zueleide casagrande de paula · consideramos a perspectiva oriunda das proposições de kevin lynch...

12
A cidade de Londrina: imagens e representações do construto urbano Zueleide Casagrande de Paula Professora do Departamento de História da Universidade Estadual de Londrina/UEL/; Pósdoutoranda do Programa de História Social e Econômica/USP/Bolsista da Fundação Araucária. Eixo Temático: Imagens urbanas Nesse trabalho escolhemos apresentar alguns dos marcos que orientam o usuário na espacialidade da cidade de Londrina, localizada na parte convencionada de Norte do Estado do Paraná 1 . Sua configuração e estética urbanas são caracteristicamente pautadas na verticalização e na condição de metrópole regional. Propomos apresentar alguns de seus orientadores urbanos. Assim, traremos de algumas imagens-símbolo e seus usos mais explícitos, como, por exemplo, a do edifício que abriga o Museu Histórico de Londrina, a Estação Rodoviária — hoje Museu de Arte, o Cine/Teatro Ouro Verde, a Concha Acústica e seu entorno. Porém, muitas são as imagens que compõem essas representações da cidade de Londrina. Nosso objetivo e chamar a atenção para os seus elementos de construção e para seus usos na sustentação do próprio construto urbano. A ideia que alvitramos, diz respeito aos marcos urbano como elemento construtor da paisagem e, portanto, construção/alteração a partir desses pontos de referência para os habitantes/usuários da cidade de Londrina. Para esse trabalho consideramos a perspectiva oriunda das proposições de Kevin Lynch em seu livro Imagem da Cidade (1997) e as propostas apresentadas em Além dos Mapas por Cristina Freire (1997) no qual aponta a relevância dos monumentos na orientação dos usuários da cidade. Apropriamos-nos dos referenciais desses dois autores como metodologia para problematizar a notabilidade de determinadas edificações na orientação dos usuários urbanos da cidade de Londrina, no reconhecimento cognitivo dos espaços citadinos e na construção da imagem urbana. Nossa primeira menção diz respeito ao Museu Histórico Padre Carlos Weiss (figura 01) cuja edificação, uma das mais antigas da cidade é a que aparece em comerciais e propagandas na e sobre a cidade de Londrina, pois é amplamente explorada como imagem de fundo de disseminadores propagandísticos impressos, televisivos, em outdoor e na internet. Mas, o mais curioso é que são as construtoras e empresas locais, cuja proposta é firmar a imagem da cidade como elaboradora e 1 Este texto é panorâmico e procura apresentar alguns resultados a respeito da pesquisa realizada no projeto “Questões Urbanas, Questões de Urbanização: História, Imagens, Traçados e Representações”. Mas é preciso dizer que são apenas indicativos dos resultados alcançados. III Encontro Nacional de Estudos da Imagem 03 a 06 de maio de 2011 - Londrina - PR 2982

Upload: hoangdat

Post on 24-Jan-2019

218 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Zueleide Casagrande de Paula · consideramos a perspectiva oriunda das proposições de Kevin Lynch em seu livro Imagem da Cidade (1997) e as propostas apresentadas em Além dos Mapas

A cidade de Londrina: imagens e representações do construto urbano

Zueleide Casagrande de Paula Professora do Departamento de História da Universidade Estadual de

Londrina/UEL/; Pósdoutoranda do Programa de História Social e Econômica/USP/Bolsista da Fundação Araucária.

Eixo Temático: Imagens urbanas

Nesse trabalho escolhemos apresentar alguns dos marcos que orientam o

usuário na espacialidade da cidade de Londrina, localizada na parte convencionada de

Norte do Estado do Paraná1. Sua configuração e estética urbanas são

caracteristicamente pautadas na verticalização e na condição de metrópole regional.

Propomos apresentar alguns de seus orientadores urbanos. Assim, traremos de

algumas imagens-símbolo e seus usos mais explícitos, como, por exemplo, a do

edifício que abriga o Museu Histórico de Londrina, a Estação Rodoviária — hoje

Museu de Arte, o Cine/Teatro Ouro Verde, a Concha Acústica e seu entorno. Porém,

muitas são as imagens que compõem essas representações da cidade de Londrina.

Nosso objetivo e chamar a atenção para os seus elementos de construção e para seus

usos na sustentação do próprio construto urbano.

A ideia que alvitramos, diz respeito aos marcos urbano como elemento

construtor da paisagem e, portanto, construção/alteração a partir desses pontos de

referência para os habitantes/usuários da cidade de Londrina. Para esse trabalho

consideramos a perspectiva oriunda das proposições de Kevin Lynch em seu livro

Imagem da Cidade (1997) e as propostas apresentadas em Além dos Mapas por

Cristina Freire (1997) no qual aponta a relevância dos monumentos na orientação dos

usuários da cidade. Apropriamos-nos dos referenciais desses dois autores como

metodologia para problematizar a notabilidade de determinadas edificações na

orientação dos usuários urbanos da cidade de Londrina, no reconhecimento cognitivo

dos espaços citadinos e na construção da imagem urbana.

Nossa primeira menção diz respeito ao Museu Histórico Padre Carlos Weiss

(figura 01) cuja edificação, uma das mais antigas da cidade é a que aparece em

comerciais e propagandas na e sobre a cidade de Londrina, pois é amplamente

explorada como imagem de fundo de disseminadores propagandísticos impressos,

televisivos, em outdoor e na internet. Mas, o mais curioso é que são as construtoras e

empresas locais, cuja proposta é firmar a imagem da cidade como elaboradora e

1 Este texto é panorâmico e procura apresentar alguns resultados a respeito da pesquisa realizada no projeto “Questões Urbanas, Questões de Urbanização: História, Imagens, Traçados e Representações”. Mas é preciso dizer que são apenas indicativos dos resultados alcançados.

III Encontro Nacional de Estudos da Imagem 03 a 06 de maio de 2011 - Londrina - PR

2982

Page 2: Zueleide Casagrande de Paula · consideramos a perspectiva oriunda das proposições de Kevin Lynch em seu livro Imagem da Cidade (1997) e as propostas apresentadas em Além dos Mapas

veiculadora de produtos de qualidade, as que mais usam tais imagens. Essa

monumentalização, se considerarmos a leitura de Freire, ou esse marco urbano, se

contemplarmos Lynch, chamam a atenção quando pensamos acerca das imagens que

representam a cidade de Londrina. Entretanto, tanto como monumento ou como marco

urbano, esse edifício ocupa um lugar privilegiado na contextura citadina e também na

memória local. A princípio a imagem construída sobre esse edifício define seu lugar e

o coloca em uma condição privilegiada, tanto no espaço como no tempo em relação à

cidade. É sobre esta construção histórica que parece apontar a condição a qual esse

edifício foi alçado no decorrer da história local, cuja representação envolve a

compreensão de marco, de monumento e patrimônio local, para a qual chamamos a

atenção do leitor. Esta construção histórica expressa sua representação na imagem

urbana que a cidade construiu para si e sinaliza para onde e como os orientadores

urbanos construíram a materialidade e plasticidade urbanas ao longo de sua

existência.

A localização do Museu Histórico de Londrina está “amarrada” ao Museu de

Arte, outra edificação histórica da cidade e, ao planetário2, e, na junção do conjunto de

edifícios formam um triângulo de edificações. A funcionalidade deles está voltada para

a preservação da história, o exercício da educação, da arte e da cultura.

O Museu Histórico, no entanto, tem como o Museu de Arte, um lugar de

memoração, visto que foi construído com outra finalidade: a de ser a Estação

Ferroviária3 a qual trazia o progresso e a civilização ao sertão, por meio de seus

trilhos. Isto num passado não muito distante e que compõe a história local. A estação

foi construída para receber a civilização, o progresso, a civilidade era esta a sua

representação na época. Tanto foi preparada para tal função que mais tarde seu

prédio passou a abrigar a história dessa entrada triunfal da modernidade no sertão

paranaense e tornou-se o museu histórico da cidade. Mas não foi investido da

condição de marco por essa razão, pelo contrário, sua representação histórica e a

monumentalidade própria da edificação, ungiram-na de tal condição e que permanece

2 O Planetário de Londrina foi construído na gestão do prefeito Belinati em 1992, porém entrou em funcionamento a partir de 2003, quando um projeto de extensão intitulado: Planetário de Londrina e observatório da UEL: Ambientes de Apoio à Educação Informal de Difusão e Ensino-Aprendizagem em Educação Científica, coordenado pela Professora Doutora Rute Helena Trevisan do Departamento de Física da UEL teve inicio. Sobre uma análise mais aprofundada sobre esse tema ver o texto de Lucia Glicério Mendonça, também apresentado nesse evento e integrante do projeto de pesquisa: “Questões Urbanas, Questões de Urbanização: História, Imagens, Traçados e Representações”. 3 Sobre a Estação Ferroviária, hoje Museu Histórico de Londrina Padre Carlos Weiss, ver o texto publicado nesse evento de autoria Priscilla Perrud Silva, FERRO NOS TRILHOS E NA ESTAÇÃO: o caso da antiga Estação Ferroviária de Londrina. integrante do projeto de pesquisa: “Questões Urbanas, Questões de Urbanização: História, Imagens, Traçados e Representações”.

III Encontro Nacional de Estudos da Imagem 03 a 06 de maio de 2011 - Londrina - PR

2983

Page 3: Zueleide Casagrande de Paula · consideramos a perspectiva oriunda das proposições de Kevin Lynch em seu livro Imagem da Cidade (1997) e as propostas apresentadas em Além dos Mapas

até nossos dias. Contudo, o edifício apresente uma arquitetura eclética - para a época

de sua construção já era considera de caráter duvidoso – essa condição não o

impediu de tornar-se para o londrinense, uma referência arquitetônica e um marco

urbano. Sua natureza de representante máximo do ecletismo na cidade não diminuiu

em nada seu valor histórico/simbólico perante seus habitantes que expressam seu

orgulho por meio do uso da imagem ao exibir a suntuosidade da edificação como

fundo de imagem para remeter à identificação da cidade de Londrina. O curioso, nesse

caso, é essa representação ter sido também apropriada por construtoras e

imobiliárias, empresas que a princípio, conhecem os estilos arquitetônicos que

conduziram a arquitetura brasileira. Este uso, indiretamente, sinaliza para o

reconhecimento de um estilo que sempre esteve à margem dos estudos a respeito de

estilos arquitetônicos, por ser considerado por arquitetos, um estilo duvidoso desde as

últimas décadas do final do século XIX, quanto seu uso passou a ser empreendido

com certa freqüência por alguns arquitetos brasileiros a pedido de imigrantes que se

fixaram no Brasil4. Mesmo que alguns arquitetos atendessem a essas imposições de

imigrantes ricos, eram criticados com veemência por seus pares, era um estilo negado

na representação da arquitetura brasileira5. Contudo, esse exemplar é uma referência

na representação da identidade de Londrina. Por outro lado, também é um dos

orientadores do uso cognitivo do espaço citadino, portanto, na perspectiva de Lynch, é

um dos marcos londrinense.

Figura 01 – fotografia do acervo pessoal da

autora, março de 2010

Esta imagem apresenta a localização

deste edifício na disposição que ocupa do

contexto do triângulo histórico, ou seja, de

um conjunto de marcos urbano para a

cidade de Londrina. A imagem retratada

na figura 01 foi fotografada a partir do

Museu de Arte em direção ao Museu

Histórico. Objetivamos com isso mostrar a

praça que deveria ser o elo entre estes

dois museus, mas esta é cortada por uma

rua e o trânsito impede a integração do

espaço entre as edificações.

4 . Esta obra apresenta um panorama da expansão da construção civil na cidade de São Paulo no início do século XX. PAULA, Z. C. de A Cidade e os Jardins: Jardim América, de projeto urbano a monumento patrimonial, (1915-1986. 5 A obra de Reis Filho, Quadro da Arquitetura Eclética no Brasil, possibilita se ter uma ideia do que vinha a ser a arquitetura eclética para a época em que foi construída essa edificação em Londrina, mas especificamente o último capítulo.

III Encontro Nacional de Estudos da Imagem 03 a 06 de maio de 2011 - Londrina - PR

2984

Page 4: Zueleide Casagrande de Paula · consideramos a perspectiva oriunda das proposições de Kevin Lynch em seu livro Imagem da Cidade (1997) e as propostas apresentadas em Além dos Mapas

Porém, nesta imagem, a rua não é perceptível, a praça está em primeiro e ao

fundo o prédio que abriga o museu histórico. A praça fica num declive e a edificação

do museu está localizada na parte baixa, em seguida há uma rua que margeia a

praça, esta não tem o mesmo nível do terreno do museu. Para se ter acesso ao pátio

do museu a partir desta rua há uma declinação de aproximadamente três a quatro

metros de altura. Durante a semana a referida rua é um lugar movimentado em razão

de sua localização cortar o que chamamos de triângulo histórico e de ser um dos

acessos ao terminal central de ônibus urbanos, mas aos finais de semana, torna-se

uma ‘rua cega’.6 Não tem movimento, pois o fluxo de ônibus diminui

consideravelmente e é evitada por transeuntes em razão do isolamento que marca

este lado da cidade. Em finais de semana a inexistência de movimentação no

comércio, o fato de o Museu de Arte atender aos sábados no horário comercial e não

ser aberto aos domingos7 e em finais de semana e o de o Museu Histórico, assim

como o Planetário, fecharem as 17h00minh, faz com que haja pouca visitação.

Do ponto de vista técnico, a arquitetura eclética que marca a plasticidade do

edifício do Museu Histórico se aproveitou dos avanços da engenharia do século XIX,

como a que possibilitou construções com estruturas de ferro forjado que marcaram a

época do estensivo uso do ferro no Brasil. Este resultado explicitado por Danielle

Couto Moreira8 em relação a São João Del-rei e Juiz de Fora, se confirma no caso da

estação ferroviária de Londrina que embora tenha tido uma construção com materiais

de primeira linha, para a épcoca, e portanto, o uso do ferro poderia se justificar por

essa razão, não excluiu a opção do estilo eclético, pois manifestava a empregabilidade

de inumeros indicativos oriundos de multiplicidades de estilos. Ora, cabe-nos

apresentar o rigor que marcou o registro da documentação a respeito dessa

construção por seu porte incomum. A manifiestação de sua importância está marcada

na volumetria da obra, na qualidade do emprego de seus materiais registrados em seu

inventário, cujo documento, descreve minuciosamente o tipo de materiais e as marcas

usadas como forma de garantir a qualidade, mas manifesta-se ao mesmo tempo, no

próprio desenho que pode ser verificado nas imagens das figuras 01 e 02.

6 Para aprofundamento deste conceito ver: JACOBS, J. Morte e Vida de Grandes Cidades. Tra. Carlos S. M. Rosa. São Paulo: Martins Fontes, 2000. 7 O Museu de Arte tem falta de funcionário e de segurança para que possa ser aberto inteiramente em finais de semana. Este museu é de responsabilidade da prefeitura municipal que tenta, com parcos recursos, conciliar o festival de teatro, de música e a cultura em geral na cidade. Neste universo se encontra o Museu de Arte. 8 Sobre o Ecletismo, principalmente no Brasil é importante a leitura do trabalho de Danielle Couto Moreira defendido na USP na área de Arquitetura e Urbanismo, intitulada: Arquitetura Ferroviária e Industrial: o Caso das cidades de São João Del Rei e de Juiz d Fora [1875-1930], principalmente o capítulo: Cidade, Indústria e Ecletismo:

III Encontro Nacional de Estudos da Imagem 03 a 06 de maio de 2011 - Londrina - PR

2985

Page 5: Zueleide Casagrande de Paula · consideramos a perspectiva oriunda das proposições de Kevin Lynch em seu livro Imagem da Cidade (1997) e as propostas apresentadas em Além dos Mapas

Figura 02 – Fotografia de Jorge Romanello, outubro

de 2009

Um dos elementos que mais

chama a atenção é sua janela

de canto, uma das remetências

ao estilo modernista que

também irá mostrar seus sinais

na cidade Londrina. Seu mais

importante exemplar, o Museu

de Arte, está do outro lado da

praça que é apresentada na

figura 01, planejado e construído

sob a batuta do mestre João

Batista Vilanova Artigas.

Já o edifício do atual Museu Histórico, não tem ainda certo seu planejador. A

Estação Rodoviária foi resignificada e transformada em Museu de Arte (Figura 03).

Esta edificação é considerada a principal obra de Vilanova Artigas na cidade, mas há

outras, como veremos. Este arquiteto era um defensor, no Brasil, das ideias e projetos

de Frank Lloyd Wright, de tal modo que Yves Bruand (1981) denominou a primeira

fase da obra de Artigas (a compreendida entre 1938 e 1944) de fase wrightiana. Mais

tarde, deu-se seu diálogo estreito com as obras de Le Corbusier, segundo João Masao

Kamita (2000), por o Francês apresentar uma visão apolínea, de civilização

maquinista, eficiente e ascética. Para Artigas (1986), no entanto, por trás da boa

vontade de construir para a coletividade defendida por Le Corbusier, estaria sua

tentativa de legitimar o status quo.

Figura 03, fotografia 01, entrada principal do edifício, fotografia 02 panorâmica da parte frontal e fotografia 03 a patê de acesso a Gare, parte de entrada dos ônibus. Fotografias do arquivo particular da autora, outubro de 2009.

O primeiro edifício de Artigas em Londrina que veio a tornar-se marco urbano,

como já destacamos, refere-se a Estação Rodoviária — hoje Museu de Arte (figura

03). Sua arte impactante de concreto armado, o conjunto de brise-soleil (ou “quebra

sol”) projetado para a Rodoviária e, conforme Suzuki (2003), composto de lâminas de

fibrocimento curvo, horizontais, divididas em várias faixas, era algo totalmente novo

III Encontro Nacional de Estudos da Imagem 03 a 06 de maio de 2011 - Londrina - PR

2986

Page 6: Zueleide Casagrande de Paula · consideramos a perspectiva oriunda das proposições de Kevin Lynch em seu livro Imagem da Cidade (1997) e as propostas apresentadas em Além dos Mapas

para uma cidade no meio da floresta. A localização do lado externo e a mobilidade

gerada por meio de manivelas era o que havia de mais moderno para a paisagem

urbana do lugar (Figura 04, fotografia 01).

Figura 04 – fotografia 01, 02 e 03, do arquivo particular da autora, outubro de 2009.

A fachada sul, onde há um grande painel de vidro, não apresentava

sombreamento; o prédio foi projetado e construído para que várias aberturas,

denominada pelos arquitetos de: tipo máximo-ar, permitissem a ventilação cruzada,

uma vez que esse ambiente era único, com aberturas para ambos os lados (PISANI &

CORRÊA, 2007) . O uso de pastilhado, uma inovação para a época no meio do sertão,

levou o poder público, bem como alguns nomes de elite local, a convidar o arquiteto,

várias outras vezes, para a construção de edificações que trouxessem sua assinatura

(Figura 04 fotografias 02 e 03).

O Cine/Teatro Ouro Verde (hoje Teatro Outro Verde) e o edifício Autolon

compuseram também marcos urbanos durante muitos anos na cidade de Londrina

(Figura 05). Ambos construídos, um ao lado do outro, ligados por uma edificação que

se estendia do Edifício Autolon em direção ao prédio do cinema, no qual foi instalado

um restaurante. Foram construídos na Rua Paraná, hoje o Calçadão. Este era o ponto

de encontro em final de tarde para os empresários, profissionais liberais e políticos

locais e funcionava como restaurante freqüentado pelos moradores da cidade em

almoços e jantares antes e depois das cessões de cinema, como as cessões da noite

e as matines freqüentadas por todos aqueles que não se intimidavam diante da

grandeza da composição do restaurante e do cinema. Entre o edifício do teatro e do

Autolon, hoje funciona uma pequena loja de ponta de estoque, como é possível

constar pela imagem da figura 03.

Esse conjunto arquitetônico foi pensado e proposto por um grupo de

empresários locais: Celso Garcia Cid, proprietário da empresa de transporte rodoviário

Viação Garcia, mas na época uma empresa regional; Ângelo Pesarini e Jordão

Santoro, também sócios proprietários da Sociedade Auto Comercial de Londrina –

Autolon, cujo produto consistia nos veículos da marca Chevrolet.

III Encontro Nacional de Estudos da Imagem 03 a 06 de maio de 2011 - Londrina - PR

2987

Page 7: Zueleide Casagrande de Paula · consideramos a perspectiva oriunda das proposições de Kevin Lynch em seu livro Imagem da Cidade (1997) e as propostas apresentadas em Além dos Mapas

Figura 05 – fotografia 01 Cine Teatro Ouro Verde – Fotografia 02 intervalo entre o teatro e o edifício Autolon, antigo espaço de localização do restaurante. Fotografias do arquivo particular da autora, dezembro de 2010.

O Cine Ouro Verde foi construído para ter uma plasticidade eloquente, pois a

ideia, segundo Suzuki (2003), era de que fosse o maior e o mais luxuoso cinema do

interior do Brasil. Desde sua proposição em 1948, tornara-se orgulho para a cidade,

em razão de sua grandeza, o que de certa forma também despertou a expectativa

sobre sua inauguração, a qual foi amplamente noticiada pelo jornal A Folha de

Londrina no ano de 1952. O jornal apresentou uma extensa e elogiosa reportagem

sobre a inauguração e destacou a classificação do empreendimento, que nada

deixaria a desejar aos cinemas dos grandes centros, “pois foi ele construído sob os

mais modernos e extraordinários quesitos contemporâneos, admitida engenharia

arquitetônica [sic] que foi sua classificação entre os maiores da América Latina ─ o

Cine Marrocos, em São Paulo, e o São Luiz no Rio de Janeiro” (Folha de Londrina,

20 dez. 1952, Apud, Kamita, 2003).

O jornal ainda defende a construção do edifício contra as críticas, que

assinalavam a suposta inutilidade de um cinema daquelas proporções para uma

cidade como Londrina, “plantada” no que chamavam de “boca do sertão”. Essa defesa

sinaliza para o contraste da edificação com o universo citadino local, ou seja, para a

existência de um estranhamento: a convivência sertão/arquitetura sofisticada. São

essas impressões e sinais que se manifestaram à época e que sustentam a ideia de

que esse conjunto de edifícios foi um dos mais destacados marcos urbanos para a

cidade, pois até hoje o teatro ainda é referência no Calçadão de Londrina, onde está

localizado.

Na Praça Primeiro de Maio (Figura 06), conhecida pelos usuários urbanos de

Londrina como praça da Concha Acústica, também se encontra o Memorial dos

Pioneiros e à uma das margens da praça, a Casa da Criança, hoje Secretaria da

Cultura, outro dos marcos urbanos de Londrina.

III Encontro Nacional de Estudos da Imagem 03 a 06 de maio de 2011 - Londrina - PR

2988

Page 8: Zueleide Casagrande de Paula · consideramos a perspectiva oriunda das proposições de Kevin Lynch em seu livro Imagem da Cidade (1997) e as propostas apresentadas em Além dos Mapas

Nesta praça em cujo local são promovidos pela Secretaria da Cultura eventos

destinados a população de toda a cidade, embora seus principais freqüentadores

sejam os moradores do centro e trabalhadores em final de expediente, os eventos são

oferecidos a toda população. Abriga também

Figura 06, fotografia 01 Praça Primeiro de Maio em destaque: Concha Acústica. Figura 06, fotografia 02 parte superior: Casa da Criança em processo de demolição do primeiro andar. Fotos da autora, novembro de 2010.

Figura 07 – as fotografias 01, 02, 03 são imagens de diferentes ângulos da Praça Primeiro de Maio, conhecida como praça da Concha Acústica. Fotografias do arquivo particular da autora de novembro de 2010.

Com base na justificativa de que é preciso homenagear quem chegou primeiro

e construiu a cidade, o Memorial do Pioneiro torna-se uma realidade, mas a referência

espacial predominante é à Concha Acústica. O memorial (Figura 07) é constituído por

17 totens com a inscrição dos nomes dos primeiros que se aproximam em número de

três mil e oitocentos nomes, cuja temporalidade estipulada para a definição de quem

se caracteriza como pioneiro está entre 21/08/1929 a 31/12/1939, data de chegada ao

município.9

9 Neste documento estão arrolados os nomes daqueles que foram considerados pioneiros e tiveram seus nomes cravados no bronze dos totens que se encontram na Praça Primeiro de Maio. http://www.uel.br/museu/pioneiros/mp1.pdf .Também a respeito da leitura crítica desse monumento e para o qual não nos voltamos por não ser este o propósito, ver o texto HISTÓRIA E MEMÓRIA NA CONSTRUÇÃO DO PENSAMENTO HISTÓRICO: UMA INVESTIGAÇÃO EM EDUCAÇÃO HISTÓRICA de autoria de Cainelli, Marlene R. e Tuma, Magda M. P., publicado

III Encontro Nacional de Estudos da Imagem 03 a 06 de maio de 2011 - Londrina - PR

2989

Page 9: Zueleide Casagrande de Paula · consideramos a perspectiva oriunda das proposições de Kevin Lynch em seu livro Imagem da Cidade (1997) e as propostas apresentadas em Além dos Mapas

A cidade de Londrina é inicialmente resultado de um projeto de ocupação

iniciado na primeira gestão do governo Getúlio Vargas e que se concretizou ao logo

desse governo. Entretanto, durante suas primeiras décadas de vida, olhava para são

Paulo, como esta olhava para a Europa durante o final do século XIX e começo do XX.

Este “farol” da modernidade e da modernização irá conduzir a vidada da aspirante a

metrópole incrustada no meio da floresta, e que tinha a indesejada condição de “boca

do Sertão”, traduzida para seu nome inicial, “Patrimônio Três Bocas”, em sua projeção

do que deveria ser uma cidade. Seus habitantes abastados e administradores

buscaram rapidamente vencer essa condição com a qual não coadunavam. De

Patrimônio Três Bocas que remetia a entrada do sertão e as saídas para os outros

patrimônios em processo de formação, mudou para Londrina. Tratava-se de uma

alusão à inglesa cidade de Londres, de onde vieram os primeiros (re)colonizadores da

região, pois nela já habitavam índios e posseiros que desaparecem com a chegada

da companhia inglesa e a reocupação em curso.10

Se os engenheiros e arquitetos que aqui viviam não tinham ainda meios de

enfrentar a tosca condição na qual uma recente ocupação no meio da floresta

dispunha, os administradores buscaram na direção do “farol” essa possibilidade.

Desse modo chegam à Londrina, ao final da década de 1940 até o final da década de

1950 os projetos de, Vilanova Artigas, Burle Max, e Prestes Maia.

A vinda desses arquitetos e urbanistas está diretamente ligada ao que

pretendiam aqueles “pioneiros” para Londrina no período inicial da cidade. Estava

claro que todos almejavam a modernização e condições confortáveis de vida para

“todos”. Buscavam o mínimo de urbanidade para a pequena Londrina, e esta

urbanidade é representada pelo trabalho reconhecido de jovens arquitetos,

engenheiros, paisagistas que atendiam a cidade de São Paulo, portanto, se servia

para aquela cidade, servia também para Londrina. Deste modo é este pensamento

modernizador o que moverá a fundação de obras públicas com a assinatura de

Vilanova Artigas e de projetos de modernização da malha urbana assinados por

Prestes Maia. A déia que marcava as políticas dos anos de 1950 e que se estendeu

até o interior do Paraná foi de Progresso e desenvolvimento.

por Revista HISTEDBR On-line, Campinas, n.34, p.211-222, jun.2009 - ISSN: 1676-2584 211-222. http://www.histedbr.fae.unicamp.br/revista/edicoes/34/index.html 10 Sobre esse processo e o destino dos moradores dessa região antes da chegada da companhia, ver os trabalhos de ADUM, Sonia M.S. Lopes. Imagens do Progresso: Civilização e barbárie em Londrina (1930-1960). Dissertação (mestrado em História). Depto. de História da UNESP, Campus de Assis, 1991; TOMAZI, N. D. Norte do Paraná: historias e fantasmagorias. (Tese). Curitiba: UFPR,1997; PAULA, Z. C. Dissertação de mestrado. Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Estadual Paulista, Julio Mesquita Filho Unesp, campus de Assis. Maringá: coração verde do Brasil?, 1998; ARIAS NETO, José Miguel. O Eldorado: representações da política em Londrina 1930-1975. Londrina: Editora UEL, 1998;.

III Encontro Nacional de Estudos da Imagem 03 a 06 de maio de 2011 - Londrina - PR

2990

Page 10: Zueleide Casagrande de Paula · consideramos a perspectiva oriunda das proposições de Kevin Lynch em seu livro Imagem da Cidade (1997) e as propostas apresentadas em Além dos Mapas

Dentro dessa expansão urbana na cidade de Londrina e da lógica de

modernização, outro marco urbano foi construído, a Casa da Criança (Figura 07). Este

edifício encontra-se em processo de restauração para eliminar um pavilhão inteiro que

havia sido construído como um agregado ao edifício e que descaracterizou a

edificação inicial. A ideia defendida pela Secretaria de Cultura é a de que demolição

desse agregado restituirá ao edifício sua feição primeira e a aparência projetada por

Artigas. Esta obra sofreu outra interferência significativa, trata-se da inserção de um

painel de azulejos exposto na fachada principal do edifício, cujo tema é a força e a

pujança do trabalho dos pioneiros locais. O mencionado painel compreende a

paisagem fragmentada que se constituiu entre 1930 (década que marca o início da

cidade) e 1960, quando foi instalado.11

Este edifício é um dos referenciais urbanos da cidade e durante um longo

período foi um de seus marcos. Podemos afirmar que o edifício, hoje, Secretaria da

Cultura, antiga Casa da Criança, compõe uma parte da praça da Concha como é

conhecida a Praça Primeiro de Maio e seu entorno, espacialidade esta que orienta

todo morador ou visitador do centro da cidade.

Figura – 08 – fotografias 01 e 02, são registros do edifício em processo de demolição do primeiro andar. Fotografias da autora, dezembro de 2010.

Esse espaço é ordenado por uma composição no entorno da Praça Primeiro de

Maio, narrado a partir da direita da Secretaria da Cultura/Casa da Criança em direção

a esquerda onde está localizado na sequencia a Avenida Souza Naves e o edifício

Fugante (uma edificação também em estilo modernista), em seguida na quadra frontal,

na rua Piauí o edifício do Centro Comercial, o prédio da Galeria ao lado e em seguida

o prédio da Folha de Londrina e termina aquela quadra. Vem na sequência a rua Rio

de Janeiro que faz a divisa da quadra e da praça com o bosque Zerinho.12 Do lado

esquerdo da Secretária o edifício da Sociedade Rural e que acabou por sufocar o da

11 A Esse respeito ver o texto: ARRUDA, Gilmar. Monumentos, Semióforos e Natureza nas Fronteiras. In: Natureza, Fronteiras e Territórios. ARRUDA, Gilmar (org.).Londrina: Eduel, 2005. 12 Sobre esse espaço no centro da cidade ver o livro de Sonia Adum e Ana Almeida, Memória e Cotidiano do Bosque.

III Encontro Nacional de Estudos da Imagem 03 a 06 de maio de 2011 - Londrina - PR

2991

Page 11: Zueleide Casagrande de Paula · consideramos a perspectiva oriunda das proposições de Kevin Lynch em seu livro Imagem da Cidade (1997) e as propostas apresentadas em Além dos Mapas

antiga Casa da Criança e de certa forma sua condição demarco; em seguida o prédio

em cuja parte térrea está instalada a sede da sociedade Médica, e o prédio do Correio,

termina a quadra na rua Rio de Janeiro.

Enfim, todos estão no entorno da praça da Concha Acústica, servem de

orientadores para qualquer morador ou visitante da cidade, mas cabe enfatizar, não é

a praça que serve de referência, é o conjunto. Estes são alguns dos marcos urbanos

destacados, mas há outros de igual relevância e que servem de orientação para o

usuário apressado cuja preocupação é reduzir trajetos ao logo do dia para facilitar sua

rotina diária. A relação dos usuários com a cidade e a identidade estabelecida ao

longo da história da cidade para ela, foi percebida por meio das menções às

alterações que sofreram essas espacialidades nesse decurso, porém, a ênfase que é

dada a eles como marcos urbano, aparece no cotidiano da cidade e da própria

produção historiográfica sobre ela.

Referência Bibliográfica

ADUM, SONIA M. S. L. & ALMEIDA, ANA M. C. Memória e Cotidiano do Bosque, Eduel, 2008.

ARIAS NETO, José M. O Eldorado: Representações da Política em Londrina - 1930-1975. Londrina: UEL, 1998.

ARRUDA, Gilmar. Monumentos, Semióforos e Natureza nas Fronteiras. In: Natureza, Fronteiras e Territórios. ARRUDA, Gilmar (org.).Londrina: Eduel, 2005.

ARTIGAS, V. J.B. Caminhos da arquitetura. São Paulo, Pini: Fundação Vilanova Artigas, 1986.

BRUAND, Y. Arquitetura Contemporânea no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 1981.

CAINELLI, Marlene R. e TUMA, Magda M. P. História e memória na construção do pensamento histórico: uma investigação em educação histórica. In: Revista HISTEDBR On-line, Campinas, n.34, p.211-222, jun.2009 - ISSN: 1676-2584 211-222. http://www.histedbr.fae.unicamp.br/revista/edicoes/34/index.html

FREIRE, Cristina. Além dos mapas: Os monumentos no imaginário urbano contemporâneo. São Paulo: Annablume, FAPESP, SESC, São Paulo, 1997.

JACOBS, J. Morte e Vida de Grandes Cidades. Tra. Carlos S. M. Rosa. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

KAMITA, J. M. VILANOVA ARTIGAS: a política das formas poéticas. São Paulo: Cosac &Naify Edições, 2003.

LYNCH, K. A Imagem da Cidade. Trad. Jefferson L. Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

MOREIRA, Danielle Couto. Arquitetura Ferroviária e Industrial: o Caso das cidades de São João Del Rei e de Juiz d Fora [1875-1930]. Tese de doutoramento em Arquitetura e Urbanismo, São Paulo: USP, 2007.

III Encontro Nacional de Estudos da Imagem 03 a 06 de maio de 2011 - Londrina - PR

2992

Page 12: Zueleide Casagrande de Paula · consideramos a perspectiva oriunda das proposições de Kevin Lynch em seu livro Imagem da Cidade (1997) e as propostas apresentadas em Além dos Mapas

PAULA, Z. C. de A Cidade e os Jardins: Jardim América, de projeto urbano a monumento patrimonial, (1915-1986). São Paulo: Unesp, 2008.

PISANI, Maria A. J. RODOVIÁRIAS DE LONDRINA E JAÚ: 4 MOMENTOS (PROJETO/FUNCIONAMENTO/OBSOLESCÊNCIA/REABILITAÇÃO), 2007 http://www.docomomo.org.br/seminario%207%20pdfs/039.pdf

REIS FILHO, Nestor G. Quadro da Arquitetura Eclética no Brasil, São Paulo: Perspectiva, 2000.

SUZUKI, J. H. Artigas e Cascaldi: arquitetura em Londrina. Cotia-São Paulo: Ateliê Editorial, 2003.

TOMAZI, N. D. Norte do Paraná: historias e fantasmagorias. (Tese). Curitiba: UFPR, 1997.

III Encontro Nacional de Estudos da Imagem 03 a 06 de maio de 2011 - Londrina - PR

2993