contribuinte ou para uso e consumo próprio, em período anterior à LC 87/96. Concluiu-se, ainda, pela legitimidade de multa tributária fixada em 120% do valor do tributo. No RE, interposto com base no art. 102, III, a, da Constituição Federal, alegou-se, em suma, a constitucionalidade desses créditos, bem como a natureza confiscatória da multa aplicada. A pretensão recursal merece acolhida, em parte. Em relação a possibilidade de creditamento, o acórdão recorrido está em conformidade com a jurisprudência desta Corte (...). No entanto, em relação a multa, é certo que esta Corte já fixou entendimento no sentido de que lhe é possível examinar se determinado tributo ofende, ou não, a proibição constitucional do confisco em matéria

Page 63:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

62  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

tributária, nos termos do art. 150, IV,da CF, e que esse princípio deve ser observado ainda que se trate de multa fiscal resultante do inadimplemento, pelo contribuinte, de suas obrigações tributárias, a exemplo do que se decidiu nos seguintes feitos: ADI 1075-MC/DF, Rel. Min. Celso de Mello; ADI 551/RJ, Rel. Min. Ilmar Galvão; ARE 637.717-AgR/GO, Rel. Min. Luiz Fux; . Além disso, é antiga a jurisprudência desta Corte que, com base na vedação ao confisco, reconhece como inconstitucionais multas fixadas em índices de 100% ou mais. Nesse sentido, anoto os seguintes precedentes: ADI 551/RJ, Rel. Min. Ilmar Galvão;ADI 1075-MC/DF, Rel. Min. Celso de Mello; RE 91.707/MG, Rel. Min. Moreira Alves; RE 81.550/MG, Rel. Min. Xavier de Albuquerque. (...) (STF - RE: 657372 RS , Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 14/09/2012, Data de Publicação: DJe-186 DIVULG 20/09/2012 PUBLIC 21/09/2012).(Grifo meu).

Conforme visto do precedente colacionado, a Suprema Corte reconhece como inconstitucional multa fixada em índice de 100% (cem por cento) ou mais sobre a exação tributária.

De toda sorte, é necessário verificar se este limite atende à teleologia da Constituição Federal. Isto porque, adotar um critério objetivo de que qualquer patamar que não supere 100% (cem por cento) da obrigação de pagar tributos não é idôneo a configurar confisco pode violar frontalmente a proporcionalidade e, ato contínuo, ensejar a inviabilização imediata da atividade econômica.

De outro lado, também é necessário fazer análise crítica do percentual fixado em precedentes do Supremo Tribunal Federal, em

Page 64:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        63 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

especial no caso de multas fixadas em razão de sonegação fiscal dolosa do contribuinte.

No âmbito federal especificamente, o artigo 44, §1º traz à baila multa de 150% (cento e cinquenta por cento) a ser aplicada pela Receita Federal do Brasil no caso de sonegação, fraude ou conluio.

O tema se encontra pendente de análise pelo Supremo Tribunal Federal mediante a sistemática da Repercussão Geral (tema 863) em que o Pretório Excelso deve acatar o percentual fixado por lei, fixando limites, entretanto, à aplicação dessa penalidade pelo fisco federal, segundo indicou o voto do Min. Luiz Fux, quando reconheceu a transcendência subjetiva do tema[28].

De mais a mais, é necessário expor que a multa não é imposta em patamar gravoso de forma aleatória. Visa coibir grandes um dos grandes males da sociedade moderna, qual seja, a sonegação.

A tributação é imprescindível para a manutenção de uma sociedade equilibrada e para a própria manutenção dos direitos fundamentais.

Doutrina especializada afirma que a tributação é “o custo dos direitos fundamentais”. Logo, a atividade de sonegação merece ser energicamente coibida, razão pela qual, multa decorrente de tal conduta fixada em 150% (cento e cinquenta por cento) deve ser chancelada pelo Supremo Tribunal Federal.

É necessário, por fim, fazer breves ilações sobre o custo dos direitos fundamentais e o dever fundamental de pagar tributos, com o fito de chancelar o que foi exposto nesse tópico.

2.3. TRIBUTAÇÃO E DIREITOS FUNDAMENTAIS

2.3.1. O Custo dos Direitos fundamentais

É lição comezinha de direito que a atividade financeira do Estado é um conjunto de ações deste para obtenção de receitas e a realização de gastos para o atendimento das necessidades públicas. Assim, é de vital importância esclarecer que a base dessas necessidades públicas é a materialização dos direitos

Page 65:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

64  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

fundamentais inculpidos na nossa Carta Magna. A relação entre necessidades públicas e direitos fundamentais é indissociável.

Ocorre que, para garantir os direitos fundamentais, inegavelmente há um custo para o erário público. Para se garantir o direito fundamental da saúde, há se investir em infraestrutura, com obras públicas de construção de hospitais e postos, bem como é necessário que se compre materiais necessários à atividade, e que se contrate mão de obra qualificada para tal mister.

Em igual sentido, sob o prisma preventivo, para garantir a saúde, também é necessário que o estado aplique recursos na consolidação do saneamento básico e em políticas de conscientização. Mutatis mutandis, o mesmo se aplica para educação, para a segurança e para todo o plexo de normas-princípios que formam o sistema de direitos fundamentais pátrios.

De toda sorte, para a consecução destes direitos fundamentais, é necessário que a população sofra limitações na sua esfera patrimonial. Em suma, terem garantidos seus direitos fundamentais, parcela dos sujeitos de um Estado abrem mão do caráter outrora absoluto dos direitos fundamentais patrimoniais, como a propriedade.

Exemplificando o assunto, Ricardo Lobo Torres afirma que alguns dos direitos fundamentais se abrem ao poder financeiro do Estado. O livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão (artigo 5º, XIII da CF) que produz riqueza é alvo de tributação. Da mesma forma que a propriedade (art. 5º, XXII e XXIII da CF), que deverá atender a sua função social, também suporta a incidência de tributos[29].

Ora, isto se dá porque a receita tributária assume papel de destaque em nosso ordenamento jurídico atual. É a receita advinda da arrecadação de tributos que assume papel de liderança no mister de formar reservas financeiras idôneas a construir – na medida do possível – toda a estrutura necessária para a concretização dos direitos fundamentais.

2.3.2. Dever Fundamental de Pagar Tributos

Page 66:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        65 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Consolidada a vitalidade da atividade tributária para a atividade financeira do Estado e a consecução dos direitos fundamentais, conforme argumentos expostos alhures, é inegável a existência de um “dever fundamental de pagar tributos”.

Klaus Tipke e Douglas Yamashita discutem sobre o dever fundamental de pagar impostos, que mutatis mutandis, se aplica a caso em tela. De acordo com os autores, o imposto não é mero sacrifício, mas sim, uma contribuição necessária para que o Estado possa cumprir suas tarefas no interesse do proveitoso convívio de todos os cidadãos. O direito tributário afeta não só a relação entre o cidadão e o Estado, mas também a relação dos cidadãos entre si, configurando-se como um direito da coletividade[30].

Neste sentido, José Casalta Nabais afirma que como dever fundamental, o imposto não pode ser concebido como uma atividade de poder pura e simples do estado, e nem como mero sacrifício para o cidadão. A imposição fiscal é um contributo indispensável a uma vida em comunidade organizada em estado fiscal, que tem na subsidiariedade da sua própria ação (econômico social) e no primado da autorresponsabilidade dos cidadãos pelo seu sustento, o seu verdadeiro suporte[31].

Em suma, o dever fundamental de pagar tributos é indissociável ao princípio da solidariedade. A afirmação é baseada em simples inferência lógica. Todo e qualquer Estado é composto por sujeitos de elevada capacidade contributiva, que teriam condições de se sustentar e de prover seus próprios direitos fundamentais de forma satisfatória, bem como também de sujeitos que sequer possuem porte econômico suficiente para garantir o mínimo existencial.

Sob este ponto de vista, é inevitável concluir que pelo princípio da solidariedade, é necessário que todosque possuem capacidade contributiva para contribuir com a atividade financeira estatal o façam, de forma que direitos fundamentais sejam garantidos aos que não detenham condições econômicas para tal mister.

3. Conclusão

Page 67:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

66  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Diante doe exposto, é necessário que o dever fundamental de pagar tributos seja fundado na concretização da justiça fiscal, por meio da capacidade contributiva e de seus desdobramentos: a proporcionalidade, a seletividade e a progressividade. Entendendo-se a proporcionalidade como a necessidade de se impor o gravame fiscal de forma diretamente proporcional à riqueza evidenciada em cada situação impositiva.

Já o princípio da progressividade, consoante Leandro Paulsen, é o meio idôneo a fazer com que aqueles que revelam melhor situação econômica e, por consequência, maior capacidade para contribuir com as despesas públicas o façam em maior grau que os sujeitos de menor capacidade econômica. Não só em termos proporcionais, mas também suportando percentuais maiores, tomando-se o cuidado de não desestimular a geração de riqueza[32], conforme exposto em tópico precedente deste artigo.

Em relação à seletividade, é necessária que não haja tributação, ou que haja tributação por alíquotas baixas, no que toca os produtos essenciais à manutenção da dignidade, e mais enérgica nos bens supérfluos.

É vital, portanto, que a atividade tributária não seja vista como mero poder do Estado ou mero sacrifício do cidadão, conforme já citado, é necessário que se tenha o dever de pagar tributos como um dever fundamental, calcado na solidariedade que norteia o sistema pátrio e contemplando a real capacidade contributiva de cada cidadão, tomando cuidado para não retirar o mínimo existencial de quem pouco pode contribuir e para não desestimular a produção de riquezas de quem possui capacidade econômica elevada, devendo-se ponderar caso a caso as circunstâncias postas sob análise.

REFERÊNCIAS

AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro.20.ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 166

ANDRADE Vieira. Os direitos fundamentais na constituição portuguesa de 1976, 2ª edição, Almedina.In: PAULSEN,

Page 68:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        67 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Leandro. Direito tributário: Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora; ESMAFE, 2011.

BECKER, Alfredo augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. Saraiva. 1963, mar/08, p. 85. In: PAULSEN, Leandro. Direito tributário: Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora; ESMAFE, 2011.

CARRAZZA, Antônio Roque. Curso de direito constitucional tributário. 30ª ed. São Paulo. Malheiros, 2014.

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário.19ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 10ª edição. Forense. 2009. P. 132.In: PAULSEN, Leandro. Direito tributário: Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora; ESMAFE, 2011.

CONTI, José Maurício Conti. Princípios da capacidade contributiva e da progressividade. Dialética 1996, p. 65. In: PAULSEN, Leandro. Direito tributário: Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora; ESMAFE, 2011.

MACHADO, Hugo de Brito. Os Princípios Jurídicos da Tributação na Constituição de 1988, São Paulo, Ed. RT, 1989, p. 66. In: CARRAZZA, Antônio Roque. Curso de direito constitucional tributário. 30ª ed. São Paulo. Malheiros, 2014.

MACHADO, Hugo de Brito, Curso de Direito Tributário, 30ª ed. Malheiros, 2009.

NABAIS, José Casalta. O dever Fundamental de pagar impostos. Coimbra: Liv. Almedina, 1998.

Page 69:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

68  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

PAULSEN, Leandro . Curso de direito tributário: completo. 4. ed. rev. atual. e ampl. – Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2012.

PAULSEN, Leandro. Direito tributário: Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora; ESMAFE, 2011.

TIPKE, Klaus; YAMASHITA, Douglas. Justiça fiscal e Princípio da Capacidade Contributiva. Malheiros, 2002, p. 13. In: PAULSEN, Leandro. Direito tributário: Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora; ESMAFE, 2011.

TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário. 18ª edição, revista e atualizada. Rio de Janeiro: Renovar, 2011.

[1] PAULSEN, Leandro. Direito tributário: Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora; ESMAFE, 2011. p. 45.

[2] PAULSEN, Leandro. Direito tributário: Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora; ESMAFE, 2011. p. 45.

[3] Este último será abordado em tópico específico, posteriormente.

[4] ANDRADE Vieira. Os direitos fundamentais na constituição portuguesa de 1976, 2ª edição, Almedina. p. 388. In: PAULSEN, Leandro. Direito tributário: Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora; ESMAFE, 2011. p. 46.

[5] AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro.20.ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 166

[6] CARRAZZA, Antônio Roque. Curso de direito constitucional tributário. 30ª ed. São Paulo. Malheiros, 2014. p. 560

Page 70:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        69 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

[7] PAULSEN, Leandro. Direito tributário: Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora; ESMAFE, 2011. p. 48.

[8] CONTI, José Maurício Conti. Princípios da capacidade contributiva e da progressividade. Dialética 1996, p. 65. In: PAULSEN, Leandro. Direito tributário: Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora; ESMAFE, 2011. p. 48

[9] ALEXANDRINO, Marcelo e PAULO, Vicente. Direito tributário na Constituição e no STF. 17ª ed. rev. atual. e amp. Rio de Janeiro: Forense. São Paulo: Método. 2014. p. 40.

[10] PAULSEN, Leandro . Curso de direito tributário: completo. 4. ed. rev. atual. e ampl. – Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2012. p. 77

[11] PAULSEN, Leandro . Curso de direito tributário: completo. 4. ed. rev. atual. e ampl. – Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2012. p. 77

[12] PAULSEN, Leandro . Curso de direito tributário: completo. 4. ed. rev. atual. e ampl. – Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2012. p. 77

[13] PAULSEN, Leandro . Curso de direito tributário: completo. 4. ed. rev. atual. e ampl. – Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2012. p. 78

[14] CARRAZZA, Antônio Roque. Curso de direito constitucional tributário. 30ª ed. São Paulo. Malheiros, 2014. p. 100

[15] PAULSEN, Leandro. Direito tributário: Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora; ESMAFE, 2011. p. 208.

[16] PAULSEN, Leandro. Direito tributário: Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora; ESMAFE, 2011. p. 208.

[17] CARRAZZA, Antônio Roque. Curso de direito constitucional tributário. 30ª ed. São Paulo. Malheiros, 2014. p. 114

Page 71:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

70  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

[18] Hugo de Brito Machado, Os Princípios Jurídicos da Tributação na Constituição de 1988, São Paulo, Ed. RT, 1989, p. 66 Citado pelo roque fl. 155.

[19] MACHADO, Hugo de Brito, Curso de Direito Tributário, 30ª ed. Malheiros, 2009, p. 42.

[20] PAULSEN, Leandro. Direito tributário: Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora; ESMAFE, 2011. p. 210

[21] COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 10ª edição. Forense. 2009. P. 132. In: PAULSEN, Leandro. Direito tributário: Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora; ESMAFE, 2011. p. 212.

[22] PAULSEN, Leandro. Direito tributário: Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora; ESMAFE, 2011. p. 213

[23]PAULSEN, Leandro. Direito tributário: Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora; ESMAFE, 2011. p. 213.

[24] COÊLHO, SACHA CALMON NAVARRO.Curso de Direito Tributário Brasileiro. 10a edição. Forense. 2009. P.243. In: PAULSEN, Leandro. Direito tributário: Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora; ESMAFE, 2011. p. 208

[25] PAULSEN, Leandro. Direito tributário: Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora; ESMAFE, 2011. p. 208.

[26] BECKER, Alfredo augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. Saraiva. 1963, mar/08, p. 85. In:PAULSEN, Leandro. Direito tributário: Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora; ESMAFE, 2011.

Page 72:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        71 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

[27] PAULSEN, Leandro. Direito tributário: Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora; ESMAFE, 2011. p. 214

[28] RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. MULTA FISCAL QUALIFICADA. SONEGAÇÃO, FRAUDE E CONLUIO. 150% SOBRE A TOTALIDADE OU DIFERENÇA DO IMPOSTO OU CONTRIBUIÇÃO NÃO PAGA, NÃO RECOLHIDA, NÃO DECLARADA OU DECLARADA DE FORMA INEXATA (ATUAL § 1º C/C O INCISO I DO CAPUT DO ARTIGO 44 DA LEI FEDERAL Nº 9.430/1996). VEDAÇÃO AO EFEITO CONFISCATÓRIO. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. QUESTÃO RELEVANTE DOS PONTOS DE VISTA ECONÔMICO E JURÍDICO. TRANSCENDÊNCIA DE INTERESSES. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. (RE 736090 RG, Relator(a): Min. LUIZ FUX, julgado em 29/10/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-240 DIVULG 26-11-2015 PUBLIC 27-11-2015 )

[29] TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário. 18ª edição, revista e atualizada.Rio de Janeiro: Renovar, 2011. p.63

[30] TIPKE, Klaus; YAMASHITA, Douglas. Justiça fiscal e Princípio da Capacidade Contributiva.Malheiros, 2002, p. 13. In: PAULSEN, Leandro. Direito tributário: Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora; ESMAFE, 2011. p. 10.

[31] NABAIS, José Casalta. O dever Fundamental de pagar impostos. Coimbra: Liv. Almedina, 1998. P. 679.

[32]PAULSEN, Leandro. Direito tributário: Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora; ESMAFE, 2011. p. 46

Page 73:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

72  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

  www.conteudojuridico.com.br 

A ESTABILIDADE DO SERVIDOR PÚBLICO E O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA

RAPHAEL RODRIGUES VALENÇA DE OLIVEIRA: Graduado e Especialista em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Advogado. Autor de obras jurídicas.

RESUMO: O presente trabalho propõe analisar o surgimento, o desenvolvimento e a atual concepção do instituto da estabilidade, responsável por garantir ao servidor público a possibilidade de desempenhar a sua função de forma autônoma, segura e eficaz em face do princípio da eficiência. Inicialmente oriundo do direito norte-americano possui vestígios no ordenamento jurídico brasileiro desde os tempos imperiais. Modificado aos poucos, assumiu papel de forte relevo na Constituição Federal de 1988, muito em virtude do contexto histórico-social existente à época. Fundamentada, dentre outros, pelos princípios da segurança jurídica, da isonomia, da continuidade do serviço público, da impessoalidade e da própria eficiência, a estabilidade apresenta-se como basilar instrumento de proteção do servidor contra arbitrariedades que possam ser cometidas pelo Estado ou terceiros, garantindo segurança e harmonia aos responsáveis por materializá-lo. Apesar de ter adquirido sua última roupagem a mais de uma década, com o advento da Emenda Constitucional n. 19, de 1998, muita polêmica ainda paira sobre o tema, de maneira que um estudo mais aprofundado do instituto se mostra imprescindível, justamente para evitar que, sob o pretexto de coibir abusos estatais, seja ele aplicado sem qualquer parâmetro, causando o oposto, ou seja, acomodações, ineficiência, incerteza e insegurança jurídica. Estabelecidas as condições necessárias para a aplicação do direito à estabilidade, este poderá ser ponderado à luz dos princípios da eficiência, da legalidade e da supremacia do interesse público nas

Page 74:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        73 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

mais diversas situações, com o intuito sempre de que a Administração Pública busque ser justa, eficiente e transparente.

Palavras-chave: administração pública, servidor estatutário, estabilidade, eficiência.

1 INTRODUÇÃO

Oriundo da América do Norte, conforme magistério de Paulo de Matos Ferreira Diniz, o instituto da estabilidade do servidor estatal foi concebido, inicialmente, para combater os malefícios causados em razão da periódica alternância partidária no comando do Estado[1], uma vez que somente duas classes políticas polarizavam o Governo, a saber, o Partido Democrata e o Partido Republicano.

Ao atingirem o comando máximo Estatal, após cada pleito eleitoral, o partido legitimado eleito efetuava as alterações necessárias, a fim de organizar seu corpo pessoal para o próximo quadriênio ou qüinqüênio governamental.

Esta prática antidemocrática, bastante usual até os dias atuais, proporcionava demissões em massa daqueles que eram conhecidos adversários políticos, ideológicos e até mesmo pessoais do partido ou de lideranças deste.

Tão logo realizada a "faxina" dos oposicionistas do quadro de pessoal da Administração Pública, a máquina estatal via-se ás voltas com situações oriundas da incapacidade operacional, tornando-se lenta, precária e ineficaz, onde muitos dos serviços até então oferecidos à população eram paralisados.

Os servidores recém convocados pelo partido vencedor para suprir as vagas dos adversários demitidos, em geral, não possuíam treinamento, experiência e em muitas vezes vontade, para o desempenho da função confiada. E em outros casos, mesmo com

Page 75:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

74  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

iniciativa, necessitavam de certo tempo para se familiarizar com o novo ofício.

Dessa forma, a máquina estatal não poderia ficar à mercê de oscilações tão corriqueiras e profundas a cada período eleitoral.

O conceito do Estado contemporâneo não permitia uma passividade como a apresentada, pois que por poder afetar de forma tão intensa a vida do cidadão, ao passo que agia a todo instante fomentando e desestimulando a economia, seu papel exigia uma atuação mais constante e eficaz.

Além disso, não é justo para com o homem, o contribuinte, o servidor, ficarem condicionados a tais instabilidades e incertezas, posto que uma das basilares funções do trabalho é a de servir de alicerce para que o trabalhador guie seus rumos com o escopo de alcançar seus objetivos pessoais e profissionais. Necessita, assim, de segurança para poder viver e vislumbrar um sentido na sua caminhada.

Desta forma, inegável que a atuação estatal influi diretamente no cotidiano do cidadão. Especialmente, para o cidadão que é remunerado pelos cofres públicos, porque não poderá planejar qualquer tipo de atividade, sem antes ter a certeza que o próximo mês ainda será um agente público. Como realizar seu mister de forma plena, impessoal e independente se do outro lado do balcão o outrora “interessado” pode ser seu próximo patrão e detentor do poder de desempregá-lo?

Assim, a partir destas situações, tornou-se necessária a criação de um mecanismo capaz de proporcionar a segurança para o servidor exercer o seu labor da melhor forma possível, com o fim de amenizar as influências de circunstâncias alheias à rotina e vontade do agente público.

É neste contexto que a estabilidade ganha importância. Tem como objetivo não só proteger o agente público contra arbitrariedades perpetradas pelo Estado, mas também proporcionar

Page 76:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        75 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

um ambiente seguro no qual imperem a harmonia e a previsibilidade, possibilitando credibilidade à atuação estatal.

O problema, entretanto, surge quando uma conquista secular é utilizada como justificativa superficial para o comodismo e a mediocridade. Quando de uma solução cria-se um problema, reflexões e mudanças tornam-se imprescindíveis.

Assim, neste cenário, a busca por fundamentos teóricos que embasem esta proteção às expectativas, quando legítimas, configura-se um dever. O Estado não pode abandonar o agente que nele confiou, ainda mais quando a confiança dos cidadãos deve ser um objetivo da administração pública.

O presente trabalho busca, portanto, estabelecer os fundamentos teóricos da conquista do direito à estabilidade, analisando a maneira como vem sendo tratado ao longo das últimas décadas, seu surgimento nas Constituições anteriores, sua consolidação na Constituição de 1998, e sua recente roupagem com o advento da Emenda Constitucional nº. 19 de 1998, a fim de justificar sua aplicação no cenário atual.

É necessário, portanto, inicialmente, indagar o conceito de Administração Pública, pois é neste complexo de relações jurídicas, órgãos e pessoas[2]que é delineada a figura do servidor público. Em seguida, trata-se da identificação do agente público: destrinchando suas espécies, características e peculiaridades, subsídio necessário para aferir-se o contexto inserido e a contribuição de tais conceitos para a fundamentação teórica e aplicabilidade do instituto da estabilidade. Adiante, destaca-se o servidor público estatutário, objeto central desta monografia, esmiuçando-se os requisitos para a conquista desse direito constitucionalmente garantido à essa espécie de agente público. Ao final, o foco é concentrado nas hipóteses que se forem registradas irão ensejar a perda da estabilidade e do cargo público.

Reconhecidas as linhas gerais e a importância da estabilidade do servidor público no ordenamento jurídico brasileiro,

Page 77:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

76  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

esta poderá contribuir de forma mais eficaz e segura. É de suma importância estabelecer este estudo, vez que em muitos casos o instituto em tela entrará em aparente conflito com outras conquistas fundamentais ao Direito e de igual importância, como o princípio da legalidade, o postulado do interesse público e, especialmente, para os fins do presente trabalho, o princípio da eficiência.

Desta forma, somente com uma base sólida, é que a garantia[3] da estabilidade poderá ser devidamente ponderada com estes outros pilares jurídicos para se encontrar a solução mais justa para os interesses do cidadão e do Estado.

2 ESTABILIDADE DO SERVIDOR PÚBLICO 2.1 ALCANCE HISTÓRICO DO INSTITUTO À LUZ DA

EXPERIÊNCIA BRASILEIRA

A expressão “estabilidade” é originária do latim, tendo por significado etimológico aquilo que é “estável”, “firme”, “inteiro”.[4] Está insculpida a algum tempo em nosso ordenamento. Os primeiros vestígios remontam à época do Brasil Império[5].

Na data de 1º de outubro de 1828, foi instituída Lei regulamentando, a nível de município (cidades ou vilas), o funcionamento das Câmaras de Vereadores. Possuíam a incumbência da administração local, com organização e poderes de arrecadação de tributos e sua aplicação, consoante determinação expressa dos artigos 167 a 169, da Constituição de 1824[6].

A Câmara, por sua vez, detinha em seus quadros funcionais "empregados" nomeados pela mesma, tais como: um secretário (de livre nomeação e exoneração), um procurador com mandato pré-definido de 4 (quatro) anos, um porteiro e seus ajudantes, e por fim, fiscais e seus suplentes com mandato também estabelecido para 4 (quatro) anos, temporalidade estabelecida nos artigos 79, 80, 82 e 83 da CF/1824. [7]

Page 78:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        77 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Somente os servidores das capitais das províncias eram remunerados, porém, poderiam ser multados por negligência no desempenho de suas funções.[8]

Desta feita, há o destaque para o registro do princípio da figura da estabilidade, concedido às categorias do procurador e dos fiscais, vez que não poderiam ser destituídos como o secretário da câmara, por exemplo, e possuíam a garantia de permanecer no seu posto, pelo prazo do mandato de 4 (quatro) anos.

Em 12 de agosto de 1834, a Lei nº 16, alterou e complementou a Constituição de 1824. Com esta alteração, as Assembléias Legislativas Provinciais receberam autonomia para legislar acerca de matérias que versassem sobre empregos municipais e provinciais (art. 10, § 7º), excluindo-se os servidores que: desempenhavam funções correlatas à arrecadação, administração e contabilidade da Fazenda Nacional; administração da guerra, marinha e dos correios gerais; Presidentes de Província, Bispos, servidores das faculdades e outros de alto escalão.

Analisando o plano constitucional, as primeiras duas Constituições de nossa história não relacionavam o instituto ao servidores em geral, à exceção de algumas categorias específicas.

A Constituição de 16 de julho de 1934, a terceira de nossa história, foi a primeira a dedicar um título aos "funcionários públicos", organizando o serviço público com preceitos, que quase em sua totalidade, foram reproduzidos até hoje. E, neste sentido, apesar da mesma não utilizar o termo estabilidade,foi a primeira a instituir este direito ao servidor público:

Art. 169. Os funccionarios publicos, depois de dois annos, quando nomeados em virtude de concurso de provas, e, em geral, depois de dez annos de effectivo exercicio, só poderão ser destituidos em virtude de sentença judiciaria ou mediante

Page 79:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

78  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

processo administrativo, regulado por lei, e no qual lhes será assegurada plena defesa.

Paragrapho unico. Os funccionarios que contarem menos de dez annos de serviço effetivo não poderão ser destituidos dos seus cargos, senão por justa causa ou motivo de interesse público.

Garantia esta, que, com a "mão" do autoritarismo, foi logo burlada com a Emenda Constitucional nº 3, de 18 de dezembro de 1935:

O funccionario civil, activo ou inactivo, que praticar acto ou participar de movimento subversivo das instituições políticas e sociaes, será demittido, por decreto do Poder Executivo, sem prejuízo de outras penalidades e resalvados os effeitos da decisão judicial que no caso couber.

Seguindo o caminho de conquistas, a Constituição datada de 10 de novembro de 1937, restabeleceu praticamente os mesmos direitos aos "funcionários públicos":

Art. 156. O Poder Legislativo organizará o Estatuto dos funcionários Públicos, obedecendo aos seguintes preceitos desde já em vigor:

c) os funcionários públicos, depois de dois anos, quando nomeados em virtude de concurso de provas, e, em todos os casos, depois de dez anos de exercício, só poderão ser exonerados em virtude de sentença judiciária ou mediante processoadministrativo, em que sejam ouvidos e possam defender-se;

Page 80:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        79 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Assim, desta maneira, o Decreto-Lei nº 1.202 de 8.4.39, em seu art. 48, estendeu estas mesmas garantias aos funcionários dos Estados e Municípios.

A Constituição Federal de 18 de setembro de 1946 dispôs acerca estabilidade da mesma forma e garantiu os mesmos direitos, esclarecendo ainda, que o direito de estabilidade não abrangeria os cargos de confiança e, nem os de livre nomeação e demissão.

Art. 188. São estáveis:

I - depois de dois anos de exercício, os funcionários efetivos nomeados por concurso;

II - depois de cinco anos de exercício, os funcionários efetivos nomeados sem concurso.

Parágrafo único - O disposto neste artigo não se aplica aos cargos de confiança nem aos que a lei declare de livre nomeação e demissão.

Na vigência desta Constituição, surgiram inúmeras normas infraconstitucionais, que alargaram o instituto, estabelecendo condições mais favoráveis à obtenção da estabilidade.[9]

Sendo que, no artigo seguinte desta Constituição, a exemplo da atual, a mesma tratou de disciplinar, também, as situações em que estes "funcionários públicos" poderiam perder o cargo e suas conseqüências, assim como, constitucionalizou a disponibilidade remunerada.

Art. 189. Os funcionários públicos perderão o cargo:

I - quando vitalícios, sómente em virtude de sentença judiciária;

Page 81:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

80  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

II - quando estáveis, no caso do número anterior, no de se extinguir o cargo ou no de serem demitidos mediante processo administrativo em que se lhes tenha assegurado ampla defesa.

Parágrafo único. Extinguindo-se o cargo, o funcionário estável ficará em disponibilidade remunerada até o seu obrigatório aproveitamento em outro cargo de natureza e vencimentos compatíveis com o que se ocupava.

A Constituição de 24 de janeiro de 1967 manteve o instituto da estabilidade, porém, sob a influência da propugnada reforma administrativa nos moldes liberais, impulsionada por Helio Beltrão, foi mais radical, dando direito à estabilidade somente mediante prévio concurso.

Art. 99. São estáveis, após dois anos, os funcionários, quando nomeados por concurso.

§ 1º Ninguém pode ser efetivado ou adquirir estabilidade, como funcionário, se não prestar concurso público.

§ 2º Extinto o cargo, o funcionário estável ficará em disponibilidade remunerada, com vencimentos integrais, até o seu obrigatório aproveitamento em cargo equivalente.

Conforme apontado, a disponibilidade passou a ter redação mais precisa em relação a remuneração, pois, na Constituição anterior era omissa, e nesta, passou a expressar a sua integralidade.

Page 82:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        81 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Nas disposições transitórias, a mesma estabilizou todos os servidores, sob qualquer regime, que contassem com pelo menos cinco anos de exercício

2.2 DA ESTABILIDADE EM FACE DA CONSTITUIÇÃO

FEDERAL

O instituto da estabilidade, conforme visto, não foi insculpido na Constituição de 1988 pela primeira vez. Apesar disso, a forma atual de sua aplicação ainda causa muita polêmica.

Consagrada no artigo 41 da Constituição Federal de 1988[10], consiste em garantia contra a exoneração discricionária, submetendo a extinção da relação estatutária a processo administrativo ou judicial destinado a apurar a prática de infração a que seja cominada a pena de demissão, ressalvada a hipótese específica de perda do cargo para redução das despesas com pessoal (autorizada constitucionalmente nos artigos 169, parágrafos 4º a 7º, e 247).

2.2.1. O conteúdo da garantia da estabilidade

A estabilidade, segundo o artigo 41, § 1º, da Constituição, significa que o servidor nomeado para cargo de provimento efetivo apenas perderá essa condição mediante sentença judicial transitada em julgado, processo administrativo com garantia de ampla defesa ou procedimento de avaliação periódica de desempenho.

O artigo 169, § 4º, da Constituição admite a perda do cargo do servidor estável para assegurar a observância do limite máximo de despesas com pessoal, tal como será mais bem examinado adiante.

A redação constitucional do artigo 41, § 1º, é deficiente e exige interpretação adequada. É evidente que a alternativa de

Page 83:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

82  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

avaliação periódica corresponde a uma modalidade de processo administrativo. A relevância do dispositivo reside em estabelecer que a demissão poderá fundar-se não apenas na prática de infrações graves, mas também na ausência de aptidão ou capacidade para o desempenho das atribuições inerentes ao cargo. A avaliação periódica destina-se não propriamente a verificar se o sujeito infringiu seus deveres, mas a apurar se dispõe de condições para cumpri-los.

Depois, a demissão do ocupante de um cargo público de provimento efetivo, em virtude da imputação de falta pessoal, depende de processo administrativo com observância da ampla defesa. Um equívoco muito grave seria supor que um servidor público titular de cargo de provimento efetivo, mas não estável, poderia ser demitido sem a imputação de falta pessoal ou exonerado sem ausência de capacidade ou aptidão. Em qualquer dos casos, caberá respeitar o devido processo legal.

Embora hoje seja atacado por muitos, tem como fim principal assegurar aos ocupantes de cargos públicos de provimento efetivo uma expectativa de permanência no serviço público, desde que adequadamente cumpridas suas atribuições. A preocupação que justificou a criação do instituto, e sua elevação a patamar constitucional, é a de que os servidores públicos sofram pressões e ingerências de natureza política visando a favorecer este ou aquele “amigo do príncipe”, em evidente detrimento do interesse público. É incontroverso que servidores nomeados com base em critérios políticos para cargos de livre exoneração são extremamente vulneráveis a toda sorte de pressões, agindo praticamente a mando daqueles que têm poder para nomeá-los ou exonerá-los.

Outro motivo importante para explicar a existência da estabilidade é a necessidade de profissionalização dos quadros funcionais do serviço público, o que se torna inviável se a cada mudança de governo puderem ser promovidas grandes “degolas”, com a substituição dos apadrinhados da administração anterior pelos apadrinhados da vez.

Page 84:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        83 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Em um sistema pautado em princípios como o da impessoalidade, moralidade, eficiência, a estabilidade do servidor muito contribuiu e poderá contribuir, desde que encarada enquanto conquista para um serviço público atuante e eficaz e não, como escudo para a mediocridade, acomodações e ineficiência na persecução do interesse coletivo.

2.2.2. A efetividade e a estabilidade

A efetividade consiste numa característica vinculada ao cargo em si mesmo. Alude-se a cargo de provimento efetivo para estabelecer diferença em vista dos cargos em confiança.

Assim, um cargo de provimento efetivo é aquele cujo provimento depende de um concurso e que apresenta um regime jurídico destinado a permanecer ao longo do tempo, podendo produzir a aposentadoria do seu titular. Sob esse ângulo, é tecnicamente incorreto aludir à efetividade do servidor, a não ser como forma de expressão. A efetividade reside na característica do cargo.

No passado, antes da Constituição de 1988, o servidor provido no cargo efetivo podia ser demitido sem maiores formalidades enquanto não adquirisse a estabilidade. A garantia pessoal contra a exoneração discricionária era produzida pela estabilidade.

A Constituição de 1988 generalizou a garantia do devido processo legal, por força do disposto no artigo 5º, LIV, LV e LXXVIII.

O primeiro ponto diferencial entre a titularidade de cargo de provimento efetivo e a estabilidade reside em que o titular do cargo efetivo poderá ser exonerado, sem adquirir estabilidade, por meio de uma avaliação discricionária a propósito da ausência de capacidade ou aptidão para o desempenho do cargo. Já o servidor estável não pode ser exonerado em virtude de avaliação discricionária da Administração. Ressalte-se que a avaliação discricionária, exercitada para a exoneração do servidor efetivo

Page 85:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

84  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

(mas não estável), não significa liberação da observância do devido processo legal nem da indicação precisa e exata dos motivos que conduzem à sua exoneração.

O segundo ponto diferencial reside em que a estabilidade assegura ao servidor a manutenção do vínculo com o Estado se o cargo de que é titular vier a ser extinto. É o que estabelece o artigo 41, § 3º, da Constituição, ao determinar que extinto o cargo ou declarada sua desnecessidade, o servidor estável ficará em disponibilidade. O mesmo não ocorre com o servidor não estável. Se houver a extinção do cargo ou for declarada a sua desnecessidade, o efeito será a extinção do vínculo com o servidor.

Em suma, a efetividade é uma característica do cargo ocupado. A estabilidade é uma garantia pessoal do servidor público.

2.2.3 A aquisição da estabilidade mediante a avaliação prévia

Ao artigo 41 (com a redação da Emenda nº 19/98) estabeleceu que os servidores nomeados para cargos de provimento efetivo adquirem a estabilidade depois de três anos de efetivo exercício, mas sempre mediante indispensável avaliação prévia.

É evidente, no entanto, que a desídia da Administração não poderá recair sobre o servidor. Decorrido o prazo de três anos e inexistente uma manifestação formal positiva, o servidor adquirirá a estabilidade. Nesse caso, ter-se-á infringido um comando constitucional dirigido à atividade administrativa e se imporá a abertura de processo administrativo para apurar a responsabilidade pela omissão.

2.2.4. A vitaliciedade e a efetividade

A vitaliciedade significa que a demissão do sujeito depende de sentença judicial que reconheça a comprovação de infração a que seja cominada a sanção dessa ordem. A vitaliciedade não

Page 86:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        85 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

significa a garantia de titularidade do cargo por toda a vida, uma vez que o servidor vitalício está sujeito à aposentadoria compulsória, e não há impedimento à extinção do cargo.

A Constituição atribui o regime de vitaliciedade aos magistrados (artigo 95, I), aos membros dos Tribunais de Contas (artigo 73, § 3º) e do Ministério Público (artigo 128, § 5º, “a”).

A vitaliciedade não impede a extinção do cargo, ficando o funcionário em disponibilidade, com todos os vencimentos. (STF. Súmula nº 11)

Servidor vitalício está sujeito a aposentadoria compulsória, em razão da idade (STF. Súmula nº 36)

A vitaliciedade e a efetividade são institutos jurídicos similares. Como ensina José dos Santos Carvalho Filho[11]:

Na verdade, a vitaliciedade dos servidores vitalícios em muito se assemelha à estabilidade dos servidores efetivos, sendo comum em ambas o direito do servidor de continuar inserido no respectivo quadro funcional. Mas, enquanto a perda da vitaliciedade só pode derivar de sentença judicial transitada em julgada, como resulta daqueles dispositivos, a da estabilidade pode originar-se também de processo administrativo, embora assegurando-se o direito de ampla defesa ao servidor (artigo 41, II e III, CF). Por conseguinte, será forçoso reconhecer que os efetivos da vitaliciedade são mais benéficos para o titular do cargo que os advindos da estabilidade”

Talvez seja possível agregar um comentário à questão. A diferenciação entre estabilidade e vitaliciedade resulta não propriamente de uma preocupação em proteger os interesses dos ocupantes dos cargos, mas se relaciona com a defesa dos interesses dos cidadãos. O regime da vitaliciedade é reservado para certos cargos porque os seus ocupantes desempenham funções que exigem a mais ampla e intensa proteção jurídica possível. Já a estabilidade é reservada para hipóteses em que a função própria do

Page 87:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

86  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

cargo pode ser desempenhada adequadamente com uma proteção menos intensa.

Consoante demonstrado, nossa LEI MAIOR elenca os requisitos para a conquista deste direito do servidor público, titular de cargo de provimento efetivo, que serão agora melhor debruçados.

3 REQUISITOS CONSTITUCIONAIS DA ESTABILIDADE

3.1. APROVAÇÃO EM CONCURSO PÚBLICO

Requisito presente no final da redação docaput, a aprovação em concurso público ganha importância por ser o primeiro passo na busca pela estabilidade, vez que o servidor somente poderá ser nomeado em virtude do êxito no processo seletivo.

Nos dizeres de Justen Filho[12] o concurso público é um procedimento conduzido por autoridade específica, especializada e imparcial, subordinado a um ato administrativo prévio, norteado pelos princípios da objetividade, da isonomia, da impessoalidade, da legalidade, da publicidade e do controle público, destinado a selecionar os indivíduos mais capacitados para serem providos em cargos públicos.

O concurso público deve respeitar os princípios inerentes ao conceito de procedimento. Isso significa a necessidade de observância das etapas sucessivas, destinadas a evitar decisões infundadas, apressadas ou insuscetíveis de controle.

Além disso, o concurso deve ser conduzido por autoridade pública especificamente constituída para esse fim. A comissão de concurso deve ser integrada por sujeitos dotados de poderes próprios para a seleção dos candidatos.

Não é válido o concurso conduzido por comissão integrada por sujeitos destituídos de conhecimento especializado sobre o tema objeto do concurso. Não basta o sujeito ser integrante da

Page 88:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        87 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

carreira, haver feito concurso anteriormente ou estar habilitado para o exercício da profissão. A condição de membro de comissão de concurso depende da titularidade de conhecimento especializado, evidenciado de modo objetivo e inquestionável.

Os membros da comissão de concurso devem ser dotados de requisitos de imparcialidade objetiva. Assim, é inválido o concurso em que o membro da comissão de concurso é ocupante de cargo em comissão e subordinado hierarquicamente ao pai de um candidato. Nessa hipótese, não há requisito objetivo de imparcialidade do membro da comissão.

A disciplina constitucional do concurso público exige a eleição predeterminada de requisitos de participação e de critérios de julgamento, que deverão constar de ato administrativo prévio. Esse ato contemplará o regulamento do concurso e traduzirá o exercício de competências administrativas discricionárias, de modo a impedir o julgamento fundado em critérios puramente subjetivos, na medida em que tal se afigura possível.

Ou seja, a discricionariedade administrativa se exercita muito mais fortemente no momento da elaboração do regulamento do que quando de sua aplicação. O procedimento de seleção se vincula ao edital, sob pena de nulidade da decisão. Se houver contradição entre o regulamento e a decisão, prevalecerá o regulamento.

Ressalta-se ainda que o concurso deve fundar-se em princípios como a objetividade, isonomia, impessoalidade, legalidade, publicidade, controle público, entre outros.

Tão importante quanto os princípios já mencionados, encontra-se o da impessoalidade, pois encarrega-se de vedar qualquer preferência de cunho subjetivo, vinculada à identidade do candidato e aos vínculos que ele apresente com autoridades, agentes estatais, partidos políticos e assim por diante.

Page 89:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

88  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Já o princípio da legalidade sustenta que somente é possível estabelecer critérios de discriminação quando compatíveis com a Constituição e autorizados por Lei. Essa regra tem especial relevância no tocante a cláusulas restritivas da participação, desde que norteada pelos princípios da objetividade, isonomia e da publicidade, devendo, em todo caso, respeitar as formalidades necessárias à imposição de discriminação

Como adverte Diogo de Figueiredo Moreira Neto[13], não é permitido “ao regulamento, ao edital ou a qualquer ato administrativo criar outras condições de acesso que não essas definidas em lei”.

Para assegurar a objetividade e a isonomia, é imprescindível respeitar a publicidade. Isso significa a necessidade de o concurso público ser antecedido de ato convocatório ao qual se reconheça a mais ampla publicidade, nele se estabelecendo todas as condições de participação, os critérios de julgamento e o modo de sua produção.

De modo genérico, todos os atos do concurso deverão ser públicos, impondo-se o sigilo somente como exigência inerente à isonomia. É evidente que nenhum dos candidatos pode ter acesso ao conteúdo das questões antes de iniciadas as provas.

O controle público é da essência do concurso público. Significa que a realização do concurso público envolve o interesse coletivo, e todos os integrantes da comunidade tem interesse na condução ilibada e perfeita do concurso. Por isso, estão autorizados a acompanhar todos os atos pertinentes ao concurso, inclusive formulando pedidos de esclarecimento quanto a fatos relevantes.

Como visto, o concurso público visa a selecionar os indivíduos titulares de maior capacitação para o desempenho das funções públicas inerentes ais cargos ou empregos públicos.

Isso impõe um vínculo de pertinência e adequação entre as provas realizadas e as qualidades reputadas indispensáveis para o

Page 90:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        89 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

exercício das funções inerentes ao cargo ou emprego. Nesse sentido, tem-se reputado que somente se admitem provas de capacitação física em concurso públicos quando as atribuições do cargo exigirem do servidor atuação que demande esforços físicos diferenciados.

Em vista dos mesmos pressupostos, o conteúdo das provas de conhecimento também deve obrigatoriamente ser vinculado às atividades e atribuições pertinentes ao cargo a ser provido. Essa orientação se aplica não só no tocante aos testes de conhecimento técnico-científico, mas também àqueles de natureza prática ou quanto a conhecimentos gerais.

Como o certame destina-se a selecionar as pessoas mais capacitadas, o Estado tem o dever de formular testes e exames aptos e adequados a assegurar que o concurso atinja os seus fins, promovendo a seleção dos mais capacitados. Isso envolve uma margem de discricionariedade, mas que é controlável segundo os parâmetros genéricos pertinentes. A competência discricionária para elaborar os testes de um concurso público não autoriza o Estado a produzir questões inúteis, desarrazoadas, impertinentes – precisamente porque a discricionariedade não se justifica quando se traduz em decisão administrativa que não seja potencialmente apta a assegurar a melhor solução.

Superada a fase do concurso com êxito, o outrora candidato agora tornou-se aprovado. Com a nomeação, ato unilateral estatal inicial de designação para ocupar um cargo público de provimento efetivo, o aprovado assumiu a condição de titular de um cargo público.

Importante destacar que embora tenha sido nomeado, o provimento não é ato jurídico suficiente para o sujeito adquirir a condição de agente estatal.

Para o aperfeiçoamento da condição de agente, temos a posse, que é o ato de aceitação do cargo e compromisso de bem servir, precedida por inspeção médica, em geral. Com a posse

Page 91:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

90  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

ocorre a investidura do servidor, ou seja, a aquisição da titularidade do cargo.

Uma vez provido e investido no cargo, o sujeito deverá assumir o seu exercício, que consiste no efetivo desempenho das atribuições correspondentes. O prazo para o servidor entrar em exercício é de quinze dias, consoante disciplina do artigo 18 da Lei 8.112, de 1990, contados da data da posse.

Assim sendo, após a realização do concurso, aprovação, nomeação, posse e exercício, o agora servidor cumpriu o primeiro requisito em busca do direito à estabilidade. Vamos aos seguintes.

3.2 DO ESTÁGIO PROBATÓRIO

Denomina-se tradicionalmente estágio probatório, ou estágio de confirmação, o período de avaliação, adaptação e treinamento em efetivo exercício a que estão submetidos os que ingressam em cargos públicos em virtude de aprovação em concurso público.

Trata-se de período de experiência, supervisionado pela Administração, destinado a verificar a real adequação de agentes públicos ocupantes de cargos de provimento efetivo ou de provimento vitalício na primeira fase da relação funcional que encetam com o Estado. Neste lapso de tempo, atualmente limitado para os agentes civis ao máximo de três anos, busca-se avaliar a retidão moral, a aptidão para a função, a disciplina, a responsabilidade, a assiduidade, a dedicação e a eficiência dos agentes empossados e em exercício, mediante observações e inspeções regulares. Neste período, além disso, deve a Administração velar pelo treinamento e adaptação dos novos integrantes da organização pública, selecionados a partir de concurso público.

Os agentes aprovados ao final do período de estágio probatório adquirem, conforme o caso, a estabilidade ou vitaliciedade nos quadros de pessoal dos órgãos e entidades estatais. Mas já iniciam o período de estágio probatório detendo o

Page 92:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        91 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

status de agentes públicos. Os agentes reprovados no estágio probatório, respeitado o contraditório e a ampla defesa, são exonerados dos cargos que exerciam.

É verdade que, não faz muito tempo, diversos autores consideravam o estágio probatório uma simples fase do processo de seleção ou concurso, uma oportunidade para a autoridade completar o processo de seleção.

À vista destas noções, discutiu-se largamente a respeito da situação jurídica do pessoal em estágio probatório, afirmando alguns a sua condição de “quase funcionário”, “Um agente administrativo em condição sui generis, com todos os deveres e responsabilidades impostos pelo regime jurídico a que se acha submetido, mas sem os direitos integralmente conferidos aos efetivos, em situação de maior segurança”.

Esta orientação doutrinária, entretanto, merece reparos, pois confunde o estágio probatório com o estágio experimental previsto em alguns concursos públicos como uma das etapas do processo seletivo. O estágio probatório não é etapa do concurso público, não colhe candidatos a cargos públicos, pois tem vez apenas com a finalização dos processos de seleção, após a nomeação dos aprovados, a posse e o ingresso em exercício dos novos agentes públicos. O estágio probatório não se qualifica como processo concorrencial, eliminatório, de índole coletiva, mas como processo de verificação da adaptação individual dos agentes recém ingressos no serviço público. Além disso, a condição de “quase-funcionários” é incompatível com a situação jurídica de agentes no pleno exercício de suas funções, pois a lei não ressalva a estes as prerrogativas e sujeições reconhecidas aos demais agentes públicos, salvo unicamente as vantagens ou garantias incompatíveis com a sua situação precária

O agente em estágio probatório não é um interino, um ocupante transitório do cargo, ou um agente instável, temporário, investido em cargo de confiança, dispensável ao arbítrio da

Page 93:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

92  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

administração, mas o titular de um plexo de atribuições e deveres públicos. A precariedade de sua condição diz respeito apenas a sua plena integração no cargo isolado ou de carreira (efetivação), pois esta integração depende de sua confirmação ao final do estágio probatório. Mas a investidura do agente em cargo de provimento efetivo ou vitalício, completada com a posse, preenche o cargo, provê o cargo, que deixa de estar vago. É dizer: o agente em estágio probatório é titular provisório do cargo público que exercita, com as prerrogativas e sujeições inerentes ao cargo, ressalvadas apenas aquelas que decorram da ausência de estabilidade ou vitaliciedade no serviço público. Não foi ainda efetivado, integrado em caráter definitivo no complexo de funções que exercita, o que vem ocorrer apenas com a aquisição da estabilidade ou vitaliciedade. Nada obstante, o agente em estágio probatório não pode acumular cargos públicos, nem exercer atividade incompatível com o cargo que titulariza, pois ocupa o cargo em que foi investido, ainda que sem estabilidade, assumindo os encargos desta condição.

A dificuldade inicia quando é necessário precisar quais são as vantagens, garantias e prerrogativas compatíveis com a peculiar situação dos agentes em estágio probatório. Esses agentes são disciplinados por normas especiais e podem usufruir apenas parcialmente do regime jurídico comum dos demais agentes públicos. Mas as normas especiais são freqüentemente limitadas, restringindo-se quase inteiramente a disciplinar o processo de avaliação do servidor em estágio. A lacuna normativa que remanesce é significativa e deixa em situação de indefinição uma parte relevante do regime jurídico a aplicar aos agentes em estágio probatório.

Em termos interrogativos, fica-se a indagar: Quais as normas do regime jurídico comum dos agentes públicos são compatíveis com a peculiar situação dos agentes em período de estágio probatório? Como deve ser computado o período de efetivo exercício durante o estágio probatório? Quais as licenças, os afastamentos, as hipóteses de provimento derivado e de afastamentos do serviço, previstas no regime geral, compatíveis

Page 94:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        93 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

com a exigência constitucional de avaliação em efetivo exercício dos novos agentes públicos? Quais as garantias dos agentes em estágio no período de avaliação?

A consequência desse estado de coisas é um expressivo número de questões controvertidas a respeito do estágio probatório. Muitas não são questões novas, mas apenas agora ganharam urgência, depois das alterações produzidas no regime jurídico do estágio probatório pela Emenda Constitucional nº. 19, de 1998. Antes da Emenda Constitucional, o estágio probatório era considerado na prática um simples lapso de tempo, dissociado de qualquer avaliação efetiva ou da análise de sua eficácia jurídica específica, transcorrendo quase sempre sem qualquer repercussão na vida funcional dos agentes públicos. Era um simples obstáculo burocrático, uma etapa da vida funcional dos agentes, vencida freqüentemente pelo mero decurso de prazo.

A Emenda Constitucional nº 19 alterou essa situação mediante diversas providências normativas: a) ampliou o estágio probatório dos servidores públicos para três anos; b) tornou evidente a aplicação restrita do estágio probatório e da garantia da estabilidade unicamente aos ocupantes de cargos efetivos nomeados após concurso público; c) impôs como condição para aquisição da estabilidade, pelo servidor em exercício de cargo efetivo, a concreta realização de avaliação especial de desempenho durante o estágio probatório por comissão instituída para essa finalidade.

A Emenda Constitucional nº 19 não dispensou de avaliação especial de desempenho nem mesmo os servidores com estágio probatório em curso na data da promulgação da alteração constitucional (art.28 da Emenda)[14].

Essas providências buscaram impedir que o estágio probatório continuasse a ser uma simples exigência formal, sem efetividade como processo de avaliação e adaptação dos agentes públicos à atividade normal do Estado. Mas as alterações somente

Page 95:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

94  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

serão concretizadas se forem bem compreendidas e se houver vontade política e administrativa de implementá-las em termos apropriados.

3.3 AVALIAÇÃO DO DESEMPENHO E DEVER DE

EFICIÊNCIA 3.3.1. O princípio da eficiência à luz da Constituição Federal

A eficiência adquiriu grande importância no Direito, especialmente após o advento da Emenda Constitucional n.º 19, posto que a acrescentou como princípio expresso, regente da Administração Pública, no caput do artigo 37 da Constituição Federal[15]. Sua origem é a Mensagem Presidencial 886/95, que restou convertida na Proposta de Emenda Constitucional 173/95, cuja conclusão foi a EC 19/98. Apareceu também como princípio no caput do artigo 2º da Lei 9.784, de 29.1.1999 (Lei do Processo Administrativo Federal). A própria Lei 8.987, que é de 1995, ou seja, anterior à EC 19/09, já fazia referência ao mencionado princípio.

A literatura jurídica faz uma distinção entre eficiência e eficácia. Por exemplo, na visão de Marcelo Douglas de Figueiredo Torres [16], eficácia é a concreção dos objetivos desejados por determinada ação do Estado, não sendo levados em consideração os meios e os mecanismos utilizados para tanto. Assim, o Estado pode ser eficaz em resolver o problema do analfabetismo no Brasil, mas pode estar fazendo isso com mais recursos do que necessitaria. Já na eficiência há uma clara preocupação com os mecanismos que foram usados para a obtenção do êxito na atividade do Estado. Assim, procura-se buscar os meios mais econômicos e viáveis para maximizar os resultados e minimizar os custos. Em suma: é atingir o objetivo com o menor custo e o melhor resultado possíveis.

No mesmo diapasão, Rachel Sztajn [17] define eficiência como a aptidão para obter o máximo, o melhor resultado ou rendimento, com a menor perda ou o menor dispêndio de esforços:

Page 96:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        95 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

“associa-se à noção de rendimento, de produtividade; de adequação à função”. Ressalta-se, por fim, que a eficácia, por sua vez, é a aptidão para produzir efeitos.

Esta mesma linha de raciocínio é compartilhada por Dinorá Adelaide Musetti Grotti [18]. Além de distingui-la da eficácia, a jurista paulista faz também um liame da eficiência com a qualidade na prestação do serviço público. Salienta desta forma:

É um conceito econômico, que introduz, no mundo jurídico parâmetros relativos de aproveitamento ótimo de recursos escassos disponíveis para a realização máxima de resultados desejados. Não se cuida apenas de exigir que o Estado alcance resultados com os meios que lhe são colocados à disposição pela sociedade (eficácia), mas de que os efetue o melhor possível (eficiência), tendo, assim, uma dimensão qualitativa.

(...)

A eficiência diz respeito ao cumprimento das finalidades do serviço público, de molde a satisfazer necessidades dos usuários, do modo menos oneroso possível, extraindo-se dos recursos empregados a maior qualidade na sua prestação.

Nos posicionamentos expostos acima, percebe-se uma diferenciação entre eficácia e eficiência, sendo a primeira referente à capacidade de produção de resultados, enquanto a segunda está associada à busca pelo melhor resultado aliada ao menor gasto de forças possíveis. Preserva-se, desse modo, a origem econômica de eficiência constitucional e com isso se abre um importante espaço de diálogo entre Direito e Economia.

Page 97:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

96  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Juarez Freitas [19]sustenta que “o administrador público está obrigado a obrar tendo como parâmetro o ótimo”. Cabe ao mesmo procurar encontrar a solução que seja a melhor possível sob o ponto de vista econômico.

Seguindo essa linha de raciocínio, Marcelo Harger entende que[20] até mesmo nos casos nos quais o gestor público tenha certa margem de discricionariedade, é sua obrigação constitucional procurar encontrar a melhor solução possível para que o interesse público seja corretamente atendido. Seria nos atos administrativos discricionários que o Princípio da Eficiência teria sido efetivamente sobrevalorizado pelo constituinte, pois embasaria a atuação do administrador público. Aliás, num primeiro momento, o Princípio da Eficiência poderia ser até confundido, inclusive, com os Princípios da Moralidade e da Razoabilidade da Administração. Harger, todavia, descarta esta hipótese no mesmo trecho:

Apesar disso, possui conteúdo próprio. Traduz o dever de administrar, não só de modo razoável e conforme a moral, mas utilizando as melhores opções disponíveis. É o dever de alcançar a solução que seja ótima ao atendimento das finalidades públicas. Não basta que seja uma solução possível. Deve, isto sim, ser a melhor solução. Há um dever jurídico de boa administração para o atendimento da finalidade legal[21]

É certo que a inserção do Princípio da Eficiência no caput do artigo 37 da Constituição Federal pela Emenda Constitucional n.º 19/98 decorreu de clara intenção de se reformar o Estado. Tal postulado, em verdade, passou a se constituir numa verdadeira diretriz para a Administração Pública. Pretendia-se acabar com a “administração burocrática” e instalar a “Administração Pública Gerencial no Brasil”.

Page 98:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        97 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

A reforma do Estado buscava melhorar sua organização, seus servidores, suas finanças e seu sistema institucional-legal, proporcionando uma relação mais harmoniosa com a sociedade civil. A partir do advento da Reforma, consoante lição de Marcelo Douglas de Figueiredo Torres[22], o núcleo estratégico do Estado tomaria decisões mais adequadas e ofereceria serviços públicos que operassem com maior eficiência. Nesse diapasão, houve a idealização de contratos de gestão, agências autônomas e organizações.

O magistério do Prof. Vladimir da Rocha França[23] destaca que “há respeito à eficiência quando a ação administrativa atinge materialmente os seus fins lícitos e, por vias lícitas.” Quando o administrado se sente amparado e satisfeito na resolução dos problemas que rotineiramente o assolam e que o fazem clamar à Administração.

O princípio da eficiência administrativa estabelece que toda ação administrativa deve estar orientada para a concretização material e efetiva da finalidade posta pela lei, segundo os cânones do regime jurídico-administrativo[24].

A ânsia de se alcançar as metas legalmente estipuladas pode, não raras vezes, induzir ao administrador à indevida “flexibilização” das normas que regulam o procedimento administrativo previsto para o caso concreto.

Somente há o respeito e a observância do princípio da eficiência administrativa quando o administrador respeita o ordenamento jurídico, mesmo diante de finalidade legal efetivamente atingida. Por mais que esteja bem intencionado o administrador, este não pode afastar os preceitos do regime jurídico-administrativo sob o argumento de que os mesmos atrapalham o próprio interesse público.

Alexandre de Morais[25] o define do seguinte modo:

Page 99:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

98  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

é aquele que impõe à Administração Pública direta e indireta e a seus agentes a persecução do bem comum, por meio do exercício de suas competências de forma imparcial, neutra, transparente, participativa, eficaz, sem burocracia e sempre em busca da qualidade, primando pela adoção dos critérios legais e morais necessários para melhor utilização possível dos recursos públicos, de maneira a evitar-se desperdícios e garantir-se uma maior rentabilidade social. Note-se que não se trata da consagração da tecnocracia, muito pelo contrário, o princípio da eficiência dirige-se para a razão e fim maior do Estado, a prestação dos serviços públicos sociais essenciais à população, visando a adoção de todos os meios legais e morais possíveis para a satisfação do bem comum.

Aceitação do princípio da eficiência encontra resistência na doutrina, talvez porque uma das razões apontadas para sua indicação expressa no texto constitucional reformado tenha sido a de tornar a estabilidade dos servidores públicos mais frágil. Maurício Antonio Ribeiro Lopes[26] se opõe ao caráter principiológico e jurídico da eficiência administrativa, afirmando:

Inicialmente cabe referir que eficiência, ao contrário do que são capazes de supor os próceres do Poder Executivo federal, jamais será princípio da Administração Pública, mas sempre terá sido – salvo se deixou de ser em recente gestão pública – finalidade da mesma Administração Pública. Nada é eficiente por princípio, mas por conseqüência (...) Trata-se de princípio retórico imaginado e ousado

Page 100:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        99 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

legislativamente pelo constituinte reformador, sem qualquer critério e sem nenhuma relevância jurídica no apêndice ao elenco dos princípios constitucionais já consagrados sobre Administração Pública.

Celso Antônio Bandeira de Mello ratifica a corrente dos céticos de seu viés prático, provocando reflexão acerca das contribuições oriundas da manifestação do mesmo, vez que não vislumbra maiores modificações a curto e médio prazo[27]:

Quanto ao princípio da eficiência, não há nada a dizer sobre ele. Trata-se, evidentemente, de algo mais do que desejável. Contudo, é juridicamente tão fluido e de tão difícil controle ao lume do Direito, que mais parece um simples adorno agregado ao artigo 37 ou o extravasamento de uma aspiração dos que buliram no texto.

Visão compartilhada por muitos outros, como Lúcia Valle Figueiredo[28]:

É de se perquirir o que muda com a inclusão do princípio da eficiência, pois, ao que se infere, com segurança, à Administração Pública sempre coube agir com eficiência administrativa para seus cometimentos.

A eficiência constitui sim princípio jurídico da Administração Púbica, que, junto aos demais princípios constitucionais do regime jurídico-administrativo, impõe o dever da boa administração. Não se pode conceber uma administração pública que não tenha a obrigação de ser diligente e criteriosa na busca e efetivação do interesse público consagrado em lei.

3.3.2. Avaliação periódica de desempenho e eficiência

Page 101:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

100  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

A Avaliação periódica de desempenho surgiu no ordenamento constitucional como uma forma de representação do princípio da eficiência, sendo este o principal elemento de fundamentação da sua existência.

É novidade trazida ao nosso ordenamento por meio da já mencionada Emenda Constitucional n.º 19.

No plano teórico, caracteriza-se como uma importante ferramenta de aprimoramento dos recursos humanos da Administração Pública, pois é responsável por medir o grau de preenchimento dos requisitos do seu trabalho. Trata-se de uma apreciação sistemática do desempenho de cada pessoa, das metas e resultados a serem alcançados e do seu potencial de desenvolvimento.

Podem ser destacados enquanto objetivos da avaliação: aferir a aptidão do servidor para o efetivo desempenho de suas funções; identificar necessidades de capacitação do servidor; fornecer subsídios à gestão da política de recursos humanos; aprimorar o desempenho do servidor e dos órgãos e entidades do Poder Executivo; promover a adequação funcional do servidor; contribuir para a implementação do princípio da eficiência na Administração Pública; conferir estabilidade ao servidor público considerado apto, em consonância com o § 4º do art. 41 da Constituição Federal; exonerar o servidor público considerado inapto ou ineficiente.[29]

A assiduidade é um dos mais importantes fatores avaliados, pois que a presença do servidor no local de trabalho dentro do horário estabelecido para o expediente em muito contribui para uma prestação eficiente.

Outro importante aspecto considerado pela avaliação é a disciplina, ou seja, observância sistemática aos regulamentos e às normas emanadas das autoridades competentes.

Page 102:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        101 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

A capacidade de iniciativa também consta em vários instrumentos de avaliação, dado que a habilidade do servidor em adotar providências em situações não definidas pela chefia ou não previstas nos manuais ou normas de serviço pode ser determinante para a resolução de conflitos e imbróglios.

A produtividade está associada diretamente a quantidade de trabalhos realizados num intervalo de tempo razoável que atenda satisfatoriamente à demanda do serviço, sendo um fiel parâmetro da eficiência do agente público. É utilizada como referência na maior parte das avaliações.

Por fim, mas tão importante quanto, encontra-se a responsabilidade, que pode ser resumida como a dedicação e comprometimento do servidor com suas tarefas, com as metas estabelecidas pelo órgão ou entidade e com o bom conceito da Administração Pública.

Importa ressaltar que as intenções, quando da edição do referido instituto da avaliação, foram as melhores possíveis, contudo, vários reflexos foram causados com a sua efetiva aplicação no cotidiano da seara administrativa deveras destoantes do modelo original. Essas ramificações serão abordadas mais adiante.

É certo, entretanto, que muita polêmica paira sobre a matéria, dividindo bastante renomados juristas e apreciadores do direito administrativo.

4 HIPÓTESES DE PERDA DA ESTABILIDADE 4.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A estabilidade é uma conquista do servidor, como demonstrado acima, contudo, não pode ser utilizada como justificativa para atitudes que não se coadunam com a ética e moral exigidas à prestação do serviço público. Assim sendo, existem situações em que mesmo o servidor tendo preenchido os requisitos

Page 103:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

102  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

elencados no capítulo 03, poderá perder o seu cargo. São quatro hipóteses no total, tendo em vista que a última é excepcional e pode causar a extinção do vínculo entre o agente e o Estado independente da ação do primeiro.

O artigo 41 da Constituição Federal é o responsável por elencar 03 das aludidas situações ensejadoras da quebra do direito à estabilidade, a saber: a) em virtude de sentença judicial transitada em julgado; b) mediante processo administrativo em que seja assegurada ampla defesa e contraditório; c) mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma de lei complementar, assegurada ampla defesa. A última hipótese está cristalizada na previsão extraída de perda da garantia para fins de contenção de despesas com gastos com pessoal, nos termos do preconizado no artigo 169 da Constituição de 1988.

O presente trabalho irá debruçar-se sobre a chamada inaptidão no controle de desempenho, em razão de sua íntima conexão com o princípio da eficiência.

4.2. PERDA DA ESTABILIDADE E O PRINCÍPIO DA

EFICIÊNCIA

A terceira hipótese de perda do direito à estabilidade decorre da insuficiência na performance da prestação da função administrativa, constatada através da polêmica avaliação de desempenho.

Declarado insuficiente no desempenho de suas funções, o servidor passará por um processo administrativo, com todas as características que lhe são inerentes, como o direito ao contraditório e a ampla defesa como pontuados no tópico acima.

Note-se que o servidor passará por um processo administrativo, ou seja, não será exonerado de logo, como na hipótese do § 4º do art. 169 da CF, outra forma de flexibilização da estabilidade trazida pela EC 19/98. Sendo assim, ratifica-se o

Page 104:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        103 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

entendimento, ainda que sem previsão legal, mas que leva a visualizar o caráter punitivo de tal desligamento do servidor da Administração.

Apesar de que em tese, esta medida estaria em confluência com o princípio exigido constitucionalmente, que é o princípio da eficiência, a medida em análise tem suscitado um viés drástico e muitas vezes prejudicial ao Estado. Visualizando-se os desligamentos em massa de servidores que foram declarados ineficientes, por avaliação periódica de desempenho, outro princípio seria afetado, qual seja: o princípio da continuidade do serviço público.

É evidente que com o desligamento de um servidor da Administração, a mesma sai perdendo em quantidade. Às vezes, a execução de um ato administrativo não depende da sua qualidade, mas da quantidade de envolvidos para a sua realização.

Ainda assim, a Administração terá que promover de maneira periódica concursos públicos, fazendo com que a máquina estatal nunca se estabilize, atuando em plena rotatividade, o que às vezes não é interessante pela própria estrutura estatal, que se caracteriza pela estabilidade e pela continuidade dos seus serviços. Essa dinâmica encaixa-se perfeitamente no setor privado, em que num determinado dia a empresa existe, mas no dia seguinte, ela pode vir a entrar em processo de falência, podendo deixar de existir. Em contraposição, a menos que haja fusão entre Estados ou uma guerra de grandes proporções, o Estado deixa de existir.

Desta forma, entende-se que a avaliação periódica de desempenho, a ser desenvolvida desta maneira, surgiu como um instituto que além de ter afastado a estabilidade do servidor público, pode ocasionar a própria instabilidade do serviço público, sendo este um reflexo da avaliação em caso negativo.

Além disso, observa-se que a ineficiência do serviço público prestado por seus servidores pode decorrer de medidas dos administradores que ao invés de aperfeiçoar, qualificar e retribuir

Page 105:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

104  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

condignamente os servidores de carreira, oriundos de concurso público, empenham esforços em aumentar e criar cargos comissionados, os quais não detêm responsabilidade de continuidade do serviço público.

Agravando ainda mais a situação, a maioria dos cargos comissionados estão vinculados ao cenário político-partidário, onde tais agremiações dividem literalmente o número de cargos dispostos em um órgão ou até mesmo em um ente público, ou seja, são cargos ocupados pelo período de quatro anos. Com o ingresso de um novo chefe do Poder Executivo, por exemplo, todas essas cadeiras são entregues à nova situação.

Isso ocasiona uma inconstância nos órgãos públicos e, por consequência, uma grande instabilidade na realização dos serviços públicos, visto que projetos, ações, planos de estratégia administrativa, que porventura estejam em curso, muitas vezes são abandonados, para que haja a nova “roupagem” de acordo com os novos representantes da Administração Pública.

Desta forma, depreende-se que, o princípio da eficiência é abalado de períodos em períodos, muito mais por esse fator externo à Administração, é bem verdade, mas que acaba influenciando internamente, visto que é por intermédio do cenário político, da negociação partidária, que esses cargos são ocupados, logo após a realização das eleições.

Vale ressaltar também que a noção de eficiência que foi instituída pela Emenda Constitucional nº 19/98 não se limita à qualidade do serviço prestado pela administração direta e indireta, mas também dos serviços que possam ser operacionalizados por terceiros mediante concessão ou permissão.

E como ocorre esse controle? Será que as agências reguladoras atuam com o devido controle de eficiência às empresas que estejam realizando serviços públicos?

Page 106:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        105 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Na realidade, o dever de eficiência era uma exigência para que a máquina estatal fosse afastada, por ser caracterizada como ineficiente, para a partir daí, institucionalizar as privatizações, bem como as contratações de empresas terceirizadas de recursos humanos, muitas vezes vinculadas ao cenário político, outrora mencionado, na conjuntura da política de desestatização ocorrida em meados da década de noventa, do século passado.

Tal dever de eficiência situa a produtividade como o principal fator na determinação do desempenho de um ente público. O legislador reconheceu que o melhor método para alcançar o incremento da produtividade passa pela promoção da melhoria permanente da qualidade.

A busca pela melhoria permanente do serviço público passou a ser elemento primordial, para que houvesse a satisfação das necessidades dos administrados.

Contudo, tal dever de eficiência não poderia estar totalmente vinculado à produtividade, uma vez que excede a atuação do servidor público, necessitando dos direcionamentos efetuados pelos ocupantes dos cargos de cúpula, ou seja, os administradores, gestores públicos.

Não se lembrou o legislador de que a produtividade está ligada a aspectos quantitativos, em que os aspectos qualitativos pouco importam para que se chegue ao fim esperado, que é a boa prestação do serviço destinado aos administrados.

Deve-se verificar se a atuação ineficiente do serviço público é mesmo em decorrência da própria estrutura de recursos humanos ou dos direcionamentos equivocados em se prestar o serviço à sociedade. E isso pode ser notado com maior clareza, visto que como tais gestores geralmente são ocupantes de cargos comissionados, ou seja, demissíveis ad nutum, não possuem vínculo efetivo, contínuo e estável com a Administração, características últimas inerentes ao servidor público propriamente

Page 107:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

106  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

dito, mas que pela flexibilização, presencia sua garantia constitucional ser ameaçada em determinadas situações.

A própria exigência do dever de eficiência, pregado pela mesma Emenda, pode gerar pontos de contradição, quando confrontado com a realidade fática. Desta forma, pode-se entender que a eficiência então buscada não era para os administrados, mas sim, para a “máquina” e as demais para as parcerias privadas que ocorreriam em grande quantidade dali em diante.

Há aqui a necessidade de se fazer uma defesa: a estabilidade não é determinante para que haja a insuficiência das atividades públicas, sendo que, o servidor para adquiri-la, precisa submeter-se a um concurso público, ser nomeado para cargo de provimento efetivo, cumprir três anos de efetivo exercício e obter êxito em avaliação especial de desempenho, prevista no § 4º, do art. 41 da Constituição.

A avaliação periódica de desempenho surgiu como uma opção para evitar que o servidor depois de superado o período do estágio probatório de três anos, previstos no caput do art. 41, da Constituição Federal, acomodasse no conforto e na certeza de não ser demitido, caso negligencie suas funções, acobertado pela estabilidade, havendo, pois, que atender ao requisito imposto pelo inciso III, §1º do mesmo artigo.

Já que o princípio da eficiência passou a ser explicitado, idealizações de como a sua aplicabilidade poderia ocorrer passaram a nortear o legislador, o que certamente, embasou a redação do inciso supracitado, com a possibilidade de afastamento de uma garantia do servidor público que é a estabilidade.

Observa-se que, a depender do olhar, há choque entre a estabilidade, que é garantia dada ao servidor público e o princípio da eficiência, que é exigência da sociedade em relação ao Estado. Verificando esse choque, qual deles há de preponderar? De pronto a resposta seria o princípio da eficiência, que nesse caso, faria coro

Page 108:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        107 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

ao princípio da supremacia do interesse público, tratando como “privado” a estabilidade do servidor público.

Contudo, fazendo-se uma análise mais aprofundada, o servidor instável passaria a partir de então, a ser um servidor ineficiente. Edimur Ferreira de Faria manifestou-se nesse sentido:

A estabilidade do servidor público, modernamente criticada por alguns segmentos da sociedade, principalmente pelos governos nos três níveis da Administração Pública, é de fundamental importância para respaldar decisão de servidor de não cumprir ordem superior em desacordo com a lei ou com a moralidade administrativa. O servidor instável pode ser levado a praticar atos ilegais, embora em desacordo com a sua consciência, mas cumprindo ordem superior, por medo de perder o cargo. A instabilidade do servidor pode fragilizar a própria Administração e resultar em prejuízo para a sociedade. A estabilidade do servidor público é garantia do cidadão e não privilégio daquele.[30]

Percebe-se, pois, que há prejuízo expresso para os administrados, a existência da flexibilização da estabilidade e, esta, é formalizada a partir da avaliação periódica de desempenho. Havendo a previsão de ordem constitucional de um instituto que afasta nitidamente a estabilidade, não é só o servidor que será instável, mas a própria Administração, visto que os gestores poderão utilizar-se de interesses particulares para a prática de seus atos, havendo forte receio de sofrerem represálias na própria avaliação de desempenho, cujo termo é avaliado e analisado por aqueles.

Por outro lado, e quando o servidor for, sem sombra de dúvidas, ineficiente? Afastada qualquer hipótese de perseguição, ou

Page 109:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

108  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

ingerência dos superiores de forma negativa no desempenho de suas funções? E quando ele for responsável unicamente por sua ineficiência? For omisso, irresponsável e publicamente desinteressado?

Essa é a típica situação em que a avaliação de desempenho será espécie do gênero “procedimento administrativo”. Como bem defende Marçal Justen Filho[31], a redação constitucional do art. 41, §1º exige interpretação adequada e cautelosa. A relevância do dispositivo reside em estabelecer que a demissão poderá fundar-se não apenas na prática de infrações graves, mas também na ausência de aptidão ou capacidade para o desempenho das atribuições inerentes ao cargo.

Dessa forma, a avaliação periódica destinar-se-ia não propriamente a verificar se o sujeito infringiu seus deveres, mas a apurar se dispõe de condições para cumpri-los.

Com o devido respeito às magistrais lições expostas, divergimos daqueles que entendem o controle de desempenho como forma de retirar a garantia da estabilidade dos servidores públicos.

A prática pública, expressão que traduz o cotidiano nas repartições públicas, demonstra que pouquíssimos foram os casos de inaptidão na avaliação de desempenho, e os que assim foram avaliados, em regra, eram servidores que pautavam suas condutas em preceitos notoriamente destoantes dos princípios elencados e inerentes a uma digna prestação.

5 CONCLUSÃO O instituto da estabilidade revela-se, portanto, importante

instrumento de proteção do indivíduo em face das ações estatais em uma sociedade cada vez mais dinâmica e complexa.

Page 110:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        109 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Além disso, ganha especial destaque em razão do modelo de serviço público adotado em nosso país até pouco tempo, vez que ingerências externas e inexplicáveis tornavam o cotidiano do servidor e o seu futuro marcados por inseguranças e incertezas.

Embora ainda muito criticada, é inegável que a estabilidade tem como fim principal assegurar aos ocupantes de cargos públicos uma expectativa de permanência no serviço público, desde que adequadamente cumpridas suas atribuições.

É bem verdade que em muitos casos, a sua conquista tem sido utilizada como fundamento para a perpetuação do comodismo e da ineficiência.

Contudo, a exceção não deve fazer sombra à regra. Existem instrumentos que prevêem formas de controle e aferição da eficiência ou iniciativa do servidor. Agora se os responsáveis por acompanhar e verificar sua ocorrência não o fazem com o zelo e responsabilidade atinentes à qualquer prestação de serviço público, estes últimos é que incorrem em faltas ou ofensas.

No direito penal vigora o princípio da inocência, responsável por garantir que até que se comprove o contrário, todos são inocentes. A presunção, portanto, é a de não culpabilidade.

No direito administrativo, guardadas as devidas proporções, registra-se a aplicação do princípio supra mencionado da mesma forma. A estabilidade é prova viva do afirmado. Se temos vários servidores que são ineficientes, não podemos colocar a culpa na garantia da estabilidade que lhes foi conferida, mas sim, nos responsáveis por acompanhar e verificar os requisitos para a conquista desse direito. Dessa forma, deve-se abrir procedimento específico para apurar a conduta do servidor, independente ou não de ser agente estável.

A presunção será sempre a de que o servidor está desempenhando as suas funções em conformidade com o preceituado pela Constituição e demais atos que regulem a sua

Page 111:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

110  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

atividade, e se, por acaso, o contrário for a verdade que impera, existem meios e instrumentos previstos para puni-lo.

A desídia da Administração não pode recair sobre o servidor. Decorrido o prazo de três anos e inexistente uma manifestação formal positiva ou negativa, o servidor adquirirá a estabilidade, em razão ainda mais de outro fato: na dúvida, beneficia-se a sociedade, prestigia-se o ser humano, o servidor.

O aparato estatal por si só já possui uma posição de superioridade quando confrontado com o agente, por isso a necessidade da efetiva aplicação de um mecanismo que viesse a equilibrar esse abismo.

Importante ressaltar que o alvo central da construção e afirmação do direito à estabilidade é o servidor comum, o servidor responsável e obediente, e não àqueles que o deturpam, pois para estes existem as hipóteses elencadas no capítulo 04.

A instabilidade do servidor, como visto, pode ser responsável por um prejuízo muito maior à Administração.

Não existe aqui defesa exacerbada e imprudente do instituto em apreço, mas tão somente de seus fundamentos, em especial, o da observância da tão importante segurança jurídica.

Três décadas atrás, vivenciava-se um período marcado pelo Regime Militar. O seu legado, infelizmente, ainda contamina inúmeras repartições públicas, alimentando “a troca de favores” e “abusos”, travestidos sob a justificativa de “interesse público”.

Essa realidade não pode ser esquecida. É fato que o fortalecimento de um mecanismo como o em comento não irá eliminar essa prática, pois a solução para essa mazela envolve um amadurecimento coletivo, isto é, um complexo de relações bem maior e profundo.

Page 112:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        111 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Para muitos, quanto mais direitos o servidor possuir, mais ineficiente será. Para outros, a culpa da ineficiência do agente público reside na falta de estrutura para agir, vez que sua atuação fica condicionada aos limites da atuação estatal.

Independente da posição adotada é certo que presenciamos um momento de fortalecimento e evidência do serviço público, verificado claramente através da enorme procura dos indivíduos por instrumentos de acesso às carreiras públicas, ou seja, os famosos concursos.

Milhões de brasileiros acordam sonhando em fazer parte dessa categoria de agentes públicos e gozar de sua mais famosa garantia.

Destaca-se, entretanto, que não o farão com o escopo de acomodarem-se, mas sim por saberem que se agirem com zelo, responsabilidade e eficiência, as principais dificuldades, barreiras e desafios da iniciativa privada não irão acometer a sua vida profissional e pessoal.

A estabilidade é e ainda será utilizada por muitos anos como argumento de defesa do servidor ineficiente, irresponsável e negligente, contudo, se aplicada e conferida aos que, de fato, a merecem, a justiça e a legalidade farão com que esses que desempenhem seu labor de forma tão eficaz expurguem os mal intencionados.

6 REFERÊNCIAS ACKMERMAN, Bruce. A nova separação dos poderes. Trad.

Isabelle Maria Campos e Eliana Valadares Santos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.

ARAÚJO, Edmir Netto de. Curso de direito administrativo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

Page 113:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

112  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

ÁVILA, Humberto. Segurança jurídica: entre permanência, mudança e realização no direito tributário. São Paulo: Malheiros, 2011.

______. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 6ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 29.ed. São Paulo: Malheiros, 2012.

BARROSO, Luis Roberto. Temas de direito constitucional. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.

BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do direito administrativo: direitos fundamentais, democracia e constitucionalização. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.

CAETANO, Marcello. Manual de direito administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 1970. Tomo I.

______. Princípios fundamentais do direito administrativo. Coimbra: Almedina, 1977.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 6ª ed. Coimbra: Livraria Almedina, 1993.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 23.ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2010.

CRETELLA JÚNIOR, José. Tratado de direito administrativo: princípios do direito administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 1972. 10 v.

DALLARI, Adilson Abreu. Regime Constitucional dos Servidores Públicos. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1992.

Page 114:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        113 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

DEVILLER, Jacqueline Morand. Le droit administratif français et ses révolutions tranquilles. In: ÁVILA, Humberto (org.). Fundamentos do Estado de Direito: estudos em homenagem ao Professor Almiro do Couto e Silva. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 35-53.

DIDIER JÚNIOR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil. Salvador: Jupodivm. 2007.

DINIZ, Paulo de Matos Ferreira. Tudo Sobre a Reforma Administrativa e as Mudanças Constitucionais. Coletânea Administrativa Pública. Brasília: Brasília Jurídica, v.4, 1998.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2010.

______. Processo administrativo: garantia do administrado. Revista de Direito Tributário – RDT, v. 15, n. 58, 1991.

FAGUNDES, Miguel Seabra. O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário. 6ª ed. Rio de Janeiro: Saraiva, 1984.

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 7. ed. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2011.

FARIA, Edimur Ferreira de. Curso de Direito Administrativo Positivo. 6ª Ed., Belo Horizonte: Del Rey, 2007.

FERREIRA, Aurélio B. de Hollanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 13. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2012.

FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de direito administrativo. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2006.

Page 115:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

114  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

______. Processo administrativo e judicial: o devido processo legal. Revista de direito tributário – RDT, v. 15, n. 58. 1991.

FRANÇA, Vladimir da Rocha. Estrutura e motivação do ato administrativo. São Paulo: Malheiros, 2007.

______. Invalidação judicial da discricionariedade administrativa: no regime jurídico-administrativo brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2000.

______. Invalidação administrativa na Lei federal 9.784/99. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, Renovar, n. 225, p.221-248, jul./set. 2001.

______. Eficiência administrativa na Constituição Federal. Revista Direito do Estado. Número 10. Salvador, 2007.

FREITAS, Juarez. Discricionariedade administrativa e o direito fundamental à boa administração pública. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009.

______. O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais. 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009.

GASPARETTO, Patrick Roberto. A Administração Pública frente à lei inconstitucional. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2011.

GIACOMUZZI, José Guilherme. A moralidade administrativa e a boa-fé da administração pública.São Paulo: Malheiros, 2002.

GORDILLO, Agustín. Tratado de derecho administrativo. 4. ed. t.I, p. VII-9

GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. O Serviço Público e a Constituição Brasileira de 1988. São Paulo: Malheiros, 2003.

GUALAZZI, Eduardo Lobo Botelho. Ato administrativo inexistente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980.

Page 116:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        115 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

HARGER, Marcelo. Reflexões iniciais sobre o princípio da eficiência. Revista de Direito Adminsitrativo. Rio de Janeiro: Renovar, n.217.p.151-161. Dezembro de 1999.

HESSE, Konrad. Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha. Tradução (da 20ª edição alemã) de Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1998.

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 6ª ed. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2010.

LOPES, Maurício Antonio Ribeiro. Comentários à Reforma Administrativa – De acordo com as Emendas Constitucionais 18, de 05.02.1998, e 19, 04.06.1998, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1998.

MAIA, Márcio Barbosa; QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro de. O regime jurídico do concurso público e o seu controle jurisdicional. São Paulo: Saraiva, 2007.

MARTINS-COSTA, Judith. Almiro do Couto e Silva e a re-significação do princípio da segurança jurídica na relação entre o Estado e os cidadãos. In: ÁVILA, Humberto (org.). Fundamentos do Estado de Direito: estudos em homenagem ao Professor Almiro do Couto e Silva. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 120-148.

______. Princípio da confiança legítima e princípio da boa-fé objetiva. Termo de compromisso de cessação (TCC) ajustado com o CADE. Critérios de interpretação contratual: os “sistemas de referência extracontratuais” (“circunstâncias do caso”) e sua função no quadro semântico da conduta devida. Princípio da unidade ou coerência hermenêutica e “usos do tráfego”. Adimplemento contratual. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 95, n. 852, p. 87-126, out. 2006.

MATTE, Mauro João. A Reforma Administrativa e a Estabilidade do Servidor Público. 1999.

Page 117:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

116  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

MAURER, Hartmut. Elementos de direito administrativo alemão. Tradução de Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2001.

MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 10. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 26.ed. São Paulo: Malheiros, 2001

MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição constitucional: o controle abstrato de normas no Brasil e na Alemanha. São Paulo: Saraiva, 1996.

MENDONÇA, Fabiano André de Souza. Limites da responsabilidade do estado: teoria dos limites da responsabilidade extracontratual do estado na constituição federal brasileira de 1988. Rio de Janeiro: Impetus, 2003.

MIRAGEM, Bruno. A nova Administração Pública e o direito administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

MORAES, Alexandre de. Administração Pública no Estado de Direito Revista Trimestral de Direito Público. N.51994. p.39-40.

______. Princípio da eficiência e controle jurisdicional dos atos administrativos discricionários. Revista de Direito Administrativo – RDA, v. 243.

______. Direito Constitucional. 5. ed. São Paulo, Atlas, 1999, p. 293

MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Quatro paradigmas do direito administrativo pós-moderno: legitimidade, finalidade, eficiência, resultados. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2008.

______. Curso de Direito Administrativo: parte introdutória, parte geral, parte especial. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 332.

Page 118:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        117 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

NOBRE JÚNIOR, Edilson Pereira. O princípio da boa-fé e a sua aplicação no direito administrativo brasileiro. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002.

OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Princípios do direito administrativo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.

OSÓRIO, Fábio Medina. Existe uma supremacia do interesse público sobre o privado no direito administrativo brasileiro? Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 88, n. 770, p. 53-92, dez. 1999.

OST, François. O tempo do direito. Tradução de Élcio Fernandes. Bauru: Edusc, 2005.

REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 26ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Princípios constitucionais da Administração Pública. Belo Horizonte: Del Rey, 1994.

ROCHA, Fabiana Carvalho. O instituto jurídico da boa administração. In: SILVA, Vasco Pereira da; SARLET, Ingo Wolfgang (Coord.). Direito Público sem fronteiras. Lisboa: Instituto de Ciências Jurídico-Políticas, 2011. p. 373-413.

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia do direito fundamental à segurança jurídica: dignidade da pessoa humana, direitos fundamentais e proibição de retrocesso social no Direito Constitucional brasileiro. In: ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Constituição e segurança jurídica: direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada. Belo Horizonte: Fórum, 2004. p. 85-129.

SILVA, José Afonso da. Constituição e segurança jurídica. In: ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Constituição e segurança jurídica: direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada. Belo Horizonte: Fórum, 2004. p. 16-30.

Page 119:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

118  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

TORRES, Marcelo Douglas de Figueiredo. Estado, Democracia e Administração Pública no Brasil. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2004.

VALIM, Rafael. O princípio da segurança jurídica no direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2010.

WEBER, Max. Economy ans Society: an Outline of Interpretive Sociology. Edited by Guenter Roth and Claus Wittich. Translation by Ephraim Fischoff et al. Berkeley; Los Angeles; London: University of Califórnia Press, 1978. 2 v.

ZYLBERSZTAJN, Décio; SZTAJN, Rachel (orgs).Direito & Economia. Rio de Janeiro: campus, 2005.

NOTAS:

[1] Tudo Sobre a Reforma Administrativa e as Mudanças Constitucionais. cap. 02.

[2] A respeito do tema, consultar: CAETANO, Marcello. Princípios fundamentais do direito administrativo; MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro; BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo.

[3] Neste trabalho os vocábulos direitos e garantias, quando relacionados ao instituto da estabilidade, serão tratados de forma similar, a despeito da discussão existente entre importantes juristas.

[4] Significados extraídos de: FERREIRA, Aurélio B. de Hollanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 13. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2012. p.388

[5] De acordo com recorte historiográfico realizado por Mauro João Matte em seu “A Reforma Administrativa e a Estabilidade do Servidor Público”, 1999.

[6] Constituição Política do Império do Brazil, de 1824. Art. 167. Em todas as Cidades, e Villas ora existentes, e nas mais, que para o futuro se crearem haverá Camaras, ás quaes compete o Governo economico, e municipal das mesmas Cidades, e Villas.Art. 168. As

Page 120:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        119 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Camaras serão electivas, e compostas do numero de Vereadores, que a Lei designar, e o que obtiver maior numero de votos, será Presidente. Art. 169. O exercicio de suas funcções municipaes, formação das suas Posturas policiaes, applicação das suas rendas, e todas as suas particulares, e uteis attribuições, serão decretadas por uma Lei regulamentar.

[7] BRASIL, Constituição. Constituição Política do Império do Brazil. Elaborada em 25 de março de 1824.

[8] MATTÉ, op. cit.

[9] Adilson Abreu Dallari. Regime Constitucional dos Servidores Públicos. p. 80.

[10] Artigo 41, da Constituição Federal, caput: São estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público. § 1º O servidor público estável só perderá o cargo: I – em virtude de sentença judicial transitada em julgado; II – mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa; III – mediante procedimento de avaliação de desempenho, na forma de lei complementar, assegurada ampla defesa.

[11] José dos Santos Carvalho Filho. Manual de Direito Administrativo.

[12] Curso de Direito Administrativo. p.852-869

[13] Curso de Direito Administrativo: parte introdutória, parte geral, parte especial. p. 332.

[14] Redação da Emenda Constitucional nº. 19 de 1998, artigo 28: É assegurado o prazo de dois anos de efetivo exercício para aquisição da estabilidade aos atuais servidores em estágio probatório, sem prejuízo da avaliação a que se refere o § 4º do art. 41 da Constituição Federal.

[15] Constituição Federal de 1988, artigo 37, caput: A administração pública direta e indireta de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade eeficiência (...)

Page 121:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

120  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

[16] Estado, Democracia e Administração Pública no Brasil. p.175

[17] Direito & Economia.p.83.

[18] O Serviço Público e a Constituição Brasileira de 1988. p.298-299.

[19] O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais. p.85.

[20] Reflexões iniciais sobre o princípio da eficiência. p.151-161.

[21] HARGER, op.cit.

[22] Estado, Democracia e Administração Pública no Brasil. p.172-174

[23] Eficiência administrativa na Constituição Federal.

[24] FRANÇA, op.cit.

[25] Administração Pública no Estado de Direito. p. 293.

[26] Comentários à Reforma Administrativa – De acordo com as Emendas Constitucionais 18, de 05.02.1998, e 19, 04.06.1998. p. 108-109

[27] Curso de Direito Administrativo. p. 630.

[28] Curso de Direito Administrativo. p. 60

[29] Objetivos extraídos do “Manual de orientação para avaliação de desempenho do servidor em estágio probatório”, 2009, PI.

[30] Curso de direito administrativo positivo. p.50.

[31] Curso de direito administrativo. p.892

 

   

Page 122:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        121 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

  www.conteudojuridico.com.br 

NOÇÕES BÁSICAS SOBRE DESAPROPRIAÇÃO

EDUARDO HENRIQUE FERREIRA: Analista do Ministério Público da União / Apoio Jurídico / Direito, desde 11/09/2013, atualmente lotado na Procuradoria-Geral da República. Bacharelado em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia. Pós-graduado em Direito Constitucional pelo Complexo Educacional Damásio de Jesus. Aprovado em 6º lugar no concurso para o cargo de Analista - Especialidade Direito do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, na Comarca de Uberlândia/MG. Aprovado em 35º lugar no concurso para o cargo de Advogado - Prefeitura de Uberlândia, Minas Gerais. Aprovado em 31º lugar no concurso para o cargo de Analista do MPU / Apoio Jurídico / Direito, na Unidade da Federação São Paulo.

RESUMO: O presente estudo trata do instituto da desapropriação, forma supressiva de intervenção na propriedade privada que, como prerrogativa da Administração Pública, assegura a consecução do interesse público. A desapropriação é regulada de forma geral pelo Decreto-lei 3.365/41, regramento que traça as linhas gerais da desapropriação por utilidade pública, mas que é considerado a “lei geral das desapropriações”, expondo os sujeitos, o procedimento e os requisitos necessários para a tomada compulsória da propriedade do bem. Cumpre ressaltar que os sujeitos indiciados no artigo 3º do Decreto-Lei 3.365/41 não são propriamente os sujeitos ativos do processo expropriatório. Sujeito ativo é a pessoa jurídica que pode expropriar o bem, mediante a declaração de utilidade ou interesse social. Tais entidades podem promover a desapropriação, uma vez que os bens expropriados serão transferidos para o seu patrimônio, no entanto, não são aptas a submeter o bem à força expropriatória.Por fim, o trabalho

Page 123:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

122  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

esclarece os pressupostos da garantia constitucional da justa e prévia indenização, explicitando todas as suas peculiaridades.

Palavras-chave: intervenção do Estado na propriedade privada, desapropriação, supremacia do interesse público sobre o interesse privado, modalidades expropriatórias, sujeitos, prévia e justa indenização, função social da propriedade.

INTRODUÇÃO

O presente artigo tem por objetivo a análise do instituto da desapropriação, forma de intervenção na propriedade privada que culmina na transferência compulsória da propriedade ao agente expropriante. O instituto é um importante instrumento utilizado pelo Poder Público na persecução do interesse público.

A desapropriação é regulada, em sua maior parte, pelo Decreto-lei 3.365/41, consistindo no procedimento administrativo por meio do qual a Administração Pública, usando de suas prerrogativas, transfere para si, mediante prévia indenização e declaração de necessidade pública, utilidade pública ou interesse social.

Para entendermos o procedimento expropriatório, devemos partir de seus princípios autorizadores: a supremacia do interesse público sobre o interesse privado e a necessidade do atendimento à função social da propriedade.

1. A DESAPROPRIAÇÃO E A SUA EVOLUÇÃO HISTÓRICA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Antes de ingressarmos na verdadeira análise do tema a ser abordado, devemos nos atentar à fixação dos limites do conceito de desapropriação e o seu real significado. A desapropriação é a forma pela qual o Estado, ou seja, a Administração Pública intervém na propriedade privada, tomando para si, compulsoriamente, sua titularidade.

Várias são as formas de intervenção pública na propriedade privada, sendo elas, a título de exemplo, a servidão administrativa, a requisição, a ocupação temporária, as limitações administrativas, o tombamento, o parcelamento e as edificações compulsórios, o

Page 124:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        123 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

registro e a desapropriação. Com a instituição destes atos, há supressão ou restrição dos direitos dominiais sobre a propriedade em função do interesse público.

A Constituição Federal regulamenta a intervenção do Estado na propriedade, dispondo em seu art. 22, incisos I, II, e III, sobre a competência para legislar sobre o direito da propriedade, a requisição e a desapropriação, sendo, em todos estes casos, competente a União Federal. Já em relação à competência para legislar sobre o condicionamento ao uso e sobre as restrições administrativas, a divisão se dá entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.

Há ainda que diferenciar, neste momento, a intervenção restritiva da intervenção supressiva. Na intervenção restritiva, a Administração Pública apenas restringe ou condiciona o uso da propriedade, sem retirá-la do particular. A propriedade continuará a pertencer à mesma esfera jurídica, a prerrogativa imposta pela intervenção restritiva é a de que deverá o particular seguir os padrões requisitados pelo Poder Público. Por outro lado, na intervenção supressiva, o Estado transfere para si, por meio da coerção, a propriedade privada, sob o amparo do interesse público. Neste particular, a expropriação, forma de intervenção à qual atentaremos mais detidamente, é o único (maior) expoente da intervenção supressiva.

Levando em consideração as lições de Celso Antônio Bandeira de Mello, a desapropriação é o procedimento através do qual o Poder Público compulsoriamente despoja alguém de uma propriedade e a adquire, mediante indenização, fundado em um interesse público. Trata-se de um instituto de Direito Público que autoriza a supressão do patrimônio particular por parte da Administração Pública em função do interesse público e mediante prévia indenização. Um exemplo de desapropriação é a supressão de um imóvel urbano para a construção de uma rua ou praça, devidamente fundamentada pelo interesse público e com a prévia indenização.

Page 125:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

124  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Para Maria Sylvia Zanella di Pietro,

a desapropriação é o procedimento administrativo pelo qual o Poder Público ou seus delegados, mediante prévia declaração de necessidade pública, utilidade pública ou interesse social, impõe ao proprietário a perda de um bem, substituindo-o em seu patrimônio por justa indenização[1].

Já nos ensinamentos de Hely Lopes Meirelles,

desapropriação ou expropriação é a transferência compulsória da propriedade particular (ou pública de entidade de grau inferior para superior) para o Poder Público ou seus delegados, por utilidade ou necessidade pública ou, ainda, por interesse social, mediante prévia e justa indenização em dinheiro (CF , art. 5º , XXIV ), salvo as exceções constitucionais de pagamento em títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, no caso de área urbana não edificada, subutilizada ou não utilizada (CF , art. 182 , 4º , III ), e de pagamento em títulos da dívida agrária, no caso de Reforma Agrária, por interesse social. (CF , art. 184) [2].

Cabe ressaltar que a desapropriação consiste na transferência do bem atingido para o acervo do expropriante, tendo como requisito essencial a fundamentação em motivos de utilidade pública ou interesse social, além da necessidade pública, quedando-se ilegítima caso não atenda a tais pressupostos.

Nas palavras do grande estudioso sobre o tema José Cretella Júnior,

em sentido genérico, desapropriação é o procedimento complexo de direito público, pelo

Page 126:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        125 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

qual a Administração, fundamentada na necessidade pública, na utilidade pública ou no interesse social, obriga o titular de bem, móvel ou imóvel, a desfazer-se desse bem, mediante justa indenização paga ao proprietário[3].

Podemos reconhecer o esboço da atual desapropriação já na primeira Constituição Brasileira, de 1824, que em seu artigo 179, inciso XXII, atribuiu plenitude ao direito de propriedade, acrescentando que se o bem público, legalmente verificado, exigir o uso e emprego da propriedade do cidadão, ele será previamente indenizado do valor dela.

Deste modo, caso a Administração Pública necessitasse da propriedade de particular, deveria pagar uma indenização prévia equivalente ao valor total do bem. Coube à lei ordinária estabelecer quais as possibilidades de desapropriação. A Lei nº 422 de 1826 foi a encarregada de determinar quais seriam os quadros de necessidade pública e utilidade pública.

No entanto, desde 1821, já era resguardado o direito à indenização paga pelo Poder Público de acordo com o Decreto de 21/05/1821, o qual está transcrito a seguir:

Decreto de 21 de maio de 1821. Prohibe tomar-se a qualquer, cousa alguma

contra a sua vontade, e sem indenização. Sendo uma das principais bases do pacto social entre os homens a segurança de seus bens; e Constando-Me que com horrenda infracção do Sagrado Direito de propriedade se commettem os atentados de tomar-se a pretexto de necessidades do Estado, e Real Fazenda, efeitos de particulares contra a vontade destes, e muitas vezes para se locupletarem aquelles, que os mandam violentamente tomar; e levando sua atrocidade a ponto de negar-se qualquer título para poder requerer a devida indemnização: Determino que da data deste em diante, a ninguém possa tomar-se contra sua

Page 127:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

126  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

vontade cousa alguma de que fôr possuidor, ou proprietário; sejam quaisquer que forem as necessidades do Estado, sem que primeiro de comum acordo se ajuste o preço, que lhe deve por a Real Fazenda ser pago no momento da entrega; e porque pode acontecer que alguma vez faltem meios proporcionaes a tão promptos pagamentos: Ordeno, nesse caso, que ao vencedor se entregue Título aparelhado para em tempo competente haver sua indemnização, quando ele sem constrangimento consinta em lhe ser tirada a cousa necessária ao Estado e aceite aquelle modo de pagamento. Os que o contrario fizerem incorrerão na pena do dobro do valor a benefício dos ofendidos. O Conde de Arcos, do Conselho de Sua Magestade, Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Reino do Brazil, e Estrangeiros, o tenha assim entendido, e o faça executar com os despachos necessários.

Palacio do Rio de Janeiro em 21 de maio de 1821.

Com rubrica do Príncipe Regente. Conde de Arcos.

A Constituição de 1891 também resguardou o direito de propriedade em toda a plenitude, com a exceção dos casos em que se configurasse a desapropriação (art. 72, §17):

Art. 72, §17. O direito de propriedade mantém-se em toda a sua plenitude, salva a desapropriação por necessidade ou utilidade pública, mediante indenização prévia.

Editou-se em 26/08/1903 o Decreto 1.021, que determinou a aplicação a todas as obras de competência da União e do Distrito Federal o Decreto 816 de 10/07/1855, alterando algumas circunstâncias. Ainda em 1903, passou a vigorar o Decreto 4.956, aprovando a regulamentação da consolidação e alteração do

Page 128:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        127 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

processo sobre as expropriações por necessidade ou utilidade pública para obras da União e do Distrito, o qual continuou vigente até a edição do Decreto-lei 3.365 de 1941.

Importante ressaltar que, em diversos artigos, a desapropriação foi tratada pelo Código Civil Brasileiro de 1916.

Já na Carta Constitucional de 1934 manteve-se o direito de propriedade, suprimindo o vocábulo “plenitude” e destacando que a indenização deveria ser prévia e justa, expressão omitida na Lei Maior de 1937. Cumpre também destacar que foi na vigência da Constituição de 1937 que se concebeu o Decreto-lei nº 3.365 de 21/06/1941, norma jurídica de grande relevância para o presente estudo, ainda em vigência no nosso ordenamento jurídico, embora com algumas discussões acerca de alguns dispositivos, como o debate acerca da recepção ou não do artigo 15 pela Constituição de 1988.

A Constituição de 1946 fez menção à indenização prévia, justa e em dinheiro.

A Carta de 1967 preservou as mesmas modalidades de desapropriação, versando sobre ela no §22 de seu art. 150, in verbis:

Art. 150. A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

§22. É garantido o direito de propriedade, salvo o caso de desapropriação por necessidade ou utilidade pública ou por interesse social, mediante prévia e justa indenização em dinheiro, ressalvado o disposto no art. 157, VI, §1º. Em caso de perigo público iminente, as autoridades

Page 129:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

128  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

competentes poderão usar da propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior.

Posteriormente, a Lei Maior de 1988 tornou possível a desapropriação com o pagamento da indenização em títulos da divida pública, por não estar a propriedade cumprindo a sua função social, sendo de competência exclusiva do Município.

A Carta de 1988 trouxe também, em seu artigo 243, a expropriação-confisco, criando uma espécie de desapropriação sem indenização, que tem como objeto as terras nas quais se cultivam plantas psicotrópicasproibidas por lei.

1.1. MODALIDADES DE DESAPROPRIAÇÃO

Vale lembrar que a desapropriação é o procedimento administrativo que visa despojar o particular de um bem de sua propriedade, transferindo a titularidade dessa propriedade ao Poder Público, mediante justa indenização.

Por não prever nenhum título anterior, trata-se de uma forma originária de aquisição da propriedade, pois não há transferência da propriedade por parte do antigo proprietário, não subsistindo relação entre o domínio atual e o anterior.

Duas modalidades de desapropriação foram consagradas pela Constituição Federal de 1988, a saber, a clássica, também denominada comum ou ordinária e a especial, também chamada de extraordinária.

A desapropriação ordinária é consagrada pelo art. 5º, XXIV, in verbis:

a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e

Page 130:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        129 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição.

Essa é a desapropriação ordinária, que pode ser promovida pela União, Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios

Já no artigo 182, §4º, III, CF, encontra-se a desapropriação extraordinária, a qual é direcionada à urbanização, estando os artigos 182 e 183 da Lei Maior regulamentados pela Lei 10.257/01. O artigo 182 elenca alguns requisitos para que seja possível a desapropriação extraordinária: estar o imóvel incluído no plano diretor; não ser edificado ou utilizado, ou ainda ser subutilizado; ser facultada a exigência por lei municipal de que o proprietário promova seu adequado aproveitamento; houver sucessividade das penas de parcelamento ou edificação compulsórios; houver imposto progressivo no tempo sobre a propriedade predial e territorial; e, ocorrer o pagamento em títulos da dívida pública assegurado o valor real da indenização e os juros legais. Na desapropriação extraordinária, o bem particular não pode estar cumprindo a sua função social, portanto, mesmo sendo obrigatória a indenização, esta não será prévia nem em dinheiro, sendo paga em títulos da dívida pública.

Podemos dividir a desapropriação extraordinária ainda em duas outras modalidades específicas: a desapropriação para observância do plano diretor e a desapropriação para fins de reforma agrária.

A desapropriação para observância do plano diretor é regulada pelo próprio artigo 182, o qual permite ao Poder Público municipal, mediante lei específica, promover desapropriação com pagamento mediante título da dívida pública, de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.

Já a desapropriação para fins de reforma agrária é admitida nos artigos 184 a 186 da Constituição, os quais possibilitam a

Page 131:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

130  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

expropriação de imóvel rural que não cumpra a sua função social, sendo tal desapropriação privativa da União e realizada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). Os requisitos do presente instituto são: a configuração do interesse social; a incidência sobre propriedade rural que não esteja cumprindo a sua função social; a justa e prévia indenização paga em títulos da dívida agrária, resgatáveis em até vinte anos, com cláusulas de preservação de seu valor real; e, o pagamento das benfeitorias úteis em dinheiro. Segundo Lucas Abreu Barroso,

[...] desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária é atuação da vontade do Estado, mediante indenização, consistindo na retirada de bem de um patrimônio, em atendimento à composição, apaziguamento, previdência e prevenção impostos por circunstancias que exigem o cumprimento de um conjunto de medidas que visem a melhor distribuição da terra, capaz de promover a justiça social, o progresso e o bem-estar do trabalhador rural e o desenvolvimento econômico do país, com a gradual extinção do minifúndio e do latifúndio[4].

Por seu turno, a Lei Complementar nº 76, de 06/07/1993, que sofreu alterações pela Lei Complementar nº 88, de 23/12/1996, trata da desapropriação extraordinária de propriedade rural que não cumpre sua função social.

Dentre as características está a competência, a qual é exclusiva da União, diferenciando-se da outra modalidade de desapropriação extraordinária, a qual observa o plano diretor e compete ao Município. Ademais, não deve incidir sobre a pequena e média propriedade rural, a não ser que seu proprietário possua outra, sem alcançar também a propriedade produtiva, estando tais conceitos delimitados pela Leu nº 8.629/93.

Subsiste ainda a necessidade de tratar sobre a desapropriação de glebas de terra em que exista cultivo de plantas

Page 132:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        131 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

psicotrópicas, a qual está autorizada pelo artigo 243 da Carta Constitucional e disciplinada pela Lei nº 8.257 de 26/11/1991.

Prescreve o artigo 243 da Constituição Federal de 1988 que:

as glebas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas serão imediatamente expropriadas e especificamente destinadas ao assentamento de colonos, para o cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.

Trata-se uma modalidade especial da desapropriação, pois não há, quando configurada tal hipótese, o direito à indenização em qualquer de suas formas. Em razão disso, é denominada pela doutrina como expropriação-confisco, por ter a natureza confiscatória. Importante ressaltar que apenas as plantas psicotrópicas ilícitas, ou seja, constantes no rol elaborado pelo Ministério da Saúde, ensejam tal expropriação. Portanto, apenas as espécies vegetais elencadas pelo Ministério da Saúde possibilitam o confisco, sendo tal rol eminentemente taxativo.

Ponto interessante a levantar é que persiste divergência sobre a extensão da área sob a qual incidirá a expropriação-confisco, esclarecendo José Carlos dos Santos Filho que:

pode surgir dúvida quanto à extensão em que se dará esse tipo de expropriação, vale dizer, se, localizada a cultura ilegal em parte da propriedade, a expropriação alcançaria toda a área ou apenas a área em que há o cultivo. A Constituição e a Lei8.257 /91 referiram-se às glebas de qualquer região do país, sem fazer qualquer alusão à área total ou parcial. Em consequência, entendemos que a desapropriação deve alcançar a propriedade

Page 133:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

132  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

integralmente, ainda que o cultivo se dê apenas em parte dela. O proprietário tem o dever de vigilância sobre sua propriedade, de modo que é de se presumir que conhecia o cultivo. Para nós, a hipótese só vai comportar solução diversa no caso de o proprietário comprovar que o cultivo é processado por terceiros à sua revelia, mas aqui o ônus da prova desse fato se inverte e cabe ao proprietário. Neste caso, parece-nos não se consumar o pressuposto que inspirou essa forma de expropriação. Em síntese: não há desapropriação parcial; ou se desapropria a gleba integralmente, se presente o pressuposto constitucional, ou não será caso de expropriação, devendo-se, nessa hipótese, destruir a cultura ilegal e processar os respectivos responsáveis[5].

Existe ainda uma forma de desapropriação que não é uma modalidade prevista em lei, mas uma realidade processual consagrada pela jurisprudência: a desapropriação indireta ou “expropriação às avessas”, como denomina parte da doutrina. A desapropriação indireta nada mais é do que a que ocorre sem que se observe o procedimento legal, sendo comparada ao esbulho, podendo ser atacada por meio de ação possessória. É toda intervenção estatal que impossibilite o uso e o gozo do bem, diminuindo consideravelmente ou eliminando o seu conteúdo econômico.

Para Celso Ribeiro Bastos, a desapropriação indireta é

o apossamento irregular do bem imóvel particular pelo Poder Público, uma vez que não obedeceu ao procedimento previsto pela lei. Esta desapropriação pode ser impedida por meio de ação possessória, sob a alegação de esbulho. Entretanto, a partir do momento em que

Page 134:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        133 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

a Administração Pública der destinação ao imóvel, este passa a integrar o patrimônio público, tornando-se insuscetível de reintegração[6].

Insta dizer que tal modalidade expropriatória deve ser obstada em tempo hábil, uma vez que após a destinação pública ser dada pelo Poder Público, não pode mais o particular reivindicar o imóvel, pois os bens já agregados ao patrimônio público não são mais passíveis de reivindicação.

Ocorre também a chamada desapropriação indireta quando a Administração cria limitações ou servidões que impedem totalmente o proprietário de gozar todos os poderes inerentes ao domínio, pois como tais ônus podem afetar de forma lícita apenas em parte o direito de propriedade, quando atacam a sua totalidade, fica o Poder Público obrigado a desapropriar o bem para evitar um prejuízo maior ao administrado.

Segundo Hely Lopes Meirelles,

(...) não passa de esbulho de propriedade particular e como tal não encontra apoio em lei. É a situação de fato que vai generalizando em nossos dias, mas que a ele pode opor-se o proprietário até mesmo com os interditos possessórios. Consumado o apossamento dos bens e integrados ao domínio público, tornam-se, daí por diante, insuscetíveis de reintegração ou reivindicação restando ao particular espoliado haver a indenização correspondente[7].

Embora “às avessas”, esta forma expropriatória permite a indenização, uma vez que o particular não pode ser prejudicado sem nenhuma contraprestação, a qual deve também ser pleiteada em tempo hábil, extinguindo-se o direito em cinco anos, de acordo com o artigo 10, parágrafo único, do Decreto-lei nº 3.365/41, com redação dada pela Medida Provisória nº 2.183/01.

Page 135:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

134  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Há ainda, duas espécies de desapropriação que, embora não sejam tão recorrentes, não podem passar despercebidas. Há possibilidade de que ocorram as hipóteses denominadas desapropriação por zona ou extensiva e desapropriação de bem público.

Na primeira modalidade aqui tratada, há uma extensão da expropriação às áreas que se supervalorizem devido à obra ou serviço público instituído pela desapropriação principal. Desta forma, embora a regra geral seja a de que a desapropriação atinja a objeto determinado, é possível que ela alcance área maior que a necessária sempre que houver a valorização extraordinária de tal área em razão de uma obra pública. Tal modalidade de desapropriação encontra-se prevista no art. 4º do Decreto lei n. 3.365/41, segundo o qual a

desapropriação poderá abranger a área contínua necessária ao desenvolvimento da obra a que se destina, e as zonas que se valorizam extraordinariamente, em consequência da realização do serviço. Em qualquer caso, a declaração de utilidade pública deverá compreendê-las, mencionando-se quais as indispensáveis à continuação da obra e as que se destinam à revenda.

Cumpre ressaltar que a valorização extraordinária ocorre quando o valor dos terrenos contíguos eleva-se de uma maneira excepcional em relação aos outros terrenos em mesma situação, não estando configurada com uma mera valorização do preço, mas com uma verdadeira supervalorização em função do serviço ou obra pública.

De acordo com os ensinamentos de José Cretella Júnior,

desapropriação por zona ou desapropriação extensiva é o procedimento expropriatório que abrange, além do imóvel necessário, útil ou de

Page 136:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        135 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

interesse social, a faixa territorial adjacente ou contígua, fundamentando-se a desapropriação ou na necessidade dessa zona contígua para melhoria e aperfeiçoamento do serviço ou na supervalorização dessa zona contígua em consequência da desapropriação da zona necessária[8].

Um exemplo desta forma de desapropriação seria a situação na qual o Estado desaproprie um bem para a construção de uma obra pública que trará uma valorização anormal aos bens vizinhos, sendo que, respaldado no art. 4º supramencionado, poderá a Administração Pública estender à área circunvizinha o instituto jurídico utilizado.

A desapropriação do próprio bem público ocorre quando alguma entidade de hierarquia superior desaproprie bem de outra entidade inferior hierarquicamente. Por exemplo, é admissível que a União desaproprie bens de Estados e Municípios ou de autarquias, empresas públicas e sociedades de economia mista criadas pelo Município, Estado-membro, Distrito Federal ou de concessionárias dessas pessoas jurídicas. Qualquer pessoa política pode desapropriar bens de suas entidades, sendo que um Estado pode desapropriar bens apenas dos Municípios situados em seu território, jamais bens de outro Estado.

Bem oportunamente, o parágrafo 2º do artigo 2º do Decreto-Lei 3.365/41 determina que os bens do domínio dos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios poderão ser desapropriados pela União, e os dos Municípios pelos Estados, mas em qualquer caso, ao ato deverá preceder autorização legislativa. Neste particular, interessante é a figura da autorização legislativa do expropriante, estando presente apenas no caso da desapropriação de bens públicos, representando um pressuposto essencial para tal instituto juntamente com a hierarquia expropriatória.

Page 137:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

136  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Enfim, em linhas gerais, são estas as modalidades da desapropriação, divergindo a doutrina em alguns pontos sobre as denominações, na tentativa de delimitar a diferença conceitual. Para fins de entendimento dos conceitos, grande contingente doutrinário estabelece que a expropriação é a tomada da propriedade pelo Estado, sendo a desapropriação uma forma de expropriação que tem como requisito a indenização, e o confisco uma modalidade de expropriação sem indenização, como sanção a algum ato ilícito.

1.2. PRINCÍPIOS ADMINISTRATIVOS NORTEADORES DA ATIVIDADE EXPROPRIATÓRIA.

Em um primeiro momento, devemos aqui conceituar o termo “princípio” para um entendimento mais eficaz acerca do capítulo. Os princípios são normas gerais que auxiliam na interpretação das demais normas jurídicas, indicando os caminhos a serem seguidos pelos aplicadores da lei, visando eliminar lacunas, fornecendo harmonia e coerência ao ordenamento jurídico. A palavra princípio tem origem no latim principium, significando, em uma acepção vulgar, início, começo, origem. Segundo F. de Castro, em citação feita por Bonavides,

os princípios, nesta perspectiva, são verdades objetivas, nem sempre pertencentes ao mundo do ser, senão do dever-ser, na qualidade de normas jurídicas, dotadas de vigência, validez e obrigatoriedade[9].

Já Celso Antônio Bandeira de Mello define princípio como um

mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere tônica e lhe dá sentido harmônico[10].

Page 138:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        137 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Diversos são os princípios norteadores da Administração Pública, como o princípio da publicidade, da eficiência, da razoabilidade, da autotutela, da supremacia do interesse público sobre o privado, da função social da propriedade, da moralidade, da continuidade da prestação do serviço público, entre outros.

Para não transcendermos ao tema do estudo apresentado, nos ateremos aos princípios fundamentadores do instituto jurídico da desapropriação, o qual, apesar de sofrer a incidência de outros princípios administrativos, recebe maior interferência de apenas dois: o Princípio da Supremacia do Interesse Público sobre o Interesse Privado e o Princípio da Função Social da Propriedade.

Difícil é a determinação do que seria o Princípio da Supremacia do Interesse Público, uma vez que não há um conceito fixo, visto que se trata de um fundamento geral sobre o qual se sustenta o sistema jurídico-administrativo. É um princípio basilar que atua como a viga de toda a Administração Pública, embora não tenha recebido conceituação expressa pelo legislador constituinte, havendo apenas presença implícita. Deste modo, tal princípio, como fundamento geral da Administração Pública, atinge todos os demais princípios norteadores da atividade administrativa

Devemos, primordialmente, fazer uma diferenciação entre o Interesse Público primário e o secundário. Este último, também denominado interesse da Administração Pública, não é público, não sendo qualitativamente similar aos interesses dos particulares, pois as satisfações que o norteiam destoam das particulares. A seu turno, o Interesse Público primário é a fusão dos interesses apresentados pelos indivíduos como participantes da Sociedade na qualidade de cidadãos.

Explica Celso Antônio Bandeira de Melo que

o interesse público deve ser conceituado como o interesse resultante do conjunto dos interesses que os indivíduos pessoalmente têm quando considerados em sua qualidade de

Page 139:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

138  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

membros da sociedade e pelo simples fato de o serem[11].

Sendo assim, a inferência lógica que se obtém é a de que deve haver uma íntima correlação entre o interesse público propriamente dito (primário) e o interesse imediato do Estado (secundário).

Por outro prisma, sabemos que o Estado apresenta interesses próprios que não se aproximam do Interesse Público propriamente dito, ou seja, do interesse público primário.

Ainda segundo Celso Antônio Bandeira de Melo:

Interesse público ou primário, repita-se, é o pertinente à sociedade como um todo, e só ele pode ser validamente objetivado, pois este é o interesse que a lei consagra e entrega à compita do Estado como representante do corpo social. Interesse secundário é aquele que atina tão-só ao aparelho estatal enquanto entidade personalizada, e que por isso mesmo pode lhe ser referido e nele encarnar-se pelo simples fato de ser pessoa, mas que só pode ser validamente perseguido pelo Estado quando coincidente com o interesse público primário[12].

Importante esclarecer que o interesse público abordado pelo princípio ora em foco é apenas o interesse público primário, uma vez que o secundário não goza das prerrogativas atribuídas à Administração Pública para atingir o seu fim, pois não persegue o fim público, mas sim o interesse do próprio Estado.

Em observação aos ensinamentos de Diogenes Gasparini, temos que

No embate entre o interesse público e o particular há de prevalecer o interesse público.

Page 140:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        139 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

(...) Com efeito, nem mesmo se pode imaginar que o contrário possa acontecer, isto é, que o interesse de um ou de um grupo possa vingar sobre o interesse de todos. Assim ocorre na desapropriação, na rescisão por mérito de certo contrato administrativo e na imposição de obrigações aos particulares por ato unilateral da Administração Pública, a exemplo da servidão administrativa[13].

Nota-se, em observação a tal conceito, que o Princípio do Interesse Público orienta todo o regime jurídico-administrativo, estando este adstrito àquele. Tal primazia é inerente ao exercício do Poder Público, devendo o Estado buscar sempre o interesse geral, ou seja, o interesse público primário, com o auxílio de todas as prerrogativas atribuídas à Administração pelo ordenamento jurídico.

O interesse público, como se nota é uma dimensão, uma manifestação coletiva dos direitos individuais, podendo ser considerado, de forma bastante ampla, como um interesse da coletividade. Desta forma, como elucida Celso Antônio Bandeira de Mello:

O princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado é o princípio geral de Direito inerente a qualquer sociedade. É a própria condição de sua existência[14].

É um requisito inerente à ideia de sociedade. Em decorrência de tal princípio, goza a Administração do poder de constituir terceiros em obrigações com a utilização de atos unilaterais, sendo estes imperativos.

Maria Sylvia Zanella de Pietro, denominando-o também de princípio da finalidade pública, afirma que este

Page 141:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

140  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

está presente tanto no momento da elaboração da lei como no momento de sua execução em concreto pela Administração Pública. Ele inspira o legislador e vincula a autoridade administrativa em toda a sua atuação[15].

De acordo com as lições da doutrinadora, o princípio discutido se encontra expresso no artigo 2º, caput, da Lei nº 9.784/99, exigindo o parágrafo único que haja atendimento a fins de interesse geral, vedada a renúncia total ou parcial de poderes ou competências, salvo autorização em lei (inciso II).

Embora grande parte da doutrina não considere tal dispositivo como um conceito que abranja o princípio em todas as suas facetas, este artigo tem bastante relevância no estudo do que vem a ser o interesse público, tendo uma íntima relação com a sua definição completa. Vale ressaltar que tais poderes ou competências configuram prerrogativas atribuídas ao Poder Público para que realize efetivamente o interesse público, sendo, como denominam os estudiosos, poderes-deveres, devendo ser exercidos obrigatoriamente, não devendo se omitir às competências conferidas por lei.

Portanto, cabe concluir que o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado é um princípio que orienta todo o ordenamento jurídico e a sociedade, uma vez que deve existir um interesse da coletividade como um todo que se sobreponha ao interesse individual, para que seja possível o convívio social. Dessa forma, tal fundamento de todo o regime jurídico-administrativo concede poderes-deveres à Administração Pública, como instrumentos para o alcance da finalidade pública, que é efetivar o interesse geral, não podendo o Poder Público jamais se omitir ou se desviar de tal fim.

Outro princípio de igual relevância para o instituto jurídico da desapropriação é o princípio da Função Social da Propriedade, tendo surgido como uma resposta do universo jurídico às

Page 142:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        141 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

transformações sociais pelas quais a sociedade, de modo geral, vem passando, a partir do incremento crescente do desenvolvimento, da evolução e da urbanização, dentre outros fenômenos sociais.

Além de tais modificações sociais, é incontestável o aumento do intervencionismo estatal nas relações sociais, ainda que privadas, combatendo comportamentos não adequados à sociedade atual, o que podemos perceber com o dirigismo contratual, a função social do contrato e a própria função social da propriedade. A regulação de relações privadas pela Administração Pública justifica-se frente a fenômenos econômicos e sociais, que exigem a proteção estatal dirigida a um convívio em sociedade adequado à finalidade social perseguida pela própria Administração, em uma linguagem ampla, à finalidade alvejada pelo interesse público.

Com efeito, com a limitação da propriedade, visando o bem social, percebe-se certa publicização do Direito Civil, pois, como já mencionado, o Poder Público passa a regular algumas relações privadas, impondo restrições à autonomia da vontade particular.

A tal respeito, a Constituição Federal de 1988 contempla o princípio da Função Social da Propriedade no rol dos direitos e garantias individuais, em seu artigo 5º, inciso XXIII, o qual determina que a propriedade atenderá à sua função social. Não obstante, a Carta Constitucional ainda inclui a função social da propriedade como princípio da ordem econômica e social, no art. 170, III. Deste modo, da mesma forma que o direito à propriedade é garantido constitucionalmente, cumprimento da função social da propriedade também é exigido por matéria constitucional. Insta dizer que há espécies de desapropriação, já relatadas anteriormente, que levam em consideração tal princípio, pois uma vez descumprida a função social da propriedade e cumpridos alguns requisitos elencados pela Lei Maior, haverá a desapropriação-sanção, podendo atingir imóveis urbanos ou rurais que não cumpram a sua função social.

Page 143:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

142  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Portanto, o direito de propriedade é garantido constitucionalmente, mas apenas enquanto cumpre a sua função social.

Nas palavras de Maria Sylvia Zanella Di Pietro

a propriedade tem uma função social de modo que ou o seu proprietário a explora e a mantém dando-lhe utilidade, concorrendo para o bem comum, ou ela não se justifica[16].

Entendimento que reforça a concepção de que a função social é um requisito indispensável ao uso regular e justo da propriedade, porquanto um imóvel que nada acrescenta à sociedade como um todo, uma vez que o proprietário não o utiliza, tendo em vista uma finalidade geral, é apenas um ônus para a comunidade, impedindo o seu efetivo desenvolvimento e a busca da justiça social. A renomada estudiosa do tema ainda pondera que a Constituição não nega o direito exclusivo do dono sobre a coisa, mas exige que o seu direito seja condicionado ao bem-estar geral[17].

O que nos remete novamente à íntima relação entre o direito de propriedade e a exigência de que sua utilização não se afaste da satisfação à sua função social.

A função social da propriedade é, além de um objetivo ao direito de propriedade, um elemento do próprio direito de ser proprietário. Segundo entendimento de José Afonso da Silva

a função social se manifesta na própria configuração estrutural do direito de propriedade, pondo-se concretamente como elemento qualificante na predeterminação dos modos de aquisição, gozo e utilização dos bens[18].

Portanto, o cumprimento da função social da propriedade torna-se um requisito para a garantia do direito de propriedade, uma

Page 144:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        143 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

vez que o proprietário que não utilizar sua propriedade segundo a sua função social poderá sofrer sanções impostas pela Administração Pública.

O doutrinador ainda ensina que

Os conservadores da constituinte, contudo, insistiram para que a propriedade privada figurasse como um dos princípios da ordem econômica, sem perceber que, com isso, estavam relativizando o conceito de propriedade, porque submetendo-o aos ditames da justiça social, de sorte que se pode dizer que ela só é legítima enquanto cumpra uma função dirigida à justiça social[19].

Celso Antônio Bandeira de Melo postula, em harmonia ao já exposto, que

Parece fora de dúvida que a expressão ''função social da propriedade'' comporta não apenas o primeiro sentido, a que dantes se aludiu, mas também esta segunda acepção a que agora nos estamos reportando. Com efeito, se alguma hesitação pudesse existir quanto a isto, bastaria uma simples inspeção visual no art. 160 da Carta do País - tantas vezes referido - para verificar-se que nele está explicitamente afirmado ser finalidade da ordem econômica e social realizar o desenvolvimento nacional e a justiça social. Ora bem, uma vez que estas finalidades hão de ser realizadas com base, entre outros princípios, no da ''função social da propriedade'' (item III), é óbvio que esta foi concebida tomando em conta objetivos de justiça social[20].

Page 145:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

144  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Importante definir o que vem a ser a comentada expressão “justiça social”. Recorremos, para tanto, ao conceito elaborado por Eros Roberto Grau:

''Justiça social'', inicialmente, quer significar superação das injustiças na repartição, a nível pessoal, do produto econômico. Com o passar do tempo, contudo, passa a conotar cuidados, referidos à repartição do produto econômico, não apenas inspirados em razões micro, porém macroeconômicas: as correções na injustiça da repartição deixam de ser apenas uma imposição ética, passando a consubstanciar exigência de qualquer política econômica capitalista[21].

Inevitável é a conclusão de que o objetivo da função social da propriedade é a justiça social. Portanto, tem-se que o princípio em comento visa uma repartição de riquezas de modo mais igualitário, o que é, indubitavelmente, uma indispensável necessidade social, vez que a Constituição da República Federativa do Brasil elenca, entre os seus objetivos fundamentais, a redução das desigualdades sociais e regionais.

1.3. SUJEITOS DA DESAPROPRIAÇÃO

Primeiramente, há que se esclarecer que os sujeitos indiciados no artigo 3º do Decreto-Lei 3.365/41 não são propriamente os sujeitos ativos do processo expropriatório. Sujeito ativo é a pessoa jurídica que pode expropriar o bem, mediante a declaração de utilidade ou interesse social. Tais entidades podem promover a desapropriação, uma vez que os bens expropriados serão transferidos para o seu patrimônio, no entanto, não são aptas a submeter o bem à força expropriatória.

Em linhas gerais, os sujeitos ativos da desapropriação são o Poder Executivo, o Poder Legislativo, os estabelecimentos de caráter público, os concessionários de serviços públicos, as

Page 146:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        145 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

entidades de economia mista, e, excepcionalmente, algumas pessoas de direito privado.

Segundo o artigo 2º do Decreto-lei nº 3.365/41,in verbis: art. 2º. Mediante declaração de utilidade pública, todos os bens poderão ser desapropriados pela União, pelos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios.

Nota-se, portanto, que o referido dispositivo trata tão somente da desapropriação fundamentada pela utilidade pública, não abrangendo todas as outras hipóteses.

Em caso de desapropriação por interesse social, tendo em vista a sua maior diversidade, deve-se trabalhar com três hipóteses distintas: a primeira delas, consubstanciada no artigo 5º, inciso XXIV da Constituição, e regulada pela Lei nº 4.132/62, é de competência também da União, dos Estados, do Município, do Distrito Federal e dos Territórios; já a prevista no artigo 182, §4º também da Lei Maior, estando regulamentada pelo Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/01), é de competência exclusiva do Município, não podendo ser promovida pelos outros entes mencionados; a terceira e última situação, é a que tem fundamento no artigo 184 da Carta Constitucional, o qual discorre sobre a desapropriação com fins de reforma agrária, estando sujeita ao Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/64) e à Lei Complementar nº 76/93, , sendo que essa competência somente será exclusivamente da União quando o imóvel rural for desapropriado para reforma agrária, não abrangendo indiscriminadamente toda e qualquer propriedade rural.

Celso Antônio Bandeira de Mello lista como

beneficiários da desapropriação as pessoas de Direito Público, ou pessoas de Direito Privado delegadas ou concessionárias de serviço público, podendo ocorrer excepcionalmente em favor de pessoa de Direito Privado que exerça atividade inerente ao interesse público[22].

Page 147:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

146  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Seguindo tal linha de raciocínio, insta mencionar que o STF já determinou a validade de desapropriação efetuada em favor da Fundação Getúlio Vargas[23].

Em relação ao sujeito passivo, temos que serão o proprietário, como também aqueles titulares de direitos reais, em suas variadas espécies. Insta dizer que o expropriado pode ser tanto pessoa física quanto jurídica, tanto privada, quanto pública, nos casos de desapropriação de bem público, já estudado anteriormente.

Há que se abrir um parêntese neste caso para se indagar sobre a possibilidade de um Município expropriar bem de outro Município. Forçoso é reconhecer que tal procedimento é inadmissível, uma vez que há igualdade política e legal entre os Municípios, sendo que o §2º do art. 2º da Lei de Desapropriações dispõe que deve haver hierarquia entre o expropriante e o expropriado, sendo este uma entidade menor do que aquele. Celso Antônio Bandeira de Mello deixa clara sua posição ao afirmar que

efetivamente, é intolerável o exercício da desapropriação de bem estadual por outro Estado ou bem municipal por outro Município quando os interesses postos em entrechoque são ambos interesses públicos. Dado o equilíbrio jurídico deles, o pretendido expropriante não tem em seu favor a maior abrangência ou relevância de interesse que o torne sobrepujante, para servir-lhe de causa do ato expropriatório[24].

Embora sejam apenas estes os sujeitos ativos e passivos da desapropriação, há que se diferenciar a competência para promover a desapropriação da competência daquele que simplesmente a executa. A competência executória é de toda e qualquer pessoa política ou administrativa, podendo, ainda, ser delegada na forma da lei, ganhando efetividade mediante ato declaratório, enquanto a

Page 148:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        147 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

competência para promover é do ente dotado de direito subjetivo de expropriar.

1.4. REGULAÇÃO JURÍDICA

Atualmente, a desapropriação é regulada pelo Decreto-lei nº 3.365/41, o qual, apesar de extemporâneo, ainda é a legislação aplicável ao procedimento expropriatório, tendo passado por algumas alterações interpretativas.

Insta relembrar que a expropriação está consagrada na Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, inciso XXIV.

Embora o Decreto-lei 3.365/41 seja a principal legislação sobre o procedimento expropriatório, os dispositivos que tratam da desapropriação não estão concentrados totalmente nele, encontrando-se determinações sobre o tema em diversas outras leis. A Carta Constitucional, por exemplo, trata ainda da expropriação em seus vários dispositivos, como os artigos. 182, 184 e 243.

A Lei 8.629 de 25/02/1993, que dispõe sobre a regulamentação dos dispositivos constitucionais relativos à reforma agrária também regulamenta a desapropriação, principalmente no que tange à sua modalidade que almeja a reforma agrária.

O próprio Código Civil Brasileiro (Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002) também trata da desapropriação, listando-a como uma das formas de perda da propriedade e regulando a sua posição frente a vários institutos inerentes ao direito privado.

Portanto, embora em todo o ordenamento jurídico existam normas referentes à desapropriação, a principal legislação aplicável ao tema continua sendo o Decreto-Lei 3.365/41.

1.5. A INDENIZAÇÃO, SUA OBRIGATORIEDADE E FIXAÇÃO.

Page 149:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

148  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Primeiramente, cabe aqui transcrever novamente o art. 5º, XXIV, de nossa Carta Constitucional, o qual determina que

a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição.

Essa é a desapropriação ordinária, a qual pode ser promovida pela União, Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios.

Pela simples leitura de tal dispositivo, percebemos que a indenização é um requisito imprescindível e constitucional para que ocorra a desapropriação, havendo apenas uma única exceção, pois os casos enquadrados no art. 243 da Constituição não permitem a indenização, ocorrendo a já mencionada expropriação-confisco.

Conforme leciona o renomado jurista Pontes de Miranda:

Quando a Constituição diz que a indenização há de ser justa e prévia impede qualquer critério de fixação e prestação da indenização que não seja justa ou não seja prévia. Foi assim que a técnica jurídica afastou o princípio clássico da não-intervenção para poder tornar admissível o princípio da intervenção conforme pressupostos precisos[25].

Portanto, não se vislumbra a ocorrência do procedimento expropriatório sem que haja indenização, uma vez que sua ausência torna toda a medida inconstitucional, contrariando o ordenamento jurídico, salvo nos casos de confisco, como já explicitado.

Há que se ressaltar que não basta a presença da indenização, ela deve ser justa e prévia para que a desapropriação

Page 150:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        149 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

seja válida. Há necessidade de que o patrimônio do expropriado não seja desfalcado, tendo a indenização função de recompor o que lhe fora subtraído em função da expropriação, não causando o empobrecimento do sujeito ativo ou do sujeito passivo, devendo corresponder exatamente ao valor diminuído a um e somado ao outro.

O art. 27 do Decreto-lei 3.365/41 prescreve que:

Art. 27- O juiz indicará na sentença os fatos que motivaram o seu convencimento e deverá atender, especialmente, à estimação dos bens para efeitos fiscais; ao preço de aquisição o interesse que deles aufere o proprietário; à sua situação, estado de conservação e segurança; ao valor venal dos da mesma espécie, nos últimos 5 (cinco) anos, à valorização ou depreciação de área remanescente, pertencente ao réu.

§ 1º - A sentença, que fixar o valor da indenização quando este for superior ao preço oferecido, condenará o desapropriante a pagar honorários de advogado, sobre o valor da diferença.

§ 2º - A transmissão da propriedade decorrente de desapropriação amigável ou judicial, não ficará sujeita ao Imposto de Lucro Imobiliário.

O dispositivo determina como se procederá a fixação da indenização, indicando o que o juiz deve ter como fundamento para a determinação do valor, devendo mencionar na sentença todos os fatos motivadores de seu convencimento, não estando preso exclusivamente a tais elementos, podendo utilizar ainda outros meios de análise para fixar o quantumindenizatório. Assim, os critérios do art. 27 não são rígidos e obrigatórios, podendo ser até

Page 151:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

150  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

mesmo ignorados em razão de outra forma de fixação que se mostre mais efetiva.

A estimativa dos bens para efeitos fiscais determina o valor da indenização em relação ao imposto predial e ao imposto territorial urbano, que tem como base de cálculo o valor venal do imóvel. Tal análise, apesar de parecer das mais acertadas, deverá ser feita pelo juiz com grande cautela, pois frequentes são as falhas inerentes ao estabelecimento do valor venal dos imóveis para efeitos fiscais.

O preço da aquisição do bem e o interesse do proprietário também devem ser considerados para a fixação da indenização. Aqui devemos fazer a mesma ressalva feita quanto ao último meio de exame mencionado, o juiz deve ter em vista possíveis falhas para que se evite o desatendimento à compensação patrimonial já referida, pois não é raro que os contratantes, ao realizarem um contrato de compra e venda, atribuAM valor em desconformidade com a realidade apenas para burlar os impostos.

Há que se observar ainda o estado de conservação do bem expropriado, ou seja, o aspecto do bem, a forma como ele se encontra, tanto internamente quanto externamente. O critério de segurança não se confunde com o estado de conservação, sendo também levado em conta e referindo-se à estabilidade, à própria segurança que o bem oferece, pois a falta desta causa desvalorização a qualquer bem.

O valor venal dos bens da mesma espécie nos últimos cinco anos também deve ser analisado. O valor venal é o valor praticado no mercado, a quantia real atribuída ao bem numa contratação de compra e venda, excluídos os fatores especulativos. Ocorre que, também este elemento não é seguro, tendo em vista a inflação presente em nosso mercado, devendo ser observado, sim, mas com reservas e muito cuidadosamente.

Por fim, deve-se levar em conta na fixação doquantum indenizatório a valorização ou depreciação da área

Page 152:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        151 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

remanescente pertencente ao réu. Quando se expropria apenas parte do imóvel, a porção remanescente pode se valorizar em função das obras ou serviços implantados, podendo ainda ocorrer o contrário, ou seja, a desvalorização. Devido à justeza da indenização, a desapropriação não pode beneficiar ou prejudicar o expropriado, portanto, tanto a valorização da área remanescente quanto a desvalorização devem ser observadas quando do cálculo da indenização.

Maria Sylvia Zanella de Pietro, em sua obra, explicita com acerto as parcelas que devem ser incluídas no cálculo da indenização.

Primeiramente, deve-se levar em consideração o valor do bem objeto de desapropriação, incluindo-se as benfeitorias do imóvel preexistentes ao ato expropriatório, sendo que em relação às benfeitorias posteriores serão pagas apenas as benfeitorias necessárias e as úteis, estas últimas desde que realizadas com anuência do expropriante, a teor do artigo 26, §1º do Decreto-lei nº 3.365/41. Construções feitas posteriormente, mesmo que seja concedida licença pelo Município, não são incluídas no valor da indenização, o que se depreende da Súmula nº 23 do STF.

Em seguida, observa-se os lucros cessantes e os danos emergentes.

Analisa-se, também, os juros compensatórios, quando houver imissão provisória na posse, contando-se a partir de tal imissão, sendo sua base de cálculo a diferença entre o valor inicialmente ofertado pelo Poder Público e o valor da indenização. Devem ser observadas as súmulas nº 164 do STF, segundo a qual no processo de desapropriação, são devidos juros compensatórios desde a antecipada imissão de posse ordenada pelo juiz, por motivo de urgência,nº618, também do STF, que discorre que na desapropriação, direta ou indireta, a taxa de juros compensatórios é de 12% ao ano, e a súmula nº 69 do STJ, a teor da qual na desapropriação direta, os juros compensatórios são devidos desde

Page 153:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

152  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

a antecipada imissão na posse e, na desapropriação indireta, a partir da efetiva ocupação do imóvel.

Os juros moratórios também deverão ser ponderados, incidindo sobre a mesma base de cálculo, no montante de 6% ao ano, a partir de 1º de janeiro do exercício seguinte àquele no qual o pagamento deveria ser feito também devem ser incluídos no cálculo.

Há que se atentar também aos honorários advocatícios, calculados sobre a diferença entre a oferta inicial e o valor da indenização, acrescido de juros moratórios e compensatórios.

Outra parcela a ser levada em conta é a composta pelas custas e despesas judiciais.

Por fim, deve-se levar em consideração a correção monetária, calculada a partir do laudo de avaliação e a despesa com desmonte e transporte de mecanismos instalados e em funcionamento[26].

CONCLUSÃO

Por meio do estudo apresentado sobre a desapropriação no ordenamento jurídico brasileiro, sua origem, seus fundamentos e o desenvolvimento do processo administrativo que deve ser realizado para a sua ocorrência, percebemos que, por se tratar de uma limitação na propriedade privada que autoriza a supressão do direito de propriedade do particular e a transferência da titularidade do bem ao Poder Público, deve ser realizada com a observância da legalidade e da publicidade, uma vez que há restrição da esfera de direitos do administrado.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 15ª ed. S. Paulo: Malheiros, 2002.

Page 154:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        153 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

_________________. Novos aspectos da função social da propriedade no Direito Público, P. 44. Escrito sob a égide da antiga CF.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 23ªed. Rio de Janeiro: Lumen Juris Editora, 2010.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 14ª ed. S. Paulo: Atlas, 2002.

AGUNDES, Miguel Seabra. Da desapropriação no Direito Brasileiro, 2ª ed. Rio, Freitas Bastos, 1949.

FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de Direito Administrativo. 6ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003.

GASPARINI, Diogenes. Direito Administrativo / Diogenes Gasparini – 14 ed. rev. – São Paulo: Saraiva, 2009.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, volume 5: direito das coisas / Carlos Roberto Gonçalves – 6 ed. – São Paulo: Saraiva, 2011.

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 3ª ed. (1975), 4ª ed. (1976), 5ª ed. (1977), 6ª ed. (1978), 15ª ed. (1990). São Paulo: RT.

MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários à Constituição de 1967 (com a Emenda 1/69) – 2ª ed.; t. V, São Paulo: Ed. RT, 1971.

MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo. 14ªed. Rio de Janeiro: Forense, 2005.

Page 155:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

154  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

MALUF, Carlos Alberto Dabus, 1947 – Teoria e prática da desapropriação / Carlos Alberto Dabus Maluf. – 2 ed. rev., atual. E ampl. – São Paulo: Saraiva, 1999.

SALLES, José Carlos de Moraes, 1928 – A desapropriação à luz da doutrina e da jurisprudência / José Carlos de Moraes Salles – 2. Ed. ver. E ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1992.

SANTOS, Ernane Fidélis dos, 1940 – Manual de direito processual civil, volume 1: processo de conhecimento / Ernane Fidélis dos Santos – 12. Ed. ver., atuali. E ampl. – São Paulo: Saraiva, 2007.

__________________ Manual de Direito Processual Civil, volume 3, 5ª edição. São Paulo: Saraiva, 1997).

NOTAS:

[1] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 14ª ed. S. Paulo: Atlas, 2002.P. 170

[2] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 3ª ed. (1975), 4ª ed. (1976), 5ª ed. (1977), 6ª ed. (1978), 15ª ed. (1990). São Paulo: RT. P. 814.

[3] CRETELLA JÚNIOR, José. Tratado geral da desapropriação. Ed. Forense: 1980. P. 11.

[4] BARROSO, Lucas Abreu. O direito agrário na constituição. 2ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. P. 166.

[5] Informativo STF- Brasília, 23 a 27 de março de 2009 - Nº 540.

[6] BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito administrativo. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. P. 384.

[7] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 36ª. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2010. P. 872.

[8] CRETELLA JÚNIOR, José. Tratado geral da desapropriação. Ed. Forense: 1980. P. 144.

Page 156:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        155 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

[9] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 12ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 228-229.

[10] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo, 9ª. Ed. São Paulo, Malheiros, 1997, pág. 572.

[11] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo, 9ª. Ed. São Paulo, Malheiros, 1997. P. 98.

[12] Ob. Cit. 99.

[13] GASPARINI, Diogenes. Direito Administrativo / Diogenes Gasparini – 14 ed. rev. – São Paulo: Saraiva, 2009. P. 20.

[14] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo, 9ª. Ed. São Paulo, Malheiros, 1997. P. 96.

[15] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 14ª ed. S. Paulo: Atlas, 2002, P. 82.

[16] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 14ª ed. S. Paulo: Atlas, 2002. P. 139.

[17] Ob. Cit. P. 140.

[18] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 16. Edª. São Paulo: Malheiros, 1999, P. 286.

[19] Ob. Cit. P. 790.

[20] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Novos aspectos da função social da propriedade no Direito Público,p. 44. Escrito sob a égide da antiga CF.

[21]GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica da Constituição de 1.988, p. 245.

[22] Ob. Cit. P. 877.

[23] STF, RDA 77/238.

[24] STF, RDA 29/56.

Page 157:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

156  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

[25] MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda 1, de 1969, Forense, 3ª. edição, Tomo V. p. 400.

[26] Ob. Cit. P. 184-186.

 

   

Page 158:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        157 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

www.conteudojuridico.com.br

MEDIDAS DESONERATÓRIAS E SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA EM CADEIAS PLURIFÁSICAS DE TRIBUTAÇÃO

MARIO SÉRGIO DA COSTA CARLOS: Advogado. Formado em Direito, no ano de 2015, pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

RESUMO: Define a estrutura dos principais benefícios fiscais e demonstra sua natural relação de tensão em relação à não cumulatividade tributária. Enfatiza a cautela que deve nortear as instituições competentes na concessão de benesses fiscais e na utilização de técnicas arrecadatórias. Esclarece a compatibilidade da substituição tributária com a regra constitucional da não cumulatividade tributária. Traz os principais precedentes dos tribunais superiores a respeito das problemáticas que envolvem o tema. Conclui que benefícios fiscais em cadeias plurifásicas somente devem ser concedidos no final da cadeia econômica, sob pena de desvirtuamento ontológico das benesses, com sua inutilidade prática ou mesmo com o aumento da carga tributária total.

Palavras-chave: Não cumulatividade tributária. Medidas desoneratórias. Substituição tributária.

1 INTRODUÇÃO

A técnica de apuração não cumulativa de tributos consiste em regime jurídico de tributação aplicável a determinadas exações, idealizado com o intuito de evitar a sobreposição de incidências tributárias nos casos em que o tributo incide sucessivamente ao longo de uma cadeia de produção ou circulação de riquezas.

Page 159:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

158  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

O modelo básico de operacionalização da tributação não cumulativa de tributos que incidem sobre a industrialização e sobre a circulação de mercadorias pressupõe o encadeamento linear de sucessivas operações de débito e crédito, com destaques em documentos fiscais, de forma tal que o montante de tributo pago em etapas anteriores do ciclo econômico seja abatido dos valores devidos nas etapas intermediária e final deste.

No ordenamento jurídico brasileiro, há dois impostos que são apurados de forma não cumulativa, tendo como elemento material de hipótese de incidência manifestações de riqueza que ocorrem de forma sucessiva em cadeias plurifásicas de tributação. São eles: o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).

Nessa linha, problemática de análise relevante consiste em investigar se e em que medida a utilização de técnicas de desoneração fiscal (alíquota zero, isenção, imunidade e não incidência) e de técnicas arrecadatórias (precisamente a substituição tributária) são compatíveis com a operacionalização da regra constitucional de não cumulatividade tributária.

Isso porque, como será demonstrado adiante, ao Estado não é dado utilizar irrefletidamente estas técnicas tributárias no âmbito de cadeias plurifásicas de tributação, tendo em vista que, em alguns casos, o emprego destes mecanismos subverterá a finalidade da utilização das medidas desoneratórias (redução da carga tributária, por exemplo), podendo vir, inclusive, a impactar a neutralidade fiscal e a abalar a competitividade no setor empresarial.

Portanto, faz-se importante analisar a compatibilidade, com a regra constitucional da não cumulatividade tributária, da aplicação de técnicas de desoneração fiscal no início, no meio e no fim da cadeia de circulação de riquezas, bem como da aplicação da substituição tributária nos mesmos casos.

2 PERTURBAÇÕES NAS CADEIAS PLURIFÁSICAS

Page 160:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        159 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

2. 1 CONSIDERAÇÕES GERAIS

A tributação não cumulativa baseia-se, de ordinário, num encadeamento de operações de relevância econômica nas quais há sucessiva incidência de tributos e de autorização para o gozo de créditos, de maneira que, de forma linear, cada imposição de débito na cadeia gerará crédito para ser oposto ao fisco em etapas subsequentes.

O arcabouço jurídico do Direito Tributário, entretanto, conta com diversas técnicas, oriundas da política fiscal, que, se empregadas no âmbito das cadeias plurifásicas, podem perturbar de certa forma o aludido esquema de linearidade próprio da apuração não cumulativa de tributos.

A questão que se avoca é saber se é possível e, em caso positivo, até que ponto a utilização de medidas fiscais desoneratórias em cadeias plurifásicas é compatível com a regra constitucional da não cumulatividade. Para o desenvolvimento desta tarefa, conceituar-se-ão e estremar-se-ão, na medida suficiente para os escopos deste trabalho, as diversas modalidades de medidas desoneratórias, a saber: a isenção, a alíquota zero, a não incidência e a imunidade.

Em seguida, far-se-á uma análise prática das principais controvérsias sobre o assunto com base em modelos hipotéticos de cadeias de circulação de riquezas econômicas, analisando, separadamente, a aplicação de medidas desoneratórias no início, no meio e no final do ciclo econômico.

2. 2 INSERÇÃO DE MEDIDAS DESONERATÓRIAS EM CADEIAS PLURIFÁSICAS

De início, é necessário conceituar sucintamente as técnicas tributárias da isenção, da alíquota zero, da não incidência e da imunidade.

O Código Tributário Nacional inclui a isenção entre as causas de exclusão do crédito tributário (inciso I do artigo 175).

Page 161:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

160  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Paulo de Barros Carvalho identifica três principais teorias sobre a natureza jurídica da isenção tributária (2013, p. 446). De acordo com Paulo de Barros Carvalho, uma primeira tese (cujo principal expoente é Rubens Gomes de Sousa), por ele alcunhada de clássica, identifica na isenção a dispensa legal de um tributo devido. De acordo com os seguidores dessa linha teórica, na isenção, o legislador, atento a razões de ordem social, econômica, política ou financeira, desincumbiria o sujeito passivo da relação jurídico-tributária do pagamento da exação, mediante a edição de lei com essa específica finalidade. O fato gerador ocorreria e a obrigação tributária surgiria normalmente, de sorte que apenas o débito tributário seria dispensado (2013, p. 445). Consoante as lições do mesmo autor, uma segunda tese foi capitaneada na doutrina por Alfredo Augusto Becker. Para este autor, a tese de Rubens Gomes de Sousa faz sentido apenas se visualizada numa perspectiva pré-jurídica e de prognose legislativa. Isto porque, sob um prisma estritamente jurídico, a subsunção do fato à regra de isenção afastaria a própria regra impositiva. José Souto Maior Borges, partidário dessa segunda corrente, desenvolveu ainda mais a tese, afirmando que a isenção tributária é uma hipótese de não incidência legalmente qualificada (2013, p. 446). Outrossim, haveria ainda uma terceira vertente teórica, que visualiza na isenção um instituto que obstaria que a norma impositiva atingisse determinada parcela da realidade escolhida pelo legislador. Haveria, assim, a neutralização da eficácia da norma tributante. É a tese de Sainz de Bujanda e de Salvatore la Rosa (CARVALHO, 2013, p. 446).

Expondo sua compreensão sobre a controvérsia, Paulo de Barros Carvalho sustenta que a regra isentiva mutila um ou mais de um dos critérios da regra matriz de incidência. Isso ocorreria a partir do encontro de duas regras jurídicas: de um lado, a norma impositiva, do outro, a regra de isenção, suprimindo qualquer dos critérios da regra matriz de incidência da primeira (2013, p. 450-451).

Percebe-se, de pronto, que há uma distinção prática relevante: na tese de Rubens Gomes de Sousa a hipótese de incidência chega a concretizar-se no mundo jurídico, sendo que, em momento posterior, haveria norma a impedir a cobrança do crédito tributário após sua

Page 162:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        161 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

constituição; nas teses de Alfredo Augusto Becker e de Sainz de Bujanda e de Salvatore la Rosa, por outro lado, o fato gerador não chegaria sequer a ocorrer, quer pela exclusão de parcela da hipótese de incidência por força da norma isentiva, quer pela inibição de sua eficácia.

O Supremo Tribunal Federal adota a tese de Rubens Gomes de Sousa. Nos autos do Recurso Extraordinário nº 204.062-2, Espírito Santo, relatado pelo ministro Carlos Velloso e julgado pela Segunda Turma em 27 de setembro de 1996, fez-se constar do corpo do julgado que, não obstante a isenção, o tributo existe, sendo que apenas o seu pagamento é dispensado.

É com base nesse fundamento, inclusive, que aquele tribunal alinhou sua jurisprudência em direção à tese consoante a qual, revogada a isenção, não há necessidade de obediência ao princípio da anterioridade tributária para o restabelecimento da cobrança da exação.

Acresce relevar que este entendimento está há muito pacificado, sendo que o “leading case” na matéria foi o Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 13.947, São Paulo, relatado pelo ministro Prado Kelly e julgado pela Terceira Turma em 17 de maio de 1966. A inclusão da isenção como causa de exclusão do crédito tributário, no Código Tributário Nacional (inciso I, artigo 175), também serve de base para sustentação da tese de Rubens Gomes de Sousa, tendo em vista que, não obstante a concretização do fato gerador, a lei pode dispensar o pagamento da exação, de sorte que a isenção estaria compreendida dentro do campo de incidência da norma impositiva (SCHOUERI, 2012, p. 226).

Um dos aspectos distintivos da isenção em relação à imunidade é que, enquanto a primeira guarda pertinência com a legislação infraconstitucional, a segunda, infensa às manobras do legislador ordinário, constitui inegavelmente matéria constitucional (SCHOUERI, 2012, p. 227). A norma consagradora da imunidade, portanto, está num plano jurídico hierarquicamente superior em relação à norma isentiva (MACHADO, 2013, p. 233). Na imunidade tributária, a própria Constituição impede a incidência da lei tributária impositiva sobre certos

Page 163:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

162  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

fatos (MACHADO, 2013, p. 233). Trata-se, portanto, de uma não incidência constitucionalmente qualificada. Mesmo que a Constituição utilize a nomenclatura “isenção” ao excluir certos fatos do campo de abrangência da norma de tributação, estar-se-á perante a técnica de imunidade tributária (MACHADO, 2013, p. 234).

Foi o que sucedeu em relação às imunidades positivadas no parágrafo 5º do artigo 184, no parágrafo 7º do artigo 195 e no inciso LXXIII do artigo 5º, todos dispositivos da Constituição Federal. Para Paulo de Barros Carvalho, a regra imunizante funciona como um limitador da competência tributária, reduzindo o campo da realidade que poderá ser tributado pelo legislador. É por isso que não é correto dizer que a imunidade tributária exclui ou suprime competência tributária, porquanto ela influi na própria conformação originária dessa competência. A imunidade é um empeço posto pelo legislador constituinte à própria competência tributária dos entes federados, excluindo o poder impositivo dessas pessoas políticas (2013, p. 180-181).

Desponta, portanto, outra distinção entre isenção e imunidade: enquanto na isenção há o surgimento do liame jurídico-tributário entre o fisco e o contribuinte (cujos efeitos ficam prejudicados pela dispensa do tributo), na imunidade tal relação jurídica sequer tem lugar, pois a norma imunizadora exclui uma parcela da realidade do campo de incidência da exação (CARVALHO, 2013, p. 181, 450-451).

A alíquota zero, por sua vez, é uma técnica tributária utilizada pelas entidades políticas detentoras de competência tributária como forma de se furtar à exigência de lei específica para a concessão de isenções, constante do inciso V do artigo 97 do Código Tributário Nacional e do parágrafo 6º do artigo 150 da Constituição Federal de 1988 (MACHADO, 2013, p. 239). É empregada, com especial ênfase, nos tributos extrafiscais cujas alíquotas podem ser alteradas por ato infralegal (a exemplo do IPI).

Page 164:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        163 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Tecnicamente falando, a alíquota zero mutila o aspecto quantitativo da norma impositiva, pois, por regras matemáticas, neutraliza a pretensão tributária (SCHOUERI, 2012, p. 236).

É certo que ela só é admissível se a legislação, ao conferir os limites de liberdade do Poder Executivo quanto aos tributos sujeitos a um regramento mitigado do princípio da legalidade tributária, expressamente permitir a redução da alíquota a zero. Uma vez que este limite mínimo seja estabelecido, o Poder Executivo poderá livremente reduzir as alíquotas ao referido patamar, como forma de esvaziar a norma impositiva, especialmente por razões de ordem extrafiscal (SCHOUERI, p. 236). Trata-se, portanto, de expediente utilizado para anular a tributação por completo, temporariamente, por via oblíqua à da isenção.

A não incidência aproxima-se consideravelmente da imunidade, distinguindo-se apenas por não gozar de status constitucional. Ele atua criando um obstáculo à realização da hipótese de incidência, de duas formas possíveis: implicitamente e pela via da interpretação, quando se identificam as parcelas da realidade não abrangidas pela norma impositiva; explicitamente, se existir regra jurídica expressa determinando a não incidência tributária sobre determinados fatos (MACHADO, 2013, p. 234).

Feito esse apanhado geral sobre as técnicas tributárias desoneratórias, passa-se a analisar sua compatibilidade com a regra constitucional da não cumulatividade tributária, após sua inserção em cadeias plurifásicas.

A tese central defendida por grande número de autores é aquela segundo a qual, se o fato é potencialmente capaz de concretizar a hipótese de incidência do tributo (a exemplo do que ocorre com a utilização da isenção e da alíquota zero), ao contribuinte deverá ser assegurado o direito ao crédito correspondente, mesmo que presumido (MARQUES, 2009a, p. 336). Em sentido contrário, se a técnica de tributação exclui determinada parcela da realidade social da própria hipótese de incidência, não haveria direito ao creditamento (CINTRA, 2009, p. 135). Alegam que a impossibilidade de creditamento em tais

Page 165:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

164  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

casos provocaria o aumento da carga tributária e o esvaziamento das técnicas tributárias desoneratórias (MARQUES, 2009a, p. 340). Nessa linha, a aquisição de matéria-prima ou insumos isentos daria direito a crédito no exato montante do valor cujo pagamento fora dispensado pela lei.

Isto porque interpretação contrária poderia conduzir à anulação dos efeitos práticos da norma isentiva, na medida em que a isenção convolar-se-ia em mero diferimento (porquanto todo o valor dispensado seria recuperado com nova incidência na fase seguinte do ciclo econômico) (BOTTALLO, 2009, p. 41; PIMENTA, 2009, p. 415-416).

No caso de insumos ou matéria-prima adquiridos em operação tributada à alíquota zero, há quem defenda que o contribuinte terá direito a creditamento, cujo montante seria obtido a partir da aplicação da alíquota a ser utilizada na etapa subsequente sobre o valor total da operação de aquisição dos itens primários (BOTTALLO, 2009, p. 44; PIMENTA, 2009, p. 415-416). Para eles, a inexistência de uma alíquota diferente de zero em determinada operação de aquisição não poderia ser entendida como óbice intransponível ao gozo de crédito por tais contribuintes (CINTRA, 2009, p. 135). Demais disso, segundo os defensores da tese, as figuras da isenção e da alíquota zero visariam ao mesmo fim: desonerar a cadeia produtiva.

Por outro lado, há quem sustente que o mesmo tratamento dispensado à aquisição de insumos e matéria-prima em operações isentas ou tributadas à alíquota zero deveria ser estendido às aquisições em operações não tributadas em razão de não incidência legalmente determinada (BOTTALLO, 2009, p. 45)

No âmbito da jurisprudência, o Supremo Tribunal Federal já chegou a assegurar o direito a créditos presumidos de IPI para aquele que adquirisse insumos e matéria-prima isenta que fossem utilizados no processo industrial para fabricação de produtos tributados pelo mesmo imposto. Isto porque, se aplicada a isenção em operação no início do ciclo, a não concessão do crédito presumido convolaria aquela em mero diferimento. Outrossim, a não concessão do crédito presumido em

Page 166:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        165 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

cadeia plurifásica objeto de isenção em operação intercalar do ciclo econômico redundaria, em última análise, no aumento do custo tributário ao longo da cadeia plurifásica, em razão do chamado efeito de recuperação, consistente na taxação sobre o valor cheio da operação em seguida a uma operação desonerada (MOREIRA, 2012, p. 167; GODOI, 2009, p. 374).

O mesmo entendimento foi estendido pelo Supremo Tribunal Federal, num momento posterior, à tributação pelo IPI com base em alíquota zero.

A antiga interpretação do Supremo Tribunal Federal tinha o seguinte fundamento: se, na isenção tributária, há incidência da norma impositiva e o surgimento do liame obrigacional tributário, a dispensa de recolhimento e o pagamento seriam equivalentes, pois ambos, por equiparação legal, satisfariam a pretensão tributária (MOREIRA, 2012, p. 145-146). A jurisprudência daquela corte superior objetivava, decerto, conferir a maior eficácia possível à regra constitucional de não cumulatividade tributária.

Deveras, nos autos do Recurso Extraordinário nº 212.484-2, Rio Grande do Sul, relatado pelo ministro Ilmar Galvão e julgado pelo Pleno em 05 de março de 1998, a Fazenda Nacional buscava a reforma de acórdão do Tribunal Regional Federal da Quarta Região que reconhecera direito a crédito presumido de contribuinte do IPI que adquirira insumos em operação isenta. O recurso foi improvido e o direito ao crédito presumido foi mantido. Outrossim, nos autos do Recurso Extraordinário nº 350.446-1, Paraná, relatado pelo ministro Nelson Jobim e julgado pelo Pleno em 18 de dezembro de 2002, o mesmo tribunal deliberou por conferir aquele mesmo tratamento dispensado à isenção também para a tributação pela alíquota zero, sob o fundamento de que a não admissão do creditamento ocasionaria o desaparecimento desses institutos na operação subsequente. Posteriormente, o Supremo Tribunal Federal alterou parcialmente sua jurisprudência acerca do assunto, passando a negar o direito ao crédito presumido no caso de insumos adquiridos em operações não tributadas ou sujeitas à alíquota zero (PINTO, 2009, p. 11-12).

Page 167:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

166  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Quanto à não tributação (equivalente à não incidência), mencionou-se que a operação a ela submetida escapa do próprio substrato material da regra matriz de incidência do IPI, de sorte que não é cabível cogitar-se de crédito em tais casos, pois se a operação não é idônea sequer para gerar a concretização do fato gerador, tampouco seria idônea para gerar créditos presumidos. Quanto à alíquota zero, por outro lado, sustentou-se que ela é ontologicamente distinta da isenção, pois não visa a diminuir o preço final do produto, senão a estimular a produção (MOREIRA, 2012, p. 170). Verifica-se, portanto, que esses fundamentos discrepam de fundamentos anteriormente adotados pelo próprio Supremo Tribunal Federal, em sua jurisprudência pretérita, que equiparava as figuras da isenção, da alíquota zero e da não incidência no âmbito da problemática ora debatida.

O precedente que estabeleceu a reviravolta jurisprudencial foi o Recurso Extraordinário nº 353.657, Paraná, relatado pelo Ministro Marco Aurélio e julgado pelo Pleno em 25 de junho de 2007. Alguns anos depois, já em 2010, o Supremo Tribunal Federal procedeu a outra modificação de jurisprudência, restringindo o direito ao crédito presumido também nas aquisições feitas em operações isentas. Estabeleceu-se, por definitivo, que só há direito a crédito se tiver havido custo tributário. Logo, se na operação isenta não há recolhimento feito pelo contribuinte, seria inadmissível a pretensão de crédito. Dessarte, conclui-se que, atualmente, não há direito a crédito presumido no caso de aquisição de mercadorias e insumos em operações isentas, não-tributadas, ou tributadas à alíquota zero (MOREIRA, 2012, p. 173; SALES, AMARAL, 2009, p. 169). Isso ficou estabelecido no julgamento do Recurso Extraordinário nº 566.819, Rio Grande do Sul, relatado pelo ministro Marco Aurélio e julgado pelo Pleno em 29 de setembro de 2010.

Com base no que foi exposto, extrai-se a ilação, consentânea com a atual jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, de que, em caso de aquisição de insumos em operação na qual foi utilizada técnica tributária desoneratória (isenção, alíquota zero, não incidência), não há direito a crédito, porquanto não foram vertidos valores pecuniários pelo contribuinte ao erário (FURLAN, VELLOSO, 2009, p. 37).

Page 168:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        167 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Volvendo a atenção para o caso do ICMS, há autorização excepcional para cumulatividade tributária ao longo da cadeia, nos casos mencionados no inciso II do parágrafo 2º do artigo 155 da Constituição Federal, a saber: (a) em caso de isenção; (b) em caso de não incidência. De acordo com a doutrina, essas hipóteses são taxativas e devem ser interpretadas restritivamente (CARRAZZA, 2012, p. 450). Vale mencionar que a legislação pode dispor em sentido contrário, a exemplo do que foi feito pelo parágrafo 2º do artigo 21 da Lei Complementar nº 87, que autorizou a manutenção de créditos referentes a mercadorias e serviços objeto de operações ou prestações destinadas ao mercado externo.

Acresce ressaltar que essas restrições à não cumulatividade do ICMS foram inseridas pioneiramente em nosso ordenamento jurídico pela Emenda Constitucional nº 23 (“Emenda Passos Portos”) à Constituição Federal de 1967, como resposta à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que assegurava o creditamento presumido em operações isentas e não-tributadas (MOREIRA, 2012, p. 144-145).

Há quem entenda que essa resistência ao creditamento imposta no regramento constitucional do ICMS só se aplicaria às operações imediatamente anteriores e posteriores, de sorte que os créditos relativos às demais fases do ciclo econômico deveriam ser preservados (CARRAZZA, 2012, p. 451; PIMENTA, 2009, p. 417; MACHADO SEGUNDO, MACHADO, 2009, p. 235). A exegese é bastante razoável, tendo aplicabilidade prática nas operações incentivadas ao final da cadeia do ciclo econômico ou em cadeias plurifásicas com mais de três fases de encadeamento.

Importa assinalar que a Lei Complementar nº 87, regente do ICMS, abrandando o rigor da regra do inciso II do parágrafo 2º do artigo 155 da Constituição Federal, admitiu a utilização de créditos acumulados anteriormente à realização das operações isentas ou objeto de não incidência pelo estabelecimento praticante de operações tributadas em fase da cadeia posterior àquela das medidas desoneratórias, desde que a saída isenta ou não tributada relacione-se com produtos agropecuários ou outros itens elencados em lei estadual (CINTRA, 2009, p. 141).

Page 169:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

168  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Alguns autores sustentam também que a menção à “não incidência” feita pelo inciso II do parágrafo 2º do artigo 155 da Constituição Federal abrangeria apenas as atividades não compreendidas no âmbito do substrato material da regra matriz de incidência do ICMS (como, por exemplo, a prestação de serviço distinto do transporte interestadual e intermunicipal de passageiros ou a prestação de serviços de comunicação). Por outro lado, nos casos de fato passíveis de, em tese, concretizar a hipótese de incidência, mas que, por força de regra imunizante, não dão ensejo a imposição do gravame, não seria o caso de aplicar a referida restrição, sob pena de esvaziar a eficácia da norma constitucional consagradora da imunidade, ou até mesmo de subverter seus efeitos práticos (CARRAZZA, 2012, p. 454; MELO, 2009, p. 282; MACHADO SEGUNDO, MACHADO, 2009, p. 235).

O Supremo Tribunal Federal dá sinais de receptividade a esse entendimento. Há precedente específico sobre o tema, qual seja o Referendo em Medida Cautelar na Ação Cautelar de nº 2.559, Rio de Janeiro, cujo acórdão foi lavrado pela Segunda Turma sob a relatoria do ministro Celso de Mello. Na lide subjacente, uma sociedade empresária contribuinte pretendia ver reconhecida a inexigibilidade do estorno de créditos de ICMS oriundos da aquisição de insumos e matéria-prima (operação entrada) para a fabricação de papel destinado à impressão de livros, em decorrência da aplicação da regra imunizante na operação de saída. O tribunal reconheceu a relevância da imunidade objetiva positivada na alínea d, inciso VI, do artigo 150 da Constituição Federal, bem como de todas as demais imunidades tributárias de natureza política. Chegou-se à conclusão de que uma exegese ampliativa da regra restritiva do inciso II do parágrafo 2º do artigo 155 da Constituição Federal tornaria por apequenar as garantias constitucionais de imunidade tributária. Isso porque, do contrário, frustrar-se-ia a própria teleologia das normas imunizantes. Portanto, o tribunal acolheu a pretensão do contribuinte e reputou inviável o estorno do crédito discutido.

De outra parte, vale mencionar a opinião de alguns consoante a qual a determinação da alínea b do inciso II do parágrafo 2º do artigo 155

Page 170:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        169 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

da Constituição Federal não alcança os créditos acumulados por força de prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal ou de comunicação (MOREIRA, 2012, p. 152). Isto porque o texto constitucional teria feito menção exclusivamente ao termo “operações”.

Relativamente ao IPI, controverteu-se igualmente sobre a possibilidade de manutenção de créditos apurados em operações anteriores àquelas em que se empregou algum mecanismo de desoneração tributária. Alguns sustentaram que a própria Constituição Federal de 1988 teria assegurado o direito ao crédito em caso de emprego de isenção na cadeia plurifásica, ao não repetir, no regramento deste imposto, disposição símile àquela positivada em relação ao ICMS (constante do inciso II do parágrafo 2º do artigo 155 do texto constitucional) (BOTTALLO, 2009, p. 42).

Essa interpretação foi acolhida pelo Supremo Tribunal Federal, num primeiro momento, e pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme se depreende da leitura do acórdão proferido no julgamento do Recurso Especial nº 1.034.398, São Paulo, julgado pela Segunda Turma em 08 de abril de 2008 e relatado pelo ministro Castro Meira.

Em maio de 2009, o Supremo Tribunal Federal entendeu que, anteriormente à vigência do artigo 11 da Lei federal nº 9.799, não há direito à manutenção dos créditos do IPI oriundos da aquisição de insumos empregados na produção e industrialização de bens objeto de saídas isentas ou tributadas à alíquota zero. Isto porque a tributação em cascata pressuporia duas operações concatenadas que tivessem sido sucessivamente gravadas pelo mesmo tributo (MACHADO, 2009b, p. 496-497). Se houve interrupção nessa linearidade, não haveria direito à manutenção de créditos. Essa decisão foi de encontro à opinião de grande parte da doutrina, que, como já mencionado, entendia que o referido dispositivo da legislação infraconstitucional tem caráter meramente declaratório de um direito assegurado pela Constituição Federal ao contribuinte do IPI, imposto em relação ao qual o texto constitucional não fez menção expressa à necessidade de anulação de créditos anteriormente acumulados, como o fez em relação ao ICMS (MOREIRA, 2012, p. 161; PINTO, 2009, p. 21; MACHADO, 2009a, p.

Page 171:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

170  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

211; MACHADO SEGUNDO, MACHADO, 2009, p. 233; MACHADO, 2009b, p. 498; SALES, AMARAL, 2009, p. 171; CINTRA, 2009, p. 139). A razão política da edição do artigo 11 da Lei nº 9.799, para esses juristas, teria sido viabilizar a compensação de créditos acumulados de IPI com quaisquer tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, na forma do artigo 74 da Lei nº 9.430. Sobre o ponto, alguns doutrinadores, criticando a referida decisão do Supremo Tribunal Federal, assinalam que a regra geral, tanto no caso do IPI quanto no caso do ICMS, é a realização do cotejo de débitos e créditos ao final de determinado período, e não o rígido sistema de apuração de créditos produto a produto (MOREIRA, 2012, p. 162). Demais disso, avocam a anterior jurisprudência do mesmo tribunal, que entendia pela equiparação entre a dispensa e o efetivo pagamento do tributo, em caso de norma isentiva, pelo que não haveria interrupção de tributação na cadeia plurifásica (MOREIRA, 2012, p. 164).

Avançando, mencione-se que, como já se aduziu acima, no caso de aquisição de insumos sujeitos à tributação por alíquota zero, há quem defenda o direito a crédito presumido, que deveria ser calculado a partir da aplicação da alíquota incidente na operação de saída (PINTO, 2009, p. 20; PIMENTA, 2009, p. 415-416; MARQUES, 2009a, p. 341). Contudo, essa interpretação é inviável por dois motivos. Em primeiro lugar, sua adoção poderia ocasionar grave ofensa ao princípio da seletividade, pois, como se sabe, a tributação de produtos supérfluos é feita a partir de alíquotas consideravelmente altas (MACHADO, 2009b, p. 497498). Sendo assim, o creditamento com base na alíquota aplicável à venda do produto supérfluo poderia gerar crédito presumido superior a todos os recolhimentos tributários feitos ao longo da cadeia. Quanto mais supérfluo fosse o produto, menor seria o valor do IPI a ser recolhido ao fisco (FURLAN, VELLOSO, 2009, p. 40). Estar-se-ia, dessarte, desvirtuando o princípio da seletividade (“seletividade às avessas”) e o princípio da capacidade contributiva (MELO, 2009, p. 278; FURLAN, VELLOSO, 2009, p. 40; GODOI, 2009, p. 385). De outra parte, há autores que defendem que seria cabível o empréstimo de alíquota prevista para produtos de natureza assemelhada (MELO, 2009, p. 278). Contudo, entende-se neste escrito que não cabe ao Poder Judiciário deliberar acerca da alíquota a ser aplicada nas operações tributáveis,

Page 172:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        171 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

sob pena de ofensa ao princípio da separação dos poderes positivado no artigo 2º da Constituição Federal de 1988 (MACHADO SEGUNDO, MACHADO, 2009, p. 231).

Analisando criticamente as teses debatidas, é necessário deixar assentado que a aplicação de determinadas técnicas tributárias no início do ciclo produtivo pode provocar o chamado efeito de recuperação, que significa anular os efeitos práticos de medidas desoneratórias a partir da incidência do tributo em etapas posteriores da cadeia plurifásica, que ocorrerá indiscriminadamente sobre o valor total da operação (MELLO, 2009, p. 59-60). Como bem salienta a doutrina, o efeito de recuperação é próprio da tributação não cumulativa realizada com base no método subtrativo indireto (imposto contra imposto) (GODOI, 2009, p. 374).

Sendo assim, forçoso reconhecer o esvaziamento do instituto da isenção se empregado na etapa inicial do ciclo produtivo, em se tratando de tributo não cumulativo apurado pelo método subtrativo indireto (como é o caso do ICMS e do IPI).

É certo que, não obstante não repercuta na aplicação da técnica de apuração não cumulativa de tributos, a isenção no início da cadeia econômica pode apresentar efeitos positivos relacionados a questões de política fiscal, exemplificativamente o fato de desobrigar, na situação hipotética apresentada, os lavradores da obrigatoriedade de escrituração fiscal.

Por outro lado, a isenção concedida no meio do ciclo produtivo produz efeito cumulativo deletério, pois, em razão do efeito de recuperação, a taxação em etapas posteriores do ciclo econômico acarretará o aumento da carga tributária como um todo, na medida em que na operação que se segue à operação isenta o tributo incidirá sobre o valor total da operação, repercutindo nas operações seguintes (MACHADO, 2009b, p. 499; SALES, AMARAL, 2009, p. 166).

A antiga jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, de forma a contornar esse inconveniente, passou a admitir o creditamento presumido na isenção intercalar como forma de evitar o efeito recuperação, sendo que tal jurisprudência está superada desde o

Page 173:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

172  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

advento Emenda Passos Portos, como já se aduziu em epígrafe (GODOI, 2009, p. 374).

Com base no arrazoado acima, é forçoso concluir que, se o legislador visa à redução de preços, deverá empregar técnicas desoneratórias apenas no final da cadeia de circulação de riquezas tributáveis, na medida em que apenas neste caso a carga tributária poderá ser reduzida. É certo, contudo, que não pode ser admitido o aproveitamento dos créditos anteriores acumulados na cadeia, sob pena de desoneração total desta e da outorga de créditos em face do contribuinte, o que subverteria a tributação por completo.

Se a técnica desoneratória é utilizada no início ou em etapa intercalar da cadeia plurifásica, não surtirá efeitos práticos relevantes em relação à não cumulatividade ou provocará deletérias distorções, respectivamente, pois ou ela se convolará em mero diferimento ou então provocará tributação em cascata em decorrência do efeito de recuperação (GODOI, 2009, p. 371).

2. 3 A SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA NAS CADEIAS PLURIFÁSICAS

Outra aparente perturbação nas cadeias plurifásicas diz respeito ao estabelecimento da substituição tributária em alguma das fases da cadeia produtiva.

Para uma completa compreensão do fenômeno, é necessário proceder à prévia caracterização do instituto, que goza, inclusive, de previsão constitucional (parágrafo 7º, artigo 150, Constituição Federal), o que acentua a relevância das considerações que seguem.

A Lei federal nº 5.172 biparte a sujeição passiva em matéria tributária nas seguintes categorias: a do contribuinte e a do responsável (conforme consta do parágrafo único do artigo 121 deste diploma). O contribuinte, de acordo com a norma, é aquele que possui um vínculo pessoal e direto com o fato gerador da obrigação tributária, ao passo que o responsável é aquele que, não revestindo tal condição (isto é, a

Page 174:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        173 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

condição de contribuinte), assume, por imposição legal, a responsabilidade pelo pagamento de um gravame tributário.

Se um comerciante aliena, no varejo, determinada mercadoria para um consumidor final, ele se revestirá da condição de contribuinte do ICMS, tendo em vista que, com o ato de alienação, preencheu a hipótese de incidência do imposto e, portanto, provocou a ocorrência do fato gerador e o surgimento da obrigação tributária (situação A).

Por outro lado, se determinado comerciante aliena seu estabelecimento comercial, estando em débito com o fisco estadual por créditos tributários de ICMS devidamente constituídos à data do ato, o adquirente do referido complexo de bens será responsável pelo pagamento da exação (situação B).

Uma terceira hipótese é aquela em que ao industrial é imposta a obrigação de pagamento do ICMS incidente sobre a comercialização da matéria-prima adquirida, a ser por ele utilizada como insumo no processo produtivo, com a consequente liberação do alienante dos bens primários (lavrador, pecuarista etc.) (situação C).

Essas três situações hipotéticas correspondem, respectivamente, às figuras do contribuinte, do responsável tributário em sentido estrito e do substituto tributário.

Destarte, conclui-se que, não obstante o Código Tributário Nacional distinga de forma singela apenas duas classes de sujeitos passivos (contribuinte e responsável), a doutrina visualizou nesta última categoria a necessidade de diferenciação de duas outras figuras inconfundíveis: o responsável tributário em sentido estrito e o substituto tributário (SCHOUERI, 2012, p. 505). Outros, adotando nomenclatura diversa, mas com idêntico significado, bipartem a responsabilidade tributária em responsabilidade por transferência e em responsabilidade por substituição (CARRAZZA, 2012, p. 113).

Na literatura, reputa-se como sujeição passiva direta aquela à qual está submetido o contribuinte, enquanto que o responsável (em ambas as modalidades concebíveis) seria sujeito passivo indireto

Page 175:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

174  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

(BECHO, 2011, p. 121). A adjetivação da sujeição passiva como indireta decorre do fato de o responsável tributário possuir uma relação apenas indireta com o fato gerador da obrigação tributária (BECHO, 2011, p. 128-129). O responsável tributário em sentido estrito, que não pode ostentar a qualidade de contribuinte, é aquele que entra em cena quando, por acontecimento ocorrido posteriormente à concretização do fato gerador, a ele é transferido, por imposição legal, o dever legal de pagamento de tributo devido por outrem (SCHOUERI, 2012, p. 506). É precisamente o que ocorreu na situação B, em que um contribuinte (vendedor do estabelecimento comercial), que provocou a ocorrência de fatos geradores do ICMS (ao, por exemplo, efetuar a circulação de mercadorias), alienou o complexo de bens que utilizava em seu giro empresarial, fato posterior à materialização da hipótese de incidência que, por determinação legal (artigo 133 da Lei nº 5.172), transfere a responsabilidade de créditos tributários pendentes para o adquirente. O caso hipotético apresentado é de responsabilidade por transferência em razão de sucessão, sendo que a doutrina menciona que, ao lado desta subcategoria, há também a responsabilidade por transferência em razão da solidariedade e da responsabilidade legal (CARRAZZA, 2012, p. 113).

O substituto tributário, por sua vez, é o sujeito escolhido pelo legislador, num plano pré-jurídico, para arcar com obrigação tributária gerada por outrem, a título de dívida própria (MELO, 2008, p. 189; CARRAZZA, 2012, p. 114). É dizer: não obstante não tenha manifestado os signos presuntivos de riqueza que atraíram o poder tributário do Estado, o substituto tributário estará obrigado a arcar com os dispêndios pecuniários da obrigação tributária, em nome próprio. Isso não afasta, por óbvio, a necessidade de uma vinculação mínima com o fato gerador (na forma do artigo 128 do Código Tributário Nacional), que não haverá de ser pessoal e direta, porquanto, do contrário, convolar-se-ia a posição de substituto na posição de contribuinte (SCHOUERI, 2012, p. 510).

Sumariando o ponto nodal da distinção: na responsabilidade tributária em sentido estrito, o responsável (por transferência) ingressa numa relação jurídica travada entre terceira pessoa (o contribuinte) e o fisco, assumindo solidária ou subsidiariamente a responsabilidade pelo

Page 176:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        175 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

pagamento da obrigação tributária principal; na substituição tributária, por outro lado, o substituto assume o próprio lugar do contribuinte na relação jurídica tributária, excluindo este último do liame obrigacional (DENARI, 2001, p. 172).

Pode-se avocar, neste ponto, a antiga doutrina civilista, de origem germânica, que faz a distinção entre o débito (Schuld) e a responsabilidade pelo débito (Haftung) (BECHO, 2011, p. 114). Contextualizando essa vertente teórica na moldura da sujeição passiva tributária, é possível concluir que o contribuinte e o substituto tributário possuem oSchuld e a Haftung, enquanto que o responsável tributário em sentido estrito possui apenas a Haftung. A semelhança entre a figura do contribuinte e do substituto tributário é tão perceptível que alguns denominam este último de “quase contribuinte” (MARTINS, 2013, p. 89).

O grande fator econômico-social subjacente às decisões políticas que instituem a substituição tributária concerne a razões de ordem fiscalizatória, que objetivam o incremento da arrecadação de receitas derivadas (CARRAZZA, 2012, p. 115; CINTRA, 2009, p. 116). Na situação C essas razões de política fiscal revelam-se com clareza, tendo em vista que, amiúde, é muito mais fácil e menos oneroso para o órgão fazendário fiscalizar o cumprimento das obrigações tributárias e efetuar a cobrança dos créditos tributários do substituto (no exemplo: o industrial), especialmente em virtude de sua maior capacidade organizacional e de escrituração contábil e pelo fato de a fiscalização concentrar-se em poucas indústrias em vez de diluir-se em grande número de estabelecimentos de comerciantes (SCHOUERI, 2012, p. 510).

É certo que, numa primeira análise superficial do instituto da substituição tributária, poder-se-ia cogitar da oneração excessiva do substituto, que eventualmente estaria obrigado a pagar tributo por fato alheio (na qualidade de substituto tributário) e por fato próprio (na qualidade de contribuinte). Essa confusão é apenas aparente, dado que, quando participa de um ciclo econômico, ao substituto é assegurada a transferência dos ônus tributários assumidos nessa qualidade para os personagens que o sucedem na cadeia de produção e circulação, a partir

Page 177:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

176  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

do cômputo do importe dos gravames no preço do item comercial negociado (SCHOUERI, 2012, p. 510). Fica claro, portanto, que só será legítima a utilização do mecanismo da substituição tributária se ao substituto for possível o reembolso dos valores pagos nessa qualidade (CARRAZZA, 2012, p. 115).

A substituição tributária pode apresentar-se por duas formas: a substituição tributária para trás (ou substituição tributária regressiva) e a substituição tributária para frente (ou substituição tributária progressiva) (MOREIRA, 2012, p. 217). Na substituição tributária para trás ou regressiva, admite-se o diferimento do recolhimento do tributo para fase posterior do ciclo econômico, distinta daquela em que se verificara a ocorrência do fato gerador (MOREIRA, 2012, p. 216; BOTTALLO, 2009, p. 188). Dessarte, aplicando-se o instituto à tributação pelo ICMS, seria o caso de postergar recolhimento do tributo para momento subsequente da cadeia econômica de circulação da mercadoria. Na substituição tributária para frente ou progressiva, por outro lado, determinado agente localizado em alguma das fases iniciais do ciclo produtivo é legalmente responsável por arcar com os custos tributários devidos em todas as fases posteriores do mesmo ciclo (MOREIRA, 2012, p. 216; GODOI, 2009, p. 363; MACHADO SEGUNDO, MACHADO, 2009, p. 224; BOTTALLO, 2009, p. 188). Seria, em termos gerais, uma cobrança antecipada de imposto previamente à ocorrência do próprio fato gerador deste, com o escopo precípuo de evitar a sonegação fiscal (BARROS, 2008, p. 67) A substituição tributária relaciona-se com o tempo do pagamento: na substituição tributária regressiva o pagamento é protelado, enquanto que na substituição tributária progressiva o pagamento é antecipado (BOTTALLO, 2009, p. 190).

A substituição tributária progressiva foi constitucionalmente autorizada a partir do advento da Emenda Constitucional de nº 3, promulgada em 17 de março de 1993, à Constituição Federal de 1988. O texto constitucional está redigido nos seguintes termos:

A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato

Page 178:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        177 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido.

Para alguns, a responsabilidade tributária progressiva é inconstitucional, porquanto violaria o princípio da segurança jurídica da tributação ao tributar fato futuro, previamente à ocorrência de seu fato gerador (CARRAZZA, 2012, p. 115; MARTINS, 2013, p. 87). Para outra parte dos autores, o dispositivo em comento não padeceria de inconstitucionalidade material ou formal. Isto porque o texto constitucional teria autorizado a exigência de antecipação do pagamento do tributo, não a concreção antecipada do próprio fato gerador, a exemplo do que já ocorre em alguns tributos, notadamente no Imposto Sobre Importação (II). Deveras, o artigo 19 do Código Tributário Nacional prescreve que a hipótese de incidência desse imposto federal concretiza-se com a entrada do produto estrangeiro no território nacional, sendo que a legislação específica que rege a exação determina o recolhimento do crédito tributário por ocasião do registro da Declaração de Importação (artigo 23 do Decreto-Lei nº 37, de 18 de novembro de 1966) ou do vencimento do prazo de permanência do produto no recinto alfandegado (parágrafo único do artigo 18 da Lei nº 9.799) (BARROS, 2008, p. 71). Sendo assim, é frágil a argumentação que sustenta a inconstitucionalidade da substituição tributária progressiva em razão do simples fato de se recolher tributo antecipadamente.

Acresce ressaltar que, mesmo em momento prévio ao advento daquela emenda constitucional, tanto o Supremo Tribunal Federal quanto o Superior Tribunal de Justiça já admitiam, respectivamente, a constitucionalidade e a legalidade da substituição tributária progressiva. Isto porque o regime de substituição tributária progressiva poderia ser instituído por simples legislação infraconstitucional (SEIXAS FILHO, 2001, p. 59-60).

No âmbito do Supremo Tribunal Federal, é possível chegar a essa conclusão pela leitura do Recurso Extraordinário nº 213.396, São Paulo, relatado pelo ministro Ilmar Galvão, na Primeira Turma, e que foi julgado em 02 de agosto de 1999, no qual se fez consignar que a substituição

Page 179:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

178  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

tributária progressiva no ICM tinha amparo nos parágrafos 3º e 4º do artigo 6º do Decreto-Lei nº 406 e no artigo 128 do Código Tributário Nacional. Em igual sentido, no Superior Tribunal de Justiça, a questão foi debatida nos autos do Recurso Especial nº 89.630, Paraná, relatado pelo ministro Ari Pargendler e julgado pela Segunda Turma em 08 de junho de 1999, em que se reconhece a legalidade da cobrança antecipada, à montadora de veículos, do ICMS devido pelas operações que seriam posteriormente efetuadas pela revendedora dos automóveis.

Mencione-se que são duas as interpretações possíveis quanto ao trecho final do texto constitucional acima transcrito (“[...] caso não se realize o fato gerador presumido”), quais sejam: (a) será cabível a restituição da quantia paga a maior quando a expressão econômica do fato gerador real for inferior àquela do fato gerador presumido; (b) a restituição apenas é assegurada em caso da não concretização do fato gerador cuja ocorrência era presumida (SANTI, 2005, p. 547). O tema foi debatido no Supremo Tribunal Federal nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.851, relatada pelo ministro Ilmar Galvão e julgada em 08 de maio de 2002. A leitura do precedente demonstra que o tribunal optou pela segunda interpretação, por razões pragmáticas (como forma de evitar o esvaziamento da utilidade prática do próprio instituto da substituição tributária progressiva).

Especificamente no caso do ICMS, portanto, a consequência é que, com a consagração da substituição tributária progressiva, passaram a existir duas formas de tributação pelo ICMS: de um lado, a taxação única das operações de circulação de mercadorias, cobrada sobre a base de cálculo legalmente determinada (artigo 8º da Lei Complementar nº 87), cujos sujeitos passivos, de ordinário, serão os importadores e os produtores (industriais); de outro lado, a ordinária forma de tributação não cumulativa no âmbito da plurifasia impositiva (MACHADO, 2003, p. 189; PINTO, 2009, p. 15).

Feito o delineamento sobre o instituto jurídico da substituição tributária, importa analisar neste momento como ele se comporta em cadeias plurifásicas de tributação.

Page 180:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        179 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Em primeiro lugar, no que tange à substituição tributária regressiva, mencione-se que a adoção desta não malfere a regra constitucional da não cumulatividade tributária. Esse exemplo acentua a linearidade tradicional de uma cadeia plurifásica não cumulativa, em que em todas as operações do ciclo econômico há incidência de tributo e correspondente autorização de créditos.

Como se depreende do cotejo dos quadros comparativos acima apresentados, é intuitivo que, embora, numa análise apressada, a instituição da substituição tributária regressiva possa provocar a impressão de uma quebra na linearidade do creditamento ao longo do ciclo econômico, não há qualquer prejuízo para a não cumulatividade tributária, pois não há incidência em cascata de tributos, sendo perfeitamente viável a compensação no restante da cadeia econômica (MOREIRA, 2012, p. 217).

O Supremo Tribunal Federal já se manifestou reiteradamente a respeito, entendendo pela compatibilidade da substituição tributária regressiva e a não cumulatividade tributária. Nos autos do Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 325.623-8, Mato Grosso, relatado pela ministra Ellen Gracie e julgado pela Segunda Turma em 14 de março de 2006, a questão foi debatida. Neste precedente, assinalou-se que, se não há tributação da mercadoria na entrada, não é concebível a concessão de créditos na saída. O efeito cumulativo pressupõe o recolhimento do tributo em operações anteriores. É indevido, pois, pretender o direito a crédito correspondente ao imposto que deveria ter sido recolhido por ocasião da compra dos insumos ao substituído. O mesmo entendimento foi adotado nos seguintes precedentes: Recurso Extraordinário nº 97.283, Bahia, relatado pelo ministro Rafael Mayer e julgado pela Primeira Turma em 05 de outubro de 1982; Recurso Extraordinário nº 112.098, São Paulo, relatado pelo ministro Néri da Silveira e julgado pela Primeira Turma em 10 de junho de 1988.

No que tange à substituição tributária progressiva o resultado é o mesmo, porém com alguns aspectos distintivos relevantes.

Page 181:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

180  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Como já mencionado anteriormente, há diversos autores que sustentam a inconstitucionalidade do parágrafo 7º do artigo 150 da Constituição Federal, base normativa da referida técnica de arrecadação, na medida em que ela violaria a não cumulatividade tributária (MENEZES, 2001, p. 567). Isto porque, a pretexto de defender interesses fazendários, teria violado valores caros ao ordenamento jurídico, a exemplo do princípio da vedação ao confisco e da segurança jurídica na tributação (CARRAZZA, 2012, p. 373). Para os defensores da tese, a cobrança do ICMS no regime de substituição tributária progressiva sobre base de cálculo superior ao valor real da operação violaria o princípio da não cumulatividade (ARAÚJO, 2009, p. 182). Não haveria substituição em sentido estrito, porque esta pressupõe a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária, o que não ocorreria na substituição tributária para frente, em que se exige tributo sobre fato ainda não verificado (CARRAZZA, 2012, p. 374). A tese defendida neste trabalho, porém, segue rumo diverso, na medida em que não visualiza vício de inconstitucionalidade na substituição tributária progressiva no que tange à adoção da regra constitucional da não cumulatividade tributária como parâmetro de aferição de compatibilidade material vertical. Não é objeto de investigação neste trabalho a análise da inconstitucionalidade da substituição progressiva com base em parâmetros constitucionais diversos, a exemplo do princípio da vedação ao tributo com efeito confiscatório.

Como já se aduziu neste escrito, a violação à não cumulatividade surge quando há incidência em cascata de tributos. O instituto jurídico da não cumulatividade tributária foi esboçado visando justamente a esse fim: eliminar o aumento artificial dos preços em decorrência de incidências tributárias em fases anteriores de um ciclo de circulação de riquezas tributáveis.

É certo que a taxação em plurifasia é um pressuposto lógico de existência da não cumulatividade tributária. Com base nisso, poder-se-ia cogitar que a taxação única instituída pela substituição tributária progressiva, por aparentemente afastar tal pressuposto, afastaria a própria possibilidade de cumulação tributária, de tal sorte que não haveria sequer possibilidade de violação à regra constitucional da não

Page 182:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        181 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

cumulatividade tributária se fosse utilizada a substituição tributária para frente prevista no parágrafo 7º do artigo 150 da Constituição Federal de 1988. Nessa linha e numa análise apressada, a taxação em momento único não ensejaria sequer a formação de um esquema escritural de creditamento e debitamento ao longo da cadeia econômica, não ensejando tributação em cascata.

Destarte, se, ao se aplicar a substituição tributária progressiva, fosse afastado o elemento plurifásico na tributação, que constitui pressuposto lógico da possibilidade de apuração de tributos pela forma não cumulativa, ela (substituição tributária) poderia ser vista como logicamente incompatível com a regra da não cumulatividade tributária e, portanto, sequer poderia violá-la, tendo em conta que a cobrança concentrada do tributo afastaria a possibilidade de tributação em cascata. Essa é uma compreensão completamente equivocada acerca do tópico em análise e deve ser descartada. Nesta linha, especificamente no caso do ICMS, a legislação complementar federal institui mecanismo de apuração do montante da exação no qual é possível a operacionalização da técnica da não cumulatividade tributária numa operação única e plurifásica de tributação. Transcrevem-se, a seguir, os dispositivos pertinentes da Lei Complementar nº 87 de 13 de setembro de 1996:

Art. 8º A base de cálculo, para fins de substituição tributária, será: I - em relação às operações ou prestações antecedentes ou concomitantes, o valor da operação ou prestação praticado pelo contribuinte substituído; II - em relação às operações ou prestações subsequentes, obtida pelo somatório das parcelas seguintes: a) o valor da operação ou prestação própria realizada pelo substituto tributário ou pelo substituído intermediário; b) o montante dos valores de seguro, de frete e de outros encargos cobrados ou transferíveis aos adquirentes ou tomadores de serviço; c) a margem de valor agregado, inclusive lucro, relativa às operações ou prestações subsequentes. [...] § 4º A margem a que

Page 183:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

182  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

se refere a alínea c do inciso II do caput será estabelecida com base em preços usualmente praticados no mercado considerado, obtidos por levantamento, ainda que por amostragem ou através de informações e outros elementos fornecidos por entidades representativas dos respectivos setores, adotando-se a média ponderada dos preços coletados, devendo os critérios para sua fixação ser previstos em lei. § 5º O imposto a ser pago por substituição tributária, na hipótese do inciso II do caput, corresponderá à diferença entre o valor resultante da aplicação da alíquota prevista para as operações ou prestações internas do Estado de destino sobre a respectiva base de cálculo e o valor do imposto devido pela operação ou prestação própria do substituto.

Pela análise dos dispositivos em tela é possível concluir que, no caso do ICMS cobrado na sistemática da substituição tributária progressiva, o substituto efetuará dois recolhimentos distintos: um primeiro recolhimento referente à operação em que figura como contribuinte (operação própria); um segundo recolhimento na qualidade de substituto tributário. No primeiro momento a incidência é feita com base no valor total da operação (inciso I, artigo 8º, Lei Complementar nº 87). No segundo momento, em que se taxam as operações subsequentes, arbitra-se uma base-de-cálculo com base nos parâmetros normativos acima elencados, sendo importante enfatizar a necessidade de estipulação de uma margem de valor agregado, que deve levar em conta os preços usualmente praticados no mercado (alínea c, inciso II, artigo 8º; parágrafo 4º, artigo 8º, Lei Complementar nº 87). É nesse segundo momento em que entra em cena a não cumulatividade tributária: a definição do importe final do ICMS devido na qualidade de substituto tributário deve levar em conta o valor do ICMS recolhido na qualidade de contribuinte relativamente à operação própria. Logo, constata-se que ocorre a compensação escritural em uma operação única.

Page 184:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        183 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Nesse peculiar regramento do ICMS verifica-se que, embora a cobrança do gravame ocorra de forma concentrada, a fixação do montante do tributo devido leva em conta todas as possíveis incidências ao longo da cadeia econômica de tributação, a qual é constituída por operações vocacionadas a integrarem um ciclo de produção e circulação de riquezas, diferentemente do que ocorre em relação à contribuição ao PIS e à COFINS, que incidem sobre ato isolado (obtenção de receita) que apenas indiretamente, num plano de pré-normativo, pode ser tido como pertencente a uma cadeia plurifásica de tributação.

É por isso que a doutrina diferencia os conceitos de monofasia e de substituição tributária progressiva. Na substituição tributária progressiva pressupõe-se a tributação em plurifasia (com incidências plúrimas), consistente na incidência do mesmo tributo em várias fases do ciclo econômico, de sorte que o substituto deverá arcar com o custo tributário que seria imposto ao longo de todo o encadeamento de operações. A taxação única não se confunde com a monofasia, a qual pressupõe a tributação sobre uma manifestação de riqueza isolada e bastante em si, que não se relaciona ontologicamente com posteriores operações de mesma natureza, de maneira que não merece reparo a lição da boa doutrina de que “monofasia equivale a incidência única; plurifasia, em todas as etapas” (MOREIRA, 2012, p. 99).

3 CONCLUSÕES

Pelo que foi exposto, esclareceu-se que a adoção de determinadas técnicas tributárias pode vir a ocasionar certa perturbação no esquema tradicional de linearidade decorrente da aplicação da regra da não cumulatividade tributária, a exemplo das técnicas tributárias de desoneração, como a isenção, a alíquota zero, a não tributação e a imunidade, e das técnicas tributárias de arrecadação, precisamente a substituição tributária.

Nessa linha, viu-se que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, num primeiro momento empenhada em conferir a máxima eficácia possível à regra constitucional da não cumulatividade tributária (pela via do reconhecimento de créditos presumidos aos contribuintes

Page 185:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

184  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

nas operações em que fossem empregadas técnicas desoneratórias), passou a adotar, posteriormente, entendimento diametralmente oposto em razão da mudança na composição da corte, para então vincular o reconhecimento a créditos ao recolhimento da exação fiscal.

Frente ao atual quadro legislativo e jurisprudencial, concluiu-se também que há uma natural e incontornável incompatibilidade da utilização de técnicas desoneratórias de tributação no início ou no meio das cadeias plurifásicas, na medida em que o resultado inevitável seria, respectivamente, a inutilidade prática da técnica aplicada ou o aumento da carga tributária final em virtude do efeito de recuperação.

Também se estabeleceu que a adoção da técnica da substituição tributária regressiva não malfere a regra constitucional da não cumulatividade tributária, tendo em vista que permaneceria lídima a sucessão de créditos e débitos ao longo das etapas subsequentes da cadeia.

Por fim, inferiu-se que a substituição tributária progressiva é plenamente compatível com a aplicação da técnica de apuração não cumulativa de tributos, tendo em vista que leva em conta as plúrimas incidências ao longo de todo o ciclo econômico, constituindo apenas técnica de concentração da arrecadação no momento inicial do encadeamento de circulação de riquezas tributáveis.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARAÚJO, Francisco Regis Frota. Da não-cumulatividade enquanto princípio constitucional. In: MACHADO, Hugo de Brito. Não-cumulatividade tributária. São Paulo: Dialética, 2009, p. 177-189.

BARROS, Maurício. Ilegitimidade da cobrança antecipada do ICMS sem substituição – violação ao artigo 150, parágrafo 7º, da CF/88 e à Lei de Responsabilidade Fiscal. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo, n. 159, dez. 2008, p. 62-78.

Page 186:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        185 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

BECHO, Renato Lopes. As modalidades de sujeição passiva tributária no ordenamento jurídico brasileiro. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n. 192, set. 2011, p. 113-131.

BOTALLO, Eduardo Domingos. IPI: princípios e estrutura. São Paulo: Dialética, 2009.

CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 16 ed. São Paulo: Malheiros, 2012.

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 25 ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

CINTRA, Carlos César Sousa. A não-cumulatividade no Direito Tributário Brasileiro: Teoria e prática. In: MACHADO, Hugo de Brito. Não-cumulatividade tributária. São Paulo: Dialética, 2009, p. 103-151.

DENARI, Zelmo. Sujeitos ativo e passivo da relação jurídica tributária. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva. Curso de Direito Tributário. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 161-196.

FURLAN, Anderson; VELLOSO, Andrei Pitten. Não-cumulatividade. In: MACHADO, Hugo de Brito (coord.). Não-cumulatividade tributária. São Paulo: Dialética, 2009, p. 24-56.

GODOI, Marciano Seabra de. Não-cumulatividade. In: MACHADO, Hugo de Brito. Não-cumulatividade tributária. São Paulo: Dialética, 2009, p. 357-391.

MACHADO, Schubert de Farias. Não-cumulatividade tributária. In: MACHADO, Hugo de Brito. Não-cumulatividade tributária. São Paulo: Dialética, 2009, p. 483-502. (b)

MACHADO, Hugo de Brito. A compensação que extingue o crédito tributário e a não cumulatividade do ICMS e do IPI. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n. 204, set. 2012, p. 33-36.

Page 187:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

186  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

_____. Curso de Direito Tributário. 33 ed. São Paulo: Malheiros, 2013.

_____. A não-cumulatividade no Sistema Tributário Brasileiro. In: MACHADO, Hugo de Brito. Não-cumulatividade tributária. São Paulo: Dialética, 2009, p. 190-216. (a)

_____. Virtudes e defeitos da não-cumulatividade do tributo no sistema tributário brasileiro. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). Direito tributário e reforma do sistema. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 158-193.

MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito; MACHADO, Raquel Cavalcanti Ramos. Não-cumulatividade tributária. In: MACHADO, Hugo de Brito. Não-cumulatividade tributária. São Paulo: Dialética, 2009, p. 217-240.

MARQUES, Leonardo Nunes. O princípio da não-cumulatividade. In: MACHADO, Hugo de

Brito. Não-cumulatividade tributária. São Paulo: Dialética, 2009, p. 322-356. (a)

MARTINS, Ives Gandra da Silva; CASTAGNA, Ricardo; MARTINS, Rogério Gandra da Silva. Direito à escrituração de créditos do PIS e da COFINS em relação às despesas com marketing e publicidade e com taxa de emissão de boletos de administradoras de cartões de crédito. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n. 208, jan. 2013, p. 75-90.

MELLO, Antônio Carlos de Martins. A questão da não-cumulatividade. In: MACHADO, Hugo de Brito (coord.). Não-cumulatividade tributária. São Paulo: Dialética, 2009, p. 57-62;

MELO, José Eduardo Soares de. Não-cumulatividade. In: MACHADO, Hugo de Brito. Não-cumulatividade tributária. São Paulo: Dialética, 2009, p. 262-287.

Page 188:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        187 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

MENEZES, Paulo Lucena de. In.: MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). Curso de Direito Tributário. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 557-568.

PIMENTA, Paulo Roberto Lyrio. Não-cumulatividade. In: MACHADO, Hugo de Brito. Não-cumulatividade tributária. São Paulo: Dialética, 2009, p. 408-422.

PINTO, Adriano. Não-cumulatividade. In: MACHADO, Hugo de Brito (coord.). Não-cumulatividade tributária. São Paulo: Dialética, 2009, p. 11-23.

SALES, Deborah; AMARAL; Felipe Silveira Gurgel do. Não-cumulatividade. In: MACHADO, Hugo de Brito. Não-cumulatividade tributária. São Paulo: Dialética, 2009, p. 161-176.

SANTI, Eurico Marcos Diniz de. ICMS – Mercadorias: Direito ao Crédito: Importação e Substituição. In: SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Curso de especialização em Direito Tributário: estudos analíticos em homenagem a Paulo de Barros Carvalho. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 535-552.

SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

SEIXAS FILHO, Aurélio Pitanga. ICMS – Substituição Tributária – Pagamento Antecipado por Estimativa. In: ROCHA, Valdir de Oliveira. Grandes questões atuais do direito tributário. 5 ed. São Paulo: Dialética, 2001.

Page 189:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

188  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

www.conteudojuridico.com.br

PRINCÍPIOS DE DIREITO DO TRABALHO

LARISSA COSTA DE ALMEIDA: Advogada. Graduada em Direito pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Pós-graduada em Direito Material e Processual do Trabalho pela Escola Superior da Magistratura Trabalhista da Paraíba (ESMAT-13).

RESUMO: O presente artigo jurídico tem por finalidade enumerar e tecer comentários acerca dos principais princípios jurídicos informadores da ciência justrabalhista.

Palavras-chave: Direito do Trabalho. Princípios Jurídicos. Princípios de Direito do Trabalho.

1. Introdução

O Direito do Trabalho, como toda ciência, possui princípios próprios que lhe garantem autonomia e fundamentam a própria razão de ser do ramo jurídico especializado. Como bem afirmou Ruprecht, “os princípios do Direito do Trabalho são normas que inspiram a disciplina, tendo como objeto fazer que sejam concretamente aplicados os fins do Direito do Trabalho [1]”.

Os princípios trabalhistas exercem as mais variadas funções, funcionando, como bem leciona Mauricio Godinho Delgado, tanto na fase pré-jurídica de elaboração da norma trabalhista quanto na fase jurídica de interpretação e aplicação. Na fase jurídica, os princípios podem atuar em sua finalidade informativa, auxiliando o intérprete na compreensão da norma trabalhista, ou em sua função normativa, que pode ser subsidiária ou concorrente. Na função subsidiária, o princípio atua apenas supletivamente, na ausência de regra específica para o caso, integrando o Direito Laboral, enquanto que, na função normativa concorrente, o princípio atua com sua

Page 190:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        189 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

força normativa própria, uma vez que os princípios são normas jurídicas e não simples enunciados não vinculantes. Godinho afirma que denomina a última função referida de normativa concorrente porque acredita ser

[...] mais adequado sustentar que, em vez de função normativa própria, específica, autônoma, verifica-se que os princípios atuam como comandos jurídicos instigadores, tendo, no fundo, uma função normativa concorrente. Trata-se de papel normativo concorrente, mas não autônomo, apartado do conjunto jurídico geral e a ele contraposto [2] (em itálico no original).

Entretanto, os princípios possuem sim uma função normativa própria que os coloca em situação semelhante a das regras enquanto normas jurídicas. A denominação “concorrente” utilizada pelo autor justifica-se apenas quanto à compreensão da normatividade dos princípios em concorrência com o conjunto jurídico geral, uma vez que os princípios não se contrapõem ao sistema jurídico, mas, ao contrário, conferem-lhe a unidade necessária à sua manutenção e permanência.

Para os fins do presente artigo, a exposição a seguir sobre os princípios peculiares ao ramo específico trabalhista evidenciará apenas a sua feição jurídica, inexistindo ao longo do texto maiores explicações sobre a aplicação dos princípios trabalhistas na fase pré-jurídica.

2. Princípios de Direito do Trabalho

Afirmando de antemão que não há consenso quanto à denominação e a classificação dos princípios trabalhistas, proceder-se-á a seguir à exposição dos que se entende serem essenciais para a fundamentação do Direito Laboral como ramo jurídico peculiar. Para tal mister, utilizou-se, em regra, a enumeração de

Page 191:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

190  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

princípios justrabalhistas condensada por Américo Plá Rodriguez em sua obra Princípios de Direito do Trabalho [3].

O autor inicia seu trabalho comentando o princípio da proteção, pois entende ser este o princípio de maior relevo para o Direito do Trabalho, uma vez que traduz a própria essência e fim do ramo jurídico especializado. O autor afirma que o principio protetor é composto pelos princípios in dubio pro operario, norma mais favorável e condição mais benéfica.

O princípio da condição mais benéfica pressupõe a existência de uma condição de trabalho já observada pelo obreiro em sua relação empregatícia e o surgimento posterior de uma outra condição, que pode ser: a) ou mais benéfica e que suplantará a condição atual ou b) menos benéfica e que deve ser desprezada, mantendo válida a condição já experimentada pelo obreiro. Como bem afirmou Américo Plá Rodriguez, “a regra da condição mais benéfica pressupõe a existência de uma situação concreta, anteriormente reconhecida, e determina que ela deve ser respeitada, na medida em que seja mais favorável ao trabalhador que a nova norma aplicável [4]”. No mesmo sentido manifesta-se Ruprecht, comentando que “de acordo com esse princípio, os direitos que os trabalhadores adquiriram integram o seu patrimônio e deles não podem ser privados por uma nova disposição, a menos que a lei disponha o contrário [5]”. Entretanto, o mesmo autor ressalva um importante requisito para a aplicação do princípio, a saber: “[...] para ser respeitado, o beneficio deve ter um caráter real, permanente, efetivo e não-transitório, ocasional ou provisório [6]”. Dessa forma, se a vantagem foi concedida a título provisório não há que se questionar se ela era mais benéfica ou não, uma vez que, desde sua gênese, ela já estava predeterminada a não durar no tempo.

Outro princípio específico justrabalhista é o princípio da norma mais favorável, que se assemelha ao da condição mais benéfica, mas com ele não se confunde. Este princípio informa que, existindo duas ou mais normas aplicáveis ao caso, se deve dar preferência à

Page 192:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        191 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

norma mais favorável ao trabalhador. Ruprecht, ao comentar o princípio, afirma que a sua aplicação pressupõe a existência de “[...] diversas normas que regem uma mesma circunstância e, portanto, é preciso escolher uma delas, a que mais beneficie o trabalhador [7]”(grifo meu). Sobre a necessidade de normas diversas, Mauricio Godinho Delgado leciona que o princípio em questão atua tanto no critério de hierarquia das normas, conforme será explicado no parágrafo seguinte, quanto na interpretação das regras trabalhistas, permitindo “[...] a escolha da interpretação mais favorável ao trabalhador, caso antepostas ao intérprete duas ou maisconsistentes alternativas de interpretação em face deuma regra jurídica invocada [8]”(itálico original e negrito meu). Manifestando-se sobre o tema, Américo Plá Rodriguez, parafraseando Alonso Garcia, afirma que o princípio, além de seu sentido próprio, aplicável quando existem várias regras regendo uma mesma situação, possui também um sentido impróprio que corresponde à escolha da interpretação mais favorável quando houver uma única regra aplicável que dê azo a diversas interpretações possíveis. Para Plá Rodriguez, esse sentido impróprio atribuído ao princípio confunde-o com o princípio “in dubio pro operario”, que será analisado na sequência [9] [10].

Deixando de lado as divergências doutrinárias acerca da abrangência do princípio, é conseqüência do princípio da norma mais favorável, em seu sentido que lhe é próprio, a peculiar hierarquia das normas trabalhistas que, por sua índole valorativa, coloca no ápice do ordenamento a norma mais favorável ao trabalhador, independente de ser norma constitucional ou infraconstitucional. Tal fato ocorre devido à própria peculiaridade do Direito do Trabalho, cujas normas, em regra, prescrevem sempre direitos mínimos que podem – e devem – ser ampliados. É o que ensina Francisco Meton Marques de Lima:

Por este princípio, a hierarquia das normas, aparentemente, cai por terra, porque na duvida entre varias normas aplicáveis ao mesmo fato aplica-se aquela mais benéfica para o

Page 193:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

192  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

empregado, pouco importando se está em jogo uma norma constitucional com um simples regulamento de empresa. A norma favorável, na realidade, não contraria a hierarquia das leis, porque as normas trabalhistas conferem um mínimo de garantias ao trabalhador e quando estipulam um máximo o fazem expressamente [...] [11].

Vale ressaltar, entretanto, que as normas de caráter proibitivo submetem-se à tradicional hierarquia das normas em geral, não podendo ser desprezadas, senão por outra de hierarquia superior [12]. Isso se deve ao fato de que tais normas não conferem direitos mínimos aos trabalhadores, mas sim visam salvaguardar situações jurídicas determinadas, o que as situa, dessa forma, fora da hierarquia valorativa das normas laborais [13].

Outro ponto que também merece atenção diz respeito às situações de trabalhistas especiais, como, por exemplo, é o caso dos trabalhadores domésticos. Não se pode pretender a aplicação da norma mais favorável, ampliando o rol dos direitos concedidos à categoria, em detrimento da específica regulamentação legal de tais profissões [14].

Outro importante princípio juslaboral corresponde ao princípio in dubio pro operario. Este princípio aplica-se em casos de dúvida, ou seja, havendo dúvida na interpretação da norma trabalhista, deve-se dar aplicação à interpretação mais favorável ao trabalhador. Nesse sentido, manifestam-se Ruprecht [15] e Américo Plá Rodriguez [16]. Além da necessidade de dúvida plausível, a interpretação da norma não pode contrariar a vontade do legislador, senda esta uma importante condição para a aplicação do princípio. A interpretação mais favorável deve ser selecionada dentro dos limites postos pelo legislador, de modo que possa ser deduzida do texto ou do contexto da norma [17].

Page 194:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        193 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Uma importante questão referente ao princípio in dubio pro operario é a que diz respeito à prova dos fatos. É ou não é possível aplicar o princípio no âmbito processual da prova? Parte da doutrina afirma ser possível, uma vez que as desigualdades que deram origem ao princípio justificam que se estenda à análise dos fatos, pois o trabalhador, em regra, tem maior dificuldade para provar fatos ou obter certos dados e documentos. Essa é a opinião, por exemplo, de Plá Rodriguez [18].

Em contrário, como já mencionado anteriormente, encontra-se Mauricio Godinho Delgado a afirmar que a valoração dos fatos e da prova em favor do empregado viola o princípio do juiz natural. Entende-se que a razão está com o ilustre jurista, uma vez que para a apreciação da prova há a tradicional distribuição do ônus da prova e, em benefício do empregado – em regra, hipossuficiente, tanto na relação de direito material quanto na de direito processual –, há a inversão do ônus da prova, que atua não como princípio essencial de direito do trabalho, mas sim como instrumento de justiça na aplicação do Direito. A inversão do ônus da prova impede que a distribuição tradicional do mesmo atue contra o empregado hipossuficiente, obstaculizando a prolação de sentenças injustas, e, de outra ponta, evita a generalidade da valoração das provas sempre em benefício do empregado, o que comprometeria a essência da própria justiça, com bem lecionou Mauricio Godinho Degado [19].

Os próximos princípios a serem analisados são a razoabilidade e a boa-fé. A razoabilidade e a boa-fé consubstanciam princípios gerais do Direito, aplicáveis a todos os ramos jurídicos, e não apenas ao Direito do Trabalho. Ainda assim, seu estudo faz-se necessário devido à relevância da compreensão dos postulados da razoabilidade, ou racionalidade, e da boa-fé para a aplicação das normas juslaborais. O princípio da razoabilidade informa que os sujeitos da relação empregatícia devem agir conforme a razão. Segundo Plá Rodriguez, a razoabilidade “consiste na afirmação de que o homem age razoavelmente e não

Page 195:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

194  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

arbitrariamente, já que a arbitrariedade pode ser vista como a contrapartida da razoabilidade [20]”.

O princípio da boa-fé, como ensina Ruprecht, “[...] abrange todos os direitos e obrigações emergentes do contrato de trabalho, assim como as que decorrem das relações coletivas de trabalho [21]”. Este princípio refere-se indistintamente a ambas as partes do pacto laboral, ou seja, ao trabalhador e ao empregador, e, em conformidade com as palavras de Francisco Meton Marques de Lima, “o sentido da boa-fé interessante a este trabalho é o que a define como respeito mútuo entre as partes para o fiel cumprimento das obrigações pactuadas, ou que se vão pactuando expressa ou tacitamente no curso da execução do contrato [22]”. Corresponde a boa-fé, pois, a um dado objetivo, que diz respeito a um modelo de conduta normalmente esperado do agente, sendo, por isso, também denominada de boa-fé lealdade – em contraposição à tradicional boa-fé crença, conceito puramente subjetivo, que se refere à intenção do agente. Nas palavras de Ruprecht, a boa-fé orienta que:

Assim como o trabalhador deve agir com lealdade, do mesmo modo o empregador deve manifestar igual conduta. Nas relações entre as associações profissionais de trabalhadores e os patrões e suas associações deve também viger plenamente esse principio. Na negociação coletiva, as tratativas devem sempre realizar-se tendo presente a norma, o que, é claro, não exclui que cada qual procure obter as maiores vantagens possíveis, para o que às vezes se recorre a certos subterfúgios, embora sem chegar à má-fé. Nos conflitos coletivos abertos, o principio deve também ser respeitado [23].

Prosseguindo agora com a exposição de princípios propriamente justrabalhistas, o princípio da primazia da realidade informa, conforme leciona Américo Plá Rodriguez, que, “em caso de discordância entre o que ocorre na prática e o que emerge de

Page 196:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        195 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

documentos ou acordos, deve-se dar preferência ao primeiro, isto é, ao que sucede no terreno dos fatos [24]”. O mesmo autor ressalva que, tendo sido o princípio criado em benefício do trabalhador, “[...] se, excepcionalmente, o documento indica um nível de proteção superior ao que corresponde à prática, o trabalhador tem o direito de exigir o cumprimento do contrato [25]”.

O próximo princípio enumerado é o da continuidade. Este princípio informa que a relação de emprego deve durar no tempo. Para Maurício Godinho Delgado, o princípio traz três repercussões favoráveis ao obreiro: a primeira corresponde às vantagens que são agregadas pelo trabalhador ao longo do seu tempo de serviço, seja por benefícios legalmente concedidos, incluindo-se aqui também os oriundos da negociação coletiva, seja através de promoções ou vantagens alcançadas pelo obreiro em razão do serviço prestado à empresa; a segunda repercussão favorável refere-se ao incremento na educação profissional do trabalhador, uma vez que é interessante ao empresário investir na formação do obreiro em busca de melhor produtividade, compensando, assim, o custo trabalhista por ele observado; e, por fim, tem-se que a longevidade da relação empregatícia produz uma função social externa ao contrato de trabalho ao possibilitar a afirmação social do obreiro [26].

Informando a impossibilidade de renúncia dos direitos obreiros, há o princípio da irrenunciabilidade ou indisponibilidade dos direitos trabalhistas. Como afirmou Francisco Meton Marques de Lima, “em síntese, este princípio consiste em que o trabalhador não pode renunciar aos direitos a ele assegurados pela legislação do trabalho”. O autor afirma que o princípio se justifica na necessidade de ser conferida efetividade ao Direito Social, uma vez que:

Se foi criado [o Direito Social] para compensar a desigualdade econômica normalmente verificada entre o empregado e o empregador não podia permitir sua renuncia por

Page 197:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

196  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

quem esta sob a dependência de outro em favor deste. Fatalmente, se permitida a renuncia, o Direito do Trabalho em muito pouco teria eficácia, porque o trabalhador seria convencido a assiná-la antes mesmo de ingressar no emprego [27].

O autor conclui afirmando que:

[...] a maior justificativa reside no fato de que os direitos conferidos por lei ao trabalhador representam um mínimo necessário à sua sobrevivência com dignidade, seja por motivo alimentar, de saúde ou de participação social. Sob essa colocação, a renúncia de parte de um mínimo equivale ao rebaixamento da condição do empregado para aquém da divisória critica de suportabilidade. Logicamente, se uma coisa se compõe de um mínimo de elementos, a subtração de um deles, total ou parcialmente, a desconstitui [28].

Há que se fazer aqui uma distinção entre renúncia e transação. A primeira corresponde à disposição unilateral de direito certo, enquanto que a segunda se refere à disposição recíproca quando existir dúvida sobre os direitos em transação. A renúncia é, de toda forma, vedada pelo ordenamento trabalhista, ao passo que a transação pode ser admitida quanto a direitos disponíveis [29]. Como bem explicou Francisco Meton Marques de Lima:

A renúncia se prende a direito já reconhecido, sobre o qual não pesa dúvida, em que o renunciante tem clara desvantagem pelo fato de abdicar de algo que lhe pertence em troca de nada. A transigência presume uma dúvida; a incerteza do direito caracteriza-se pela res dubia. Na transigência, cada parte abre

Page 198:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        197 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

mão de algo que julga lhe pertencer [30] (em itálico no original).

Em relação íntima com princípio da irrenunciabilidade está o princípio da imperatividade dos direitos trabalhistas que, segundo Maurício Godinho Delgado, informa serem as normas trabalhistas, em regra, imediatamente obrigatórias, imperativas, não podendo ser afastadas pela vontade das partes. A imperatividade resulta em restrição à autonomia da vontade no contrato empregatício e tem como finalidade assegurar o respeito às garantias fundamentais do obreiro [31].

Após a enumeração dos principais princípios juslaborais, importa questionar se sua aplicação é válida para todo o Direito do Trabalho, individual e coletivo, ou se apenas para o Direito Individual do Trabalho. Na lição de Mauricio Godinho Delgado, tais princípios situam-se no âmbito do Direito Individual do Trabalho, possuindo o Direito Coletivo do Trabalho princípios próprios e certa dose de autonomia [32]. Já Ruprecht possui opinião diversa, afirmando que:

Esses princípios [de Direito do Trabalho] têm aplicação em todos os campos do Direito Trabalhista, quer dizer, tanto o individual como o coletivo. Ambos os aspectos constituem uma unidade e, portanto, são regidos pelos mesmos princípios. É verdade que alguns têm uma inclinação preferencial para o aspecto individual, mas não desconsideram o coletivo. Pode-se dizer também que um princípio que rege ambos os aspectos pode ter forma diferente de aplicação, mas só com relação ao invólucro; o núcleo central mantém-se incólume. Em alguns casos terá mais aplicação prática do que em outros, mas sempre será o mesmo princípio [33].

Page 199:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

198  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Américo Plá Rodriguez compartilha do entendimento de Ruprecht, expondo que:

[...] em todo o Direito do Trabalho, há um ponto de partida: a união dos trabalhadores; e há um ponto de chegada: a melhoria das condições dos trabalhadores. Direito individual e direito coletivo do trabalho são apenas caminhos diversos para percorrer o mesmo itinerário. O caráter individual ou coletivo constituem meras modalidades que não afetam a essência do fenômeno. Por isso, cremos que os princípios expostos tanto se aplicam em um como em outro âmbito [34].

No presente artigo científico, adota-se a posição assinalada por Ruprecht e Plá Rodriguez no sentido de que inexiste uma divisão absoluta entre o direito individual e de direito coletivo do trabalho – e, consequentemente, entre os respectivos princípios –, uma vez que os princípios enumerados supra correspondem aos princípios peculiares do direito do trabalho como um todo, individual e coletivo. Acorda-se aqui também com a idéia de que o Direito Coletivo do Trabalho possui peculiaridades que, de certo modo, transformam a aplicação de determinados princípios, sem, todavia, interferir em sua vigência [35].

3. Conclusão

Ante o exposto, é possível concluir que o Direito do Trabalho está alicerçado sobre princípios jurídicos que consolidam e densificam os fins do próprio arcabouço jurídico trabalhista, especialmente a busca pela justiça e paz social, bem como a contínua melhoria na condição jurídica da classe trabalhadora.

4. Notas e Referências Bibliográficas

DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 6. ed. São Paulo: LTr, 2007.

Page 200:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        199 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

LIMA, Francisco Meton Marques de. Os princípios de direito do trabalho na lei e na jurisprudência. 2 ed. rev. e ampl. São Paulo: LTr, 1997.

RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de direito do trabalho. Trad. Wagner D. Giglio. São Paulo: LTr, 1978.

RUPRECHT, Alfredo J. Os princípios do direito do trabalho. Trad. Edilson Alkimin Cunha. São Paulo: LTr, 1995.

[1] RUPRECHT, Alfredo J. Os princípios do direito do trabalho. Trad. Edilson Alkimin Cunha. São Paulo: LTr, 1995, p. 6.

[2] DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 6 ed. São Paulo: LTr, 2007, p. 190.

[3] RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de direito do trabalho. Trad. Wagner D. Giglio. São Paulo: LTr, 1978.

[4] RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de direito do trabalho. Trad. Wagner D. Giglio. São Paulo: LTr, 1978, p. 60.

[5] RUPRECHT, Alfredo J. Os princípios do direito do trabalho. Trad. Edilson Alkimin Cunha. São Paulo: LTr, 1995, p. 26-27.

[6] RUPRECHT, Alfredo J. Os princípios do direito do trabalho. Trad. Edilson Alkimin Cunha. São Paulo: LTr, 1995, p. 27.

[7] RUPRECHT, Alfredo J. Os princípios do direito do trabalho. Trad. Edilson Alkimin Cunha. São Paulo: LTr, 1995, p. 21.

[8] DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 6. ed. São Paulo: LTr, 2007, p. 199-200.

[9] Cf. DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 6. ed. São Paulo: LTr, 2007, p. 219. O autor coloca o princípio in dubio pro operario entre os princípios especiais controvertidos por entender que ele entra em choque com o

Page 201:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

200  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

princípio do juiz natural, uma vez que englobaria uma dimensão de aferição dos fatos e provas – processual, portanto – trazidos ao exame do intérprete e aplicador do Direito. Entende o autor que a dimensão de interpretação normativa do princípio está bem realizada pela aplicação do princípio da norma mais favorável e que a sua dimensão processual, supramencionada, não deve ser aceita, devendo, portanto, não mais subsistir o princípio in dúbio pro operário, mas apenas o princípio da norma mais favorável.

[10] Cf. RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de direito do trabalho. Trad. Wagner D. Giglio. São Paulo: LTr, 1978, p.53.

[11] LIMA, Francisco Meton Marques de. Os princípios de direito do trabalho na lei e na jurisprudência. 2 ed. rev. e ampl. São Paulo: LTr, 1997, p. 75.

[12] LIMA, Francisco Meton Marques de. Os princípios de direito do trabalho na lei e na jurisprudência. 2 ed. rev. e ampl. São Paulo: LTr, 1997, p. 76.

[13] Cf. RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de direito do trabalho. Trad. Wagner D. Giglio. São Paulo: LTr, 1978, p. 56. O autor afirma que “como essas leis proibitivas constituem normas excepcionais que se diferenciam das comuns do Direito do Trabalho, devem estabelecer de alguma maneira, de forma expressa, seu caráter de ordem pública”.

[14] Cf. RUPRECHT, Alfredo J. Os princípios do direito do trabalho. Trad. Edilson Alkimin Cunha. São Paulo: LTr, 1995, p. 24.

[15] RUPRECHT, Alfredo J. Os princípios do direito do trabalho. Trad. Edilson Alkimin Cunha. São Paulo: LTr, 1995, p. 14. O autor afirma que “esse princípio significa que uma mesma norma, quando suscetível de diversas interpretações, deve ser aplicada a que mais beneficia o trabalhador”.

[16] Cf. RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de direito do trabalho. Trad. Wagner D. Giglio. São Paulo: LTr, 1978, p. 43. O

Page 202:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        201 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

autor comenta que o princípio in dúbio pro operário corresponde ao “[...] critério segundo o qual, no caso de que uma norma seja suscetível de entender-se de vários modos, deve-se preferir a interpretação mais favorável ao trabalhador”.

[17] RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de direito do trabalho. Trad. Wagner D. Giglio. São Paulo: LTr, 1978, p. 45.

[18] RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de direito do trabalho. Trad. Wagner D. Giglio. São Paulo: LTr, 1978, p. 48.

[19] DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 6. ed. São Paulo: LTr, 2007, p.214.

[20] RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de direito do trabalho. Trad. Wagner D. Giglio. São Paulo: LTr, 1978, p. 251. Plá

[21] RUPRECHT, Alfredo J. Os princípios do direito do trabalho. Trad. Edilson Alkimin Cunha. São Paulo: LTr, 1995, p. 88.

[22] LIMA, Francisco Meton Marques de. Os princípios de direito do trabalho na lei e na jurisprudência. 2 ed. rev. e ampl. São Paulo: LTr, 1997, p. 167.

[23] RUPRECHT, Alfredo J. Os princípios do direito do trabalho. Trad. Edilson Alkimin Cunha. São Paulo: LTr, 1995, p. 88.

[24] RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de direito do trabalho. Trad. Wagner D. Giglio. São Paulo: LTr, 1978, p. 217.

[25] RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de direito do trabalho. Trad. Wagner D. Giglio. São Paulo: LTr, 1978, p.237.

[26] DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 6. ed. São Paulo: LTr, 2007, p. 210.

[27] LIMA, Francisco Meton Marques de. Os princípios de direito do trabalho na lei e na jurisprudência. 2 ed. rev. e ampl. São Paulo: LTr, 1997, p. 91.

Page 203:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

202  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

[28] LIMA, Francisco Meton Marques de. Os princípios de direito do trabalho na lei e na jurisprudência. 2 ed. rev. e ampl. São Paulo: LTr, 1997, p. 92.

[29] Cf. DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 6. ed. São Paulo: LTr, 2007, p. 202 e LIMA, Francisco Meton Marques de. Os princípios de direito do trabalho na lei e na jurisprudência. 2 ed. rev. e ampl. São Paulo: LTr, 1997, p. 92. Para Godinho, a expressão irrenunciabilidade não parece adequada a revelar a amplitude do princípio enfocado, nas palavras do autor: “Renúncia é ato unilateral, como se sabe. Entretanto, o principio examinado vai alem do simples ato unilateral, interferindo também nos atos bilaterais de disposição de direitos (transação, portanto). Para a ordem trabalhista não serão validas que a renuncia, quer a transação que importe objetivamente em prejuízo ao trabalhador” (em itálico no original). Por outro lado, Francisco Meton Marques de Lima admite a transigência quando se tratar de direitos duvidosos e ressalta que a doutrina procede a uma distinção entre as classes de direitos trabalhistas, havendo direitos irrenunciáveis e direitos passíveis de disposição quando observadas as exigências legais.

[30] LIMA, Francisco Meton Marques de. Os princípios de direito do trabalho na lei e na jurisprudência. 2 ed. rev. e ampl. São Paulo: LTr, 1997, p. 92.

[31] Cf. D DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 6. ed. São Paulo: LTr, 2007, p. 201.

[32] Cf. DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 6. ed. São Paulo: LTr, 2007, p. 1279. O autor afirma que “o Direito Material do Trabalho segmenta-se em um ramo individual e um ramo coletivo, cada um possuindo regras, instituições, teorias, institutos e princípios próprios”.

[33] RUPRECHT, Alfredo J. Os princípios do direito do trabalho. Trad. Edilson Alkimin Cunha. São Paulo: LTr, 1995, p. 8.

Page 204:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        203 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

[34] RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de direito do trabalho. Trad. Wagner D. Giglio. São Paulo: LTr, 1978, p. 25.

[35] Cf. RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de direito do trabalho. Trad. Wagner D. Giglio. São Paulo: LTr, 1978, p. 25-26. São palavras do autor: “simplesmente podemos dizer que no âmbito do direito coletivo do trabalho há certas peculiaridades que justificam, sem prejuízo da vigência genérica dos seis princípios expostos, algumas especificações especiais complementares”.

Page 205:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

204  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

www.conteudojuridico.com.br

CRIMES HEDIONDOS E LIBERDADE PROVISÓRIA: EVOLUÇÃO CONCEITUAL E DISCUSSÕES ATUAIS

FERNANDO CALDAS BIVAR NETO: Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, foi Delegado de Polícia Federal entre 2014 e 2016. Atualmente é Advogado em Pernambuco.

RESUMO: O presente trabalho busca analisar compatibilidade da concessão do direito à liberdade provisória aos acusados da prática de crimes hediondos, ambas as categorias elencadas no art. 5º da Constituição Federal. Visa a analisar as influências sócio jurídicas que levaram o constituinte originário a inaugurar uma categoria de delitos cuja repressão penal deve ser mais severa, por atentarem contra bens jurídicos da mais alta importância para a sociedade, além de pontuar as principais restrições a direitos estabelecidas pelo legislador ordinário ao atender o comando constitucional com a edição da Lei nº 8.072/90. Num segundo momento, analisa-se a estrutura jurídica da liberdade provisória, corolário da presunção de inocência e do devido processo legal, cuja finalidade precípua é servir de ponto de equilíbrio entre a necessidade de assegurar a eficácia da jurisdição penal e o resguardo ao direito de liberdade de acusados, tudo para evitar uma segregação cautelar desnecessária, desproporcional e que não se revista de cautelaridade, requisito essencial da privação de liberdade antes do advento de sentença penal transitada em julgado. Por fim, analisa-se a (im)possibilidade de concessão da liberdade provisória aos acusados de delitos hediondos, atentando-se precipuamente para a evolução da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal na temática da vedação da liberdade provisória em relação aos delitos capitulados no Estatuto do Desarmamento e na Lei nº 11.343/06, culminando com o cenário atual da doutrina e jurisprudência sobre o direito à liberdade provisória aos acusados de crimes hediondos.

Palavras chaves: crimes hediondos, liberdade provisória, presunção de inocência, devido processo legal, cautelaridade.

Page 206:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        205 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

SUMÁRIO: 1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS. 2. BREVE ANÁLISE DO CONCEITO DE CRIMES HEDIONDOS. 2.1. Posição da Constituição Federal de 1988 e influências sócias jurídicas do tema. 2.2. O movimento Law and Order. 2.3. Processo legislativo da Lei nº 8.072/90. 2.4. A Lei nº 8.072/90: panorama geral e alterações posteriores. 2.5. Considerações finais. 3. CONTORNOS GERAIS DA LIBERDADE PROVISÓRIA. 3.1. Natureza Jurídica. 3.2. Liberdade Provisória e Presunção de Inocência. 3.3. Inovações da Lei nº 12.403/2011: medida cautelar autônoma?. 3.4. Modalidades de Liberdade Provisória. 3.4.1. Liberdade Provisória com fiança. 3.4.2. Liberdade Provisória sem fiança. 3.5. Discricionariedade do Juiz?. 3.6. Considerações Finais. 4. CRIMES HEDIONDOS E LIBERDADE PROVISÓRIA. 4.1. Perigosidade abstrata e vedação de prisão ex lege. 4.2. Inafiançabilidade e Liberdade Provisória. 4.3. Evolução Jurisprudencial e tendências atuais. 5. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O processo penal convive com um eterno conflito. De um lado, o jus puniendi estatal, surgido a partir da prática de uma conduta abstratamente prevista em lei como infração penal, reclama do Estado uma ação efetiva, não apenas para punir aqueles que violam os padrões previstos em lei, mas principalmente para proteger os bens jurídicos de mais alta relevância para o convívio em sociedade. Do outro, o status libertatis do acusado, bem jurídico que o próprio Estado entende por resguardar, a ponto de criminalizar condutas atentatórias da liberdade individual, o qual requer uma postura estatal negativa de respeito à individualidade dos cidadãos.[1]

Surge, então, o processo como forma pretensamente racional e imparcial escolhida pelo Estado para compor o referido conflito e avaliar, a partir dos casos postos a julgamento, qual deve ser a solução a ser dada para determinado litígio. Serve, portanto, como fator preponderantemente ligado à limitação do direito de

Page 207:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

206  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

punir[2], na medida em que impõe a demonstração de tamanha violação a um bem jurídico que autorize o julgador, terceiro imparcial, a determinar a interferência, nos moldes atuais, em um dos bens jurídicos mais caros ao indivíduo: o direito à liberdade.

Todavia, o processo, por sua própria etimologia, demanda um inexorável lapso temporal para seu resultado final, a fim de que possam ser avaliadas todas as questões necessárias à busca da utópica verdade real, daí por que sempre está sujeito às interferências oriundas do passar do tempo.

Em hipóteses assim, foram construídos, pela ciência processual penal, mecanismos a serem utilizados pelo processo para resguardar a sua própria efetividade, numa tentativa de coibir os indeléveis efeitos causados pelo decurso do tempo. Nesse compasso, surgem medidas de caráter cautelar para assegurar os efeitos práticos do processo, autorizando, inclusive, desde que observadas as exigências legais, a interferência sumária no status libertatis do acusado, o qual, como regra, só poderia ser atingido após a formação final e inconteste de culpa.

No Brasil, tal cenário é previsto de maneira expressa pela Constituição Federal de 1988, ao consagrar no art. 5º, inciso XXXV, a inafastabilidade da jurisdição como meio solução de conflitos, no art.5º, inciso LVII, o postulado da inocência até o advento do trânsito em julgado de sentença penal condenatória, além da possibilidade, no inciso LXI do mesmo art. 5º, de segregação em caráter cautelar, desde que em flagrante delito ou mediante autorização fundamentada da autoridade judiciária competente, e principalmente na ideia, prevista no inciso LIV do art. 5º, de que toda essa dinâmica deve ocorrer por meio do devido processo legal.

Não se desconhece, por outro lado, que muitas vezes a própria Lei Maior, que inovou o cenário brasileiro com uma grande carga garantista, determina, de maneira casuística, a repressão mais enfática a certos delitos, a exemplo dos crimes hediondos, ponto central do presente trabalho, ordenando o legislador ordinário

Page 208:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        207 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

a tomar uma postura mais severa para reprimir condutas que supostamente atentam contra bens jurídicos da mais alta relevância. Nesse sentido, o legislador ordinário, atendendo àquele reclame, prontamente criou mecanismos para reprimir as condutas de tal estatura ao editar a Lei nº 8.072/1990 (Lei dos Crimes Hediondos), suprimindo, em um primeiro momento, várias garantias previstas pela Carta Magna, a exemplo do direito à liberdade provisória, corolário do princípio da presunção de inocência.

Questiona-se, todavia, se a postura do legislador, ao assim agir, seria compatível com toda a dinâmica constitucional de respeito aos direitos e garantias individuais, notadamente em relação ao princípio da presunção de inocência e do devido processo legal.

Para enfrentar esse questionamento, é preciso, de início, traçar os contornos jurídicos que influenciaram a consagração, pelo constituinte originário, da categoria dos crimes hediondos, do princípio da presunção de inocência e todos os consectários dele decorrentes (a exemplo do direito à liberdade provisória) para compreender a evolução e o cenário atual da temática, tornando-se imperioso, nesse contexto, adentrar nas questões mais relevantes para a correta compreensão das ideias propugnadas no presente trabalho.

2. BREVE ANÁLISE DO CONCEITO DE CRIMES HEDIONDOS

O capítulo inicial tem o escopo de analisar a inserção da categoria dos crimes hediondos na sistemática do Direito Penal Brasileiro, além das razões e influências do constituinte originário ao criar um novo paradigma de combate à criminalidade.

2.1 Posição da Constituição Federal de 1988 e as influências sócio jurídicas do tema

De início, o certo é que a Constituição Federal de 1988 inovou o ordenamento jurídico pátrio ao consagrar, em seu art. 5º,

Page 209:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

208  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

XLIII[3], um rol de delitos que, devido a sua gravidade abstrata, deveriam ser combatidos de maneira mais intensa, com a redução de garantias penais e processuais penais do acusado, configurando tal dispositivo um verdadeiro mandamento constitucional de criminalização, pelo qual o constituinte outorga ao legislador ordinário não apenas o dever de tipificar condutas que afrontem aqueles bens jurídicos consagrados pela norma como de maior gravidade, mas também de reprimi-las de maneira mais incisiva.[4]

Essa postura do constituinte considera-se juridicamente fundada no princípio da proporcionalidade, em sua parcela conhecida como proibição da proteção insuficiente, pela qual há o imperativo constitucional de proteger, de maneira eficaz, determinados bens jurídicos consagrados como de extrema importância pela Lei Maior, porquanto:

a estrutura do princípio da proporcionalidade não aponta apenas para a perspectiva de um garantismo negativo (proteção contra os excessos do Estado), e, sim, também para uma espécie de garantismo positivo, momento em que a preocupação do sistema jurídico será com o fato de o Estado não proteger suficientemente determinado direito fundamental, caso em que estar-se-á em face do que, a partir da doutrina alemã, passou-se a denominar de "proibição de proteção deficiente" (Untermassverbot).[5]

Com essa atitude, o constituinte demonstrou uma intenção clara: os delitos ali consagrados possuíam um nível de gravidade abstrata bastante elevado, devendo, por tal razão, serem combatidos em patamares diferenciados das demais infrações penais não previstas no Texto Constitucional, em razão de afrontarem bens jurídicos fundamentais ao convívio pacífico em sociedade, pois como leciona Alberto Silva Franco:

os delitos enquadrados no comando incriminador do inc. LXIII do art. 5.º da Constituição Federal revelam, por seus termos,

Page 210:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        209 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

que o legislador constituinte emprestou-lhes a mais alta gravidade – insuperável danosidade social estabelecida em nível constitucional -, colocando-os no topo de todo o sistema penal. Assim, pode o legislador ordinário estabelecer gradações punitivas diversificadas, mas todos os delitos que pertencem ao rol constitucional fazem parte de um só microssistema, com igual gravidade em abstrato.[6]

Nesse sentido, foram elevados a um patamar diferenciado de criminalização a prática da tortura, o tráfico ilícitos de entorpecentes e drogas correlatas, o terrorismo e os crimes definidos em lei como hediondos, muito embora, à época da promulgação da Lei Maior, não havia ainda no ordenamento jurídico pátrio, a tipificação da tortura e do terrorismo como infrações penais, nem tampouco a conceituação da expressão ‘crimes hediondos’[7], sendo certo que, mesmo após o advento da Lei nº 8.072/90, ainda não há uma definição do conceito de crimes hediondos como determinado pelo constituinte originário.[8]

A inserção, na Constituição Federal de 1988, de mandamentos constitucionais de criminalização, pode, em termos extrajurídicos, ser explicada, como o faz Luiz Guilherme Mendes de Paiva[9], devido às próprias circunstâncias vivenciadas pelo País no período posterior aos anos de Ditadura Militar, período de grande violência em que determinados delitos eram praticados a pretexto de uma proteção da segurança nacional ou em subversão à ordem então vigente. Com essa postura adveio a ideologia adotada pela Assembleia Nacional Constituinte de impor uma maior repressão a determinadas condutas, numa tentativa de evitar possíveis regressos ao regime anterior, o que culminou com a inserção, no art. 5º, inciso XLIV, da CF/88, da inafiançabilidade e imprescritibilidade da ação de grupos armados, civis ou militares contra a ordem constitucional e o Estado de Direito, bem como da qualificação da tortura no grau mais elevado de repressão penal.

Page 211:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

210  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Ademais, o Brasil vivenciava, na década de 1980, uma grande inflação da criminalidade violenta, com o aumento, por exemplo, de casos de extorsão mediante sequestro (art. 159 do CP), que atingiam, sobretudo, as camadas mais elevadas da sociedade, causando um repúdio social em relação à prática de condutas do mesmo jaez, o que levou o constituinte a determinar a criminalização de condutas hediondas (art. 5º, inciso, XLIII da CF/88), numa busca de conquistar a tão sonhada sensação de segurança coletiva.

Com isso se quer dizer que, muito embora baseados em pontos de vistas distintos (de um lado proteger a permanência do Estado de Direito e de outro reduzir a criminalidade violenta), na Assembleia Nacional Constituinte, pairavam dois posicionamentos convergentes para a ideia de que o Direito Penal serviria como mecanismo primário para evitar a prática de condutas delituosas, entendimento mais adequado a uma postura conhecida como Direito Penal Simbólico ou Direito Penal de Emergência, porquanto, como leciona Leonardo Sica “o terreno fértil para o desenvolvimento de um Direito Penal simbólico é uma sociedade amedrontada, acuada pela insegurança, pela criminalidade e pela violência urbana”.[10]

Nessa corrente de pensamento do Direito Penal: o legislador atua pensando (quase que apenas)

na opinião pública, querendo, com novos tipos penais e/ou aumento de penas e restrições de garantias, devolver para a sociedade a (ilusória) sensação de tranquilidade. Permite a edição de leis que suprem função meramente representativa, afastando-se das finalidades legítimas da pena.[11]

De igual modo, salienta Manuel Cancio Meliá que, “quando se usa em sentido crítico o conceito de Direito Penal simbólico, quer-se, então, fazer referência a que determinados agentes políticos tão só perseguem o objetivo de dar <<a impressão tranquilizadora de um legislador atento e decidido>>.”[12]

Page 212:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        211 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Essa corrente de pensamento, enquanto propagadora da criação de novas infrações penais, além de redutora de outras garantias penais e processuais penais, é, muitas vezes, relacionada ao Direito Penal do inimigo de Gunther Jakobs, autor que buscou diferenciar a existência paralela de duas esferas de atuação penal: o Direito Penal do cidadão, no qual seriam aplicáveis todas as garantias previstas para uma persecução penal garantista, e o Direito Penal do inimigo, no qual o agente - o inimigo - deveria ser privado de garantias, ante a impossibilidade de ser encarado como sendo um cidadão comum, enquanto perturbador de toda a ordem sistêmica.[13]

Para o autor, frente à prática de um delito, “o Estado pode proceder de dois modos com os delinquentes: pode vê-los como pessoas que delinquem, pessoas que tenham cometido um erro, ou indivíduos que devem ser impedidos de destruir o ordenamento jurídico mediante coação.” [14]

Sobre a temática, Luiz Flávio Gomes bem sintetiza as principais características desse modelo de Direito Penal, nos seguintes termos:

Suas principais bandeiras são: (a) flexibilização do princípio da legalidade (descrição vaga dos crimes e das penas); (b) inobservância de princípios básicos como o da ofensividade, da exteriorização do fato, da imputação objetiva etc.; (c) aumento desproporcional de penas; (d) criação artificial de novos delitos (delitos sem bens jurídicos definidos); (e) endurecimento sem causa da execução penal; (f) exagerada antecipação da tutela penal; (g) corte de direitos e garantias processuais fundamentais; (h) concessão de prêmios ao inimigo que se mostra fiel ao Direito (delação premiada, colaboração premiada etc.); (i) flexibilização da prisão em flagrante (ação controlada); (j) infiltração de agentes policiais; (l) uso e abuso de medidas preventivas ou cautelares (interceptação telefônica sem justa causa, quebra de

Page 213:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

212  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

sigilos não fundamentados ou contra a lei); (m) medidas penais dirigidas contra quem exerce atividade lícita (bancos, advogados, joalheiros, leiloeiros etc.).[15]

Sob essa perspectiva, podem ser encontrados, na Lei nº 8.072/90, traços de ambas as correntes de pensamento (tanto do Direito Penal simbólico como do Direito Penal do inimigo), pois configura um verdadeiro símbolo do combate à criminalidade violenta e de repressão aos supostos agentes perturbadores da ordem sistêmica, numa tentativa de punir de maneira mais severa autores de crimes supostamente atentatórios aos bens jurídicos de extrema relevância, com o aumento exacerbado dos limites das penas privativas de liberdade, além da privação de garantias processuais penais, a exemplo da proibição inicial expressa à liberdade provisória contida em seu art. 2º, II.

Todavia, essa corrente de pensamento que implica no incremento de sanções penais e na supressão de direitos e garantias individuais, foi alvo de severas críticas, a exemplo da lição de Raul Eugênio Zaffaroni[16], ao salientar que, uma vez admitindo-se a possibilidade de redução de garantias penais e processuais penais de maneira ilimitada, além da possibilidade de um agir absoluto por parte do Estado, haveria, em verdade, a desvirtuação do próprio Estado de Direito, enquanto pautado essencialmente na limitação do poder estatal, e, como consequência, do próprio jus puniendi.[17]

Não há como negar, a despeito das críticas efetuadas ao anseio punitivista oriundos do Direito Penal simbólico e do Direito Penal do inimigo, a influência de tais correntes na consagração da ideia de que, à luz do art. 5º, LXIII da Constituição Federal de 1988, os agentes dos delitos ali capitulados mereceriam um tratamento diferenciado, privando-os de determinadas garantias extensíveis a autores de infrações penais comuns (v.g. a proibição da anistia), sendo certo que tal ideia, inclusive, influenciou o legislador ordinário na elaboração da Lei 8.072/90, além da Lei nº 11.343/06, ambas

Page 214:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        213 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

com nítido intuito de reduzir garantias de imputados (segundo alguns extrapolado os limites previstos pelo constituinte) e buscar uma punição mais incisiva, sendo correto o pensamento doutrinário de que tais legislações são exemplos claros daquelas correntes já analisadas.[18]

2.2. O movimento Law and Order

De outro lado, em termos de política-criminal, como leciona Alberto Silva Franco:

não é necessário nenhum vôo livre, nem recurso imaginativo nem ainda expediente mais sofisticado para que se descubra a corrente político-criminal denominada “Movimento da Lei e da Ordem” (Law and Order) como suporte do texto constitucional.[19]

Tal movimento teve seu início nas décadas de 1970 e 1980 nos Estados Unidos, sobretudo em face do incremento da criminalidade violenta direcionada a camadas sociais mais abastadas, além do aumento da prática de delitos de efeitos gravosos, a exemplo do tráfico de drogas, bem como da difusão, pelos meios de comunicação de massa, do sentimento de insegurança.[20] Este último enfoque, pode, inclusive, ser percebido na atualidade em face de programas televisivos baseados quase que exclusivamente na violência urbana, cuja veiculação gera um sentimento de medo na sociedade, pois qualquer cidadão estaria supostamente passível de sofrer as consequências daqueles delitos.

Trata-se de movimento que privilegia o Direito Penal como instância primária para a pacificação de conflitos sociais, afastando tal ramo do Direito de seu caráter de ultima ratio e utilizando-o como instância primordial na solução de conflitos (prima ratio)[21], ainda que sejam de pouca expressividade para a sociedade, numa subversão da subsidiariedade que lhe é inerente.

Page 215:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

214  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Isso porque, baseia-se a corrente do Law and Order, na ideia de que a ordem deve ser o fator mais relevante para o sistema jurídico e a estabilidade do sistema só pode ser alcançada a partir do endurecimento de sanções penais e do agigantamento dos meios de persecução penal em detrimento de direitos individuais do cidadão, pois só assim seria possível alcançar a finalidade precípua do movimento, isto é: conferir tranquilidade à sociedade a partir da implantação da ordem.[22]

A despeito das críticas formuladas ao movimento da Lei e da Ordem, não há como chegar a outra conclusão senão a de que, efetivamente, a inserção da categoria de crimes hediondos na Constituição Federal ocorreu, em certo aspecto, por influência direta do citado movimento, sobretudo em face da contemporaneidade entre seu surgimento e a promulgação da atual Carta Magna. Isso demonstrou uma preocupação do legislador com a criminalidade violenta que crescia (e ainda cresce) sem um controle efetivo por parte do aparato estatal, numa busca, ainda que sem resultados relevantes, de solucionar os problemas sociais através da aplicação da sanção penal.

Não se limitou o movimento da Lei e da Ordem, todavia, a influenciar o constituinte originário, pois o fato é que, em diversos dispositivos da Lei nº 8.072/90, há clara utilização de seus mandamentos, principalmente quando, em seu art. 6º, exasperou de maneira intensa a cominação das penas corporais aos delitos considerados como hediondos, além da previsão, no art. 2º, § 4º, de um prazo diferenciado para a duração da prisão temporária estabelecida na Lei nº 7.960/89.[23]

2.3. Processo legislativo da Lei nº 8.072/90

Como se sabe, o constituinte originário, no decorrer do Texto Constitucional, consagrou uma série de normas que deveriam ser regulamentadas por meio de atos infraconstitucionais, sem os quais a previsão constitucional não possuiria aplicabilidade, o que,

Page 216:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        215 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

na lição clássica de José Afonso da Silva poderiam ser classificadas como normas constitucionais de eficácia limitada.[24]

Nessa toada, seguindo a linha de classificação do citado constitucionalista, o art. 5º, inciso XLIII da CF, no que tange aos crimes hediondos, pode ser considerado como exemplo daquelas normas constitucionais de eficácia limitada ao exigir que a lei defina o seu conceito, sob pena de, na ausência de normatização infraconstitucional, o preceito ali contido não possuir aplicabilidade, ante a falta de definição de seu próprio conteúdo.

Por essa razão, há, ainda hoje, diversas normas constitucionais que reclamam um agir oriundo do Poder Legislativo para possuírem aplicabilidade efetiva no ordenamento jurídico pátrio, a exemplo do art. 37, inciso VII da CF, o qual prevê o exercício do direito de greve por servidores públicos nos termos e limites definidos em legislação específica. Frise-se, no entanto, que, a despeito da falta de regulamentação, pelo Poder Legislativo, em relação aos moldes nos quais o direito de greve no serviço público poderia ser exercido, tal direito é, na atualidade, exercido pelos servidores da administração nos moldes traçados pelo Supremo Tribunal Federal nos Mandados de Injunção nº 670, 708 e 712, oportunidade na qual se adotou a teoria concretista para, através daquele remédio constitucional, conferir aplicabilidade ao direito constitucionalmente assegurado.

Em relação à regulamentação dos crimes definidos em lei como hediondos, o legislador ordinário, certamente influenciado pelos anseios de um Direito Penal simbólico e do Movimento Law and Order, como anteriormente analisado, não tardou a iniciar o processo legislativo tendente à criação da chamada Lei de Crimes Hediondos, sendo certo que pouco menos de um ano após a promulgação do Texto Constitucional de 1988, foram iniciados os trabalhos para a futura criação dos contornos dos crimes hediondos.[25]

Page 217:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

216  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Muitos foram os projetos de lei que tramitaram no Congresso Nacional a respeito da criação do que viria a ser a Lei dos Crimes Hediondos, ganhando relevo, nos moldes cogitados no presente trabalho, o projeto inicial enviado pelo Poder Executivo e elaborado pelo Conselho Nacional de Política Criminal Penitenciária (Projeto de Lei nº 3.734/89 do Poder Executivo). No ponto, imperioso destacar os seguintes trechos da mensagem nº 546/89 encaminha ao Congresso Nacional pelo Poder Executivo:

2. A Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, inciso XLIII, diz que a lei considerará inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia os crimes definidos como hediondos, “por eles respondendo os mandantes, os executores, e os que, podendo evita-los, se omitirem.

A Carta Magna, preocupando-se com os direitos dos cidadãos quando autor de infrações penais, procurou o justo equilíbrio com os interesses da sociedade. Ao mesmo tempo em que os incisos do art. 5º estabeleceu (sic) uma série de garantias do homem como réu de crime, consignou o princípio firme de que a resposta penal deve ser severa e grave.

(...)

3. Com essa filosofia, submetemos à apreciação do Colendo Conselho, em anexo, um Projeto de Lei sobre os Crimes Hediondos.

Estão classificados em duas faixas. Na primeira situam-se os delitos apenados pelo legislador em quantidade máxima, como o latrocínio, a extorsão qualificada pela morte, a extorsão mediante seqüestro seguida de morte etc., além do tráfico de drogas e do genocídio. Nesses casos, em face da pena abstrata máxima cominada ou pela natureza do fato, a realização das condutas incriminadas

Page 218:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        217 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

merece, por parte do Estado, reação penal de maior severidade. Na segunda, inserimos os delitos que, cometidos com violência física à pessoa, pela gravidade do fato ou pela maneira de execução, provoquem intensa repulsa.Nessa faixa ingressam o estupro, o atentado violento ao pudor, o homicídio, o seqüestro e outros delitos que, pelas próprias características do fato, desde que praticados com violência à pessoa, inspirem repulsa. Mas não qualquer repulsa, tendo em vista que todo crime a provoca. Ela deve ser intensa.[26]

Num primeiro momento, percebe-se a intenção daquele Projeto de aplicar uma resposta penal severa aos autores de crimes hediondos, o que demonstra a adoção do espírito do movimento da Lei e da Ordem, como já anteriormente aventado. Em um segundo momento, depreende-se que o projeto consagrava um sistema misto, ou seja, definia taxativamente em seu art. 1º, inciso I os crimes já previstos pela legislação que passariam a ser considerados como hediondos, além de, no art. 1º, inciso II, prever a possibilidade de o juiz, à luz do caso concreto, enquadrar outras infrações penais como hediondas, seguindo os parâmetros ali traçados.[27]

De outra banda, surgiu no Senado Federal o Projeto de Lei nº 50/1990 que pretendia, basicamente, criar novas disposições sobre os crimes dos arts. 158 e 159, ambos do Código Penal, devido ao incremento da prática de ambos os delitos na década de 1980[28]. O projeto foi aprovado pelo Senado e enviado à Câmara dos Deputados, sendo ali classificado como PL nº 5.405/1990, o qual fora apensado a diversos outros projetos referentes à mesma matéria, inclusive ao projeto enviado pelo Executivo. Ao fim, diversas emendas foram aprovadas pela Casa Baixa, as quais incluíam matérias relativas a incrementos de sanções penais, redução de garantias processuais penais e quase que eliminação

Page 219:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

218  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

do sistema então vigente de execução penal para os autores de crimes hediondos.[29]

Ao fim, o Projeto de Lei retornou ao Senado, sendo aí aprovado e posteriormente enviado à Presidência da República, oportunidade na qual foram vetados os arts. 4º e 11, sendo então promulgada a Lei nº 8.072/90 no dia 25 de julho de 1990, a qual passou a ser denominada de Lei dos Crimes Hediondos.

2.4. A Lei nº 8.072/90: panorama geral e alterações posteriores.

Como se viu, o Projeto de Lei do Senado nº 50/1990, após aprovado por ambas as Casas Legislativas, foi promulgado e originou o que hoje se conhece como Lei dos Crimes Hediondos (Lei nº 8.072/90).

A atual legislação, diferentemente do projeto originário enviado pelo Poder Executivo ao Congresso Nacional, não qualificou os delitos que devem ser entendidos como hediondos, porém tão-somente elencou um rol de delitos que, após o dia 25 de julho de 1990, passariam a ser considerados hediondos, com todas as drásticas consequências daí advindas, não podendo o juiz, no caso concreto, ampliar o alcance da legislação, mesmo diante da repugnância causada pela prática de determinada infração.

Como salienta Antônio Lopes Monteiro[30]em relação aos diversos Projetos de Lei que tramitaram no Congresso Nacional com fins de regulamentar o art. 5º, XLIII da CF/88:

Alguns de forma mais abrangente deixavam a critério do juiz definir no caso concreto se a conduta tipificava ou não crime hediondo. Nesse caso ele iria analisar a presença da violência física ou da grave ameaça; o requinte na execução; a dimensão do bem jurídico atingido; a intensidade da repulsa causada na comunidade; enfim o crime hediondo seria definido pelo chamado sistema judicial. Contudo,

Page 220:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        219 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

não foi este o adotado, como vimos, pela Lei n. 8.072/90. (...) Definiu o crime hediondo pelo chamado sistema legal, ou seja, enumerou-os de forma exaustiva. (...) Os crimes hediondos são emnumerus clausus.

Muito embora a Lei nº 8.072/90 não tenha conferido uma conceituação de crimes hediondos, do que daí advém a ausência de um critério legal para definir o seu conteúdo, isso tudo não impediu o endurecimento de toda a legislação concernente aos crimes hediondos. Para alguns, inclusive, o legislador ultrapassou a mens legis do constituinte originário, impondo restrições a direitos fundamentais em hipóteses não previstas no Texto Constitucional, incidindo, sob tal aspecto, em inconstitucionalidades.

A primeira peculiaridade da Lei de Crimes Hediondos refere-se ao incremento exacerbado dos parâmetros legalmente cominados para as penas corporais relativas a tais delitos, como se pode perceber dos arts. 5º, 6º, 8º e 9º da Lei nº 8.072/90, dispositivos que alteraram as penas dos crimes de roubo seguido de lesão corporal e latrocínio (art. 157, § 3º do CP), extorsão mediante sequestro em todas as suas formas (art. 159, §§ 1º, 2º e 3º do CP), estupro (art. 213 do CP), o antigo crime de atentado violento ao pudor (art. 214 do CP, revogado pela Lei nº 12.015/09 e incorporado ao crime de estupro), as antigas formas qualificadas do estupro (art. 223 do CP, revogado pela Lei nº 12.015/90), epidemia (art. 267 do CP), envenenamento de águas ou de substâncias alimentícias ou medicinais (art. 270 do CP), e finalmente a pena do crime de quadrilha quando esta visar à prática de crimes hediondos (art. 288 do CP).

Evidentemente, o aumento das sanções penais só pôde ser aplicado às infrações penais praticadas após a vigência da Lei, pois se tratou denovatio legis in pejus cuja retroação é vedada pelo art. 5º, XL da CF/88.

Page 221:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

220  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Por outro lado, atendeu-se à previsão constitucional de vedar a imposição de anistia e graça (art. 2º, I, da Lei dos Crimes Hediondos), além de ampliar a mesma vedação às hipóteses de indulto, inovação que, para parte da doutrina, extrapolaria os limites previstos pela Constituição Federal de 1988, sendo, portanto, inconstitucional. O Supremo Tribunal Federal, todavia, instado a se manifestar sobre a matéria, afirmou a plena validade da norma à luz da Carta Magna, entendendo o indulto como espécie de graça coletiva, razão pela qual não haveria qualquer violação à Carta Magna, apenas uma diferenciação de institutos englobados sob a mesma rubrica.[31]

Igualmente, suprimiu-se a possibilidade de progressão de regime de cumprimento de pena no art. 2º, § 1º da Lei nº 8.072/90, com a estipulação de regime integralmente fechado, sendo certo que tal prescrição fora declarada inconstitucional pelo Pretório Excelso e culminou na edição da Súmula Vinculante nº 26 e na alteração da sistemática de progressão de regime em casos de crimes hediondos pela Lei nº 11.464/2007, a qual impôs uma sistemática mais rigorosa que a prevista no art. 112 da Lei nº 7.210/84 (Lei de Execução Penal).[32]

Por fim, tratou de estabelecer, em obediência ao Texto Maior, a vedação da concessão de fiança no art. 2º, II, da Lei nº 8.072/90 trazendo, porém, inovação concernente à vedação da liberdade provisória, no intuito de impedir que os acusados da prática de crimes hediondos respondessem ao processo em liberdade quando presos em flagrante. Posteriormente, a Lei nº 11.464/2007 revogou a proibição da concessão da liberdade provisória, o que poderia levar à conclusão de que qualquer impedimento à liberdade provisória então existente haveria sido suprimido do ordenamento jurídico pátrio. Segundo essa exegese, a vedação anterior à concessão de liberdade provisória carecia de compatibilidade com o devido processo legal, a presunção de inocência, entre outros postulados constitucionais, razão pela qual, desde o início, aquela anterior previsão deveria ser extirpada do ordenamento jurídico pátrio.

Page 222:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        221 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Todavia, mesmo após as alterações promovidas pela Lei nº 11.464/2007, no sentido de eliminar a proibição expressa à liberdade provisória para acusados da prática de crimes hediondos, grassa na jurisprudência do STF[33] o entendimento de que ainda seria vedado ao imputado responder ao processo em liberdade, sendo a análise dessa temática exatamente o objetivo do presente trabalho.

2.5 Considerações finais

Do que se expôs no presente capítulo, a mensagem da Constituição Federal de 1988, influenciada pelo Direito Penal simbólico e pelo “Movimento da Lei e da Ordem”, era bastante clara: a sociedade brasileira reclamava (e ainda reclama) uma resposta penal mais severa a determinados delitos que causam grande temor social e perturbam toda a segurança pública.

A Lei nº 8.072/90, Lei de Crimes Hediondos, no mesmo oriente da Carta Magna, impôs vários agravamentos de nível penal, processual penal e de execução penal para os sujeitos ativos da prática de tais infrações penais.

Todavia, leis posteriores e a atuação do Supremo Tribunal Federal começaram a reformular o conteúdo da Lei de Crimes Hediondos, buscando uma maior compatibilidade de suas prescrições com o Texto Constitucional, ganhando relevo, para os fins cogitados no presente trabalho, a análise da vedação à liberdade provisória para os acusados da prática de tais infrações penais e sua compatibilidade com o ordenamento jurídico pátrio.

3. CONTORNOS GERAIS DA LIBERDADE PROVISÓRIA

Antes mesmo de analisar a possibilidade de liberdade provisória em casos de crimes hediondos, cumpre traçar, ainda que de maneira concisa, a estrutura jurídica do instituto e sua evolução, até chegar-se à atual sistemática de medidas cautelares de caráter pessoal, principalmente após as inovações oriundas da Lei nº

Page 223:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

222  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

12.403/2011, que rompeu o anterior paradigma entre a prisão e a liberdade.

Contudo, não se pode perder de vista, preliminarmente, a existência de críticas direcionadas à nomenclatura do instituto ao fazer referência a uma liberdade de caráter provisório, porquanto a provisoriedade é intimamente ligada às prisões cautelares, assim consideradas aquelas impostas antes do trânsito em julgado de sentença condenatória, e não ao direito fundamental à liberdade, o que levou José Frederico Marques, forte em lições de Carrara, a defender o emprego do termo liberdade vinculada, já que:

à liberdade provisória melhor caberia a denominação de liberdade vinculada, pois, como assinalava Carrara, ‘perante um homem ainda assistido pela presunção de inocência, repugna que se diga provisório o estado de liberdade e, por conseguinte, normal o estado de detenção.’[34]

Embora sujeito a diversas críticas, o termo encontrava respaldo em toda a lógica da redação originária do Código de Processo Penal, o qual, de nítido caráter inquisitivo, partia da ideia de que a prisão cautelar seria a regra e não a exceção, havendo, inclusive, no antigo art. 312, a previsão de prisão preventiva ex lege aos acusados de crimes com pena máxima igual ou superior a 10 (dez) anos, sem a possibilidade de responder ao processo em liberdade, o que só veio a ser alterado pela Lei nº 5.349/67, donde se constata a intenção, à época (e infelizmente ainda presente), de utilizar o Processo Penal como instrumento legitimador de um decreto condenatório e não como meio apto a controlar o exercício do jus puniendi estatal.

3.1 Natureza Jurídica

Não há, em doutrina, maiores discussões acerca da natureza jurídica da liberdade provisória, sendo certo que sempre fora entendida como dotada de natureza eminentemente cautelar e

Page 224:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        223 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

destinada a impor restrições à liberdade do acusado, vinculando-o, com os ônus daí advindos, ao processo, bem como a evitar a prisão processual desnecessária.[35]

Isso porque, a prisão provisória, entendida como mal necessário a ser imposto no decorrer do processo, pode figurar como medida não apenas desnecessária para os fins a que se destina, bem como desproporcional diante de certas situações fáticas, não havendo sentido em impor encarceramentos sumários. Em hipóteses assim, torna-se mais coerente admitir que o imputado permaneça em liberdade com determinados vínculos processuais, pois isso “assegura a presença do réu ao processo, sem o vexame, a humilhação ou mesmo o sacrifício do cárcere”.[36]

Nesse sentido, diz-se que a liberdade provisória funciona como sucedâneo de uma prisão provisória legal, mas desnecessária e desproporcional[37], na medida em que seus malefícios tornam-se superiores aos benefícios, sendo, portanto, uma espécie de contracautela em que o acusado continua com vínculos processuais sem a necessidade de permanecer custodiado.

Por outro lado, frente a uma prisão provisória ilegal, como tal compreendida aquela que não preencha os requisitos legais, não há como ser concedida a liberdade provisória senão o relaxamento da prisão, como assim determina o art. 5º, inciso LXV da CF, segundo o qual “a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária”.

Essa distinção entre relaxamento de prisão e concessão de liberdade provisória é muito bem analisada por José Armando da Costa ao salientar que

o relaxamento de prisão somente ocorre quando o título coercitivo prisional for ilegal, seja por vício de forma ou de conteúdo; ao passo que a liberdade provisória pressupõe a existência de uma prisão legal e válida. A pessoa favorecida

Page 225:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

224  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

com o relaxamento de prisão não ficará sujeita a qualquer ônus legal, passando a responder ao processo como se nunca tivesse sido presa antes; enquanto o beneficiário da liberdade provisória, por ocasião de sua concessão, se obrigará ao cumprimento dos deveres legais previstos nos arts. 327 e 328 do estatuto processual penal. Deixando de atender ao chamamento judicial para qualquer ato do processo, o réu, caso esteja no gozo de liberdade provisória, deverá ser reencarcerado, se não houver motivo justo, mas, se estiver livre por haver sido relaxa sua prisão, poderá, quando muito, ser declarado revel (art. 366 do CPP) e ainda ser conduzido coercitivamente à presença do juiz para o interrogatório.[38] (p. 108/109)

O mesmo entendimento não destoa do posicionamento de doutrinadores mais atuais[39], no sentido de diferenciar o relaxamento da prisão ilegal e a revogação da prisão desnecessária com a concessão de liberdade provisória, pois essa última pressupõe uma prisão processual legal, enquanto aquela é decorrente da ilegalidade do título prisional.

3.2 Liberdade Provisória e Presunção de inocência

Sob o influxo dos ideais de liberdade consagrados pela Revolução Francesa, sempre com o fito de buscar um rompimento com o autoritário ancien régime, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 consagrou, em seu art. 9º, o princípio da presunção de inocência, ao estatuir que:

Tout homme étant présumé innocent jusqu’a ce qu’il ait été déclaré coupable, s’il est jugé indispensable de l’arrêter, toute rigueur qui ne serait nécessaire pour s’assurer de sa personne, doit être sévèrement reprimée par la loi.[40]

Page 226:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        225 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Do referido dispositivo pode-se retirar uma premissa bastante simples: até que seja declarado culpado, o acusado goza do estado de inocência e a privação de sua liberdade, no curso do processo, só poderá ser efetuada caso seja demonstrado, in concreto, sua indispensabilidade.

Tal ideia, aparentemente de fácil compreensão, foi rechaçada por Manzini sob o argumento de que como a maior parte dos imputados era considerada culpada ao final do processo, não haveria justificativas plausíveis para consagrar a presunção de inocência, daí porque, em regra, não haveria como tratar um acusado como inocente. Por essa razão, o Código Roco não adotou o postulado da inocência, e, como consequência, nosso atual Código de Processo Penal, cuja influência principal fora exatamente aquela legislação italiana, também não o fez.[41]

Em solo pátrio, como salienta Tourinho filho, muito embora tenha o Brasil ratificado a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 da ONU, a qual previa expressamente em seu artigo XI, item 1, a presunção de inocência, o princípio jamais fora obedecido, sendo certo, nesse ângulo de análise, “que a adesão do nosso Representante junto à ONU, àquela declaração, foi tão-somente poética, lírica, com respeitável dose de demagogia diplomática”.[42]

Nesse sentido, apenas com o advento da Constituição Federal de 1988, a qual consagrou, pela primeira vez, o princípio da presunção de inocência em seu art. 5º, inciso LVII, passou-se a analisar o Processo Penal sob a ótica do princípio ora em análise.

Nas palavras de Aury Lopes Jr.: É um princípio fundamental de civilidade,

fruto de uma opção protetora do indivíduo, ainda que para isso tenha-se que pagar o preço da impunidade de algum culpável, pois sem dúvida o maior interesse é que todos os inocentes, sem exceção, estejam protegidos.[43]

Page 227:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

226  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Como decorrência do princípio da presunção de inocência extrai-se a exegese de que qualquer encarceramento do acusado, no curso do processo, só pode ocorrer em caráter cautelar para assegurar a eficácia do processo e desde que estritamente necessário e proporcional, não podendo ocorrer a título de antecipação de pena, porquanto, ainda havendo a possibilidade de recursos, nunca se poderá afastar a ausência de culpa.

Outra não é a lição de Eugênio Pacelli de Oliveira, para quem:

A custódia, então, vedada a antecipação da culpabilidade, deve se orientar pelo critério da excepcionalidade, fundada, sempre, em razões de cautela, quando revelada a necessidade da prisão, como única forma de preservação da eficácia e efetividade da jurisdição penal. Sem o comprovado risco – vedado aqui também o receio decorrente de mera especulação – de se ver frustrado o regular desenvolvimento do processo ou a execução de sentença condenatória, não há por que se impor medida restritiva à liberdade do acusado, sem incorrer em violação ao devido processo penal.[44]

Ademais, o princípio da presunção de inocência inaugura não só uma regra de julgamento pelo magistrado quando em face de uma lide criminal, mas também um dever de tratamento durante o decorrer do processo, porquanto o estado de inocência do imputado – e como consequência o seu status libertatis – deve ser preservado, a menos que se mostre indispensável e proporcional, por meio de prova contundente, a restrição da liberdade em caráter cautelar. Assim, para todos os efeitos, até o trânsito em julgado de uma sentença penal condenatória, o acusado deve ser presumido inocente, seja pelo julgador, seja por qualquer órgão da administração pública, entendimento esse que encontra respaldo em jurisprudência do Pretório Excelso, a exemplo do julgamento do

Page 228:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        227 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

HC nº 94.404, de relatoria do Min. Celso de Mello, quando restou assim consignado:

O princípio constitucional da presunção de inocência, em nosso sistema jurídico, consagra, além de outras relevantes conseqüências, uma regra de tratamento que impede o Poder Público de agir e de se comportar, em relação ao suspeito, ao indiciado, ao denunciado ou ao réu, como se estes já houvessem sido condenados, definitivamente, por sentença do Poder Judiciário.[45]

Dessa breve análise, pois uma abordagem exauriente extrapolaria os limites do presente trabalho, daí se pode concluir que o instituo da liberdade provisória funciona como corolário da presunção de inocência, na medida em que impede o encarceramento desnecessário durante o decorrer do processo e garante ao réu o direito de ver-se processar em liberdade (ainda que passível de certas vinculações), funcionando como fronteira entre a segurança do resultado prático do processo e o respeito ao estado de inocência do acusado.

Ora, a liberdade provisória, como será visto mais adiante, configura-se como direito subjetivo do réu, e uma vez preenchidos os seus requisitos legais, tem o magistrado o dever de deferi-la, não podendo, ao seu arbítrio, negar sua concessão, observando-se, dessa forma, o princípio da presunção de inocência, ao impor ao órgão julgador o dever de analisar a excepcionalidade da custódia cautelar e sempre atentar para a possibilidade de assegurar a liberdade do imputado.

Desse modo, o instituto da liberdade provisória possui íntima ligação com o princípio da presunção de inocência, funcionando como barreira entre a privação processual da liberdade e o estado de inocência.

Page 229:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

228  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

3.3 Inovações da Lei nº 12.403/2011: medida cautelar autônoma?

Na lógica anterior ao advento da Lei nº 12.403/2011, vigorava no Direito Processual Penal brasileiro um sistema bastante incipiente de medidas cautelares de caráter pessoal.

Andrey Borges de Mendonça narra que: O sistema estava calcado em uma forte

bipolaridade entre a prisão cautelar e a liberdade provisória com poucos vínculos, ou seja, duas medidas extremas, estando o juiz limitado pela aplicação ou do cárcere ou de uma liberdade provisória com tênues restrições.[46]

Nesse sentido, com base nos princípios da legalidade (art. 5º, inciso II da CF) e do devido processo legal (art. 5º, inciso LIV, da CF), parte da doutrina salientava não ser dado ao julgador utilizar qualquer outra medida de natureza cautelar senão aquelas previstas na legislação vigente, sob pena de impor ao acusado a restrição de sua liberdade por mero ato do Poder Judiciário, o qual não poderia substituir o legislador em tal aspecto.[47]. Estaria, portanto, o juiz adstrito ao sistema bipolar, ora determinando a prisão, ora admitindo a liberdade em caráter provisório, salvo naquelas infrações em que o acusado “livrava-se solto”, a qual era entendida não como espécie de liberdade provisória, mas sim como liberdade assegurada sem qualquer vinculação.

Todavia, o Supremo Tribunal Federal, em alguns julgados, admitia a existência de um poder geral de cautela no processo penal, o qual seria inerente ao Poder Judiciário. Assim, admitia-se a possibilidade de serem impostas outras medidas de natureza cautelar, mesmo em face da carência de previsão legal, utilizando-se, para tanto, do permissivo do art. 3º do CPP[48] para aplicar, por analogia, o art. 798 do CPC[49], desde que a medida imposta, no caso concreto, fosse menos gravosa que a prisão.[50]

Page 230:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        229 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Após o advento da Lei nº 12.403, de 04 de maio de 2011, cuja vacatio legis fora estabelecida em 60 (sessenta) dias, o cenário foi modificado. Referida Lei alterou a sistemática de medidas cautelares de caráter pessoal no processo penal, inserindo no art. 319 do CPP[51] um vasto rol de medidas alternativas à prisão, conferindo ao juiz um maior leque de medidas a serem aplicadas.

Passou-se a um sistema polimorfo, no qual o juiz pode graduar, com maior precisão, a necessidade de impor uma medida cautelar para assegurar a eficácia do processo, sem que seja necessário o encarceramento do acusado, o que, dado o atual estado do sistema prisional brasileiro, mostrava-se como medida bastante gravosa não só em face da convivência “perniciosa” de presos provisórios com condenados com sentença transitada em julgado, mas principalmente pelas sub-humanas condições do cárcere.

Nessa toada, surge uma nova corrente doutrinária, encabeçada por Eugênio Pacelli de Oliveira[52] e Andrey Borges de Mendonça[53], no sentido de apontar a liberdade provisória não apenas como medida de contracautela a uma prisão em flagrante anteriormente decreta, de modo a garantir o estado de liberdade do acusado no decorrer do processo, mas sim como espécie de medida cautelar autônoma, a qual poderia, inclusive, ser decretada a qualquer momento, pois, para tal corrente, a liberdade provisória sempre vincularia o acusado ao processo.

Tais autores partem do pressuposto de que a liberdade provisória, enquanto considerada como medida de natureza cautelar, sempre restringiria, ainda que minimamente, o status libertatis do acusado, seja impondo-lhe o dever de comparecer em juízo quando solicitado, ou até mesmo requerendo informações sobre eventuais mudanças de endereço. Consoante a corrente em análise, a liberdade provisória não poderia existir sem qualquer vinculação do imputado ao processo e deveria seguir os mesmo requisitos de toda e qualquer medida cautelar, quais sejam, o fumus boni juris e o periculum in mora, ou, em termos supostamente mais

Page 231:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

230  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

adequados para o Processo Penal, o fumus comissi delicti e o periculum libertatis.

Ademais, salientam que uma vez ausentes os pressupostos gerais das medidas cautelares, não haveria necessidade de conceder-se liberdade provisória, a qual sempre vincularia o acusado ao processo, daí porque deveria ser concedida liberdade plena e incondicionada, sem qualquer vinculação do acusado à ação penal.

Essa ideia, embora possa ser considerada como oriunda das modificações da Lei nº 12.403/2011, já encontrava a adesão, na lógica anterior, de autores como Frederico Marques e Tourinho filho, como se pode perceber do seguinte trecho da obra desse último autor ao comentar o art. 321 do CPP[54] em sua redação anterior:

Surpreendido o cidadão praticando uma infração apenada exclusivamente com multa, não sendo ele vadio, livrar-se-á solto, isto é, após a lavratura do auto de prisão em flagrante, ficará em liberdade, e, se deixar de acudir ao chamamento para qualquer ato do inquérito ou da instrução criminal, ou mudar-se de residência ou dela se ausentar por mais de oito dias, sem prévia autorização da autoridade competente, a única consequência que lhe advirá é aquela apontada no art. 369: revelia. Mesmo condenado, não poderá sofrer a menor restrição no seu status libertatis, ressalvadas a especialíssima hipótese prevista no art. 51 do CP. Então, por que falar em liberdade provisória? Por que provisória? Melhor será, pois, dar-lhe a denominação de liberdade obrigatória não vinculada.[55]

Como se vê, a tese já possuía adeptos na legislação anterior, ganhando maior relevo com o advento da Lei nº

Page 232:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        231 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

12.403/2011 e suas diversas alterações na sistemática das prisões cautelares. Ditas inovações, inclusive, corroboram em certo aspecto a natureza da liberdade provisória como medida cautelar autônoma e sujeita como tal aos mesmos requisitos das demais, pois

o art. 312, na nova redação dada pela Lei 12.403/2011, assevera que ‘ausentes os requisitos que autorizam a decretação da prisão preventiva o juiz deverá conceder liberdade provisória, impondo, se for o caso, as medidas cautelares previstas no art. 319 deste Código e observados os critérios constantes do art. 282 deste Código’. Veja que o legislador expressamente determinou a aplicação da principiologia das medidas cautelares à liberdade provisória. Ademais, o caráter cautelar também é reforçado quando se verifica que a liberdade provisória está disciplinada no título IX, ao lado das demais medidas cautelares. Inclusive, o art. 282, caput, assevera que “as medidas cautelares previstas neste título deverão ser aplicadas observando-se” as finalidades indicadas no inc. I do referido artigo.[56]

Como se vê, a tese busca partir da ideia de que a liberdade provisória sempre implica algum vínculo do acusado ao processo, desde que presentes o fumus comissi delicti e o periculum libertatis, sem os quais não há como se impor a liberdade provisória e suas vinculações, sendo necessário, pois, conceder liberdade plena e incondicionada ao acusado.

A tese busca romper com a conceituação de liberdade provisória como sendo o estado de liberdade do acusado no decorrer do processo, ainda que sem vinculação, e evitar a possibilidade de uma liberdade provisória sem vinculação, passando a entendê-la como medida cautelar autônoma, junto às demais hipóteses do atual art. 319 do CPP, de modo a condicionar

Page 233:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

232  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

a liberdade a um vínculo ao processo, reservando aos casos em que tal vínculo se mostre despiciendo a nomenclatura de liberdade plena e incondicionada.

Ao adotar esta nova concepção, rompe-se com a ideia de uma liberdade provisória sem vinculação, porquanto, em tais hipóteses, não há falar-se em provisoriedade, nem mesmo nos moldes cogitados por Frederico Marques[57], dada a impossibilidade de assumir a provável prolação de uma sentença condenatória, o que violaria frontalmente o estado de inocência.

Todavia, não se pode perder de vista que grande parte da doutrina ainda não se debruça sobre o debate, sendo perfeitamente possível, dessa forma, falar-se em liberdade provisória sem vinculação, sendo essa uma das modalidades da liberdade provisória sem fiança, caso não seja adotada a corrente que começa a ganhar espaço após o advento da Lei nº 12.403/2011, como será demonstrado a seguir.

3.4 Modalidades da Liberdade Provisória

Na atual sistemática, duas são as modalidades do instituto, como prescreve a Lei Maior em seu art. 5º, inciso LXVI: liberdade provisória com ou sem fiança.

3.4.1 Liberdade provisória com fiança

Como sustentam José Armando da Costa[58]e Tourinho Filho[59], a fiança sempre fora entendida como garantia fidejussória, tanto que o Código de Processo Criminal do Império, em seus arts. 102 e 103[60], determinava que, uma vez lavrado o termo de fiança, o fiador seria obrigado a pagar determinada quantia apenas em caso de condenação. Outra, inclusive, não era a previsão da antiga Lei de Tóxicos (Lei nº 6.368/78), que em seu art. 24[61] autorizava a concessão de fiança fidejussória pelos pais dos menores de 21 (vinte e um) anos.

Page 234:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        233 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Entretanto, nos termos do vigente Código de Processo Penal, a fiança é entendida como garantia real para vincular o acusado ao processo, podendo ser prestada por meio de depósito de dinheiro, pedras, objetos ou metais preciosos, títulos da dívida pública, federal, estadual ou municipal, ou em hipoteca inscrita em primeiro lugar (art. 330 do CPP).

O instituto encontrava-se em desuso após o advento da Leiº 6.416/77, a qual acrescentou o parágrafo único ao então art. 310 do CPP, admitindo a possibilidade de liberdade provisória sem fiança desde que ausentes os requisitos da prisão preventiva, o que inaugurava um grande contrassenso, na medida em que as possibilidades de liberdade provisória sem o pagamento de fiança eram mais elásticas que as hipóteses de exigência de fiança para a liberdade provisória. Nesse sentido, parte da doutrina chegou ao ponto de afirmar, à época, que a fiança havia perdido toda a sua utilidade prática.[62]

O cenário foi modificado após a promulgação da Lei nº 12.403/2011, cuja exposição de motivos já trazia a clara ideia de valorizar o instituto da fiança, dando-lhe novos contornos jurídicos. Isso pode ser muito bem observado de trechos do relatório da comissão redatora do Projeto de Lei nº 4.208/2001, presidida por Ada Pellegrini Grinover e composta, dentre outros, por Antônio Magalhães Gomes Filho, Antônio Scarance Fernandes e Luiz Flávio Gomes, como se vê do trecho abaixo transcrito contido na Mensagem nº 214/2001 do Poder Executivo ao expor a EM nº 22/2001 do Ministério da Justiça:

O projeto sistematiza e atualiza o tratamento da prisão, das medidas cautelares, e da liberdade provisória com ou sem fiança.

(...)

Nessa linha, as principais alterações com a reforma são:

(...)

e) valorização da fiança. (...)

Page 235:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

234  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

No que concerne ao estatuto jurídico da fiança, cabe realçar, dentre outros aspectos relevantes: a ampliação da possibilidade de a autoridade policial concedê-la, o alargamento das suas hipóteses de incidência, observando-se as proibições constitucionais nessa matéria, a atualização dos seus valores e a adequação da disciplina de seu quebramento.[63]

A fiança passou, portanto, por um momento de revalorização, figurando, agora, como mais uma medida cautelar à disposição do magistrado para conceder a liberdade provisória, exceção que se faz às infrações inafiançáveis. Estas foram reduzidas, na hipótese do art. 323 do CPP, às inafiançabilidades constitucionais, além dos casos do art. 324 do mesmo diploma legal, ao tratar daqueles que, no mesmo processo, tiverem quebrado fiança anteriormente concedida ou infringido, sem motivo justo, qualquer dos vínculos impostos como decorrência da fiança, além dos casos de prisão civil ou militar e da hipótese de preenchimento dos requisitos da prisão preventiva.

Ressalte-se, por oportuno, que o simples fato de ser possível a concessão de fiança não vinculará o magistrado a impô-la. Com efeito, nas hipóteses de cabimento da fiança, o juiz estará autorizado a conceder liberdade provisória mediante fiança caso julgue necessário, ou, em hipótese contrária, determinar a liberdade provisória mediante imposição de outras medidas cautelares que julgar mais convenientes.

A fiança poderá ser concedida tanto pela autoridade policial, quando a pena cominada para a infração penal pena não for superior a 04 (quatro) anos (art. 322 do CPP), e, nos demais casos, pelo juiz (art. 322, parágrafo único, do CPP), o qual poderá, inclusive, conceder fiança quando houver recusa da autoridade policial, como assim determinado pelo atual art. 335 do CPP.

Page 236:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        235 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Por outro lado, uma vez prestada a fiança, o acusado estará obrigado, sob pena de quebramento, a comparecer perante a autoridade, todas as vezes que for intimado para atos do inquérito e da instrução criminal e para o julgamento (art. 327 do CPP), do mesmo modo que não poderá mudar de residência, sem prévia permissão da autoridade processante, ou ausentar-se por mais de 8 (oito) dias de sua residência, sem comunicar àquela autoridade o lugar onde será encontrado (art. 328 do CPP).

Tais deveres processuais acarretam em restrição do status libertatis, os quais, uma vez descumpridos, poderão acarretar o quebramento da fiança, o que implicará em perda de metade do valor prestado a título de garantia real, situação que autorizará o juiz[64] a impor outra medida cautelar, inclusive a prisão preventiva.

O valor da fiança será arbitrado com base nos limites previstos no art. 325 do CPP, sempre atendendo à natureza da infração, às condições pessoais de fortuna e vida pregressa do acusado, às circunstâncias indicativas de sua periculosidade, bem como à importância provável das custas do processo, até final julgamento, podendo ser dispensada quando o juiz verificar que, pelas condições econômicas do réu o valor não possa ser exigido (art. 350), caso no qual poderá impor os mesmos vínculos do afiançado ou decretar qualquer outra medida cautelar do art. 319 do CPP.

O montante recolhido como garantia real será destinado, em caso de condenação, ao pagamento das custas, da reparação do dano, da prestação pecuniária e da multa, o mesmo ocorrendo em casos de prescrição da pretensão executória (art. 336, parágrafo único, do CPP). De outra banda, na hipótese de sentença absolutória o valor que constituir a fiança será restituído, atualizado e sem desconto, ao afiançado.

Será necessário um acréscimo no valor da fiança (chamado pelo Código de reforço da fiança) em razão das causas

Page 237:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

236  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

previstas no art. 340 do CPP e seu valor será cassado, quando após a concessão da fiança verificar-se que esta era incabível (arts. 338 e 339 do CPP) na espécie.

Por fim, será determinada a perda integral do valor da fiança quando o condenado não se apresentar para o início do cumprimento da sentença penal transitada em julgado (art. 344 do CPP).

Como se viu, a liberdade provisória mediante fiança sofreu grandes mudanças após o advento da Lei nº 12.403/2011, não sendo desarrazoado frisar que a intenção do legislador ordinário fora bastante clara ao traçar seus novos contornos jurídicos, qual seja, conferir-lhe maior aplicabilidade prática e torná-la a regra na praxe forense.

3.4.2 Liberdade provisória sem fiança

Já fora afirmado no presente trabalho que após a inserção do parágrafo único ao art. 310 do CPP pela Lei nº 6.416/77, a liberdade provisória sem fiança passara a ser a regra em nosso ordenamento jurídico, mesmo porque era autorizada em razão da ausência dos pressupostos da prisão preventiva. Ademais, havia várias hipóteses de inafiançabilidade previstas nos arts. 323 e 324 do CPP, o que tornava a liberdade provisória mediante fiança a exceção no sistema.

Na lógica atual, tal regramento foi modificado. Grande parte das infrações penais é considerada afiançável, sendo certo que as hipóteses de inafiançabilidade são apenas aquelas previstas na Constituição Federal (art. 5º, incisos XLII, XLIII e XLIV) e repetidas pelo art. 323 do CPP. Assim, como regra, o direito a liberdade provisória pode ser concedido mediante fiança, excluídos os casos supracitados.

Esse é exatamente o ponto central da distinção entre liberdade provisória com ou sem fiança, ou seja, o cabimento ou não da fiança, donde se extrai a consequência de que, uma vez

Page 238:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        237 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

afastadas as peculiaridades dos regramentos da fiança, os demais contornos da liberdade provisória são inteiramente aplicáveis aos casos de seu deferimento sem fiança.

Como já salientado, grassa em doutrina nova corrente de pensamento que apenas admite a liberdade provisória com certas vinculações do acusado ao processo, o que aconteceria exatamente nos casos de imposição de outras medidas cautelares, rechaçando a possibilidade de liberdade provisória sem fiança e sem vinculação.

Divergências à parte, certo é que pode o acusado responder ao processo em liberdade com ou sem vínculos com o processo (sem ingressar no debate sobre a suposta impossibilidade de liberdade provisória sem vinculação, o que fugiria aos moldes cogitados no presente trabalho), a depender da necessidade, aferidain concreto, de assegurar a eficácia final da jurisdição penal.

Nesse sentido, pode o magistrado, ao conceder liberdade provisória determinar a imposição de medidas cautelares diversas da prisão (art. 319 do CPP), de modo a criar uma vinculação do acusado ao processo.

Do mesmo modo, também é possível a imposição de liberdade provisória sem fiança em casos de infrações afiançáveis, desde que o acusado não tenha condições financeiras de prestá-la (art. 350 do CPP), sendo, em tal hipótese, autorizado ao magistrado impor os mesmos vínculos do afiançado ou quaisquer outras medidas cautelares.

Por outro lado, também poderá o órgão julgador determinar a liberdade provisória sem fiança, mediante comparecimento a todos os termos do processo, nos casos de entender, pelo auto de prisão em flagrante, haver o acusado praticado a conduta albergado nas causas excludentes de ilicitude do art. 23 do CP. Não é necessário, nesse hipótese, prova contundente das descriminantes, bastando indícios suficientes de sua ocorrência[65], pois havendo prova contundente das

Page 239:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

238  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

excludentes de ilicitude, nem mesmo seria autorizado à autoridade policial lavrar o auto de prisão em flagrante, devendo o juiz, em caso contrário, determinar o relaxamento da prisão, enquanto considerada como ato ilegal, eis que não há falar-se em cometimento de crime.[66]

Quanto à possibilidade de liberdade provisória sem fiança e sem vinculação, Tourinho Filho[67], antes da edição da Lei nº 12.403/2011, sustentava que isso ocorreria nas seguintes hipóteses: a) nas hipóteses em que o réu se livra solto (antigo art. 321 do CPP); b) nos casos em que o réu é primário e de bons antecedentes, quando o poderá o juiz deixar de decretar-lhe a prisão ou revogá-la, caso já se encontre preso (art. 408, § 2º do CPP, na redação dada pela Lei nº 5.941/73).

Ocorre que ambos os dispositivos foram amplamente alterados pela Lei nº 12.403/2011, de modo que tais hipóteses perderam completamente sua eficácia, o que, inclusive, corrobora a tese já narrada de que a liberdade provisória sempre estaria condicionada a determinadas vinculações. Todavia, há, quando menos, uma hipótese em que o acusado terá seu status libertatis resguardado no curso do processo sem a imposição de qualquer vínculo, como assim determinado pelo art. 310 do CTB, nos casos de acidentes de trânsito em que o condutor presta integral socorro à vítima. Seria, portanto, para alguns, uma hipótese de liberdade provisória sem fiança e sem vinculação, ao passo que outros entenderiam tal possibilidade como caso de liberdade plena e incondicionada.

Por fim, existiria a possibilidade de liberdade provisória sem fiança para o caso de delitos inafiançáveis, sendo tal hipótese tratada em separado no item 4.2, em face de sua grande relevância para o presente trabalho.

3.5 Discricionariedade do juiz?

Traçados os contornos da liberdade provisória, o certo é que, na atual sistemática, não se pode emprestar-lhe um caráter de

Page 240:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        239 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

ato discricionário do juiz, como era sustentado por alguns antes do advento da Constituição Federal de 1988[68], pois, como prescreve o seu art. 5º, LXVI, “ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança”, donde se extrai a ideia de tratar-se de direito individual do cidadão, não se podendo falar em faculdade do órgão julgador em concedê-la.

Nesse sentido, uma vez reunidos os pressupostos legalmente fixados, não poderia o juiz, ao seu alvedrio, negar o direito à liberdade provisória, mesmo sem requerimento da parte interessada, pois o magistrado, principalmente em sede de Processo Penal, tem o dever de atuar como “garante da dignidade da pessoa humana e da estrita legalidade do processo”[69], razão pela qual, uma vez se deparando com uma situação onde reside a possibilidade da concessão da liberdade provisória, deve o órgão julgador, de pronto, deferi-la.

Todavia, à luz do regime jurídico emprestado ao instituto ora em análise pelo Código de Processo Penal, não se pode desconsiderar a existência de ao menos uma certa liberdade do juiz para avaliar a presença, in concreto, dos pressupostos da medida, pois ao determinar o art. 321 do CPP que “ausentes os requisitos que autorizam a decretação da prisão preventiva, o juiz deverá conceder liberdade provisória”, e sendo os requisitos da prisão preventiva (art. 312 do CPP), principalmente a ordem pública, considerados por parte da doutrina como conceitos jurídicos indeterminados[70], não se pode negar que, na análise da situação fática, ao juiz será conferido um grau mínimo de discricionariedade, ainda que tão somente direcionada a avaliar a presença dos pressupostos da liberdade provisória.

Assim, está o magistrado vinculado a conceder o direito à liberdade provisória sempre que diante de uma das hipóteses de cabimento da medida, porém, como corolário de seu livre convencimento (art. 155 do CPP), estará autorizado a avaliar, em cada caso, os pressupostos fáticos autorizativos de sua concessão.

Page 241:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

240  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

3.6 Considerações Finais

Feitas essas breves considerações, daí se pode concluir que a liberdade provisória, direito público subjetivo do acusado, funciona como corolário dos princípios da presunção de inocência e da efetividade do processo, ao resguardar a possibilidade de o réu permanecer em liberdade e, ao mesmo tempo, possuir vínculos processuais que inibam eventuais tentativas de obstar a regular marcha processual.

Desse modo, trata-se de instituto que busca evitar abusos do Estado no exercício do jus persequendi, garantindo ao acusado o respeito a seu estado de inocência até o advento de eventual sentença penal condenatória. No entanto, em que pesem os contornos jurídicos aqui brevemente analisados, muitas vezes o instituto é desprezado por alguns aplicadores do direito. Espera-se que, em um futuro próximo, os participantes da administração da Justiça Criminal percebam suas grandes vantagens e o utilizem com mais eficácia, garantindo assim, uma maior eficácia do direito individual à liberdade consagrado pela Carta Magna.

4. CRIMES HEDIONDOS E LIBERDADE PROVISÓRIA

No item 02 procurou-se tecer os contornos jurídicos da Lei nº 8.072/90, os movimentos sócio jurídicos que a influenciaram, suas alterações posteriores, além de posicionamentos do Supremo Tribunal Federal acerca da compatibilidade de algumas de suas prescrições aos ditames constitucionais.

Viu-se que, em sua redação originária, a Lei dos Crimes Hediondos continha vedação expressa à liberdade provisória e que tal previsão não mais faz parte daquele diploma legal, tudo em função da redação conferida ao seu art. 2º, inciso II, pela Lei nº 11.464/07, o qual, na lógica atual, apenas repete a vedação da fiança estabelecida pelo art. 5º, XLIII da CF.

Posteriormente, ao abordar o item 03, iniciou-se por demonstrar, em linhas gerais, o estatuto jurídico da liberdade

Page 242:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        241 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

provisória, suas modalidades e inovações oriundas da Lei nº 12.403/2011, defendendo-a como corolário do princípio da presunção de inocência, na medida em que assegura o status libertatis do acusado no decorrer do processo, admitindo, contudo, determinados vínculos, desde que necessários a assegurar o resultado útil do processo, donde se evidencia a natureza cautelar de qualquer restrição à liberdade antes do trânsito em julgado de uma sentença penal condenatória.

No presente item, busca-se analisar a (in)compatibilidade da liberdade provisória com as prescrições do constituinte originário ao estabelecer diversas restrições aos acusados de crimes hediondos, demonstrar o cenário atual do ordenamento jurídico pátrio, tudo com o fito de encontrar uma possível solução para o aparente conflito entre ambos os postulados.

4.1 Perigosidade abstrata e vedação da prisãoex lege

O princípio da exclusiva proteção de bens jurídicos, inerente ao Direito Penal, prescreve que uma dada criminalização só poderá ser considerada legítima se possuir o escopo de proteger um determinado bem jurídico devidamente individualizado.

Sobre o conceito de bem jurídico, Luiz Regis Prado assim expõe o seu entendimento:

Bem jurídico é um ente material ou imaterial haurido do contexto social, de titularidade individual ou metaindividual reputado como essencial para a coexistência e o desenvolvimento do homem em sociedade e, por isso, jurídico penalmente protegido. Deve estar sempre em compasso com o quadro axiológico vazado na Constituição e com o princípio do Estado Democrático e Social de Direito. A ideia de bem jurídico fundamenta a ilicitude material, ao mesmo tempo em que legitima a intervenção penal legalizada.[71]

Page 243:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

242  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Como se vê, o Direito Penal, ao determinar a criminalização de determinada conduta, deve ater-se à necessidade de proteger, de maneira eficaz, apenas aqueles bens jurídicos essenciais ao convívio pacífico em sociedade. Ademais, toda infração penal deve corresponder a uma conduta grave que não possa ser devidamente reprimida pelos demais ramos do direito, além de restringir-se a punir os bens jurídicos mais relevantes para a sociedade. Pode-se afirmar, pois, que é inerente a toda infração penal certo nível de gravidade.

Isso, todavia, não impede a existência de níveis diferenciados de gravidade das infrações penais, sendo tal parâmetro, inclusive, utilizado pelo legislador,in abstrato, para cominar reprimendas diversas para cada tipo penal, de modo a atender à proporcionalidade e à necessidade de reprimir a prática de cada infração penal, sempre atendendo a seus níveis de perigosidade abstrata.

A maior ou menor gravidade de determinadas condutas também é utilizada pelo Direito Processual Penal em diversos momentos, notadamente para o caso de fixação de competência em concurso de crimes (art. 78, inciso II, alínea “a”, do CPP), e até mesmo para a definição do procedimento a ser seguido para o desenvolvimento da marcha processual, como se percebe da redação do art. 394, § 1º, incisos I, II e III, do CPP, ao impor ritos mais ou menos breves para a apuração de delitos, reservando aos crimes com penas mais graves o procedimento comum ordinário e às infrações penais de menor potencial ofensivo o rito sumaríssimo.

Todavia, a utilização da gravidade abstrata de um delito não pode ser usada de maneira irrestrita para todos os institutos processuais penais, constituindo um juízo a priori, sem qualquer comprovação concreta da perigosidade real de determinada conduta, razão pela qual sua utilização, para fins de moldar institutos do Processo Penal, deve ser reservada para as hipóteses de caráter estritamente processual, isto é, para os casos em que a utilização da gravidade abstrata não signifique restrições a direitos

Page 244:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        243 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

subjetivos consagrados pela Carta Magna (a exemplo da liberdade provisória), salvo nas exceções previstas expressamente pelo constituinte originário.

Desta feita, uma vez entendida a liberdade provisória como um direito subjetivo previsto pela Constituição Federal, não há como admitir a possibilidade da gravidade abstrata de um delito, a exemplo do rol de crimes hediondos contido na Lei nº 8.072/90, interferir no status libertatis no decorrer do processo, sem que haja violação ao princípio da presunção de inocência, porquanto qualquer restrição da liberdade só poderá ser aferida em casa situação específica. Por tal razão, não seria dado ao legislador a atribuição de estabelecer, a priori, qualquer vedação à liberdade provisória, e, por via de consequência, uma prisão processual ex lege, já que essa atitude seria uma clara execução antecipada da pena, na medida em que, com a simples acusação do cometimento de um delito de perigosidade elevada, o acusado deveria ser recolhido à prisão durante o processo, antes mesmo do trânsito em julgado de uma sentença penal condenatória. Caso isso fosse possível, ferir-se-ia de morte o estado de inocência, ou seja, uma verdadeira retroação em termos de conquistas da sociedade contemporânea.

Outra não é a lição de Aury Lopes Jr., para quem: O juízo de necessidade da prisão cautelar é

concreto, pois implica análise de determinada situação fática, pois é da essência das prisões cautelares o caráter de medidas situacionais. O Juízo de necessidade não admite uma valoração a priori, no sentido kantiano, de antes da experiência, senão que demanda uma verificação in concreto.[72]

Andrey Borges de Mendonça, na mesma linha de compreensão, ainda que sob fundamentos diversos, assim expõe suas conclusões:

Page 245:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

244  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

não se pode admitir uma prisão cautelar sem qualquer caráter cautelar. Seria não somente uma contradio in terminisfalar em uma prisão cautelar sem caráter cautelar, como uma afronta ao princípio constitucional da presunção de inocência. Partimos do pressuposto constitucional de que nenhuma prisão cautelar pode ser mantida sem a existência de cautelaridade. Isto decorre do texto constitucional: a prisão antes do trânsito em julgado somente pode ser aceite se possuir caráter cautelar. (...) E ninguém melhor que o magistrado, no caso concreto e à luz das peculiaridades infinitas que a realidade pode trazer – e não o legislador, partindo de situações abstratas – para analisar, de acordo com o princípio da adequação e da necessidade, se o réu deve ou não aguardar o processo em liberdade.[73]

Por outro lado, não se pode desprezar o art. 5º, inciso LXI da CF, ao dispor que “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente”, donde se extrai um dever do órgão julgador de fundamentar as razões que o levaram a concluir pela necessidade de prisão[74], sendo a mesma ideia extraída do art. art. 93, inciso IX da CF/88, não se mostrando suficiente, para atender aos comando constitucionais, a simples menção a um eventual dispositivo infraconstitucional que vede a liberdade provisória, como assim o fazia o art. 2º, inciso II da Lei nº 8.072/90, em sua redação original, e o atual art. 44 da Lei nº 11.343/06.

Ora, assim agindo, o órgão julgador não estaria fundamentando sua decisão com base em argumentos concretos, mas sim com base apenas em um pré-julgamento efetuado pelo legislativo, como se pudesse equiparar todas as situações fáticas com base em um único comando normativo. A função jurisdicional

Page 246:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        245 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

seria reduzida à mera repetição do dogma apriorístico, sem que pudesse exercer, com autonomia, o poder geral de cautela que lhe é inerente, ou seja, avaliar, com base em dados concretos, a necessidade de restrição da liberdade no decorrer do processo, de modo a assegurar a eficácia da jurisdição penal.

Também não se pode invocar o prescrito no art. 5º, inciso LXVI, da Lei Maior para defender a possibilidade de vedação, via lei ordinária, da liberdade provisória, em face daquele dispositivo constitucional estabelecer que “ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória”, e apenas quando a lei o admitir.[75] [76]

Isso porque, ao vedar, em abstrato, a possibilidade de liberdade provisória, estaria o legislador, em verdade, impondo uma prisão processual decorrente da lei, sem atentar para a natureza estritamente cautelar que deve permear a restrição da liberdade do acusado no decorrer do processo, cujo fundamento reside não só na necessidade de fundamentação da segregação do indiciado (art. 5º, inciso LXI, da CF), mas principalmente em razão do postulado da inocência, enquanto imperativo a vedar qualquer presunção de culpabilidade, o que ocorreria, de fato, com a exigência de uma prisão cautelar obrigatória, traduzida em espécie de repugnante antecipação de pena.

Não se está a defender que não seria permitida a custódia processual de indiciados por crimes de gravidade elevada ou o desarmamento de todo o aparato estatal de persecução penal[77], mas que o proceder seja decorrente de uma análise casuística e não apriorística, e ninguém melhor que o juiz, ao avaliar a situação posta a julgamento, para decidir, diante de suas convicções devidamente fundamentadas, sobre a necessidade de impor restrições ao status libertatis, sem qualquer vínculo com o pré-julgamento realizado pelo Poder Legislativo.

Também não se desconhece, como já afirmado no início do presente trabalho, que o art. 5º, inciso XLIII, da CF, determina

Page 247:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

246  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

um mandamento constitucional de criminalização de determinadas condutas de gravidade elevada, a exemplo da categoria dos crimes hediondos, o que reclamaria uma atuação mais severa, pelo Estado, no combate a delitos de tal natureza. De fato, é necessário que o jus persequendi, em casos assim, seja exercido com mais rigor, atendendo-se, dessa forma, ao comando constitucional. Isso, contudo, não autoriza o Estado a privar os acusados de direitos e garantias do cidadão e tratar tais sujeitos como subversores da ordem, como ocorreria à luz do Direito Penal do inimigo.

Nessas hipóteses, entretanto, é perfeitamente possível condicionar a liberdade provisória a critérios mais rigorosos, com imposição de medidas cautelares com maiores restrições para atender à gravidade do crime, como assim determina o art. 282, inciso II do CPP, ao prescrever que a decretação das medidas deve atender à gravidade do crime, porém, jamais vedando por completo o direito subjetivo do acusado.

Veja-se, como exemplo, a inconstitucionalidade reconhecida pelo STF da vedação à progressão de regime de cumprimento de pena para os crimes hediondos prevista na redação originária da Lei nº 8.072/90 (art. 2º, § 1º), entendimento expresso na Súmula Vinculante nº 26[78]. Ora, ao vedar, in abstrato, o direito fundamental à individualização da pena (art. 5º, XLVI da CF), incidiu o legislador ordinário em ofensa à Lei Maior, o mesmo não ocorrendo com os atuais critérios mais rigorosos para tanto previstos no art. 2º, § 2º do mesmo diploma legal supracitado, salvo para a hipótese de imposição do regime inicial fechado, sobre a qual, mesmo considerando a edição da Súmula 471 pelo STJ[79], pairam dúvidas acerca de sua constitucionalidade.

Nesse sentido, o certo é que a gravidade abstrata dos crimes hediondos pode ser utilizada, como corolário do mandamento constitucional de criminalização do art. 5º, inciso XLIII da CF, para impor restrições mais severas aos acusados de delito de tal natureza, mas jamais para determinar uma prisão ex lege e a vedação absoluta da liberdade provisória, sem deferir ao

Page 248:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        247 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

magistrado o poder de avaliar, no caso concreto, a sua efetiva necessidade. Isso seria, em verdade, uma deturpação da dignidade humana, do estado de inocência e da própria efetividade da jurisdição, a qual restaria refém de um comando legislativo, o que, data vênia, não parece ser compatível com o atual regramento constitucional.

4.2 Inafiançabilidade e liberdade provisória

Sustenta-se que a vedação à liberdade provisória, em casos de crimes hediondos, nada mais seria que uma decorrência lógica da inafiançabilidade dos ditos delitos, sob pena de haver um esvaziamento do comando constitucional que obsta a concessão de fiança, além de ser um contrassenso vedar a possibilidade de concessão de liberdade provisória mediante o pagamento de fiança, medida de natureza mais gravosa, e admitir a concessão de liberdade provisória sem o pagamento de fiança para crimes de perigosidade mais elevada.[80]

Primeiramente, não há como emprestar sufrágio à tese de esvaziamento do comando constitucional da inafiançabilidade dos crimes hediondos, porquanto a própria Lei Maior trata, em dispositivos distintos, de ambos os institutos, não havendo qualquer vinculação entre a fiança, uma entre tantas espécies de medidas cautelares, e a liberdade provisória, não se podendo empregar um sentido extensivo à inafiançabilidade para vedar a concessão de liberdade provisória, pois, em casos assim:

vale aclarar que as normas que favoreçam a concessão da liberdade provisória não sofrem nenhuma restrição quanto à interpretação nem quanto aos meios de integração ou suprimento. Já não se podendo dizer o mesmo em relação às regras jurídicas que restrinjam a fruição dessa benesse, pois tais normas somente comportam exegese estrita.[81]

Page 249:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

248  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

A mesma ideia pode ser extraída com base, agora, no princípio da máxima efetividade, o qual, como corolário da força normativa da constituição, na linha propugnada por Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco, significa veicular “um apelo para que em toda situação hermenêutica, sobretudo em sede de direitos fundamentais, procure densificar seus preceitos, sabidamente abertos e predispostos a interpretações expansivas.”[82]

A mesma lição pode ser extraída da obra de Dirley da Cunha Júnior, para quem o princípio “orienta o intérprete a atribuir às normas constitucionais o sentido que maior efetividade lhe dê, visando otimizar ou maximizar a norma para dela extrair todas as suas potencialidades.”[83]

Trazendo essas ideias para a seara da liberdade provisória, direito fundamental previsto no art. 5º, inciso LXVI, da CF, isso implica dizer que não se poderia conferir interpretação extensiva à inafiançabilidade dos crimes hediondos e restritiva ao direito público subjetivo à liberdade provisória, em uma clara desobediência aos cânones hermenêuticos da Constituição.

Do mesmo modo, também não viria ao caso a exegese de configurar um contrassenso a possibilidade de liberdade provisória sem fiança para crimes de gravidade mais elevada, a exemplo dos hediondos, e impedir a concessão de liberdade provisória com fiança, mesmo porque essa última modalidade seria mais rigorosa que aquela.

Nesse sentido, muito embora o entendimento pudesse encontrar algum respaldo na lógica anterior à promulgação da Lei nº 12.403/2011, tese de duvidosa plausibilidade, pois não havia qualquer vinculação entre os institutos da fiança e da liberdade provisória, após a entrada em vigor desse último diploma legal, a ideia restou amplamente superada.

Primeiramente, já fora afirmado que o constituinte originário tratou a inafiançabilidade e a liberdade provisória de

Page 250:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        249 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

maneira distinta, não vinculando o direito ao status libertatis no decorrer do processo à concessão de fiança, tanto é assim que o a Carta Magna consagra de maneira ampla a possibilidade liberdade provisória, seja ela com ou sem fiança.

Ademais, ao instituir a vedação da fiança para os crimes hediondos e equiparados, nada mais fez o constituinte originário que vedar a concessão da fiança como medida cautelar para adquirir a liberdade provisória, não impedindo a concessão de outras medidas cautelares diversas da fiança no curso do processo, possibilidade essa, como já se observou, reconhecida pelo STF ao consagrar a existência de um poder geral de cautela em âmbito processual penal. Assim, a liberdade provisória, em casos de crimes hediondos, sempre pode ser deferida mediante a aplicação de qualquer medida cautelar, a exceção da fiança, sendo essa a exegese mais condizente com a Lei Maior.

Nesse sentido, mesmo considerando a inexistência do poder geral de cautela no Processo Penal, como sugere parte da doutrina, na lógica atual, o mesmo raciocínio há de ser prestigiado, porquanto há previsão expressa de outras medidas cautelares diversas da fiança no art. 319 do CPP, podendo o magistrado estabelecer qualquer delas para os casos de crimes hediondos, algumas, inclusive, de rigorosidade mais gravosa que a mera prestação de uma garantia real, a exemplo da monitoração eletrônica (art. 319, inciso IX do CPP), medida que outorga ao Estado o conhecimento, a qualquer momento, da localidade do acusado, não precisando muito esforço para concluir que impõe uma maior restrição do status libertatis, apenas sendo inferior à prisão.

Assim, o comando do constituinte originário sempre fora bastante claro: aos acusados de crimes hediondos e equiparados é possível a concessão de liberdade provisória, desde que não se imponha como medida cautelar a fiança. A mora do legislativo em adequar a legislação ordinária aos preceitos constitucionais certamente não pode implicar em uma interpretação da Carta

Page 251:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

250  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Magna com base na legislação ordinária, o que afrontaria a natureza escalonada do ordenamento jurídico, razão pela qual a ausência, no Código de Processo Penal, de medidas cautelares diversas da prisão, não poderia ser argumento válido para impedir a concessão de liberdade provisória sem fiança aos crimes inafiançáveis.

Após a Lei nº 12.403/2011, tornou-se mais clara a ausência de vínculos entre liberdade provisória e inafiançabilidade, na medida em que previu, de maneira expressa, a possibilidade de medidas cautelares distintas da fiança, razão pela qual aguarda-se a superação de posicionamentos contrários.

4.3 Evolução jurisprudencial e tendências atuais

Logo após a edição da Lei nº 8.072/90, que obstava de maneira explícita a concessão da liberdade provisória, não havia muitos questionamentos, no Supremo Tribunal Federal, acerca da constitucionalidade da previsão legal, sendo certo que em vários julgamentos aplicava-se a o art. 2º, inciso II, do referido diploma, sem maiores discussões, como se depreende das seguintes ementas oriundas do Pretório Excelso:

PROCESSUAL PENAL. LIBERDADE PROVISORIA. TRAFICO DE ENTORPECENTES E DROGAS AFINS. LEI 8.072, DE 25.07.90.

I. - A Lei 8.072, de 25.07.90, proíbe, nos crimes de trafico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na linha da disposição constitucional inscrita no inc. XLIII, do art. 5., da C.F., a liberdade provisória.

II. - H.C. indeferido. (HC 68514, Relator(a): Min. Marco Aurélio, Relator(a) p/ Acórdão: Min. Carlos Velloso, Segunda Turma, julgado em 19/03/1991).[84]

HABEAS CORPUS. ESTUPRO. LIBERDADE PROVISÓRIA:

Page 252:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        251 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

IMPOSSIBILIDADE. ARTIGO 2º-II DA LEI 8.072/90. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE.

Os crimes hediondos são insuscetíveis de fiança e liberdade provisória: art.2º - II da Lei 8.072/90. Inexistência de ilegalidade. Habeas corpus indeferido. (HC 74108, Relator(a): Min. Francisco Rezek, Segunda Turma, julgado em 26/11/1996).[85]

A partir dos anos 2000, sobretudo em face do julgamento do Habeas Corpus nº 80.168, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, começou-se a ressaltar que a vedação à liberdade provisória contida no art. 2º, inciso II da Lei dos Crimes Hediondos só encontraria respaldo quando em relação a uma prisão em flagrante lícita, devido a sua natureza jurídica de contra-cautela. Assim, vedava-se a liberdade provisória em casos de flagrante, no entanto, nas hipóteses de ausência do estado de flagrância, autorizava-se ao réu permanecer em liberdade no decorrer do processo.

Eis as palavras do Min. Pertence no julgamento daquele remédio heroico:

Liberdade provisória é instituto de contra-cautela, que pressupõe anterior prisão processual lícita; por isso, não tendo havido prisão em flagrante, a vedação legal da liberdade provisória, quando se cuide de acusação dos chamados crimes hediondos, não serve para suprir a fundamentação legal da prisão preventiva: do contrário, o que se teria, na hipótese, seria o ressurgimento da prisão preventiva obrigatória, retrocesso, a que o terrorismo penal em moda ainda não ousou chegar.[86]

Como se depreende das razões acima expendidas, ressaltava-se desde então a correlação entre a vedação à liberdade provisória e a prisão cautelar de natureza obrigatória, razão pela

Page 253:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

252  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

qual surgiu um movimento, naquela Corte Suprema, para coibir abusos na restrição da liberdade decorrentes de meras acusações, o que levou, inclusive, em 24/09/2003, à edição da Súmula 697, segundo a qual “a proibição de liberdade provisória nos processos por crimes hediondos não veda o relaxamento da prisão processual por excesso de prazo”, da qual se extraia a necessidade de avaliar a razoabilidade da duração de custódias cautelares de modo a não converterem-se em execuções penais antecipadas.

Por outro lado, em 02/05/2007, o mesmo STF, ao se debruçar sobre a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.112/DF, de relatoria do Min. Ricardo Lewandowski, decidiu pela inconstitucionalidade do art. 21 da Lei nº 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento)[87], salientando que “o texto magno não autoriza a prisão ex lege, em face dos princípios da presunção de inocência e da obrigatoriedade de fundamentação dos mandados de prisão pela autoridade judiciária competente”[88], demonstrando, mais uma vez, sinais da possível inconstitucionalidade da vedação do instituto para os crimes hediondos e equiparados.

Com o advento da Lei nº 11.646/2007, a qual suprimiu da vedação contida no art. 2º, inciso II da Lei nº 8.072/1990, dois posicionamentos opostos, já em 2007, começaram a ser expostos pela Corte Suprema. De um lado, a exemplo do julgamento do Habeas Corpus nº 92.824/SC, de relatoria do Min. Joaquim Barbosa, passou-se a admitir a liberdade provisória em casos de crimes hediondos, inclusive para os presos em flagrantes e desde que ausentes os motivos ensejadores da prisão preventiva. Por outro lado, no Habeas Corpus nº 109.236/SP, cuja relatora fora a Min. Cármem Lúcia, decidiu-se o seguinte:

Desnecessidade de se reconhecer a inconstitucionalidade da Lei n. 11.464/07, que, ao retirar a expressão "e liberdade provisória" do art. 2º, inc. II, da Lei n. 8.072/90, limitou-se a uma alteração textual: a proibição da liberdade provisória decorre da vedação da fiança, não da expressão suprimida, a qual, segundo a

Page 254:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        253 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

jurisprudência deste Supremo Tribunal, constituía redundância. Mera alteração textual, sem modificação da norma proibitiva de concessão da liberdade provisória aos crimes hediondos e equiparados, que continua vedada aos presos em flagrante por quaisquer daqueles delitos.[89]

Esse é exatamente o cenário atual. De um lado, há o entendimento aqui já analisado de que a vedação à liberdade provisória decorre da própria inafiançabilidade de delitos de tal natureza, posicionamento adotado principalmente pelo Min. Luiz Fux e pela Min. Cármem Lúcia, ao passo que, em posição contrária, existem entendimentos pela possibilidade de sua concessão, mesmo para casos de crimes hediondos, tese defendida de maneira bastante enfática pelo Min. Gilmar Mendes e pelo então Min. Ayres Brito, o qual, inclusive, modificou seu anterior posicionamento que se assemelhava à tese da Min. Cármem Lúcia.[90]

Veja-se, inclusive, que já fora decidido pelo Pretório Excelso a existência implícita do princípio da individualização da prisão e não simplesmente da pena, na medida em que qualquer decreto prisional deveria ser aferido à luz das situações concretas e não de maneira abstrata pelo legislador.[91]

No mesmo sentido, em caso de crimes de tráfico de drogas, equiparados a hediondos, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento, pelo Plenário, do Habeas Corpus nº 104.339/SP, declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade da expressão “e liberdade provisória” contida no art. 44 da Lei nº 11.343/2006, determinando que, em hipóteses da mesma natureza, a segregação cautelar só tem sentido caso presentes os requisitos da prisão preventiva, o que indica a provável adoção do mesmo posicionamento para os casos de crimes hediondos, pois, como já salientado, formam um microssistema de delitos de mesma gravidade e como tais devem receber o mesmo tratamento pelo legislador ordinário.

Page 255:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

254  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Há, sobre o tema específico dos crimes hediondos, um processo, pela primeira vez, afeto ao Plenário, onde se aguarda o posicionamento final do Supremo Tribunal Federal. Trata-se do Recurso Extraordinário nº 601.384-1, à frente da relatoria o Min. Marco Aurélio, hipótese na qual fora reconhecida a repercussão geral, ao acentuar que

iniludivelmente, o tema está a exigir o crivo do Supremo para definir-se o alcance da cláusula constitucional vedadora da fiança nos crimes considerados hediondos. A questão que se coloca é única: havendo o flagrante, existe a possibilidade de acolher-se pedido de concessão de liberdade provisória tal como fez o Superior Tribunal de Justiça? Melhor dirá o Plenário.[92]

Resta saber se, à luz das recentes manifestações oriundas daquela Corte Suprema, haverá a declaração da inconstitucionalidade de qualquer vedação, em abstrato, à liberdade provisória, mesmo em face de delitos tidos por inafiançáveis, pois além de fiança e liberdade provisória serem institutos distintos, não há como admitir, no cenário jurídico brasileiro, que possa o legislador substituir o judiciário e privar-lhe de sua função de garante dos direitos individuais e da legalidade do processo ao criar hipóteses de presunção absoluta de culpabilidade, numa clara afronta ao postulado do estado de inocência.

5. CONCLUSÃO

Da análise realizada acerca da compatibilidade da liberdade provisória em casos de crimes hediondos, daí se pode concluir não haver, em princípio, qualquer incongruência entre a gravidade abstrata de tais delitos e o direito subjetivo ao estado de liberdade no decorrer do processo, pois não poderia ser dado ao legislador vedar, em abstrato, um direito subjetivo, sem deferir ao Judiciário o poder de avaliar, em concreto, a necessidade e proporcionalidade da medida.

Page 256:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        255 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Não se desconhece, por outro lado, a necessidade de resguardar-se a efetividade do processo mediante a expedição de decretos prisionais no decorrer do processo em situações de crimes da mais alta gravidade, mas requer-se que a privação da liberdade seja ordenada pelo magistrado, sempre atento às peculiaridades de casos concretos.

Todavia, existem posicionamentos contrários baseados em ideais de um direito penal máximo, além de não haver, ainda, um posicionamento concludente do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria.

Aguarda-se uma decisão em respeito aos direitos fundamentais, para que não seja admitido, no Brasil, o surgimento do Direito Penal do inimigo, privando pessoas, em razão de uma simples acusação de certos delitos, de direitos inerentes ao ser humano, como se o legislador pudesse – e não pode – subverter a ordem constitucional e tratar como letra morta a dignidade da pessoa humana, a presunção de inocência e o devido processo legal.

É o que se espera.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BIANCHINI, Alice; CUNHA, Rogério Sanches; GOMES, Luiz Flávio; MACIEL, Sílvio; MARQUES, Ivan Luís. Prisão e Medidas Cautelares, 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

BIANCHINI, Alice. MOLINA, Antonio. GOMES, Luiz Flávio. Direito Penal: Introdução e Princípios, 2ª Edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.

COSTA, José Armando. Estrutura Jurídica da Liberdade Provisória. São Paulo: Saraiva, 1989.

CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal. Salvador: Juspodivm, 2013.

Page 257:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

256  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

CUNHA JR. Dirley. Curso de Direito Constitucional, 7ª ed. Salvador: Juspodivm, 2013.

FRANCO, Alberto Silva. Crimes Hediondos, 7ª Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.

GOMES, Luiz Flávio. Direito Penal do Inimigo (ou inimigos do Direito Penal). Disponível em:www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20040927113955798&mode=print Acesso em: 11/04/2013.

JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manuel Cancio. Direito Penal do Inimigo: noções e críticas, 6ª ed. org. e trad. André Luís Callegari e Nereu José Giacomolli. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012.

LOPES JR. Aury. O novo regime jurídico da prisão processual, liberdade provisória e medidas cautelares diversas, 2ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.

______________. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional, 8ª ed. Rio de Janeiro: Lumem júris, 2011.

MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. Campinas: Bookseller, 1997.

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional, 4ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

MENDONÇA, Andrey Borges. Prisão e Outras Medidas Cautelares Pessoais. São Paulo: Método, 2011.

MONTEIRO, Antonio Lopes. Crimes Hediondos, 9ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

MUCCIO, Hidejalma. Prisão e Liberdade Provisória. São Paulo: HM Editora, 2003,

Page 258:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        257 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Regimes Constitucionais da Liberdade Provisória, 4ª Ed. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2007.

________________________. Curso de Processo Penal, 3ª Ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.

PAIVA, Luiz Guilherme Mendes. A Fábrica de Penas: Racionalidade legislativa e a lei dos crimes hediondos. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2009.

PRADO, Luiz Regis. Bem Jurídico-Penal e constituição, 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.

SICA, Leonardo. Direito Penal de Emergência e alternativas à prisão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 5ª ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2001.

STRECK, Lênio. Bem Jurídico e Constituição: da proibição de excesso (übermassverbot) à proibição de proteção deficiente (untermassverbot) ou de como não há blindagem contra normas penais inconstitucionais).Disponível em: http://www.leniostreck.com.br/site/wp-content/uploads/2011/10/2.pdf Acessado em: 10/03/2013.

SZNICK, Valdir. Liberdade, prisão cautelar e temporária, 2ª ed. São Paulo: Universitária de direito, 1995.

TÁVORA, Nestor. Curso de Direito Processual Penal, 4ª Ed. Salvador: Juspodivm, 2010.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal, 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 1994.

ZAFFARONI, Raul Eugênio. O inimigo do Direito Penal. Rio de Janeiro: Revan, 2007.

NOTAS:

Page 259:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

258  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

[1] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa.Processo Penal Vol. 1, 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 11-16.

[2] LOPES JR. Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional, Vol. 1, 8ª ed. Rio de Janeiro: Lumem júris, 2011, p. 07-10.

[3] Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)

XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura , o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem. (Cf. BRASIL. Constituição, 1988. Disponível emhttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 15/04/2013).

[4] BIANCHINI, Alice. MOLINA, Antonio. GOMES, Luiz Flávio. Direito Penal: Introdução e Princípios, 2ª Edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 271-272.

[5] STRECK, Lênio. Bem Jurídico e Constituição:da proibição de excesso (übermassverbot) à proibição de proteção deficiente (untermassverbot) ou de como não há blindagem contra normas penais inconstitucionais). Disponível em:http://www.leniostreck.com.br/site/wp-content/uploads/2011/10/2.pdf Acessado em: 10/03/2013.

[6] FRANCO, Alberto Silva. Crimes Hediondos, 7ª Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, pg. 136.

[7] Ibidem, p. 139.

[8]Ainda não há, na atual sistemática do ordenamento jurídico pátrio, uma conceituação do conteúdo do que seriam crimes hediondos, mas tão somente um rol taxativo consagrado no art. 1º da Lei nº 8.072/90.

Page 260:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        259 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

[9] PAIVA, Luiz Guilherme Mendes. A Fábrica de Penas: Racionalidade legislativa e a lei dos crimes hediondos. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2009, p. 80.

[10] SICA, Leonardo. Direito Penal de emergência e alternativas à prisão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 77.

[11] CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal. Salvador: Juspodivm, 2013, p. 36.

[12] JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manuel Cancio.Direito Penal do Inimigo: noções e críticas, 6ª ed. org. e trad. André Luís Callegari e Nereu José Giacomolli. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 40.

[13] Ibidem, p. 19.

[14] Ibidem, p. 39.

[15] GOMES, Luiz Flávio. Direito Penal do Inimigo (ou inimigos do Direito Penal). Disponível em: www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20040927113955798&mode=print Acessado em: 11/04/2013.

[16] ZAFFARONI, Raul Eugênio. O inimigo do Direito Penal. Rio de Janeiro: Revan, 2007, p.. 167-169.

[17] GOMES, Luiz Flávio. op. cit.

[18] CUNHA, Rogério Sanches. op. cit. p. 36.

[19] FRANCO, Alberto Silva. op. cit. p. 140.

[20] FRANCO, Alberto Silva. op. cit. p. 143-144.

[21] PAIVA, Luiz Guilherme Mendes. op. cit. p. 93.

[22] FRANCO, Alberto Silva. op. cit. p. 150.

[23] Segundo a redação do art. 2º, § 4º da Lei nº 8.072/90, em caso de investigações sobre possível prática de crimes hediondos ou assemelhados, o prazo da prisão temporária será de 30 (trinta) dias, prorrogável por igual período, diferentemente de outros

Page 261:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

260  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

crimes, quando a prisão temporária é limitada ao período de 5 (cinco) dias, prorrogáveis por mais 5 (cinco), a teor do art. 2º da Lei nº 7.960/89.

[24] SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 5ª ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2001, p. 137.

[25] FRANCO, Alberto Silva. op. cit. p. 158.

[26] BRASIL, Congresso Nacional. Diários do Congresso Nacional, Seção I. Brasília, 28, set. 1989, p. 10.606/10.607. Disponível em:http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD28SET1989.pdf#page%3D70. Acesso em: 28/04/2013.

[27] Veja-se o disposto no art. 1º do Projeto de Lei nº 3.734/89 do Poder Executivo: Art. 1º. São considerados hediondos: I – Os crimes de latrocínio (art. 157, § 3º, in fine), extorsão qualificada pela morte (art. 158, § 2º), extorsão mediante sequestro e na forma qualificada (art. 159), epidemia com resultado morte (art. 267, § 1º), envenenamento de água potável ou substância alimentícia ou medicinal qualificada pela morte (art. 270 c/c com o art. 285), todos do Código Penal , e o genocídio (arts. 1º, 2º e 3º da Lei nº 2.2889. de 1º de outubro de 1956), tentados ou consumados; II – Os crimes praticados com violência à pessoa ou mediante tortura ou métodos terroristas, que provoquem intensa repulsa pela gravidade do fato ou pela maneira de execução, segundo decisão fundamentada do juiz competente. (Cf. BRASIL, Congresso Nacional. Diários do Congresso Nacional, Seção I. Brasília, 28, set. 1989, p. 10.606/10.607. Disponível em:http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD28SET1989.pdf#page%3D70. Acesso em: 28/04/2013).

[28] PAIVA, Luiz Guilherme Mendes. op. cit. p. 119.

[29] PAIVA, Luiz Guilherme Mendes. op. cit. p. 122-128.

[30] MONTEIRO, Antonio Lopes. Crimes Hediondos, 9ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 37.

[31] BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 85.921-RJ. Paciente: Ivan Aparecido Camacho de Oliveira. Impetrante: Paulo Pereira Guimarães. Relator: Ministro Marco

Page 262:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        261 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Aurélio. Brasília, 29, jun. 2005; Habeas Corpus nº 81.564. Paciente: Salvador Rodrigues Pereira. Impetrante: Gerência do serviço de revisões criminais da Penitenciária da Região de Curitibanos. Relator: Ministro Sydney Sanches. Brasília, 19, fev. 2002; e Habeas Corpus nº 90.364. Paciente: Ivonir Oliveira Neves. Impetrante: Carlos Lacerda de Campos. Relator: Ministro: Ricardo Lewandowski. Brasília, 31, out. 2007. Disponíveis emhttp://www.stf.jus.br. Acesso em: 20/03/2013.

[32] Pela atual sistemática da Lei nº 11.464/2007, os condenados devem iniciar o cumprimento da pena em regime fechado e a progressão acontecerá com o cumprimento de 2/5 para os primários e 3/5 para os reincidentes. Saliente-se, por oportuno, que o Supremo Tribunal Federal julgou inconstitucional a imposição do regime inicial fechado ex lege, ao julgar o Habeas Corpus nº 111.840, à frente da relatoria o Ministro Dias Toffoli.

[33] BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 95.584. Paciente: Anderson Fernandes. Impetrante: Calebe Valença Ferreira da Silva. Relatora: Ministra Carmem Lúcia. Brasília, 21, out. 2008. Disponível em http://www.stf.jus.br. Acesso em 27/03/2013.

[34] MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal Vol. IV. Campinas: Bookseller, 1997, p. 122-123.

[35] COSTA, José Armando. Estrutura jurídica da liberdade provisória. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 21-22.

[36] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa.Processo Penal Vol. 3, 15ª Ed. São Paulo: Saraiva: 1994, p. 447.

[37] MUCCIO, Hidejalma. Prisão e liberdade provisória. São Paulo: HM Editora, 2003, p. 196-197.

[38] COSTA, José Armando. op. cit. p. 108-109.

[39]TÁVORA, Nestor. Curso de Direito Processual Penal, 4ª Ed. Salvador: Juspodivm, 2010, p. 584.

[40] FRANÇA, Assembée Nationale. Declaration dês droits de l’homme et Du citoyen de 1789. Disponível

Page 263:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

262  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

em: http://www.assemblee-nationale.fr/histoire/dudh/1789.asp. Acesso em 28/04/2013.

[41] LOPES JR. Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional, 8ª ed. Rio de Janeiro: Lumem júris, 2011, p. 177.

[42] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa.Processo Penal Vol.1, 15ª Ed.São Paulo: Saraiva, 1994, p. 67.

[43] LOPES JR. Aury. O novo regime jurídico da prisão processual, liberdade provisória e medidas cautelares diversas, 2ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 11.

[44] OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Regimes Constitucionais da Liberdade Provisória, 4ª Ed. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2007. p. 55-56.

[45] BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 94.404-SP. Paciente: Kiavash Joorbchian. Impetrante: Roberto Podval e outro. Relator: Ministro Celso de Mello. Brasília, 18, nov. 2008. Disponível emhttp://www.stf.jus.br. Acesso em: 28/03/2013.

[46] MENDONÇA, Andrey Borges. Prisão e outras medidas cautelares pessoais. São Paulo: Método, 2011, p. 331-332.

[47] LOPES JR, Aury. op. cit. p. 16-19.

[48] Art. 3º. A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito. (Cf. BRASIL, Decreto-lei nº 3.689/1941. Disponível emhttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm. Acesso em: 01/04/2013).

[49] Art. 798. Além dos procedimentos cautelares específicos, que este Código regula no Capítulo II deste Livro, poderá o juiz determinar as medidas provisórias que julgar adequadas, quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação. (Cf. BRASIL, Lei nº 5.869/1973. Disponível emhttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5869.htm. Acesso em: 01/04/2013)

Page 264:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        263 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

[50] BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 94.147. Paciente: João Carlos Ferreira Lucas de Souza. Impetrante: Eduardo Corrêa Dias de Almeida. Relatora: Ministra Ellen Gracie. Brasília, 27, mai. 2008; BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 101.830. Pacientes: Gennard Domingos Montane e outro. Impetrante: Alex Leon Ades e outro. Relator: Ministro Luiz Fux. Brasília, 12, abr. 2011. Disponíveis em http://www.stf.jus.br. Acesso em: 01/04/2013.

[51] Art. 319. São medidas cautelares diversas da prisão: I - comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades; II - proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações; III - proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante; IV - proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução; V - recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos; VI - suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais; VII - internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal)e houver risco de reiteração; VIII - fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial; IX - monitoração eletrônica. (Cf. BRASIL, Decreto-lei nº 3.689/1941. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm. Acesso em: 01/04/2013).

[52] OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal, 3ª Ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 549.

[53] MENDONÇA, Andrey Borges de. op. cit. p. 333-341.

[54] Art. 321. Ressalvado o disposto no art. 323, III e IV, o réu livrar-se-á solto, independentemente de fiança: I - no caso de infração, a que não for, isolada, cumulativa ou alternativamente,

Page 265:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

264  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

cominada pena privativa de liberdade; II - quando o máximo da pena privativa de liberdade, isolada, cumulativa ou alternativamente cominada, não exceder a três meses (Cf. BRASIL, Decreto-lei nº 3.689/1941. Disponível emhttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm. Acesso em: 01/04/2013).

[55] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit. p. 465.

[56] MENDONÇA, Andrey Borges de. op. cit. p. 333.

[57] MARQUES, Federico. op. cit. p. 123.

[58] COSTA, José Armando. op. cit. p. 33.

[59] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa.Processo Penal Vol. 3, 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 484.

[60] Art. 102. A fiança será tomada por termo lavrado pelo Escrivão do Juiz, que a conceder, e assignado pelo mesmo Juiz, pelo fiador, afiançado, e por duas testemunhas, que subsidiariamente se obriguem. Art. 103. Este termo será lavrado em livro para esse fim destinado, e rubricado, d'onde se extrahirá certidão para se ajuntar aos autos. Nelle se declarará que o fiador fica obrigado até a ultima sentença do Tribunal Superior, a pagar certa quantia (que deve ser designada) se o réo fôr condemnado, e fugir antes de ser preso, ou não tiver, a esse tempo, meios para indemnização da parte, e custas. (Cf. BRASIL, Lei de 29 de Novembro de 1832. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LIM/LIM-29-11-1832.htm. Acesso em: 01/04/2013).

[61] Art. 24. Nos casos em que couber fiança, sendo o agente menor de 21 (vinte e um) anos, a autoridade policial, verificando não ter o mesmo condições de prestá-la, poderá determinar o seu recolhimento domiciliar na residência dos pais, parentes ou de pessoa idônea, que assinarão termo de responsabilidade. (Cf. BRASIL, Lei º 6.368/76. Disponível emhttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6368.htm. Acesso em 04/04/2013)

[62] COSTA, José Armando. op. cit. p. 114-117.

Page 266:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        265 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

[63] BRASÍL, Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 4.208/2001, transformado em Lei Ordinária nº 12.403/2011. Brasília, 30, mar. 2001. Disponível emhttp://www.camara.gov.br. Acesso em: 07/04/2013.

[64] Predomina o entendimento de que o quebramento de fiança somente poderia ser decretado pelo juiz, a exemplo de: LOPES JR. Aury, op. cit. p. 167. Entretanto, há notícias de decisões possibilitando à autoridade policial decretar o quebramento, como afirma em rodapé MENDONÇA, Andrey Borges de. op. cit. p. 375.

[65] LOPES JR. Aury. op. cit. p. 61.

[66] BIANCHINI, Alice; CUNHA, Rogério Sanches; GOMES, Luiz Flávio; MACIEL, Sílvio; MARQUES, Ivan Luís. Prisão e Medidas Cautelares, 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 139-140.

[67] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit. p. 462-470.

[68] “percepcionando a concessão da liberdade provisória como mera faculdade judicial, podemos arrolar os seguintes autores: Ari Franco, Gilberto Niderauuer Corrêa, Heribaldo Rebello, Mariano Siqueira e Helio Tornaghi” (Cf. COSTA, José Armando da, op. cit. p. 112).

[69] FRANCO, Alberto Silva. op. cit. p. 173.

[70] OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. op. cit. p. 61-70.

[71] PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e constituição, 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 44.

[72] LOPES JR. Aury. op. cit. p. 170.

[73] MENDONÇA, Andrey Borges de. op. cit. p. 396-397.

[74] OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Regimes constitucionais da liberdade provisória. op. cit. p. 144.

[75] MONTEIRO, Antônio Lopes. op. cit. p. 178-179.

[76] SZNICK, Valdir. Liberdade, prisão cautelar e temporária, 2ª ed. São Paulo: Universitária de direito, 1995, p. 212.

Page 267:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

266  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

[77] FRANCO, Alberto Silva, op. cit. p. 685.

[78] Súmula Vinculante nº 26 - Para efeito de progressão de regime no cumprimento de pena por crime hediondo, ou equiparado, o juízo da execução observará a inconstitucionalidade do art. 2º da Lei n. 8.072, de 25 de julho de 1990, sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche, ou não, os requisitos objetivos e subjetivos do benefício, podendo determinar, para tal fim, de modo fundamentado, a realização de exame criminológico. (Cf. BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Disponível em http://www.stf.jus.br. Acesso em: 01/04/2013.

[79] Súmula nº 471 - Os condenados por crimes hediondos ou assemelhados cometidos antes da vigência da Lei n. 11.464/2007 sujeitam-se ao disposto no art. 112 da Lei n. 7.210/1984 (Lei de Execução Penal) para a progressão de regime prisional. (Cf. BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Disponível emhttp://www.stj.jus.br. Acesso em: 01/04/2013.

[80] MONTEIRO, Antônio Lopes. op. cit. p. 179.

[81] COSTA, José Armando da. op. cit. p. 101.

[82] MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet.Curso de Direito Constitucional, 4ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 140-141.

[83] CUNHA JR. Dirley. Curso de Direito Constitucional, 7ª ed. Salvador: Juspodivm, 2013, p.220.

[84] BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 68.514. Paciente: Leonidas Freire da Silva. Impetrante: Nelson Soares de Oliveira. Relator: Ministro Marco Aurélio. Relator para acórdão: Ministro Carlos Velloso. Brasília, 19, mar. 1991. Disponível emhttp://www.stf.jus.br. Acesso em: 09/04/2013.

[85] BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 74.108. Paciente: Fernando Elton Vieira. Impetrante: Joaquim Ribeiro Lorga. Relator: Ministro Francisco Rezek. Brasília, 26, nov. 1996. Disponível emhttp://www.stf.jus.br. Acesso em: 09/04/2013.

[86] BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 80.168. Paciente: Antônio Cristiano Coelho e outro. Impetrante:

Page 268:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        267 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Alexandre Quintino Ribeiro. Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Brasília, 05, set. 2000. Disponível em http://www.stf.jus.br. Acesso em: 10/04/2013.

[87] Art. 21. Os crimes previstos nos arts. 16, 17 e 18 são insuscetíveis de liberdade provisória. (Cf. BRASIL, Lei nº 10.826/2003. Disponível emhttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.826compilado.htm. Acesso em: 10/04/2013.

[88] BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.112-DF. Requerente: Partido Trabalhista do Brasil – PTB e outro. Requerido: Presidente da República e outros. Relator Ministro Ricardo Lewandowski. Brasília, 02, mai. 2007. Disponível em http://www.stf.jus.br. Acesso em: 10/04/2013.

[89] BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 109.236-SP. Paciente: Karian Eula Crawford. Impetrante: Defensoria Pública da União. Relatora Ministra Cármem Lúcia. Brasília, 13, dez. 2011. Disponível em http://www.stf.jus.br. Acesso em: 19/04/2013.

[90] BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 92.469-SP. Paciente: Wilian Cardoso da Silva. Impetrante: Manoel Carlos de Oliveira e outros. Relator: Ministro Ayres Britto. Brasília, 29, abr. 2008. Disponível em http://www.stf.jus.br. Acesso em: 20/04/2013.

[91] BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 110.844-RS. Paciente: Mateus de Souza Brizola. Impetrante: Defensor Público-Geral Federal. Relator: Ministro. Ayres Britto. Brasília, 10, abr. 2012. Disponível em http://www.stf.jus.br. Acesso em: 20/04/2013.

[92] BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 601.384-1-RS. Ministério Público Federal contra Vanderlei Pereira. Relator: Ministro Marco Aurélio. Brasília, 20, ago. 2009. Disponível emhttp://www.stf.jus.br. Acesso em: 23/04/2013.

Page 269:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

268  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

www.conteudojuridico.com.br

A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR ATOS OMISSIVOS E O ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ACERCA DO TEMA

HIGO ARAÚJO BEZERRA: Advogado. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Ceará.

RESUMO: Este trabalho busca analisar o entendimento atual do Supremo Tribunal Federal acerca da reponsabilidade civil do Estado por danos causados por meio de condutas omissivas. O tema desenvolve-se a partir da análise dos pontos mais elementares da responsabilidade civil, transbordando para os âmbitos da responsabilidade estatal, perpassando pelas diversas correntes de pensamento existentes acerca da matéria em questão.

Palavras-chave: Responsabilidade civil do Estado. Condutas omissivas. O entendimento do Supremo Tribunal Federal.

1 INTRODUÇÃO

A obrigação que o ordenamento jurídico brasileiro impõe ao causador de um dano de reparar a esfera jurídica daquele que o sofreu constitui importante instrumento de pacificação social. Nos primórdios das sociedades, não havia um Estado a regular a vida de todos, o que implicava num sistema de vingança privada quando alguém sofria um prejuízo causado por um terceiro.

O surgimento do ente estatal superior, com a consequente implantação de um sistema de regras a serem observadas por todos os membros do corpo social, constitui um marco importante para a história das diversas sociedades, o que implica um caro valor a ser estudado.

O presente trabalho perpassará, longe de qualquer intuito de esgotar o tema, pela evolução do instituto da responsabilidade civil em geral, buscando um enfoque da matéria em torno da responsabilidade do próprio ente estatal, que também deve responder pelas lesões que causa aos administrados.

Page 270:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        269 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Ademais, analisaremos a questão proposta sob a ótica do Supremo Tribunal Federal, cujas decisões são de relevante importância.

2 A RESPONSABILIDADE CIVIL ESTATAL

2.1 Responsabilidade civil: breve histórico, conceito, função e pressupostos.

A responsabilidade civil dirige-se fundamentalmente à restauração de um equilíbrio econômico-patrimonial e/ou moral desfeito em face de uma conduta danosa perpetrada por alguém. “O interesse em restabelecer o equilíbrio violado pelo dano é a fonte geradora da responsabilidade civil.”[1]

Apesar disso, a forma como se buscava a restauração desse equilíbrio não se deu de forma homogênea na história, mostrando-se, muitas vezes, longe do sentido de se restabelecer o status quo ante.

Nos primórdios das comunidades humanas, a responsabilidade civil externava um sentido e direito de vingança, ficando o modo de reparação a um dano sofrido sujeito à justiça privada. Fazer justiça com as próprias mãos era o que imperava na época.

A vingança coletiva era que dominava, marcada pela reação conjunta dos membros da comunidade contra aquele que ofendeu um de seus componentes, posteriormente evoluindo, se é que assim se pode falar, para uma reação individual do ofendido em face de seu agressor, uma vingança privada orientada pela Lei de Talião, a qual pregava a reparação do mal pelo mal, sintetizada na célebre frase “olho por olho, dente por dente”, estando prevista, inclusive, na Lei das XII Tábuas. Ressalte-se que a evolução retratada por alguns doutrinadores, seria a de que com a Lei de Talião, passou a haver uma correspondência entre o dano sofrido e a pena a ser aplicada, que anteriormente não haveria.[2]

Depois desse período, o caminho do ressarcimento pelos danos sofridos passou a ser, de fato, buscado. O sistema de vingança foi substituído pelo da composição dos danos, pois, como bem observa Maria Helena Diniz[3],

Page 271:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

270  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

seria mais conveniente entrar em composição com o autor da ofensa - para que ele reparasse o dano mediante a prestação dapoena (pagamento de certa quantia em dinheiro), a critério da autoridade pública, se o delito fosse público (perpetrado contra direitos relativos à res publica), e do lesado, se se tratasse de delito privado (efetivado contra interesses de particulares) - do que cobrar a retaliação, porque esta não reparava dano algum, ocasionando na verdade duplo dano: o da vítima e o de seu ofensor, depois de punido.

E, é com a edição da lex aquilia de damno,nascedouro da responsabilidade extracontratual, que se passa a consolidar a ideia de reparação pecuniária de danos, na exata medida destes, devendo o patrimônio do devedor suportar sua obrigação reparatória, ainda aparecendo a culpa, pela primeira vez, como fundamento da responsabilidade ressarcitória. A partir desse momento, se o causador do dano não tivesse lesionado de forma culposa, ele estaria isento de responder pelos prejuízos existentes.

Por fim, como outro importante marco histórico na evolução da responsabilidade civil, tem-se o Código Civil napoleônico, que, além de separar a responsabilidade contratual da extracontratual e a civil da penal, cristalizou de vez a ideia de culpa como seu maior fundamento, influenciando o conteúdo do Direito Civil de diversas nações ocidentais.

Com isso, firma-se uma responsabilidade do tipo subjetiva, fundamentada no elemento culpa (conduta culposa) e que, somada aos elementos dano e nexo de causalidade entre a conduta culposa e resultado danoso, forma o conjunto de pressupostos necessários para que a obrigação reparatória possa ser exigida de alguém.

A conduta causadora do dano vem a ser o ato humano voluntário, comissivo ou omissivo, ilícito (baseado na ideia de culpa) e objetivamente imputável ao próprio agente que causou a lesão.[4]

Page 272:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        271 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Já o dano, na atualidade, consiste mais que algo em nível de perda patrimonial, mas também se pode configurar como dano moral, traduzido na violação dos direitos da personalidade, que traz, como consequência, sofrimento psíquico à pessoa: as dores sentimentais, a tristeza, a frustração, tudo isso que abala a tranquilidade do indivíduo, provocando a diminuição no gozo do respectivo direito por ela.[5]

Enquanto isso, o nexo de causalidade consiste no vínculo existente entre a ação e o dano experimentado pelo lesado, sem o que não há falar em responsabilidade. É necessário que o fato lesivo seja oriundo da ação que se tem em vista, ou seja, haja uma relação de causa e efeito.[6]

Ocorre que com a evolução da sociedade, notadamente ao longo do século XX, surgiram inúmeras situações com ampla possibilidade de ocorrência de danos, que, uma vez concretizados, não era possível sua reparação em face da teoria subjetiva, a qual se mostrava ineficaz.

Com a revolução industrial e o progresso científico, diversas máquinas foram inseridas no cotidiano da sociedade, trazendo, por um lado, diversas vantagens, mas, por outro, um grande aumento no número de lesões ocorridas. Com as máquinas nas indústrias, por exemplo, houve um benéfico incremento na economia, entretanto os acidentes de trabalho agravaram-se.

E, foi justamente nessa área, no campo dos acidentes de trabalho, que a teoria da responsabilidade subjetiva inicialmente se apresentou insuficiente. A situação do trabalhador era de completo desamparo, na medida em que era grande a dificuldade dele, quando não impossível, de provar qualquer espécie de culpa do seu patrão em face do dano que havia sofrido.

Situação semelhante também aconteceu no caso de lesões ocorridas em sede de transportes ferroviários. Com o incremento desse meio de transporte, aumentou o número de acidentes, ficando as vítimas em situação complicada, pois a prova da culpa do transportador em face de um acidente sofrido a centenas de quilômetros dos familiares da vítima, no caso de morte,

Page 273:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

272  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

por exemplo, tornava praticamente impossível a sua demonstração.[7]

Com efeito, foram essas e diversas outras situações de amplo desamparo àqueles que sofreram danos ocasionados por outrem, que levaram à necessidade de revisar a ideia da culpa como único fundamento da responsabilidade civil. A teoria da responsabilidade subjetiva mostrava-se ineficiente para cobrir as novas situações que o progresso social fez surgir, fazendo com que diversas pessoas que sofreram lesão ficassem sem ter seus danos reparados ante a ampla dificuldade de demonstrar a culpa daquele que causou o resultado lesivo.

Diante desse contexto, desenvolveu-se a teoria da responsabilidade objetiva, a qual prega que independe da apreciação do elemento culpa, que pode estar presente ou não, para que haja responsabilização em face de danos ocorridos em determinadas circunstâncias.

Deixando de lado a questão da culpa, a responsabilidade objetiva adota como fundamento a teoria do risco, de origem francesa, a qual preconiza, em suma, que aquele que exercer atividade perigosa (alta probabilidade de causar um dano), deve assumir os riscos e os danos deles eventualmente decorrentes, independentemente de tê-los causado culposamente ou não.

E, que fique claro, a periculosidade deve resultar da atividade exercida, e não do comportamento do agente, sendo atividade perigosa aquela que contém expressa potencialidade lesiva em relação à média das demais, revelada, por exemplo, por critérios técnicos e estatísticos: produção de energia elétrica, exploração de minas e transportes aéreos, marítimos e terrestres.[8]

José Cretella Júnior[9] ilustra muito bem a diferença entre os fundamentos da responsabilidade objetiva e o da subjetiva:

enquanto a culpa é vinculada ao homem, o risco é ligado ao serviço, à empresa, à coisa, ao aparelhamento. A culpa é pessoal, subjetiva; pressupõe o complexo de operações do espírito humano, de ações e reações, de iniciativas e inibições, de providências e inércias. O risco

Page 274:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        273 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

ultrapassa o círculo das possibilidades humanas para filiar-se ao engenho, à maquina, à coisa, pelo caráter impessoal e o objetivo que o caracteriza

Tendo isso em vista, tem-se que os pressupostos da responsabilidade objetiva apresentam-se idênticos aos da subjetiva, salvo a necessidade de comprovação da conduta culposa do agente causador do dano. Destarte, para aquele que sofreu o dano, basta demonstrar que determinada conduta do lesante deu causa a um dano que se alega, independentemente de apurar se aquele agiu de forma culposa ou não.

Destaque-se que o ordenamento jurídico brasileiro acolhe ambas as teorias, como se pode apreender da análise do art. 927 do Código Civil atual:

927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187)[10], causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único: Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

E, o art. 932, por exemplo, traz um rol de situações onde a responsabilidade objetiva se aplica, como no caso dos pais pelos danos causados pelosfilhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia e no dos empregadores, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele.

Destaque-se que o que é objetiva é a responsabilidade dos pais, e não a dos filhos menores pelos quais respondem. Para que aqueles possam ser responsabilizados, é necessária a prova de que a conduta do filho foi culposa. Esse entendimento também se aplica às demais situações previstas no artigo supramencionado.[11]

Page 275:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

274  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Por último, diante do que foi apresentado, pode-se conceituar a responsabilidade civil como sendo o dever jurídico de reparar prejuízo causado a terceiros, como decorrência de conduta voluntária culposa própria, ou independentemente de culpa, ainda que causado por terceiros, nos casos previstos em lei, ou quando a atividade desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. Tudo isso com fim de restabelecer o equilíbrio patrimonial e/ou moral abalado entre o agente causador do dano e o lesado.

2.2 Responsabilidade civil extracontratual do Estado: origens e contemporaneidade

O Estado, como pessoa jurídica que é, também pode causar danos a outrem por meio dos inúmeros atos praticados por seus agentes. E, com a consolidação do Estado de Direito, o Poder Público também passou a estar sob a égide da ordem jurídica, devendo, dessa forma, responder pelas consequências de suas condutas, conforme as regras estabelecidas no Direito.

Destarte, a responsabilidade civil extracontratual do Estado traduz-se justamente na obrigação que lhe atribui o dever de reparar economicamente os atos danosos que praticou por meio de seus servidores, lesando a esfera juridicamente garantida de outrem, via algum comportamento unilateral comissivo ou omissivo.[12]

O fato é que o Poder Público nem sempre foi responsabilizado civilmente pelos danos que seus prepostos acarretam. Houve uma longa evolução do tema, saindo de uma situação de total irresponsabilidade para outra em que sua responsabilização independe do elemento culpa, ou seja, uma responsabilidade do tipo objetiva.

Durante muito tempo, o princípio da irresponsabilidade estatal predominou, notadamente no período dos Estados Absolutistas. Confundindo-se com o próprio Estado, o Rei governava soberanamente, estando acima de seus súditos, além de apresentar-se intangível e como ente todo poderoso acima do Direito. As frases “The king can do no wrong” (o rei não erra) e “L’État c’est moi” (o Estado sou eu) demonstram bem o pensamento

Page 276:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        275 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

do período. A única responsabilização que poderia haver seria a do funcionário causador do dano, que não se confundia com a pessoa do Estado, devendo, ainda, ser provada a conduta culposa daquele, como de qualquer outro particular, para uma possível responsabilização.

Diante dessa clara situação de injustiça, a teoria da irresponsabilidade estatal passou a ser combatida. E, isso ocorreu de forma mais incisiva com o estabelecimento do Estado de Direito. Nessa circunstância, todas as pessoas devem submeter-se ao ordenamento jurídico posto, inclusive o próprio Poder Público. Assim, a responsabilização estatal nada mais seria que mera consequência dessa submissão.

A primeira teoria que marcou o início desse novo período foi a teoria civilista da culpa, pois a responsabilidade civil atribuída ao Poder Público apoiava-se nos princípios do Direito Civil (privado), com base na culpa.

Entretanto, como bem ressalta José dos Santos Carvalho Filho[13],

(...) procurava distinguir-se, para esse fim, dois tipos de atitude estatal: os atos de império e os atos de gestão. Aqueles seriam coercitivos porque decorrem do poder soberano do Estado, ao passo que estes mais se aproximariam com os atos de direito privado. Se o Estado produzisse um ato de gestão, poderia ser civilmente responsabilizado, mas se fosse a hipótese de ato de império não haveria responsabilização, pois que o fato seria regido pelas normas tradicionais de direito público, sempre protetivas da figura estatal.

Criticada, por exemplo, por não se aceitar a divisão da personalidade do Estado, essa concepção de duplicidade dos atos estatais foi abandonada, mas não a ideia de uma responsabilidade baseada na culpa, que, frise-se, deveria marcar a conduta de um agente público determinado. Para que pudesse haver a responsabilização do Poder Público, era necessário que aquele que

Page 277:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

276  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

sofreu o dano provasse que a conduta causadora da lesão por parte do agente público se deu de forma culposa. Destarte, era uma responsabilidade do tipo subjetiva. E, destaque-se, a identificação do causador da lesão era imprescindível para a caracterização do dever de reparação estatal.

Posteriormente, o pensamento evoluiu, e passou a entender-se que a responsabilidade civil estatal não deveria ser regida pelos princípios orientadores do Código Civil. Seja do ponto de vista de que ao Estado se possibilita o uso normal da força ou seja em razão de seu constante, amplo e variadíssimo modo de contato com os administrados, do qual decorre uma incontestável alta probabilidade de causar prejuízos em larga escala, “certo é que a responsabilidade estatal por danos há de possuir fisionomia própria, que reflita a singularidade de sua posição jurídica”, na medida em que, sem isto, a proteção dos interesses e bens dos particulares em face das condutas danosas do Poder Público mostrar-se-ia insuficiente.[14]

Assim, surgem as teorias publicistas de responsabilidade do Estado, tendo como pioneira a teoria de origem francesa da faute de service, que significa culpa do serviço.[15]

Essa teoria, que também é conhecida como culpa do serviço, conforme se extrai dessa própria nomenclatura, constitui-se também numa concepção de responsabilidade estatal fundada na culpa, porém não mais vinculada ao agente causador do dano, mas no serviço como um todo.

A faute de service prega uma ideia de culpa anônima do serviço público, independentemente da identificação do agente que agiu mal, causando um dano. Para ela, quem funcionou mal foi o serviço, logo, havendo algum dano ocasionado em decorrência de seu mau funcionamento, o Poder Público deve responder, não se cogitando qualquer apreciação de culpa do agente público causador da lesão.

E, essa culpa do serviço pode caracterizar-se quando o serviço não funciona (omissão), funciona mal ou funciona de forma retardada. Cabe, destarte, àquela pessoa que sofreu uma lesão em razão de um desses fatores, apenas comprovar a não prestação, a

Page 278:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        277 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

má prestação ou a prestação de forma retardada de algum serviço público que o Estado estava obrigado a prestar, sem necessidade de identificação nominal de agente algum responsável, para que o ente estatal responda pelo dano ocasionado. Em suma, o dever de indenizar decorre da falta do serviço, e não do servidor.[16]

A última grande evolução do pensamento relacionado à questão da responsabilidade civil do Estado se deu com o desenvolvimento da teoria da responsabilidade objetiva.

Com fundamento na teoria do risco, que nesse caso especifica-se na do risco administrativo, a qual prega a ideia de que naturalmente a atuação estatal gera risco de dano para os administrados, a doutrina dessa espécie de responsabilidade estatal parte da premissa de que como as benesses geradas pela atuação do Poder Público devem ser repartidas entre todos os membros da coletividade, os danos eventualmente ocasionados a algum administrado em razão dessa mesma atuação também devem ser repartidos.[17]

Com efeito, esse pensamento consagra o princípio da igualdade de todos os membros da sociedade perante os encargos sociais. “Quando uma pessoa sofre um ônus maior que o suportado pelas demais, rompe-se o equilíbrio que necessariamente deve haver entre os encargos sociais (...)”. Assim, o Estado, utilizando-se de recursos do erário, deve indenizar essa pessoa para que o equilíbrio rompido restabeleça-se.[18]

Sujeito econômico, jurídico e politicamente mais poderoso que os administrados, que se encontram em posição de subordinação, o Estado gozava de grande vantagem em face daqueles, os quais encontravam grandes dificuldades em provar a culpa do ente governamental que lhe causou um dano, ainda que anônima, tornando extremamente difícil a obtenção do direito à reparação do dano por aquele que o sofreu.

Diante dessa circunstância, passou-se a entender que, como o ente estatal goza de uma série de poderes para o exercício de suas inúmeras atividades, ele deveria suportar um maior risco em razão deles. Esse é o fundamento da teoria do risco, que, como já foi dito, resume-se no pensamento de que aquele que aproveita

Page 279:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

278  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

os bônus de sua atividade deve suportar os riscos que o exercício dela traz.

Assim, para a configuração da responsabilidade objetiva do Poder Público, basta àquele que sofreu um dano decorrente de um comportamento estatal demonstrar o nexo causal existente entre esse e a lesão que sofreu, independente daquele ato ser culposo ou não, ou, por outro viés, lícito ou ilícito. “Nesta teoria, a ideia de culpa é substituída pela de nexo de causalidade entre o funcionamento do serviço público e o prejuízo sofrido pelo administrado”. Que funcione bem ou mal, regular ou irregular, se em razão de um comportamento do Poder Público decorrer um dano, este deverá ser reparado por aquele.[19]

Porém, abra-se um parêntese, quando se trata dos atos lícitos acima citados, observe-se que não são prejuízos acarretados por qualquer ato dessa espécie, como aqueles autorizados pelo ordenamento, citando-se, por exemplo, os casos de desapropriação de imóveis por utilidade pública, que desencadeiam a obrigação do Poder Público de repará-los. O valor pago pelo Estado ao desapropriado, tendo em vista o exemplo citado, não é a título de responsabilização civil por violação a direito desse, mas sim como obrigação em razão de um legítimo exercício do poder estatal no sentido de trazer um maior bem estar social.

Pelo contrário, os atos lícitos envolvidos no âmbito do tema aqui tratado referem-se àqueles cuja finalidade não se volta diretamente a suprimir direito de outrem via conduta amparada pela lei, mas que, a despeito de ser praticado tendo em vista a satisfação do interesse público, princípio orientador de toda a atividade da Administração, acarreta indiretamente, como simples consequência, prejuízo a um administrado específico, e que não se mostra legítimo suportar.

Exemplo disso é o caso de interdição de rua por diversos meses para sua duplicação, prejudicando consideravelmente a rentabilidade de comércio ali localizado. Atenta contra o mais singelo sentimento de justiça aceitar que esse específico empresário suporte prejuízo em razão de atividade exercida pelo

Page 280:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        279 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Poder Público em proveito de toda a sociedade, que seria a melhoria do trânsito no local.[20]

Ademais, não é qualquer dano ocasionado pelo ato lícito acima especificado que gerará o dever indenizatório por parte do Estado, mas somente aquele que seja anormal, consistente no que “supera os inconvenientes normais da vida em sociedade, decorrentes da atuação estatal”.[21] Exemplifique-se: a poeira que excede um pouco a normalidade, sujando determinado estabelecimento comercial em razão da troca do pavimento da rua onde ele se localiza não é, por si só, causa o bastante para se exigir do Estado um valor indenizatório.

O ordenamento jurídico brasileiro consagra a responsabilidade objetiva em face das condutas lesivas do Estado, conforme consagra o parágrafo 6° do art. 37 da Constituição Federal de 1988:

As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Ressalte-se, contudo, que a responsabilidade objetiva estatal, fundada na teoria do risco administrativo, que impõe ao Estado, como já dito, o dever de responder pelos riscos criados em razão de suas atividades, admite que essa obrigação seja afastada, quando o Poder Público comprove a exclusão do nexo causal por meio de uma das hipóteses admitidas: fato exclusivo da vítima, caso fortuito, força maior e fato exclusivo de terceiro. Destarte, não há falar em confusão com a teoria do risco integral, a qual se mostra como espécie radical da teoria do risco, justificando o dever de indenizar mesmo nos casos em que o nexo causal esteja quebrado.[22]

Por fim, como se sabe, o Estado também pode causar danos por meio de condutas omissivas. Permanecendo inerte no dever de cumprir algumas de suas obrigações, o Poder Público pode contribuir para a ocorrência de diversos danos aos

Page 281:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

280  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

administrados. Ocorre que sempre houve uma grande celeuma doutrinária e jurisprudencial em torno de que tipo de responsabilidade seria aplicada em face dessas condutas. No tópico que segue, será exposto o entendimento mais recente do Supremo Tribunal acerca do tema, com todas as suas nuances.

3 RESPONSABILIDADE POR OMISSÃO DO ESTADO: OBJETIVA OU SUBJETIVA? O ENTENDIMENTO DA CORTE SUPREMA BRASILEIRA

Conforme já dito, por meio de atos tanto comissivos quanto omissivos, o Estado pode causar uma série de danos aos administrados, tendo o dever de repará-los. E, como alhures mencionado, o art. 37, §6° da Constituição Federal de 1988 consagrou a chamada responsabilidade objetiva estatal, fundada na teoria do risco, com o intuito de assegurar uma maior efetividade com relação ao dever reparatório do Poder Público.

Apesar disso, surgiu a dúvida em torno do âmbito de abrangência da citada teoria: se ela teria aplicação a atos comissivos e omissivos ou apenas a comissivos, na medida em que o próprio texto do dispositivo constitucional não deixaria isso bem claro.

Grandes doutrinadores, como Celso Antônio Bandeira de Mello, passaram a entender que, como os danos ocorridos em face de condutas omissivas estatais não são causados diretamente por seus agentes, impor ao Estado o ônus de responder de forma objetiva seria transformá-lo em um garantidor universal.

Ora, “se o Estado não agiu, não pode, logicamente, ser ele o autor do dano. E, se não foi o autor, só cabe responsabilizá-lo caso esteja obrigado a impedir o dano.”[23] Obrigação esta que adviria de imposição legal. Assim, em razão de uma conduta dolosa no sentido de descumprir uma norma, ou de negligência, imprudência ou imperícia, é que adviria dano capaz de ensejar a responsabilização do Estado.

Destarte, o comportamento seria necessariamente ilícito. E, assim entende o retromencionado doutrinador:

Page 282:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        281 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

(...) sendo responsabilidade por ilícito, é necessariamente subjetiva, pois não há conduta ilícita do Estado (embora do particular possa haver) que não seja proveniente de negligência, imprudência ou imperícia (culpa) ou, então, deliberado propósito de violar a norma que o constituía em dada obrigação (dolo) Culpa e dolo são justamente as modalidades de responsabilidade subjetiva.[24]

Maria Sylvia Zanella Di Pietro, vai ao encontro desse entendimento, também se filiando à corrente daqueles que entendem ser a teoria da responsabilidade subjetiva por culpa do serviço a que deve ser aplicada nos casos de condutas omissivas do Poder Público.

Para ela, nos casos de condutas omissivas do Estado, os danos que ocorrem são causados por fenômenos da natureza ou fatos de terceiros, mas que poderiam ter sido evitados ou abrandados se o poder Público tivesse cumprido sua obrigação legal, ou seja, quando deveria agir foi omisso. E, a culpa estaria inserida na ideia de omissão, violadora de um dever normativo. Assim, “enquanto no caso de atos comissivos a responsabilidade incide nas hipóteses de atos lícitos ou ilícitos, a omissão tem que ser ilícita para acarretar a responsabilidade do Estado.”[25]

Por outro lado, há aqueles que defendem que a responsabilidade civil por omissão do Estado deve também enquadrar-se no âmbito da responsabilidade objetiva, pois o dispositivo constitucional em comento não estabelecera restrição alguma a determinado tipo de conduta estatal. Entendimento diverso faria com que a tarefa de imputar ao Estado suas responsabilidades se tornasse algo extremamente difícil, na medida em que, se para provar condutas comissivas do Poder Público é complicado, imagine-se uma omissão.

Page 283:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

282  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

O doutrinador Hely Lopes Meirelles, por exemplo, posiciona-se pela corrente de que a responsabilidade objetiva do Estado é voltada tanto para atos comissivos quanto para omissivos, indistintamente: “o essencial é que o agente da Administração haja praticado o ato ou a omissão administrativa na qualidade de agente público.”[26]

Além desses entendimentos, há ainda aqueles que defendem um posicionamento intermediário, firmando que, de fato, responsabilizar objetivamente e de forma indistinta o Estado por danos decorrentes de toda e qualquer omissão sua não seria razoável, entretanto haveria determinados comportamentos omissivos, que, por sua especificidade, dever-se-ia aplicar a teoria da responsabilidade objetiva no caso onde decorra algum dano.

Dividiu-se, então, a conduta omissiva em duas espécies: omissões genéricas e omissões específicas. Estas, estariam caracterizadas quando o comportamento omissivo do Poder Público criasse a situação propícia para o acontecimento do evento danoso a que aquele estava obrigado, por determinação legal, a impedir, ou seja, quando a conduta estatal influísse de forma direta e imediata no resultado lesivo. Assim, havendo a obrigação de agir por parte do Estado para se evitar o dano, aplicar-se-ia a responsabilidade objetiva.[27] Caso contrário, não havendo essa obrigação legal, caracterizará omissão genérica, com aplicação da responsabilidade subjetiva, devendo-se apurar a culpa administrativa.

Utilizando alguns exemplos trazidos pelo doutrinador Sérgio Cavalieri Filho, podemos citar o caso em que veículo muito velho, não apresentando mais condições de circular com segurança no trânsito, provoca acidente em razão de falta de luz na traseira. A Administração não poderia sofrer nenhum tipo de responsabilização objetiva pelo simples fato de o veículo ainda estar circulando, pois seria caso de omissão genérica. Entretanto, por outro viés, caso, naquelas circunstâncias, o veículo tenha passado por posto de fiscalização, sendo liberado, ou tenha sido aprovado em recente vistoria técnica, seria caso de omissão específica.[28]

Page 284:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        283 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Assim, em caso de omissão genérica, aplicar-se-ia a responsabilidade subjetiva, cabendo àquele que sofreu o dano demonstrar a existência do mesmo e o nexo de causalidade entre ele e uma conduta omissiva culposa do Estado. Já no caso de omissão específica, a teoria da responsabilidade objetiva é que deveria ser aplicada, cabendo, pelo contrário, ao Estado o ônus de comprovar a inexistência de nexo causal ou causa de excludente de responsabilidade entre o dano alegado pelo lesado e a suposta conduta omissiva do estatal.

E, tendo em vista essas três correntes apresentadas, constata-se que o Judiciário vem aplicando, cada vez mais, o entendimento daqueles que defendem a distinção entre omissão genérica e específica para enquadrar a conduta numa das espécies de responsabilização. No julgado que segue, o tribunal de Justiça do Rio de Janeiro entendeu que conduta omissiva do Estado em face daqueles que habitam em áreas de risco configura-se como do tipo específica, aplicando-se a responsabilização de forma objetiva, conforme expresso adiante:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. Responsabilidade civil do Município. Danos moral e material. Ocorrência de fortes chuvas, com deslizamento de encosta de morro e desmoronamento de imóvel da parte autora. Fato notório e previsível na região. Preliminar de prescrição. Análise e afastamento em decisão saneadora irrecorrida.Artigo 37, §6º da Constituição Federal. Adoção da Teoria Objetiva, segundo a qual bastam a existência de uma conduta Estatal, o dano e o nexo de causalidade entre eles para configurar o dever de reparação por parte do Estado, sem que haja necessidade de se averiguar o atuar culposo. Situação que revela conduta omissiva, de natureza específica, por parte do Poder Público que, muito embora tivesse prévio conhecimento da área de risco,

Page 285:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

284  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

negligenciou no dever de agir para impedir o evento. Obras de contenção, drenagem e escoamento de água na área afetada. Falta do serviço. Dever de indenizar. Jurisprudência predominante deste Tribunal. Não caracterizada a alegada causa excludente de responsabilidade (força maior). Recurso voluntário do Município. Sentença de procedência parcial. Manutenção. Desprovimento do recurso.[29](Grifo Nosso)

O Supremo Tribunal Federal, órgão de cúpula no Judiciário brasileiro, vem decidindo no sentido desse último entendimento, o qual diferencia as condutas omissivas em genéricas e específicas:

EMENTA: Agravo regimental. - Sendo certo que não se pode admitir responsabilidade objetiva genérica do Estado, por omissão, quanto a todos os crimes ocorridos na sociedade, no caso, para se chegar a conclusão contrária à que chegou o acórdão recorrido, seria mister reexaminar os fatos da causa para se verificar se existiu, ou não, na hipótese sob julgamento , o nexo de causalidade negado pelo acórdão recorrido, por não ter havido falha específica da Administração, mas, sim, dolo de terceiros, não sendo cabível para isso o recurso extraordinário. Agravo a que se nega provimento. (Grifo Nosso)[30]

Inclusive, em decisão recente, no ano de 2015, o plenário, de forma unânime, reiterou esse entendimento, consoante expresso no julgado que segue:

Agravo regimental nos embargos de divergência do agravo regimental no recurso extraordinário. 2. Direito Administrativo. 3. Responsabilidade civil do Estado por omissão. Teoria do Risco Administrativo. Art. 37, § 6º, da Constituição. Pressupostos

Page 286:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        285 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

necessários à sua configuração. Demonstração da conduta, do dano e do nexo causal entre eles. 4. Omissão específica não demonstrada. Ausência de nexo de causalidade entre a suposta falta do serviço e o dano sofrido. Necessidade do revolvimento do conjunto fático probatório dos autos. Incidência da Súmula 279/STF. 5. Agravo regimental a que se nega provimento.(Grifo Nosso)[31]

Percebe-se, assim, que, diante dos recentes posicionamentos de nossa Corte Maior, a posição tomada nesta última decisão parece ser a que será seguida pela atual composição do Supremo. Frise-se, por outro lado, que a doutrina majoritária e o Superior Tribunal de Justiça ainda seguem majoritariamente o entendimento de uma responsabilização subjetiva frente a condutas omissivas por parte do Estado, sem distinguir as espécies de omissão, o que ainda traz certa insegurança na seara jurídica.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

À luz de tudo o que foi dito, vê-se que o Estado, com todas as suas prerrogativas, atualmente responde de forma objetiva pelos danos que seus agentes causam atuando em nome dele. Apesar disso, ainda há divergências, tanto em sede doutrinária quanto jurisprudencial, no que tange à aplicação da teoria objetiva em face dos danos decorrentes de condutas omissivas.

Dos diversos posicionamentos alhures apresentados acerca desse ponto de divergência, entendo que aquele que diferencia as condutas omissivas estatais em genéricas e específicas, para, a partir daí, estabelecer qual teoria de responsabilidade civil se aplica ao caso, se objetiva ou subjetiva, é o mais coerente.

De fato, fazer com que o Poder Público respondesse objetivamente pelos diversos danos existentes a que se atribuísse omissão sua, poderia levar a alguns absurdos, transformando o Estado, muitas vezes, em um segurador geral. Como no caso de danos em razão de omissões não são causados diretamente pelas mãos dos agentes estatais, não seria razoável atribuir a ele o ônus

Page 287:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

286  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

de responder de forma objetiva por um dano em que não houve a participação direta do Poder Público.

Entretanto, nos casos em que haja o dever específico de o ente estatal evitar a ocorrência do evento danoso, quando de sua conduta omissiva resulte de forma direta e imediata o dano ocorrido, aí sim, não há razão suficiente para querer afastar a teoria da responsabilidade objetiva, quando nem mesmo a Constituição o fez.

REFERÊNCIAS

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 21a Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.

CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 9a Ed. São Paulo: Atlas S.A, 2010.

CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à Constituição Brasileira de 1988. v. 2 Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 21a ed. São Paulo: Atlas, 2008.

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 22a Ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 29ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004.

___________, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. 15ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 26a Ed. São Paulo: Malheiros, 2009.

RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil. 3a Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007.

NOTAS:

[1]DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 22a Ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 05.

Page 288:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        287 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

[2]RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil. 3a Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 33.

[3]DINIZ, Maria Helena. op. cit., p. 11.

[4]Idem Ibidem, p. 37.

[5]RIZZARDO, Arnaldo. op. cit., p. 18/19.

[6]DINIZ, Maria Helena. op. cit., p. 108.

[7]CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 9a Ed. São Paulo: Atlas S.A, 2010, p. 141.

[8]DINIZ, Maria Helena. op. cit., p. 51

[9]CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à Constituição Brasileira de 1988. v. 2 Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, p. 1019.

[10]Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. - Art.187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

[11]CAVALIERI FILHO, Sérgio. op. cit., p.193

[12]MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 26a Ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 983

[13]CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 21a Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 522.

[14]MELLO, Celso Antônio Bandeira de. op. cit., p. 987.

[15]Embora muitos autores e inclusive parte da jurisprudência traduza faute de service como “falta de serviço”, esta não é a melhor tradução, podendo levar à má compreensão da teoria. Faute em língua francesa quer dizer culpa: la faute a quelqu’um, ou seja, a culpa de alguém. Assim, a melhor tradução, por nós optada, é culpa do serviço, ou culpa pelo serviço. A falta pode não ser a ausência de um serviço por parte do Estado, mas da sua má ou insatisfatória

Page 289:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

288  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

execução. Quisesse significar apenas falta no sentido lexical português, o nome do instituto, na língua de Molière, seria antes le manque de service.

[16]CAVALIERI FILHO, Sérgio. op. cit., p. 241.

[17]DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 21a ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 610.

[18]Idem Ibidem, p. 610.

[19]Idem Ibidem, p. 610.

[20]MELLO, Celso Antônio Bandeira de. op. cit., p. 985/986.

[21]DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. op. cit., p. 610.

[22]CAVALIERI FILHO, Sérgio. op. cit., p. 243/244

[23]MELLO, Celso Antônio Bandeira de. op. cit., p. 1003.

[24]Idem Ibidem, p. 1003.

[25]DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. op. cit., p. 619

[26]MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 29ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 630

[27]CAVALIERI FILHO, Sérgio. op. cit., p. 252.

[28]Idem Ibidem, p. 252.

[29]BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. RJ – APL/Reexame necessário - Proc. 0011954-05.2006.8.19.0042 . – Relator: Desembargador Roberto Felinto. Rio de Janeiro, Julgamento: 31/08/2010

[30]BRASIL. Supremo tribunal Federal - AI-AgR 350074 – Relator: Ministro Moreira Alves. DJu 3/5/2002

[31]BRASIL. Supremo Tribunal Federal - AgR. nos Emb. Div. no AgR. no Recurso Extraordinário n. 677.139 – Relator: Ministro Gilmar Mendes. DJu 22/10/2015

Page 290:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        289 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

  www.conteudojuridico.com.br 

A RAZOABILIDADE NAS RELAÇÕES DE EMPREGO E SUAS IMPLICAÇÕES

JAMILLE COUTINHO COSTA: Advogada. Pós-graduada em Direito do Estado.

RESUMO: A necessidade de artigos que analisem a importância da utilização da razoabilidade no âmbito laboral, justifica-se pela relevância teórica, operativa e social. Após uma série de lutas políticas, sociais e econômicas foi promulgada a Constituição de 1988. Além de destinar todo um capítulo aos direitos sociais e da cidadania, esta também inaugurou uma nova era, de valorização dos direitos da personalidade. O contrato de trabalho, mesmo na fase pré-contratual deve ter como máxima a dignidade da pessoa humana, pautando-se na razoabilidade as condutas adotadas pelos empregadores. Por isso, será objeto de estudo a interpretação do que é ou não razoável de acordo com os conceitos trazidos pela doutrina e jurisprudência.

Palavras-chave: razoabilidade; dignidade da pessoa humana; contrato de trabalho.

1. INTRODUÇÃO

O presente artigo tem como objetivos primordiais analisar se essas discriminações constantes feitas por empregadores são ou não razoáveis, e qual o parâmetro deve ser utilizado para realizar uma discriminação.

O interesse pela temática se deu em razão da necessidade em atribuir um vetor como a razoabilidade nas contratações

Page 291:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

290  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

trabalhistas e também de criar mecanismos legítimos para que os empregadores possam adotar como forma de contratação.

O interesse pela temática se deu pelos constantes julgados dos Tribunais do Trabalho, que se variam seus posicionamentos conforme o caso concreto, ou seja, não há uma “fórmula mágica” em dizer o que é ou não discriminação, por isso, se viu necessário analisar qual é o parâmetro que deve ser utilizado nos casos concretos.

A priori será feito algumas considerações acerca do contrato de trabalho, os princípios que norteiam e asseguram as relações laborais de forma legítima. Em seguida, adentrará no foco do trabalho, qual seja, a razoabilidade.

2. O CONTRATO DE TRABALHO

O contrato, de maneira geral, representa o negócio jurídico bilateral, do qual os contratantes se obrigam a adquirir, modificar ou extinguir direitos, regulando os efeitos do ajuste.

Já o contrato de trabalho é definido como:

É o pacto, expresso ou tácito, verbal ou escrito, pelo qual o empregado, pessoa física, compromete-se a prestar serviços não eventuais e subordinados e o empregador a pagar a retribuição respectiva, seja esta convencionada ou imposta pela lei. Pelo contrato de trabalho, o empregado transfere ao empregador a propriedade do produto do seu trabalho (alteridade). Durante a execução do pacto laboral, o empregador é quem dirige a prestação de serviço (subordinação jurídica) e assume os riscos da atividade econômica. (CAIRO JUNIOR, 2013, p. 202)

É necessário salientar que no direito laboral não prevalece o princípio da autonomia da vontade como nos contratos regulados

Page 292:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        291 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

pelo Direito Civil, a não ser que a vontade seja utilizada para convencionar condições mais dignas. Aqui no direito do trabalho, objeto desse artigo, o empregado é tratado de forma desigual para o alcance da isonomia material.

O fato da não aplicação do aludido princípio nas relações de trabalho se justifica pelo fato de que perceberam que dentro dos contratos o obreiro não manifestava, de forma livre, sem coações, a sua verdadeira vontade em decorrência das pressões econômicas da época em que estavam inseridos, como o desemprego e a necessidade de sustentar a própria família. Em decorrência disso, os trabalhadores se sujeitavam a jornadas de trabalho exorbitantes, salários indignos, não havia proteção no que tange ao trabalho do menor.

Diante disto, surgiu a necessidade de proteção, que de certa forma foi influenciada pelas grandes manifestações dos operários em face das indústrias que só exploravam a classe operária, e inseriu pela primeira vez no ordenamento jurídico, uma Constituição que se preocupava com os direitos trabalhistas, a Constituição Mexicana de 1917, chamada de“Constitución Politica de los Estados Unidos Mexicanos”. Foi à primeira Constituição da História a incluir os chamados direitos sociais, dois anos antes da Constituição de Weimar de 1919.

Trata-se de um documento anticlerical e liberal, incluindo medidas relativas ao trabalho e à proteção social, bastante radical para a época. Reflete também as diferentes tendências manifestadas antes e durante a Revolução Mexicana, como o anticlericalismo, sensibilidade social e nacionalismo.

Vale destacar que anunciou leis sociais como: jornada de oito horas, direito de associação sindical, direito à greve, salário mínimo, limitação do trabalho feminino e infantil, a exemplo:

Artigo 2º — Como primeiro passo para a transferências completa das fábricas, das usinas, das minas, das ferrovias e de outros

Page 293:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

292  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

meios de produção e de transporte para a propriedade da República operária e camponesa dos Sovietes, o Congresso ratifica a lei soviética sobre a administração operária e sobre o Conselho Superior da Economia Nacional, com o objetivo de assegurar p poder dos trabalhadores sobre os exploradores.

Artigo 3º — O Congresso ratifica a transferência de todos os bancos para o Estado operário e camponês como uma das condições de libertação das massas laboriosas do jugo do capital.

Outras revoluções a exemplo das Revoluções Industriais foram primordiais para alcançar condições humanas de trabalho, e para isso, perceberam a necessidade de estabelecer desigualdades jurídicas dentro do contrato, criando um direito parcial, onde o empregado deveria ser quase sempre tratado como se fosse um relativamente incapaz e por vezes até absolutamente.

No Brasil, a Consolidação das Leis do Trabalho, em seu artigo 442, traz um conceito de contrato de trabalho bem criticado pela doutrina, já que nada define: “Contrato individual de trabalho é acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego”.

O conceito nitidamente confunde a relação de trabalho com a relação de emprego, que são situações completamente diferentes. O contrato de trabalho é gênero do qual o contrato de emprego é espécie, portanto, dentro do contrato de trabalho estão abarcadas outras relações, como a relação de trabalho autônomo e todas as outras de trabalho subordinado, tais como o avulso, portuário, eventual, aprendiz, empregado doméstico, trabalhador rural, estagiário e o trabalho voluntário.

No que tange a forma de estipulação do contrato, objeto de interesse por este trabalho, o artigo 444 da CLT, in verbis, “As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre

Page 294:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        293 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

estipulação das partes interessadas sem tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhe sejam aplicáveis e as decisões das autoridades competentes”.

Pedro Paulo Texeira Manus elucida que:

Quanto à liberdade de contratação, o legislador limitou a autonomia da vontade das partes, de modo a proibir que sejam ajustadas condições contratuais menos favoráveis ao mínimo consagrado pela lei, facultando, porém, qualquer ajuste em condições favoráveis ao empregado, que é considerado a parte mais fraca dessa relação. (MANUS, 2001, P.65)

A estética e a discriminação fazem parte do comportamento humano, portanto, “não haveria como estudar o contrato de trabalho se não fosse pela liberdade de contratação e autonomia de vontade das partes” (MARQUES, 2002, p. 27)

Ao analisar os sujeitos da relação de emprego, ou seja, empregado e empregador, no que tange ao tratamento de possuem dentro do contrato, frise-se que no direito laboral nasce com a ideia de desigualdade, com o objetivo de compensar a situação de hipossuficiência do empregado dentro desse contrato.

Carmem Lúcia Antunes Rocha menciona:

Por isto, o tratamento parificado das partes processuais (...) passa a ter um novo balizamento jurídico no Direito do Trabalho. Ambas são as partes, sim, mas o relevo não é mais para o dado processual que deixa empregado e empregador serem considerados iguais, mas para a questão econômica, que os deixa desigualados inclusive como partes, pela

Page 295:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

294  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

possibilidade diferenciada de ambos. (ROCHA, 1990, p.39)

É válido esclarecer que tal situação não fere os princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana, já que os sujeitos da relação de emprego devem cumprir as obrigações do contrato. O contrato de emprego gera para o empregador, a obrigação principal de pagar os salários, e para o empregado a obrigação principal de dispor sua energia ao empregador.

Além disso, é válido ressaltar que o empregador possui poder de direção, que obviamente deve sempre ser pautado dentro dos limites, senão pode ser considerado abuso de direito.

Sergio Torres Teixeira esclarece a desigualdade existente entre os sujeitos do contrato de trabalho regido pela relação de emprego:

Igualdade de tratamento na seara da relação de emprego, assim, não significa tratar de forma idêntica o empregado e o empregador. Os dois agentes do contrato individual de trabalho são, manifestamente, desiguais. Formal e materialmente. O empregado recebe um tratamento especial por parte do legislador, sendo beneficiado por mecanismos visando compensar a sua inferioridade econômica diante do empregador. Com uma maior proteção jurídica ao sujeito hipossuficiente, assim, se busca equilibrar uma relação entre desiguais. (TEXEIRA, 1998, p.374)

O poder diretivo já mencionado decorre do poder de comando do empregador, que “sujeita os empregado às suas diretrizes no âmbito da relação de emprego, desde que adstrito sempre ao princípio fundamental da dignidade da pessoa humana.” (MARQUES, 2002, p.30)

Page 296:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        295 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Pedro Paulo Texeira Manus aduz que o poder de comando materializa-se “pela prerrogativa do tomador de serviços de dar ordens ao empregado, de tal modo a ser atribuição sua dizer o que deve o empregado fazer, onde o mesmo deve trabalhar e de que modo deverá desenvolver suas atribuições.” (MANUS, 2001, p.67)

O poder diretivo do empregador, disposto no artigo 2º da CLT, consubstancia que compete a ele o risco da atividade econômica (princípio da alteridade) bem como a direção da prestação pessoal dos serviços, do qual são corolários, o controle, a fiscalização e a disciplina, e que esta competência possui limites.

Os limites estão presentes nos próprios princípios que regem o direito do trabalho e a CLT, como a igualdade, não discriminação, a dignidade e todas as fases do contrato de trabalho, seja na fase pré-contratual, na admissão, no curso da relação de emprego, no desligamento e no pós-contrato.

Na fase pré-contratual, “O empregador deverá de maneira clara, fornecer a todos os candidatos as informações sobre a oferta do posto de trabalho de forma explícita. E mais, o empregador exercita um dos direitos fundamentais, qual seja: a liberdade, decidindo quando, como e quem contratar.” (MARQUES, 2002, p.34) Inexiste, no sistema legal brasileiro, previsão legal sobre quais devem ser os critérios utilizados para a contratação.[1] No setor privado, é bastante comum o uso de entrevistas, questionários e testes.

Já na fase contratual, o artigo 168 da CLT, dispõe que:

Será obrigatório exame médico, por conta do empregador, nas condições estabelecidas neste artigo nas instruções complementares a serem expedidas pelo Ministério do trabalho: I - na admissão; II - na demissão; III - periodicamente;

§ 1º O ministério do Trabalho baixará instruções relativas aos casos em que serão

Page 297:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

296  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

exigidas exames: a) por ocasião da demissão; b) complementares.

§ 2º Outros exames complementares poderão ser exigidos, a critério médico, para apuração da capacidade ou aptidão física e mental do empregado para a função que deve exercer.

§ 3º O Ministério do trabalho estabelecerá, de acordo com resto da atividade e o tempo de exposição, a periodicidade dos exames médicos.

§ 4º O empregador manterá no estabelecimento o material necessário à prestação de primeiros socorros médicos, de acordo com risco da atividade.

§ 5º O resultado dos exames médicos, inclusive o exame complementar, será comunicado ao trabalhador, observados os preceitos da ética médica.

De acordo com Christiane Marques:

O fato de existir um contrato de trabalho regido nos termos da CLT, ao qual o empregado se encontra subordinado, não permite ao empregador, no exercício do seu poder diretivo, a prática do ato discriminatório no que tange ao desenvolvimento do exercício profissional. Na fase de manutenção do contrato é muito comum discriminações estéticas ligadas a “equiparação salarial, ascensão profissional, distinção de oportunidades e limitação de atuação (MARQUES, 2002, p.45)

Verifica-se, contudo, que o fato do ordenamento jurídico não trazer de forma taxativa o que é ou não discriminação, ou seja, quais

Page 298:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        297 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

são as condutas proibidas do empregador, não é por esta razão que não haverá tutela. É valido esclarecer que a análise do caso concreto vai ser fundamental para determinar se a conduta de discriminação praticada pelo empregador é abusiva ou arbitrária.

3. PRINCÍPIOS

3.1 Considerações iniciais

Princípio é o momento em que algo tem origem, é o elemento essencial na constituição de um corpo. De acordo com Francisco Meton, “princípio significa a base, o ponto de partida, e ao mesmo tempo, o ponto de chegada”. (LIMA, 1995, p.15)

Fugindo do significado meramente gramatical, Robert Alexy define o princípio como norma que deve ser aplicada na máxima medida possível, levando em consideração os aspectos fáticos e jurídicos. Celso Antônio Bandeira de Melo fala que o alcance do princípio não se restringe a nivelar os cidadãos diante da norma legal posta, mas que a própria lei não pode ser editada em desconformidade com a isonomia. (MELO, 2001, p.9)

Para o entendimento de como os princípios ganharam tanta importância no ordenamento jurídico, é necessário que se faça algumas considerações acerca do Constitucionalismo, que é uma técnica de limitação do poder com fins garantísticos, segundo Canotilho.

O Constitucionalismo surge desde Antiguidade Clássica, onde prevalecia o poder teocrático. É necessário ressaltar que na Europa, durante a idade média existia a figura do totalitarismo, o Constitucionalismo não existiu, até que veio as grandes revoluções.

Fazendo uma análise histórica do Constitucionalismo, nasce inicialmente o chamado Constitucionalismo clássico ou liberal, cujo marco foi a Revolução Francesa e a Norte-americana (1787 e 1789). O propósito era limitar o poder do Estado, e o paradigma era o estado liberal, de intervenção mínima. Neste momento

Page 299:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

298  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

trabalhavam com os direitos de liberdade (individuais, civis, políticos). Surge aqui, os direitos fundamentais de 1ª dimensão, onde prevalecia o positivismo, por isso, o poder legislativo ganhou grande ênfase nesta fase.

Nascem no Constitucionalismo Clássico as primeiras Constituições escritas, tendo um caráter negativo, já que o estado não intervia. Entretanto, com o excesso de abstenções por parte do Estado, surge a crise do Estado liberal, já que para alguns essa liberdade era meramente formal, muitos por não ter capital ficavam submissos a outras pessoas e, além disso, o excesso de liberdade deu possibilidade de criação de situações como o nazismo e o fascismo.

Depois da 1ª Guerra Mundial, a Europa precisava se reerguer, surge ai o chamado Constitucionalismo Moderno ou Social, chamado de Welfare State, que tentou assegurar o direito a igualdade. Neste momento, o Estado deixa de se abster e passa a ser prestador, intervindo na sociedade com o objetivo de sair da situação de desigualdade em que os indivíduos se encontravam.

Tal constitucionalismo teve como marco teórico a Constituição Mexicana de 1917 e da de Weimar de 1919. Surgem aqui os direitos de 2ª dimensão (direitos sociais, econômicos e culturais), são direitos positivos que exigem uma prestação positiva do Estado, por isso a ênfase nesta dimensão era do poder executivo.

Contudo, a crise do Estado Social se iniciou, já que as necessidades sociais são infinitas, mas os recursos são finitos, e a Europa então, se deparou com a escassez de recursos.

Nasce o Constitucionalismo Contemporâneo, também chamado de Constitucionalismo pós 2ª Guerra Mundial ou Neoconstitucionalismo, que introduz o Estado Democrático de Direito. O valor dado nesta fase é a fraternidade, deixa então de ser social e passa a ser democrático, colocando a Constituição no topo e a partir dela os demais ramos do direito se guiarão dentro dos

Page 300:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        299 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

seus limites, é chamada Constituição Invasora, se caracterizando como a 3ª dimensão (direitos difusos, coletivos, solidariedade, etc).

De acordo com Barroso, há 3(três) marcos do Neoconstitucionalismo no Brasil. O 1º marco seria histórico, que é a própria Constituição Federal de 1988; o 2º marco seria filosófico, que é a aproximação do direito com a ética a moral e a justiça; e o 3 marco, seria teórico, aqui seriam vários como a força normativa dada Constituição, trazida por Konrad Hesse, a Constitucionalização do Direito e a nova interpretação constitucional, que seriam métodos para interpretar a Constituição.

Nasce com o Neoconstitucionalismo o reconhecimento da força normativa dos princípios, ou seja, houve uma releitura da teoria da norma. Antigamente, poderia se utilizar da fórmula para definir normas, que normas= regras. Hoje, com as ideias trazidas por Ronald Dworkin e Robert Alexy e quenorma= regra +princípios.

A partir dessa interpretação, poderia dizer que os princípios são postulados normativos fundamentais, e possuem força normativa, cogente. Passa de um estado absolutista, de polícia, para um estado de direito. Mas qual seria a diferença entre regras e princípios?

Os princípios possuem um grau de abstração maior do que as regras, enquanto que o choque entre as regras se denomina conflito e se resolve através dos critérios de Savigny (Cronológico, especialidade e hierarquia) o choque entre os princípios se denomina colisão e se resolve através da técnica da ponderação.

Além disso, para Ronald Dworkin, as regras tem previsão de condutas e vigora a ideia de subsunção, ou aplica tudo ou nada, enquanto que os princípios tem previsão de valores e há uma dimensão de peso, ou seja, a própria ponderação. Já Robert Alexy, diz que a regra é mandamento definitivo, ou é ou não é, e o princípio um mandado de otimização, que deve ser realizado na máxima medida possível, a depender das situações fáticas e jurídicas.

Page 301:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

300  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Ressalte-se apenas uma ideia recentemente discutida no âmbito doutrinário e jurisprudencial, que é a questão da derrotabilidade, também chamada dedeseasibility, ou superabilidade. A essência da derrotabilidade encontra-se no reconhecimento de que existem normas jurídicas, condicionais-hipotéticas, que tutelam e resguardam as condutas intersubjetivas, assegurando previsibilidade e segurança jurídica aos cidadãos. Estas previsões possuem, entretanto, um caráter prima facie que pode ser derrotado, no momento em que o texto deixa de ser apenas texto e passa a ser produto da interpretação. (VASCONCELLOS, 2009)

Diante do exposto, ressalta-se a importância normativa dos princípios no ordenamento jurídico brasileiro, porém é necessário que acima de tudo se perceba que os princípios não devem ser utilizados de qualquer forma, a qualquer custo. Se existe a regra, aplica-se a regra, até mesmo porque a regra prevista no mundo jurídico deve estar de acordo com os princípios, há, portanto, uma previsão de legalidade das regras, e caso esteja em conflito com alguns princípios, ela deve ser superada, na ideia de tudo ou nada.

3.2 Dignidade da Pessoa Humana

Antes de tratar do conteúdo da dignidade da pessoa humana é necessário estabelecer que apesar de vários autores darem-lhe tratamento de princípio e comumente os juristas assim a classificarem, a dignidade da pessoa humana para outra corrente, não é somente um princípio. Esta corrente se baseia nos conceitos trazidos Robert Alexy e Ronald Dworkin do caráter dúplice da norma e, além disso, eles entendem que ocorrendo uma colisão não haverá ponderação, a regra da dignidade da pessoa humana sempre irá prevalecer.

Ingo Wolfgang Sarlet traz a ideia de que embora a discussão em torno da qualificação da dignidade da pessoa humana como princípio ou direito fundamental não deva ser hipostasiada, já que não se trata de conceitos antitéticos e reciprocamente excludentes

Page 302:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        301 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

(notadamente pelo fato de as próprias normas de direitos fundamentais terem cunho eminentemente-embora não exclusivamente-principiológico, ideia trazida por Robert Alexy, quando trata do caráter dúplice das normas em seu livro Teoria de los Derechos Fundamentales), Ingo compartilha o entendimento de que, muito embora os direitos fundamentais encontrem seu fundamento ao menos em regra, não há como reconhecer que existe um direito fundamental à dignidade, ainda que vez por outra se encontre alguma referência neste sentido.

Mas o que é a dignidade da pessoa humana? Ao se deparar com tal pergunta, várias respostas diferentes podem surgir, porque não existe um conceito definido e concreto do que seja tal dignidade, dependeria da análise, talvez, de cada caso específico. Ingo Wolfgang Sarlet traz que:

Sobre o significado e conteúdo da dignidade da pessoa humana, não há como negar, de outra parte, que uma conceituação clara do que efetivamente seja esta dignidade, inclusive para efeitos de definição do seu âmbito de proteção como norma jurídica fundamental, se revela no mínimo difícil de ser obtida, isto sem falar na questionável (e questionada) viabilidade de se alcançar algum conceito satisfatório do que, afinal de contas, é e significa a dignidade da pessoa humana hoje. Tal dificuldade, consoante exaustiva e corretamente destacado na doutrina, decorre certamente (ao menos também) da circunstância de que se cuida de conceito de contornos vagos e imprecisos, caracterizado por sua “ambiguidade e porosidade”, assim como por sua natureza necessariamente polissêmica, muito embora tais atributos não possam ser exclusivamente atribuídos à dignidade da pessoa. (SARLET, 2004, p. 39-40)

Page 303:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

302  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Mesmo com a dificuldade de conceituação a dignidade da pessoa humana existe, é real e deve ser obedecida e aplicada, já que se trata de direito fundamental. Como dito, analisando os casos concretos, é fácil perceber quando há violações desta dignidade, e, além disso, a doutrina e a jurisprudência cuidaram de estabelecer alguns contornos basilares do conceito e concretizar o seu conteúdo.

Jorge Miranda leciona que:

a)A dignidade da pessoa humana reporta-se a todas e cada uma das pessoas e é a dignidade da pessoa individual e concreta; b) Cada pessoa vive em relação comunitária, mas a dignidade que possui é dela mesmo e não da situação em si; c)O primado da pessoa é do ser, não o do ter; a liberdade prevalece sobre a propriedade; d)A proteção da dignidade das pessoas está para além da cidadania portuguesa e postula uma visão universalista da atribuição de direitos; e) A dignidade da pessoa pressupõe a autonomia vital da pessoa, e a sua autodeterminação relativamente ao Estado, às demais entidades públicas e às outras pessoas.(MIRANDA, 1998, p. 169-170)

No direito do trabalho é óbvio que haverá a proteção da dignidade da pessoa humana, se é digna qualquer pessoa também é o trabalhador. O trabalho humano veio sendo protegido há séculos, existiram diversas violações de direitos e discriminação durante as duas guerras mundiais, na guerra civil espanhola e nos regimes totalitários e autoritários, e em face disso, a dignidade da pessoa humana passou a ser tutelada. Como exemplo, na Declaração da Filadélfia (1944), Carta das Nações Unidas (1945), Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948), Carta da Organização dos Estados Americanos (1948).

Page 304:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        303 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

No Brasil, a primeira Constituição a mencionar de maneira expressa a dignidade da pessoa humana foi a de 1946, de forma associada ao direito do trabalho. A Constituição de 1988 faz a mesma associação, quando no artigo 170 valoriza o trabalho humano, além de elevar tal princípio como fundamento da República Federativa no artigo 1º, inciso III.

De acordo com Chistiani Marques:

O princípio da dignidade humana busca propiciar melhores condições de vida ao empregado. Na dignidade humana se valoriza o trabalho humano; na igualdade ou não-discriminação se combatem as desigualdades ou permite-se alguma diferença, desde que legítima e justificada(...) (MARQUES, 2002, p. 147)

Diante do exposto, percebe-se que a dignidade veio para nortear as relações humanas e mesmo com sua conceituação abstrata, ela é real e deve ser garantida na prática analisando os casos concretos. No direito do trabalho já se fez tal tutela ao garantir jornada de trabalho reduzido, proteger o trabalho da mulher, do menor, de profissões perigosas e insalubre, a garantia de férias, a proteção ao salário dentre outros direitos inseridos na Constituição Federal e leis específicas.

3.3 Princípios da igualdade e isonomia

O artigo 5º da Constituição Federal estabelece que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, não se esquecendo porém do princípio da isonomia material, observado em vários preceitos constitucionais, como no art. 3º, III, 5º, I, 150, II e 226, § 5º. que faz uma distinção entre as pessoas, por vezes, para o alcance da própria igualdade.

A igualdade é vista de várias maneiras de acordo com a evolução histórica da sociedade, passa por momentos de pura

Page 305:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

304  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

desigualdade, por um liberalismo exacerbado e chegando por fim a verdadeira essência da isonomia, onde iguais são tratados igualmente e desiguais tratados desigualmente, segundo as ideias de Aristóteles.

Celso Antônio Bandeira de Mello vai além do posicionamento de Aristóteles:

(...) É insuficiente recorrer à notória afirmação de Aristóteles, assaz de vezes repetida, segundo cujos termos a igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais. Sem contestar a inteira procedência do que nela se contém e reconhecendo, muito ao de ministro, sua validade como ponto de partida, deve-se negar-lhe o caráter de termo de chegada, pois entre um e outro extremo serpeia um fosso de incertezas cavado sobre a intuitiva pergunta que aflora ao espírito: Quem são os iguais os iguais e quem são os desiguais? (MELO, 2001, p.10-11)

Compartilhando a crítica do citado Celso Antônio Bandeira de Mello as leis somente apontam quais são as situações que devem se submeter a regência de tais ou quais regras, é necessário questionar quais as discriminações são juridicamente toleráveis. “Dês que se atine com a razão pela qual um caso o discrímen é ilegítimo e em outro legítimo, ter-se-ão franqueadas às portas que interditam a compreensão clara do conteúdo da isonomia.” (MELO, 2001, p.12)

Hans Kelsen faz as seguintes considerações:

A igualdade dos sujeitos na ordenação jurídica, garantida pela Constituição, não significa que estes devam ser tratados de maneira idêntica nas normas e em particular nas leis expedidas com base na Constituição. A

Page 306:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        305 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

igualdade assim entendida não é concebível: seria absurdo impor a todos os indivíduos exatamente as mesmas obrigações ou lhes conferir exatamente os mesmos direitos sem fazer distinção alguma entre eles, como por exemplo, entre crianças e adultos, indivíduos mentalmente sadios e alienados, homens e mulheres. (KELSEN, 1962, p.190)

O constitucionalista Jorge Miranda conclui:

Ao juiz cabe a tarefa-nobre e gloriosa, embora por vezes árdua e complexa- de interpretar e aplicar normas constitucionais sobre direitos fundamentais. Não lhe pode fugir e, para tanto, tem de se munir de conhecimentos técnicos e critérios de ação que permitam descobrir quer o sentido e o fim último dessas normas, que o das normas legais com que, diariamente se defronta. Mas interpretar e aplicar a Constituição equivale a ir ao encontro dos valores mais profundos da vivência e do Direito de um povo- mais do que os valores assumidos em cada época, os valores permanentes de justiça; é saber impregnar-se desses valores; é juntar ao imprescindível domínio da técnica jurídica o conceito humanista de que a Constituição é para as pessoas, e não as pessoas para a Constituição. (MIRANDA, 1998, p. 33-34)

No direito do trabalho também se aplica as ideias pertinentes os princípio da igualdade e mais ainda o princípio da isonomia. A diferenciação no direito do trabalho é própria da sua essência, na verdade, pode-se afirmar que o direito do trabalho surgiu para fazer diferenciações no âmbito das relações laborais e atingir o alcance da tão sonhada isonomia material.

Page 307:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

306  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Como decorrência da isonomia tem como princípio norte e específico do direito do trabalho o princípio da proteção:

O princípio da proteção, também denominado de tuitivo, é considerado o princípio dos princípios do Direito do Trabalho. (...) havia necessidade de proteger o empregado contra os atos do empregador, enquanto estivesse sob o poder de comando e direção deste último. Esse princípio constitui a própria essência do Direito Laboral. Sua ausência implicaria não reconhecer a autonomia desse ramo do Direito. (CAIRO JUNIOR, 2013, p.97)

Ainda em relação ao princípio da proteção, ele se se manifesta através das regras do in dubio pro operario, da regra da condição mais benéfica e da aplicação da norma mais favorável.

O in dubio pro operario, “Quando da interpretação de norma jurídica surgirem interpretações divergentes em relação à mesma norma a ser aplicada a um determinado caso concreto, será dada preferência àquela interpretação que mais favoreça ao empregado.” (CAIRO JUNIOR, 2013, p.97)

Já a condição mais benéfica “importa na garantia de preservação, ao longo do contrato, da cláusula contratual mais vantajosa ao trabalhador, que se reveste do caráter de direito adquirido” (DELGADO, 2009, p.187)

E por fim, a aplicação da norma mais favorável diz que deve ser utilizada a norma que conceda direitos mais vantajosos ao obreiro, para Mauricio Godinho:

O presente princípio induz que o operador do Direito do Trabalho deve optar pela regra mais favorável ao obreiro em três situações ou dimensões distintas: no instante de elaboração da regra (princípio orientador da ação legislativa,

Page 308:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        307 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

portanto) ou no contexto de confronto entre regras concorrentes (princípio orientador do processo de hierarquização de normas trabalhistas) ou, por fim, no contexto de interpretação das regras jurídicas (princípio orientador do processo de revelação do sentido da regra trabalhista). (DELGADO, 2009, p.184)

Assim sendo, o princípio jurídico da isonomia deve ser compreendido como uma ferramenta para se materializar a justiça, norteando os legisladores e os operadores do direito com o intuito de formação e aplicação justa da norma de acordo com a ideia de justiça que possua a sociedade em seu trajeto histórico.

Revela-se então o seu papel fundamental e imprescindível para a transformação social equilíbrio das situações injustas e promovendo o bem de toda a coletividade, quer reconhecendo a hipossuficiência de alguns, quer coibindo privilégios injustificados de outros.

3.3.1 Princípio da não-discriminação

O princípio da não-discriminação surge como decorrência da isonomia. Trata-se de uma especialização do princípio da igualdade. “Porém em virtude de sua importância assume posição de princípio, embora vinculado e englobado pelo princípio mais abrangente, o da igualdade.” (MARQUES, 2002, p.167)

O princípio da não-discriminação está assegurado expressamente desde 1948, na Declaração Universal dos Direitos do Homem:

Artigo 1º Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade”; Artigo 2º Todos os seres humanos podem invocar os direitos e liberdades

Page 309:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

308  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

proclamados na presente Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, origem, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de nascimento ou de qualquer outra situação.

Além disso, no mesmo sentido trouxe o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais:

Artigo 2º Os Estados- Partes do presente Pacto comprometem-se a garantir que os direitos nele enunciados se exercerão sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, situação econômica, nascimento ou qualquer outra situação.

No ordenamento jurídico brasileiro, o princípio da não discriminação está presente na própria Constituição Federal de 1988, em seu artigo 7º, XXX, que proíbe a diferença salarial, e em vários dispositivos legais. Vale lembrar que anterior a Constituição de 1988, outras Constituições brasileira já previam o mencionado princípio de forma expressa, a exemplo a de 1934, 1937, 1946 e 1967.

Com relação à Constituição de 1934, vale ressaltar a sua especial proteção ao direito do trabalho, em seu artigo 121, estabelecia que a legislação do trabalho devesse observar os preceitos que colimem melhorar as condições do trabalhador, como a proibição de diferença de salário para um mesmo trabalho, por motivo de idade, sexo, nacionalidade ou estado civil.

A Constituição Federal de 1988 recepcionou o disposto no artigo 461 da CLT, que preconiza:

Page 310:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        309 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Artigo 461 Sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor, prestado ao mesmo empregador, na mesma localidade, corresponderá igual salário, sem distinção de sexo, nacionalidade ou idade. Parágrafo primeiro: Trabalho de igual valor, para os fins deste capítulo, será o que for feito com igual produtividade e com a mesma perfeição técnica, entre pessoas cuja diferença de tempo de serviço não for superior a dois anos.

A não-discriminação no direito do trabalho implica em afirmar que o trabalhador não pode sofrer nenhum tipo de discriminação, seja em razão de raça, cor, sexo, língua, religião, idade ou opinião, tanto no momento da admissão quando a execução do contrato e até mesmo no momento da extinção.

De acordo com José Cairo Júnior:

Deriva do princípio geral do direito da igualdade, que considera todos iguais perante a lei. Registre-se, entretanto, que o tratamento igual deve ser dispensada pelas leis àqueles que estejam na mesma situação no plano fático. No caso da relação de emprego, a lei considera que o empregado encontra-se em desvantagem em relação ao empregador. Por conta disso, dispensa-lhe um tratamento mais vantajoso para equilibrar a relação. (CAIRO JÚNIOR, 2013, p.105)

Alice Monteiro de Barros trata da igualdade, juntamente com o princípio da não-discriminação, com o mais expressivo manifesto do princípio da igualdade, cujo reconhecimento, com valor constitucional inspira o ordenamento jurídico brasileiro em seu

Page 311:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

310  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

conjunto. E ainda aponta o princípio da não-discriminação como limite ao poder de comando e a autonomia do empregador, quando da obtenção de dados a respeito do candidato de emprego, e se projeta durante a execução do contrato. (BARROS, 1997)

Salienta-se que existem normas específicas que visam excluir toda e qualquer forma de discriminação do trabalho da mulher, do portador de deficiência física e outras práticas discriminatórias, para efeitos admissionais ou de permanência da relação de emprego, definidas pela Lei n 9.029/95. Além disso, a CLT foi alterada pela Lei 11.644, acrescendo-se o artigo 442-A, que veda que o empregador exija do candidato tempo de experiência prévia por período superior a seis meses no mesmo tipo de atividade.

De acordo com um julgado do TST, o princípio da não discriminação é princípio de proteção, de resistência, denegatório de conduta que se considera gravemente censurável. Portanto, labora sobre um piso de civilidade que se considera mínimo para a convivência entre as pessoas. A conquista e afirmação da dignidade da pessoa humana não mais podem se restringir à sua liberdade e intangibilidade física e psíquica, envolvendo, naturalmente, também a conquista e afirmação de sua individualidade no meio econômico e social, com repercussões positivas conexas no plano cultural, o que se faz, de maneira geral, considerando o conjunto mais amplo e diversificado das pessoas, mediante o trabalho e, particularmente, o emprego. (RR-185900-87.2008.5.02.0004 de 3ª Turma, 03 de Outubro de 2012 TST - RR - 185900-87.2008.5.02.0004 - Data de publicação: 05/10/2012)

Nesse passo, por todo o exposto se extrai do princípio da igualdade e do princípio da não-discriminação um avanço para todas as práticas laborais, até mesmo porque não se admite no ordenamento jurídico brasileiro, com 25 anos de Constituição da República Federativa do Brasil, regras que sejam contrárias aos citados princípios.

4. RAZOABILIDADE

Page 312:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        311 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Antes de falar acerca da razoabilidade é necessário que se faça uma distinção entre ela e a proporcionalidade, que de maneira errônea, são utilizadas como sinônimos ou até mesmo é confundido seus conceitos.

Virgílio Afonso da Silva exemplifica cada um dos institutos:

Aquele que se propõe analisar conceitos jurídicos tem que ter presente que nem sempre os termos utilizados no discurso jurídico guardam a mesma relação que possuem na linguagem laica. Assim, se um pai proíbe a seu filho que jogue futebol durante um ano, apenas [28] porque este, acidentalmente, quebrara a vidraça do vizinho com uma bolada, é de se esperar que o castigo seja classificado pelo filho - ou até mesmo pelo vizinho ou por qualquer outra pessoa - como desproporcional. Poder-se-á dizer também que o pai não foi razoável ao prescrever o castigo. O mesmo raciocínio pode também valer no âmbito jurídico, desde que ambos os termos sejam empregados no sentido laico. Mas, quando se fala, em um discurso jurídico, emprincípio da razoabilidade ou emprincípio ou regra da proporcionalidade, é evidente que os termos estão revestidos de uma conotação técnico-jurídica e não são mais sinônimos, pois expressam construções jurídicas diversas. Pode-se admitir que tenham objetivos semelhantes, mas isso não autoriza o tratamento de ambos como sinônimos.17 Ainda que se queira, por intermédio de ambos, controlar as atividades legislativa ou executiva, limitando-as para que não restrinjam mais do que o necessário os direitos dos cidadãos, esse controle é levado a cabo de forma diversa, caso seja aplicado um ou outro critério. (SILVA, 2002, p. 30)

Page 313:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

312  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Por vezes, essa confusão é feita, até mesmo dentro do Supremo Tribunal Federal, de acordo com Virgílio Afonso da Silva, ambos os conceitos - razoabilidade e proporcionalidade - não se confundem, e não há que se falar em proporcionalidade na Magna Carta de 1215. Além disso, é de se questionar até mesmo a afirmação de que a regra da razoabilidade tenha origem nesse documento. (SILVA, 2002)

Como bem salienta Willis Santiago Guerra Filho, na Inglaterra fala-se em princípio da irrazoabilidade e não em princípio da razoabilidade. E a origem concreta do princípio da irrazoabilidade, na forma como aplicada na Inglaterra, não se encontra no longínquo ano de 1215, nem em nenhum outro documento legislativo posterior, mas em decisão judicial proferida em 1948. E esse teste da irrazoabilidade, conhecido também como teste Wednesbury, implica tão somente rejeitar atos que sejam excepcionalmente irrazoáveis. Na fórmula clássica da decisão Wednesbury: "se uma decisão [...] é de tal forma irrazoável, que nenhuma autoridade razoável a tomaria, então pode a corte intervir". Percebe-se, portanto, que o teste sobre a irrazoabilidade é muito menos intenso do que os testes que a regra da proporcionalidade exige, destinando-se meramente a afastar atos absurdamente irrazoáveis.

Necessário, portanto, definir cada um dos institutos, a proporcionalidade possui três correntes diversas no que se refere a sua definição. Virgílio Afonso da Silva traz que:

A primeira delas, amplamente majoritária - e aqui seguida - adota a divisão em três sub-regras: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. A segunda, adotada principalmente pelos críticos do sopesamento como método de aplicação do direito, representados principalmente por Böckenförde e Schlink, aceita somente a análise da adequação e da necessidade, excluindo o sopesamento que a análise da

Page 314:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        313 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

proporcionalidade em sentido estrito implica. Por fim, a terceira tendência costuma identificar um elemento adicional, que precede a análise da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito: a análise da legitimidade dos fins que a medida questionada pretende atingir. Essa tendência é perceptível principalmente nos autores que se ocupam com a aplicação da regra da proporcionalidade perante aCorte Européia de Direitos Humanos. (SILVA, 2002, p.34)

Partindo da premissa que a primeira corrente é a majoritária, o conceito da razoabilidade se traduz como:

A exigência de razoabilidade, baseada no devido processo legal substancial, traduz-se na exigência de "compatibilidade entre o meio empregado pelo legislador e os fins visados, bem como a aferição da legitimidade dos fins". Barroso chama a primeira exigência -compatibilidade entre meio e fim - de razoabilidade interna, e a segunda - legitimidade dos fins -, de razoabilidade externa. Essa configuração da regra da razoabilidade faz com que fique nítida sua não-identidade com a regra da proporcionalidade. O motivo é bastante simples: o conceito de razoabilidade, na forma como exposto, corresponde apenas à primeira das três sub-regras da proporcionalidade, isto é, apenas à exigência de adequação. A regra da proporcionalidade é, portanto, mais ampla do que a regra da razoabilidade, pois não se esgota no exame da compatibilidade entre meios e fins, conforme ficará claro mais adiante. (SILVA, 2002, p.35)

Portanto, se a razoabilidade é apenas a exigência da adequação, é necessário apenas que o poder judiciário verifique no

Page 315:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

314  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

âmbito das discriminações no ambiente laboral se a conduta foi ou não adequada. Mas como esclarecido acima, a maioria confunde os dois institutos.

Exemplo disso, em uma decisão o ministro do Tribunal Superior do Trabalho Alexandre Agra Belmonte, em sua fundamentação confundiu a razoabilidade com proporcionalidade. "Observa que essa liberdade pode sofrer restrições na relação de trabalho, desde que se levem em conta três critérios: a necessidade da regra imposta, a adequação dessa regra e a proporção em que ela é imposta. O principal critério é que a liberdade de pensamento e expressão do empregado não pode atentar contra a finalidade principal da empresa, explica. Para, além disso, é livre e protegida contra qualquer regulação abusiva."

Após analisar o conceito de razoabilidade e sua distinção com a proporcionalidade, se faz uma análise da aplicação daquela nas relações de emprego, bem como se o fator de discrímen é ou não adequado. Então, qual o limite da discriminação?

Como já dito, o princípio da isonomia cuida de tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades, como trouxe Aristóteles. Se houver um fator de discriminação, conhecido como discrímen, deve ser razoável. A palavra “discrímen” significa discriminação, que significa “separar”, “excluir” ou “desigualar”.

O discrímen é trazido por Celso Antônio Bandeira de Mello, que estabelece exemplos de discrímen que não fere o princípio da isonomia no seu aspecto material. O primeiro, um concurso público somente para negros, para que o Estado possa estudar as práticas esportivas mais adequadas, exercícios físicos e doenças da raça negra, mediante fornecimento de material sanguíneo, testes físicos, etc por parte dos aprovados. O segundo, um concurso público para “guardas de honra”, com exigência, no edital do concurso, de altura mínima de 1,80m para inscrição, e sexo masculino. Os candidatos

Page 316:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        315 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

aprovados serão guardas do Executivo, em cerimônias militares oficiais, os “guardas de honra”. (MELLO, 2001)

Nos exemplos, o fato discriminador é razoável, já que se discrimina pela cor de pele porque as doenças a serem estudadas têm a ver com a cor de pele. De nada adiantaria ao Estado a inscrição e aprovação de um indivíduo da raça branca. No outro caso, a altura é fator discriminante (discrímen) porque é necessária à função dos guardas palacianos (dragões da independência), mormente por causa da guarda das muradas. A compleição física e a força, para este cargo, também autorizam a discriminação em face do sexo feminino. (PIRES, 2013)

No que tange a beleza na contratação, a CF/88 traz, em seu artigo 7º, XXX: “Proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil”.

Já a CLT em seu art. 373-A, CLT, introduzido pela Lei nº 9.799/99, proíbe a discriminação na hora da contratação trabalhista. In verbis:

Art. 373-A – Ressalvadas as disposições legais destinadas a corrigir as distorções que afetam o acesso da mulher ao mercado de trabalho e certas especificidades estabelecidas nos acordos trabalhistas, é vedado:

I – publicar ou fazer publicar anúncio de emprego no qual haja referência ao sexo, à idade, à cor ou situação familiar, salvo quando a natureza da atividade a ser exercida, pública e notoriamente, assim o exigir;

II – recusar emprego, promoção ou motivar a dispensa do trabalho em razão de sexo, idade, cor, situação familiar ou estado de gravidez, salvo quando a natureza da atividade seja notória e publicamente incompatível;

Page 317:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

316  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

III – considerar o sexo, a idade, a cor ou situação familiar como variável determinante para fins de remuneração, formação profissional e oportunidades de ascensão profissional;

IV – exigir atestado ou exame, de qualquer natureza, para comprovação de esterilidade ou gravidez, na admissão ou permanência no emprego;

V – impedir o acesso ou adotar critérios subjetivos para deferimento de inscrição ou aprovação em concursos, em empresas privadas, em razão de sexo, idade, cor, situação familiar ou estado de gravidez;

VI – proceder o empregador ou preposto a revistas íntimas nas empregadas ou funcionárias.

Parágrafo único – O disposto neste artigo não obsta a adoção de medidas temporárias que visem ao estabelecimento das políticas de igualdade entre homens e mulheres, em particular as que se destinam a corrigir as distorções que afetam a formação profissional, o acesso ao emprego e as condições gerais de trabalho da mulher.

De acordo com Antônio Pires, o caso da beleza se encaixa no inciso I supra, e este mesmo inciso I prevê a exceção: “salvo quando a natureza da atividade a ser exercida, pública e notoriamente, assim o exigir”. Ora, é óbvio que a natureza da profissão de modelo, por exemplo, exige mulheres altas e bonitas. Bonitas segundo o padrão estético brasileiro, o qual certamente é diferente do africano. Mas não vamos discutir, aqui, o padrão estético nem o gosto das pessoas. No Brasil, é fato, temos um conceito mediano do que sejam mulheres bonitas, e estas mulheres são aquelas exigidas para a profissão de modelo. O fator estético, aqui, é essencial,

Page 318:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        317 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

sendo o discrímen, na hora da contratação para a profissão de modelo, razoável.

Ele ainda complementa que, o que não pode ocorrer, em absoluto, é um anúncio solicitando apenas homens para o cargo de diretor de uma empresa ou apenas advogados do sexo masculino para concorrer a uma vaga num escritório de advocacia. A beleza, aqui, nada teria a ver com o cargo. O discrímen seria ilógico. O mesmo se diga de editais de concursos públicos com limite de idade máxima de 45 anos para inscrição. O STF, apreciando esta questão, editou a Súmula nº 683, que tem a seguinte dicção: “O limite de idade para a inscrição em concurso público só se legitima em face do art. 7º, XXX, da Constituição, quando possa ser justificado pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido”.

O STF permite que exista a discriminação por idade, contudo somente quando presente a razoabilidade. Deve haver uma ligação de essencialidade entre o discrímen e o fato. Por óbvio, não pareceria razoável a contratação de pessoas idosas, com mais de 70 anos de idade, para a profissão de lixeiro ou carteiro, as quais exigem grande esforço físico diário.

Antônio Pires ainda comenta acerca da discriminação:

E na prática? Existe discriminação? Sim. Existe. Contra mulheres, que muitas vezes recebem salários menores do que os dos homens, homossexuais, transexuais, pessoas com AIDS, negros, índios, ateus, estrangeiros, pobres, pessoas com deficiência e por aí vai. Cabe à sociedade, incentivada pela mídia, tribunais, família, ações afirmativas por parte do Estado, enfim, incentivada por todos, estimular o não preconceito, o não racismo e o não sexismo. Deve-se incitar e encorajar a busca da dignidade da pessoa humana no trabalho, até mesmo porque o trabalho, como quer o texto constitucional, deve ter uma valor social, que

Page 319:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

318  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

impacta e afeta de modo positivo e construtivo toda a sociedade. (PIRES, 2013)

Como dito por tudo o trabalho, a discriminação é possível somente quando analisado o caso concreto. Havendo liame lógico e razoável entre a discriminação (discrímen) e o fato (trabalho a ser desenvolvido), pode-se discriminar, e esta não será abusiva.

Para muitas pessoas, na verdade, feio não é o que revela a aparência exterior, pois não ligam para a beleza, mas estas pessoas se importam isto sim, com a falta de caráter, corrupção, desonestidade, desonra depravação moral, falta de princípios, maldade, malícia, preguiça, avareza, inveja, mau humor e todo tipo de perversidades e feiura que comumente atentam contra o bem e a beleza interior. (PIRES, 2013)

Na prática, entretanto, nem sempre esses critérios são respeitados, tanto por patrões quanto por empregados. E a discussão sobre os limites chega à Justiça do Trabalho, que tem de decidi-los com base em critérios objetivos. Não há análise da razoabilidade nas condutas o que acaba ocasionando dano moral ou não, a depender do caso concreto.

5. CONCLUSÃO

A razoabilidade será o instrumento hábil para estabelecer se a discriminação é ou não possível, por isso se faz necessário que os empregadores e a própria justiça do trabalho faça o uso desta no momento de discriminar ou analisar a possibilidade de um dano moral.

É necessário ressaltar que não existe previsão do que é ou não discriminatório pelo ordenamento jurídico, acobertando todas as hipóteses possíveis. Isso ocorre porque além das discriminações serem infinitas, o que irá dizer se a conduta é ou não discriminatória, é o caso concreto, ou seja, não há como pré-estabelecer que se um fator estético for violado, será uma discriminação proibida.

Page 320:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        319 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Valem lembrar que na prática existem diversas discriminações que não se pautam em razoabilidade alguma, contra mulheres, pessoas portadoras de doenças, pretos, índios, obesos e etc. A sociedade, a própria família e o estado com ações afirmativas e políticas públicas, devem orientar pelo fim da discriminação sem razão. É necessário incitar cada vez mais a busca pela dignidade da pessoa humana dentro do ambiente laboral, já que o trabalho deve ter um valor social, sendo até mesmo um fundamento da República Federativa do Brasil.

Em virtude dos fatos mencionados, conclui-se que esse trabalho serviu para retirar a ideia que tem construído nos últimos anos com a banalização do dano moral. A razoabilidade deve estar presente no momento da discriminação sempre, para que seja esta legítima.

REFERÊNCIAS

BARROS, Alice Monteiro de. Discriminação no emprego por motivo de sexo. In: Discriminação. Coorrs. Márcio Túlio Viana e Luiz Otávio Linhares Renault. São Paulo: Ltr, 2000.

CAIRO JÚNIOR, José. Curso de Direito do Trabalho. 8.ed. Salvador: Jus Podivm, 2013.

JUSBRASIL. Jusbrasil notícia e jurisprudência. Disponível em <http: www.jusbrasil.com.br>

LIMA, Francisco Gérson Marque de. Igualdade de tratamento nas relações de trabalho. São Paulo: Malheiros, 1997.

MARQUES, Christiani. O contrato de trabalho e a discriminação estética. São Paulo: Ltr, 2002.

MELLO, Celso Antônio Bandeira Mello. Princípio da isonomia: desequiparação proibidas e desequiparações permitidas. In Revista Trimestral de Direito Público. São Paulo: Malheiro.

Page 321:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

320  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

____________. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 2. ed. São Paulo: Revista do Tribunais, 1984.

MIRANDA, Jorge. Direitos fundamentais e interpretação constitucional. In: Revista do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Porto Alegre: a.9, n.30: 21-34, 1998.

PIRES, Antonio. Gente feia, gente bonita.Disponível em: < atualidadesdodireito.com.br/antoniopires/2013/03/30/gente-feia-gente-bonita/> Acesso em: 14 de outubro de 2015.

ROCHA, Carmem Lúcia Antunes. Sobre o estado brasileiro e as reformas propostas. In: Constituição e trabalho. Coord. Manoel Jorge e Silva neto. São Paulo: Ltr, 1998.

______________. Ação afirmativa – o conteúdo democrático do princípio da igualdade jurídica. In Revista de Informação Legislativa. Brasília : a. 33: 283-295, n.131, julho/setembro de 1996.

SCHILDER, Paul. A imagem do corpo: as energias man, 3. ed. Construtivas da psique. Radução Rosane Wertman. 3.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

SONES, MICHAEL. Human Beauty. Outubro de 2000. Disponível em: <http://www.beautyworlds,com/. Acesso em: outubro de 2015.

TEIXEIRA, Sergio Torres. Proteção à relação de emprego. São Paulo: Ltr, 1998.

WOLF, Naomi. O mito da beleza: como as imagens de beleza são usadas contra as mulheres.Tradução de Waldéa Barcellos. Rio de Janeiro: Rocco, 1992.

NOTAS:

[1] É válido ressaltar que a lei 11.644 de 10 de março 2008, acrescentou a CLT, o artigo 442-A que estabelece que “para fins de contratação, o empregador não exigirá do candidato a emprego

Page 322:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        321 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

comprovação de experiência prévia por tempo superior a 6 (seis) meses no mesmo tipo de atividade.”

 

   

Page 323:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

322  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

  www.conteudojuridico.com.br 

O ICMS - ENERGIA ELÉTRICA E SEUS ASPECTOS MATERIAL E QUANTITATIVO DA HIPÓTESE DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA

ERICK JOSEPH RABELO CHAGAS: Analista do MPU/Apoio Jurídico/Direito. Assistente nível III - Gabinete de Subprocuradora-Geral da República. Ensino Superior: Direito, pela Instituição IESP. Especialização: Direito Tributário, pela Instituição IESP.

RESUMO: Este trabalho teve por objetivo a análise dos aspectos doutrinários, legais e jurisprudenciais que envolvem o ICMS – Energia Elétrica, almejando identificar os aspectos material e quantitativo de sua hipótese de incidência. Conclui-se, por sua vez, que o fato gerador do respectivo tributo é complexo e que sua base de cálculo corresponde à energia efetivamente consumida.

Palavras-chave: ICMS. Energia. Elétrica. Fato. Gerador. Base. Cálculo.

1. SEÇÃO INICIAL (INTRODUÇÃO)

O tema escolhido resume-se o ICMS – Energia Elétrica, detalhando-se o seu fato gerador e base de cálculo.

Sinteticamente, o ICMS incide sobre: a) operações relativas à circulação de mercadoria; b) transporte interestadual e intermunicipal; c) serviços de comunicação; d) produção, importação, circulação, distribuição ou consumo de lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos e de energia elétrica; e e) extração, circulação, distribuição ou consumo de minerais.

Nessa linha, almejou-se visualizar, como problemática, o entendimento consolidado na Súmula 391 do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que o aspecto quantitativo do citado tributo corresponde à energia efetivamente consumida, pela

Page 324:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        323 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

instantaneidade do seu fato gerador, que não admite armazenamento.

Desta feita, resolveu-se estudar os aspectos doutrinários, legais e jurisprudenciais que envolvem a temática, tomando uma posição geral e única acerca da incidência tributo e sua respectiva base de cálculo.

2 A COBRANÇA DO ICMS NA PRESTAÇÃO DOSERVIÇO DE ENERGIA ELÉTRICA

2.1 FATO GERADOR

Resumidamente e didaticamente, como bem elenca BEZERRA NETO (2000), faz-se possível dividir em 5 (cinco) as hipóteses de incidência às quais o ICMS estará restrito: a) operações relativas à circulação de mercadoria; b) transporte interestadual e intermunicipal; c) serviços de comunicação; d) produção, importação, circulação, distribuição ou consumo de lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos e de energia elétrica; e e) extração, circulação, distribuição ou consumo de minerais.

Sobre a origem e características do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e comunicação, de bom alvitre é a lição de Eduardo Sabbag:

O ICMS, imposto estadual, sucessor do antigo Imposto de Vendas e Consignações (IVC), foi instituído pela reforma tributária da Emenda Constitucional n. 18/65 e representa cerca de 80% da arrecadação dos Estados. É gravame plurifásico (incide sobre o valor agregado, obedecendo-se ao princípio da não cumulatividade – art. 155, § 2º, I, CF), real (as condições da pessoa são irrelevantes) e proporcional, tendo, predominantemente, um

Page 325:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

324  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

caráter fiscal. Ademais, é imposto que recebeu um significativo tratamento constitucional – art. 155, § 2º, I ao XII, CF, robustecido pela Lei Complementar n. 87/96, que substituiu o Decreto-lei n. 406/68 e o Convênio ICMS n. 66/88, esmiuçando-lhe a compreensão, devendo tal norma ser observada relativamente aos preceitos que não contrariarem a Constituição Federal. (SABBAG, Eduardo, 2012, p. 1059-1060).

A base econômica do ICMS, constante do art. 155, II, da CF/88, que trata como entes competentes para a sua instituição os Estados e o Distrito Federal, estende-se a operações relativas à circulação de mercadorias e sobre a prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior. Veja-se:

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior.

Dessa forma, regra geral, com exceção dos serviços de transporte e comunicação, o ICMS incide sobre negócio juridicamente mercantil, pelo fato de a base econômica do imposto trazer três núcleos de relevante importância, quais sejam: operação, circulação e mercadoria.

Operação e circulação indicam a saída de um determinado bem da propriedade de certa pessoa para outra, mediante alienação, ou seja, corresponde a transferência de um direito, por título jurídico, mostrando-se irrelevante a mera saída física ou econômica.

Page 326:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        325 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Já mercadoria é o bem móvel sujeito à circulação, tendo em vista sua disposição para o consumo, uma vez que possui finalidade comercial e está disposta no mercado de negócios. Desta feita, a mercadoria é intimamente ligada à atividade mercantil, somente sendo permitida sua denominação neste sentido, quando houver habitualidade na atividade desempenhada por quem põe o bem em circulação.

Ainda assim, destaque-se norma de caráter excepcional exposta no art. 155, § 2º, IX, “a”, que permite a incidência do ICMS sobre quaisquer operações de importação, efetuada por pessoa física ou jurídica, contribuinte habitual ou não, qualquer que seja a finalidade da importação, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o domicílio ou estabelecimento do destinatário da mercadoria, bem ou serviço. Veja-se:

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;

§ 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:

IX – incidirá também:

a) sobre a entrada de bem ou mercadoria importados do exterior por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade, assim como sobre o serviço prestado no

exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário da mercadoria, bem ou serviço;

Page 327:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

326  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Delimitada a base econômica do ICMS na Constituição Federal de 1988, a Lei Complementar nº. 87/1996 restringiu o fato gerador do imposto às hipóteses consignadas no seu art. 2º, veja-se:

Art. 2° O imposto incide sobre: I – operações relativas à circulação de

mercadorias, inclusive o fornecimento de alimentação e bebidas em bares, restaurantes e estabelecimentos similares;

II – prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal, por qualquer via, de pessoas, bens, mercadorias ou valores;

III – prestações onerosas de serviços de comunicação, por qualquer meio, inclusive a geração, a emissão, a recepção, a transmissão, a retransmissão, a repetição e a ampliação de comunicação de qualquer natureza;

IV – fornecimento de mercadorias com prestação de serviços não compreendidos na competência tributária dos Municípios;

V – fornecimento de mercadorias com prestação de serviços sujeitos ao imposto sobre serviços, de competência dos Municípios, quando a lei complementar aplicável expressamente o sujeitar à incidência do imposto estadual.

§ 1º O imposto incide também: I – sobre a entrada de mercadoria ou bem

importados do exterior, por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade;

II – sobre o serviço prestado no exterior ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior;

III – sobre a entrada, no território do Estado destinatário, de petróleo, inclusive lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e de energia elétrica, quando não destinados à

Page 328:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        327 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

comercialização ou à industrialização, decorrentes de operações interestaduais, cabendo o imposto ao Estado onde estiver localizado o adquirente.

Desta feita, cumpre analisar, especificadamente, a incidência do imposto sobre a circulação de mercadorias e serviços de transporte interestadual e intermunicipal e comunicação – ICMS, no atinente as operações realizadas com energia elétrica.

2.1.1 do fato gerador nas operações com energia elétrica

A Constituição consigna na base econômica do ICMS, de acordo com o § 3º, do art. 155, operações relativas à energia elétrica, uma vez que tal parágrafo enuncia que nenhum outro imposto com exceção do ICMS, do Imposto de Importação e do Imposto de Exportação poderá incidir sobre operações relativas à energia elétrica, serviços de telecomunicação, derivados de petróleo, combustíveis e minerais do País. Analise-se:

Art. 155. (omissis).

§ 3º À exceção dos impostos de que tratam o inciso II do caputdeste artigo e o artigo 153, I e II, nenhum outro imposto poderá incidir sobre operações relativas a energia elétrica, serviços de telecomunicações, derivados de petróleo, combustíveis e minerais do País.

É interessante notar que, pelo direito privado tratar a energia elétrica como bem móvel, por si só, na forma do art. 155, II, da CF, a sua comercialização estaria sob o âmbito de incidência do imposto, a partir do momento do surgimento da lei especifica instituidora o respectivo tributo.

Com efeito, o art. 82, I, do Código Civil de 2002, expressamente consagra, para fins legais, a energia elétrica como bem móvel. Analise-se:

Page 329:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

328  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Art. 83. Consideram-se móveis para os efeitos legais:

I – as energias que tenham valor econômico;

Desse modo, como o art. 110 do Código Tributário Nacional enuncia que a lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, para definir competências tributárias, confirma-se estar a energia elétrica na base econômica do imposto.

Assim também se posiciona Eduardo Sabbag: “Cabe registrar que a energia elétrica é pacificamente entendida como ‘mercadoria’ para efeito da incidência do ICMS” (SABBAG, 2012, p. 1062).

Por outro lado, a Constituição Federal, na alínea “b”, X, § 2º, do art. 155, consagra imunidade no consoante a operações relativas à energia elétrica, dispondo que o ICMS não incidirá sobre operações que destinem a outros Estados energia elétrica. In verbis:

§ 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte

X – não incidirá:

b) sobre operações que destinem a outros Estados petróleo, inclusive lubrificantes, combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e energia elétrica.

Dessa forma, o ICMS só poderá incidir sobre a energia elétrica fornecida nos limites de determinado Estado. Ressalte-se, porém, que esta operação tem de tratar de negócio jurídico mercantil, e não sobre quaisquer espécies de circulação.

Perceba-se que no art. 2º, §1º, III, da LC 87/96, afirma-se que o ICMS, decorrente de operações interestaduais, não incidirá nas operações que destinem a outros Estados energia elétrica para comercialização ou industrialização, devendo o imposto incidir nos

Page 330:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        329 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

outros casos, cabendo ao Estado onde estiver localizado o adquirente:

Art. 2º. (omissis).

§ 1º O imposto incide também:

III – sobre a entrada, no território do Estado destinatário, de petróleo, inclusive lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e de energia elétrica, quando não destinados à comercialização ou à industrialização, decorrentes de operações interestaduais, cabendo o imposto ao Estado onde estiver localizado o adquirente.

Seguindo a lição de MACHADO (2007), entendemos que a disposição supramencionada viola a imunidade conferida pela Constituição Federal de 1988, em seu art. 155, § 2º, X, “b”, atinente a não incidência do imposto nas operações interestaduais com energia elétrica, sem excepcionar a comercialização ou a industrialização.

Ora, o art. 2º, §1º, III, da LC 87/96, em afronta à alínea “b”, X, § 2º, do art. 155, da CF/88, permitiu que incidisse o ICMS nas operações interestaduais, desde que não haja operação de industrialização ou comercialização, ou seja, quando, por exemplo, a mercadoria for destinada ao consumo. Portanto, por burlar a imunidade conferida pela CF/88, o art. 2º, § 1º, III, da LC 87/96, segundo nosso entendimento, é inconstitucional.

Entendemos aplicável, como delimitador do fato gerador do ICMS – Energia Elétrica, o art. 74 do Código Tributário Nacional, que dispõe sobre o antigo imposto único, que incidia sobre operações relativas a combustíveis, lubrificantes, energia elétrica e minerais do país.

Com efeito, através de uma interpretação conforme da Constituição de 1988, as hipóteses de incidência material ali

Page 331:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

330  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

delimitadas devem fazer incidir o ICMS globalmente sobre os fatos referentes a operações relativas à energia elétrica.

Segue-se a dicção do art. 74 do CTN:

Art. 74. O imposto, de competência da União, sobre operações relativas a combustíveis, lubrificantes, energia elétrica e minerais do País tem como fato gerador:

I – a produção, como definida no artigo 46 e seu parágrafo único;

II – a importação, como definida no artigo 19;

III – a circulação, como definida no artigo 52;

IV – a distribuição, assim entendida a colocação do produto no estabelecimento consumidor ou em local de venda ao público;

V – o consumo, assim entendida a venda do produto ao público;

Desta feita, de acordo com o afirmado quando do fato gerador do ICMS, o mesmo tem como delimitação, nas operações efetuadas com energia elétrica a produção, a importação, a circulação, a distribuição e o consumo de energia elétrica.

Produção significa o submetimento de energia elétrica a qualquer operação que modifique a natureza ou a finalidade da mesma, ou a aperfeiçoe para o consumo, conforme o parágrafo único do art. 46 do CTN.

A circulação, como já explanado, refere-se à saída de determinado bem da propriedade de certa pessoa para outra, mediante alienação, ou seja, corresponde à transferência de um direito, por título jurídico, mostrando-se irrelevante a mera saída física ou econômica.

Page 332:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        331 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

A distribuição diz respeito à colocação do produto no estabelecimento consumidor ou em local de venda ao público, enquanto o consumo é entendido como a venda do produto ao público.

Em um primeiro momento, poderíamos taxar de inconstitucionais as disposições trazidas pelo Código Tributário Nacional no seu art. 74, tendo em vista, por exemplo, que a industrialização e a simples distribuição não se coadunam com a base econômica constitucional do imposto.

Entretanto, antes de tudo utilizando uma interpretação conforme a Constituição, precisamos entender a simultaneidade com que acontecem todas as etapas da hipótese de incidência material do ICMS nas operações de energia elétrica. Na verdade, o fato gerador do ICMS – Energia Elétrica é deveras complexo, contendo, no mundo dos fatos, de uma só vez, a produção, a circulação, a distribuição e o consumo.

Preciosa é lição de Walter Álvares: “No caso particular da eletricidade, a saída da usina, a entrega e o consumo coincide com a fabricação do produto e com o próprio consumo feito pelo usuário do serviço explorado pelo concessionário”. (ÁLVARES, 1962, p. 501).

Também se posiciona nesse sentido Cléver Campos:

O sistema elétrico nacional faz a conexão física de todos os geradores, transmissores, distribuidores e consumidores. Funciona, como já dito, analogamente a um sistema de ‘caixa único’, em um mesmo momento, recebe a energia de todos os geradores e alimenta todos os consumidores. Portanto, produção e consumo se dão instantaneamente, não havendo possibilidade de estoques entre os estágios intermediários de produção,

Page 333:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

332  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

transmissão e distribuição (CAMPOS, 2001, p. 68).

Sendo assim, a produção, a circulação, a distribuição e o consumo acontecem instantaneamente, sem que haja intervalo, ou seja, em um mesmo momento, razão pela qual o art. 74 e seus incisos se coadunam com o art. 155, II, da Constituição Federal, revelando operação relativa à circulação de mercadoria.

É até por isso, também respeitando a não cumulatividade, que o § 2º do art. 74 afirma incidir o imposto, uma só vez, sobre uma das operações previstas em cada inciso, e exclui quaisquer outros tributos, sejam quais forem sua natureza ou competência, incidentes sobre aquelas operações.

Quanto à importação, de acordo com o art. 19 do CTN, ela se refere à entrada de energia elétrica estrangeira em território nacional, estando, portanto, englobada no art. 155, II, § 2º, IX, “a”, da Carta Magna de 1988, podendo incidir, nessas operações, o ICMS e o imposto de importação.

2.2 BASE DE CÁLCULO

A Lei Complementar 89/96 consigna, em seu art. 13, I, como será apurada a base de cálculo do ICMS – Energia Elétrica. Veja-se:

Art. 13. A base de cálculo do imposto é: I – na saída de mercadoria prevista nos

incisos I, III e IV do art. 12, o valor da operação;

Embora longo o supracitado artigo, para nós, no presente momento, importa o inciso I, concernente à saída da mercadoria do estabelecimento de contribuinte, bem como o seu fornecimento, motivo pelo qual nos restringimos a colacionar apenas ele. Assim, nesses casos, a base de cálculo do imposto é o valor da operação.

Desse modo, para se apurar o valor da operação efetuada com energia elétrica, através do seu fornecimento e respectiva utilização

Page 334:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        333 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

pelo usuário do serviço, faz-se necessário distinguir consumo e demanda de potência. Consumo é a energia efetivamente utilizada, enquanto demanda de potência refere-se à garantia de utilização do fluxo de energia numa determinada intensidade. O consumo é medido em kw/h (kilowatts/hora), a demanda de potência em kilowatts.

Desse modo, a demanda de potência é destinada a dar segurança e confiabilidade ao consumidor de energia elétrica, sendo estabelecida em contrato com a fornecedora, representando tráfego jurídico.

Com efeito, o simples tráfego jurídico, concebido pela contratação de demanda de potência de energia elétrica, não têm o condão de fazer incidir o ICMS, uma vez que não caracteriza a circulação de mercadoria (energia elétrica).

Dessa forma, a base de cálculo do ICMS incidente sobre a energia elétrica se subsume ao consumo, à energia efetivamente utilizada no período de faturamento, pois esta caracteriza a operação de circulação de mercadoria, através de negócio jurídico.

Com base nesse entendimento o Superior Tribunal de Justiça elaborou, no ano de 2009, a respectiva Súmula:

Súmula 391. ICMS – Incidência – Tarifa de Energia Elétrica – Demanda de Potência Utilizada. O ICMS incide sobre o valor da tarifa de energia elétrica correspondente à demanda de potência efetivamente utilizada.

Aquela Corte, inclusive, julgou a problemática no Recurso Especial Repetitivo nº 960.476/SC, in verbis:

TRIBUTÁRIO. ICMS. ENERGIA ELÉTRICA. DEMANDA DE POTÊNCIA. NÃO INCIDÊNCIA SOBRE TARIFA CALCULADA COM BASE EM DEMANDA CONTRATADA E NÃO UTILIZADA. INCIDÊNCIA SOBRE TARIFA CALCULADA

Page 335:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

334  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

COM BASE NA DEMANDA DE POTÊNCIA ELÉTRICA EFETIVAMENTE UTILIZADA. 1. A jurisprudência assentada pelo STJ, a partir do julgamento do REsp 222.810⁄MG (1ª Turma, Min. José Delgado, DJ de 15.05.2000), é no sentido de que "o ICMS não é imposto incidente sobre tráfico jurídico, não sendo cobrado, por não haver incidência, pelo fato de celebração de contratos", razão pela qual, no que se refere à contratação de demanda de potência elétrica, "a só formalização desse tipo de contrato de compra ou fornecimento futuro de energia elétrica não caracteriza circulação de mercadoria". Afirma-se, assim, que "o ICMS deve incidir sobre o valor da energia elétrica efetivamente consumida, isto é, a que for entregue ao consumidor, a que tenha saído da linha de transmissão e entrado no estabelecimento da empresa". 2. Na linha dessa jurisprudência, é certo que "não há hipótese de incidência do ICMS sobre o valor do contrato referente à garantia de demanda reservada de potência".Todavia, nessa mesma linha jurisprudencial, também é certo afirmar, a contrario sensu, que há hipótese de incidência de ICMS sobre a demanda de potência elétrica efetivamente utilizada pelo consumidor. 3. Assim, para efeito de base de cálculo de ICMS (tributo cujo fato gerador supõe o efetivo consumo de energia), o valor da tarifa a ser levado em conta é o correspondente à demanda de potênciaefetivamente utilizada no período de faturamento, como tal considerada a demanda medida, segundo os métodos de medição a que se refere o art. 2º, XII, da Resolução ANEEL 456⁄2000, independentemente de ser ela menor,

Page 336:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        335 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

igual ou maior que a demanda contratada. 4. No caso, o pedido deve ser acolhido em parte, para reconhecer indevida a incidência do ICMS sobre o valor correspondente à demanda de potência elétrica contratada masnão utilizada. 5. Recurso especial parcialmente provido. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08⁄08. (RECURSO ESPECIAL Nº 960.476 - SC (2007⁄0136295-0), RELATOR: MINISTRO TEORI ALBINO ZAVASCKI, RECORRENTE: MONTEGUTI INDÚSTRIA COMÉRCIO E TRANSPORTES LTDA, ADVOGADO: FELIPE DE SOUTO E OUTRO(S), RECORRIDO: ESTADO DE SANTA CATARINA, PROCURADOR: RICARDO DE ARAÚJO GAMA E OUTRO(S), Brasília, 11 de março de 2009., DJe: 13/05/2009).

Nesse norte é o magistério de Roque Carrazza: Embora as operações de consumo de

energia elétrica tenham sido equiparadas a operações mercantis, elas se revestem de algumas especificidades, que não podem ser ignoradas. O consumo de energia elétrica pressupõe, logicamente, sua produção (pelas usinas e hidrelétricas) e sua distribuição (por empresas concessionárias ou permissionárias). De fato, só se pode consumir uma energia elétrica anteriormente produzida e distribuída. A distribuidora de energia elétrica, no entanto, não se equipara a um comerciante atacadista, que revende, ao varejista ou ao consumidor final, mercadorias de seu estoque. É que a energia elétrica não configura bem suscetível de ser “estocado”, para ulterior revenda aos interessados. Em boa verdade científica, só há falar em operação jurídica relativa ao

Page 337:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

336  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

fornecimento de energia elétrica, passível de tributação por meio de ICMS, no preciso instante em que o interessado, consumindo-a, vem a transformá-la em outra espécie de bem da vida (luz, calor, frio, força movimento ou qualquer outro tipo de utilidade). (...) Com isto estamos enfatizando que tal tributação, em face das peculiaridades que cercam o fornecimento de energia elétrica, só é juridicamente possível no momento em que a energia elétrica, pó força de relação contratual, sai do estabelecimento do fornecedor, sendo consumida.Logo, o ICMS-Energia Elétrica levará em conta todas as fases anteriores que tornaram possível o consumo de energia elétrica. Estas fases anteriores, entretanto, não são dotadas de autonomia apta a ensejar incidências isoladas, mas apenas uma, tendo por único sujeito passivo o consumidor final. (CARRAZA, Roque, 2007, p. 242-243).

Ora, como a energia elétrica não é passível de armazenamento, sendo gerada e consumida num mesmo instante, não há como tributar o que não foi consumido em virtude de produção simultânea, pois não há circulação nem produção sem que exista consumo. Desta feita, não ocorre o fato gerador do ICMS sem a efetiva utilização da energia elétrica.

Sendo assim, no concernente à energia elétrica, temos como fato gerador do ICMS a efetiva saída de energia elétrica do estabelecimento do fornecedor, sendo este, por no mundo dos fatos, realizar a operação de circulação de mercadoria, o contribuinte de direito, devendo o sujeito ativo fazer incidir a alíquota do imposto sobre o real consumo (demanda de potência efetivamente utilizada).

3 CONCLUSÃO

Page 338:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        337 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Por meio desse artigo se abordou o ICMS – Energia Elétrica, evidenciado-se que seu fato gerador é complexo, contendo, na realidade, de uma só vez, a produção, a circulação, a distribuição e o consumo, haja vista que não é passível de armazenamento

Por isso, sedimentou-se que sua base de cálculo restringe-se ao preço da energia efetivamente consumida, decorrente da saída da mesma do estabelecimento fornecedor, conforme o art. 13, I, da LC 87/96 e a Súmula 391 do Superior Tribunal de Justiça.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALEXANDRE, Ricardo. Direito TributárioEsquematizado. 2 ed. São Paulo: Método, 2008.

ÁLVARES, Walter T.; Instituições de Direito da Eletricidade. 2 vol. Belo Horizonte: Editora Bernardo Álvares, 1962.

BECKER, Alfredo Augusto; Teoria Geral do Direito Tributário. 4 ed. São Paulo: Noeses, 2007.

BEZERRA NETO, Bianor Arruda. ICMS e substituição tributária para frente. Jus Navigandi, Teresina, ano 5, n. 40, 1 mar. 2000 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/1402>. Acesso em: 26 set. 2012. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasilde 1988. Presidência da República. Casa Civil.Subchefia para Assuntos Jurídicos. Brasília, DF, 5out. 1988. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>.Acesso em: 10 set. 2012.

______. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966.Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos.Brasília, DF, 25 out. 1966. Disponível em: <

Page 339:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

338  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5172.htm>. Acesso em: 30 ago. 2012.

______. Lei Complementar nº 87, de 13 desetembro de 1996. Dispõe sobre o imposto dos Estados e do Distrito Federal sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, e dá outras providências. (LEI KANDIR). Presidência da República. Casa Civil.Subchefia para Assuntos Jurídicos. Brasília, DF, 13set. 1996. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp87.htm>. Acesso em: 10 set. 2012.

______. Superior Tribunal de Justiça. Súmula n.º391. ICMS - Incidência - Tarifa de Energia Elétrica - Demanda de Potência Utilizada. O ICMS incide sobre o valor da tarifa de energia elétrica correspondente à demanda de potência efetivamente utilizada. Brasília,07 de outubro de 2009. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/sumulas/doc.jsp?livre=%40docn&&b=SUMU&p=true&t=&l=10&i=108>. Acesso em: 30 ago. 2012.

______. Superior Tribunal de Justiça. Tributário. Ausência de violaçao dos arts. 135, 458 e 535 do CPC. Interesse de agir. Fundamentaçao deficiente. Súmula 284/STF. Mérito. ICMS. Energia elétrica. Demanda reservada. Legitimidade ad causam do estado e do consumidor final. Fato gerador. Energia consumida, e nao demanda contratada. Recurso desprovido. Recurso Especial 825.350 - MT (2006/0043603-6). Recorrente:Estado de Mato Grosso. Recorrido: Agro Amazônia Produtos Agropecuários Ltda. Relator: Ministro Castro Meira. Brasília, 26 de maio de 2006. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=2420623&sReg=200600436036&sData=20060526&sTipo=5&formato=PDF>. Acesso em 23 set. 2012.

______. Superior Tribunal de Justiça. Processual civil. Mandado de segurança. Direito líquido e certo. Matéria fática. Súmula 7/STJ.

Page 340:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        339 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Legitimidade do consumidor final para figurar no pólo ativo de demandas visando ao reconhecimento do caráter indevido da tributação. Legitimidade passiva do fisco estadual. ICMS. Demanda contratada de energia elétrica. Não-incidência. Precedentes. Recurso Especial 829.490 - RS (2006/0055583-6). Recorrente: Estado do Rio Grande do Sul. Recorrido: Edifício Santa Maria Shopping. Relator: Ministro Teori Albino Zavascki. Brasília, 29 de maio de 2006. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=2425842&sReg=200600555836&sData=20060529&sTipo=5&formato=PDF>. Acesso em 23 set. 2012.

______. Superior Tribunal de Justiça. Tributário. ICMS. Energia elétrica. Demanda de potência. Não incidência sobre tarifa calculada com base em demanda contratada e não utilizada. Incidência sobre tarifa calculada com base na demanda de potência elétrica efetivamente utilizada. Recurso Especial 960.476 - SC (2007⁄0136295-0). Recorrente: Monteguti Indústria Comércio e Transportes Ltda. Recorrido: Estado de Santa Catarina. Relator: Ministro Teori Albino Zavascki. Brasília, 13 de maio de 2009. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=4855115&sReg=200701362950&sData=20090513&sTipo=5&formato=PDF>. Acesso em 23 set. 2012.

______. Superior Tribunal de Justiça. TRIBUTÁRIO. ICMS. Energia elétrica. Demanda contratada. Imposto indireto. Contribuinte de fato. Ilegitimidade ativa ad causam. Novel posicionamento firmado no REsp 928.875-MT, pela segunda turma. Aplicação do entendimento consagrado no REsp 903.394-AL, julgado sob o regime de recurso repetitivo pela primeira seção. AgRg nos EDcl no Recurso Especial nº 1.052.168 – AC (2008/0091339-0). Agravante: Estado do Acre. Agravada: União Educacional do Norte Ltda: Ministro Humberto Martins. Brasília, 23 de novembro de 2010. Disponível em: < https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink

Page 341:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

340  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

=ATC&sSeq=12980921&sReg=200800913390&sData=20101123&sTipo=5&formato=PDF>. Acesso em 23 set. 2012.

______. Superior Tribunal de Justiça. Tributário. Embargos de divergência em recurso especial. ICMS. Demanda contratada de potência elétrica. Consumidor final. Contribuinte de fato. Ilegitimidade ativa ad causam. Embargos de divergência em REsp nº 1.192.624 - MG (2010/0149898-0). Embargante:Cerâmica São Judas Tadeu Indústria e Comércio Ltda. Embargado: Estado de Minas Gerais. Relator: Ministro Benedito Gonçalves. Brasília, 17 de junho de 2011.Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=16046560&sReg=201001498980&sData=20110617&sTipo=5&formato=PDF>. Acesso em 23 set. 2012.

______. Superior Tribunal de Justiça. Processual civil e tributário. ICMS sobre energia elétrica. Tributo indireto. Demanda contratada. Indébito. Consumidor final. Ilegitimidade ativa ad causam. Recurso Especial 1.273.916 - RS (2011/0146676-0). Recorrente: Estado do Rio Grande do Sul. Recorrido: Löser Comércio de Cereais Ltda. Relator: Ministro Herman Benjamim. Brasília, 24 de outubro de 2011. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=18066256&sReg=201101466760&sData=20111024&sTipo=5&formato=PDF>. Acesso em 23 set. 2012.

______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial. Representativo da controvérsia. Art. 543-CCódigo de Processo Civil. Concessão de serviço público. Energia elétrica. Incidência do ICMS sobre a demanda "contratada e não utilizada". Legitimidade do consumidor para propor ação declaratória c/c repetição de indébito. Recurso Especial 1.299.303 - SC (2011/0308476-3). Recorrente: Estado de Santa Catarina. Recorrido: Multicolor Têxtil S/A. Relator:Ministro Cesar Asfor Rocha. Brasília, 14 de agosto de 2012. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLin

Page 342:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        341 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

k=ATC&sSeq=20787077&sReg=201103084763&sData=20120814&sTipo=5&formato=PDF>. Acesso em 23 set. 2012.

______. Superior Tribunal de Justiça. Processual civil e tributário. Energia elétrica. Demanda contratada. Legitimidade ativa processual do consumidor. ICMS. Incidência apenas sobre energia efetivamente consumida. Recurso Especial 1.278.688 - RS (2011/0155190-9). Recorrente: Estado do Rio Grande do Sul. Recorrido: Biccaplast Indústria de Plásticos Ltda. Relator: Ministro Herman Benjamim. Brasília, 22 de agosto de 2012. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=22042736&sReg=201101551909&sData=20120822&sTipo=5&formato=PDF>. Acesso em 23 set. 2012.

CAMPOS, Clever M.; Introdução ao Direito de Energia Elétrica. São Paulo: Ícone, 2001.

CARRAZZA, Roque Antônio; ICMS. 12 ed. São Paulo: Malheiros, 2007.

HARADA, Kyoshi. Direito Financeiro e Tributário. 19 ed. São Paulo: Atlas, 2010.

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de DireitoTributário. 29. ed. São Paulo: Malheiro Editores, 2008.

PAULSEN, Leandro; MELO, José Eduardo Soares.Impostos Federais, Estaduais e Municipais. 6. ed.Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011.

PAULSEN, Leandro. Curso de Direito Tributário: Completo. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012.

SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

Page 343:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

342  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

  www.conteudojuridico.com.br 

APONTAMENTOS SOBRE A DIVERGÊNCIA ENTRE O STF E STJ ACERCA DA TRANSFERÊNCIA DAS MULTAS PESSOAIS NA SUCESSÃO TRIBUTÁRIA

TICIANO MARCEL DE ANDRADE RODRIGUES: Advogado com experiência em Direito Público. Graduado em Direito pela Universidade Tiradentes - UNIT

RESUMO: O estudo da responsabilidade é de grande complexidade, em razão das diversas correntes defendidas pela doutrina e jurisprudência. Um dos grandes debates se refere à possibilidade de inclusão das multas pessoais no passivo a ser transferido aos sucessores tributário. O Superior Tribunal de Justiça entende pela possibilidade, enquanto o Supremo Tribunal Federal possui jurisprudência em sentido oposto. Assim, o objetivo do presente trabalho é analisar a divergência existente e apontar a corrente que melhor se adequa ao ordenamento jurídico pátrio.

PALAVRAS-CHAVE: Responsabilidade Tributária. Transferência. Multas Tributárias. Passivo. Sucessor.

1 INTRODUÇÃO

As regras da responsabilidade dos sucessores aplicam-se por igual aos créditos tributários definitivamente constituídos ou em curso de constituição à data dos atos nela referidos, e aos constituídos posteriormente aos mesmos atos, desde que relativos a obrigações tributárias surgidas até a referida data, conforme o art. 129, CTN[1].

Considera-se responsabilidade do sucessor a que ocorre em virtude do desligamento posterior do devedor original da obrigação tributária. Destarte, a obrigação se transfere para outro devedor em virtude do “desaparecimento” do devedor inicial[2]

Nesse viés, são compreendidos nessa espécie os créditos tributários relativos a impostos cujo fato gerador seja a propriedade,

Page 344:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        343 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

o domínio útil ou a posse de bens imóveis, e bem assim os relativos a taxas pela prestação de serviços referentes a tais bens, ou a contribuições de melhoria, subrogando-se na pessoa dos respectivos adquirentes, salvo quando conste do título a prova de sua quitação. Outrossim, no caso de arrematação em hasta pública, a sub-rogação ocorre sobre o respectivo preço (art. 130, CTN)[3].

Diante disso, verifica-se que esse dispositivo somente tem aplicação na aquisição de bens imóveis. Daí decorre que a sub-rogação verificada na aquisição de bens imóveis será pessoal, e considerando-se que as obrigações tributárias acompanham os imóveis, ou seja, propter rem, o adquirente do imóvel passa a ser o responsável pelos débitos tributários vinculados ao bem.

Em que pese a norma tratar expressamente da ocorrência de sub-rogação, a parte final estipula duas ressalvas. A primeira, corresponde à situação em que exista no título a prova de sua quitação; já a segunda, disposta no parágrafo único, diz respeito à hipótese de ter sido o imóvel arrematado em hasta pública, pois os débitos existentes devem ser quitados com o resultado da arrematação.

Já os incisos do art. 131 trazem os responsáveis pessoalmente pelo débito tributário. Muito embora não haja disposição expressa, é pacífico que o inciso I do artigo supracitado trata aquisição de bens móveis. Além disso, são inaplicáveis as exceções previstas no art. 130, CTN, entretanto, o STJ já decidiu pela aplicabilidade das exceções conforme as peculiaridades dos casos concretos[4].

De outro lado, os incisos II e III versam sobre a sucessão causa mortis, ou seja, em caso de falecimento do contribuinte – proprietário – ocorrerá a transmissão dos bens. De maneira simplificada, em havendo morte do titular dos bens, a sucessão será tanto do ativo quanto do passivo, daí nasce a possibilidade de responsabilidade tributária do sucessor.

2 DA INCLUSÃO DA PENALIDADES NO PASSIVO TRANSFERIDO NA SUCESSÃO

Deve-se destacar a divergência existente entre o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça no tocante à

Page 345:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

344  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

inclusão ou não das penalidades no passivo transferido ao sucessor. O art. 131 do CTN apenas versa sobre o repasse exclusivo da responsabilidade de tributo, incluindo-se juros e correção monetária, sendo omisso em relação às penalidades.

Por uma interpretação literal, conclui-se que as penalidades não seriam transferidas ao sucessor e, consequentemente, seriam extintas juntamente com a morte do contribuinte originário. Nesse sentido é o entendimento no STF[5]:

MULTA. TRIBUTO. RESPONSABILIDADE DO ESPÓLIO. Na responsabilidade tributária do espólio, não se compreende a multa imposta ao de cujus. Tributo não se confunde com multa, vez que estranha àquele a natureza de sanção presente nesta.

Entretanto, há entendimento em sentido contrário, informando que apesar da omissão do art. 131, no que diz respeito à multa, deverá, sim, ocorrer sua transferência ao sucessor, atingindo o espólio. Nessa linha posiciona-se o STJ[6]:

TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. SUCESSÃO. MULTA. 1. Responde o espólio pelos créditos tributários, inclusive multas, até a abertura da sucessão. 2. Aplica-se a multa em razão de tributo não recolhido e regularmente inscrito na dívida ativa antes do falecimento do devedor. 3. Recurso especial provido.

A razão dessa linha de pensamento é que a palavra “patrimônio” abrange um conjunto de bens, direitos e obrigações. Assim, o sucessor não pode receber os bônus (bens e direitos) sem arcar assumir os respectivos ônus (obrigações – entre elas as multas) que compõem o patrimônio transferido (ALEXANDRE, 2015, p. 324).

Como reforço argumentativo, há que fazer citação à recente Súmula 554 do STJ, editada no âmbito da Primeira Seção, julgado em 9/12/2015, que dispõe que:

Na hipótese de sucessão empresarial, a responsabilidade da sucessora abrange não apenas os tributos devidos pela sucedida, mas também as multas

Page 346:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        345 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

moratórias ou punitivas referentes a fatos geradores ocorridos até a data da sucessão.

Com efeito, em um dos julgados que serviram de base para o supracitado enunciado sumular, decidiu a Egrégia Corte da Cidade que:

Os arts. 132 e 133, do CTN, impõem ao sucessor a responsabilidade integral, tanto pelos eventuais tributos devidos quanto pela multa decorrente, seja ela de caráter moratório ou punitivo. A multa aplicada antes da sucessão se incorpora ao patrimônio do contribuinte, podendo ser exigida do sucessor, sendo que, em qualquer hipótese, o sucedido permanece como responsável. É devida, pois, a multa, sem se fazer distinção se é de caráter moratório ou punitivo; é ela imposição decorrente do não-pagamento do tributo na época do vencimento. (REsp n. 592.007/RS, Rel. Min. José Delgado, DJ de 22/3/2004)

Assim, pode-se observar que a jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça acaba por conferir tratamento especial ao crédito tributário, favorecendo a Fazenda Pública. Tudo isso porque não há distinção no Código Tributário Nacional entre as multas de caráter moratório ou punitivo para fins de transferência ao sucessor tributário.

3 CONCLUSÃO

Portanto, após todas as ideias até aqui expostas, conclui-se que a temática relacionada à possibilidade ou não de inclusão das multas tributárias no passivo a ser transferido na sucessão tributária merece muita atenção. Isso porque, há divergência entre os entendimentos do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça.

De um lado, a Suprema Corte possui jurisprudência favorável aos contribuintes, tomando por base a interpretação de que a

Page 347:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

346  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

análise de um texto normativo, notadamente no âmbito tributário, não pode gerar cobrança não prevista expressamente em lei.

Enquanto de outro, a Corte Superior de Justiça entende que, por não haver distinção no Código Tributário Nacional sobre a matéria, incluindo a multa em seu caráter amplo, não cabe ao intérprete realizar tratamento diferente onde a lei não prevê.

De mais a mais, por se tratar de entendimento mais benéfico à Fazenda Pública, já que tutela o crédito tributário, que, consequentemente, será direcionado àconsecução das políticas públicas e funcionamento da máquina estatal, a corrente que se mostra mais consentânea com o ordenamento pátrio é a adotada pelo STJ, ou seja, deverá, sim, haver a inclusão das multas tributárias no passivo a ser transferido aos sucessores, independente da sua natureza jurídica.

REFERÊNCIAS

ALEXANDRE, Ricardo. Direito tributário esquematizado. 9. ed. São Paulo: Método, 2015.

AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

PAULSEN, Leandro. Curso de direito tributário completo. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012.

SABBAG, Eduardo. Manual de direito tributário. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

NOTAS:

[1] Art. 129. O disposto nesta Seção aplica-se por igual aos créditos tributários definitivamente constituídos ou em curso de constituição à data dos atos nela referidos, e aos constituídos posteriormente aos mesmos atos, desde que relativos a obrigações tributárias surgidas até a referida data.

[2] SABBAG, Manual de direito tributário, 2013, pág. 727.

Page 348:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        347 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

[3] Art. 130. Os créditos tributários relativos a impostos cujo fato gerador seja a propriedade, o domínio útil ou a posse de bens imóveis, e bem assim os relativos a taxas pela prestação de serviços referentes a tais bens, ou a contribuições de melhoria, subrogam-se na pessoa dos respectivos adquirentes, salvo quando conste do título a prova de sua quitação.

Parágrafo único. No caso de arrematação em hasta pública, a sub-rogação ocorre sobre o respectivo preço.

[4] “O credor que arremata veículo em relação ao qual pendia débito de IPVA não responde pelo tributo em atraso. O crédito proveniente do IPVA sub-roga-se no preço pago pelo arrematante”. REsp 905.208/SP, Rel. Ministro Humberto Gomes de Barros, 3.ª T., julgado em 18/10/2007, DJ 31/10/2007, p. 332.

[5] RE 95.213-6/SP, 2.ª T., rel. Min. Décio Miranda, j. 11-05-1984.

[6] REsp 86.149/RS, 2ª T., rel. Min. Castro Meira, j. 19-08-2004.

 

   

Page 349:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

348  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

www.conteudojuridico.com.br

O PARADIGMA DOMINANTE DO DISCURSO JURÍDICO E DO ENSINO DO DIREITO

RAFAELA FERNANDA FONTOURA PSZEBISZESKI: Bacharel em Direito na Universidade Federal de Santa Maria. Analista Judiciária da Justiça Federal do Rio Grande do Sul/TRF4.

RESUMO: O discurso jurídico atual ainda é baseado em um modelo de pensamento positivista, cujo desenvolvimento se deu a partir do início da Modernidade. Para essa forma de pensamento, o Direito e a justiça se limitariam àquilo que o Estado impõe através de suas leis e decisões, não havendo muito espaço para questionamento das normas já positivadas. Ocorre que mesmo o discurso positivista, que se diz neutro por apenas realizar a aplicação da lei, é carregado de uma ideologia baseada nos interesses dominantes no modo de vida capitalista. Por isso, é necessário buscar a superação do paradigma dominante do discurso do Direito.

Palavras-chave: cientificismo; positivismo; discurso dominante; ensino jurídico.

INTRODUÇÃO

No século atual, percebe-se que o pensamento jurídico dominante, responsável pela formação de estudantes, intérpretes e aplicadores, é profundamente influenciado por uma postura cientificista, oriunda do modo de pensar positivista existente desde o século XVII. Isso faz com que os juristas ainda se baseiem na crença de que o Direito é limitado àquilo que está positivado nas normas, impedindo que se desenvolva um pensamento crítico-reflexivo nos diversos âmbitos do uso do Direito.

Page 350:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        349 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Ocorre que em todas as normas e discursos positivados pelo Estado, há inevitavelmente interesses implícitos, que, na maioria das vezes, auxilia na consolidação da forma moderna de dominação e de incongruências normativas inaceitáveis. Constitui-se, assim, uma formação imagética que trata o Direito como uma linguagem científica/epistemológica que não precisa dialogar com outros saberes para ser aplicado. Ignora-se que o Direito é uma ciência social, uma ciência da compreensão, a qual deve interagir com a complexidade das relações dos seus sujeitos, ouvindo seus interesses e necessidades reais, independente do discurso normativo consolidado.

Para superar tal paradigma dominante do discurso, verifica-se necessária a implementação de práticas que estimulem a crítica e a construção do conhecimento, especialmente no bojo do ensino jurídico.

DESENVOLVIMENTO

1.1 A formação do legado positivista e a introdução da pureza metodológica

Com o advento da Modernidade, o Estado passou a monopolizar o Direito de presidir a distinção entre ordem e caos, lei e anarquia, pertencimento e exclusão, produto útil e “refugo” (BAUMAN, 2005. p. 45). De fato, a partir do progressivo rompimento com o modo de vida feudal típico da Idade Média, emerge uma nova forma de interpretação da vida, com a qual se está vinculado até hoje: o modo de pensar objetivista e racionalista. A compreensão moderna do mundo ocidental está sedimentada em uma nova postura frente à racionalidade, a qual abandona a ideia da fundamentação através de conceitos metafísicos e transcendentes, dominantes nos séculos anteriores.

Essa postura predomina em nossa sociedade desde o surgimento do contratualismo Hobbesiano – que pregou que a sociedade abdica de uma parcela de sua liberdade para garantir a proteção e a segurança concedidas pelo Estado. Para Hobbes e os

Page 351:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

350  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

demais contratualistas, a sociabilidade só ocorre a partir da vontade racional do homem, posto que ela é construída por este em uma forma de convenção estabelecida, na qual o Estado seria o único soberano e teria como obrigação o controle da sociedade, usando a força e os recursos de todos da maneira que considerasse conveniente para assegurar a paz e a defesa comuns.

Conforme Hobbes, “Só o Estado prescreve e ordena a observância das regras a que chamamos de leis, então o Estado é o único legislador” (HOBBES, 2002, p. 197). Para ele, as leis são as regras do justo e do injusto, e ninguém pode fazer leis a não ser o Estado. Neste sentido, o Estado elabora leis para que os cidadãos se sintam protegidos e ao mesmo tempo coagidos, visto que naquilo que a lei veda, eles não sofrerão interferências de terceiros, mas também não poderão interferir em âmbitos que não são seus.

Esse contexto refletia exatamente os interesses da sociedade burguesa em ascensão a partir do final século XVII, que buscava afastar as arbitrariedades impostas pelos monarcas da Idade Média em nome da religião e da Igreja, e que acabou criando condições propícias ao desenvolvimento do positivismo cientificista. Isso porque o objetivo principal da classe era garantir a segurança do seu modo de vida e de suas propriedades.

Nesse cenário, Hobbes consegue demonstrar e convencer sobre a necessidade de adoção de um pacto diferenciado entre os homens, baseado na racionalidade e que dá ao Estado o monopólio do poder coercitivo. O autor articula sua filosofia social tendo como referencial um modelo de ciência racionalista e demonstrativa, dando impulso a uma visão mecanicista que posteriormente seria reforçada e reconstruída pelo positivismo cientificista e pelo positivismo jurídico.

O cientificismo continuou a ser desenvolvido até século XVIII, vindo a afirmar-se como atitude intelectual no século XIX, quando emergiu a denominada era da positividade. O maior precursor da escola positivista foi o filósofo francês Auguste Comte. Conforme

Page 352:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        351 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Marques Neto (2001, p. 57), o autor defendia a neutralidade científica absoluta, e formulou a lei dos três estados (ou estágios). Nessa concepção, a humanidade evoluiria de um estado teológico inicial, passando por um estado metafísico intermediário, até atingir um estado propriamente científico, que ele chama de positivo. Esse último seria uma etapa final e definitiva da forma de pensar, no qual a ciência se preocupa primordialmente com os estudos das leis naturais, defendendo uma unidade metodológica de pesquisa.

Dessa forma, a partir do positivismo, o conhecimento sujeitou a especulação à observação, ao experimento e à ciência como o principal motor do progresso humano. Conforme Alberto Cupani (1985, p. 13-20), o positivismo entende a ciência como a única forma de conhecimento válido, preciso, perfectível e desinteressado, buscando leis e teorias conforme a previsão científica, deixando de lado qualquer pretensão ao saber científico que não fosse formulado a partir de tais objetivos.

Conforme referido, o desenvolvimento da Modernidade, que tem início a partir da desvinculação com a Aristocracia feudal e a consequente ascensão da burguesia, é concomitante à evolução do pensamento positivista. O racionalismo foi abarcado pelas teorias contratualistas, e atendeu aos interesses da nova classe dominante, de forma a se tornar o novo paradigma do modo social de pensamento.

Tal interpretação continua atendendo aos interesses das classes dominantes, sendo mantido até os dias atuais. Ocorre que a concepção meramente cientificista da realidade não se revela suficiente para responder às demandas e necessidades sociais.

1.1.1 O Juspositivismo e a apropriação pelos juristas do discurso kelseniano

A moderna cultura liberal-burguesa e a expansão material do capitalismo produziram uma forma específica de racionalização do mundo. O pensamento cientificista irradiou-se nos diversos campos do conhecimento, e no Direito, isso não poderia ser diferente.

Page 353:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

352  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Segundo Bobbio (1995, p. 27), a sociedade medieval era construída por uma pluralidade de agrupamentos sociais, cada um dos quais dispondo de um ordenamento jurídico próprio. Nessa fase, o Direito era considerado norma fundada na própria vontade de Deus e por este participada à razão humana: “como diz São Paulo, como lei escrita por Deus no coração dos homens” (BOBBIO, 1995, p. 95).

Dessa forma, o julgador tinha uma certa liberdade de escolha na determinação da norma a aplicar: poderia deduzi-la das regras do costume ou daquelas elaborada pelos juristas, ou ainda poderia resolver o caso baseando-se em critérios equitativos, extraindo a regra do próprio caso em questão segundo princípios da razão natural.

Todavia, com a formação do Estado Moderno, a sociedade assumiu uma estrutura monista, na qual o Estado concentrou em si todos os poderes, principalmente o de criar Direitos de forma exclusiva: “Assiste-se, assim, àquilo que em outro curso chamamos de processo de monopolização da produção jurídica por parte do Estado” (BOBBIO, 1995, p. 27). Consequentemente, o juiz torna-se órgão do Estado, o qual deve resolver controvérsias segundo as regras emanadas do legislativo.

Fica clara a mudança radical ocorrida na Modernidade, quando o Direito que prevalece e domina a sociedade passa a ser o positivo – deixando-se de lado os mandamentos do Direito natural. Dessa forma, legitima-se o positivismo jurídico, o qual busca estudar o Direito tal qual é, e não como deveria ser (BOBBIO, 1995, p. 131). Essa forma de pensar separa a validade da norma do seu valor: a validade está relacionada com a sua existência em um ordenamento, enquanto o valor diz respeito à correspondência do Direito com a vida real, fator que, segundo Bobbio, não preocupa o juspositivista. Isso porque este apenas leva em conta o que está na realidade da ciência jurídica, independente da realidade deontológica.

Page 354:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        353 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

O maior nome relacionado ao positivismo jurídico é, sem dúvida, Hans Kelsen. Para ele, a norma possui um sentido objetivo, dotado de um poder para que seja seguida (denominado sanção). Ao propor sua teoria pura, Kelsen (1999, p. 1) afirma que:

Como teoria, quer única e exclusivamente conhecer o seu próprio objeto. Procura responder a esta questão: o que é e como é o Direito? Mas já não lhe importa a questão de saber como deve ser o Direito, ou como deve ele ser feito. É ciência jurídica e não política do Direito.

Quando a si própria se designa como “pura” teoria do Direito, isto significa que ela se propõe garantir um conhecimento apenas dirigido ao Direito e excluir deste conhecimento tudo quanto não pertença ao seu objeto, tudo quanto não se possa, rigorosamente, determinar como Direito. Quer isto dizer que ela pretende libertar a ciência jurídica de todos os elementos que lhe são estranhos. Esse é o seu princípio metodológico fundamental.

Kelsen defende que o objeto da ciência jurídica são as normas jurídicas, e a conduta humana só importa na medida em que constitui conteúdo dessas normas: “A ciência jurídica procura apreender o seu objeto ‘juridicamente’ [...] Apreender algo juridicamente não pode, porém, significar senão apreender algo como Direito [...] como norma jurídica ou conteúdo de uma norma jurídica [...]” (1999, p. 61).

Para o autor, deve-se delimitar o Direito em face da natureza e a ciência jurídica como ciência normativa, que analisa um sistema de normas (1999, p. 69). De fato, segundo ele, o Direito é uma ordem normativa da conduta humana, ou seja, um sistema de normas que regulam o comportamento humano.

Page 355:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

354  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Assim, com o termo “norma”, Kelsen identifica algo que deve ser ou acontecer, uma forma como o homem se deve conduzir em determinada situação. O autor faz uma distinção entre o mundo normativo (do dever-ser, objetivo) e o mundo dos fatos (o ser, que deverá corresponder ao dever-ser para não sofrer uma sanção – posto que o Direito é uma ordem coativa). Como sua proposta é o estudo das normas, evidentemente, tornar-se-á objetivo, e não se preocupará com sua respectiva correspondência no mundo dos fatos (exceto para instituir uma sanção):

Os juízos jurídicos, que traduzem a idéia de que nos devemos conduzir de certa maneira, não podem ser reduzidos a afirmações sobre fatos presentes ou futuros da ordem do ser, pois não se referem de forma alguma a tais fatos, nem tampouco ao fato (da ordem do ser) de que determinadas pessoas querem que nos conduzamos de certa maneira. Eles referem-se antes ao sentido específico que tem o fato (da ordem do ser) de um tal ato de vontade, e o dever-ser, a norma, é precisamente esse sentido, o qual é algo de diferente do ser deste ato de vontade [...]

Neste sentido, a Teoria Pura do Direito tem uma pronunciada tendência antiideológica. Comprova-se esta sua tendência pelo fato de, na sua descrição do Direito positivo, manter este isento de qualquer confusão com um Direito “ideal” ou “justo”. Quer representar o Direito tal como ele é, e não como ele deve ser: pergunta pelo Direito real e possível, não pelo Direito “ideal” ou “justo”. Neste sentido é uma teoria do Direito radicalmente realista, isto é, uma teoria do positivismo jurídico. Recusa-se a valorar o Direito positivo. Como ciência, ela não se considera obrigada senão a conceber o Direito positivo de acordo com a sua própria essência e

Page 356:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        355 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

a compreendê-lo através de uma análise da sua estrutura. Recusa-se, particularmente, a servir quaisquer interesses políticos, fornecendo-lhes as “ideologias” por intermédio das quais a ordem social vigente é legitimada ou desqualificada. Assim, impede que, em nome da ciência jurídica, se confira ao Direito positivo um valor mais elevado do que o que ele de fato possui, identificando-o com um Direito ideal, com um Direito justo; ou que lhe seja recusado qualquer valor e, conseqüentemente, qualquer vigência, por se entender que está em contradição com um Direito ideal, um Direito justo. (KELSEN, 1999, p. 74-75).

No mesmo sentido, a interpretação jurídico-científica não poderia fazer outra coisa senão estabelecer as possíveis significações de uma norma jurídica (1999, p. 250). Tal atividade só poderia ser realizada pelo órgão que, segundo a ordem jurídica, é competente para aplicar o Direito:

Um advogado que, no interesse do seu constituinte, propõe ao tribunal apenas uma das várias interpretações possíveis da norma jurídica a aplicar a certo caso, e um escritor que, num comentário, elege uma interpretação determinada, de entre as várias interpretações possíveis, como a única “acertada”, não realizam uma função jurídico-científica mas uma função jurídico-política (de política jurídica). Eles procuram exercer influência sobre a criação do Direito. Isto não lhes pode, evidentemente, ser proibido. Mas não o podem fazer em nome da ciência jurídica, como freqüentemente fazem (KELSEN, 1999, p. 251).

Ross (2000, p. 25), outro grande nome do positivismo jurídico, afirma que as normas independem de valores éticos ou

Page 357:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

356  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

considerações políticas, como afirmavam as escolas naturalistas e histórico-sociológicas. A ciência jurídica, portanto, deveria ser disciplina isolada dos demais conhecimentos, que não abordasse nada além do conteúdo estabelecido pelas normas.

Portanto, as normas a serem seguidas deveriam ser criadas sem influências de outros conhecimentos e positivadas no ordenamento jurídico estatal, não admitindo que o aplicador da lei utilizasse de suas influências pessoais para expedir decisões. Sendo assim, o Direito se resumiria à lei, o que garantiria segurança aos cidadãos (visto que imparcial e “pura”) e, ao mesmo tempo, legitimaria o poder do Estado, que passou a ser o mais novo soberano.

Nesse contexto, portanto, a lei se torna uma forma de controle social, imposta pelo soberano e seguida por todos, independentemente dos valores a que serve ou do seu conteúdo.

Para Galuppo (2005, p. 198), o positivismo jurídico trata a lei como um objeto autoexistente e neutro, que possui um comprometimento metodológico e está relacionado a um racionalismo sistemático, deixando de lado o Direito natural anteriormente predominante. Ante essa realidade, o Direito liberal-burguês esvaziaria e apartaria do âmbito jurídico o conteúdo jusnaturalista, sendo concebido como Direito do Estado que culminou na assimilação do jurídico pelo poder político.

Dessa forma, só seria Direito aquele positivo, e só teria positividade o Direito promulgado validamente pelos órgãos do Estado. Por sua vez, o Estado, governado pela burguesia, acabava instrumentalizado como recurso para defesa e proteção dos interesses da classe, que encontrava abrigo em um Direito predominantemente cético e neutro (JULIOS-CAMPUZANO, 1999, p. 172).

Com esse pensamento, era necessário excluir do Direito as proposições metafísicas, consagrando uma ciência do Direito que possuísse um método próprio, produzido através da razão e

Page 358:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        357 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

separado das demais disciplinas afins. Entretanto, o Direito não pode ser entendido como um fato isolado. Pêpe (2007, p. 25-26) defende que o Direito positivo coloca o homem cotidiano à margem do sistema, impossibilitando uma experiência comunicativa. Com as normas positivadas, haveria um monopólio da ordem, descaracterizando princípios éticos que sedimentaram outros sistemas normativos. A lei imposta por classes privilegiadas acaba causando uma cegueira parcial no resto da sociedade, que não percebe que ao pensamento e prática jurídicas interessa apenas o que certos órgãos do poder social impõem e rotulam como Direito.

Atualmente, o pensamento positivista permanece enraizado na formação dos juristas. Conforme Habermas (1987, p. 321-339), o Direito, desde a Modernidade, passou a ser uma disciplina exclusivamente de juristas, que o aplicam da forma sistematicamente instituída e especializada.

Os princípios da legalidade não exigem motivação ética fora de uma obediência geral ao Direito, sancionando apenas ações, e não intenções. Passa-se a um critério abstrato de valor, em busca daretitude normativa. Dessa maneira, segundo Habermas, o racionalismo acaba entrando em crise diante dos conflitos modernos. Além disso, fica cada vez mais evidente que a positividade apenas expressa a vontade de um legislador soberano, legitimando a dominação política.

A sociedade, que depende do Direito para regulamentar suas relações sociais, mesmo sentindo diretamente a insuficiência do paradigma dominante, não encontra alternativas que possibilitem sua participação nas decisões e manifestações jurídicas.

Consequentemente, a realidade dosjurisdicionados continua repetindo-se constantemente, e o poder de decisão (tanto na elaboração das leis, quando na sua interpretação e aplicação) continua sendo de uma minoria que ainda detém o poder político e econômico da nossa sociedade.

Page 359:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

358  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

1.2 Evidências da insuficiência do paradigma cientificista dominante

A ciência é representação simbólica do real, da nossa maneira de entender. Explica Ricoeur (1977, p. 56-57) que o discurso humano é composto pelo evento e pela significação. Esse último é a forma como o evento é apreendido, de maneira que um se articula sobre o outro, em ultrapassagens. Isso porque entre o real e o discurso, há um referencial de segunda ordem: um ser no mundo que opera sobre as duas esferas. Em suma: tem-se uma compreensão à distância e não se pode atingir o real, pois é impossível uma libertação da palavra, tendo em vista nossos limites de comunicação.

Na mesma obra (1977, p. 143), o autor afirma que é dessa forma que as relações de dominação e desigualdade necessárias ao funcionamento do sistema industrial conseguem se legitimar. A “realidade” que estamos dispostos a ouvir passa inevitavelmente por filtros, ditados por quem se encontra no Poder. Assim, a ideologia da ciência e da tecnologia passa despercebida por aqueles que ainda defendem o pensamento positivista.

Japiassu (1975, p. 10-11) afirma que a razão científica é historicamente condicionada, é sempre uma interpretação, e por tal motivo, um cientista jamais poderia se dizer neutro. Conforme o autor:

A produção científica se faz numa sociedade determinada que condiciona seus objetivos, seus agentes e seu modo de funcionamento. É profundamente marcada pela cultura em que se insere. Carrega em si os traços da sociedade que a engendra, reflete suas contradições, tanto em sua organização interna quanto em suas aplicações. Talvez não seja exagero dizermos que o “poder do conhecimento” está transformando-se rapidamente em “conhecimento do poder”.

Page 360:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        359 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Nessa toada, o ensino da ciência como uma verdade revelada acaba por criar no grande público uma essência quase mística, e certamente, irracional, que exclui todo saber que não seja o da ciência, ditando que os experts são os detentores exclusivos do conhecimento.

Conforme Japiassu, “o cientificismo justifica a hierarquização rígida da sociedade, e tende a fortalecê-la sempre mais, colocando em seu cume uma tecnocracia fortemente hierarquizada que tomará as decisões” (1975, p. 88-90). Enquanto tal, a ciência acaba sendo utilizada para fornecer as justificações e as racionalizações às filosofias do progresso e do desenvolvimento técnicos, os quais constituem uma das forças motrizes mais importantes para fortalecer a produção crescente.

Segundo Santos (1995, p. 10-11), sendo um modelo global, a nova racionalidade científica é também um modelo totalitário, na medida em que nega o caráter racional a todas as formas de conhecimento que não se pautarem pelos princípios epistemológicos e pelas suas regras metodológicas. Esta preocupação em testemunhar uma ruptura fundante que possibilita uma e só uma forma de conhecimento verdadeiro está, segundo o autor, bem demonstrada na atitude mental dos protagonistas, no seu espanto perante as próprias descobertas e a extrema e ao mesmo tempo serena arrogância com que se comparam com seus contemporâneos.

Ocorre que, depois da euforia cientificista do século XIX e da consequente aversão à reflexão filosófica, chega-se, ao final do século XX, com o desejo, quase desesperado, de complementar-se o conhecimento das coisas. Explica Santos (1995, p. 24-28):

A ideia de que não conhecemos do real senão o que nele introduzimos, ou seja, que não conhecemos do real senão a nossa intervenção nele, está bem expressa no princípio da incerteza de Heisenberg: não se podem reduzir simultaneamente os erros da medição de

Page 361:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

360  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

velocidade e da posição de partículas; o que for feito para reduzir o erro de uma das medições aumenta o erro da outra. [...] A própria filosofia da matemática, sobretudo a que incide sobre a experiência da matemática, tem vindo a problematizar criativamente esses temas e reconhece hoje que o rigor matemático, como qualquer outra forma de rigor, assenta num critério de selectividade e que, como tal, tem um lado construtivo e um lado destrutivo.

[...] A importância desta teoria está na nova concepção da matéria e da natureza que propõe uma concepção dificilmente compaginável com a que herdámos da física clássica. Em vez da eternidade, a história; em vez do determinismo, a imprevisibilidade; em vez do mecanicismo, a interpenetração, a espontaneidade e a auto-organização; em vez de reversibilidade, a irreversibilidade e a evolução; em vez da ordem, a desordem; em vez da necessidade, a criatividade e o acidente.

Nessa toada, percebe-se mesmo nas ciências físicas e matemáticas uma superação da dicotomia entra as ciências naturais e as ciências sociais, revalorizando-se os estudos humanísticos e deixando de lado a concepção positivista. Com o desenvolvimento desses pensamentos, desde o século passado não é mais possível aceitar, no mundo jurídico, que a norma (assim como qualquer texto) é destituída de ideologias no momento de sua construção e/ou recepção.

Sabe-se hoje que a lei positivada reflete os interesses de uma sociedade, e, portanto, não pode ser tratada como uma ciência meramente empírica, conforme objetivavam os juspositivistas. Além disso, o Direito enquanto uma ciência social, e para que seja efetivo e adequado, deve levar em conta as condições da sociedade em

Page 362:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        361 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

que se vive, bem como o conhecimento existente em outros campos do saber.

Em suas diversas obras, Bauman ressalta como o progresso apregoado pela Modernidade se revelou excludente, e como existem dificuldade para enfrentar os novos problemas:

Talvez, e mais importante, hoje em dia tenhamos a tendência a sentir que o remédio patenteado e herdado do passado não funciona mais. Não importa a habilidade que possamos ter na arte de gerenciar crises, na verdade, não sabemos como enfrentar esse problema. Talvez nos faltem até mesmo as ferramentas para imaginar formas razoáveis de enfrentá-lo (Bauman, 2005, p. 24).

Isso porque, a partir do novo paradigma moderno, o espaço ordenado passa a ser governado pela norma, que é uma norma exatamente à medida que proíbe e exclui. Para o autor, “a lei se torna lei quando exclui do domínio do permitido os atos que seriam autorizados se não fosse a presença da lei – e de atores que teriam autorização de viver no estado de anarquia” (Bauman, 2005, p. 43).

De fato, a lei jamais alcançaria a universalidade sem o direito de traçar o limite de sua aplicação, criando, como prova disso, uma categoria universal de marginalizados/excluídos, e o estabelecimento de um “fora dos limites”, fornecendo assim o lugar de despejo dos que foram excluídos.

Do ponto de vista da lei, a exclusão é um ato de autossuspensão. Isso significa que a lei limita sua preocupação com o marginalizado/excluído para mantê-lo fora do domínio governado pela norma que ela mesma circunscreveu. A lei atua sobre essa preocupação proclamando que o excluído não é assunto seu. Não há lei para ele. A condição de excluído consiste na ausência de uma lei que se aplique a ela. (Bauman, 2005, p. 43). Em suma: a lei, por

Page 363:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

362  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

si só, é excludente. Seleciona seus tutelados e pune as condutas que entende inadequadas. Entretanto, aqueles que definem a legislação são poucos, e refletem diretamente o interesse das classes dominantes da nossa sociedade.

Nesse sentido, o monopólio do Estado sobre o desempenho da função legisladora permaneceu incontestado, principalmente pelos demais Estados, que possuíam o mesmo poder. Para a maioria dos fins práticos, esse monopólio permanece incontestado ainda hoje, a despeito do acúmulo de evidências sobre o status ficcional das afirmações de soberania do Estado.

A postura positivista reafirma o poder excludente do Estado, ao determinar que o objeto do Direito é, única e exclusivamente, a lei. Sem diálogo com outras disciplinas e conhecimentos, a lei permanece supostamente em sua pureza – enquanto na realidade, atende apenas aos interesses de alguns, em detrimento de uma grande classe de pessoas também jurisdicionadas.

Com isso, percebemos tanto nas decisões judiciais, quanto nas manifestações doutrinárias dosexperts do Direito, uma postura conservadora, que ao mesmo tempo em que desagrada a população, impede que o conhecimento chamado de “vulgar” (posto que social ou mesmo derivado de outras disciplinas) se infiltre e modifique a realidade jurídica. Fica evidente que a postura jurídica procura ser legalista, mas, de maneira nenhuma, revela-se pura. O modo de tratamento de atores diferentes em situações similares revela os interesses protegidos tanto pela lei quanto pela sua interpretação dada pelos juízes e ministros.

Olhando de maneira mais aprofundada para o que acontece no mundo jurídico, fica fácil perceber que a raiz do problema se encontra desde os primeiros anos do ensino superior jurídico. Os estudantes de Direito aprendem com Manuais e com base em casos muito distantes da realidade social, sendo obrigados a entender institutos jurídicos através de hipóteses que dificilmente ocorreriam na vida “real”.

Page 364:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        363 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Diante dessa forma de ensino, cristaliza-se o modo de pensar mecânico e positivista, que refletirá diretamente na prática profissional desses futuros bacharéis. Ante a essas “aberrações” causadas pelo mundo jurídico e por quem se utiliza dele, há que se concluir que tanto o ensino, quanto a aplicação e interpretação efetuadas pelo Direito merecem uma reformulação que supere o paradigma dominante atual.

Aqui, cabe referir a crítica de Luis Alberto Warat acerca do modo como as Escolas de Direito formam os juristas. Para o professor, o formalismo e o afastamento da vida foram pontos de referência para que se reivindicasse a necessidade de um ensino e de uma teoria crítica do Direito, ainda na segunda metade dos anos setenta (WARAT, 2004, p. 149-150).

Entretanto, a relação do conhecimento jurídico que atualmente forma os juristas com a práxis do Direito pode ser considerada retórica, pois seus teóricos pensam que sua principal função é a de formular instruções para a atividade do legislador, dando indicações para a sistematização das sentenças e seus fundamentos. Desta maneira, o saber oficialmente instituído do Direito e sua divulgação acadêmica movem-se principalmente no interior de um mesmo discurso especializado nas práticas de ofício, não revolucionando o modo de pensar e por consequência, mantendo a compreensão positivista nas Escolas de Direito.

Conforme Warat, para manter a função prática do saber jurídico, os estudantes são forçados a ignorar os efeitos sociais de sua própria formação, sob a invocação do caráter científico do saber ensinado, em razão de um paradigma epistemológico que reivindica a objetividade do Direito e de seu conhecimento, como também a objetividade de sua aplicação. Como consequência, o jurista prático termina sendo afastado do olhar sociológico e político: a neutralidade convida-o a comportar-se em sua prática profissional como cientista puro. De tal maneira, conclui o autor, “o postulado da pureza metódica torna-se uma regra da práxis do Direito, uma regra que efetivamente nega muitos dos princípios e valores que a teoria

Page 365:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

364  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

e a prática tradicional do Direito proclamavam como guia” (WARAT, 2004, p. 151).

Para ele, nas salas de aula comuns os estudantes e os professores estimulam-se reciprocamente para instalar-se confortavelmente na servidão das vozes instituídas, aprendendo a operar com uma ordem simbólica que unicamente reconhece máscaras para negar as ressonâncias da autonomia, para assegurar a inscrição do poder na linguagem e para reforçar a opacidade da dominação.

Por tal motivo, entende que o ensino do Direito tem que se reconhecer comprometido com as transformações da linguagem, aceitar-se como prática genuinamente transgressora da discursividade instituída, como exercício de resistência a todas as formas de violência simbólica, isto é, como uma prática política dos Direitos do homem à sua própria existência (WARAT, 2004, p. 375-376).

CONCLUSÃO

Do progressivo rompimento do modo de vida típico da Idade Média emergiu uma nova forma de interpretação da vida, centrada na objetividade e na racionalidade. De fato, o Estado Moderno foi marcado pela transmissão do poder dos antigos Monarcas ao Estado, o qual seria o único soberano capaz de ditar leis e impor obrigações aos seus cidadãos. O monopólio do poder coercitivo nas mãos do Estado refletia exatamente os interesses da sociedade burguesa em ascensão a partir do final século XVII, que buscava afastar as arbitrariedades impostas pelos monarcas da Idade Média em nome da segurança do modo de vida e do seu patrimônio.

Esse modo de pensamento centrado na segurança das relações criou condições propícias ao desenvolvimento do positivismo cientificista, que teve seu ápice como atitude intelectual no século XIX, sendo seu maior precursor o filósofo francês Auguste Comte. O pensamento positivista difundiu na sociedade o entendimento de que só seria válido o conhecimento científico,

Page 366:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        365 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

deixando de lado qualquer pretensão ao saber que não fosse formulado a partir de métodos empiricamente verificáveis.

Influenciado por essa forma de pensamento e pela moderna cultura liberal-burguesa, o Direito absorveu o modo de agir racionalista, surgindo então o juspositivismo. Dessa forma, enquanto na sociedade medieval o Direito era produzido como um fenômeno social, na Modernidade o Direito é unicamente aquilo que o Estado emana, seja pelas leis que constrói, ou mesmo pelas decisões dos juízes, os quais se tornaram órgãos do Estado.

Entretanto, o racionalismo acaba entrando em crise e se tornando insuficiente diante dos conflitos diários pelos quais passa a sociedade, o que evidencia que a positividade apenas se preocupa com a pureza em sua aplicação porque deseja manter a vontade de um legislador soberano, legitimando a dominação política daqueles que possuem poder frente ao Estado.

O Direito enquanto uma ciência social deve levar em conta as condições da sociedade em que se vive, bem como o conhecimento existente em outros campos do saber. De tal maneira, os juristas, os professores do Direito e, até mesmo, os acadêmicos, devem buscar formas de superação do discurso jurídico dominante, tanto pelo modo de (re)pensar a linguagem do Direito e de adotar uma postura inconformista com o que é coativamente imposto à sociedade, quanto na transformação do ensino e da forma de tratamento de conflitos.

Deve-se buscar o rompimento com o discurso paralisante, alargando a mentalidade do sistema jurídico e permitindo que ele dialogue com outros saberes, de forma a contribuir com a superação do paradigma dominante do discurso jurídico, violentando instituições para não violentar a vida.

REFERÊNCIAS

BAUMAN, Zygmunt. Vidas desperdiçadas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.

Page 367:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

366  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico:Lições de filosofia do Direito. São Paulo: Ícone, 1995.

CUPANI, Alberto. A crítica do positivismo e o futuro da filosofia. Florianópolis: UFSC, 1985.

GALUPPO, Marcelo Campos. A epistemologia jurídica entre o positivismo e o pós-positivismo. In:Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica, vol. 1, nº 3. Porto Alegre: Instituto de Hermenêutica Jurídica, 2005.

HABERMAS, Jürgen. Teoría de la acción comunicativa I: Racionalidad de la acción y racionalización social. Madrid: Taurus, 1987.

HOBBES, Thomas. Leviatã, ou Matéria, Forma e Poder de um Estado Eclesiástico e Civil. São Paulo: Martin Claret, 2002.

JAPIASSU, Hilton. O Mito da Neutralidade Científica. Rio de Janeiro: Imago, 1975.

JULIOS-CAMPUZANO. ¿Está en crisis el paradigma jurídico de la mordenidad? In: BELLOSO MARTÍN, Nuria. Para que algo cambie em la Teoría Jurídica. Burgos: Servicios de Publicaciones de la Universidad de Burgos, 1999.

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

MARQUES NETO, Agostinho Ramalho. A ciência do Direito: conceito, objeto,

método. 2ª Edição. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.

PÊPE, Albano Marcos Bastos. O Jusnaturalismo e o Juspositivismo Modernos. In: SANTOS, André Leonardo Copetti, STRECK, Lenio Luiz, ROCHA, Leonel Severo (orgs.). Constituição, sistemas sociais e hermenêutica:

Page 368:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        367 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

programa de pós-graduação em Direito da UNISINOS: mestrado e doutorado. São Leopoldo, UNISINOS, 2007.

RICOEUR, Paul. Interpretação e Ideologias. Rio de Janeiro: F. Alves, 1977.

ROSS, Alf. Direito e Justiça. Bauru, SP: EDIPRO, 2000.

SANTOS, Boaventura de Souza. Um discurso sobre as ciências. 7. ed. Porto: Edições Afrontamento, 1995.

WARAT, Luis Alberto. Epistemologia e ensino do Direito: o sonho acabou. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2004-a.

Page 369:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

368  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

  www.conteudojuridico.com.br 

O TRATAMENTO DIFERENCIADO PARA MICROEMPRESA E EMPRESA DE PEQUENO PORTE SOB A ÓTICA DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

NATÁLIA LUIZA LIMA DANTAS LIRA: Advogada. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Pós-graduada em Direito e Processo Penal pela Universidade Potiguar.

RESUMO: O presente artigo tem como finalidade analisar o tratamento diferenciado concedido para as microempresas e empresas de pequeno porte no âmbito do ordenamento jurídico brasileiro. Nesse cenário, a Constituição Federal de 1988 determina o estabelecimento de normas que incentivem e estimulem o crescimento das empresas de pequeno porte, como forma de promoção do próprio desenvolvimento nacional. Assim, a legislação infraconstitucional surge com mecanismos capazes de reduzir as diferenças e assim concretizar o mandamento constitucional e o princípio da igualdade. Dessa forma, o presente trabalho tem como escopo analisar os principais instrumentos que concretizam o tratamento diferenciado concedido as microempresas e empresas de pequeno porte.

Palavras-Chave: Microempresa. Empresa de Pequeno de Porte. Tratamento diferenciado. Constitucionalidade.

1 INTRODUÇÃO

A Lei Complementar n. 123, de 14 de dezembro de 2006 trata do Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, introduziu um tratamento diferenciado e simplificado a participação de microempresa e empresa de pequeno porte no procedimento licitatório, abrangendo tanto nas modalidades previstas pela Lei n. 8.666/1993, quanto na modalidade de pregão.

Page 370:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        369 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Nesse sentido, para favorecer as empresas que se enquadram nos requisitos estabelecidos pela Lei, foram instituídos novos critérios de julgamento, possibilitando que a microempresa e a empresa de pequeno porte tenham iguais condições de vencer o procedimento licitatório em relação às demais empresas.

Com efeito, a crescente participação das referidas empresas no certame licitatório tem como escopo o próprio desenvolvimento nacional sustentável, o qual é considerado um dos objetivos da licitação, nos termos do art. 3º da Lei n. 8.666.

Assim, o presente artigo irá de apresentar os aspectos que envolvem a concessão dessas vantagens a microempresa e empresa de pequeno porte, bem como abordar as diversas discussões acerca do tema, especialmente sob a ótica da Constituição Federal de 1988.

2 A CONSTITUCIONALIDADE DO TRATAMENTO DIFERENCIADO

A Lei Complementar 123, de 14 de dezembro de 2006, dispõe a respeito do tratamento diferenciado à participação das microempresas e empresas de pequeno porte no procedimento licitatório, tanto para as modalidades da Lei 8.666/1993, quanto para o pregão. No âmbito da União, esta matéria foi regulamentada pelo assim como o Decreto Federal n. 6.204/2007, o qual não se aplica para outros entes federados.

Primeiramente, não há de se falar em ofensa do princípio da igualdade em razão deste beneficio concedido as microempresas e empresas de pequeno porte. Na verdade, trata-se de uma forma de concretização do próprio dever de tratar a todos de forma paritária. Em regra, se faz necessário dispensar este tratamento equânime, sempre que exista uma correlação lógica entre a característica diferencial utilizada e a distinção de tratamento conferida em razão dela. No caso em tela, correlaciona-se o pequeno porte econômico de uma empresa com a concessão de vantagens de vantagens na

Page 371:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

370  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

sua atividade empresarial, conforme leciona o doutrinador Celso Antônio Bandeira de Melo:

Deve-se considerar estas distintas providências correspondente a um exemplo paradigmático da aplicação positiva (ou seja, não meramente negativa) do princípio da igualdade, o qual como é sabido, conforta o tratamento distinto para situações distintas, sempre que exista uma correlação lógica entre o fator discriminante e a diferença de tratamento. [1]

Ademais, a própria Constituição Federal, no seu artigo 170, IX, consagra, como princípio da ordem econômica o tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. Observa-se, assim, que a própria Carta Constitucional prevê a necessidade de um tratamento diferenciado, capaz de reduzir as desigualdades, autorizando, portanto, a concessão de benefícios as aludidas empresas.

Ressalta-se, também, que o artigo 179 da Constituição Federal, dispõe a respeito do tratamento jurídico diferenciado que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. Estes dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, com o escopo de incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei.

Além disso, o referido tratamento diferenciado, não visa estabelecer contratações catastróficas para a Administração Pública, pelo contrário, em nada obsta o dever do Poder Público de buscar a melhor contratação possível; entretanto, deve ser observada a peculiaridade das vantagens atribuídas às microempresas e empresas pequenas de pequeno porte para colocá-las em igualdade com as demais concorrentes, mesmo com a desigualdade que existe entre elas na prática.

Page 372:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        371 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

3 VIGÊNCIA DOS DISPOSITIVOS

Todos os dispositivos da Lei Complementar n. 123/06, estão em vigor desde a sua data de publicação, 15 de dezembro de 2006, consoante com o previsto pelo seu artigo 88.

Entretanto, destaca-se que no tocante as licitações diferenciadas, as mesmas devem ser previstas e regulamentas por cada ente federativo. Como foi abordado no inicio deste trabalho, a União já realizou a regulamentação do tratamento diferenciado e simplificado através do Decreto Federal n. 6.204/2007. É preciso destacar, também, a existência da Lei 11.488, de 15 de junho de 2007, pela qual é determinada a aplicação da referida Lei Complementar 123/2006 às sociedades cooperativas (art. 34).

4 CONCEITOS LEGAIS

Nos termos da Lei Complementar 123/06, no seu art. 3°, incisos I e II, as microempresas e as empresas de pequeno porte são definidas como:

Art. 3º Para os efeitos desta Lei Complementar, consideram-se microempresas ou empresas de pequeno porte a sociedade empresária, a sociedade simples e o empresário a que se refere o art. 966 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, devidamente registrados no Registro de Empresas Mercantis ou no Registro Civil de Pessoas Jurídicas, conforme o caso, desde que:

I - no caso das microempresas, o empresário, a pessoa jurídica, ou a ela equiparada, aufira, em cada ano-calendário, receita bruta igual ou inferior a R$ 240.000,00 (duzentos e quarenta mil reais);

II - no caso das empresas de pequeno porte, o empresário, a pessoa jurídica, ou a ela equiparada, aufira, em cada ano-calendário, receita bruta superior a R$ 240.000,00 (duzentos

Page 373:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

372  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

e quarenta mil reais) e igual ou inferior a R$ 2.400.000,00 (dois milhões e quatrocentos mil reais).

Assim, de forma geral, será beneficiado no procedimento licitatório pelo disposto na aludida lei, a empresa que tiver receita bruta anual inferior a R$ 2.400.000,00 (dois milhões e quatrocentos mil reais).

É essencial, para compreensão desta definição, conhecer o significado de receita bruta e ano-calendário. O próprio parágrafo 1°, do art. 3°, da Lei Complementar 123/06, conceitua como receita bruta o produto da venda de bens e serviços nas operações de conta própria, o preço dos serviços prestados e o resultado nas operações em conta alheia, não contidas as vendas canceladas e os descontos incondicionais concedidos.

Enquanto que o ano-calendário é correspondente ao ano civil; sendo o lapso temporal previsto para avaliar os limites máximos de renda bruta auferida pela microempresa ou empresa de pequeno porte.

No tocante ao ano-calendário que deve ser considerado no procedimento licitatório, de acordo com Diogenes Gasparini[2], é o anterior ao da promoção da licitação, tendo em vista que só é possível a apuração, com segurança, da receita bruta auferida por essas empresas ao final deste período.

5 QUALIFICAÇÃO E PROCEDIMENTO: LICITAÇÃO TRADICIONAL E PREGÃO

Leonardo Santiago[3] sobre o momento de qualificação das microempresas e empresas de pequeno porte coloca que o art. 11 do Decreto nº 6.204/07 prevê, nos casos de pregão eletrônico, que a indentificação só pode ocorrer após o encerramento dos lances, de modo a dificultar a possibilidade de conluio ou fraude do procedimento.

No tocante as demais modalidades não existem grandes problemas: no pregão presencial este tipo de qualificação deve

Page 374:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        373 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

acontecer no instante do credenciamento e nas outras modalidades da Lei 8.666/93, fará parte integrante do envelope de habilitação.

Quanto ao critério da forma de qualificação, tem-se que este mesmo art. 11 do Decreto nº 6.204/07, coloca que deve ser exigida das empresas a declaração, sob as penas da lei, de que cumprem os requisitos legais para a qualificação como microempresas ou empresas de pequeno porte, estando aptas a usufruir o tratamento favorecido estabelecido nos arts. 42 a 49 da Lei Complementar.

É válido esclarecer que o Estatuto Nacional de Microempresa e Empresa de Pequeno Porte, como bem coloca Gasparini[4], não promoveu alterações substanciais no procedimento da licitação previsto no art. 43 da Lei federal n. 8.666/93. Deste modo, o cumprimento das implicações trazidas para a lictação por este Estatuto, tanto por parte da entidade licitante como por parte dessas empresas, deve obedecer a este procedimento, ainda que algumas sessões públicas devam ser suspensas e reiniciadas em outra data quando a vencedora é microempresa ou empresa de pequeno porte, para que possam usufruir de seus privilégios na licitação.

No tocante ao procedimento do pregão, o qual foi inserido pela Lei Federal n. 10.520/200, adota-se o mesmo dito no parágrafo anterior, isto porque a ausência de legislação que estabeleça procediementos próprios abarcando essas modalidades específicas de empresa, faz com que o instrumento de convocação tenha forma legítima e conveniente sobre o comportamento dessas empresas e da própria Administração Pública licitante , já que assim se assegurará o princípio da igualdade.

6 TUTELA ESPECIAL DA MICROEMPRESA E DA EMPRESA DE PEQUENO PORTE NAS CONTRATAÇÕES PÚBLICAS

Outro ponto que merece destaque, introduzido pela Lei Complementar 123/06, reside na possibilidade de licitações diferenciadas, previsto nos seus artigos 47 e 48.

Page 375:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

374  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

De acordo com o primeiro dispositivo, todos os entes federados poderão, nas contratações públicas, conceder o tratamento diferenciado e simplificado para as microempresa s e empresas de pequeno porte, visando a promoção e desenvolvimento econômico e social, tanto na esfera regional quanto municipal, a ampliação da eficiência das políticas públicas e o incentivo à inovação tecnológica, sendo necessário a previsão e a regulamentação na legislação do respectivo ente.

Para tanto, existem três possibilidades distintas de a Administração Pública realizar o procedimento licitatório, como prevê o segundo dispositivo mencionado. A primeira possibilidade, disposta no inciso I do art. 48 da Lei Complementar Federal n. 123/2006, consiste na realização de licitação em que seja exclusiva a participação de microempresa e empresa de pequeno porte, sendo até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais) o valor da contratação. Sobre esse aspecto se faz relevante dizer que não é preciso que para sua legalidade se tenha como licitantes as três espécies empresariais, já que não representa ilegalidade se dela só participarem microempresas, sem a presença de empresas de pequeno porte ou cooperativas. Diógenes Gasparini exemplifica o conteúdo da seguinte forma:

[...] se em derteminado ano civil serão gastos R$ 1.000.000,00 com a compra de água mineral, poderá a Administração Pública licitar, mediante certaemes dos quais só participarão microempresa, empresa de pequeno porte e cooperativas, a compra de parte dessa água no valor de R$ 240.000,00, mediante a realização de três certames, cada um de R$ 80.000,00. Os restantes R$ 760.000,00 serão normalmente licitados e desta licitação poderão participar empresas comuns, microempresas, empresas de pequeno porte e cooperativas , assegurando-se a estas últimas o regime diferenciado e

Page 376:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        375 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

favorecido da Lei Complementar federal n. 123/2006. [5]

Quando a licitação for composta apenas por microempresas, empresas de pequeno porte e cooperativas estas poderam receber o benefício da apresentação posterior da documentação fiscal, contudo , em caso de empate real, não caberá qualquer favorecimento, pois caso ele ocorrá será resolvido por sorteio , sendo impraticavel o empate ficto. No tocante a modalidade licitatóra , poderá ser qualquer uma das tradicionais ou pregão. É preciso, porém, ressaltar que será pregão sempre que o objeto for bem ou serviço comum, dando-se preferência ao pregão eletrónico

A segunda possibilidade ( inciso II, do referido art.48) é de licitação normal, na qual deve ser obrigatória a subcontratação de microempresa ou de empresa de pequeno porte por parte do licitante vencedor (desde que o percentual contratado não exceda a 30% do total licitado). Lembrando que os empenhos e pagamentos do órgão ou entidade da administração pública poderão ser destinados diretamente às microempresas e empresas de pequeno porte subcontratadas (art. 48, §2º, Lei Complementar Federal n. 123/2006). Ainda sobre o conteúdo, é preciso dizer que nessa espécie de licitação diferenciada não deve haver favoreciemento à microempresas ou empresas de pequeno porte porque não estão participando do certame e se estiverem serão consideradas empresas comuns ( com exceção à documentação fiscal, conforme o art. 7º, III, do decreto regulamentador, segundo o qual, no momento da habilitação da licitante deverá ser comprovada a regularidade fiscal e trabalhista das microempresas, empresas de pequeno porte e cooperativas que serão subcontratadas ). Gasparini acredita, ainda, que “a mesma microempresa , empresa de pequeno porte ou cooperativa, não pode ser indicada como subcontratadapor dois ou mais licitantes na mesma licitação” [6] . É preciso lembrar neste ponto a figura do art. 7º,§ 1º, do decreto regulamentador que elenca os casos onde a exigência de subcontratação não será aplicavél, isto é quando o licitante for: microempresa e empresa de pequeno porte; consórcio composto

Page 377:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

376  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

em sua totalidade por microempresas e empresas de pequeno porte , respeitando o disposto no art. 33 da Lei Federal n. 8.666/93; consórcio composto parcialmente por microempresas e empresas de pequeno porte com participação igual ou superior ao percentual exigido de subcontratação.

Por fim, a terceira possibilidade ( inciso III do art. 48 do Estatuto Nacional da Microempresa e Empresa de Pequeno Porte) é o fracionamento do objeto licitado, em certames para a aquisição de bens e serviços de natura divisível, de modo que seja estabelecida a cota de até 25% (vinte e cinco por cento) para a contratação exclusivamente de microempresa e empresa de pequeno porte. Esta hipótese de licitação diferenciada, deve obedecer aos favores estabelecidos às microempresas e empresas de pequeno porte pela LC n. 123/2006, quando competem com empresas comuns para o fornecimento da cota principal do objeto licitado. A respeito do procedimento licitatório da cota reservada tem-se que deve ser o mesmo selecionado para a licitação da cota principal, logo, há de ser um só, mas a sua evolução obviamente será diversa, visto que as ofertas só podem partir de microempresa, empresa de pequeno porte ou cooperativa.

É preciso ressaltar que existe um limite de 25% do total licitado no ano civil para o emprego dos instrumentos especificos explicitados no art. 48 da referida lei federal (é o que preleciona o § 1º de tal artigo).

Os privilégios acima mencionados, contudo, encontraram alguns limites na letra da própria Lei Complementar 123/2003, que enumera em seu art. 49 as situações de não- aplicação da tutela especial. São elas: ausência de previsão no ato convocatório de tratamento diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte; ausência do minimo de três fornecedores competitivos enquadrados como microempresas ou empresas de pequeno porte sediados no local ou regionalmente e capazes de cumprir as exigências fixadas no ato convocatório; ausência de vantagem para a Administração ou existência de

Page 378:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        377 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

prejuízo ao conjunto ou complexo o objeto a ser licitado; dispensa ou inexigibilidade de licitação disciplinadas na Lei Federal 8.666/1993.

7 REGULARIDADE FISCAL DAS MICROEMPRESAS OU EMPRESAS DE PEQUENO PORTE

De acordo com a Lei Complementar nº 123/2006, a avaliação da regularidade fiscal no procedimento licitatório deve ser diferenciada para as microempresas. O art. 42 desta lei estabelece que “nas licitações públicas, a comprovação de regularidade fiscal das microempresas e empresas de pequeno porte somente será exigida para efeito de assinatura do contrato”.

Quando a microempresa ou empresa de pequeno porte participar na licitação pública, no momento da habilitação, deve entregar toda a documentação exigida no edital, incluindo sobre a sua regularidade fiscal. Isso porque o art. 43 da LC nº 123/2006 dispõe que “as microempresas e empresas de pequeno porte, por ocasião da participação em certames licitatórios, deverão apresentar toda a documentação exigida para efeito de comprovação de regularidade fiscal, mesmo que esta apresente alguma restrição”. Sobre este assunto, o doutrinador Diógenes Gasparini expõe que:

Contrariamente, essa regularidade fiscal não é exigida para participar da licitação. De modo que, mesmo sem tal regularidade a microempresa ou empresa de pequeno porte poderá participar, integrar o certame licitatório. Aí o favorecimento. Logo, o benefício diz respeito unicamente à irregularidade fiscal, cujos documentos deverão ser apresentados juntamente com os demais no momento da habilitação, ainda que portadores de restrições, sob pena de inabilitação.[7]

Page 379:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

378  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Se houver alguma restrição na comprovação da regularidade fiscal, o proponente da microempresa tem o prazo de dois dias úteis para regularizar a documentação, pagamento ou parcelamento do débito, e emissão de certidões negativas ou positivas com efeito de certidão negativa, de acordo com o §1º do art. 43. No que concerne ao prazo, é iniciado no momento em que o proponente for declarado vencedor da licitação, podendo ser prorrogável por igual período. Assim, a lei complementar assegura o direito de regularização da documentação fiscal para a microempresa assinar o contrato com a Administração Pública.

Mas também, deve-se ser adjudicado o objeto da licitação à microempresa ou empresa de pequeno porte e convocá-la para assinar o contrato, mesmo que ela esteja em débito para com a Fazenda Pública durante a licitação. Contudo, para que haja a formalização do contrato, esse tipo de empresa tem que preencher os mesmos requisitos fiscais exigidos para todos os licitantes. Caso contrário, o §2º do art. 43 da LC nº 123/2006 dispõe que a microempresa ou empresa de pequeno porte será sujeita ao art. 81 da Lei 8.666/93[8], além de, como ocorrerá a decadência do direito à contratação, é “facultado à Administração convocar os licitantes remanescentes, na ordem de classificação, para a assinatura do contrato, ou revogar a licitação”. Logo, este artigo estipula as consequências da não-regularização fiscal das microempresas ou empresas de pequeno porte, as quais são: a decadência do direito de contratação, juntamente com a aplicação do art. 81 da Lei 8.666/93; e a convocação de licitantes remanescentes ou, ainda, a revogação da licitação.

Em relação à convocação dos remanescentes, há divergência doutrinária quanto ao valor da contratação, já que não tem nenhuma disposição em lei sobre o assunto. Assim, a doutrina se divide na determinação do critério de valor devido para a contratação, se seria o valor de sua proposta ou o valor da primeira classificada. Assim, é essencial destacar a posição do autor Diógenes Gasparini, pois defende que:

Page 380:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        379 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Não nos parece adequado aplicar a regra do art. 64, §2º, da Lei federal das Licitações e Contratos da Administração Pública, ou seja, a convocada deverá ser contratada pelo valor da proposta da primeira classificada, dando que diversas são as situações. (...) Para a aplicação a está hipótese do art. 64, §2º, a Lei Complementar federal n. 123/2006 deveria ser expressa, o que, como vimos, não o é. Portanto, a solução está na contratação da licitante convocada pelo valor de sua proposta se esta for, pelos critérios admitidos no edital, aceitável pela Administração Pública.[9]

Considera-se relevante a posição doutrinária acima, já que, como há omissão legislativa sobre a matéria, não se justifica a aplicação do art. 64, §2º da Lei 8.666/93[10], mesmo que não haja diferença hierárquica entre esta lei ordinária e a Lei Complementar nº 123/2006. Portanto, defende-se que a convocação de remanescentes deve ser estabelecida pelo próprio edital da licitação, empregando o princípio da vinculação ao instrumento convocatório.

Ressalta-se que, nos casos de pregão, sendo a microempresa ou empresa de pequeno porte a vencedora, submete-se ao art. 7º da Lei nº 10.520/2002, o qual determina que:

Art. 7º. Quem, convocado dentro do prazo de validade da sua proposta, não celebrar o contrato, deixar de entregar ou apresentar documentação falsa exigida para o certame, ensejar o retardamento da execução de seu objeto, não mantiver a proposta, falhar ou fraudar na execução do contrato, comportar-se de modo inidôneo ou cometer fraude fiscal, ficará impedido de licitar e contratar com a União, Estados, Distrito Federal ou Municípios e, será

Page 381:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

380  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

descredenciado no Sicaf, ou nos sistemas de cadastramento de fornecedores a que se refere o inciso XIV do art. 4o desta Lei, pelo prazo de até 5 (cinco) anos, sem prejuízo das multas previstas em edital e no contrato e das demais cominações legais.

Desse modo, o dispositivo acima expõe certas consequências para a microempresa quando, dentre outras condutas, esta não for capaz de se regularizar, em âmbito fiscal, para a sua devida participação na modalidade de pregão.

8 EMPATE DE PROPOSTAS

Nas licitações, o critério básico de julgamento é o preço. Assim, em determinados casos, quando ocorrer a apresentação de propostas com valores idênticos, há o empate[11] de licitantes. Para estes casos, a lei estabelece alguns critérios de desempate.

Em relação à Lei 8.666/93, os critérios de desempate para decidir a proposta vencedora não são cabíveis para microempresas (ME) ou empresas de pequeno porte (EPP), nem para contratação de bens ou de serviços de informática, sendo àquelas o primeiro passo para o desempate nas licitações públicas. Desse modo, nas situações que envolvam microempresas, devem-se aplicar os critérios de desempate estipulados pela Lei Complementar nº 123/2006, a qual, em seu art. 44, estabelece que “nas licitações será assegurada, como critério de desempate, preferência de contratação para as microempresas e empresas de pequeno porte”. Então, esta lei complementar concede preferência de contratação às ME ou EPP quando houver empate entre estas e outros tipos empresas.

É essencial destacar que quando houver empate de microempresa ou empresa de pequeno porte com empresa comum por apresentarem proposta de valor idêntico, chama-se de empate real. Assim, “empate real é o que ocorre quando dois ou mais concorrentes apresentam num mesmo certame resultados

Page 382:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        381 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

nominalmente iguais” [12]. Tem-se essa forma de empate nas licitações, principalmente nos do tipo menor preço, porém seus critérios de desempate somente são utilizados quando participam ME ou EPP. Nesses casos, em relação às licitações tradicionais, a microempresa ou empresa de pequeno porte deve oferecer uma nova proposta melhor que a da empresa comum para ser a vencedora do certame. De acordo com o autor Gasparini, a solução para o empate real é:

Ao se instaurar uma dessas situações, sem que esteja presente uma hipótese de empate ficto ou uma irregularidade na habilitação fiscal a possibilitar sua ulterior correção, a microempresa, empresa de pequeno porte ou cooperativa deverá ser convidada a ofertar nova proposta, que para ser a vencedora basta ser melhor que a da empresa comum, ainda que a diferença entre as propostas da empresa comum e microempresa, empresa de pequeno porte ou cooperativa seja mínima, pois essa legislação não fez qualquer exigência nesse sentido.[13]

Na modalidade de pregão presencial não existe empate real, pois é aplicada a regra da anterioridade do lance, na qual vence quem fizer o primeiro lance da melhor proposta. Contudo, pode ocorrer esse tipo de empate no pregão eletrônico.

Além do já exposto empate real, há o empate ficto que “é a situação de dois ou mais concorrentes de um mesmo certame que em face de um dado critério legal são considerados empatados, embora suas propostas sejam nominalmente diversas” [14]. Na LC nº 123/2006, determina-se duas hipóteses desta forma de empate. A primeira, prevista no §1º do art. 44, ocorre quando as microempresas ou empresas de pequeno porte apresentam a proposta igual ou até 10% superior à proposta mais bem classificada. Então, esse dispositivo é aplicado nas licitações

Page 383:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

382  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

tradicionais quando houver o empate ficto entre ME ou EPP e empresa comum.

Já a segunda hipótese está presente no §2º do art. 44, o qual dispõe que “na modalidade de pregão, o intervalo percentual estabelecido no § 1o deste artigo será de até 5% (cinco por cento) superior ao melhor preço”. Logo, no pregão, se as microempresas apresentarem proposta igual ou superior a 5% da proposta melhor classificada, considera-se empate de propostas. Destaca-se que, nos pregões presenciais, somente tem empate após o encerramento dos lances verbais.

Vale ressaltar a pertinente observação do doutrinador Diógenes Gasparini, a qual se aplica em todas as modalidades de licitação nos casos de empate ficto:

Atente-se que não há empate ficto se essa situação envolver apenas microempresa, empresa de pequeno porte ou cooperativa. Igualmente não há essa espécie de empate se o envolvimento for somente de empresas comuns. Em ambas as hipóteses a vencedora será sempre a empresa que apresentar a melhor proposta, ou seja, a de menor preço.[15]

Além da determinação dos casos de empate, a LC nº123/2006 estabelece os procedimentos de desempate no seu art. 45. Primeiramente, é permitido que, nos casos que a melhor proposta não seja de uma ME ou EPP, a microempresa ou empresa de pequeno porte mais bem classificada apresente proposta de preço inferior àquela considerada originalmente vencedora do certame. Se cobrir a proposta, será o objeto licitado adjudicado em favor da ME ou da EPP (art. 45, I). Caso a microempresa ou empresa de pequeno porte mais bem classificada não cobrir essa proposta, pode-se convocar as remanescentes que estejam dentro dos limites percentuais dos parágrafos do art. 44, observando a ordem classificatória (art. 45, II). No caso de equivalência de propostas de ME ou EPP, situados nesses limites percentuais,

Page 384:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        383 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

realiza-se sorteio para identificar aquela que primeiro poderá apresentar melhor oferta (art. 45, III).

Portanto, a proposta originalmente vencedora somente será declarada definitivamente a vencedora do certame, quando nenhuma microempresa ou empresa de pequeno porte, situada nos limites percentuais dos §§1º e 2º do art. 44, aceitar cobrir a sua proposta. Essa solução está prevista no §1º do art. 45. Além disso, é estipulado que o art. 45 “somente se aplicará quando a melhor oferta inicial não tiver sido apresentada por microempresa ou empresa de pequeno porte” (art. 45, §2º). Por fim, o §3° do art. 45 dispõe que ME ou EPP mais bem classificada na modalidade de pregão, pode ser convocada para apresentar nova proposta até cinco minutos após os encerramentos dos lances, sob pena de preclusão.

No que concerne aos artigos 44 e 45 da Lei Complementar nº 123/2006 deve-se ressaltar que são normas autoaplicáveis, correspondendo a direito público subjetivo das microempresas e das empresas de pequeno porte. Dessa forma, as licitações que não concederem os respectivos privilégios para as ME e EPP serão invalidadas. Nesse caso, é necessário destacar a posição da jurisprudência:

Observo, aliás, que os comandos contidos nos arts. 44 e 45 são impositivos (“proceder-se-á da seguinte forma...”), ao passo que a redação conferida aos arts. 47 e 48 deixam claro seu caráter autorizativo (“a administração pública poderá...”). As regras insculpidas nos arts. 44 e 45 não são, portanto, facultativas, mas auto-aplicáveis desde o dia 15.12.2006, data de publicação da Lei Complementar 123. (Acórdão 2144/2007, Sessão Plenária do TCU, rel. AROLDO CEDRAZ, DJU 15/10/2007)

Além disso, se devido a tais privilégios, essas empresas conseguirem elevar o seu faturamento de modo que superem os

Page 385:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

384  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

seus limites conceituais, isto é, passar do valor estabelecido para a atribuição de ME (receita bruta ao ano igual ou inferior a R$ 240.000,00) ou EPP (receita bruta ao ano superior a R$ 240.000,00 e igual ou inferior a R$ 2.400.000,00), perderá a sua qualificação. Consequentemente, a empresa não terá os privilégios nas licitações futuras. Com isso, os contratos que foram realizados em decorrência de licitação são mantidos intactos, assim, o seu desenquadramento não causa efeitos retroativos. Destaca-se que, sobre esse desenquadramento, o art. 3º, §3º da Lei Complementar nº 123/2006 dispõe que:

Art. 3, §3º. O enquadramento do empresário ou da sociedade simples ou empresária como microempresa ou empresa de pequeno porte bem como o seu desenquadramento não implicarão alteração, denúncia ou qualquer restrição em relação a contratos por elas anteriormente firmados.

Desse modo, para cada situação de empate nas modalidades de licitação que envolva microempresas ou empresas de pequeno porte, deve-se observar, além da sua forma (real ou ficta), o devido procedimento para o desempate, principalmente em favorecimento a essas empresas. Isso porque a Lei Complementar nº 123/2006 proporciona os privilégios como pertencentes ao direito público subjetivo das ME e das EPP. Portanto, sem a correta observância desses requisitos, pode-se invalidar o processo licitatório. Além disso, a lei complementar garante que o desenquadramento da empresa não cause efeitos ex tunc para contratos já celebrados com a Administração Pública.

9 CONCLUSÃO

Após a análise do tema em questão se tornou perceptível a existência de um aumento significativo da teia normativa que rege o instrumento licitatório. Neste estudo, no entanto, deu-se enfâse ao incremento gerado pela Lei Complementar n. 123/ 206 (Estatuto Nacional da Microempresa e Empresa de Pequeno Porte) e pelo

Page 386:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        385 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Decreto n. 6.204/2007 ( que regulamenta o tratamento favorecido, diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte nas contratações públicas de bens, serviços e obras, no âmbito da administração pública federal.favorecimento das Microempresas e Empresa de Pequeno Porte na atividade licitatória), que forneceu as empresas de pequeno porte e microempresas um importante benefício que as retirou de uma condição de marginalidade no âmbito das licitações e abriu um amplo leque de possiblidades de contratação, beneficiando, assim, o interesse público e, sobretudo, a sociedade.

10 REFERÊNCIAS

GASPARINI, Diogenes. Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2010.

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2010.

MAFFINI, Rafael. Direito Administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

MELO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2009.

FURTADO, Lucas Rocha. Curso de Licitações e Contratos Administrativos. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2007.

SANTIAGO, Leonardo Ayres. As Microempresa e a Empresa de Pequeno Porte nas Licitações. Questões Polêmicas Envolvendo a Lei Complementar nº 123/2006 e o Decreto nº 6.204/2007. Disponível em:

<http://www.valeriacordeiro.pro.br/artigos/leonardosantiago/meepp_licitacoes.pdf>. Acesso em : 8 de maio de 2014.

NOTAS:

[1] MELO, 2009, p. 528.

Page 387:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

386  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

[2] GASPARINI, 2010, p. 694 e 695.

[3] SANTIAGO, disponível em : http:// www.valeriacordeiro.pro.br/artigos/leonardosantiago/meepp_licitacoes.pdf

[4] GASPARINI , 2010, p. 632 e 633

[5] GASPARINI, 2010, p. 664 665

[6] GASPARINI, 2010, p.668

[7] GASPARINI, 2010, p. 645.

[8] Art. 81 (Lei 8.666/93). A recusa injustificada do adjudicatário em assinar o contrato, aceitar ou retirar o instrumento equivalente, dentro do prazo estabelecido pela Administração, caracteriza o descumprimento total da obrigação assumida, sujeitando-o às penalidades legalmente estabelecidas.

[9] GASPARINI, 2010, p. 646.

[10] Art. 64, §2º (lei 8.666/93). É facultado à Administração, quando o convocado não assinar o termo de contrato ou não aceitar ou retirar o instrumento equivalente no prazo e condições estabelecidos, convocar os licitantes remanescentes, na ordem de classificação, para fazê-lo em igual prazo e nas mesmas condições propostas pelo primeiro classificado, inclusive quanto aos preços atualizados de conformidade com o ato convocatório, ou revogar a licitação independentemente da cominação prevista no art. 81 desta Lei.

[11] De acordo com Diógenes Gasparini, o conceito de empate é: “Empate, vulgarmente falando, é a situação em que num disputa não há vencedor em razão da igualdade de resultados. Os empatados poderão ser dois ou mais dos concorrentes de um mesmo certame. Em tais casos, segundo regras previamente estabelecidas, resolve-se o empate considerando vencedores todos os empatados ou dando preferência a um deles em razão de um certo critério (...) Na falta de prévio critério de desempate deve-se dar preferência ao sorteio que for mais objetivo, embora nem sempre seja o procedimento ideal”. (GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 648)

Page 388:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        387 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

[12] GASPARINI, 2010, p. 650.

[13] Ibidem.

[14] Ibidem.

[15] GASPARINI, 2010. p. 651

Page 389:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

388  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

  www.conteudojuridico.com.br 

BREVES EXPLICITAÇÕES AOS LIVROS DO TOMBAMENTO CULTURAL: PRIMEIROS APONTAMENTOS

TAUÃ LIMA VERDAN RANGEL: Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Especializando em Práticas Processuais - Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Produziu diversos artigos, voltados principalmente para o Direito Penal, Direito Constitucional, Direito Civil, Direito do Consumidor, Direito Administrativo e Direito Ambiental.

Resumo: Cuida salientar que o meio ambiente cultural é constituído por bens culturais, cuja acepção compreende aqueles que possuem valor histórico, artístico, paisagístico, arqueológico, espeleológico, fossilífero, turístico, científico, refletindo as características de uma determinada sociedade. Ao lado disso, quadra anotar que a cultura identifica as sociedades humanas, sendo formada pela história e maciçamente influenciada pela natureza, como localização geográfica e clima. Com efeito, o meio ambiente cultural decorre de uma intensa interação entre homem e natureza, porquanto aquele constrói o seu meio, e toda sua atividade e percepção são conformadas pela sua cultural. A cultura brasileira é o resultado daquilo que era próprio das populações tradicionais indígenas e das transformações trazidas pelos diversos grupos colonizadores e escravos africanos. Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente cultural, enquanto complexo macrossistema, é perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído, constituído por bens culturais materiais e imateriais portadores de referência à memória, à ação e à identidade dos distintos grupos formadores da

Page 390:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        389 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

sociedade brasileira. O conceito de patrimônio histórico e artístico nacional abrange todos os bens moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação seja de interesse público, por sua vinculação a fatos memoráveis da História pátria ou por seu excepcional valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico e ambiental. Assim, o presente se debruça sobre os livros do tombamento, instituídos pelo Decreto-Lei nº 25, de 30 de novembro de 1937.

Palavras-chaves: Patrimônio Cultural. Tutela Jurídica. Livros de Tombamento.

Sumário: 1 Ponderações Introdutórias: A construção teórica da Ramificação Ambiental do Direito; 2 Comentários à concepção de Meio Ambiente; 3 Meio Ambiente e Patrimônio Cultural: Aspectos Introdutórios; 4 Anotações ao Instituto do Tombamento como Substancialização do Princípio da Herança Cultural; 5Breves Explicitações aos Livros do Tombamento Cultural.

1 Ponderações Introdutórias: A construção teórica da Ramificação Ambiental do Direito

Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas ramificações que a integram, reclama uma interpretação alicerçada nos plurais aspectos modificadores que passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré, lançando à tona os aspectos característicos de mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-se imperioso salientar, com a ênfase reclamada, que não mais subsiste uma visão arrimada em preceitos estagnados e estanques, alheios às necessidades e às diversidades sociais que passaram a contornar os Ordenamentos Jurídicos. Ora, infere-se que não mais prospera o arcabouço imutável que outrora sedimentava a aplicação das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população, suplantados em uma nova sistemática.

Com espeque em tais premissas, cuida hastear, com bastante pertinência, como flâmula de interpretação o “prisma de

Page 391:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

390  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

avaliação o brocardo jurídico 'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de interdependência que esse binômio mantém”[1]. Destarte, com clareza solar, denota-se que há uma interação consolidada na mútua dependência, já que o primeiro tem suas balizas fincadas no constante processo de evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas Legislativos e institutos não fiquem inquinados de inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta estrutural e robusta dependência das regras consolidadas pelo Ordenamento Pátrio, cujo escopo primevo é assegurar que não haja uma vingança privada, afastando, por extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras em que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho, dente por dente”), bem como para evitar que se concretize um cenário caracterizado por aspecto caótico no seio da coletividade.

Ademais, com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas necessidades que influenciam a realidade contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo, peculiar porém porque não envelhece, nem permanece jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua beleza”[2]. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência Jurídica jaz, justamente, na constante e imprescindível mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos Diplomas Legais e os institutos jurídicos neles consagrados.

Ainda neste substrato de exposição, pode-se evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma rotunda independência dos estudiosos e profissionais da Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de

Page 392:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        391 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

uma progressiva evolução acerca do valor atribuído aos princípios em face da legislação”[3]. Destarte, a partir de uma análise profunda dos mencionados sustentáculos, infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na aplicação e interpretação do conteúdo das leis, diante das situações concretas.

Nas últimas décadas, o aspecto de mutabilidade tornou-se ainda mais evidente, em especial, quando se analisa a construção de novos que derivam da Ciência Jurídica. Entre estes, cuida destacar a ramificação ambiental, considerando como um ponto de congruência da formação de novos ideários e cânones, motivados, sobretudo, pela premissa de um manancial de novos valores adotados. Nesta trilha de argumentação, de boa técnica se apresenta os ensinamentos de Fernando de Azevedo Alves Brito que, em seu artigo, aduz: “Com a intensificação, entretanto, do interesse dos estudiosos do Direito pelo assunto, passou-se a desvendar as peculiaridades ambientais, que, por estarem muito mais ligadas às ciências biológicas, até então era marginalizadas”[4]. Assim, em decorrência da proeminência que os temas ambientais vêm alcançando, notadamente a partir das últimas discussões internacionais envolvendo a necessidade de um desenvolvimento econômico pautado em sustentabilidade, não é raro que prospere, mormente em razão de novos fatores, um verdadeiro remodelamento ou mesmo uma releitura dos conceitos que abalizam a ramificação ambiental do Direito, com o fito de permitir que ocorra a conservação e recuperação das áreas degradadas, primacialmente as culturais.

Ademais, há de ressaltar ainda que o direito ambiental passou a figurar, especialmente, depois das décadas de 1950 e 1960, como um elemento integrante da farta e sólida tábua de direitos fundamentais. Calha realçar, com cores quentes, que mais contemporâneos, os direitos que constituem a terceira dimensão recebem a alcunha de direitos de fraternidade ou, ainda, de solidariedade, contemplando, em sua estrutura, uma patente preocupação com o destino da humanidade[5]. Ora, daí se verifica a

Page 393:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

392  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

inclusão de meio ambiente como um direito fundamental, logo, está umbilicalmente atrelado com humanismo e, por extensão, a um ideal de sociedade mais justa e solidária. Nesse sentido, ainda, é plausível citar o artigo 3°., inciso I, da Carta de 1988 que abriga em sua redação tais pressupostos como os princípios fundamentais do Estado Democrático de Direitos: “Art. 3º - Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária”[6].

Ainda nesta esteira, é possível verificar que a construção dos direitos encampados sob a rubrica de terceira dimensão tende a identificar a existência de valores concernentes a uma determinada categoria de pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais prosperando a típica fragmentação individual de seus componentes de maneira isolada, tal como ocorria em momento pretérito. Com o escopo de ilustrar, de maneira pertinente as ponderações vertidas, insta trazer à colação o entendimento do Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em especial quando destaca:

Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os direitos de terceira geração (ou de novíssima dimensão), que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos, genericamente, e de modo difuso, a todos os integrantes dos agrupamentos sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem, por isso mesmo, ao lado dos denominados direitos de quarta geração (como o direito ao desenvolvimento e o direito à paz), um momento importante no processo de expansão e reconhecimento dos direitos humanos, qualificados estes, enquanto valores fundamentais indisponíveis, como prerrogativas impregnadas de uma natureza essencialmente inexaurível[7].

Ao lado disso, cuida reconhecer que os direitos de terceira dimensão são impregnados densamente pelo aspecto de

Page 394:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        393 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

solidariedade e fraternidade, extrapolando o indivíduo, mas compreendendo o gênero humano como algo singular que reclama a adoção de direitos que salvaguardem a espécie. “Têm primeiro por destinatários o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta”[8]. Com efeito, os direitos de terceira dimensão, dentre os quais se inclui ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, positivado na Constituição Federal de 1988, emerge com um claro e tangível aspecto de familiaridade, como ápice da evolução e concretização dos direitos fundamentais.

2 Comentários à concepção de Meio Ambiente

Em uma primeira plana, ao lançar mão do sedimentado jurídico-doutrinário apresentado pelo inciso I do artigo 3º da Lei Nº. 6.938, de 31 de agosto de 1981[9], que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências, salienta que o meio ambiente consiste no conjunto e conjunto de condições, leis e influências de ordem química, física e biológica que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas. Pois bem, com o escopo de promover uma facilitação do aspecto conceitual apresentado, é possível verificar que o meio ambiente se assenta em um complexo diálogo de fatores abióticos, provenientes de ordem química e física, e bióticos, consistentes nas plurais e diversificadas formas de seres viventes. Consoante Silva, considera-se meio-ambiente como “a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas”[10].

Nesta senda, ainda, Fiorillo[11], ao tecer comentários acerca da acepção conceitual de meio ambiente, coloca em destaque que tal tema se assenta em um ideário jurídico indeterminado, incumbindo, ao intérprete das leis, promover o seu preenchimento. Dada à fluidez do tema, é possível colocar em evidência que o meio ambiente encontra íntima e umbilical relação com os componentes que cercam o ser humano, os quais são de imprescindível relevância para a sua existência. O Ministro Luiz Fux, ao apreciar a Ação Direta

Page 395:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

394  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

de Inconstitucionalidade N°. 4.029/AM, salientou, com bastante pertinência, que:

[...] o meio ambiente é um conceito hoje geminado com o de saúde pública, saúde de cada indivíduo, sadia qualidade de vida, diz a Constituição, é por isso que estou falando de saúde, e hoje todos nós sabemos que ele é imbricado, é conceitualmente geminado com o próprio desenvolvimento. Se antes nós dizíamos que o meio ambiente é compatível com o desenvolvimento, hoje nós dizemos, a partir da Constituição, tecnicamente, que não pode haver desenvolvimento senão com o meio ambiente ecologicamente equilibrado. A geminação do conceito me parece de rigor técnico, porque salta da própria Constituição Federal[12].

É denotável, desta sorte, que a constitucionalização do meio ambiente no Brasil viabilizou um verdadeiro salto qualitativo, no que concerne, especificamente, às normas de proteção ambiental. Tal fato decorre da premissa que os robustos corolários e princípios norteadores foram alçados ao patamar constitucional, assumindo colocação eminente, ao lado das liberdades públicas e dos direitos fundamentais. Superadas tais premissas, aprouve ao Constituinte, ao entalhar a Carta Política Brasileira, ressoando os valores provenientes dos direitos de terceira dimensão, insculpir na redação do artigo 225,conceder amplo e robusto respaldo ao meio ambiente como pilar integrante dos direitos fundamentais. “Com o advento da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, as normas de proteção ambiental são alçadas à categoria de normas constitucionais, com elaboração de capítulo especialmente dedicado à proteção do meio ambiente”[13]. É observável que ocaput do artigo 225 da Constituição Federal de 1988[14]está abalizado em quatro pilares distintos, robustos e singulares que, em conjunto, dão corpo a toda tábua ideológica e teórica que assegura o substrato de edificação da ramificação ambiental.

Page 396:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        395 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Primeiramente, em decorrência do tratamento dispensado pelo artífice da Constituição Federal, o meio ambiente foi içado à condição de direito de todos, presentes e futuras gerações. É encarado como algo pertencente a toda coletividade, assim, por esse prisma, não se admite o emprego de qualquer distinção entre brasileiro nato, naturalizado ou estrangeiro, destacando-se, sim, a necessidade de preservação, conservação e não-poluição. O artigo 225, devido ao cunho de direito difuso que possui, extrapola os limites territoriais do Estado Brasileiro, não ficando centrado, apenas, na extensão nacional, compreendendo toda a humanidade. Neste sentido, o Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ, destacou que:

A preocupação com o meio ambiente - que hoje transcende o plano das presentes gerações, para também atuar em favor das gerações futuras [...] tem constituído, por isso mesmo, objeto de regulações normativas e de proclamações jurídicas, que, ultrapassando a província meramente doméstica do direito nacional de cada Estado soberano, projetam-se no plano das declarações internacionais, que refletem, em sua expressão concreta, o compromisso das Nações com o indeclinável respeito a esse direito fundamental que assiste a toda a Humanidade[15].

O termo “todos”, aludido na redação do caputdo artigo 225 da Constituição Federal de 1988, faz menção aos já nascidos (presente geração) e ainda aqueles que estão por nascer (futura geração), cabendo àqueles zelar para que esses tenham à sua disposição, no mínimo, os recursos naturais que hoje existem. Tal fato encontra como arrimo a premissa que foi reconhecido ao gênero humano o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao gozo de condições de vida adequada, em ambiente que permita desenvolver todas as suas potencialidades em clima de dignidade e bem-estar. Pode-se considerar como um direito transgeracional, ou seja, ultrapassa as gerações, logo, é viável afirmar que o meio-ambiente é

Page 397:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

396  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

um direito público subjetivo. Desta feita, o ideário de que o meio ambiente substancializa patrimônio público a ser imperiosamente assegurado e protegido pelos organismos sociais e pelas instituições estatais, qualificando verdadeiro encargo irrenunciável que se impõe, objetivando sempre o benefício das presentes e das futuras gerações, incumbindo tanto ao Poder Público quanto à coletividade considerada em si mesma.

Assim, decorrente de tal fato, produz efeitoerga omnes, sendo, portanto, oponível contra a todos, incluindo pessoa física/natural ou jurídica, de direito público interno ou externo, ou mesmo de direito privado, como também ente estatal, autarquia, fundação ou sociedade de economia mista. Impera, também, evidenciar que, como um direito difuso, não subiste a possibilidade de quantificar quantas são as pessoas atingidas, pois a poluição não afeta tão só a população local, mas sim toda a humanidade, pois a coletividade é indeterminada. Nesta senda, cuida apontar que o direito à integridade do meio ambiente substancializa verdadeira prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, ressoando a expressão robusta de um poder deferido, não ao indivíduo identificado em sua singularidade, mas num sentido mais amplo, atribuído à própria coletividade social.

Com a nova sistemática entabulada pela redação do artigo 225 da Carta Maior, o meio-ambiente passou a ter autonomia, tal seja não está vinculada a lesões perpetradas contra o ser humano para se agasalhar das reprimendas a serem utilizadas em relação ao ato perpetrado. Figura-se, ergo, como bem de uso comum do povo o segundo pilar que dá corpo aos sustentáculos do tema em tela. O axioma a ser esmiuçado, está atrelado o meio-ambiente como vetor da sadia qualidade de vida, ou seja, manifesta-se na salubridade, precipuamente, ao vincular a espécie humana está se tratando do bem-estar e condições mínimas de existência. Igualmente, o sustentáculo em análise se corporifica também na higidez, ao cumprir os preceitos de ecologicamente equilibrado, salvaguardando a vida em todas as suas formas (diversidade de espécies).

Page 398:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        397 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Por derradeiro, o quarto pilar é a corresponsabilidade, que impõe ao Poder Público o dever geral de se responsabilizar por todos os elementos que integram o meio ambiente, assim como a condição positiva de atuar em prol de resguardar. Igualmente, tem a obrigação de atuar no sentido de zelar, defender e preservar, asseverando que o meio-ambiente permaneça intacto. Aliás, este último se diferencia de conservar que permite a ação antrópica, viabilizando melhorias no meio ambiente, trabalhando com as premissas de desenvolvimento sustentável, aliando progresso e conservação. Por seu turno, o cidadão tem o dever negativo, que se apresenta ao não poluir nem agredir o meio-ambiente com sua ação. Além disso, em razão da referida corresponsabilidade, são titulares do meio ambiente os cidadãos da presente e da futura geração.

Em tom de arremate, é possível destacar que a incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresarias nem manter dependência de motivações de âmago essencialmente econômico, notadamente quando estiver presente a atividade econômica, considerada as ordenanças constitucionais que a norteiam, estando, dentre outros corolários, subordinadas ao preceito que privilegia a defesa do meio ambiente, que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral. O corolário do desenvolvimento sustentável, além de estar impregnando de aspecto essencialmente constitucional, encontra guarida legitimadora em compromissos e tratados internacionais assumidos pelo Estado Brasileiro, os quais representam fator de obtenção do justo equilíbrio

3 Meio Ambiente e Patrimônio Cultural: Aspectos Introdutórios

Em sede de comentários introdutórios, cuida salientar que o meio ambiente cultural é constituído por bens culturais, cuja acepção compreende aqueles que possuem valor histórico, artístico, paisagístico, arqueológico, espeleológico, fossilífero, turístico, científico, refletindo as características de uma determinada sociedade. Ao lado disso, quadra anotar que a cultura identifica as

Page 399:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

398  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

sociedades humanas, sendo formada pela história e maciçamente influenciada pela natureza, como localização geográfica e clima. Com efeito, o meio ambiente cultural decorre de uma intensa interação entre homem e natureza, porquanto aquele constrói o seu meio, e toda sua atividade e percepção são conformadas pela sua cultural. “A cultura brasileira é o resultado daquilo que era próprio das populações tradicionais indígenas e das transformações trazidas pelos diversos grupos colonizadores e escravos africanos”[16]. Desta maneira, a proteção do patrimônio cultural se revela como instrumento robusto da sobrevivência da própria sociedade.

Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente cultural, enquanto complexo macrossistema, é perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído, constituído por bens culturais materiais e imateriais portadores de referência à memória, à ação e à identidade dos distintos grupos formadores da sociedade brasileira. Meirelles anota que “o conceito de patrimônio histórico e artístico nacional abrange todos os bens moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação seja de interesse público, por sua vinculação a fatos memoráveis da História pátria ou por seu excepcional valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico e ambiental”[17]. Quadra anotar, por imperioso, que os bens compreendidos pelo patrimônio cultural compreendem tanto realizações antrópicas como obras da Natureza; preciosidades do passado e obras contemporâneas.

Nesta esteira, é possível subclassificar o meio ambiente cultural em duas espécies distintas, quais sejam: uma concreta e outra abstrata. Neste passo, o meio-ambiente cultural concreto, também denominado material, se revela materializado quando está transfigurado em um objeto classificado como elemento integrante do meio-ambiente humano. Assim, é possível citar os prédios, as construções, os monumentos arquitetônicos, as estações, os museus e os parques, que albergam em si a qualidade de ponto turístico, artístico, paisagístico, arquitetônico ou histórico. Os exemplos citados alhures, em razão de todos os predicados que ostentam, são denominados de meio-ambiente cultural concreto. Acerca do tema em comento, é possível citar o robusto entendimento jurisprudencial

Page 400:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        399 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

firmado pelo Ministro Ruy Rosado de Aguiar, ao apreciar o Recurso Especial N° 115.599/RS:

Ementa: Meio Ambiente. Patrimônio cultural. Destruição de dunas em sítios arqueológicos. Responsabilidade civil. Indenização.O autor da destruição de dunas que encobriam sítios arqueológicos deve indenizar pelos prejuízos causados ao meio ambiente, especificamente ao meio ambiente natural (dunas) e ao meio ambiente cultural (jazidas arqueológicas com cerâmica indígena da Fase Vieira). Recurso conhecido em parte e provido. (Superior Tribunal de Justiça – Quarta Turma/ REsp 115.599/RS/ Relator: Ministro Ruy Rosado de Aguiar/ Julgado em 27.06.2002/ Publicado no Diário da Justiça em 02.09.2002, p. 192).

Diz-se, de outro modo, o meio-ambiente cultural abstrato, chamado, ainda, de imaterial, quando este não se apresenta materializado no meio-ambiente humano, sendo, deste modo, considerado como a cultura de um povo ou mesmo de uma determinada comunidade. Da mesma maneira, são alcançados por tal acepção a língua e suas variações regionais, os costumes, os modos e como as pessoas relacionam-se, as produções acadêmicas, literárias e científicas, as manifestações decorrentes de cada identidade nacional e/ou regional. Neste sentido, é possível colacionar o entendimento firmado pelo Tribunal Regional Federal da Segunda Região, quando, ao apreciar a Apelação Cível N° 2005251015239518, firmou entendimento que “expressões tradicionais e termos de uso corrente, trivial e disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o patrimônio cultural de um povo”[18]. Esses aspectos constituem, sem distinção, abstratamente o meio-ambiente cultural. “O patrimônio cultural imaterial transmite-se de geração a geração e é constantemente recriado pelas comunidades e grupos em função de seu ambiente”[19], decorrendo, com destaque, da interação com a natureza e dos acontecimentos históricos que permeiam a população.

Page 401:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

400  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

O Decreto Nº. 3.551, de 04 de Agosto de 2000[20], que institui o registro de bens culturais de natureza imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá outras providências, consiste em instrumento efetivo para a preservação dos bens imateriais que integram o meio-ambiente cultural. Como bem aponta Brollo[21], em seu magistério, o aludido decreto não instituiu apenas o registro de bens culturais de natureza imaterial que integram o patrimônio cultural brasileiro, mas também estruturou uma política de inventariança, referenciamento e valorização desse patrimônio.

Ejeta-se, segundo o entendimento firmado por Fiorillo[22], que os bens que constituem o denominado patrimônio cultural consistem na materialização da história de um povo, de todo o caminho de sua formação e reafirmação de seus valores culturais, os quais têm o condão de substancializar a identidade e a cidadania dos indivíduos insertos em uma determinada comunidade. Necessário se faz salientar que o meio-ambiente cultural, conquanto seja artificial, difere-se do meio-ambiente humano em razão do aspecto cultural que o caracteriza, sendo dotado de valor especial, notadamente em decorrência de produzir um sentimento de identidade no grupo em que se encontra inserido, bem como é propiciada a constante evolução fomentada pela atenção à diversidade e à criatividade humana.

4 Anotações ao Instituto do Tombamento Ambiental como Substancialização do Princípio da Herança Cultural

Cuida salientar que o tombamento se apresenta como um dos instrumentos utilizáveis, pelo Poder Público, com o escopo de se tutelar e proteger o patrimônio cultural brasileiro. Neste sentido, já firmou entendimento o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais que “o tombamento é ato administrativo que visa à preservação do patrimônio histórico, artístico ou cultural das cidades, de modo a impedir a destruição ou descaracterização de bem a que for atribuído valor histórico ou arquitetônico”[23]. Fiorillo anuncia, com bastante propriedade, que “dizemos tombamentoambiental, porquanto este instituto tem a finalidade de tutelar um bem de natureza difusa, que

Page 402:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        401 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

é o bem cultural”[24]. Desta sorte, a utilização do tombamento como mecanismo de preservação e proteção do patrimônio cultural brasileiro permite o acesso de todos à cultura, substancializando verdadeiro instrumento de tutela do meio ambiente.

Com realce, o instituto em comento se revela, em sede de direito administrativo, como um dos instrumentos criados pelo legislador para combater a deterioração do patrimônio cultural de um povo, apresentando, em razão disso, maciça relevância no cenário atual, notadamente em decorrência dos bens tombados encerrarem períodos da história nacional ou, mesmo, refletir os aspectos característicos e identificadores de uma comunidade. À luz de tais ponderações, é observável que a intervenção do Ente Estatal tem o escopo de proteger o patrimônio cultural, busca preservar a memória nacional. Ao lado disso, o tombamento permite que o aspecto histórico seja salvaguardado, eis que constitui parte da própria cultura do povo e representa a fonte sociológica de identificação de vários fenômenos sociais, políticos e econômicos existentes na atualidade. “A escolha do bem de patrimônio cultural que será tombado com precedência aos demais se relaciona com o juízo de conveniência e oportunidade, e não é passível de análise judicial”[25].

Desta feita, o proprietário não pode, em nome de interesses particulares, usar ou fruir de maneira livre seus bens, se estes se traduzem em interesse público por atrelados a fatores de ordem histórica, artística, cultural, científica, turística e paisagística. “São esses bens que, embora permanecendo na propriedade do particular, passam a ser protegidos pelo Poder Público, que, para esse fim, impõe algumas restrições quanto a seu uso pelo proprietário”[26]. Os exemplos de bens a serem tombados são extremamente variados, sendo os mais comuns os imóveis que retratam a arquitetura de épocas passadas na história pátria, dos quais podem os estudiosos e pesquisadores extrair diversos meios de conhecimento do passado e desenvolver outros estudos com vistas a proliferar a cultura do país. Além disso, é possível evidenciar que é corriqueiro o tombamento de bairros ou até mesmo cidades, quando retratam aspectos culturais do passado. Com o escopo de

Page 403:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

402  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

ilustrar o expendido, mister se faz colacionar os arestos jurisprudenciais que acenam:

Ementa: Direito Constitucional - Direito Administrativo - Apelação -Preliminar de não conhecimento - Inovação Recursal - Ausência de Documentos Indispensáveis para propositura da Ação - Não Configuração - Pedido de Assistência Judiciária - Indeferimento - Ação Civil Pública - Dano ao Patrimônio Histórico e Cultural - Edificação em imóvel localizado no Conjunto Arquitetônico de Ouro Preto - Tombamento - Aprovação do IPHAN - Inexistência. (...) - OMunicípio de Ouro Preto foi erigido a Monumento Nacional pelo decreto nº. 22.928, de 12/06/33, e inscrito pela UNESCO na lista do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural em 21/09/80, e a cidade teve todo o seu Conjunto Arquitetônico tombado. Trata-se de fato notório, conhecido pela apelante e por qualquer pessoa, de forma que não se pode afirmar que o processo de tombamento do Conjunto Arquitetônico do referido Município seja um documento indispensável para a propositura da presente ação civil pública. - O imóvel que faz parte do Conjunto Arquitetônico de Ouro Preto, e integra o Patrimônio Mundial, Cultural e Natural da cidade, deve ser conservado por seu proprietário, e qualquer obra de reparo de tal bem deve ser precedida de autorização do IPHAN, sob pena de demolição. (Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais – Quarta Câmara Cível/ Apelação Cível 1.0461.03.010271-3/001/ Relator: Desembargador Moreira Diniz/ Julgado em 12.06.2008/ Publicado em 26.06.2008).

Ementa: Ação popular. Instalação de quiosques no entorno de praças municipais.

Page 404:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        403 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Tombamento preservado. Inocorrência de ofensa ao patrimônio ambiental cultural. O fato de as praças municipais seremtombadas, como partes do Patrimônio Histórico e Cultural do Município de Paraisópolis, não podendo, consequentemente, serem ocupadas ou restringidas em sua área, para outras finalidades (Lei Municipal n. 1. 218/89) não impede a instalação, ao arredor delas, de quiosques de alimentação, porquanto o tombamento se limitou às praças, e não ao entorno delas. Assim, não há ofensa ao patrimônio ambiental cultural. A instalação dos referidos quiosques não configura abalo de ordem ambiental, visto que não houve lesão aos recursos ambientais, com consequente degradação - alteração adversa - do equilíbrio ecológico do local. (Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais – Quinta Câmara Cível/ Apelação Cível/Reexame Necessário N° 1.0473.03.000617-4/001/ Relatora: Desembargadora Maria Elza/ Julgado em 03.03.2005/ Publicado em 01.04.2005).

É verificável que a proteção dos bens de interesse cultural encontra respaldo na Constituição da República Federativa do Brasil[27], que impõe ao Estado o dever de garantir a todos o exercício de direitos culturais e o acesso às fontes da cultura nacional. “Por outro lado, nela se define o patrimônio cultural brasileiro, composto de bens materiais e imateriais necessários à exata compreensão dos vários aspectos ligados os grupos formadores da sociedade brasileira”[28]. O Constituinte, ao insculpir, a redação do §1° do artigo 216 da Carta de Outubro estabeleceu que o Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação. “Independentemente do tombamento, o patrimônio cultural e histórico merece proteção, e,

Page 405:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

404  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

neste caso, ainda que precária - até definitiva solução da questão em exame - essa proteção, se não for dada, inviabilizará qualquer ação futura, pois a demolição é irreversível”[29].

Resta patentemente demonstrado que o tombamento é uma das múltiplas formas utilizadas na proteção do patrimônio cultural brasileiro. Como bem anota Meirelles, “tombamento é a declaração do Poder Público do valor histórico, artísticos, paisagístico, turístico, cultural ou científico de coisas ou locais que, por essa razão, devam ser preservados, de acordo com a inscrição em livro próprio”[30]. O tombamento é um dos institutos que têm por objeto a tutela do patrimônio histórico e artístico nacional, que implica na restrição parcial do imóvel, conforme se verifica pela legislação que o disciplina. Ao lado disso, com o escopo de explicitar a proeminente natureza do instituto em comento, é possível transcrever os arestos que se coadunam com as ponderações estruturadas até o momento:

Ementa: Constitucional e Administrativo. Mandado de segurança. Imóvel. Valor histórico e cultural. Declaração. Município. Tombamento. Ordem de demolição. Inviabilidade. São deveres do Poder público, nos termos dos arts. 23, III e IV; 30, I e IX e 216, §1º, da Constituição Federal, promover e proteger o patrimônio cultural, artístico e histórico, por meio de tombamento e de outras formas de acautelamento e preservação, bem como impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de bens de valor histórico, artístico e cultural. Demonstrada, no curso do mandado de segurança, a conclusão do procedimento administrativo de tombamento do im óvel, com declaração do seu valor histórico e cultural pelo Município, inviável a concessão de ordem para sua demolição. Rejeita-se a preliminar e nega-se provimento ao recurso. (Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais – Quarta Câmara Cível/ Apelação Cível

Page 406:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        405 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

1.0702.02.010330-6/001/ Relator: Desembargador Almeida Melo/ Julgado em 15.04.2004/ Publicado em 18.05.2004).

Ementa: Tombamento - Patrimônio Histórico e Cultural - Imóvel reputado de valor histórico pelo município onde se localiza - Competência Constitucional dele para aferi-lo e tombá-lo. Nadaimpede que o Município, mediante tombamento, preserve imóvel nele situado e que considere de valor histórico-cultural, ""ex vi"" do art. 23, inciso III, da Lei Fundamental da República, que a ele - Município, atribui a competência para fazê-lo. Ademais, a cada comunidade, com seus hábitos e culturas próprios, cabe aferir, atendidas as peculiaridades locais, acerca do valor histórico-cultural de seu patrimônio, com o escopo, inclusive, de também preservá-lo. (Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais – Quarta Câmara Cível/ Embargos Infringentes 1.0000.00.230571-2/001/ Relator: Desembargador Hyparco Immesi/ Julgado em 09.10.2003/ Publicado em 03.02.2004)

O diploma infraconstitucional que versa acerca do tombamento é o Decreto-Lei N° 25, de 30 de novembro de 1937[31], que organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional, trazendo à baila as disposições elementares e a fisionomia jurídica do instituto do tombamento, inclusive no que toca aos registros dos bens tombados. Sobreleva anotar que o diploma ora aludido traça tão somente as disposições gerais aplicáveis ao fato jurídico– administrativo do tombamento. Entrementes, este se consumará por meio de atos administrativos específicos, destinados a propriedades determinadas, atento às particularidades e peculiaridades do bem a ser tombado.

Assentadas estas ponderações, cuida salientar que o tombamento ambiental configura clara materialização do corolário da

Page 407:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

406  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

herança cultural, o qual, conforme construção de Michael Decleris[32], coloca em especial atenção a imperiosa necessidade de se ofertar, por meio de institutos robustos, preservar os mais importantes conjuntos feitos pelo homem, alcançando, pois, os singulares monumentos, conjuntos arquitetônicos e sítios arqueológicos. Com efeito, em sede de desenvolvimento, em nível cultural da humanidade, uma vez que por meio daquele que o homem adquire a sua adaptação ao meio ambiente natural. Cuida anotar que o princípio da herança cultural visa assegurar a estabilidade e a continuidade histórica da espécie humana, logo, admitir situações diversas coloca em risco a identidade cultural dos povos. Assim, o corolário da herança cultural e do patrimônio natural são as condições para a estabilidade dinâmica (equilíbrio) e interdependência dos ecossistemas e sistemas em seu desenvolvimento perene ao longo do tempo pelo homem.

Ao lado disso, a consciência da relação entre os dois princípios é relativamente recente, enquanto o interesse do homem na preservação da memória do seu passado histórico recebeu maior proeminência na contemporaneidade, tanto em esfera nacional, como na órbita internacional. Além disso, a proteção do patrimônio cultural, compreendendo os monumentos, conjuntos arquitetônicos e sítios, deve ser completa e deve apresentar um objetivo importante no ordenamento do território da cidade. De igual modo, o regime jurídico de proteção deve ser eficaz, ou seja, incorpora os controles e equilíbrios adequados para assegurar que o monumento protegido, não permitindo que seja alterado, demolido ou destruído. Da mesma maneira, o meio ambiente cultural reclama proteção contra grande perigo ambiental e danos pela poluição, assim como é imprescindível um ambiente de alta qualidade tem de ser mantido na área em torno de monumentos e conjuntos arquitetônicos e dentro dos sítios arqueológicos. Neste sentido, o Supremo Tribunal Federal já consagrou visão:

Ementa: Recurso Extraordinário. Limitação administrativa. Prédio urbano: Patrimônio Cultural e Ambiental do Bairro Cosme Velho. Decreto Municipal 7.046/87. Competência e legalidade. 1.

Page 408:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        407 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Prédio urbano elevado à condição de patrimônio cultural. Decreto Municipal 7.046/87. Legalidade. Limitação administrativa genérica, gratuita e unilateral ao exercício do direito de propriedade, em prol da memória da cidade. Inexistência de ofensa à Carta Federal. 2. Conservação do patrimônio cultural e paisagístico. Encargo conferido pela Constituição (EC 01/69, artigo 15, II) ao Poder Público, dotando-o de competência para, na órbita de sua atuação, coibir excessos que, se consumados, poriam em risco a estrutura das utilidades culturais e ambientais. Poder- dever de polícia dos entes estatais na expedição de normas administrativas que visem a preservação da ordem ambiental e da política de defesa do patrimônio cultural. Recurso extraordinário conhecido e provido. (Supremo Tribunal Federal – Segunda Turma/RE 121.140/ Relator: Ministro Maurício Corrêa/ Julgado em 26.02.2002/ Publicado no DJ em 23.08.2002).

Mesmo sendo insipiente a temática no Direito Brasileiro, de maneira indireta, o princípio da herança cultural vem recebendo, de modo paulatino, consagração no entendimento jurisprudencial. Neste sentido, o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou que “a grave crise habitacional que continua a afetar o Brasil não será resolvida, nem seria inteligente que se resolvesse, com o aniquilamento do patrimônio histórico-cultural nacional. Ricos e pobres, cultos e analfabetos, somos todos sócios na titularidade do que sobrou de tangível e intangível da nossa arte e história como Nação” (Extraído do Superior Tribunal de Justiça – Segunda Turma/ REsp 808.708/RJ/ Relator: Ministro Herman Benjamin/ Julgado em 18.08.2009/ Publicado no DJe em 04.05.2011). Logo, em se tratando de patrimônio cultural, mutilá-lo ou destruí-lo a pretexto de dar casa e abrigo a uns poucos corresponde a deixar milhões de outros sem teto e, ao mesmo tempo, sem a memória e a herança do passado para narrar e passar a seus descendentes.

Page 409:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

408  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

5 Breves Explicitações aos Livros do Tombamento Cultural: Primeiros Apontamentos

Em consonância com o Decreto-Lei nº 25, de 30 de novembro de 1937[33], que organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional, o tombamento far-se-á por meio de quatro livros distintos. O primeiro é denominado livro do tombo arqueológico, etnográfico e paisagístico, no qual são inscritos bens culturais em decorrência do valor arqueológico, relacionado a vestígios da ocupação humana pré-histórica ou histórica; de valor etnográfico ou de referência para determinados grupos sociais; e de valor paisagístico, compreendendo tanto as áreas naturais, quanto lugares criados pelos homens aos quais são atribuídos valores à sua configuração paisagística, a exemplo do que ocorre com os jardins, como também cidades ou conjuntos arquitetônicos que se destaquem por sua relação com o território em que estão implantados.

Um dos bens inscritos neste Livro é o Parque Nacional Serra da Capivara, localizado no Estado do Piauí e criado para preservar os vestígios arqueológicos da mais remota presença do homem na América do Sul. No Parque está a maior concentração conhecida de sítios arqueológicos e um imenso acervo de pinturas rupestres.

Pelo valor etnográfico, foi tombada a Serra da Barriga, em União dos Palmares (AL), onde os escravos criaram, entre os séculos XVII e XVIII, o Quilombo dos Palmares, liderado por Zumbi. No local, os quilombolas foram exterminados e lá ainda se conservam as últimas pedras das trincheiras.

Outro exemplo é o patrimônio de Lençóis (BA), na encosta da Serra do Sincorá, na Chapada Diamantina. O Mercado Público Municipal (foto), às margens do rio

Page 410:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        409 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Lençóis, se destaca entre os imóveis tombados pelo Iphan na cidade fundada no período[34].

O segundo livro do tombamento mencionado pelo Decreto-Lei nº 25, de 30 de novembro de 1937[35], que organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional, é o livro do tombo histórico, no qual são inscritos os bens culturais em função do seu valor histórico. O livro do tombo histórico é formado pelo conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no Brasil e cuja conservação seja de interesse público por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil. Esse Livro, para melhor condução das ações do Iphan, reúne, especificamente, os bens culturais em função do seu valor histórico que se dividem em bens imóveis (edificações, fazendas, marcos, chafarizes, pontes, centros históricos, por exemplo) e móveis (imagens, mobiliário, quadros e xilogravuras, entre outras peças).

Três das mais importantes cidades para a história da formação do Brasil destacam-se entre os bens deste Livro: Rio de Janeiro (RJ), Outro Preto (MG) e Salvador (BA).

No Rio, além da excepcional quantidade de bens culturais tombados a paisagem cultural da cidade foi reconhecida como Patrimônio Mundial pela Unesco. Em Ouro Preto, o patrimônio reúne palácios, igrejas, fontes, pontes, casas comerciais e residenciais do período colonial. Salvador se destaca pelo seu valor cultural e grandeza - cerca de três mil edifícios construídos entre os séculos XVIII e XX.

Na Região Sul, na cidade de Lapa (PR) o conjunto urbano apresenta imóveis de várias correntes arquitetônicas, como a luso-brasileira, a arquitetura do imigrante e edificações ecléticas. A Igreja Matriz de Santo Antônio - construída em Lapa, entre 1769 e 1787 - é um exemplar da arquitetura[36]

Page 411:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

410  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

O Decreto-Lei nº 25, de 30 de novembro de 1937[37], que organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional, faz alusão, ainda, ao livrotombo das belas artes, no qual são inscritos os bens culturais em função do seu valor artístico. O termo belas-artes é aplicado às artes de caráter não utilitário, opostas às artes aplicadas e às artes decorativas. Para a História da Arte, as belas artes imitam a beleza natural e são consideradas diferentes daquelas que combinam beleza e utilidade. “Em Viana, no Estado do Espírito Santo, na Igreja de Nossa Sra. da Ajuda, foi tombada a imagem de Nossa Senhora da Conceição feita em madeira com três cabeças de anjo sob os pés, além de inúmeras peças do acervo”[38]. Igualmente, os Profetas formam outro importante patrimônio classificado como belas artes, criado por um dos maiores artistas brasileiros - Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, e incluído no livro do tombo das belas artes. O conjunto de estátuas está em Congonhas (MG), no Santuário do Senhor Bom Jesus de Matozinhos.

          

           

Por derradeiro, o livro do tombo das artes aplicadas, estabelecido pelo Decreto-Lei nº 25, de 30 de novembro de 1937[39], que organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional, compreende os bens que são inscritos os bens culturais em função do seu valor artístico, associado à sua função utilitária. Essa denominação (em oposição às belas artes) se refere à produção artística que se orienta para a criação de objetos, peças e construções utilitárias: alguns setores da arquitetura, das artes decorativas, design, artes gráficas e mobiliário, por exemplo. Desde o século XVI, as artes aplicadas estão presentes em bens de diferentes estilos arquitetônicos.

Referência:

Page 412:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        411 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed. atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 28 fev. 2016.

___________. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de 2000. Institui o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 28 fev. 2016.

___________. Decreto-Lei N° 25, de 30 de novembro de 1937. Organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 28 fev. 2016.

___________. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 28 fev. 2016.

___________. Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico. Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/586>. Acesso em 28 fev. 2016.

___________. Livro do Tombo das Belas Artes. Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/588>. Acesso em 28 fev. 2016.

___________. Livro do Tombo Histórico. Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/587>. Acesso em 28 fev. 2016.

___________.Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 28 fev. 2016.

___________. Tribunal Regional Federal da Segunda Região. Disponível em: <www.trf2.jus.br>. Acesso em 28 fev. 2016.

Page 413:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

412  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna classificação do meio-ambiente, o seu remodelamento e a problemática sobre a existência ou a inexistência das classes do meio-ambiente do trabalho e do meio-ambiente misto. Boletim Jurídico, Uberaba, ano 5, n. 968. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>. Acesso em 28 fev. 2016.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 24 ed, rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011.

DECLERIS, Michael. The Law of sustainable development: general principles. Disponível em: <http://www.pikpotsdam.de>. Acesso em 28 fev. 2016.

FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São Paulo: Editora Saraiva, 2012.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, 38 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012.

MINAS GERAIS (ESTADO). Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Disponível em: <www.tjmg.jus.br>. Acesso em 28 fev. 2016.

MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito Constitucional – Teoria, Jurisprudência e 1.000 Questões 15 ed., rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro:Editora Impetus, 2004.

RIO GRANDE DO SUL (ESTADO). Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Disponível em: <www.tjrs.jus.br>. Acesso em 28 fev. 2016.

SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago.Direito Constitucional Ambiental: Constituição, Direitos Fundamentais e Proteção do Ambiente. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.

SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros Editores, 2009.

Page 414:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        413 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental: Conforme o Novo Código Florestal e a Lei Complementar 140/2011. 2 ed. Salvador: EditoraJusPodivm, 2012.

VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun. 2009. Disponível em:<http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 28 fev. 2016.

NOTAS:

[1] VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do Direito Penal. Jurid PublicaçõesEletrônicas, Bauru, 22 jun. 2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 28 fev. 2016.

[2] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal. Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170, caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil. Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio. Julgado em 05 ago. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 28 fev. 2016.

[3] VERDAN, 2009, s.p.

[4] BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna classificação do meio-ambiente, o seu remodelamento e a problemática sobre a existência ou a inexistência das classes do meio-ambiente do trabalho e do meio-ambiente misto. Boletim Jurídico, Uberaba, ano 5, n. 968. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>. Acesso em 28 fev. 2016.

Page 415:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

414  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

[5] MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito Constitucional – Teoria, Jurisprudência e 1.000Questões 15 ed., rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2004, p. 69.

[6] BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 28 fev. 2016.

[7] Idem. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) - Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa - Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98, ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade (CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna – Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 28 fev. 2016.

[8] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed. atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007, p. 569.

[9] BRASIL. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 28 fev. 2016.

[10] SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros Editores, 2009, p.20.

Page 416:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        415 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

[11] FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São Paulo: Editora Saraiva, 2012, p. 77.

[12] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 4.029/AM. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei Federal Nº 11.516/07. Criação do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Legitimidade da Associação Nacional dos Servidores do IBAMA. Entidade de Classe de Âmbito Nacional. Violação do art. 62, caput e § 9º, da Constituição. Não emissão de parecer pela Comissão Mista Parlamentar. Inconstitucionalidade dos artigos 5º, caput, e 6º, caput e parágrafos 1º e 2º, da Resolução Nº 1 de 2002 do Congresso Nacional. Modulação dos Efeitos Temporais da Nulidade (Art. 27 da Lei 9.868/99). Ação Direta Parcialmente Procedente. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Luiz Fux. Julgado em 08 mar. 2012. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 28 fev. 2016.

[13] THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental: Conforme o Novo Código Florestal e a Lei Complementar 140/2011. 2 ed. Salvador: EditoraJusPodivm, 2012, p. 116.

[14] BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 28 fev. 2016: “Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

[15] Idem. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) - Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa - Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98, ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade (CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção

Page 417:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

416  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna – Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 28 fev. 2016.

[16] BROLLO, Sílvia Regina Salau. Tutela Jurídica do meio ambiente cultural: Proteção contra a exportação ilícita dos bens culturais. 106f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2006. Disponível em: <http://www.biblioteca.pucpr.br/tede/tde_arquivos/1/TDE-2006-10-05T061948Z-421/Publico/SilviaDto.pdf>. Acesso em 28 fev. 2016, p. 15-16.

[17] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, 38 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012, p. 634.

[18] BRASIL. Tribunal Regional Federal da Segunda Região. Acórdão proferido em Apelação Cível N° 2005251015239518. Direito da propriedade industrial. Marca fraca e marca de alto renome. Anulação de marca. Uso compartilhado de signo mercadológico (ÔMEGA). I – Expressões tradicionais e termos de uso corrente, trivial e disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o patrimônio cultural de um povo. Palavras dotadas dessas características podem inspirar o registro de marcas, pelas peculiaridades de suas expressões eufônicas ou pela sua inegável repercussão associativa no imaginário do consumidor. II – É fraca a marca que reproduz a última letra do alfabeto grego (Omega), utilizado pelo povo helênico desde o século VIII a.C., e inserida pelos povos eslavos no alfabeto cirílico, utilizado no Império Bizantino desde o século X d.C. O propósito de sua adoção é, inegavelmente, o de fazer uso da familiaridade do consumidor com o vocábulo de uso corrente desde a Antiguidade. III – Se uma marca fraca alcançou alto renome, a ela só se pode assegurar proteção limitada, despida do jus excludendi de terceiros, que também fazem uso do mesmo signo merceológico de boa-fé e em atividade distinta. Nessas circunstâncias, não há a possibilidade de o consumidor incidir erro ou, ainda, de se configurar concorrência desleal. IV –

Page 418:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        417 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Apelação parcialmente provida tão-somente para ajustar o pólo passivo da relação processual, fazendo constar o Instituto Nacional de Propriedade Industrial – INPI como réu, mantida a improcedência do pedido de invalidação do registro da marca mista OMEGA (nº 818.522.216), classe 20 (móveis e acessórios de cozinha), formulado por Ômega S.A. Órgão Julgador: Segunda Turma Especializada. Relator: Desembargador Federal André Fontes. Julgado em 25.08.2007. Disponível em: <www.trf2.jus.br>. Acesso em 28 fev. 2016.

[19] BROLLO, 2006, p. 33.

[20] BRASIL. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de 2000. Institui o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 28 fev. 2016.

[21] BROLLO, 2006, p. 33.

[22] FIORILLO, 2012, p. 80.

[23] MINAS GERAIS (ESTADO). Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Acórdão proferido em Agravo de Instrumento 1.0069.08.023127-2/001. Administrativo - Tombamento - Entes Federados - Dever - Inteligência do art. 23, IV, da Constituição da República. O tombamento é ato administrativo que visa à preservação do patrimônio histórico, artístico ou cultural das cidades, de modo a impedir a destruição ou descaracterização de bem a que for atribuído valor histórico ou arquitetônico. De se ressaltar que referido ato, segundo o disposto no art. 23, IV, da Constituição da República, é dever imposto a todos os entes federados. Órgão Julgador: Quinta Câmara Cível. Relator: Desembargador Antônio Hélio Silva. Julgador em 18.09.2008. Publicado em 29.09.2008. Disponível em: <www.tjmg.jus.br>. Acesso em 28 fev. 2016.

[24] FIORILLO, 2012, p. 428-429.

[25] RIO GRANDE DO SUL (ESTADO). Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Acórdão proferido em Apelação Cível N° 70033392853. Ação civil publica. Tombamento. Cassino da Maroca. Omissão administrativa. Inocorrência. 1. O tombamento é

Page 419:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

418  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

ato administrativo discricionário, sendo passível de controle judicial quanto à legalidade. 2. Existentes 35 bens de valor cultural, de acordo com Inventário elaborado pela Faculdade de Arquitetura da Fundação Universidade de Passo Fundo, em convênio com a Administração do Município, não compete ao Poder Judiciário indicar qual deles deverá ser tombado com precedência sobre os demais. 3. A escolha do bem de patrimônio cultural que será tombado com precedência aos demais se relaciona com o juízo de conveniência e oportunidade, e não é passível de análise judicial. Apelação a que se nega provimento. Órgão Julgador: Segunda Câmara Cível. Relatora: Desembargadora Denise Oliveira Cezar. Julgador em 10.11.2010. Disponível em: <www.tjrs.jus.br>. Acesso em 28 fev. 2016.

[26] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 24 ed, rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011, p. 734.

[27] BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 28 fev. 2016.

[28] CARVALHO FILHO, 2011, p. 735.

[29] MINAS GERAIS (ESTADO). Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Acórdão proferido em Agravo de Instrumento 1.0183.06.120771-2/001. Constitucional e Administrativo - Ação Civil Pública - Liminar - Imóvel de Valor Histórico e Cultural, objeto de pedido de tombamento - Demolição - Impossibilidade. - Independentemente do tombamento, o patrimônio cultural e histórico merece proteção, e, neste caso, ainda que precária -- até definitiva solução da questão em exame -- essa proteção, se não for dada, inviabilizará qualquer ação futura, pois a demolição é irreversível. Todas as formas de acautelamento e preservação podem ser tomadas pelo Judiciário, na sua função geral de cautela (arts. 23, III e IV; 30, I e IX, e 216, §1º, da Constituição Federal). Órgão Julgador: Sétima Câmara Cível. Relator: Desembargador Wander Marotta. Julgador em 15.05.2007. Publicado em 29.05.2007. Disponível em: <www.tjmg.jus.br>. Acesso em 28 fev. 2016.

Page 420:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        419 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

[30] MEIRELLES, 2012, p. 635.

[31] BRASIL. Decreto-Lei N° 25, de 30 de novembro de 1937. Organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 28 fev. 2016.

[32] DECLERIS, Michael. The Law of sustainable development: general principles. Disponível em: <http://www.pikpotsdam.de>. Acesso em 28 fev. 2016, p. 113-115.

[33] BRASIL. Decreto-Lei N° 25, de 30 de novembro de 1937. Organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 28 fev. 2016.

[34] BRASIL. Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico. Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/586>. Acesso em 28 fev. 2016.

[35] Idem. Decreto-Lei N° 25, de 30 de novembro de 1937. Organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 28 fev. 2016.

[36] BRASIL. Livro do Tombo Histórico. Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/587>. Acesso em 28 fev. 2016.

[37] Idem. Decreto-Lei N° 25, de 30 de novembro de 1937. Organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 28 fev. 2016.

[38] Idem. Livro do Tombo das Belas Artes. Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/588>. Acesso em 28 fev. 2016.

[39] BRASIL. Decreto-Lei N° 25, de 30 de novembro de 1937. Organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 28 fev. 2016.

Page 421:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

420  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

  www.conteudojuridico.com.br 

AUDIÊNCIA DE CUSTODIA: EFICÁCIA PARA O SISTEMA CARCERÁRIO CONTEMPORÂNEO

AMÉLIA MARIA MOTTA DA HORA: Assistente Administrativa. Graduanda em Direito pelo Centro Universitário do Distrito Federal - UDF.

Resumo: O presente artigo tem como objetivo apontar esclarecimentos acerca da audiência de custodia sua previsão normativa, os benefícios da audiência de custodia como o combate a superlotação carcerária, inibição a execução dos atos de torturas, bem como a corroboração das audiências de custodia e compromisso brasileiro.

Palavras Chaves: Audiência de Custodia, Sistema Carcerário, Benefícios da audiência de custodia.

Índice: Introdução. 1. O que é uma Audiência de Custodia. 2. Previsão Normativa. 3. Combate à superlotação Carcerária. 4. Inibição a execução de atos de tortura. 5. Corroboração das audiências de custodia e compromisso brasileiro. 6. Avanços e Desafios. Conclusão. Bibliografia.

Introdução

Verifica-se no sistema carcerário brasileiro uma desestruturação muito grande que coloca em jogo a política de reabilitação dos encarcerados se por um lado a sociedade busca uma proteção da crescente violência e solicita penas mais severas e maior permanência nos presídios por outro lado se encontra a superpopulação prisional e as mazelas do cárcere , diante desse paralelo com um sistema que não é capaz de conseguir manter o mínimo deressocialização e atendimento à

Page 422:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        421 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

população carcerária faz surgir forte tensão, violência e constantes rebeliões sem contar os problemas de saúde pública .

Destarte o país já foi denunciado internacionalmente por suas condições precárias com uma das maiores taxas de superlotação carcerária no Complexo de Curado em Pernambuco. Por esses e outros cenários se deu com maior ênfase a discussão sobre a viabilidade da implantação da audiência de custódia a qual tem a finalidade de apresentação, sem demora, do preso à autoridade judiciária. É dizer: consiste em colocar frente a frente juiz e o cidadão que acabou de ser preso, para que aquele decida pela manutenção ou não da prisão com a qual poderíamos evitar prisões ilegais e diminuir o inchaço carcerário entre outros.

Com isso o mecanismo em tela traz um avanço significativo para o judiciário efetivando o princípio da dignidade da pessoa humana, mas também cumprimento das obrigações que o país assumiu ao assinar tratados internacionais.

1. O que é uma Audiência de Custodia.

“O homem é livre; mas ele encontra a lei na sua própria liberdade. ” “Simone de Beauvoir”

Na atualidade tem muito se perguntado e questionado a respeito das audiências de custodia para tratar dessa temática é preciso estudar os pontos centrais que envolve esse objetivo destarte como sabemos as audiências públicas são hoje mecanismos que visam a promoção democrática e participativa a qual possibilita a visibilidade do debate acerca de determinados problemas.

Segundo expresso a página do Conselho Nacional de Justiça, o Projeto Audiência de Custódia consiste na criação de uma estrutura multidisciplinar nos Tribunais de Justiça que receberá presos em flagrante para uma primeira análise sobre o cabimento e a necessidade de manutenção dessa prisão ou a imposição de medidas alternativas ao cárcere, garantindo que presos em flagrante sejam apresentados a um Juiz de Direito, em 24 horas, no máximo. (CJN).

Page 423:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

422  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

O propósito é desse mecanismo é de que o preso em flagrante seja apresentado ao juiz se direito no máximo em 24 horas no qual também por meio dessa audiência se contaria com também com a presença do Ministério Público, da Defensoria Pública ou advogado do preso, com isso ocorre a prevenção ao combate à tortura, visando também à humanização e à garantia de efetivo controle judicial das prisões provisórias.

Conforme noticiado no G1.globo.com no ano de 2015.

Cerca de 8 mil pessoas presas em flagrante deixaram de entrar nos presídios em 2015, após passarem por audiências de custódia, informou o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Ricardo Lewandowski.

Esses dados apontados vale ressaltar que não significa deixar os atos impunes como vertentes vem questionando, mas essa mudança contribui muito para desinchar o sistema carcerário o qual na maioria dos casos muitos dos presos não são perigosos nem violentos não apontando risco a sociedade, seguiremos tratando desse assunto ao longo do nosso estudo.

2. Previsão Normativa

A previsão legal encontramos de acordo os tratados internacionais de direitos humanos observados no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP), promulgado pelo Brasil no Dec. 592, e a Convenção Americana de Direitos Humanos (ou Pacto de San José da Costa Rica), que no Brasil foi aderida no ano de 1992 promulgada pelo Dec. 678, em 6 de novembro do mesmo ano.

Vejamos o que dispõe o artigo 7.5 da Convenção Americana de Direitos Humanos (também denominada de Pacto de São José da Costa Rica).

Toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a

Page 424:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        423 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

exercer funções judiciais e tem direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou a ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo.

No mesmo sentido, assegura o art. 9.3 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos.

“ Qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais e terá o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade”.

Verifica-se também a previsão no PLS 554/2011, conforme a explicação da ementa do projeto de lei que altera o § 1º do art. 306 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), para determinar o prazo de vinte e quatro horas para a apresentação do preso à autoridade judicial, após efetivada sua prisão em flagrante.

3. Combate à superlotação Carcerária.

Apontada como benefício a audiência de custodia traz consigo a vantagem de que principalmente de reduzir a superlotação carcerária, ou seja a apresentação imediata da pessoa detida ao juiz é um mecanismo que possibilita à autoridade judiciária a apreciação da legalidade da prisão com a realização da audiência de custódia minimiza a possibilidade de prisões manifestamente ilegais.

Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça apontam que o Complexo de Curado em Pernambucocom uma das maiores taxas de superlotação carcerária do país foi denunciado internacionalmente por suas condições e como passo para solucionar a crise penitenciária no estado ao aderir ao

Page 425:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

424  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

programaAudiência de Custódia para a melhoria de condições do sistema carcerário no estado.

Destarte é importante que além da diminuição da massa carcerária provisória que abarrota o sistema é a viabilização e respeito às garantias constitucionais como o princípio constitucional do contraditório, além de se consolidar o direito de acesso à justiça do réu preso.

Artigo 5º, LV, CF

“Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”

4. Inibição a execução de atos de tortura.

Outro ponto que merece destaque é que com a implementação das audiências de custodia faz o ajustamento do processo penal brasileiro aos Tratados Internacionais de Direitos Humanos e são eficientes no combate à prática de tortura e tratamento indigno ao preso.

Conforme institui a lei 9.455/1997.

Art. 1º Constitui crime de tortura: I - constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental:

No plano posto em tela o mecanismo da audiência de custodia é inibir a execução de atos como esse praticado em interrogatórios policiais, embora já tenha se avançado muito nessa temática, mas é comum ainda nos depararmos diante se situações em que há práticas de tortura sendo utilizada como método de confissão e investigação e embora proibida pela constituição brasileira.

Page 426:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        425 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Artigo 5° CF /88 Inciso III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante.

Nota-se que a finalidade é a garantia da prevenção da tortura policial, assegurando, pois, a efetivação do direito à integridade pessoal das pessoas privadas de liberdade, conforme previsão o art. 5.2. Da Convenção Americana de Direitos Humanos.

“Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada da liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano”

Dessa forma garantida a apresentação do preso dentro das primeiras ao juízo competente eliminaria ao menos a violência policial praticada no momento da abordagem no flagrante e nas horas seguintes pois os responsáveis por sua apreensão terão ciência que todos os seus atos praticados durante esse tempo que estiver com o preso poderão ser levados a conhecimento da autoridade judicial de defesa seja pública ou privada e ao Ministério Público por meio da audiência de custodia.

5. Corroboração das audiências de custodia e compromisso brasileiro.

Verifica-se, significativos reforços de suma na proteção dos direitos humanos com ratificação da a Convenção Americana Sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), pelo Brasil em 1992, dispõe que a Convenção Americana Sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), ratificada pelo Brasil em 1992, dispõe que “toda pessoa detida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada a exercer funções judiciais” (art. 7º).

Destarte a confere ao cidadão o direito de ter a legalidade de sua prisão em flagrante analisada por um magistrado em um tempo

Page 427:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

426  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

curto e ainda garantia do contato pessoal, nesse sentido a audiência de custodia é uma relevante forma de acesso à jurisdição penal, tratando-se, portanto, de uma das garantias de liberdade pessoal que se traduz em obrigações positivas a cargo do Estado.

Podemos observar também renovação das credenciais do Brasil no cenário internacional com posicionamento de atores e organismos internacionaistais como a Human Rights Watch, organização não governamental dedicada à proteção dos direitos humanos em todo o mundo, e o Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) — já sinalizaram sobre a importância da audiência de custódia.

Sinalizamos também aceirar a integração jurídica latino-americana: o instituto da audiência de custódia é, atualmente, parte do ordenamento jurídico de diversos países da América Latina a exemplo de Peru, México, Argentina, Chile e Equador.

Regula o ordenamento jurídico interno para cumprimento de obrigações internacionais, conforme exige o artigo 2° da Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH) o dever de adotar disposições de direito interno a qual, os “Estados Partes comprometem-se a adotar, de acordo com as suas normas constitucionais e com as disposições desta Convenção, as medidas legislativas ou de outra natureza que forem necessárias para tornar efetivos tais direitos e liberdades. “

6. Avanços e Desafios.

A implantação das audiências de custodia é um avanço significativo para o poder judiciário como afirma o ministro da CNJ Lewandowski, o projeto representa um “salto civilizatório” para o Brasil. “ Em alguns estados já ocorre a adesão do projeto são eles São Paulo, Espírito Santo, Maranhão, Minas Gerais, Mato Grosso, Rio Grande do Sul, Paraná, Amazonas, Tocantins, Goiás, Paraíba, Pernambuco e Ceará e Piauí.

Page 428:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        427 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Segundo Lewandowski esse passo dado não se está apenas dando efetividade a um princípio importantíssimo, que é o da dignidade da pessoa humana, mas também cumprindo uma obrigação que o país assumiu ao assinar tratados internacionais”.

Mas a duras críticas acerca dos projeto devido os desafio encontrados embora seja natural que para a concretização e efetividade tem um longo caminho a ser percorrido para aperfeiçoamento, só que as dificuldades encontradas não só não impõem obstáculos apenas ao Judiciário, visto que o sistema condiciona sua eficácia à integração com outras instituições, especificamente as polícias judiciárias que mantém atribuição legal para lavratura do auto de prisão e flagrante, realizando assim, a custódia temporária dos autuados.

Nesse sentindo surgem inúmeros questionamentos sobre qual instituição ficará com a incumbência de transportar os presos e apresentá-los aos juízes? Seria a liberação de policiais civis para realizarem suas atividades e as atividades investigativas por parte deles estariam comprometidas com essa paralização para efetuar esse outro trabalho, se caso fosse atribuído a polícia militar como fica o trabalho de patrulhamento será esse também prejudicado, com isso houve as indagações contradições jurídicas e práticas, o Poder Judiciário dos estados percussores, e demais defensores da inovação processual, não semearam mecanismos de viabilidade de execução da audiência de custódia nos demais níveis institucionais, o que enseja a necessidade de regulamentação interna com o reconhecimento de sugestões pertinentes.

Diante de contradições jurídicas e práticas, o Poder Judiciário dos estados percussores, e demais defensores da inovação processual, não semearam mecanismos de viabilidade de execução da audiência de custódia nos demais níveis institucionais, o que enseja a necessidade de regulamentação interna com o reconhecimento de sugestões pertinentes.

Page 429:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

428  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Como criar um mecanismo que servisse de salto civilizatório se para sua implementação efetiva e encontra se controvérsias e desafios que parece ser maior vejamos a manifestação do Ministério Público de São Paulo.

“Nada impede, outrossim, que, uma vez implantada definitivamente a “audiência de custódia”, seja ela realizada pelo sistema de vídeo conferência, asseguradas todas as garantias legais, dotando-se o Poder Judiciário e a Polícia Civil de salas adequadas, em especial quando se cuidar de pessoa presa de alto grau de periculosidade, não só por questão de segurança, mas para evitar custo operacional desnecessário).

O juiz de Direito, também do estado de São Paulo, Bruno Luiz Cassiolato também contribui com a seguinte sugestão “para execução eficiente do instituto, especificamente a gravação em sistema audiovisual do interrogatório do preso feito pela autoridade policial, cuja mídia seria encaminhada ao magistrado quando da remessa do auto de prisão em flagrante”.

Observamos também o apontamento do Polícia Civil do estado do Acre Karlesso Nespoli “propôs em expediente interno, a possibilidade de efetivação da audiência de custódia em salas específicas das unidades policiais que possuem como atribuição restrita, a lavratura do auto de prisão em flagrante”, nesse raciocínio de Karlesso com a disponibilização de salas nas delegacias de polícia com estrutura mínima, mediante a confecção de termo de cooperação, caberia aos órgãos impulsionadores donovel instituto apenas promover a presença das partes necessárias a sua consumação, evitando o transporte dos presos ao Judiciário e o surgimento de um novo problema para a polícia.

Tais apontamentos elencados acima são de grande insatisfação pelas condições de como proceder adequadamente para concretização de um mecanismo que seja totalmente voltado para que assegure as garantias constitucionais à efetividade do

Page 430:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        429 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

controlejudicial das prisões provisórias, a videoconferência não traz a completude para sanar a problemática uma vez que se pode economizar no deslocamento mas surgem outra necessidades básicas como se é para a garantia do preso em flagrante sejam apresentados a um Juiz de Direito, em 24 horas, no máximo como se daria as carga horária de trabalho para os juízes e como certificar de eventuais abusos.

E se tratando das gravações pela autoridade policial não atende o mecanismo então defendido de audiência de custodia a simples falta da presença do juiz já derruba por terra a sugestão que não se fundamenta como defender uma pratica e realizar outra contradita. Já a sugestão à execução das audiências de custódia em unidades policiais específicas vem o debate do gasto financeiro para se fazer isso como será a postura dos órgãos envolvido.

Diante do exposto a necessidade de ter todo o cuidado e esforço de todos os órgãos envolvidos para se ter uma efetivação concreta para a implementação ser um salto para o sistema penal brasileiro diminuindo a negativação que se encontra.

É facilmente perceptível que os mecanismos de estruturação da audiência de custódia são alicerçados em circunstâncias que podem ocasionar consequências desastrosas, por isso, faz-se necessário um esforço conjunto das instituições interessadas no sucesso da medida por meio de discussões científicas e ações menos impactantes, sendo salutar a efetivação das audiências nas próprias delegacias de polícia, com base no ganho mútuo das instituições públicas envolvidas e, principalmente, na diminuição dos efeitos negativos produzidos pelas mazelas do sistema penal brasileiro.

Conclusão

Verificamos com o estudo apresentado em nosso pais o sistema carcerário encontra-se em crise superlotado, falido denunciado internacionalmente por suas condições carcerárias.

Page 431:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

430  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

A implementação das audiências de custodia é o que se pode dar um salto significativo para o judiciário e especialmente, ao Pacto de San José e ao PIDCP, mostra-se medida emergencial, a fim de evitar prisões ilegais, arbitrárias e desnecessárias e até mesmo potencializando a humanização da prisão preventiva, além de coibir as práticas de atos de tortura, viabilização das garantias constitucionais, renovação da credenciais do Brasil no cenário internacional, adequação ao ordenamento jurídico interno para cumprimento de obrigações internacionais, reforça a integração jurídica latino-americana entre outros.

Por todo o exposto em tela dos avanços significativos para o desenvolvimento do pais na temática, verifica-se também os desafios e críticas a implementação de como fortalecer os mecanismos e integração de todos os órgãos envolvidos para se ter uma efetivação concreta para a implementação ser um salto para o sistema penal brasileiro diminuindo a negativação.

Bibliografia.

http://www.cnj.jus.br

Revistas Liberdade n°17 novembro de 2014 /Publicação Instituto Brasileiro de Ciências Criminais.

www.conjur.com.br/2016-mai-09/carlos-pellegrini-pontos-emblematicos-audiencia-custodia.

http://www.dizerodireito.com.br/

http://jurisrael.jusbrasil.com.br/

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D0678.

http://www.dpu.gov.br

Page 432:  · 5 1 Disponível em:  Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 Conselho Editorial C

 

 

 

        431 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56390 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 666 de 30/07/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/ http://revistavisaojuridica.uol.com.br