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O Momento Monarquiano 1 Christian Edward Cyril Lynch O MOMENTO MONARQUIANO O Poder Moderador e o Pensamento Político Imperial Tese de doutorado em Ciência Política Orientadores: Marcelo Gantus Jasmin e Pierre Rosanvallon (estágio doutoral) Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro – IUPERJ - 2007

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O Momento Monarquiano

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Christian Edward Cyril Lynch

O MOMENTO MONARQUIANO

O Poder Moderador e o Pensamento Político Imperial

Tese de doutorado em Ciência Política Orientadores: Marcelo Gantus Jasmin e Pierre Rosanvallon

(estágio doutoral) Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro

– IUPERJ - 2007

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Christian Edward Cyril Lynch

O MOMENTO MONARQUIANO

O Poder Moderador e o Pensamento Político Imperial Tese apresentada ao Instituto de Pesquisas do Rio de Janeiro como requisito parcial para a obtenção do título de Doutor em Ciências Humanas: Ciência Política, sob orientação dos Profs. Drs. Marcelo Gantus Jasmin e Pierre Rosanvallon (estágio doutoral).

Rio de Janeiro

2007

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Agradecimentos

A elaboração de uma tese de doutorado é uma longa jornada durante a qual passamos

por vários lugares e encontramos muitas pessoas. Seria imperdoável, por isso, deixar de

agradecer a algumas pessoas que, de variadas formas, colaboraram para que este trabalho

chegasse ao seu termo.

Ao concluir minha graduação em direito na Universidade do Rio de Janeiro (Uni-Rio),

escrevi um primeiro embrião desta tese – o primeiro de muitos -, que serviu para assentar

minha atração pela história política. O professor que então encontrei foi decisivo: Fernando

Quintana. Na minha formação intelectual, este é um nome que precede aos demais: não

apenas pelas inúmeras noites em discussões apaixonadas de teoria política, mas por ser ele um

intelectual abnegado, que encara seu solitário trabalho como um sacerdócio. Foi também por

seu incentivo que, finda a graduação, me dirigi para o mestrado em direito na PUC. Ao cabo

de dois anos e meio, conheci aquele a que seria a mola-mestra de minha formação ulterior - o

professor Marcelo Jasmin. Dedicado e construtivo, foi quem me brindou com os mais

produtivos comentários em minha banca de dissertação. Resolvido ao doutorado e convencido

à força de que meu objeto não teria mais espaço no direito, fui persuadido de que meu projeto

de tese encontraria guarida no IUPERJ. Levei um ano para bater na porta do prof. Marcelo e

lhe pedir me aceitasse como orientando. Transpus o portão da Rua da Matriz cheio de temor

reverencial no começo de 2001. Lá pude conhecer outros seres superiores que habitam lá,

como César Guimarães, Renato Lessa, Fabiano Santos, Maria Alice Rezende, José Eisenberg,

José Maurício Domingues e, por fim, o prof. Luiz Werneck Vianna, verdadeira personificação

do estabelecimento, que lhe confere, na expressão de Machado de Assis, a condição de meio

homem, meio instituição.

Um dos conselhos do prof. Werneck Vianna em 2002 foi de grande importância na

minha vida intelectual: Vai estudar soberania com o Rosanvallon. Com efeito, em setembro

de 2003 eu descia no aeroporto de Roissy, Paris, para um estágio de oito meses no Centro de

Pesquisas Raymond Aron. Num par de dias, Rosanvallon me respondeu o solitário e-mail em

que eu pedia que me recebesse como orientando para pesquisar sobre A evolução das

concepções de poder no Brasil e na França na primeira metade do século XIX. Em Paris, ele

me pôs para assistir aos seus seminários no centro de pesquisas e no Colégio de França, onde

o vi pela primeira vez no ofício de conferencista. Harmonioso, aprumado, os gestos contidos,

a leitura pausada, melódica e encadeada; as conferências de Rosanvallon eram para mim

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verdadeira música de câmara, com suas exposições elegantes e cristalinas que diluíam a

enorme erudição subjacente. Para completar, o professor do Colégio de França me deu um

salvo-conduto que, abrindo todas as bibliotecas da cidade, me permitiu contornar os

funcionários que pretendessem me negar acesso aos embolorados livros de que carecia.

Assisti também a cursos de outros professores, como o de Patrice Gueniffey, expoente dos

estudos da Revolução Francesa, e com quem conversei por diversas vezes, sem formalidades

ou horas marcadas. Outra personalidade de quem não esqueço é Marcel Gauchet, alto, magro,

os olhos pequenos, atravessando apressado o portão do Boulevard Raspail a pé, de jeans,

paletó e mochila nas costas; a sala de aula repleta, gente sentada no chão, na beirada da janela,

ou assistindo as aulas em pé, ouvindo em silêncio a leitura de seus manuscritos. Foram mais

três anos escrevendo esta tese, desde o esboço do terceiro capítulo que entreguei ao prof.

Rosanvallon, antes de partir.

Hoje, dia em que lhe ponho termo, vejo o quão inferior teria sido o resultado, caso não

tivesse contado com um orientador amigo e atento como o prof. Marcelo Jasmin. Durante

meu tempo na França, mantivemos contato pela internet, em longas conversas nas manhãs de

domingo. Sua marca intelectual distintiva é a de ser mestre absoluto de seu campo, que é o da

historiografia política, conhecimento sedimentado ao longo de uma carreira muito sólida, que

lhe deu a completa maîtrise du métier. Sua orientação foi crucial quando, voltando da Europa,

e sendo hora de começar a aprumar o amontoado de informações, o prof. Marcelo me incluiu

entre os apresentadores do Quarto Congresso Internacional de História Conceitual. A surra

serviu de para que, no decorrer das reuniões do Grupo da História e das Idéias e dos

Conceitos Políticos, no próprio IUPERJ, eu levasse a sério o estudo metodológico. Lá, pude

conhecer colegas dedicados como Maria Elisa Mäder, Bernardo Ferreira e Luísa Rauter.

Outras pessoas também colaboraram com sugestões e incentivos, como o prof. João Feres,

sempre próximo e com quem prenuncio parcerias produtivas. Foram tardes inteiras

conversando com meu colega de doutorado, Ivo Coser, com quem a discussão sobre os

debates do Império recriava, como que por mágica, a sensação familiar de um tempo não

vivido. Não esqueço também de Rogério Dultra dos Santos, outro companheiro de debates,

nem de Samuel Rodrigues Barbosa, ex-colega do Departamento de Direito Público da UFF,

hoje na USP. Last but not least, agradeço aos membros de minha banca de doutorado,

Antônio Carlos Peixoto, Gildo Marçal Brandão, César Guimarães e, de novo, Luiz Werneck

Vianna, professores experientes cujas sugestões melhoraram a estrutura da tese, quando de

seu definitivo depósito.

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Gostaria ainda de poder agradecer – à maneira do Samba da Bênção - a todos aqueles

com quem convivi no período de gestação desta obra e que, querendo ou não, também têm

suas digitais nela apostadas: Alex Catharino, André Coimbra Villela, Andréa Osório, Augusto

Zimmermann, Alexandre Veronese, Cláudio Pereira de Souza Neto, Dax Moraes, Érico e

Cibele Andrade, Felipe Cattapan, Krishnamurti Jareski, Márcio Grijó, Marcus Fabiano

Gonçalves, Mário Miranda Neto, Pedro Villas-Boas, Rafael e Joana Rigão, Renan Aguiar,

Rodrigo Pereira Machado, Tiago Peixoto, Wenzel Boehm. Agradeço ao CNPq, que me

concedeu bolsa de estudos para o doutorado, e à CAPES, que me manteve na Europa.

Agradeço aos funcionários das bibliotecas nacionais do Brasil, de Portugal, da França, bem

como da Casa das Ciências do Homem, em Paris. Agradeço aos funcionários da Fundação

Casa de Rui Barbosa, no Rio de Janeiro; da Fundação Joaquim Nabuco, no Recife; do Museu

Casa de Oliveira Viana, em Niterói; e, sobretudo, ao IUPERJ, casa que, de jurista, fez de mim

um pesquisador. Agradeço ao meu pai, Edgar Andrew; minha mãe, Rose Marie; minhas

irmãs, Karen, Vivien e Moira; à minha tia avó, Dindinha Leah. Por fim, agradeço à Marcinha,

o meu chuchu. É a ela que dedico esta tese e recito estes versos de Tagore: “Erga a chama da

sua vida, para me aquecer o coração e iluminar o meu caminho”. A todos vocês, o meu

obrigado e a mais ternura, destilada nesta folha de papel.

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Resumo

Dialogando com o pensamento político brasileiro e com a história das idéias políticas, a

presente tese pretende contribuir na compreensão dos discursos, conceitos e representações

por meio das quais, no contexto das revoluções ibero-americanas, o Brasil ingressou na

modernidade política. Esta tese se debruça sobre dois temas principais: a formação do

conceito de Poder Moderador e a centralidade do discurso monarquiano no debate sobre a

construção do Estado nacional. Remonto aos principais conceitos e discursos da tradição

política européia pós-renascentista para, num segundo momento, verificar como eles se

adaptaram ao governo representativo brasileiro, acomodando-se às estratégias das lutas

políticas entre os setores socialmente relevantes, aos vaivens de alianças partidárias e às

sucessivas teorias do governo representativo formuladas no decorrer do século dezenove.

Dentre as matrizes discursivas do debate brasileiro, destaco as que mais duradouramente se

enfrentaram – o discurso monarquiano, recepcionado pela direita, e o liberalismo vintista da

esquerda, enriquecidos posteriormente com as novas contribuições ideológicas inglesas,

francesas ou americanas, sem perderem seu original caráter de antagonismo.

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Sumário

Introdução.

Capítulo 1. O lugar da soberania no Estado de direito: o discurso monarquiano e o

conceito de Poder Moderador no debate europeu.

1.1. O papel da excepcionalidade na formação do Estado. Os diferentes padrões constitucionais na Inglaterra e na França do século XVIII.

1.2. O discurso monarquiano. O conceito de Poder Moderador nos primeiros anos da Revolução Francesa.

1.3. O discurso liberal durante o Termidor e a Restauração. O júri constitucional de Sièyes e o Poder Moderador de Benjamin Constant.

Capítulo 2. A recepção do discurso monarquiano e do conceito de Poder Moderador no

Brasil (1822-1824).

2.1. O reformismo ministerialista português. A conformação da sociedade brasileira à época da independência.

2.2. A recepção das linguagens liberais pela esquerda brasiliense e pela direita coimbrã.

2.3. A Constituinte de 1823 e as três representações coimbrãs do Poder Moderador. A ambivalência de sua institucionalização na Constituição do Império.

Capítulo 3. Do governo constitucional representativo ao governo parlamentar: o debate

político na primeira década e a absorção do discurso monarquiano pelos conservadores

(1824-1840).

3.1. O governo de Pedro I explicado pelos coimbrões. A oposição liberal e a teoria do governo parlamentar.

3.2. As reformas propostas pelos liberais durante a menoridade de Pedro II. O debate político regencial e a resistência dos realistas à extinção do Poder Moderador. Adaptação do conceito monarquiano de quarto poder à teoria do governo parlamentar.

3.3. A fundação do Partido Conservador. Sua absorção do discurso monarquiano coimbrão. A elaboração teórica do modelo político saquarema.

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Capítulo 4. O governo parlamentar tutelado: o apogeu do modelo político saquarema e o

grande debate sobre o Poder Moderador (1840-1868).

4.1. A filosofia do progresso histórico: a monarquia constitucional, o bipartidarismo e o conceito de Poder Moderador.

4.2. As dissidências conservadoras sob a Conciliação e a formação da Liga Progressista. O questionamento do modelo político saquarema na década de 1860.

4.3. A defesa conservadora do modelo político. A reiteração das três representações coimbrãs do Poder Moderador pelos publicistas do período.

Capítulo 5. Do governo parlamentar tutelado ao parlamentarismo aristocrático: o declínio

do discurso monarquiano e o fim do modelo político saquarema (1868-1881).

5.1. A queda dos progressistas e o ataque às posições saquaremas. O novo partido liberal e o discurso do parlamentarismo democrático (1868-1878).

5.2. A reação aristocrática contra a abolição da escravatura. O declínio do discurso monarquiano saquarema (1867-1878).

5.3. O fim do modelo político saquarema. A campanha da lavoura pela eleição direta e o advento do parlamentarismo aristocrático (1878-1881).

Conclusão.

Referências Bibliográficas.

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Introdução

Envolvendo o Estado, o poder e as lutas por sua conquista ou conservação, as

instituições que as materializavam ou as revoluções que as transformavam, a história política

gozou de grande prestígio durante o século XIX graças a autores como Macauley, Guizot,

Michelet, Carlyle, Herculano, Nabuco. Entretanto, acusada pelo materialismo histórico de

fazer a apologia das elites e de não ostentar padrões de cientificidade, aquele prestígio se

eclipsou no começo dos novecentos. Prisioneira da cronologia, ignorando os interesses de

classe, a história política se limitaria a uma narrativa chã, que conferia importância demasiada

aos humores dos dirigentes políticos com sua abordagem psicologista. Depois da Primeira

Grande Guerra, o advento das massas ocasionado pela democratização condenou o caráter

aristocrático de uma história anedótica e individualista, cuja ideologia camuflava a realidade

ou encobria o papel do inconsciente (RÉMOND, 1996). A segunda metade do século XX

testemunharia o resgate da história política e das idéias afins graças à recomposição de suas

bases epistemológicas, ocorrida na Alemanha com Otto Brunner e Reinhart Koselleck, e na

Inglaterra, com Peter Laslett, John Dunn, Quentin Skinner e J. A. Pocock (JASMIN,

2005:27). Já não existem categorias analíticas que escapem à ação da história e o próprio

historiador “está ligado por múltiplas fibras a seu tempo e à comunidade que pertence”

(SIRINELLI, 1999: 78). Na nova historiografia política francesa, destacam-se três noções em

particular: as instituições, a cultura política e o político. As primeiras conectariam o governo

à cultura política, entendida como o conjunto de discursos ou práticas simbólicas pelas quais

são efetuadas as reivindicações dos diversos setores sociais (BAKER, 1990: 4). Na raiz da

cultura política, por sua vez, está o político, isto é, os mecanismos ou representações

primordiais que, de forma não necessariamente consciente, projetadas para o campo da

política, sustentam a vida de uma comunidade ao permitir-lhe pensar a si mesma como um

todo (GAUCHET, 2003:76).

Nesse quadro de recuperação da história política e de suas idéias, os bicentenários das

Revoluções americana e francesa foram grandes oportunidades de revisitar os marcos

fundadores da democracia moderna e reavaliar seu componente liberal. Os autores

anglófonos, ao destacarem o grande peso da tradição republicana clássica, puseram em xeque

a afirmação da independência estadunidense como uma revolução liberal. Os franceses se

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viram também herdeiros de uma tradição liberal rica, embora minoritária frente àquelas que

guardavam uma concepção absoluta da soberania1. De alguns anos para cá, tem-se especulado

sobre uma terceira onda revolucionária, que englobaria os acontecimentos que marcaram o

advento do liberalismo no mundo ibérico europeu e americano, e que vem sendo

impropriamente denominada de revoluções hispânicas (1808-1825) 2. Seu estudo autônomo

permitiria compreender aspectos da modernidade política que teriam ficado obscuros nas

experiências anteriores, como a “questão do tamanho das nações, como é feito o seu recorte, e

o vínculo do velho e do novo, das formas sociais antigas com uma integralidade liberal, o

vínculo entre o cidadão e a comunidade” (ROSANVALLON, 2006). Embora envolva alto

grau de complexidade, dado o arco de nações envolvidas e suas grandes diferenças

geográficas, étnicas e históricas, o desafio tem sido enfrentado à altura, com a realização de

congressos internacionais que reúnem acadêmicos de quase todas elas3. Esperam-se

contribuições significativas dos debates que terão início com o bicentenário da invasão

napoleônica da Península Ibérica, em 2008, e que se estenderão pelos quinze anos seguintes,

articulando, numa perspectiva comparada, as histórias políticas dos países ibero-americanos.

O processo de emancipação política do Brasil se encontraria, portanto, no quadro

dessas revoluções; no entanto, a nossa dívida com o constitucionalismo de Cádiz - matriz

ideológica de superação do Antigo Regime no mundo ibero-americano (SEBASTIAN, 2006)

- não apaga a clara distinção entre o mundo hispânico e o lusófono, europeu e americano. A

questão não é meramente lingüística: as relações entre os dois países ibéricos foram marcadas

por uma rivalidade que, extensiva ao outro lado do Atlântico, evitou que as duas porções

americanas do mundo ibérico dialogassem de modo mais extenso no século dezenove. O

isolamento da América Portuguesa decorreu principalmente da excepcionalidade de seu

processo de autonomia, que não comprometeu a forma monárquica nem a unidade do seu

imenso território de dezessete capitanias, esparramadas por oito milhões de quilômetros

quadrados. O Brasil foi um caso isolado, pois todas as antigas colônias hispânicas

1A Revolução americana (1774-1787) foi estudada por Gordon Wood, Bernard Baylin, Isaac Kramnick e John Pocock, que dela deixaram obras como A Criação da República Americana, As Origens Ideológicas da Revolução Americana, Republicanismo e Radicalismo Burguês e O Momento Maquiaveliano. Os estudos sobre a Revolução Francesa (1789-1815), por suas vezes, foram renovados por François Furet, Marcel Gauchet, Pierre Rosanvallon e Keith Michael Baker, que deixaram, entre outras obras, A Revolução Francesa, A Revolução dos Direitos Humanos, O Modelo Político Francês e Inventando a Revolução Francesa. 2 Seu marco fundador teria sido a obra Modernidade e Independências, de François Xavier Guerra, seguida pelo esforço de autores como José Maria Portillo e Javier Fernández Sebastián para expandir as análises já adiantadas do movimento liberal espanhol para o conjunto do universo ibero-americano. 3 Refiro-me especialmente ao congresso El linguaje de la modernidad en Iberoamérica - conceptos políticos en la era de las independências, organizado por Javier Fernandez Sebastián em Madri em setembro de 2007 e que reuniu pesquisadores da Espanha, Portugal, Brasil, Argentina, Chile, Peru, Colômbia, Venezuela e México.

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organizaram-se como repúblicas; da mesma forma, esfumaram-se também os sonhos de

recomposição dos antigos vice-reinados (SAFFORD, 2001). É simbólica dessa

excepcionalidade a própria efeméride que se comemora em 2008: enquanto a Espanha e as

repúblicas hispânicas celebram o advento do liberalismo, o Brasil lembrará solenemente a

chegada do próprio Estado imperial, trazido da Europa pelos navios da esquadra britânica. A

independência sob o signo desse Estado pré-constituído foi, provavelmente, o fato de mais

duradouras conseqüências na conformação da cultura política brasileira.

É no âmbito deste debate que se insere a presente tese. Ela pretende examinar os

discursos, conceitos e representações por que o Brasil ingressou na modernidade política, no

contexto das revoluções ibero-americanas, e como sua cultura política foi por eles estruturada

durante o século dezenove. Dois temas entrelaçados lhe servem de fio condutor: o conceito de

Poder Moderador e o discurso político monarquiano. O caráter polissêmico do primeiro

sempre me pareceu fértil para examinar a recepção dos demais e suas interações com a luta

política, designando por extensão poder pessoal, centralização, poder excepcional, primado

do Estado, bem comum, neutralidade. Já a expressão monarquiano, que emprego para

designar o discurso da direita brasileira no período da independência, não é sinônima de

monarquista ou monárquica. Ela se originou do grupo dos patriotas moderados que teve

destacada atuação no primeiro ano da Revolução Francesa, e que, reunidos num clube

denominado Sociedade dos Amigos da Constituição Monárquica, foram conhecidos como

monarquianos (monarchiens), expressão que dali por diante ficou associada a este grupo4. Foi

a concepção monarquiana de poder que, trasladada ao outro lado do Atlântico, permitiu ao

governo constitucional representativo adaptar-se pragmaticamente à herança do despotismo

ilustrado na América Portuguesa. Ao saudar no monarca o primeiro representante da

soberania nacional, o monarquianismo permitiu veicular o liberalismo possível numa terra

cuja fragilidade social impunha ao Estado forjar a nova ordem como condição das reformas

preconizadas pelo espírito da ilustração; ela daria à alta burocracia brasileira a incumbência de

organizar, num quadro liberal, a defesa da centralização política em torno do poder pessoal do

Imperador, assim como proceder à abolição do tráfico de escravos, à civilização dos índios e à

imigração estrangeira5.

4 A fim de preservar essa distinção em português, relevante para não confundi-lo com agremiações monarquistas de orientações diversas, achei de melhor alvitre reproduzir a expressão monarquianos, adotada por Henrique de Araújo Mesquita em sua tradução do Dicionário Crítico da Revolução Francesa (FURET, 1989). 5 As expressões direita e esquerda são aqui empregadas menos como ideologias do que como lugares do espectro político, ou seja, programas contrapostos que traduzem contrastes de idéias e, portanto, de interesses e valorações a respeito da direção a ser seguida pela sociedade. Enquanto lugares, direita e esquerda exprimem

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Do outro lado do espectro político estava o discurso liberal vintista que, na esteira de

Cádiz, brandia as doutrinas de Sieyès para fazer da Assembléia, e não do Imperador, o

representante da soberania nacional. Defensores de um Estado absenteísta, da livre

concorrência e das leis do mercado, o liberalismo de esquerda visava a circunscrever a esfera

pública ao antigo círculo de senhores de terra, perpetuando a assimetria social do Antigo

Regime pela criação de uma Nação de cidadãos aristocratas. Persistiria durante todo o

regime monárquico essa oposição entre um liberalismo de Estado, de caráter intervencionista,

que queria extinguir a escravidão e integrar o povo pela via tutelar, e um liberalismo

oligárquico, que pretendia intensificar a escravidão e restringir os benefícios da ação do

Estado ao âmbito da elite rural (SANTOS, 1978). Essa oposição se refletiu em duas diferentes

formas de interpretar a Constituição que, sem perderem seu caráter polêmico, se enriqueceram

com as contribuições do liberalismo europeu e se acomodaram às lutas políticas, aos vaivens

dos partidos e às novas teorias de governo 6. Sobrevivendo na República em forma

historiográfica, a ideologia monarquiana saquarema foi reaproveitada nas décadas de 1920 e

1930 pelos tenentes e pela burocracia para centralizar novamente o país em torno do chefe de

Estado e viabilizar uma democratização pelo alto da sociedade brasileira (WERNECK

VIANNA, 1997; CARVALHO, 2001; LYNCH, 2004). Ao sedimentar um modo específico de

pensar o país, a ideologia monarquiana criou raízes nas representações da sociedade brasileira

e exerceu, na formação da sua cultura política, impacto análogo àquele do republicanismo

clássico na formação da cultura norte-americana.

divergências inarredáveis, que existem em qualquer sociedade e não têm como desaparecer (BOBBIO, 1995:33). Adoto assim, como critério de distinção da esquerda e direita, sua maior ou menor propensão a aceitar a igualdade como um dado social. No primeiro caso está a direita, aceitando em alguma medida o habitual, a tradição, a força do passado, ao passo que a esquerda tende “de um lado, a exaltar mais o que faz os homens iguais do que os que os faz desiguais, e de outro, em termos práticos, a favorecer as políticas que objetivam tornar mais iguais os desiguais” (BOBBIO, 1995:110). 6 Não se confere aqui idêntica atenção aos grupos urbanos radicais, compostos de pequenos comerciantes, profissionais liberais e empregados dos anos da independência ou do começo da Regência, cuja importância política e ideológica é freqüentemente sobreestimada. Pipocando na forma de um partido exaltado entre 1821 e 1824 e, depois, entre 1831 e 1834, o radicalismo insurrecional nunca teve representação parlamentar e, salvo os espasmos da Praieira (1848) ou da Revolta do Vintém (1881), desapareceu do cenário político imperial. Esse é o principal motivo por que, algo na contramão dos estudos atualmente realizados, a deixo os grupos urbanos em segundo plano para me focar na aristocracia rural e na alta burocracia urbana, considerando-os os únicos segmentos socioeconômicos relevantes para a recepção dos discursos políticos europeus até a década de 1880. Foram eles que, durante esse período, deram longa e estável sustentação a formas moderadas de liberalismo e conservadorismo, refletidas no sistema bipartidário - pouco estudados, porém, a pretexto de sua vacuidade ideológica Esta obra pretende provar justamente a relatividade dessa proposição. É o que explica, por fim, por que considero aqui os discursos parlamentares mais importantes que os jornais e periódicos. Discuto de forma mais detida este tema na primeira seção do capítulo 2, quando trato dos segmentos sociais brasileiros que atuaram como agentes de recepção das linguagens políticas modernas.

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Em síntese, é este o objeto desta obra e que lhe justifica o título - O Momento

Monarquiano. Sua elaboração se beneficiou das obras de qualidade que têm sido publicadas

nas últimas décadas sobre a cultura política da independência - marco fundador da

sociabilidade política brasileira, em que suas primeiras representações institucionais se

revelaram como diferentes projetos de Nação7. Por outro lado, eu estava convencido que

precisava apreender o Poder Moderador não apenas como conceito, mas como instituição.

Para além do que me parecia feito no campo historiográfico, era preciso adensar a dimensão

teórica e política do campo, percorrendo a trajetória inversa àquela perfeita pelas idéias

políticas para compreender o Poder Moderador como um tipo ideal. Esboçada assim uma

teoria da discricionariedade regulada do poder soberano, pude retornar às suas abordagens

conceituais no debate político europeu dos séculos XVIII e XIX, para, ao cabo, examinar o

meio pelo qual sua recepção ou tradução lhe permitiu encarnar-se das formas como encarnou

no Brasil. Essa preocupação se deve à interpelação do chamado pensamento político

brasileiro, que faz da reflexão sobre os nossos clássicos um instrumento para interpelar a

sociedade e a história que os produziu (BRANDÃO, 2005:235). Aqui me beneficiei

principalmente de três autores. De Wanderley Guilherme dos Santos hauri a noção de uma

linhagem do pensamento brasileiro que diagnostica a invertebração da sociedade nacional e

vê, na existência de um Estado autônomo, a condição necessária para promover reformas que

apressem o advento de uma ordem liberal plena (SANTOS, 1978). De José Murilo de

Carvalho extraí a interpretação geral do processo político imperial, bem como sua preciosa

caracterização das elites e dos partidos monárquicos (CARVALHO, 1998). Luiz Werneck

Vianna, por fim, me fez compreender o peso ulterior da experiência imperial, evidente na

organização do Estado Novo, e a necessidade de examinar as matrizes ideológicas de cada

período à luz, não do discurso, mas do processo efetivo de democratização, deflagrado

somente na década de 1920 na forma de uma revolução passiva (VIANNA, 1997) 8.

7 Refiro-me, entre outras, a Teatro de Sombras e A Construção toda Ordem, de José Murilo de Carvalho; O Tempo Saquarema, de Ilmar Rohloff de Mattos; Corcundas e Constitucionais, de Lúcia Bastos; A Cultura Luso-Brasileira, de Maria Beatriz Nizza da Silva; Insultos Impressos, de Isabel Lustosa; O Pacto Imperial, de Miriam Dohlnikoff; e Idéias em Movimento, de Ângela Alonso. 8 A contribuição destes autores - e também de outros, como Bolívar Lamounier, com sua visão contraposta à de Wanderley Guilherme (LAMOUNIER, 1997) - se refletiu na ascensão do campo no quadro das ciências sociais. Hoje ele se acha infalivelmente presente em seminários e congressos da Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP), da Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS) e da Associação Nacional de Pós-Graduação em Ciências Sociais (ANPOCS), para não falar da história e da antropologia. No que toca à produção bibliográfica, basta aludir aos trabalhos que lhe têm sido dedicados da parte de especialistas como Ângela de Castro Gomes, Werneck Vianna, Marcelo Jasmin, Maria Alice Rezende de Carvalho, Gildo Marçal Brandão, Elide Rugai Bastos, Bernardo Ricupero, Gláucia Villas-Boas, Gabriela Nunes Ferreira e André Botelho, entre muitos outros.

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No entanto, haja vista os recentes questionamentos acerca dos limites

epistemológicos das abordagens ensaísticas do campo (ALONSO, 2002), percebi que deveria

me impor uma dupla disciplina. Se, por um lado, precisava refinar os estudos históricos do

ponto de vista do exame das ideologias e dos conceitos políticos, por outro carecia de

historicizar a metodologia do pensamento brasileiro, a fim de torná-lo mais preciso quanto aos

seus contextos de enunciação e sua relação com a experiência política concreta. Com essas

preocupações, resolvi adotar a perspectiva de Melvin Richter (1990), que propõe conciliar na

prática os enunciados metodológicos da História Conceitual de Reinhart Koselleck e o

contextualismo lingüístico da Escola de Cambridge, de Quentin Skinner e J. A. Pocock.

Descartada a dimensão metafísica do discurso, a verdade é vista aí como uma convenção

dialógica fundada numa radicalidade pragmática e contextual, cuja inteligibilidade impõe ao

exegeta tanto a leitura de autores “menores” como a compreensão de seu lugar na textura de

sua própria cultura (RORTY, 1984). Daí a relevância de reconstituir, da forma mais

escrupulosa possível, o contexto em que os teóricos do político elaboraram seus pensamentos,

descartando problemas, categorias e linguagens posteriores (JASMIN e FERES JR., 2006:15).

Dentre as várias noções centrais da escola de Cambridge, para a configuração do campo

semântico da cultura política interessa-me principalmente a de discurso, linguagem ou

ideologia em suas três acepções: pensamento considerado como retórica ou discurso em ação;

pensamento determinado e limitado pelas formas de discurso disponíveis para sua expressão,

e às vezes em tensão com elas; e terceiro, uma visão de mundo determinada por vários

fatores, sem que haja uma única teoria preconcebida acerca deles (POCOCK, 1985:216). Meu

objetivo é o de valer-me dessa metodologia para identificar, nos atos de fala dos atores

envolvidos na política brasileira oitocentista, a presença de conceitos e argumentos

característicos de discursos alhures e anteriormente elaborados; reconstituir contextualmente a

trajetória dessa recepção e compreender como a circunstância, a indispensabilidade e a

contingência levaram tais atores a lançarem mão deles e lhes imprimir novos significados.

Conforme demonstrado por Richter, esses pressupostos não colidem com os da

Begriffsgeschichte. Koselleck desenvolveu uma reflexão calcada nas categorias

heiddegerianas de condições de possibilidade de histórias, contidas no quadro do Dasein, e na

hermenêutica filosófica de Gadamer, para quem o conceito seria a principal ferramenta para a

inteligibilidade do fenômeno humano, se compreendido lingüisticamente num mundo de

relatividade axiológica. Embora reconheça o conceito como fator e indício pelos quais se

conhece e compreende as transformações sociopolíticas, Koselleck rejeita a proposição de que

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a história se encerraria no plano lingüístico. Além de ter de abordar inevitavelmente um

estado extra-textual de coisas (KOSELLECK, 1997:93), o estudioso da história teria a

obrigação de situar os conflitos sociais e políticos do passado em suas respectivas fronteiras

conceituais, colocando-os em relação com a continuidade ou não das estruturas políticas,

econômicas e sociais. Como o conceito ligado a uma palavra é sempre mais do que esta

palavra, ambos devem ser adequadamente distintos; além disso, os conceitos não têm

conteúdos estáveis; o que permite dizer que a história dos conceitos, na verdade, é a história

de suas diferentes recepções no tempo e no espaço (JASMIN e FERES JR., 2006:25). Eis

porque o conceito de Poder Moderador é examinado aqui em perspectiva diacrônica e

sincrônica, no âmbito dos discursos adotados pelos partidos políticos e por seus simpatizantes.

O exame do dispositivo institucional resultante da aclimatação de tais discursos e

conceitos também me aproximou da história conceitual do político de Pierre Rosanvallon,

para quem a tarefa do historiador é a de tentar restituir ao passado sua dimensão de presente,

isto é, de indeterminação. Para tanto, é preciso resgatar a experiência política dos atores, seus

sistemas de ação, representação e contradição, “de tal sorte que o presente do passado nos

ajude a melhor refletir sobre o nosso presente e não apenas a explicar simplesmente o presente

ou o que ele foi” (ROSANVALLON, 2006). Meio de compreender os dilemas da democracia,

essa história conceitual do político se estabelece a partir dos vínculos conceituais entre as

questões candentes de uma sociedade e suas representações políticas no decorrer da história9.

Sujeito e titular da democracia, o povo somente afirma sua existência política através das

idéias que ele faz de si mesmo, quer dizer, na medida em que seus componentes se percebem

como um todo coerente. As representações daí decorrentes se refletem diretamente nas

concepções institucionais adotadas, pois são elas que conferem visibilidade às idéias que o

povo nutre a respeito do exercício legítimo do poder. A tarefa de recuperar essas formas

históricas de auto-representação impõe, por conseguinte, a recusa em distinguir o espaço para

onde, de um lado, converge a representação - a política -, e, de outro, aquele onde a

representação é produzida - o político. Como experiência concreta, a história social e a

história intelectual são inseparáveis: o mundo da política não passa de um segmento do

mundo do político, que opera pela mobilização dos mecanismos simbólicos de representação 9 Perspectiva similar é expressa por Marcel Gauchet: “O problema é se entender sobre o que quer dizer ‘contexto’. Não se trata simplesmente de estabelecer um ‘contexto de discurso’ que fique na superfície das coisas. Trata-se de fazer aparecer três coisas ao mesmo tempo: primeiro, a gama de opções filosóficas que se abrem ao pensamento em função de uma situação histórica, depois, os vínculos dessas possibilidades intelectuais, não com a conjuntura sociopolítica, mas com a configuração profunda do político e o estar-em-sociedade, a partir de seus deslocamentos, enfim, o caráter singular das escolhas que presidem às filosofias constituídas” (GAUCHET, 2003: 53).

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(ROSANVALLON, 2002:11). Dai porque Rosanvallon denomina de história conceitual do

político sua empresa epistemológica. Na esteira desse raciocínio, a persistência de certas

concepções de poder no debate brasileiro pode corresponder à resistência de certas auto-

representações do povo enquanto comunidade política. Se a hipótese estiver correta, seria

possível identificar historicamente os caminhos e descaminhos do percurso democrático nos

eventuais espaços de indeterminação entre as instituições políticas e as representações sociais

do poder.

Além dessas vertentes metodológicas, apliquei categorias extraídas da reflexão de

Thomas Kuhn para verificar as mudanças ocorridas na história da ciência em longo prazo –

expressões como leis, teorias e paradigmas. Adaptadas ao campo da teoria política e da

história das idéias, elas ajudam a esclarecer as mudanças operadas do interior do modelo

julgado legítimo de governo constitucional, formado inicialmente pelas teorias do governo

misto, da maioria, da representação, da separação de poderes e dos direitos fundamentais. O

avanço do processo de democratização é responsável pelas alterações subseqüentes que, por

exemplo, substituíram as teorias do governo misto e da separação de poderes,

respectivamente, pelas de democracia e do parlamentarismo. É verdade que, caracterizado

pela polêmica e, com ela, pela hermenêutica, pela retórica e pela contestação, o campo do

político não é caracterizado por períodos de imperturbabilidade como os referentes aos da

“ciência normal”. Mesmo assim, há períodos de estabilidade política a que se pode, por

analogia, aplicar tais categorias para aludir aos fenômenos que caracterizam os paradigmas

dentro do quais são produzidas a ciência e a política e seus momentos de crise. Mesmo as

teorias que sustentam as estruturas do paradigma científico não permanecem monolíticas

durante os períodos de ciência normal, produzindo novas teorias que visam antes a preservá-

las do que a derruí-las (KUHN, 2006: 131). Tais categorias se aproximam das de Koselleck,

para quem também é preciso relacionar os conceitos á continuidade ou a descontinuidade de

suas estruturas, concebidas estas como “circunstâncias que não se organizam segundo a

estrita sucessão de eventos passados. Elas implicam maior duração, maior estabilidade,

alterando-se em prazos mais longos” (KOSELLECK, 2006:135).

Essa periodização das estruturas é fundamental. Como lembra René Rémond, os

fenômenos de uma cultura política só podem ser compreendidos quando seus reflexos se

projetam para além do marco fundador e passam a pesar na memória de modo consciente ou

não (RÉMOND, 1999:54). Para os fins desta tese, podemos dividir em três períodos o

processo político brasileiro. O primeiro começa em 1826, quando o sistema político começa a

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funcionar sob o signo das teorias do governo misto e da separação de poderes, que fazem do

regime uma espécie de monarquia presidencial. Em 1837 se inicia o segundo período com a

inauguração do modelo político saquarema, adaptado da teoria do governo parlamentar

elaborada durante a Monarquia de Julho e caracterizado, entre nós, pela tutela do Imperador,

reputada essencial por seus criadores para estruturar de cima para baixo as novas instituições.

O terceiro período começa em 1878/1881, quando, deslegitimado pela teoria do

parlamentarismo democrático, o modelo saquarema foi substituído, na prática, por um

parlamentarismo aristocrático, porque organizado e dominado pela grande propriedade rural.

O processo de abolição da escravatura apoiada pela Coroa entre 1884-1888 frustrará o novo

modelo, impondo à grande propriedade rural a necessidade de se livrar da monarquia e tentar

se organizar, a partir de 1889, como uma república aristocrática.

Cabem aqui algumas ponderações relativas à pesquisa realizada, e em especial, à

tarefa de se aplicar a metodologia contextual no âmbito brasileiro. Uma história das idéias

políticas não pode ignorar os embates travados no âmbito partidário pelos diversos grupos,

exigindo esclarecer os contextos em que elas foram gestadas; a forma como o sistema político

foi diversamente interpretado pelos contemporâneos e as teorias ou idéias que lhes eram

subjacentes. Ainda que o direito preserve certa margem de discricionariedade decisória no

interior do procedimento hermenêutico a que suas normas se sujeitam, nem por isso

desaparecerem os limites por ele prescritos à liberdade de decisão. Ocorre que os especialistas

geralmente não levam em consideração a relativa autonomia dos campos, quando ela era

considerada, na verdade, a verdadeira pedra de toque do constitucionalismo. A tarefa de

identificar as matrizes ideológicas de um texto constitucional ou de um sistema político

implica a localização dos conceitos que o informavam e sua identificação com os discursos a

ele originariamente associados, dentro das possibilidades que os agentes de sua recepção

tinham de conhecê-los. Além disso, a história das idéias políticas também passa por averiguar

o grau de efetividade das instituições e o modo como, no curso de suas vigências, variaram

suas interpretações por conta das vicissitudes da luta política e das mudanças passadas no

campo ideológico. Por conta disso, se torna preciso identificar os fatores que as levaram a

sofrer crises de legitimidade e os meios por que foram capazes de superá-las. Neste caso, a

pista que me pareceu mais frutífera foi associar as mudanças de interpretação do paradigma

de governo constitucional e representativo na Europa ao impacto das sucessivas ondas ou

etapas do processo de democratização ali ocorridas.

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Já uma história das idéias políticas brasileira deve também levar em conta as

circunstâncias históricas, geográficas, econômicas e culturais que contribuíram para que, a par

das semelhanças, houvesse diferenças de ênfase ou de conteúdo entre os tópicos centrais do

nosso debate constitucional e aqueles travados nos Estados Unidos, na Inglaterra ou na

França. Acima de tudo, a principal preocupação de um historiador das idéias políticas

brasileiras deve ser o de levá-las a sério, conferindo-lhes a mesma dignidade conferida às das

histórias dos países ditos centrais. Embora a condição periférica do Brasil não permitisse

maior projeção de seus doutrinadores no século dezenove, políticos como Hipólito da Costa,

Gonçalves Ledo, o Marquês de Caravelas, Evaristo da Veiga e Bernardo de Vasconcelos

elaboraram uma teoria política de caráter pragmático; teoria formulada a partir da polêmica

aclimatação das idéias liberais na sociedade pós-colonial. Uma boa seleção de discursos

parlamentares e de artigos de jornal bastaria para desmentir o velho clichê da inferioridade do

pensamento brasileiro frente, por exemplo, ao norte-americano (penso aqui no Federalista); e

demonstrar que a maior ou menor divulgação de um e outro se deve principalmente a causas

que não se prendem à qualidade da teoria produzida, mas a fatores acidentais como o êxito

político, militar ou econômico do país e sua projeção no restante do mundo. Estes são fatores

que em nada diminuem a riqueza e a importância da teoria política brasileira para conhecer

nossa história política e pensar os seus dilemas, ou os de outros países novos. Isto é

particularmente verdadeiro num momento como o atual, em que o Brasil caminha para se

tornar um importante ator do cenário internacional e já é visto na Europa, por exemplo, como

uma das futuras potências econômicas do século, ao lado da China, da Índia e da Rússia.

Por isso, é preciso tirar da cabeça a idéia de que a história das idéias no Brasil foi ou é

mero reflexo do debate dos países centrais, ou que o teria sido em grau superior ao que foram

os demais, como Portugal, Espanha, Itália, Bélgica, México ou Argentina. A autonomia

conferida às idéias por conta de sua abstração, de um lado, e a concretude da luta política de

cada país, de outro, permitem uma extraordinária emancipação dos conceitos de seus

contextos originários, o que os torna armas de argumentação e compreensão das realidades

locais. O peso retórico dos argumentos estrangeiros não banaliza ou esvazia o debate na

periferia – ao contrário, torna o seu estudo mais complexo e delicado, por apresentar

constantemente sobre problemas da recepção conceitual. Além disso, a ciência, pelos atores,

do lugar e da história do Brasil, assim como das particularidades de sua formação nacional,

deu origem a argumentos que não são redutíveis àqueles vindos de fora, fato que aconselha a

adoção de alguns procedimentos metodológicos diferentes daqueles que se presume ser o dos

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pesquisadores europeus e estadunidenses. É preciso conhecer e identificar as fontes

estrangeiras em que foram beber nossos autores; dar menos importância à realidade dessas

idéias em si mesmas – como se as houvesse - do que à tarefa de identificá-las em seus

contextos originários; verificar sua recepção e o modo como foram empregadas para

compreender nossa condição nacional ou para servir de armas na luta política. Minimizar o

lugar das idéias enquanto problema filosófico significa sujeitar as próprias categorias

analíticas de pensamento às suas condições históricas. Importa menos saber se Pedro Lessa e

o visconde de Uruguai eram realmente idealistas utópicos ou orgânicos, por exemplo, do que

indagar as razões que levaram Oliveira Viana a estabelecer tal distinção. O estudioso deve

estar consciente dos riscos de querer tomar posição num debate de autores que viveram

noutras épocas, cujas pessoas e contextos se extinguiram, e de acabar incorrendo num

exercício tanto anacrônico quanto estéril.

Por fim, entendo que um exame do debate político não pode dispensar um casamento

com a história política e social. Não se deve perder de vista o quadro de fundo em que o

debate se trava, o modo como a Nação se acha composta e o que pensam dela seus diversos

setores. Isso é particularmente necessário quando a modernidade política chega num meio

marcado pela exclusão social, em que as dimensões identitárias transmitidas por conceitos

como povo e nação são praticamente monopolizadas pelas elites. Há setores sociais inteiros

que não têm condições de se manifestar no debate político por estarem reduzidos ao silêncio,

pelo analfabetismo ou outra qualquer razão, mas que nem por isso podem ficar sem registro

(FERES JR., 2005). Dispensar a história social para ficar restrito à dimensão lingüística dos

conceitos, nesse caso, dissiparia excessivamente as diferenças existentes entre os países,

vistos em perspectiva comparada. Ignorado o fato da escravidão e restrito o exame do debate

àquele linguisticamente registrado, por exemplo, o debate brasileiro se percebe muitíssimo

semelhante ao português e o espanhol. Por outro lado, ficam sem possibilidade explicativa

questões relevantes que dizem respeito à nossa condição nacional – entender, por exemplo,

por que uma monarquia tão estável quanto a brasileira cai diante de um golpe militar para

nunca mais voltar, enquanto a espanhola, sacudida por dezenas de pronunciamentos,

revoluções e guerras civis, encontra sua almejada estabilidade exatamente quando aquela

entra em crise.

Daí que um dos maiores desafios deste estudo seja tentar relacionar por que

determinados conceitos ou discursos são recepcionados em detrimento de outros, ou têm mais

repercussão, em relação à sociedade onde eles originalmente se achavam. Essa tarefa exige

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compreender as diferenças de estruturação social, econômica e cultural entre as duas

sociedades, verificar os setores a que os agentes de recepção pertencem e os motivos que os

levaram a selecionar determinados conceitos ou discursos em prejuízo de outros. Aqui, a

perspectiva comparada é fundamental. Sendo público e notório, por exemplo, que o debate

oitocentista brasileiro acompanhava aquele entre liberais e conservadores na Inglaterra e na

França, por exemplo, por que a recepção dos autores e obras do chamado socialismo utópico

foi, diversamente daquele, nula ou pífia? A hipótese que se aventa neste trabalho é o de, não

havendo no Brasil da época uma burguesia urbana autônoma, comercial ou industrial, como

havia naqueles dos países, que desse o mesmo suporte social daquele debate, os discursos

liberal e conservador foram apropriados pelos únicos setores sociais e econômicos que aqui

tinham relevância – a aristocracia rural e a burocracia cortesã. Exercendo em seus domínios

um ascendente equivalente à dos senhores feudais, o discurso liberal permitia à aristocracia

rural apresentar-se como o conjunto dos cidadãos que compunham a Nação e justificar

publicamente sua oposição à pretensão do Estado de expandir sua capacidade regulatória

sobre o mercado e defender reformas que arrebatassem da alta burocracia as rédeas da política

governativa. De vocação despótica ilustrada, a burocracia cortesã recepciona o discurso

conservador para, a partir de uma análise sociológica que apresenta a realidade como feudal

ou inorgânica e justifica assim a tutela da Coroa sobre a Nação, expandir a capacidade

regulatória do Estado e consolidar a ordem imperial. Num quadro de escassa urbanização ou

de diversificação econômica, como era o de meados do século dezenove, simplesmente não

havia segmento social capaz de recepcionar um discurso igualitário como o socialista e lhe

conferir visibilidade. Com efeito, boa parte do debate político brasileiro se desenvolve

justamente em torno desse problema – o de como fica um governo constitucional

representativo numa sociedade sem povo politicamente presente, onde apenas as elites,

agrárias ou burocráticas, têm a capacidade de se fazer representar.

O primeiro capítulo discorre sobre como se desenvolveu desde o final da Idade

Média o problema teórico da discricionariedade regulada do poder soberano, de que se

originam sucessivamente as reflexões sobre o estado de exceção, o Poder Moderador e o

controle normativo da constitucionalidade. Já presente em autores como Maquiavel,

Harrington e Locke, o debate se bifurcou no começo do século dezoito para ter diferentes

seguimentos na Inglaterra e na França. Se, por um lado, as especificidades da política inglesa

levaram-na a consagrar uma tradição constitucional de governo misto em que o elemento

discricionário perdia relevância no conjunto do sistema político, por outro lado a

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impopularidade do estamento nobiliárquico e a centralidade do conceito de soberania

desacreditaram na França fórmulas que contemporizassem com o caráter discricionário do

poder. Por isso mesmo, o discurso monarquiano tentaria conciliar, no início da Revolução

Francesa, a tradição despótica ilustrada, convertida pelos fisiocratas numa ciência do Estado,

com o constitucionalismo liberal que, a partir da interpretação hegemônica da Constituição

Inglesa, a descrevia como um governo misto em que o elemento monárquico era fundamental.

Para os monarquianos, o monarca era o depositário do interesse público contra as facções; daí

que defendessem um projeto político caracterizado por um sistema bicameral, em que a

câmara vitalícia seria formada de senadores eleitos pelas províncias, mas escolhidos em lista

tríplice pelo Rei; e uma Coroa forte, dotada do direito de veto e de amplas competências

governativas. Já então existia o conceito de Poder Moderador, acumulado juntamente pelo

monarca com o Executivo – significado diverso daquele de exclusivo poder neutro, que viria a

ser veiculado por Benjamin Constant e que obteria ampla repercussão no início do século

dezenove.

O segundo capítulo visita o momento fundador do governo constitucional e

representativo no Brasil para traçar a recepção do projeto monarquiano e sua linguagem pelos

conselheiros de Pedro I. Conforme frisei alhures (LYNCH, 2005a), o discurso monarquiano

não pode ser reduzido, nem a absolutismo, nem apenas a despotismo ilustrado. A preferência

da Constituinte por um modelo próximo ao da Constituição francesa de 1791, reproduzido em

182 em Cádiz, levou a direita brasileira liderada por José Bonifácio e pelo Marquês de

Caravelas a mobilizar o conceito de Poder Moderador enunciado pela escola francesa do

início da Restauração. Embora Constant afastasse o monarca do governo para atribuir-lhe o

papel exclusivo de árbitro do sistema, as salvaguardas por ele requeridas para que ele pudesse

exercê-lo continham argumentos valiosos para que os governistas brasileiros delas lançassem

mão com o fito contrário: o de preservar a inteireza das prerrogativas imperiais frente às

pretensões da assembléia de monopolizar a representação da soberania. A defesa pública de

um projeto monarquiano a partir do conceito ultraliberal de Poder Moderador levou este

último a adquirir significados diversos daqueles a que estava associado então na França, como

os de neutralidade ativa, discricionariedade decisionista e centralização político-

administrativa; significados que, com o tempo, passaram a ser associados às qualidades que o

próprio Estado brasileiro deveria ostentar. Embora fielmente transposto para a Constituição

brasileira nos sues contornos jurídicos, o Poder Moderador de Constant poderia ser exercido

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cumulativamente com o Executivo, desde que interpretado à luz dos artigos doutrinários que

assegurassem a primazia do Imperador na representação da soberania nacional.

Abrangendo o Primeiro Reinado e as Regências, o capítulo terceiro investiga a

ambigüidade jurídico-doutrinária em torno do funcionamento das instituições constitucionais,

que tinha como epicentro o Poder Moderador e seus reflexos em duas possíveis leituras da

Constituição de 1824. Na primeira, o Imperador figurava apenas de árbitro do sistema

constitucional, ao passo que, na segunda, ele era apresentado como o eixo da atividade

governamental. Embora a direita liberal tenha sido derrotada no episódio da abdicação de

Pedro I, nem por isso o discurso monarquiano desapareceu, continuando a ser por ela

brandido no Senado para brecar as veleidades dos moderados e exaltados de extirpar as

instituições da Constituição que garantiam a autonomia do Estado - o Conselho de Estado, o

Poder Moderador e o Senado vitalício. Entretanto, o agravamento das guerras civis levaria a

ala direita dos moderados a se reunir aos antigos conselheiros de Pedro I, numa transação

entre os ideais de ordem e fortalecimento do Estado, preconizada pela anterior geração de

burocratas, e os interesses agrícolas e escravocratas da aristocracia rural exportadora, que

subira ao poder em 1831. O novo Partido Conservador absorveu então o discurso

monarquiano e o adaptou à nova teoria do governo parlamentar. Concluo o capítulo

descrevendo os traços gerais do modelo político saquarema, marcado por um governo

parlamentar centralizado e tutelado pelo Imperador.

A partir da hipótese de absorção dos argumentos monarquianos, demonstro no

capítulo quarto que a estabilidade do modelo político saquarema não desnaturou o conceito de

Poder Moderador forjado pela direita liberal da independência em suas três acepções – a do

governante acima das facções, a do poder excepcional a serviço da ordem constitucional e a

do artífice da centralização político-administrativa. Essa persistência se relacionava com um

sentimento difuso de que a prática brasileira do governo representativo se revelava aquém do

que dele se esperava; que ele era incapaz de proporcionar aqui os benefícios que ele renderia

no hemisfério norte. A polêmica deflagrada pelos progressistas no início da década de 1860

foi uma primeira tentativa da aristocracia rural provincial de questionar o modelo político

forjado pelos conservadores, cujas principais características residiam na tutela da Coroa sobre

o sistema parlamentar e o unitarismo. Entretanto, houve também quem, ao revés, entendesse

que o advento do sistema representativo teria agravado os males herdados do período

colonial, como a desmobilização da opinião pública e o privatismo de segmentos sociais

como a aristocracia rural e a burocracia estatal. Daí que, ao invés de recomendarem o

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aprofundamento do sistema representativo, estes autores/atores sustentassem que a saída para

a crise passava pelo fortalecimento da autoridade do Estado, na pessoa imparcial e culta do

Imperador. É este o nó central do famoso debate travado sobre o Poder Moderador e a

centralização na década de 1860, que envolveu Tavares Bastos, Nabuco de Araújo e Zacarias

de Góis e Vasconcelos, de um lado, e Brás Florentino, José de Alencar, João Francisco Lisboa

e o Visconde de Uruguai, de outro.

O último capítulo mostra como, fazendo a apologia do parlamentarismo democrático,

o redivivo liberalismo de esquerda desmoralizou o modelo saquarema depois de 1868, por

toda década de 1870. Para tanto, os liberais fustigaram as instituições monarquianas, isto é, o

Senado vitalício, o Conselho de Estado e, no caso da Coroa, as três representações do

conceito de Poder Moderador. Com as sucessivas reformas eleitorais democráticas na

Inglaterra e as novas interpretações daí resultantes de sua Constituição, bem como a

substituição do império bonapartista na França por uma república parlamentarista, os

conservadores brasileiros ficaram de seus referenciais teóricos, o que, golpeando sua forma de

interpretar a Constituição, os obrigou a admitir alguns pressupostos do discurso liberal. A

decadência do modelo político saquarema coincidiu com o período durante o qual, por razões

de Estado, o Imperador deflagrou o processo de abolição da escravatura no Brasil. A

imposição de uma reforma social a partidos cujas bases eram majoritariamente escravocratas

obrigou Pedro II a intervir na esfera partidária e parlamentar para sustentar o Visconde do Rio

Branco, monarquiano saquarema cujo gabinete estava comprometido com as medidas

reformistas. O principal fator de perda de legitimidade das instituições de 1824 foi assim o

emprego do discurso monarquiano e de sua concepção de Poder Moderador para patrocinar

reformas sociais, contra os interesses da “nobreza da terra” justamente quando ambos as

justificativas ideológicas se tornavam anacrônicas. Reagindo a esse impulso reformista, a

aristocracia rural se organizou para liquidar a autonomia da Coroa, impondo-lhe, por sua vez,

uma reforma eleitoral que substituiu o modelo saquarema por um verdadeiro parlamentarismo

aristocrático, sem Coroa e sem povo.

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Capítulo 1. O lugar da soberania no Estado de direito: o discurso

monarquiano e o conceito de Poder Moderador no debate europeu.

1.1. O papel da excepcionalidade na formação do Estado. Os diferentes padrões constitucionais na Inglaterra e na França do século XVIII. - 1.2. O discurso monarquiano. O conceito de Poder Moderador nos primeiros anos da Revolução Francesa. - 1.3. O discurso liberal durante o Termidor e a Restauração. O júri constitucional de Sièyes e o Poder Moderador de Benjamin Constant.

1.1. O papel da excepcionalidade na formação do Estado. Os diferentes padrões

constitucionais na Inglaterra e na França do século XVIII.

Compreender como as instituições políticas foram pensadas no decorrer da história

requer remontar à teoria das formas de governo. Neste capítulo tentarei demonstrar a origem e

a tensão existente entre duas diferentes tradições de conceber o Estado – aquela orientada pela

tradição do governo misto, que preconiza a divisão e a limitação do poder, e aquela da

soberania, que recomenda a sua concentração e supremacia. As seguidas tentativas de captura

da segunda pela primeira darão origem, no século dezoito, a dois modelos de se pensar o lugar

da excepcionalidade do poder político: o franco-continental e o anglo-americano.

Iniciada por Heródoto (485 A.C. – 420 a.C.), a teoria clássica das constituições ou

formas de governo se funda na aspiração de encontrar uma forma de governo que seja justa

para o conjunto da comunidade política, ou seja, onde predomine o bem comum. Seu

principal formulador grego, Aristóteles (384 a.. C. – 322 a.C.), fixou na sua Política dois

critérios gerais que as definiriam. Pelo primeiro, de cunho quantitativo, as formas são

definidas a partir do número de governantes. Temos assim a monarquia, que é o governo de

um (o monarca); a aristocracia, governo de alguns (os melhores, isto é, os aristocratas); e a

democracia, governo do povo (isto é, de todos). Já o segundo critério seria qualitativo: a

excelência das formas puras de governo dependeria das virtudes pessoais dos governantes. Se

os governantes forem virtuosos – sejam eles monarcas, aristocratas ou democratas -, o

governo deles atenderá ao bem comum e, portanto, será justo. Entretanto, quando a virtude

desaparece e os governantes se entregam às paixões e aos vícios, isto é, aos interesses

particulares, a forma de governo se corromperia, gerando injustiça. Assim, caso o monarca

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descambe para o arbítrio, a monarquia, corrompida, se transformará em tirania; se os

aristocratas degenerarem pelo patrimonialismo, converteriam seus governos numa oligarquia;

por fim, caso o povo se perca, de um lado, pela mentira e pela ambição de seus líderes, e de

outro, pela pobreza, ignorância e violência, a democracia se tornaria uma demagogia

(BOBBIO, 1988).

Para além desses dois critérios, a teoria clássica das formas de governo compreendia

um elemento dinâmico – uma teoria cíclica da história, caracterizada por dois grandes

postulados. De acordo com o primeiro, cada uma das constituições corrompidas cederia

cronologicamente lugar à seguinte forma de governo virtuosa. Ou seja, à tirania, por exemplo,

sucederia a aristocracia; à demagogia, a monarquia. De acordo com o segundo postulado,

todas as formas virtuosas tenderiam fatalmente a se corromperem, dados os vícios e às

paixões da natureza humana. Isso significava que as constituições eram instáveis, oscilando

constantemente entre bons e maus governos. Constituição boa, a monarquia tendia a

degenerar em tirania, governo ruim. Inconformadas com o jugo do tirano, as grandes famílias

terminariam por depô-lo para assumirem a direção política. Passava-se desse modo à

aristocracia, constituição positiva que, corrompendo-se, por sua vez, nas mãos dos

descendentes de seus fundadores, tornava-se uma oligarquia. Derrocada afinal pelo povo

oprimido, a oligarquia cedia lugar à democracia que, decaindo pela hegemonia do populacho

e pela ambição de seus tribunos, passava à condição de demagogia ou oclocracia.

Dissolvendo-se esta na anarquia e na guerra civil, a paz e a ordem voltavam pelas mãos de um

general vitorioso que, passando a governar, acarretava ipso facto no restabelecimento da

monarquia, ou seja, do bom governo de um. Fechava-se um ciclo; começava-se outro,

destinado a percorrer idêntico caminho... Frente à falibilidade moral dos homens, as formas

ou constituições puras de governo colocavam um problema a todos que se preocupavam com

o estabelecimento de um governo justo. Era possível evitar ou adiar a corrupção das formas

boas de governo, de maneira a perpetuá-los ou, pelo menos, estabilizá-los?

A solução encontrada foi o chamado governo misto ou constituição mista. Crendo que

todo o bem jazia no meio, Aristóteles afirmara que o governo ideal seria um misto de

oligarquia com democracia: a divisão do poder entre ricos e pobres, segundo ele, remediaria a

mais importante causa de tensão social, que era a luta dos despossuídos contra os proprietários

– principalmente se, entre ambos, houvesse uma classe média significativa. Sem interesse na

alteração do governo para oligárquico (como teriam os ricos), nem para democrático (como

teriam os pobres), o predomínio dessa classe intermediária ajudaria a preservar a forma de

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governo contra as tentativas de sua subversão. Entretanto, a ênfase de Aristóteles recaía mais

sobre o equilíbrio social do que institucional. Ele não acreditava que as instituições, por si só,

tenham força; era preciso que elas tivessem respaldo na estratificação da sociedade

(ARISTÓTELES, 1997). Por isso, foi o general e historiador Políbio (203 a.C. – 120 a.C.) o

primeiro defensor do governo misto propriamente dito, que a seu ver consistia em combinar

elementos de todas as três formas – o monárquico, o aristocrático e o democrático – e

equilibrá-las, aproveitando o que nelas havia de positivo e rejeitando o que as inclinava ao

conflito. Era o que Roma fizera, ao proclamar-se república: o elemento monárquico se

sujeitava ao controle do povo, elemento democrático; por outro lado, este último ficaria

controlado pelo senado, isto é, pelo ramo aristocrático. Os três elementos se controlariam

reciprocamente, resultando daí um equilíbrio que favoreceria mudanças lentas e graduais.

Reconhecendo a dificuldade de um governo misto perfeitamente equilibrado entre seus

elementos, Políbio recomendava em História o fortalecimento do senado, ou seja, do

elemento aristocrático que, posicionado entre os demais, favoreceria o equilíbrio sistêmico.

Na medida em que dessa mescla surgiria um governo mais estável e duradouro, e como tal,

mais resistente à corrupção, a doutrina do governo misto proclamava a sua superioridade

como forma de governo face aos três tipos puros de governo, que eram a aristocracia, a

democracia e a monarquia (POLIBIO, 1996:348).

Depois da queda de Roma, o conceito de governo misto entrou em declínio com a

ascensão das metáforas organicistas cristãs. Analogamente à concepção teológica que

encarava a Igreja como um corpo místico de que o Cristo era a cabeça, a teologia política

medieval compreendia a comunidade cristã como um corpo encabeçado pelo Rei, cujos

braços eram a nobreza; as pernas, o povo; e o coração, o clero (KANTOROWICZ, 1998:125).

Somente depois da redescoberta de Aristóteles, Políbio e Cícero, no século treze, as

autoridades escolásticas voltaram a pensar o corpo social como um governo misto,

combinando-se depois as metáforas organicistas e o governo misto. Fortescue, por exemplo,

sustentava que o Rei era a cabeça do corpo social na medida em que detinha o comando

último; no entanto, sua relação de interdependência do corpo exigia que, com base em normas

tradicionais e positivas que regulavam o funcionamento de seus diversos órgãos componentes,

o monarca vivesse em harmonia com a nobreza, elemento aristocrático, e o povo, elemento

democrático (VOEGLIN, 1982:42). Na sua estrutura interna, a constituição mista repousava

sobre o consenso entre Rei e os estamentos quanto às decisões politicas fundamentais; na

estrutura externa, ela se baseava na concepção de uma republica cristã onde a Igreja

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prevalecia sobre as autoridades reinóis (BEAUD, 1994:43). No entanto, a escalada de guerras

e de epidemias que dizimaram a Europa ocidental e central durante a baixa Idade Média

passou a exigir, desses reis, a satisfação de carências gerais extraordinárias cujos recursos só

podiam ser obtidos pela derrogação das normas de convivência vassálica até então mantidas

com os senhores feudais e o papado. Os monarcas recorreram então ao arsenal de idéias

desenvolvidas pelo Imperador e pelo Papa desde a questão das investiduras para superar os

limites impostos pela concepção cristológica do poder.

O cerne daquela questão residira em estabelecer meios de decidir qual das duas

supremas autoridades sobre a Terra, a temporal (o Imperador) ou a religiosa (o Papa), era

competente para decidir numa situação excepcional em que a cristandade estivesse ameaçada

de perigo iminente (SKINNER, 1996:38). A querela acerca de qual deles poderia decidir

excepcionalmente na hipótese de uma grave ameaça à comunidade deu origem ao conceito de

soberania (KRITSCH, 2002), que acabou, todavia, sendo de mais valia aos reis do que aos

seus contendores originais. No âmbito externo, juristas como Marines estenderam aos

monarcas a categoria de princeps, presente nos manuais de direito romano, para afirmar sua

supremacia e negar sua necessária subordinação ao Papa e ao Imperador (BIGNOTTO,

2001:38). Dois elementos eram novos, contudo, na nova doutrina da excepcionalidade do

poder. O primeiro consistia na secularidade do ofício: “o bom rei é antes aquele que conhece

os meios de manter a coesão social do que os de submeter os cristãos à lei divina” (SAINT-

BONNET, 2002:118). O segundo residia na categoria da necessidade, que permitia ao

príncipe pôr de lado excepcionalmente as normas usuais e exercer de maneira discricionária

os poderes indispensáveis à salvação do Reino. A justificativa era simples: necessitas non

habet legem. Os três caracteres políticos do estado de exceção fixaram-se então: a

excepcionalidade da ocasião, a necessidade de uma ação pronta e a finalidade de salvação do

Estado. A doutrina do estado de exceção permitiu aos reis remover os obstáculos de ordem

moral e material que lhe impediam de aumentar tributos, requisitar força armada, legislar,

expropriar, com o que em longo prazo estenderam o seu poder sobre todo o território do

Reino. Na medida em que a escalada de guerras dos séculos quinze e dezesseis confundiu, nos

reinos europeus, estado de exceção e estado ordinário, o poder excepcional do monarca

acabou incorporado ao seu patrimônio permanente com prejuízo dos demais elementos do

governo misto, como a Igreja e a nobreza.

A partir do século dezesseis, os juristas da Coroa justificaram a consolidação desses

poderes excepcionais nas mãos dos monarcas valendo-se de argumentos tributários das

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reflexões decorrentes do estado de exceção, como o conceito de soberania absoluta e a

doutrina da razão de Estado. Ao sustentar que a segurança do Estado era uma exigência de tal

importância que os governantes, para garanti-las, eram obrigados a violar as normas jurídicas,

morais, políticas e econômicas ordinariamente vigentes (PISTONE, 1998: 1.066), a razão de

Estado justificava a concentração de poderes nas mãos do monarca, sempre que este julgasse

a ocasião excepcional ou extraordinária. Já a teoria da soberania absoluta surgiu da oposição

entre a premência de ordem, condição da política institucional, e a realidade conflituosa

decorrente do dissenso moral, que favorecia a insegurança coletiva. Declarando a

superioridade da vida sobre a liberdade, a solução alvitrada pelos juristas da Coroa residia na

subordinação de toda a população do reino a uma única e indivisível autoridade, tornada

absoluta e perpétua através da concentração do poder de decidir em sua pessoa. Para lograr a

obediência geral, essa autoridade soberana não poderia estar localizada na sociedade, lugar da

ambição e do conflito, e sim fora dela, onde poderia ser vista como altruísta e imparcial; como

um outro neutro, que reunisse assim condições de e exercer o papel de representante

existencial da comunidade política (VOEGELIN, 1982:45). O conceito de soberania absoluta

proclamava a legalidade da permanente insubmissão do monarca às leis positivas, na

qualidade de seu legislador supremo. Na medida em que era constante o perigo de

decomposição do Estado, o príncipe precisava estar armado para conjurá-lo, recorrendo, se

preciso, à violência e ao segredo (ZARKA, 2003:612). Embora conceitualmente distintas, as

teorias da razão de Estado e de soberania absoluta acabaram por se entrelaçar. Assim, Amelot

de Houssaye (1634-1706) declarava que “a razão de Estado era um direito inseparável da

soberania, em virtude do qual o príncipe não tinha de prestar contas de suas vontades” (In:

MOREL, 2003:5); também o Duque de Richelieu (1585-1742), embora principal artífice do

absolutismo francês, não era teórico da soberania monárquica, mas da razão de Estado.

Foi assim que, independentemente de suas justificativas naturalistas, contratualistas

ou patriarcais, os teóricos da soberania absoluta se esmeraram em repelir a doutrina do

governo misto como subversiva e atentatória à segurança coletiva. A indivisibilidade, a

inalienabilidade e a incomunicabilidade da soberania expressavam a recusa de uma co-decisão

política que importasse na limitação temporal do poder e, conseqüentemente, no

enfraquecimento da disciplina social10. Isso não quer dizer, naturalmente, que as teorias da

10 Bodin sustentava que, se fosse permitido repartir o poder, “não haveria rei, nem harmonia alguma”. Um “regime misto” era um verdadeiro disparate, porque uma soberania compartilhada era conceitualmente inadmissível (BODIN, 1993:71, 181). Para Hobbes, essa forma de governo só era possível enquanto durasse o frágil acordo entre os estamentos; quando ele se desfazia, “o Estado retorna à guerra civil e ao direito do gládio privado, o que seguramente é muito pior do que qualquer tipo de sujeição” (HOBBES, 1998:122). Em opúsculos

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razão de Estado e da soberania absoluta se esgotaram com a consolidação do poder

monárquico. Na prática, as chamadas monarquias absolutas nunca o foram na extensão

pretendida por suas doutrinas (ELIAS, 1985). Mesmo a teoria lhes assinalava limites: o

francês Jean Bodin (1530-1589) reconhecia uma ordem “constitucional” submetida às leis

divinas e naturais (SAINT-BONNET, 2002:190), ao passo que o inglês Thomas Hobbes

(1588-1679) via o poder soberano como instrumento para garantir da vida, da segurança e da

propriedade dos súditos. Limites também eram reconhecidos pelos teóricos do razão de

Estado. Pierre Charron (1541-1603) falava em justiça extraordinária (SAINT-BONNET,

2002:212), enquanto, para Gabriel Naudé (1600-1653), o “golpe de Estado” só se justificava

pelas “circunstâncias excepcionais” (In: SENELLART, 1989:55). A constante reiteração de

ambas as doutrinas em público é indício seguro da contestação sofrida pelo absolutismo por

setores da sociedade ou do próprio governo, que lhes resistiam invocando concepções

extraídas da teoria do governo misto - no caso da França, as leis fundamentais do Reino, ou a

antiga Constituição, no caso da Inglaterra.

Os discursos por meio dos quais se exprimiam desde o século dezesseis os críticos da

monarquia absoluta, e que contribuíram decisivamente para formar um conceito de

Constituição identificado com o governo limitado, foram o do humanismo ou republicanismo

cívico, clássico ou neo-romano, e o do constitucionalismo antiquário (MADDOX, 1989:59).

Ambos pleiteavam a limitação do poder por meio de constituições mistas cujas leis

submetessem igualmente governados e governantes. Guiava-os principalmente a idéia de que,

“se você deseja manter sua liberdade, deve assegurar-se de que vive sob um sistema político

no qual não há elemento de poder discricionário, e, portanto, nenhuma possibilidade de que

seus direitos civis possam ser dependentes da boa vontade de um governante, ou grupo

governante, ou qualquer outro agente do Estado” (SKINNER, 1999:65). Assim, republicanos

como James Harrington (1611-1679), John Milton (1562-1647) e Algernon Sidney (1623-

1682) se debruçaram na Inglaterra sobre os meios de distribuir justiça numa cidade onde

todos fossem governados por consentimento, e as liberdades, protegidas por um governo

misto contra a ameaça de corrupção dos costumes (POCOCK, 2002:89); ao passo que

constitucionalistas antiquários como Sir Edward Coke (1552-1634), William Prynne (1600-

como A Anarquia de uma Monarquia Limitada ou Mista e A Necessidade do Poder Absoluto dos Reis, Filmer justificava teologicamente a necessidade do poder monárquico absoluto. “Políticos, filósofos, sacerdotes e historiógrafos sábios têm vivamente recomendado a monarquia, como superior a todas as outras formas de governo. Não é para agradar ao príncipe que eles sustentam essa opinião, mas para a felicidade e a segurança dos súditos. Caso contrário, se eles limitassem e restringissem a soberania absoluta do monarca (...), a soberania não teria alicerces sólidos, e eles conseguiriam assim uma confusão popular ou uma miserável anarquia, que é a praga de todos os estados e repúblicas” (FILMER, 1991:181).

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1669) e Matthew Hale (1609-1676) desenvolviam o argumento de existência e vigência de

uma antiga Constituição, cujas franquias haviam conferido aos ingleses direitos irrevogáveis e

que impunha ao monarca a partilha da soberania com a nobreza e o povo.

Essa hostilidade à discricionariedade do poder político não impediu muitos desses

autores, todavia, de reconhecer um aspecto delicado do exercício partilhado e limitado do

poder por eles advogado. Seria possível e desejável que as instituições banissem para sempre

e de modo terminante a possibilidade de suspender as leis, quando a comunidade política

estivesse ameaçada por grande e iminente perigo? O próprio Marco Túlio Cícero (106 a.C. -

43 a.C.), pai da tradição republicana, cunhara e difundira a expressão que autorizava o estado

de exceção, expresso na ditadura romana - salus populus suprema lex. Nesse caso, porém,

como poderia ser exercido esse poder discricionário, sem que as próprias instituições

perigassem desaparecer com as leis? (LYNCH, 2006a).

Nicolau Maquiavel (1569-1527) e John Locke (1632-1704) foram os autores que

deram as respostas mais convincentes. Nos Comentários sobre a Primeira Década de Tito

Lívio, Maquiavel afirmara que a república era a única forma de governo capaz de assegurar a

glória de seus cidadãos. Para ele, a forma republicana de governo correspondia justamente

àquela que, segundo os ensinamentos de Políbio, caracterizara a Roma republicana – o

governo misto. Entretanto, Maquiavel reconhecia a possibilidade de situações excepcionais

em que a subsistência da república impusesse tanto a suspensão do equilíbrio constitucional

como a concentração de poderes nas mãos de um único magistrado. Haja vista que a

necessidade era o elemento externo da imprevisibilidade política (SENELLART, 1989: 37),

os perigos que ameaçavam a cidade exigiam de seus governantes o emprego de toda a sua

virtù, na forma de uma pronta decisão contra a qual nem leis nem moral poderiam prevalecer.

Nem por isso a verificação das hipóteses excepcionais, que autorizavam o emprego do poder

discricionário, deveria ficar sujeita ao arbítrio exclusivo do governante. Caso não houvesse

uma regulamentação geral e impessoal aplicável, que balizasse os limites temporais da

ditadura, ela poderia tornar-se tirânica, voltando-se contra a constituição mista ao invés de

servi-la. Daí a razão de se prever juridicamente a possibilidade de sua excepcional suspensão,

o que permitiria reconhecer a legalidade do poder discricionário e disciplinar o prazo e a

forma por que ele seria exercido (MAQUIAVEL, 1994:114). O precedente invocado por

Maquiavel era o da ditadura romana, a mais importante instituição da república na medida em

que viabilizava as condições de sua sobrevida. Os órgãos públicos deveriam escolher o

ditador e fixar o tempo de exercício do poder discricionário. Era essa a única forma de escapar

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ao dilema de escolher, diante do perigo premente, entre duas alternativas igualmente ruins - o

legalismo suicida e a discricionariedade tirânica.

No Segundo Tratado sobre o Governo, Locke sustentava que o desejo de consolidar

o império da lei natural levara os indivíduos a celebrar o pacto que, estabelecendo uma

sociedade política fundada na soberania coletiva, estabelecera um governo dela delegado,

encarregado de melhor assegurar a livre disposição, pelos indivíduos, de seus direitos naturais

(LASLETT, 1996:146). O Poder Legislativo da comunidade seria exercido por uma

assembléia de representantes do povo e que, como tal, seria o seu órgão supremo; ao passo

que do Poder Executivo ficaria incumbida o chefe de Estado. Essa estrutura do poder era

concebida na forma de uma sucessão de círculos concêntricos que englobariam primeiro o

indivíduo, depois a sociedade, em seguida o Parlamento e, por fim, a Coroa. Ocorre que essa

precedência era inversamente proporcional ao exercício efetivo e cotidiano do poder político,

que recaía sobre o chefe do Estado. A atividade legislativa era ocasional: para Locke, uma vez

que positivadas as leis naturais, bastava que o Parlamento se reunisse apenas para regular as

questões novas surgidas de tempos em tempos – tempos estes que eram verdadeiros lapsos de

anos. O que era realmente diuturno ou constante, isto é, o serviço fundamental exigido pela

rotina da sociedade política era, ao contrário, a tarefa de velar pela observância e execução

das leis já feitas, o que justificava que o Poder Executivo ou governo fosse permanente e o

Parlamento não – ainda que fosse seu superior (LOCKE, 1998:515). Era por esse motivo que,

embora fosse a menos legítima dos poderes constituídos, a Coroa se tornava o símbolo do

poder soberano do povo; ela era “a imagem, o espectro ou o representante do corpo político,

agindo pela vontade da sociedade, declarada em suas leis” (LOCKE, 1998:520). Ou seja, a

distância do chefe do Estado face ao povo soberano era a causa de sua maior visibilidade e,

portanto, representatividade.

A permanente capacidade de agir do chefe de Estado, ainda que por delegação,

justificava que ele exercesse também outras atribuições, para além de velar pela vigência

eficácia das leis. Por conta da imprevisibilidade decorrente da guerra, da rebelião ou da

catástrofe, Locke havia se convencido, pela leitura da obra de Maquiavel (FATOVIC,

2004:282), da dificuldade de se estabelecer de antemão o alcance dos poderes excepcionais a

serem atribuídos ao governo. Por isso, ele entendeu que o chefe do Estado deveria ficar livre

para obrar conforme seu juízo de conveniência e oportunidade. Entre as competências

arroladas como prerrogativa da Coroa, as mais importantes eram o de convocar, prorrogar e

dissolver o Parlamento, e o de agraciar e comutar penas individuais. A primeira se justificava

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pelo fato de que, estabelecidas as leis de funcionamento da comunidade pela confirmação da

lei natural, só o Executivo poderia bem ajuizar da oportunidade de novas regras e, por

conseguinte, da conveniência de se reunir ou dissolver o Parlamento. A segunda atribuição se

ancorava no fato de que, entre a abstração e a generalidade do tipo normativo, de um lado, e a

realidade imprevisível da ação humana, de outro, sempre haveria casos em que uma

condenação, apesar de legal, seria injusta. Apenas uma discricionariedade supra legal poderia

então sanar a injustiça. (LOCKE, 1998:529). A despeito de todas essas competências, Locke

esclarecia que a atribuição da prerrogativa ao governo era apenas um “encargo fiduciário que

lhe é confiado para a segurança do povo, nos casos em que a incerteza e a inconstância dos

negócios humanos não comportam regra fixa” (LOCKE, 1998:524). Assim, na eventualidade

de não ocorrer a fiscalização, o povo irresignado poderia exercer esse direito, resistindo ao

poder ou se rebelando. O que Locke fazia assim, não era substituir o absolutismo monárquico

pelo absolutismo popular, mas erradicá-lo pela limitação legal do poder do Estado,

contrapondo-lhe uma autoridade externa e superior - a vontade do povo, que estava sujeita,

por sua vez, às limitações decorrentes do direito natural. Ao permitir a uma ordem

constitucional lacunosa suprir suas próprias aporias conforme circunstâncias que ela não

poderia prever, o poder de exceção lockeano passava a constituir um meio discricionário de

promover, em momentos extraordinários, o fim promovido pela lei em circunstâncias normais

- o bem comum (FATOVIC, 2004:279).

* * *

Essas reflexões sobre a discricionariedade regulada impactaram de forma diversa no

delineamento dos padrões político-constitucionais que marcariam o advento do Estado

moderno o inglês e o francês.

No início do século dezoito, três eram as linguagens políticas que concorriam na

Inglaterra: a do direito divino, a do contrato originário e a da antiga Constituição. O primeiro

era sustentado pelos tories jacobitas que, temendo o democratismo da Revolução Gloriosa,

negavam a legitimidade da dinastia de Hannover e ratificavam a origem divina da soberania

monárquica. Essa teoria perdeu força em torno de 1740, quando a maioria de seus adeptos se

convenceu da estabilidade do sistema político de 1688 e passou a recear as conseqüências que

teriam o retorno de um rei católico – no caso, o pretendente Stuart. O segundo discurso

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correspondia à teoria lockeana do poder político, que até cerca de 1760 obteve a adesão de

poucos radicais (DICKINSON, 2002:8). A linguagem mais popular, todavia, era o do

constitucionalismo antiquário, para o qual a Constituição era “um conjunto de leis,

instituições e costumes, derivados de certos princípios fixos de razão, que compõe o sistema

geral, de acordo com os quais a comunidade concordou em ser governada” (In: MADDOX,

1989:59). O republicanismo e o contratualismo já haviam cumprido seus objetivos com a fuga

dos Stuarts e a ascensão do partido whig, tornando-se perigosos para a classe política na

medida em que a oposição poderia mobilizar o conceito de soberania popular para justificar

um novo movimento revolucionário (DICKINSON, 2004:4). Por esses motivos, a explicação

da Constituição inglesa como um governo misto caracterizado pela “balança de poderes”, isto

é, um sistema de freios e contrapesos, granjeou a adesão esmagadora da literatura política e da

opinião pública no início do século dezoito11. A ênfase dessa ideologia judiciária, cujo

primeiro grande expoente havia sido Sir Edward Coke, radicava na idéia de gradualismo, de

mudança imperceptível pelo hábito, de consentimento tácito, de prescrição e adaptação

(POCOCK, 1987:19). Os antiquários sustentavam que, trazida a Constituição pelos saxões, os

conquistadores normandos teriam jurado obedecer-lha ao chegarem, aceitando-a, como seus

antecessores, como reguladora de seus poderes e fonte dos direitos dos súditos (HILL,

1992:303). Consagrados por sua longevidade e espontaneidade, os usos e costumes

decorrentes da Constituição e aplicados pelos tribunais reais constituíam um conjunto de

normas não escritas cuja validade independia da vontade do monarca. Era assim que o

constitucionalismo se valia da história para neutralizar a política; sintomaticamente, a

deposição de Jaime II era explicada como uma bem sucedida tentativa de preservar a “antiga

Constituição” contra o absolutismo, ao baixo preço de “um pequeno e temporário desvio da

ordem estrita de sucessão hereditária regular” (BURKE, 1986:101).

11 Eis como o governo inglês foi descrito por um pesquisador contemporâneo: “As unidades primordiais da política (...) eram as três ordens básicas da sociedade correspondentes às três ordens básicas de governo: realeza, a nobreza e os comuns. Esses estratos formais eram distintos em composição e em interesses. A realeza era única em sua inviolabilidade e poder prerrogativo; representava a ordem e autoridade e simbolizava e unificava o Estado. Os comuns tinham o poder dos números e da produtividade; eram únicos na promoção da liberdade e na defesa da expressão individual. A nobreza, centralmente importante para a constituição, tinha uma independência vigorosa garantida pela riqueza e pelo status herdados e que a habilitava a mediar os poderosos conflitos gerados acima e abaixo dela; agia como um contrapeso, evitando que os comuns, por um lado, transformassem a sociedade num populacho licencioso, e a Coroa, por outro, se tornasse tirânica. Cada um deles era essencial, e igualmente essencial, para alcançar o equilíbrio no governo que traz tranqüilidade e felicidade a todos; mas qualquer um deles, livre das pressões contrárias dos outros, degeneraria – tornando-se um tirano, ou uma oligarquia auto-engrandecedora, ou uma democracia anárquica, destrutiva, no fim, da liberdade como também da propriedade” (BAILYN, 2003:250).

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Entretanto, no começo do século dezoito, o constitucionalismo antiquário e o

republicanismo cívico começaram a sofrer o desgaste decorrente da expansão mobiliária

deflagrada pela manutenção de um império marítimo e comercial envolvido em guerras e pela

pretensão das novas camadas sociais de começarem a intervir no debate político inglês. A

manutenção de um exército profissional, o clientelismo parlamentar e a expansão da dívida

pública (que criara uma nova classe, a dos rentistas), promovidas pelo gabinete whig de Sir

Robert Walpole (1676-1745), contrariavam as premissas éticas do discurso republicano

clássico, dando ensejo a um encarniçado debate sobre o lugar da virtude numa sociedade

dominada pela indiferença cívica e pelo interesse econômico. O padrão republicano de

moralidade implicava num idealismo patriótico em que a personalidade era compreendida

como uma cidadania que, fundada na propriedade rural, estava sempre assombrada pelo

fantasma da corrupção. O ideal da virtude era uma característica pública e pessoal que

envolvia um devotamento de tal ordem ao bem comum, que só um ego autônomo das paixões

poderia realizar; por isso, a política deveria se essencialmente ética para não ser reduzida à

corrupção (POCOCK, 1997:495). Chefiada por Henry Saint-John, Visconde de Bolingbroke

(1678-1751), a oposição tory recorria insistentemente ao arsenal ideológico do

constitucionalismo antiquário e do republicanismo cívico para acusar o governo de corromper

a antiga Constituição pelo comércio e pelas finanças. Numa luta onde a ambição e a vanglória

dilaceravam a cidade, a existência de partidos era um sinal indelével da decadência dos

costumes públicos. A ascendência dos ministros da Coroa sobre o Parlamento, por meio do

patronato, configurava um despotismo ministerial que degenerava o governo misto, ao alienar

o Rei dos negócios públicos e interferir na independência do Legislativo. A manutenção de

um exército profissional, por sua vez, era o prenúncio da tirania que haveria fatalmente de

liquidar os históricos direitos dos ingleses (KRAMNICK, 1968).

Em A Idéia de um Rei Patriota, Bolingbroke buscara concitar o Príncipe de Gales a,

assim que assumisse o trono, retomasse das mãos da oligarquia ministerial de Walpole as

rédeas do Estado. Bastião das liberdades públicas que nascera no período gótico, a

Constituição da Inglaterra consistia num governo misto cuja estabilidade dependia da

independência e do equilíbrio dos elementos monárquico (coroa), aristocrático (lordes) e

democrático (comuns); entretanto, as alterações nela promovidas pelo gabinete Walpole era a

prova viva de que ela estava sendo destruída pelas facções. O único meio de salvá-la era fazê-

la remontar aos seus princípios originários, isto é, banhá-la novamente na pureza dos

princípios que haviam presidido à sua fundação e orientado sua primeira interpretação, na

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forma de uma revolução, ou seja, de um retorno às origens. Esse procedimento impunha,

todavia, a intervenção de uma força social excepcional que desalojasse e esmagasse as

facções. Ora, somente o monarca dispunha desta força social; apenas o exercício excepcional

da prerrogativa régia, argumentava Bolingbroke, permitiria desfazer-se dos maus governos e

instaurar um governo verdadeiramente comprometido com o bem comum, reparando os

estragos provocados pela corrupção partidária e restaurando a Constituição12. O Rei Patriota

deveria depurar a Corte dos ministros corrompidos e convocar em seus lugares homens

sábios, firmes e, principalmente, alheios às paixões. “A facção está para o partido assim como

o superlativo está para o substantivo: o partido é um mal político, e facção é o pior de todos os

partidos”. Daí porque era dever do monarca manter-se acima dos partidos, porque

terminariam invariavelmente encapsulados pelo particularismo: caso fossem habilidosos,

converter-se-iam em chefes da facção áulica; caso contrário, tornar-se-iam prisioneiros de

uma oligarquia ministerial. Na medida em que, tanto num caso quanto no outro, o povo

acabaria oprimido, era a liberdade a grande derrotada quando o monarca deixava o seu lugar

de sobranceira imparcialidade para descer ao nível particularista das paixões partidárias. Ao

invés de fomentar as divisões no corpo social, o Rei Patriota deveria agir como um verdadeiro

guardião da Constituição. Ao exemplo de uma família “cuja cabeça e todos os membros estão

unidos pelo interesse comum e animados por um espírito comum”, a Nação deveria poder

contar sempre com o seu Rei para exercer o papel de centro de uma grande união nacional,

cuja voz pudesse ser ouvida sempre pelo povo por sobre os clamores dos partidos.

“Quando os partidos estão divididos por diferentes noções e princípios a respeito

das instituições civis ou eclesiásticas, a Constituição, que deveria ser a única lei

deles, deve se tornar aquela do Príncipe. Ele pode e deve mostrar seu

descontentamento ou seu favor, na medida em que ele julga ter sido a

Constituição lesada por um lado ou outro. (...) Ele deve desejar sempre melhorias;

mas, tendo em vista que cada nova mudança na moldura do governo e da política

nacional é de grande importância, por demandar considerações mais numerosas e

aprofundadas do que o calor, a pressa e a aspereza dos partidos admitem; o dever

do Príncipe requer que ele lance mão de sua influência para tornar os 12 Pocock narra que “o próprio Bolingbroke confessou uma ou duas vezes que a subordinação dos poderes era tão necessária quanto um equilíbrio entre eles, para manter um governo num mundo imperfeito”. Como exemplo, ele cita uma passagem em que ele se refere justamente à prerrogativa: “Os poderes são necessários para proporcionar a subordinação e para exercer um governo justo e bom e é, portanto, necessário conservá-los à Coroa, apesar do abuso que por vezes daí resulta; com efeito, não há instituição humana que possa atingir a perfeição e o máximo que a sabedoria humana pode fazer é procurar um bem igual ou maior em detrimento de um menor mal” (In: POCOCK, 1997:493).

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procedimentos mais ordenados e refletidos - ainda que ele aprove a finalidade a

que eles se dirigem. Tudo isso deve ser feito sem fomentar divisões. Longe de

formar ou esposar um partido, em algumas ocasiões ele derrotará os partidos na

defesa da Constituição, e noutras, desviará os homens do espírito de partido,

levando-os a agir com espírito nacional” (BOLINGBROKE, 1738).

A essa visão tradicional da Constituição, predominante no discurso constitucional

antiquário e republicano, alguns jornalistas e intelectuais favoráveis a Walpole contrapuseram

outra, de caráter historicamente prescritivo. Na tradição de Robert Brady (1627-1700) e

Johnatan Swift (1667-1745), William Amall e John Hervey (1686-1743) enfatizaram então a

inevitabilidade dos novos valores ligados ao comércio, ao crédito, à cidade, bem como a

necessidade de repensar o lugar das paixões e dos interesses nos tempos modernos.

Sublinhando a distinção do mundo social entre esfera privada e esfera pública, autores como

Bernard de Mandeville (1670-1733) e David Hume (1711-1776) também postularam que as

paixões e os interesses deveriam, ao invés de reprimidos, ser aproveitados para civilizar os

costumes e garantir as liberdades. Moderados por sua recíproca contraposição, os vícios

privados serviriam ao bem comum e libertariam o mundo do jugo da fortuna, ao fazer dele um

lugar de regularidade e, portanto, de previsibilidade (HIRSCHMAN, 2001:25). Em síntese,

proclamava-se um mundo de história dinâmica, sem princípios nem virtù, no qual os homens,

embora governados pelos interesses e pelas paixões, era o interesse público que prevalecia ao

fim e ao cabo. Esse conservadorismo prescritivo encontrou seu alicerce filosófico na filosofia

de Hume, que rejeitou o jusnaturalismo contratualista em nome de um empirismo cético.

Resultados de nossas inferências sobre as causas e efeitos dos fenômenos, nossas idéias do

mundo não eram produzidas pela razão, mas pela experiência validada pela memória. Embora

não tivessem compromisso com a verdade científica, porém, eram elas as responsáveis pela

trama do tecido social, dentro de regras de convivência vantajosas para todos. Se na

Investigação sobre o Entendimento Humano, Hume afirmava que o reconhecimento da

limitação cognitiva deveria conduzir a uma postura de saudável resignação, que passava à

revalorização do mundo cotidiano em prejuízo de lucubrações abstratas (HUME, 1985a: 201),

nos Ensaios Políticos e Morais ele adicionava que o homem político não deveria arriscar, por

amor à abstração, instituições que, a despeito das disputas partidárias, garantiam de facto os

direitos fundamentais, produzindo dirigentes de qualidade razoável e distribuindo a justiça de

forma a garantir a paz e a ordem (HUME, 1985b: 245).

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Eram claras as conseqüências dessa nova orientação política. Ao contrário do que

pretendiam tories e whigs radicais, Hume sustentava que o conteúdo da antiga Constituição

ou do contrato originário não tinha como ser conhecido e, ainda que o pudesse, não poderia

conferir inteligibilidade às demandas postas pelos problemas modernos, dado o seu

anacronismo. A simplicidade do mundo romano ou gótico se encontrava num passado

distante e o presente pouco se assemelhava àquele de glória e da virtude descrito pelo

republicanismo. A crença de que na origem da vida social havia uma verdade ou uma essência

a que se poderia ciclicamente remontar, por meio de uma revolução, foi substituída por uma

concepção de história para a qual o presente ganhava autonomia e deixava de ser prisioneiro

do passado. A história seria linear e não cíclica; como tal, estava aberta ao futuro, variando e

evoluindo conforme as exigências sociais. Embora devessem ser evitadas rupturas com a

tradição, para não desfazer o fio dos costumes que coordenava o mundo social, era

absolutamente quimérica qualquer crença na possibilidade de se manter intocada determinada

ordem de coisas; ainda que de forma insensível e não premeditada, elas inevitavelmente

variariam. Assim, por exemplo, aquilo que parecia corrupção aos olhos da oposição

republicana ou antiquária, decorria na verdade de uma inelutável mudança socioeconômica e

cultural, que facultava aos ministros da Coroa neutralizar a crescente influência do

Parlamento nos negócios públicos (VILE, 1996:77). Mais do que uma substância a ser

cerimoniosamente preservada contra a mudança, a política deveria se orientar por um

pragmático “espírito” prescritivo que lhe permitisse adaptar-se às circunstâncias; por isso, a

defesa da imutabilidade da Constituição deveria ser substituída pelo respeito aos seus

“princípios históricos”, e não à literalidade de suas normas medievais. Foi essa interpretação

conservadora da Constituição Inglesa - um governo misto cujo equilíbrio era mantido pela

moderação recíproca de suas partes componentes - que se tornou predominante no decorrer do

século dezoito, como se percebe dos Comentários de William Blackstone (1723-1780):

“Herdamos um velho castelo gótico, erigido na época da cavalaria, mas

condicionado para um habitante moderno. Os muros rodeados de fossos, as torres

arredondadas e as salas de troféus são magníficos e veneráveis, mas inúteis. Os

apartamentos inferiores, agora convertidos em habitações úteis, são alegres e

cômodos, embora os arredores sejam sinuosos e difíceis” (In: STORING,

2000:594).

Essa rejeição à abstração como ferramenta da política afastou o constitucionalismo

anglo-saxão das querelas do direito público continental. Como o consenso em relação ao

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O Momento Monarquiano

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fundamento histórico do poder político dispensava na Inglaterra a recorrência à teoria da

soberania absoluta, as discussões sobre o caráter absoluto ou limitado, uno ou divisível do

poder, que ocupavam cada vez mais espaço no debate jusnaturalista continental, pouco

ecoaram. Ao invés de o poder soberano servir de referência para a modelagem das instituições

legítimas, como fundamento racional da ordem política, foi o modus operandi concreto dessas

instituições que terminou por determinar as interpretações sobre a natureza e o lugar daquele

poder na Grã-Bretanha. Na melhor das hipóteses, a soberania era apreendida como soberania

parlamentar: visto que ela somente poderia ser acionada pela participação concorrente das

três partes do governo misto, a teoria da soberania parlamentar era um eufemismo que

ocultava o fato de que a soberania não existia como princípio ativo. Assim, embora

Blackstone reconhecesse que “em todos (os governos) existe e deve existir uma autoridade

suprema, irresistível, absoluta, incontrolável, em que residam os jura summi imperii, ou os

direitos de soberania”, ele adiantava que a “soberania da Constituição Britânica” estava no

Parlamento, organismo integrado por Rei, Lordes e Comuns, cujas ações “nenhum poder na

terra pode desfazer” (In: BAILYN, 2003:191). Esse emasculamento da soberania se refletiu

no diminuto espaço reservado à discricionariedade regulada depois de 1688: a única

modalidade de exercício desse poder de exceção estava na suspensão da garantia de habeas

corpus. Mesmo assim, o Rei era proibido de fazê-lo sem autorização do Parlamento – espaço

decisório muitíssimo aquém daqueles previstos por Maquiavel na ditadura romana e por

Locke na prerrogativa.

Em síntese, era o triunfo do direito sobre o político. Essa interpretação da

Constituição britânica como equilibrada teve um impacto enorme sobre a idéia que os

políticos e filósofos continentais formaram do Estado de direito, de sorte que a via inglesa

passou rapidamente a gozar de grande popularidade entre os combatentes do absolutismo. A

Constituição inglesa se converteu num paradigma de governo constitucional e representativo,

entendido como um governo misto, cujos poderes eram separados por especialização e se

relacionavam por mecanismos de freios e contrapesos, que preservavam o equilíbrio entre a

autoridade régia e as representações da nobreza e do povo. Daí os diversos retratos que lhe

fizeram autores de língua francesa, entre os quais Lolme e Burlamaqui.

O mais célebre deles foi esboçado em 1748 por Charles-Louis de Secondat, Barão de

Montesquieu (1689-1755), que consagrou uma teoria que substituía o conceito de soberania

pela idéia-força da moderação. De fato, nas mais de quinhentas páginas de O Espírito das

Leis, a palavra soberania não é veiculada uma única vez. Outras expressões, como soberano

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ou poder soberano, são empregadas meia dúzia de vezes numa chave puramente formalista,

como sinônimo de poder superior, mas não absoluto. Nem o monarca, nem o déspota, são

jamais qualificados por Montesquieu como soberanos. Da mesma forma, ele recusa o

fundamento do jura imperii que tanto futuro teria na tradição administrativa francesa. Embora

tivesse retirado, depois das primeiras edições, a confissão de que escrevera O Espírito das

Leis como uma espécie de negativo do Testamento Político de Richelieu, ainda assim

persistiram críticas abundantes a ele e a quase todos os monarcas associados ao exercício

absoluto do poder (MONTESQUIEU, 1979: 31 401 e 44). Nesse quadro, não poderia ser

melhor a sorte da discricionariedade regulada: embora reconhecesse que a salvação o povo é

a suprema lei, devendo-se, excepcionalmente, “pôr-se um véu sobre a liberdade, tal como se

esconde a estátua dos deuses”, Montesquieu a invocava, não para justificar o poder

excepcional ou permanente do príncipe, mas para legitimar a resistência do povo ao tirano.

Ainda que, contendo remissões a Políbio, Maquiavel e Harrington, O Espírito das Leis

contivesse a mais formidável descrição até então efetuada da forma de governo republicana, o

tema central da ditadura romana era relegado a um segundo plano. Ela não teria passado de

um meio arriscado e violento de que se valia a aristocracia romana para manter a liberdade

contra os excessos do demos, cujo emprego pervertia os costumes ao invés de salvaguardá-

los. Tanto assim, que era à ditadura que ele atribuía a responsabilidade “pela derrubada da

república” – ou seja, da instituição que ela, em tese, estava encarregada de preservar.

“Magistraturas terríveis”, a censura, a ditadura e a inquisição não passavam de remédios

anacrônicos, violentos e ineficazes de preservação da liberdade (MONTESQUIEU, 1979:34,

68 e 78). O único mecanismo de discricionariedade regulada reconhecido como legítimo era o

da Constituição Inglesa, ou seja, a suspensão temporária da garantia de habeas corpus

(MONTESQUIEU, 1979: 405 e 150).

O foco de Montesquieu não recaía, portanto, sobre o estado de exceção ou a

soberania, e sim sobre as instituições, os procedimentos legais, o governo moderado e

principalmente a Constituição inglesa. Como Hume, ele acreditava que os homens amavam a

liberdade porque lhes permitia satisfazer suas paixões, mas que uma sociedade que não lhes

opusesse limites haveria de ser governada pelo despotismo. O autor das Cartas Persas

acreditava que essa incompatibilidade poderia ser equacionada graças à razão, artifício capaz

de fornecer um ponto de equilíbrio entre as parcialidades. A capacidade de conjugar ordem e

liberdade era o padrão pelo qual Montesquieu estabelecia uma tipologia de três diversas

formas ideais de governo, duas das quais eram “moderadas” - a república e a monarquia -, e a

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terceira, “despótica”. A república possuía dois subtipos, a democracia e a aristocracia. Esses

tipos e subtipos eram constituídos a partir de determinadas paixões humanas específicas que

os sustentariam, a que Montesquieu chamava “princípios” de governo e que hoje

corresponderiam a espécies de cultura política (MONTESQUIEU, 1979:41). O princípio das

repúblicas democráticas era a virtude cívica, tal como ela existira em Esparta; ao passo que,

nas repúblicas aristocráticas, como Veneza (já decaída de sua imagem clássica), era a

moderação. O princípio do despotismo era o medo difuso da população em relação ao

príncipe, que a levava a obedecer-lhe. A marca distintiva dos governos moderados era o

pluralismo, isto é, a relativa desconcentração do poder político em mais de uma agência e/ou

forças sociais. Já o despotismo era o regime de um só: tudo ao redor do príncipe era “vazio”,

porque não havia pólos que se lhe pudessem contrapor. Esse governo discricionário era um

buraco negro, porque os tipos moderados estavam sujeitos à corrupção, e esta, que começava

pelos princípios, tinha sempre no despotismo a sua última parada. Além disso, a monarquia e

a república eram governos de leis, ao contrário do despotismo, que por isso não tinha

estabilidade. A estabilidade decorria de instituições que conseguiam equilibrar as tensões

sociais, quando, no despotismo, não havia institucionalidade nenhuma - só havia o

personalismo do déspota (MONTESQUIEU, 1979:73).

A grande surpresa nessa tipologia residia na forma como eram qualificados

monarquia e despotismo. Até então descrita como o governo de um único pelos absolutistas, a

monarquia passou a ser apresentada na conformidade do constitucionalismo antiquário:

governo de um único, certo, mas nascido no feudalismo, quando o poder principesco era

contrabalançado por forças sociais autônomas como a nobreza, a Igreja e as corporações,

detentoras de prerrogativas invioláveis. Juntamente com as leis fundamentais do Reino, tais

direitos faziam parte da constituição que o príncipe estava obrigado a observar. Além delas,

havia uma agência judiciária encarregada de velar pela legalidade dos atos do governo. O

autor das Cartas Persas foi mais adiante ao declarar que a monarquia era a única modalidade

moderna possível de governo moderado. A despeito de admirar a república, Montesquieu

acreditava que, por sua aversão ao comércio e diminutos território e população, era uma

constituição anacrônica - antieconômica, de difícil implantação e manutenção. A república

não sobreviveria às monarquias, de território mediano, tampouco às paixões dos homens

modernos, que rapidamente a corrompiam. O governo monárquico, ao contrário, dispensava o

moralismo das virtudes cívicas para exigir só o respeito externo às leis, o que compatibilizava

a modernidade econômica com as liberdades civis (MORILHAT, 1996:27). Ausente nos

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demais tipos de governo, ao estamento nobiliárquico cabia filtrar os excessos do poder desde

a sua fonte (o Rei) até seus destinatários (o povo). Por sua condição privilegiada do ponto de

vista civil e sua colocação estratégica entre o povo e o monarca, a nobreza e seus tribunais de

justiça, os Parlements proporcionavam as condições “físicas” e sociais da liberdade da

constituição monárquica. Tudo estava aí de acordo com a “voz da natureza” - a maior

complexidade da estrutura política, a autonomia da sociedade frente ao governo, a

compatibilidade dos direitos com o progresso econômico, o esclarecimento dos homens e o

papel da lei como moderadora dos conflitos. Reconceitualizado à luz da razão, o

constitucionalismo antiquário era alçado por Montesquieu à categoria de um universal, e a

monarquia gótica, obra-prima do governo misto, reputada “o melhor governo que os homens

puderam imaginar” (MONTESQUIEU, 1979:175).

Dentre as monarquias de seu tempo, Montesquieu considerava a Inglaterra a mais

bem sucedida em adequar sua constituição monárquica à modernidade política e econômica.

Ao descrever o funcionamento das instituições políticas inglesas, Montesquieu inovou ao

sobrepor a separação dos poderes por especialização, esboçada pelo republicanismo cívico

seiscentista, à estrutura do constitucionalismo antiquário de Bolingbroke. Ambos eram

amigos e se influenciaram reciprocamente na interpretação da Constituição britânica

(KRAMNICK, 1968:150). Depois de comparar a Inglaterra com a república romana, o autor

de O Espírito das Leis sustentava que, além da capacidade que tinha a nobreza de impedir ou

filtrar o poder, o equilíbrio das instituições inglesas provinha também da retirada do Poder

Legislativo das mãos da realeza. O poder político ficara distribuído de maneira eqüitativo

entre os três poderios sociais do governo misto. O monarca deteria o Executivo, ao passo que

o povo e a aristocracia partilhariam o Legislativo através de um bicameralismo - a segunda

câmara, hereditária, na forma de um Senado ou Câmara de Lordes; a primeira, eletiva, na

forma de uma Câmara dos Deputados ou dos Comuns. Esse verdadeiro sistema de vetores era

complementado por mecanismos de freios e contrapesos, permitindo a colisão de interesses

recíprocos sem ameaçar a estabilidade sistêmica (STAROBINSKI, 1990:90). O ponto de

apoio e equilíbrio do sistema era a câmara alta, isto é, o senado, que representava a

aristocracia. Porque lhe permitiam moderar e amortecer os conflitos entre rei e povo, sua

hereditariedade, eqüidistância e neutralidade faziam do senado o “poder regulador” do Estado

(MONTESQUIEU, 1979:151).

Apesar de o governo misto ser reapresentado numa roupagem moderna, que

respondia ao problema da liberdade civil nas sociedades em que a virtude desaparecera, sob a

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torrente das paixões e dos interesses, era evidente a superposição dos elementos antiquários e

republicanos. Concebida a sociedade como lugar de diversidade de interesses conflitantes,

mas legítimos, a divisão estamental entre monarquia, aristocracia e democracia era

encapsulada pela concepção institucionalista de separação de poderes eqüipotentes por

especialização em Executivo e Legislativo. Ao aniquilar a soberania para converter a

monarquia, de tipo puro, num governo do direito e da pluralidade, Montesquieu difundiu a

primeira teoria sistemática do constitucionalismo moderno, estabelecendo a Constituição

Inglesa como paradigma de um governo representativo. Cerca de trinta anos depois, ao

declararem sua independência, o esquema de Montesquieu seria adotado pelas treze colônias

inglesas ao se organizarem como os Estados Unidos da América.

* * *

Essa não foi, todavia, a trajetória do Estado de direito na Europa continental, onde o

discurso republicano e o constitucional antiquário haviam sido esmagados pelo absolutismo

durante o século dezessete. Refugiados na Holanda e na Suíça, os antiquários e republicanos

cívicos continuaram a imprimir libelos, de pouca repercussão, todavia (WRIGHT, 2002). Na

primeira metade do século seguinte, porém, o ambiente já estava impregnado por uma

mentalidade que condenava o passado em nome da razão e popularizava uma interpretação do

político pelo direito público. O que até então fora história se tornara abstração metafísica: os

homens gozavam de direitos naturais que a ordem social não podia revogar. A tendência do

racionalismo foi sustentar a defesa dos direitos fundamentais por leis que limitassem o poder

do Estado, mas que espelhassem a vontade esclarecida de um soberano nacional, uno e

indivisível. Para compreender como se chegou a esse paradoxo, é preciso remontar ao

discurso político francês anterior a Revolução.

Na segunda metade do século dezesseis, estava claro para os observadores da cena

política da França que a decadência do feudalidade e os conflitos religiosos haviam

desequilibrado o governo misto do país até então, caracterizado pela obrigação da Coroa de

ouvir os conselhos de seus vassalos e respeitar os direitos históricos dos três estamentos

(SKINNER, 1996:533). Como na Inglaterra, a percepção de que o Rei estava extrapolando os

limites políticos tradicionais desencadeou reações da aristocracia, vazadas na linguagem do

constitucionalismo antiquário de François Hotman (1524-1590) e do republicanismo

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monarcômaco de Étienne de la Boétie (1530-1563). O conflito entre absolutistas e opositores

passou ao século seguinte e chegou ao clímax durante a Fronda. A nobreza de toga insistiu

que os Parlements tinham o direito de controlar a legalidade dos atos da realeza, enquanto,

liderada pelo Príncipe de Condé (1621-1689), a nobreza de espada combateu pelas armas seu

progressivo alijamento dos negócios do Estado. No entanto, o conflito teve um desfecho

inverso ao da Revolução Inglesa. Enquanto Carlos I (1600-1649) era decapitado em Londres,

Luís XIV (1643-1715) debelou a rebelião da nobreza togada e, três anos depois, derrotou os

aristocratas insurretos. A submissão da nobreza ao poder monárquico importou na hegemonia

do discurso absolutista, que só voltou a ser questionado quando Pierre Jurieu (1637-1713),

François Fénelon (1651-1715) e o Marquês de Boulainvilliers (1658-1722) defenderam a

revitalização dos órgãos representativos da nobreza no século dezoito (JARDIN, 1998:17).

Nessa época, porém, ao exemplo da Inglaterra, o constitucionalismo antiquário e o

republicanismo clássico foram problematizados pela “nova sociedade” francesa, organizada

em salões literários e clubes públicos ou da maçonaria. No início do século dezoito, as duas

ideologias estavam perdendo sua capacidade persuasiva frente a uma “consciência histórica”

que, ao invés de postular o retorno aos antigos princípios para regenerar o sistema político,

começava a compreendê-lo a partir de uma dinâmica de emancipação racional do indivíduo

frente ao obscurantismo do passado. Esse posicionamento era conseqüência da difusão de

doutrinas mais abstratas ou racionalistas, como as do jusnaturalismo contratualista, cujos

fundamentos anti-históricos não guardavam compromissos com a ordem política tradicional.

Essa renovação da linguagem política ocorreu em torno de 1750, quando a querela do

jansenismo tornou difusa a noção de soberania nacional e os discursos mais antigos tiveram

de se adaptar sob pena de se tornarem anacrônicos. O debate progressivamente deslizou,

então, do terreno eclesiástico, onde contendiam jansenistas e magistrados, para o do

judiciário, em torno da necessidade de se fortalecerem os Parlements, para chegar finalmente

ao terreno constitucional, onde provocou uma crise de legitimidade do regime absolutista.

Ultrapassando os limites impostos pelo Estado, a luta política extravasou para os cafés, clubes

e salões, de onde sairia para ganhar as ruas. Os novos discursos de oposição eram calçados

respectivamente na justiça - constitucionalismo antiquário -, na razão - despotismo ilustrado -

e o na vontade - republicanismo democrático (BAKER, 1990:25). Abraçado pela nobreza

togada, o primeiro deles enfatizava uma concepção judiciarista do político, ao passo que,

desenvolvida pelos fisiocratas, herdeiros do despotismo ilustrado, a segunda ideologia

traduzia uma concepção administrativa do político. A última vertente sublinhava uma

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concepção voluntarista do político, postulada pela tradição republicana depois da

incorporação de elementos do jusnaturalismo contratual.

O constitucionalismo antiquário francês ressurgiu nos primeiros anos do século,

quando os historiadores germanistas postularam a limitação do poder monárquico em

benefício da aristocracia. O argumento era o de que, descendente dos invasores francos, a

nobreza gozaria hereditariamente dos direitos decorrentes da conquista. A ordem política

legítima corresponderia a uma constituição que, aperfeiçoada no período gótico, consagrava

um governo misto em que o rei governava com o consentimento dos estamentos13. Como

depositários das leis editadas pela Coroa, pertencia aos Parlements, isto é, aos tribunais

aristocráticos, o direito de verificar sua conformidade com aquela Constituição, antes de

registrá-las, podendo devolvê-las por meio de uma remontrance em caso negativo. Na prática,

reconhecer a autoridade dos tribunais aristocráticos para exercer um controle da

constitucionalidade das leis implicava negar a própria soberania absoluta do monarca. No

entanto, o constitucionalismo antiquário foi o discurso mais duramente atingido pela nova

moldura intelectual do setecentismo francês. Como na Grã-Bretanha, o antiquarismo foi

articulado de forma a se inferir, do estudo da história nacional, a existência de uma

constituição imemorial que imporia limitações aos poderes absolutos da Coroa e comprovar

que determinados órgãos de interesses corporativos, representativos de segmentos sociais,

eram tão ou mais antigos que a própria realeza, e por isso lhe equivaliam ou precediam. No

entanto, havia uma diferença. Do outro lado da Mancha, a instituição beneficiária desse

discurso - o Parlamento - contemplava tanto os interesses da nobreza como dos comuns, ao

passo que, na França, a instituição prestigiada pelo constitucionalismo antiquário não eram os

Estados Gerais, órgão representativo da Nação desativado desde 1614. Os antiquários

franceses valorizavam justamente os Parlements, corporações nobiliárquicas cujos cargos

eram patrimonialmente adquiridos e hereditariamente transmitidos. Os tribunais aristocráticos

eram apresentados pelos antiquários como representantes da Nação, e os aristocratas que os

compunham, campeões da liberdade contra o “despotismo ministerial”. Além disso, embora a

aristocracia inglesa ocupasse corporativamente uma câmara política, ela não constituía mais

estamento civil privilegiado, ao contrário da nobreza francesa.

13 Em meados do século, outros constitucionalistas antiquários, como Durey de Meinères e Le Paige, aperfeiçoaram o argumento com pesquisas históricas, postulando que os Parlements eram sucessores diretos das assembléias dos francos. Os tribunais aristocráticos espalhados pelo país, por suas vezes, seriam integrantes de um único corpo judiciário encabeçado pelo de Paris e que, tendo por missão servir de intermediário entre o povo e o rei, eles eram uma parte tão inviolável e integral da antiga Constituição Francesa quanto a própria monarquia (BAKER, 1990:38).

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Com sua recusa de equiparar-se civilmente ao restante da população, o intento

antiquário de recuperar os “antigos direitos” políticos da nobreza prejudicou largamente sua

capacidade de se tornar hegemônico, principalmente porque a emergência das novas camadas

sociais do Terceiro Estado a cada dia tornava mais anacrônica a divisão estamental entre

nobreza, clero e povo. Em decorrência disso, o desapreço por soluções que implicassem

recorrer à história e o ódio aos privilégios nobiliárquicos inviabilizou o êxito de uma

campanha que valorizasse a conversão da monarquia absoluta num governo misto ou numa

constituição equilibrada à inglesa, que forçosamente passava pela criação de uma câmara

aristocrática. Inviabilizado o consenso em torno da reivindicação do poder pelo povo, outros

setores sociais começaram a buscar uma fórmula que extirpasse a fragmentação política que o

constitucionalismo antiquário iria aprofundar entre a nobreza e o resto da Nação. Propostas de

reformas pluralistas, onde mecanismos como a divisão dos poderes e os freios e contrapesos

equilibrassem as paixões das partes integrantes da constituição, tendiam a ceder lugar a outras

que, ao invés de desconcentrar o poder político, pretendiam, na esteira da tradição absolutista,

concentrá-lo exclusivamente na Nação, onde o corpo político fraturado poderia reencontrar

sua unidade perdida. Nesse sentido, por mais diferentes que fossem, tanto o despotismo

esclarecido como o republicanismo sofreram a influência do discurso totalizante do

absolutismo. A sedimentação de seus conceitos basilares de poder – sobretudo o de soberania

absoluta - os levou a reconhecer que a “antiga constituição” francesa, se é que existira, havia

de todo desaparecido, não sendo mais possível nem desejável retornar ao passado. Rejeitando

a idéia de que o bem político poderia emergir da adequada oposição e equilíbrio dos vícios

privados, a intelectualidade iluminista inclinou-se a crer que cabia à razão e à vontade a tarefa

de, criticando a história como matriz de preconceitos e injustiças, forjar uma ordem política

legítima, capaz de proporcionar a felicidade geral.

A crítica dos adeptos do despotismo ilustrado à obra de Montesquieu e às suas

teorias de governo moderado expõe a aversão dos philosophes às suas conclusões antiquárias.

Para Claude-Adrien Helvétius (1715-1771) e François-Marie Arouet, dito Voltaire (1694-

1778), O Espírito das Leis fornecera novas justificativas para que os inimigos do interesse

público resistissem ao poder unificador da realeza e defendessem um poder político

fragmentado, que só beneficiava os estamentos e corporações. Nos Comentários Políticos,

depois de comentar ser “uma idéia bem vã, um trabalho bem ingrato, o de querer tudo

remontar aos usos antigos, e de querer fixar essa via a que o tempo confere um movimento

irresistível”, Voltaire atacava o constitucionalismo antiquário como um meio engenhoso por

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que a nobreza tentava “revestir de algum brilho a torpeza de sua origem” (VOLTAIRE, 2001:

202 e 69). Em Do Espírito, Helvétius criticava a constituição inglesa como má e irracional,

verdadeira anarquia de interesses particulares; e a restauração da monarquia gótica,

restabelecendo o poderio feudal da nobreza, interromperia todo o progresso racional adquirido

pelo movimento das Luzes. (HELVÉTIUS, 1973 b: 228). A experiência francesa comprovara

que um poder absoluto, fora do alcance das facções e das paixões, era a única força capaz de

vencer a resistência da nobreza e de criar um pólo alternativo aos interesses privados, em

torno do bem comum. Era o que ele vaticinava nas suas Cartas sobre o Espírito das Leis:

somente “enfraquecendo a estúpida veneração dos povos pelas leis e usos antigos, que se

põem os soberanos em condição de purgar a terra da maioria dos males que a desolam”

(HELVÉTIUS, 1973b: 225). Por isso, ao invés de desconcentrar o poder, as reformas

deveriam elevar a potência discricionária do monarca e orientá-lo a agir conforme as leis da

natureza, para que ele pudesse esmagar mais prontamente os focos feudais remanescentes

representados pelo clero e pela aristocracia e concretizar uma ordem em que os direitos

individuais fossem respeitados. Daí que “um rei verdadeiramente bom é o mais belo presente

que o céu pode oferecer à terra” (VOLTAIRE, 2001:81).

Tentativa de compatibilizar o absolutismo com a emancipação do indivíduo e o

progresso histórico, o despotismo ilustrado constituiu a matriz do pensamento fisiocrático

que, a partir da década de 1770, com o ministro Robert Jacques Turgot (1727-1781) buscou o

apoio da Coroa para a implantação de uma “monarquia cesarista que concedesse e garantisse

aos cidadãos liberais, um espaço correspondente às suas reivindicações” (KOSELLECK,

1999:123). Embora se reconhecesse que a soberania cabia, não ao Rei, mas à Nação, a Coroa

continuava a ocupar o lugar central da representação política. Na qualidade de principal

defensor do interesse público, caberia ao Executivo, detentor da técnica administrativa, julgar

da conveniência e da oportunidade dos interesses que se pretendiam representar nas

assembléias eletivas de representantes (SCHMITT, 1968:148).

Embora também tenha sofrido com a emergência da filosofia do progresso, o

discurso republicano francês (o chamado republicanismo clássico) mostrou maior capacidade

de adaptação aos novos tempos do que constitucionalismo antiquário. Sua maior

maleabilidade lhe permitiu agregar ao discurso clássico elementos modernos como o

jusnaturalismo contratual e o conceito de soberania nacional, tornando-o atraente aos setores

que não estavam comprometidos com o absolutismo nem com a aristocracia - como os

profissionais liberais. Os três principais autores republicanos foram Jean-Jacques Rousseau

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(1712-1778), Gabriel Bonnot de Mably (1709-1785) e Guillaume-Joseph Saige (1746-1804).

Mably adentrou na querela franco-gálica para desmistificar o papel da nobreza e da Coroa, ao

passo que Rousseau preferiu justificar seu ponto de vista a partir de uma reconstrução

histórica racional e universalista. Saige, por ser turno, lançou mão de ambos os expedientes,

que já se achavam à sua disposição (WRIGHT, 2002:297). Embora houvesse acordo a

respeito do modo como o poder político deveria ser exercido povo, quando se consolidaram

os novos elementos ideológicos, na segunda metade do século, já se achava elaborado “um

republicanismo especificamente gálico focado em três bases: soberania nacional, direito como

expressão da vontade geral e separação de poderes” (WRIGHT, 2002:304). Se, a exemplo de

Helvétius e Voltaire, os republicanos também rejeitavam o resgate de constituições históricas,

o fato é que eles também repudiavam o despotismo ilustrado defendido pelos primeiros, que

lhes parecia tão bizarro quanto a monarquia gótica montesquiana ou a Constituição inglesa,

com seus estamentos e mecanismos de freios e contrapesos.

Em obras como Dos Direitos do Homem do Cidadão, de Mably; O Contrato Social,

de Rousseau; e Catecismo do Cidadão, de Saige, os republicanos democratas priorizavam o

restabelecimento das liberdades públicas e não a detestável modernização perseguida pelos

fisiocratas, que corrompiam as virtudes cívicas. Para melhor combater o absolutismo

monárquico, eles se apropriaram do conceito de soberania e entregaram-no ao povo; fruto da

livre associação humana, a soberania popular era absoluta e, como tal, indivisível e

intransferível, detendo o povo o direito de fazer e desfazer o governo, independentemente de

sua natureza e qualidade (MABLY, 1789:115; SAIGE, 1787:26). Expressões da vontade

geral, suas leis eram obrigatórias, gerais e impessoais (ROUSSEAU, 1997a: 91; SAIGE;

1787:20). O contratualismo terminava o serviço ao proclamar que todos os homens nasciam

livres e iguais para perseguirem o bem estar e a felicidade e associavam-se em igualdade de

condições para submeter-se a um governo de leis elaboradas por si ou por seus representantes

(SAIGE, 1787:3; MABLY, 1789:9). Os cidadãos não estavam sujeitos a nenhuma vontade

pessoal ou arbitrária, pois o dever de submissão era correlato à liberdade política

(ROUSSEAU, 1997a: 70).

A terceira característica do discurso republicano – a separação de poderes - é conexa

à sua concepção unitária da soberania e à crítica das noções inglesas de equilíbrio

institucional. É que os republicanos recusavam a distinção do mundo social entre esfera

pública e esfera privada, partilhada por anglófilos e fisiocratas14. Para autores como Hume e

14 Guillaume-Joseph Saige não se inclui nessa radicalização do pensamento republicano. Embora reconhecesse a

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Montesquieu, o reconhecimento da autonomia de cada uma dessas esferas contribuíra para

relativizar as relações entre vícios privados e virtudes públicas, conciliando os imperativos de

progresso econômico e de liberdade civil. O republicanismo francês acreditava, ao contrário,

na profunda interdependência entre público e privado, porque concebia a esfera social de

maneira unitária e indivisível como a própria soberania e julgava a liberdade política

incompatível com a econômica. Porque a corrupção dos costumes privados se refletia

diretamente nos costumes públicos, esses autores, como condição mesma de existência da

república, exigiam que a virtude reinasse tanto no óikos quanto na ágora. Essa concepção

antimoderna do político e do econômico, que os levava a ridicularizar os philosophes e sua

defesa dos “progressos da civilização”, levavam-nos a suspirar pelo restabelecimento de leis

suntuárias e a louvar o comunismo espartano elogiado por Platão (MABLY, 1789:173). Eles

acreditavam que o comércio e o luxo, levando ao desenvolvimento das ciências e das artes,

eram os grandes responsáveis pela corrupção reinante nas sociedades de seu tempo. A

modernidade econômica favorecia o pluralismo e o universalismo, elementos dissolventes do

amor à Pátria; fomentava as desigualdades e os vícios, que tornavam os homens cada vez

mais egoístas e isolados em seus interesses (MABLY, 1789:36).

Ao esposar a tese de que a comunidade possuía um poder absoluto e exclusivo sobre

si mesma, a concepção moralista de espaço público defendida pelos republicanos democratas

resultou na rejeição do modelo político inglês descrito por Montesquieu, condenado como

incapaz de assegurar o primado da virtude pública. A constituição inglesa legitimava a ação

nefasta das facções ao fundar sua estabilidade sobre os interesses privados e elevar a

corrupção à categoria de qualidade cívica. Tendo como pilares a verdade e a virtude

(ROUSSEAU, 1997b: 229), a organização da república democrática se deveria se caracterizar

por uma simplicidade que, refletindo a tradição absolutista da unidade, fosse proporcional aos

costumes de seus cidadãos. Essa concepção das relações público-privadas, da soberania e da

representação conduziu à projeção de um arcabouço institucional que, se admitia a divisão

dos poderes, recusava as noções de equilíbrio, moderação e de interdependência (GAUCHET,

1995:58); e, por via reflexa, a tradição clássica do governo misto, eminentemente plural. O

poder de exprimir vontade e decisão, marca da soberania, deveria ser expresso pelo povo

assembléia como depositária da vontade geral, ele explicava a constituição legítima do Reino a partir do governo misto. O Executivo seria bifronte: teria um Rei hereditário e um senado ou "corte de França" - na verdade, a rede de Parlements. As tarefas de que o Executivo estava encarregado, para Saige, eram substancialmente maiores do que para Rousseau e Mably. Da mesma forma, ele incluía, entre os direitos sagrados do cidadão, o de propriedade (SAIGE, 1787:84); era econômico nas referências à Antigüidade; era simpático aos tribunais nobiliárquicos e não falava da discricionariedade regulada, tendo gosto antiquário (BAKER, 1990:128).

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reunido em pessoa ou numa assembléia única de representantes, excluída do processo

legislativo a participação de uma segunda câmara.

Além disso, ainda que os republicanos democratas admitissem que o cumprimento

das decisões devesse recair sobre órgão diverso do Legislativo - o governo -, daí não se seguia

que ele deveria ser autônomo. A representação da comunidade política pelo governante era

associada pelos republicanos democratas ao processo histórico de construção do absolutismo

e por isso imaginavam que a mera existência de um governo autônomo bastava para usurpar a

soberania do povo. Para Rousseau e Mably, a existência de privilégios políticos ou

hereditários induzia ao patrimonialismo; ademais, o exercício do governo pelos dirigentes não

decorria do direito próprio dos magistrados: eles eram meros funcionários, procuradores ou

administradores do povo soberano. A solução passava pela eliminação pura e simples da

representação pela prática de uma democracia direta, na qual o soberano se exprimisse junto

ao governo sem intermediários (SCHMITT, 1966:273), ou pela transferência desse papel de

representação existencial a uma assembléia de eleitos, sobre a qual, por órgãos de fiscalização

e controle, o povo manteria constante vigilância. Depositária do poder soberano, a assembléia

passaria a representar a unidade do corpo político, tarefa até então exercida pelo Rei. O

segredo da boa república estava em distinguir entre governo e soberano, entre execução e

decisão, subordinando o primeiro ao segundo de tal sorte que, destituído da vontade de querer,

acabasse reduzido à condição de seu apêndice. A aniquilação do Poder Executivo enquanto

personificação visível e simbólica da sociedade política constituía mesmo “o pináculo da

perfeição política” (MABLY, 1789:337). As providências destinadas a efetivar a contento

essa subordinação eram as seguintes: primeiro, desfazer a unidade do Poder Executivo,

fracionando-o em número correspondente ao de pastas ministeriais exigidas pelos negócios

públicos. Em segundo lugar, os postos ministeriais seriam ocupados por magistrados

escolhidos pela assembléia, diretamente ou por meio de listas. Longe de constituir um

gabinete, cada um deles seria o único responsável perante a assembléia pela própria pasta,

sem qualquer vínculo com os demais ministros. Por último, ele não disporia de qualquer

participação no processo legislativo. Sem direito de iniciativa, nem de veto, cumpria ao

governo somente executar as decisões da vontade geral, expressas pelo Legislativo.

Os republicanos democratas entenderam, todavia, que semelhante organização não

bastava para assegurar o primado da virtude e a conservação da república. Era vasta a gama

de seus inimigos: havia os externos, como outros países, o comércio e o luxo; os internos,

como facções, magistrados e cidadãos ímprobos; e havia a própria natureza humana, sujeita a

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naturalmente corromper-se. Sem um esforço permanente de virtude para compensar os efeitos

da fortuna, o tempo traria a corrupção e, com ela, a perda da liberdade. Para contrabalançar

tais efeitos, o receituário republicano envolvia duas medidas: a difusão de um amplo sistema

de educação que generalizasse o amor à Pátria e a liderança de políticos virtuosos que, a

exemplo de Licurgo e Sólon, propusessem leis sábias e servissem como modelos de civismo.

Os legisladores deveriam guiar o povo, não para substituírem sua vontade à deles, mas para

levá-lo a encontrar o que desejava sem conseguir exprimi-lo, ou seja, para exprimir e cumprir

a sua vontade (ROUSSEAU, 1997a: 109). Para além desses meios de profilaxia, a república

deveria criar magistraturas que, inspiradas na Antigüidade Clássica, pairassem sobre os

poderes ordinários, tendo por características a independência frente aos órgãos do Estado que

deveriam inspecionar; a responsabilidade exclusiva perante o povo; e o exercício de certo

poder discricionário. É que a conservação da república passava, ao mesmo tempo, pela

preservação da eficácia das leis e dos costumes, na forma fixada pela vontade geral, e pela

possibilidade de sua eventual suspensão, quando o soberano estivesse ameaçado. São três as

instituições que merecem aqui nossa atenção: a da ditadura, a do tribunato e a da censura.

A ditadura não apenas fazia aqui a sua reentrada como, graças à sua longeva

tradição, servia de referência às outras instituições. Segundo Rousseau, o governo ditatorial

surgia da impossibilidade de previsão legal das eventualidades da fortuna e da necessidade se

salvar a república em ocasiões de grave e iminente perigo. Quando a ameaça não exigisse o

completo “adormecimento das leis”, haveria uma concentração administrativa do Executivo

nas mãos de um ou dois magistrados (ROUSSEAU, 1997a: 225); entretanto, se a ameaça

fosse premente e de monta, a assembléia nomearia uma autoridade suprema que concentrasse

os poderes e suspendesse as leis na forma de uma ditadura comissariada (SCHMITT, 1968).

Neste ponto, havia divergências entre os dois principais autores republicanos franceses, sendo

a cautela legalista de Mably proporcional à sua desconfiança em relação ao radicalismo de

Rousseau. Embora reconhecesse que o a necessidade requeria, por vezes, o regime

discricionário, Mably contemplou apenas a hipótese de invasão estrangeira e só quando

esgotados os demais meios de salvação pública. Extintas as causas que lhe deram origem, o

Legislativo deveria imediatamente encerrar a ditadura e restabelecer o quadro constitucional

para evitar que “vias extraordinárias, à força de usá-las (...) se convertam em vias ordinárias”

(MABLY, 1789:357). Apesar de constatar a imprescindibilidade de prazos curtos e

preestabelecidos (ROUSSEAU, 1997a: 226), para Rousseau era impossível definir

juridicamente todas as hipóteses de auto-suspensão do ordenamento jurídico para as ditaduras.

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Embora preocupado em regular as hipóteses do estado de exceção, ele reconhecia nas

Considerações sobre o Governo da Polônia que o direito permanente da vontade geral de

modificá-las independentemente de qualquer ordem ou previsão legal, pois a soberania era

matéria de fato, não de direito (ROUSSEAU, 1982:69). No melhor estilo maquiaveliano,

Rousseau destacava a utilidade daquela instituição quando a ordem republicana enfrentasse

dificuldades relativas à consolidação de suas instituições, acenando com exemplos da história

romana (ROUSSEAU, 1997a: 226).

As duas outras instituições de poder discricionário regulado visavam também à

conservação da república. Se a ditadura prevenia sua destruição imediata, elas investiam

contra a corrupção que, gerada pela inobservância das leis e dos costumes, a destruíam em

longo prazo. Do combate à ineficácia da legislação ficaria incumbido um órgão que, não

designado por Mably, é chamado por Rousseau de Tribunato; já os costumes, por suas vezes,

seriam preservados por um Tribunal de Censura. Na medida em que a corrupção dos

costumes era pressuposto da ineficácia das leis, de nada adiantava editar leis novas para

combater o mal. O que precisava ser atacado estava na raiz, pois eram “os pequenos abusos

que abrem a porta às maiores desordens” (MABLY, 1789:352). Daí a importância de

instituições que, compensando a força corrosiva da fortuna, velassem para que a observância

dos costumes e das leis se mantivesse em patamar elevado. Para justificá-las, os autores

invocavam novamente a fraqueza humana, a força corruptora da inércia e a incapacidade de

previsão legal de todas as contingências que, na vida pública, levavam ao enfraquecimento da

virtude, ao relaxamento dos costumes e à frouxidão das leis - justificativas que desvelam seu

parentesco com o instituto da ditadura. Para Rousseau, a Censura era o órgão ordinário

encarregado de manter os costumes na conformidade dos hábitos consagrados pelo povo,

“impedindo as opiniões de se corromperem, conservando a sua retidão por meio de aplicações

sábias e até, algumas vezes, fixando-os, quando ainda se mostram incertos” (ROUSSEAU,

1997a: 230). Esta corte teria três importantes atribuições: zelar pela execução das leis

suntuárias, coibindo o luxo em nome de uma “simplicidade cômoda”; supervisionar os

estabelecimentos de instrução pública a fim de garantir que uma educação da mocidade

conforme os princípios republicanos; e proteger os “cidadãos fracos, que às vezes não ousam

ou não podem queixar-se da tirania de um cidadão rico ou prestigiado”. Os censores deviam

ser eleitos pelos legislativos provinciais por mandatos curtos, encaminhando sugestões ao

Legislativo nacional (MABLY, 1789: 320 319,322).

Apesar de Rousseau batizar o tribunato com o nome de uma antiga instituição

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romana, ambas pouco tinham de semelhantes. Abandonado o modelo republicano tradicional

de governo misto por um regime de supremacia unicameral, Rousseau pretendia aproveitar a

experiência daqueles dos éforos de Esparta, do tribunato romano e do conselho veneziano dos

dez órgãos para modelar uma instituição que não apresentasse os mesmos defeitos e

mantivesse a estabilidade da república de forma diversa do antigo senado. Ele imaginava um

terceiro corpo político que mantivesse o governo dentro dos limites estipulados pela vontade

geral, coordenando as demais magistraturas e restabelecendo as leis violadas. Por isso mesmo,

o tribunato não poderia se confundir com as instituições que ele deveria moderar ou proteger.

Uma vez que este órgão tinha o dever de coibir as ações nocivas dos demais, ou seja, tinha um

papel essencialmente passivo ou negativo, o perigo estava em que ele se portasse como um

poder ativo ou positivo e usurpasse as atribuições alheias, ao invés de moderar o governo e

proteger o legislativo. A melhor maneira de evitar que isso ocorresse era não fazer desse

“corpo tão temível” pela sua discricionariedade uma instituição permanente e sim bissexta,

isto é, periódica. Poder extraordinário, portanto, esse órgão conservador das leis “sabiamente

equilibrado” seria “o mais firme apoio de uma boa constituição” (ROUSSEAU, 1997a:

221/222) e, como tal, o mais reverenciado da república.

Mably também previu um órgão como este, nos mesmos moldes, imaginando uma

ditadura corregedora de caráter extraordinário e periódico encarregada de examinar a

legalidade dos atos governamentais. Como o autor de Dos Direitos e Deveres do Cidadão não

acreditava que a educação, o governo e os legisladores fossem capazes de combater os males

da degenerescência, ele sugeria que, a cada vinte ou vinte e cinco anos, a assembléia

instalasse um comitê extraordinário de poderes discricionários que verificasse se os

governantes haviam exorbitado e apurasse os atentados às leis. Mably tinha a esperança de

que “essa sábia precaução impediria que costumes novos se difundissem e todos os abusos

seriam reprimidos antes de adquirirem força o bastante para destruir os princípios do

governo”. Além disso, esse poder corregedor supremo seria “a esperança dos bons cidadãos e

conterá os maus. Ele excitaria em todos os espíritos uma fermentação útil, e forçando a

recordação das leis, impedirá que elas caiam no esquecimento” (MABLY, 1789:356).

1.2. O discurso monarquiano e o conceito de Poder Moderador nos primeiros anos da

Revolução Francesa.

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Como se percebe, tendo desaparecido na Inglaterra desapareceu juntamente com o

absolutismo, na França a discricionariedade subsistiu no ventre do governo constitucional e

representativo. Irradiado para o mundo ibero-americano nas primeiras décadas do século XIX,

o fracassado modelo constitucional de 1791 trouxe um defeito congênito: a confrontação nua

e crua entre um Estado limitado pela lei e o a soberania absoluta do povo, sem que ele

dispusesse de mecanismos de conciliação. Durante todo o período revolucionário, atores e

teóricos se debruçaram sobre o problema, imaginando soluções que evitassem que os

representantes extrapolassem os mandatos outorgados pelos representados; no entanto, a

persistência de concepções soberanistas do poder - na forma de uma democracia das ruas ou

de uma representação política absolutista - mostrou-se inquebrantável. A persistência do tema

do controle da constitucionalidade durante todo o período é evidência, porém, de que os

revolucionários queriam um tipo de mecanismo institucional que a lógica política que os

governava em função dos acontecimentos os impedia de ter (GAUCHET, 1995:121). Foi a

compreensão de que os descaminhos da Revolução decorriam da incongruência entre seus

princípios e uma organização política capaz de concretizá-los que motivaria os liberais a

tentar atenuar os excessos do modelo republicano. Eles desenvolveram então um controle, não

normativo-jurisdicional, mas político-estrutural da constitucionalidade, na forma de um órgão

de cúpula neutro, distinto e superior, capaz de representar e conferir visibilidade simbólica ao

poder soberano. Difundido no início da Restauração, essa forma continental conciliatória de

Estado e soberania cedo foi incorporada ao patrimônio intelectual ibero-americano.

Para compreender sua gestação, porém, é preciso antes examinar como o triunfo da

via gálica republicana produziu e vivenciou o desastre das experiências constitucionais de

1791 e de 1793. Entre a reunião dos Estados Gerais, em 1789, e a queda da República

Jacobina, em 1795, a dinâmica da Revolução Francesa impôs o reconhecimento do povo

como único soberano legítimo da França e, da direita para a esquerda, derrotou todas as

propostas que envolvessem tentativas de fragmentação do poder em instituições de igual

valor. Grosso modo, as três propostas derrotadas corresponderam às três diferentes

modalidades de governo misto: a constitucional antiquária, defendida pela nobreza togada e

de espada; a dos monarquianos, apoiada pela burocracia e elaborada no cruzamento do

despotismo ilustrado com a interpretação da Constituição Inglesa; e a girondina, apoiada por

profissionais liberais que simpatizavam com o modelo estadunidense recém-instalado. Neste

trabalho, vamos aqui examinar somente as duas primeiras.

Ao invés de resgatar ou reformar a antiga constituição do Reino, a Constituinte

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francesa cedo decidiu rejeitar toda a experiência pretérita do país para reconstruir a ordem

política a partir da razão e da unidade da soberania nacional. A primeira queda foi a do

discurso constitucional antiquário, que preconizava o retorno à “antiga constituição”. Esta era

entendida como “uma 'comunidade de obrigações' formadas pelos usos e consagradas pelo

tempo que, por vezes, nela introduz algumas modificações (...), produzidas quase sempre por

'forças naturais', as primeiras das quais são a razão comum, a experiência de muitos e o

interesse de todos” (FURET & HALÉVI, 1996:39). Para o Conde de Antraigues (1753-1812),

a liberdade pedida pelo povo não exigia “a destruição das ordens que, pela sua resistência

mútua, asseguram a liberdade nacional”. Reunidos “em torno desse monarca sucessor de

tantos reis pelos quais nossos antepassados sacrificaram suas vidas”, ele alegava que a Coroa

abusara dos seus poderes e que cabia aos Estados Gerais “reconduzi-lo aos limites que a

constituição fixou em torno do trono”. (ANTRAIGUES, 1996:296). Mas a impotência do Rei

em fazer cumprir as formas deliberativas tradicionais e a resolução da nobreza de reunir-se ao

Terceiro Estado em Assembléia Nacional frustrou o intento dos constitucionalistas

antiquários. A extinção dos privilégios nobiliárquicos e dos próprios Parlements, quando da

reorganização do judiciário nacional, sepultou-a para sempre.

O discurso que empolgou então os parlamentares não foi o republicano, mas o da

Sociedade dos Amigos da Constituição Monárquica. Chamados pelos jacobinos de partido

monarquiano15, os vultos mais destacados deste grupo eram Pierre-Victor Malouet (1740-

1814), Jean-Joseph Mounier (1758-1806), Jacques Mallet du Pan (1749-1800), o Conde de

Montlosier (1755-1838), o Visconde de Lally-Tollendal (1751-1830) e Stanislas de Clermont-

Tonnerre, Conde de Tonnerre e de Clermont (1757-1792). Eles também contavam com a

simpatia do Conde de Mirabeau (1749-1791), líder dos moderados da assembléia, e de

Jacques Necker (1732-1804), último grande ministro do Antigo Regime e precursor do

liberalismo francês (BREDIN, 1988:203). Os monarquianos buscavam moderar o impacto da

soberania do povo, conciliando-a com elementos extraídos da tradição nacional. Queriam

fazer da Revolução um meio de modernizar o país sem fazer tabula rasa das tradições

monárquicas, o que os levava a rejeitar vários dos argumentos jusnaturalistas. Eles

15 Cabe aqui uma observação acerca do termo empregado para designar o partido dos patriotas moderados, que grande atividade teve no início da Revolução Francesa. Do fato de se reunirem então num clube denominado Sociedade dos amigos da constituição monárquica (Societé des Amis de la Constitution Monarchique), surgiu o apelido por que ficaram conhecidos, monarchiens, expressão então sinônima de monarchistes (monarquistas), mas que ficou daí por diante historicamente associada àquele grupo político. A fim de preservar essa distinção em português, relevante para não confundi-lo com agremiações monarquistas de orientações diversas, achei de melhor alvitre reproduzir a expressão monarquianos, adotada por Henrique de Araújo Mesquita em sua tradução do Dicionário Crítico da Revolução Francesa (FURET, 1989).

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argumentavam que, ao exprimir suas aspirações nos cahiers de doléances, a Nação não

pretendera atribuir aos eleitos a exclusividade de sua representação, revelando-se sempre

afeita à monarquia e às suas prerrogativas. “Os franceses não são um povo novo, saído

recentemente do fundo das florestas para formar uma associação”, alegava Mounier, “mas

uma grande sociedade que quer reestreitar os vínculos que unem todas as suas partes; que

quer regenerar o Reino, para quem os princípios da verdadeira monarquia serão para sempre

sagrados” (MOUNIER, 1996:315). A tarefa da Constituinte não era, portanto, a de refundar a

sociedade, mas tão somente o de reformar seu sistema político, convertendo a monarquia

absoluta num governo constitucional e representativo, como era o da Inglaterra.

A primeira grande fonte dos monarquianos era a tradição despótica ilustrada filtrada

pela fisiocracia, e cuja ambição magna era a de erigir um Executivo forte como o prussiano,

que superasse os impasses do Antigo Regime e modernizasse o Reino. Formulada e divulgada

por philosophes como Voltaire, Helvétius e Diderot, o discurso do despotismo ilustrado foi

transformado pelos fisiocratas numa ciência do Estado ao ser dotado de uma concepção

administrativista do Estado e economicista da sociedade. Forma francesa de liberalismo

econômico, a fisiocracia entendia que, contra a resistência da tradição, da ignorância, dos

estamentos e dos privilégios, a economia de mercado só poderia ser introduzida pelo Estado,

isto é, por um monarca versado nas leis da natureza (ROSANVALLON, 2002b). O sucesso da

fisiocracia a converteu numa ideologia da nova burocracia, à frente da qual estavam os

ministros da Fazenda de Luís XVI (1754-1793), como Turgot, Charles-Alexandre Calonne

(1734-1802) e Loménie de Brienne (1727-1794). Na medida em que aspiravam “racionalizar

e de unificar o sistema político reforçando a autoridade administrativa central em relação aos

interesses regionais ou particularistas”, os monarquianos eram herdeiros desse reformismo

ministerialista; da forma, eles transporiam para o contexto de um governo representativo

constitucional “um poder monárquico reforçado, capaz de representar a nação como um todo

e inteira, às expensas das pretensões da assembléia de querer encarnar a soberania nacional”

(GRIFFITHS, 1988: 41 e 87). Eles viam o Parlamento como uma arena de representação dos

interesses privados, útil e necessário para ser consultado pelo governo na formulação de

políticas públicas, mas perigoso na medida em que também ameaçava encapsulá-lo com suas

facções. Como era a Coroa que encarnava o interesse público, os monarquianos rechaçavam

qualquer idéia que resultasse na fragmentação do poder - tanto à esquerda, contra os que

queriam fortalecer o Legislativo, como à direita, contra os que queriam fortalecer as

corporações estamentais.

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Por outro lado, a inspiração bolingbrokeana dos monarquianos os induzia a crer que

cabia ao monarca proteger o povo e sua constituição mista contra as oligarquias políticas,

ministeriais ou parlamentares. Para tanto, ele precisava ser forte. Já na década de 1720, o

próprio Voltaire registrara numa de suas Cartas Filosóficas que, além de governante, o

monarca britânico exercia um papel de árbitro entre os lordes e os comuns, o que evitava os

conflitos civis entre plebeus e patrícios ocorridos em Roma (VOLTAIRE, 1961:21). A obra

deixada por Bolingbroke sobre a Constituição Inglesa também havia sido decisiva, como se

viu, na descrição efetuada por Montesquieu em O Espírito das Leis, tendo merecido

numerosas edições desde que passou a ser publicada em 1754 (KRAMNICK, 1968:37).

Também impactou a interpretação do republicano genebrino Jean-Louis de Lolme (1741-

1806), cuja obra homônima, publicada em 1771, obteve estrondoso sucesso, contando mais de

cinqüenta edições subseqüentes.

Em Da Constituição da Inglaterra, Lolme descrevia as instituições britânicas num

circunstanciado intróito histórico em que as comparava com as francesas, minimizando a

separação de poderes como elemento de destaque para sublinhar a importância dos freios e

contrapesos opostos ao poder do Rei pelas câmaras legislativas. Para Lolme, a concentração,

centralização e visibilidade do poder monárquico constituíam as condições mesmas da

liberdade e da união nacional, porque mantinham a Nação alerta contra a ameaça permanente

de tirania representada pela prerrogativa régia. Ao invés de um estático jogo de soma zero em

que a montante de liberdade era proporcional à ausência da opressão, Lolme apresentava um

quadro dinâmico em que a liberdade nacional era proporcional à ameaça da opressão por ela

enfrentado e à premência de precaver-se (LOLME, 1814:12). Ou seja, era por ter poderes

superiores aos de um monarca absoluto, que o Rei da Inglaterra garantia a liberdade nacional.

Na medida em que a liberdade era o resultado do imperativo de salvaguardá-la, exigia-se o

reforço da monarquia para obrigar aristocracia a mobilizar a democracia em seu favor. Era

tudo o que não tinha a França, cujo monarca, por mais que se dissesse absoluto, era incapaz

de enfrentar as resistências aristocráticas a ponto de compeli-las a recorrer ao povo em seu

auxílio; por isso mesmo, este permanecia na mais absoluta indiferença cívica (LOLME,

1814:28). Como se vê, a concepção corrente acerca do papel do chefe do Estado inglês na

Europa continental nada a tinha a ver com a de um governo parlamentar ou de uma Coroa

fraca – principalmente numa época em que Jorge IV tentava recuperar o papel de

proeminência que seus antepassados haviam concedido aos primeiros ministros. Foi por isso

que os monarquianos puderam defender um Executivo reforçado no contexto de um projeto

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constitucional repleto de argumentos mecanicistas do equilíbrio e eqüipotência dos poderes16.

Em síntese: o discurso monarquiano constituía uma tentativa de transpor a tradição

do despotismo ilustrado, convertido pelos fisiocratas numa ciência do Estado modernizador,

para o universo do constitucionalismo representativo, baseado numa interpretação da

Constituição Inglesa como um governo misto cujo elemento central era o monarca. Em

janeiro de 1789, Mallet du Pan dedicara dois extensos comentários à obra de Lolme no

Mercúrio da França; neles, o monarquiano sublinhava que a única maneira de evitar os males

da democracia pura e salvaguardar a liberdade residia em estruturar a futura constituição

como um governo misto marcado pela unidade do Executivo e pela divisão do Legislativo em

duas câmaras (MALLET DU PAN, 1789:152/154). Também fazendo alusão a Lolme na

introdução às suas Considerações sobre os Governos, Mounier declarava detestar tanto a

tirania ou licença da multidão como o poder arbitrário de um só - embora salientasse que o

caráter anárquico da primeira a fazia mais deletéria que o segundo (MOUNIER, 1789:4). Nos

debates da Constituinte, a defesa do bicameralismo pelos monarquianos seguiu baseada no

equilíbrio dos poderes e na proteção dos direitos individuais contra as ameaças do despotismo

parlamentar. Escolhidos seus membros pela Coroa entre os três candidatos mais votados de

cada província para exercer mandatos vitalícios, o Senado continuava, porém, a ser defendido

como o elemento moderador do governo misto; por isso mesmo encarregado de “velar

incessantemente pela Constituição” (LALLY-TOLLENDAL, 1996:351) 17.

No entanto, a defesa do bicameralismo não implicava adesão completa aos

postulados de equilíbrio entre poderes eqüipotentes. Os monarquianos salientavam que, na

qualidade de primeira representante da Nação, a Coroa deveria estar devidamente aparelhada

para defender o interesse público contra as possíveis inconstâncias, excessos ou facciosismos

do Legislativo. Essenciais para que o monarca apelasse ao povo em casos de crise, para 16 Dai que alguns autores que, como Ran Halévi, tratem dos monarquianos como seguidores de Montesquieu e admiradores da Inglaterra. Para Halévi, o representante emblemático do movimento é o moderado Mounier, ao passo que, para Griffiths, era o radical Malouet quem exprimia o “pensamento profundo” dos membros do partido. Dentro da explicação acima fornecida, entendo que a oposição entre a posição de Halévi e Griffiths perde sua razão de ser, porque fundada num falso antagonismo. Tal não impede que Halévi sustente que Malouet era “o mais lúcido, o mais clarividente dos monarquianos” (HALEVI, 1989:390). 17Inicialmente Mounier defendeu uma câmara aristocrática como a Câmara dos Lordes (MOUNIER, 1789b: 171), mudando de idéia, depois, por conta da resistência geral dos deputados. Outros membros da assembléia defenderam então a câmara alta como órgão adequado ao desempenho de uma função moderadora. Assim, Demeunier postulou um tribunal supremo encarregado de controlar o executivo e o judiciário e que revisor da legislação. Para o Duque de la Rochefoucault, além do veto, deveria haver um conselho examinador dos projetos de lei. Brun de la Combe pleiteou explicitamente um “Poder Moderador”, acima do Rei, do Legislativo e do Judiciário, “capaz de resistir a todos os abusos de autoridade (...), destinado à manutenção dessa liberdade, dessa segurança civil”. O senado seria também uma mistura de tribunal supremo e de alta corte de justiça (GAUCHET, 1995:77).

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Mounier aquelas atribuições eram indispensáveis “para a preservação da monarquia; o único

meio que, nos tempos de turbulências, é capaz de garantir o trono dos esforços de um partido

de ambiciosos ou descontentes”. “Poderosa barreira ao pé da qual se reunirão todos os

verdadeiros amigos da ordem e da liberdade”, o deputado frisava que só o monarca era capaz

de “manter o equilíbrio e impedir as parcialidades” (MOUNIER, 1996: 391 e 401). Conforme

salientava Mirabeau, apenas a Coroa conseguiria reunir todas as parcialidades da Nação e

voltar sua atividade para um centro comum, quando ela estivesse em perigo (MIRABEAU,

1996:370). Sendo o Rei “o representante perpétuo do povo”, tais prerrogativas eram

essenciais para que a classe política não constituísse uma nova aristocracia. Sem elas, aditava

Lally-Tollendal, não haveria “obstáculo insuperável às investidas do Poder Legislativo contra

o Poder Executivo, à invasão, à confusão dos poderes, por conseguinte à derrubada da

constituição e à opressão do povo” (In: BREDIN, 1988:203). A centralidade conferida pelo

partido monarquiano ao chefe do Estado termina por se esclarecer na seguinte passagem de

um discurso de Mounier:

“Pode-se dizer com razão que os deputados escolhidos nos diferentes distritos não

são os únicos representantes do povo; que o Rei é o seu primeiro delegado; que

ele é também representante do povo em todas as outras partes da autoridade que

lhe foi confiada, e que o povo os encarregou conjuntamente de exprimir a vontade

geral; que assim, quando o Rei não dá sua sanção, ele não resiste à vontade geral,

que ainda não está formada” (MOUNIER, 1996:400).

A tradição da unidade nacional representada no corpo do chefe do Estado era assim

posta a serviço da nova concepção de soberania para exercer um controle estrutural da

constitucionalidade. Nessa categoria de primeiro representante e principal intérprete do bem

comum, Malouet chegaria ao extremo de defender que o Rei tinha o direito de recusar a futura

Constituição, se a entendesse lesiva ao povo, a ele recorrendo para que decidisse a questão:

“Um monarca não tem nem o direito nem o poder de impedir um povo que quer uma

constituição de fazê-la. Ele não tem direito de veto, nem de obstar a uma constituição pedida

pela Nação. Entretanto, se acontecer que os representantes adotem uma, que seja

evidentemente contraria à vontade e ao interesse geral, não duvidaríamos então que o chefe da

Nação teria o direito de suspender tal Constituição, de apelar ao povo e de lhe pedir que

manifeste sua vontade expressa por meio de novos representantes” (MALOUET, 1996:368).

No auge do debate em torno do direito de veto e do bicameralismo, foi Bernardin de Saint-

Pierre (1737-1814) quem melhor exprimiu a natureza discricionária e equilibradora desse

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poder do monarca, para além do Executivo: Parecendo-lhe insuficiente a consagrada divisão

do poder político entre Executivo e Legislativo, ou seja, entre Coroa e Nação, ele

recomendava o reconhecimento de um terceiro poder que, era necessário a todo o bom

governo, nas monarquias também cabia ao Rei: o Poder Moderador:

“O Rei, aí, não é apenas um comissário da nação, um doge ou um stadthouder; é

um monarca encarregado de dirigir suas operações (...). Os três corpos da

monarquia reagem sem cessar uns contra os outros, de sorte que, deixados a si

mesmos, logo ocorreria que um deles oprimiria os outros dois, ou seria por eles

oprimido (...). Falta, portanto, que o Rei tenha ainda o Poder Moderador, isto é, o

de manter o equilíbrio entre esses corpos (...). Como o Rei tem, de direito, o poder

executivo, não poderá haver lei alguma aprovada sem a sua sanção; como ele tem

também o Poder Moderador, esta assembléia, sendo formada de dois poderios

cujos interesses são opostos, ele terá sempre o poder de manter o equilíbrio dela”

(SAINT-PIERRE, 1819: 64).

Os principais adversários dos monarquianos foram deputados como Isaac le

Chapelier (1754-1794), Charles-Maurice de Talleyrand (1754-1838) e Emmanuel-Joseph

Sieyès (1748-1836), monarquistas republicanos cujo projeto político descendia do

republicanismo democrático de Rousseau, Mably e Saige. Para fulminar a pretensão

antiquária de fundar os privilégios da nobreza dos francos no direito histórico de conquista,

Sieyès enxertara na narrativa de seus adversários os argumentos contidos no Discurso sobre a

Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os Homens. Para o autor de O que é o

Terceiro Estado, cabia à Constituinte restabelecer a liberdade e a igualdade que teriam

vigorado na Gália até a invasão dos francos, que as teriam abolido para impor a antiga

constituição feudal; constituição que representava, assim, o equivalente do falso contrato

social a que Rousseau aludia naquela obra; produto da força bruta que deveria, como tal, ser

substituído. As transformações ocorridas no campo do trabalho e da economia teriam

permitido ao Terceiro Estado recuperar sua primazia numérica e moral contra a nobreza, de

quem agora haveria de se desforrar confeccionando o novo e verdadeiro contrato social em

bases consensuais, racionais e eqüitativas para todos os cidadãos (SIEYES, 2001:8).

Entretanto, os mesmos argumentos relativos à ilegitimidade e anacronismo do direito

histórico que serviam para atacar o constitucionalismo antiquário também prestavam para

condenar a pretensão monarquiana de transpor para a França o modelo constitucional inglês,

com sua concepção histórico-evolucionária. À reação antiquária e ao conservadorismo

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monarquiano, Sieyès contrapunha um construtivismo para a qual a legitimidade da ordem

resultava unicamente do fato de ser um produto racional da vontade soberana (BARBERIS,

2005:219). Daí que seria absurdo substituir a falsa constituição francesa, feudal, pela inglesa

que, embora menos má, nem por isso era menos “falsa” à luz da razão (sem falar na sua

origem estrangeira). Com seus irracionais freios e contrapesos e sua aristocrática Câmara dos

Lordes, a constituição da Inglaterra se afigurava um verdadeiro “monumento da superstição

gótica” aos olhos dos monarquistas republicanos (SIEYES, 2001:41).

Os princípios gerais da orientação política dos monarquistas republicanos eram

semelhantes aos dos monarquianos - soberania nacional, condenação da sociedade estamental,

direitos fundamentais, lei decorrente da vontade geral, separação de poderes, representação

política, centralização político-administrativa. Reeditando a oposição entre os fisiocratas e os

republicanos clássicos, porém, as divergências entre os dois grupos começavam no

desenvolvimento desses princípios. Embora concordassem que “o bem público exige que o

interesse comum da sociedade se mantenha em alguma parte, puro e sem mistura” (SIEYES,

2001:39), os monarquianos achavam que era a Coroa quem deveria defendê-lo, ao passo que,

para os monarquistas republicanos, essa missão deveria recair sobre uma única assembléia de

representantes eleitos pela Nação. A justificativa estava na compreensão de que o princípio da

unidade da soberania impunha que o povo necessariamente exprimisse a sua vontade de forma

unitária. A França era “um todo único, composto de partes integrantes”, que “não devem ter

separadamente uma existência completa, porque não são todos simplesmente unidos, mas

partes que não formam senão um único todo” (SIEYES, 1996:411).

Ora, se era “a unidade de decisão” que na prática viabilizava o exercício da soberania

una e indivisível, parecia-lhes claro que ela somente poderia ser tomada por um único órgão.

Uma vez que a eletividade era o único critério legítimo de representatividade política da

Nação, este órgão tinha de ser necessariamente “a assembléia nacional una e indivisível” e

não a Coroa (SIEYES, 1996: 415). Além disso, como a assembléia deveria representar a

Nação como um todo, ou seja, como unidade, o mandato parlamentar não poderia ser

vinculado ou imperativo, modalidade típica da sociedade corporativa; ele deveria consistir

numa verdadeira carta branca pela qual o eleito seria alçado à categoria de intérprete e

formulador autônomo da vontade, não somente de seus eleitores, mas do conjunto da Nação.

Por fim, a divisão do trabalho recomendava que do cumprimento das decisões tomadas pela

vontade geral ficasse encarregado um poder diverso da assembléia soberana - o governo, que

deveria naturalmente estar subordinado a ela (SIEYES, 1996:326). A necessária sujeição dos

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meios aos fins justificava, pois, não o equilíbrio, mas a subordinação de todas as atividades

dos poderes Executivo e Judiciário à autoridade do Legislativo, considerado a fábrica da

vontade geral. Complicado maquinário montado para coibir ou amenizar as sobrevivências da

opressão feudal, a doutrina anglo-americana de equilíbrio dos poderes não se justificava na

França, onde a ruptura com a feudalidade estava inscrita no programa da Revolução. As

diferenças entre os dois partidos acabaram de ficar evidentes quando os monarquianos

apresentaram seu projeto constitucional na comissão de Constituição da Assembléia, ocasião

em que Sieyès objetou que o bicameralismo e o veto absoluto eram contrários aos princípios

do governo representativo. Não sendo eleito, nem pertencendo à assembléia, o Rei não

poderia interferir no processo legislativo, atividade exclusiva do órgão depositário da

soberania nacional. E indagava:

“Teria sido tirada dos verdadeiros princípios a idéia de separar o poder legislativo

em três partes (câmaras alta e baixa, veto do Rei), das quais uma só falaria em

nome da Nação? Se os senhores e o Rei não são representantes da Nação, também

não são nada no Poder Legislativo, pois apenas a Nação pode querer e,

conseqüentemente, por si mesma criar leis. Qualquer um que entre no corpo

legislativo só tem competência para votar pelos povos se tiver sua procuração”

(SIEYES, 2001:41).

Primeiro dos cidadãos, a vontade do Rei não poderia “jamais ser separada, mesmo

em idéia, da Nação que ele representa com toda a majestade” (SIEYES, 1996:406). Não sendo

eleito, o poder monárquico só podia ser concebido como uma parcela da autoridade da própria

assembléia. Considerando era esta última a verdadeira depositária da soberania, o monarca, se

quisesse, poderia dela participar durante as deliberações, detendo um único voto, todavia. A

representação por eleição era visto por Sieyès como um mecanismo para identificar a

assembléia única à unidade da soberania – e não para distinguir-se dela, como a é da natureza

da representação moderna (MANIN, 1996). Daí que o direito de veto legislativo e de

dissolução da Câmara do Rei, se aprovados, comporiam um “mecanismo estranho” na

Constituição; um mecanismo que, uma vez exercido, representaria uma “verdadeira lettre de

cachet lançada contra a vontade nacional” (SIEYES, 1996:408). Também lhe parecia absurda

a idéia de que o Legislativo pudesse ser mais perigoso do que o Poder Executivo, que era

armado e hereditário; ou de que ele deveria ser fracionado em dois, para criar um senado

moderador. Para os monarquistas republicanos, não poderia haver qualquer órgão superior ao

Legislativo, intérprete supremo da vontade geral. Eram os ecos de Rousseau e Mably: apenas

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uma instituição extraordinária, que pairasse sobre os poderes constituídos, poderia resolver as

questões atinentes às crises constitucionais - uma convenção constituinte (SIEYES,

1996:414).

Como se vê, a diferença fundamental entre monarquianos e monarquistas

republicanos acerca do desenho institucional residia no poder ou no órgão que deveria

representar, em primeiro lugar ou exclusivamente, a soberania da Nação. Ao cabo de um

violento debate de três dias de setembro de 1789, o plenário da Constituinte resolveu a

questão do bicameralismo e do veto monárquico ao rejeitar a proposta de um Senado por uma

maioria devastadora (89 votos favoráveis contra 849) e admitir não sem dificuldade o

segundo, na forma de um veto suspensivo. Foi assim a corrente dos monarquistas

republicanos, Sieyès à frente, que prevaleceu na Constituinte. A configuração institucional

consagrada pela Constituição do Reino em 1791 não deixava dúvidas a respeito. Nela, o chefe

do Estado era apenas um comissário hereditário do Legislativo, de escassa influência sobre

uma administração quase toda eletiva: ele não poderia dissolver a Assembléia, não tinha

direito de iniciativa legislativa e não podia exonerar os funcionários. Quase todas as suas

demais decisões ficavam submetidas à ratificação parlamentar. Os únicos poderes reais de que

havia sido investido, eram os de vetar projetos de lei e nomear e demitir os ministros. Mesmo

assim, ele não poderia fazê-lo sem grandes constrangimentos. Primeiro, porque o veto do Rei

podia ser derrubado pela Assembléia; segundo, porque, a título de evitar a corrupção

parlamentar existente na Inglaterra, a Constituição proibia o Chefe do Estado de escolher

seus ministros entre os deputados. Por sua vez, a deputação tinha o poder discricionário de

processar e julgar os ministros sempre que os considerasse incursos em tipos penais que,

vagamente determinados, davam margem a todo o tipo de apreciação meramente política de

sua conduta. Revertendo constitucionalmente o papel de personificação visível e simbólica da

sociedade para a Assembléia Nacional, a título de se combater o “despotismo ministerial”,

realizava-se o sonho republicano de Mably - a aniquilação do Poder Executivo.

Por seu turno, o Judiciário encontrava-se tão ou mais manietado que o Executivo (In:

DUPUY & MORABITO, 1996:235). Imersos no absolutismo democrático, os constituintes

cultivavam uma visão do direito e da política para a qual o primeiro estava subordinado à

segunda, expressão da vontade do soberano. Consagrado no art. 6º. da Declaração dos

Direitos do Homem e do Cidadão, esse legicentrismo era oposto à concepção anglo-

americana de que o direito era o lugar do não-político, e que prevalecera na Constituição de

1787, na forma de um controle normativo e judicial da constitucionalidade. Além disso, o

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fantasma dos Parlements também inviabilizava toda e qualquer idéia de governo fiscalizado

por decisões e precedentes judiciários. Para o presidente da comissão de reforma judiciária,

conceder aos juizes o poder de interpretar as leis ou anulá-las, a pretexto de inconstitucionais,

era o mesmo que seqüestrar a vontade geral parlamentarmente representada: “Uma Nação que

exerce o Poder Legislativo por um corpo permanente de representantes não pode deixar aos

tribunais executores dessas leis, e submetidos à sua autoridade, a faculdade de revisar tais

leis” (THOURET, 1991:473). Submetidos ao Legislativo, os tribunais deveriam simplesmente

aplicar a lei, eximindo-se da interpretá-la. Em caso de dúvida, os juízes deveriam consultar a

assembléia, que fixaria o seu sentido por uma interpretação autêntica. Daí a restrita

competência atribuída à Corte de Cassação: colocada “ao pé do corpo legislativo” para “evitar

que os órgãos judiciários invadissem a esfera do poder legislativo, subtraindo-se à estreita e

textual observância das leis” (CAPPELLETTI, 1992:40), a Corte de Cassação exercia um

mero controle formal da legalidade, que não era material nem constitucional (FURET &

HALÉVI, 1996:213) 18. Essa drástica teoria da separação dos poderes daria origem ao sistema

de dualidade de jurisdições, em que o Poder Judiciário só deveria processar e julgar as causas

que versassem sobre interesses particulares. Aquelas que envolvessem interesse do Estado

seriam da competência de uma Justiça Administrativa, cujo órgão máximo era o Conselho de

Estado.

Embora lógica como um relógio, a Constituição de 1791 encerrava uma contradição

insolúvel: de um lado, uma assembléia soberana, de poderes praticamente ilimitados; de

outro, o princípio de autolimitação do Estado, refletido na separação dos poderes e na extensa

relação de direitos individuais contida na Declaração Universal dos Direitos do Homem e do

Cidadão. Para piorar, não se aproveitara nenhuma das reflexões do discurso republicano

clássico sobre a discricionariedade regulada, como ditaduras, tribunatos ou censuras – nem as

convenções extraordinárias de Sieyès. É que o controle da constitucionalidade era

incompatível com o ascendente da assembléia sobre os poderes constituídos, que levava à

presunção da constitucionalidade das leis feitas por ela. Entre limitar o poder em benefício do

indivíduo ou maximizá-lo para legitimar o regime, a Constituinte se deixou levar por uma

concepção ambivalente do estado de exceção, entendido como uma situação de fato que,

18 A cassação se limitava a anular as sentenças que julgasse contrárias ao texto da lei, sem substituí-las por outras, o que deveria ser feito pelo proprio juízo a quo. Caso este persistisse no seu entendimento, a Corte deveria endereçar consulta obrigatória à assembléia, para que estabelecesse a interpretação legal definitiva. A lei napoleônica que passou a permitir a interpretação e a apreciação material da Corte de Cassação não chegou a permitir-lhe o exame da constitucionalidade, tendo perdurado até a metade do século XX o principio da onipotência do legislador.

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como tal, não carecia ser legalmente previsto. Dois argumentos justificavam essa postura. De

um lado, ao enunciar que “a ignorância, o esquecimento ou o desprezo dos direitos humanos”

eram “as únicas causas das infelicidades públicas e da corrupção dos governos” (In: RIALS,

2001:3), o preâmbulo da declaração de direitos supunha que, proporcionando a almejada

harmonia social, a consagração constitucional dos ideais de justiça tornaria desnecessária a

adoção de medidas discricionárias contra os cidadãos. Por outro lado, entendia-se que,

devendo-se combater todas as ameaças contra-revolucionárias, era evidente que a

Constituição ficaria ipso facto suspensa nesses casos, o que também justificava a previsão

expressa de sua suspensão por desnecessária: salus populi suprema lex19. Até mesmo a

possibilidade de revisão constitucional era inviável para flexibilizar emergencialmente a

Constituição: respeitadas as formalidades, a revisão só poderia acontecer no século seguinte.

Sem instituições reguladoras do poder discricionário, num quadro de conflagração social e

política generalizada, o regime assumiu os contornos de “um absolutismo representativo

mesclado aos espasmos insurrecionais da democracia direta” (GUENNIFEY, 1993: IV). Não

por acaso, o debate sobre a conveniência de um Poder Moderador continuou depois de

promulgada a Constituição (GAUCHET, 1995:80).

O monarquiano Clermont-Tonnerre publicou então o mais lúcido exame político do

período, a Análise Arrazoada da Constituição Francesa Decretada pela Assembléia

Nacional. Para ele, a Constituinte concebera uma Carta inexeqüível por conta do grau de

abstração de seus princípios. Sem controles meios de empregar uma discricionariedade

regulada, na forma de um Poder Moderador ou um controle jurisdicional, a Constituição

deixava a porta aberta para que os mesmos questionamentos sobre a natureza e extensão da

soberania, que haviam levado à Revolução, se voltassem contra ela, que acabaria

desmoralizada pela dissolução da ordem e substituída pelo despotismo (CLERMONT-

TONNERRE, 1791:134). Duas críticas despontavam em sua análise da carta. A primeira

crítica dizia respeito às condições de estabilidade estrutural da Constituição. Retomando o

tema da natureza dupla do poder monárquico, Clermont-Tonnerre declarava que o Rei detinha

19 As duas justificativas podem ser hauridas em Sieyès, possivelmente sem contradição Por um lado, Sieyès repetia o argumento presente nas Considerações sobre o Governo da Polônia ao afirmar que, “quando a salvação da pátria é necessária para todos os cidadãos, vai-se perder tempo perguntando-se quem tem o direito de convocar (a assembléia)? Seria melhor perguntar: quem não tem o direito? É o dever sagrado de todos os que podem fazer alguma coisa” (SIEYES, 2001:57). Por outro, ele sustentava que “uma boa constituição de todos os poderes públicos é a única garantia capaz de preservar as nações e os cidadãos desse mal extremo (a opressão). O soldado não deve jamais ser empregado contra o cidadão, e (...) a ordem interior do Estado deve ser estabelecida de tal forma, que em nenhum caso seja necessário recorrer ao poder militar, senão contra o inimigo externo” (SIEYES, 1996:325).

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naturalmente “dois poderes perfeitamente distintos, o Poder Real e o Poder Executivo”.

Como chefe do Executivo o monarca só podia agir por meio de seus ministros, pois eram eles

que se responsabilizavam pelos atos da Coroa inviolável. No exercício do Poder Real,

todavia, o Rei era “verdadeiramente livre e irresponsável”, porque precisava atuar como um

“poder regulador” capaz de remediar os entrechoques dos poderes. Ou seja, além do poder de

governo, porque estava acima da política partidária, o chefe do Estado, detinha o Poder

Moderador, encarregado de salvar o governo constitucional quando de suas inevitáveis crises.

Ocorre que a Constituição de 1791 consagrara um Legislativo “todo poderoso contra a

Constituição”, sem que ninguém tivesse “o direito, nem o dever, nem a possibilidade de

restringir sua ação, caso ele venha a violá-la” (CLERMONT-TONNERRE, 1791:393, 316,

335). A segunda crítica abordava as possibilidades de concretização normativa da

Constituição. A premissa de que, mesmo depois de promulgada a Constituição, o povo

continuava livre para se revoltar sempre que julgasse violados os seus direitos pelo governo20,

criava um terrível potencial de desorganização e desinstitucionalização do poder naquela

conjuntura. A anarquia daí resultante só poderia ser evitada por um Judiciário independente

que, no lugar daqueles que arrogassem nas ruas a condição de povo, fixasse desde logo o

sentido e o alcance dos direitos constitucionais. No entanto, o órgão que poderia exercer de

fato esse controle, que era a Corte de Cassação, havia sido criado sem “nenhuma existência

permanente (...), nenhuma espécie de força”, pelo que também “não poderá resistir ao

ascendente do legislativo” (CLERMONT-TONNERRE, 1791:373).

Os acontecimentos confirmaram a análise de Clermont-Tonnerre. Diante da asfixia

institucional consagrada na Constituição, as convulsões revolucionárias continuaram até a

instauração de um governo excepcional de facto. As leis de exceção começaram por confiscar

os bens dos emigrados, declarando-os banidos e prescrevendo o fuzilamento para os que

voltassem. Depois, foram obrigados a deixar o país os padres que recusaram a disciplina civil

do clero imposta pelo Legislativo. A 5 de julho de 1792 foi editada lei que autorizava a

Assembléia a adotar unilateralmente medidas excepcionais, dispensando-a de precisar o

20No art. 1º. de seu título III, ela enunciava que “a soberania pertencia à Nação” e era “una, indivisível, inalienável e imprescritível”, ao passo que o preâmbulo da declaração de direitos declarava que ela devia ser “constantemente apresentada a todos os membros do corpo social” para “recordá-los incessantemente de seus direitos e deveres, a fim de que os atos do Poder Legislativo e aqueles do Executivo, podendo ser comparados a cada instante com o objetivo de toda instituição política, sejam mais respeitados; a fim de que as reclamações dos cidadãos (...) concorram sempre à manutenção da constituição e à felicidade de todos”. Por fim, o art. 2o. enumerava, além da liberdade, da propriedade e da segurança, resistência à opressão como direito natural (RIALS, 2002). Sieyès não somente chancelava este último direito como entendia que, mesmo sem ele, a nação não ficava presa aos compromissos constitucionais por assumidos, porque permanecia no estado de natureza (SIEYES, 2001:51).

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objeto das medidas e o prazo de sua duração. Por fim, os inimigos do constitucionalismo

monárquico forçaram uma situação de salvação pública para, investidos de poderes

discricionários, melhor combater os inimigos da Revolução. Entremeados por rebeliões e

massacres populares, a declaração de guerra, a promulgação da constituição civil do clero e a

tentativa de fuga da Família Real resultaram num golpe que suspendeu Luís XVI de suas

funções e convocou uma convenção nacional, ignorando a inviolabilidade monárquica e o

procedimento de revisão constitucional. Sem qualquer preocupação ulterior com a Carta de

1791, a Convenção derrubou a monarquia. Embora mecanismos de intermediação entre

governo e soberano continuassem a ser propostos (GAUCHET, 1995:107), nem a própria

Constituição republicana aprovada pela Convenção entrou em vigência. Com o argumento de

que, “em circunstâncias revolucionárias, a vontade geral ordena e aprova tacitamente ou

expressamente os atos de rigor exercidos para a salvação de todos, para a conservação da

liberdade de todos, que alguns querem destruir” (In: GUENIFFEY, 2000:178), a Convenção

jacobina decretou que o governo revolucionário era absoluto por tempo indeterminado e

instituiu tribunais para prender indefinidamente os suspeitos e fuzilar os “inimigos do povo”.

O balanço do período terrorista é estimado em torno de duzentos e cinqüenta mil mortos –

pouco menos de um décimo da população francesa da época.

A república jacobina revelou a relação íntima entre soberania popular absoluta e

estado de exceção; entre identificação do soberano com o governo democrático (no sentido

schmittiano) e a maximização dos poderes excepcionais. Para Maximilien de Robespierre

(1758-1794), o governo revolucionário estava submetido “a regras menos uniformes e menos

rigorosas” que as estabelecidas na Constituição, por conta das circunstâncias “tempestuosas e

móveis” em que se achava e por ser obrigado “a desenvolver incessantemente recursos novos

e rápidos em função de perigos novos e prementes”. Embora reconhecesse que “a nave

constitucional não foi construída para permanecer sempre no estaleiro”, ele entendia não ser

prudente “lançá-la ao mar no auge da tempestade e sob a influência de ventos contrários”. O

chefe jacobino justificava sua postura recordando que seu governo se apoiava “na mais santa

das leis, a salvação do povo”, e “no mais incontestável dos títulos – a necessidade”

(ROBESPIERRE, 1999: 130,131). No entanto, não se devem ser exageradas as diferenças

entre a ditadura jacobina e o regime que lhe precedera, pois era a mesma a lógica que as

presidia: “a idéia do poder como lugar de exata coincidência do povo e de seus representantes,

nas antípodas do modelo anglo-saxão fundado ao inverso sobre a institucionalização de sua

diferença” (GUENIFFEY, 2000:61). Além disso, na medida em que na falta de mecanismos

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que permitissem ao povo fiscalizar seus representantes, a legitimidade do exercício do poder

soberano não poderia ser verificada, ele acabou reivindicada por ativistas da rua, o que

conduziu a um processo de quase completa desinstitucionalização da política. Embora fosse a

Convenção quem deveria exprimir a vontade soberana, ela acabou coagida pelos setores

extremistas que, no seu interior, ocupando os comitês executivos, reivindicavam maior

legitimidade baseados na sua pretensa superioridade ética e na sua capacidade de mobilizar as

massas em seu próprio favor. Assim, a qualquer momento atores que se investiam da

qualidade de verdadeiros representantes da vontade do povo poderiam reivindicar uma

ruptura institucional (ROSANVALLON, 2000:67).

1.3. O discurso liberal durante o Termidor e a Restauração. O júri constitucional de

Sièyes e o Poder Moderador de Benjamin Constant.

O jacobinismo havia representado o extremo a que a revolução poderia

espontaneamente chegar à esquerda, de modo que em 1795 os dirigentes políticos franceses

começaram a percorrer o caminho de volta. Derrubada a ditadura jacobina, a convenção

termidoriana começou a elaborar uma nova Carta, na esperança de que ela institucionalizasse

a República e desse um paradeiro à Revolução.

A metamorfose sofrida por Sieyès, que denunciava o caráter totalitário da ditadura

jacobina, foi o melhor indício dessa mudança de ares. Mais próximo agora de Locke do que

de Rousseau, ele defendia que o pacto de associação só teria transferido ao Estado aquela

parte dos direitos naturais que fosse considerada necessária “para manter cada um em seus

direitos e seus deveres” (In: CONSTANT, 1997:796). A doutrina do poder ilimitado ou

absoluto do povo era considerada desde já “um monstro em política e um grande erro da parte

do povo francês”, que retivera a errônea concepção absolutista de soberania do Antigo

Regime (In: BREDIN, 1988:512). Ou seja, Sieyès abandonava parte de suas posições

republicanas para abraçar posturas liberais e propor a criação de um “júri constitucional” - a

mais sofisticada modalidade de controle normativo da constitucionalidade até então

apresentada. Ele argumentava que “os que não consideram a necessidade de introduzir em

todas as relações políticas e constitucionais um meio de conciliação, desde há tempos em uso

nas relações civis, não se apercebem que obstaculizam os progressos naturais do Estado”

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(SIEYES, 1990:281). Essa conveniência de conciliar os poderes se explicava pelo fato de não

ser sua divisão garantia automática de sua harmonia, razão pela qual ela deveria ser garantida

por um tribunal que julgasse as demandas políticas e representasse a unidade do poder

nacional num plano superior. Composto de 108 membros, renovado pelo terço a cada ano

mediante cooptação (BREDIN, 1996:513), esse tribunal político de procedimentos

jurisdicionais seria a “chave de abóbada” da República, proporcionando-lhe a estabilidade de

que carecera até então, resolvendo-se, com seu prudente arbítrio, o segundo dos problemas

suscitados por Clermont-Tonnerre – o conflito entre a declaração constitucional dos direitos e

sua efetiva sua concretização. Nesse ponto, Sieyès explicava ao plenário a diferença entre

arbitrariedade e discricionariedade:

“Permiti que me detenha um instante sobre o termo arbitrariedade. Ele possui

dois sentidos que é necessário distinguir. Vós o tomais pelo exercício de uma

autoridade sem freio, sem regra, sem princípio? É então algo odioso e não desejo

menos que vós que ela permaneça alheia às nossas relações sociais. No entanto, se

dais a esse nome uma decisão de justiça natural que vosso legislador não soube

incluir no seu código, retirai aquela denominação desonrosa, pois que ela se torna

algo útil, respeitável e, nesse sentido, nada resulta menos arbitrário” (SIEYÈS,

1990:288)

Ocorre que, a despeito de alguns avanços, a convenção termidoriana não conseguiu

conceber o pluralismo fora da perspectiva mecânica e monista que marcava a reflexão que

orientara a elaboração da primeira constituição (MORABITO, 1996:177). Representado agora

pelo Diretório, o Poder Executivo continuou sem direito de iniciativa legislativa nem poder de

veto, ao passo que o Legislativo continuava unicameral: apesar de repartido entre o Conselho

dos Quinhentos e o dos Anciãos, esta era uma divisão puramente técnica destinada que, para

tornar a decisão mais ponderada, separava a discussão, atribuída ao primeiro, da decisão,

atribuída ao segundo (MORABITO, 1996:170). Não por acaso, foi rejeitado pela unanimidade

dos convencionais o projeto de júri constitucional de Sieyès, que tentava desconcentrar em

parte o monismo preponderante. Ao permitir que o Conselho dos Anciãos recusasse projetos

de lei em desacordo com as formas constitucionais prescritas (art. 88), a Constituição do ano

III somente admitiu um controle preventivo e formal da constitucionalidade (RIALS, 2002).

Em compensação, o estado de exceção foi constitucionalizado - ainda que limitado

basicamente às hipóteses de guerra externa ou de sua ameaça (art. 398). A nova Constituição

também facultou ao Executivo ordenar a busca e a prisão em caso de conspirações contra a

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segurança interna e externa do Estado (art. 145). Essa valorização normativa do estado de

sítio, depois da experiência da ditadura extraconstitucional jacobina, é mostra tanto do

elevado grau de discricionariedade que a Convenção termidoriana reputava necessário para

enfrentar os desafios de consolidação do novo regime de governo, quanto do seu desejo de

erigi-lo em meio de defesa das instituições. Por outro lado, a rejeição de uma forma de

controle repressivo e material da constitucionalidade pode explicar institucionalmente a

instabilidade crônica do regime. Para evitar a ascensão dos monarquistas e o retorno dos

jacobinos, por duas vezes o governo tentou por duas vezes manipular as eleições e, dada a

insuficiência do expediente, recorreu a golpes militares seguidos de amplos expurgos de

convencionais. A veloz desmoralização do regime o levou por fim ao golpe de 18 de

Brumário de 1799, quando dissolveu o Legislativo manu militari e cometeu eutanásia,

entregando a República ao Exército e ao bonapartismo.

Seja como for, o golpismo ensejou a continuidade do debate constitucional. As

principais propostas de uma instância controladora da constitucionalidade partiam de dois

núcleos de pensadores e políticos que não se confundiam, embora dialogassem. O primeiro

grupo era integrado pelos ideólogos como Pierre Claude Daunou (1761-1840), Pierre Jean

Cabanis (1757-1808), Destutt de Tracy (1754-1836) e, por afinidade, o próprio Sieyès. A

maioria era discípula do Marquês de Condorcet (1743-1794) e partilhava da idéia de que a

história era “a mãe dos preconceitos” (GIRARD, 1985:24), e a política, “uma ciência cujas

leis descobriam os homens por aproximações sucessivas, graças à sua livre reflexão”

(JARDIN, 1985:165). Os ideólogos desenvolveram assim uma engenharia institucional na

esteira do mecanicismo revolucionário, cujos principais topos eram a soberania nacional ou

popular, o republicanismo, o critério capacitário de participação política, a necessidade da

difusão da instrução e, principalmente, a crítica da Constituição Inglesa e do equilíbrio entre

os poderes, em beneficio de uma separação dos poderes por especialização, sem freios ou

contrapesos. Era, em suma, uma concepção arquitetônica do Estado enquanto arte de

relojoaria; como queria Sieyès, “nada é arbitrário em mecânica social e o lugar de peça se

encontra determinada por relações que não dependem da livre vontade do mecânico”

(SIEYÈS, 1990:275). Com a queda dos jacobinos, os ideólogos foram festejados como os

guardiões intelectuais da Revolução e, como tais, condecorados pelo Estado – ainda que

fossem mais reverenciados do que escutados (FURET, 1988 I: 402). Sua proximidade física,

mas nem sempre espiritual do poder, explica o êxito da institucionalização do controle

normativo na Constituição do ano VIII como um senado conservador (1799), mas também e

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o fracasso de seu desempenho durante o Império napoleônico, guiado por uma lógica mais

próxima pelo despotismo ilustrado do que aquela celebrada pelos ideólogos21..

O segundo grupo que se dedicava a problemas constitucionais na França

termidoriana era o grupo de Coppet, cujo patriarca era o já referido Jacques Necker, e suas

figuras de proa, a filha, a Baronesa de Stäel-Holstein, dita Madame de Stäel (1766-1817), e

seu namorado, Benjamin Constant de Rebecque (1767-1830). Ao postularem a adoção do júri,

a abolição da justiça administrativa e a simplificação dos sistemas eleitorais, os três

permitiram ao pluralismo anglófilo fazer uma cabeça de ponte no espaço da tradição

continental da unidade do poder. Por isso, havia pontos de clara identidade entre os antigos

monarquianos e os coppétianos. Necker havia apoiado a atuação monarquiana durante a

Constituinte; além disso, Constant sempre fazia remissões persistentes e continuadas a

Clermont-Tonnerre “com um calor que indica mais do que uma mera referência de autor a

autor” (GAUCHET, 1997:779). Outro ponto comum entre os dois grupos era o realismo, que

não permitia que a defesa da via inglesa descambasse para o radicalismo ou a utopia; daí que,

se Clermont-Tonnerre foi o mais acurado intérprete político da monarquia constitucional de

1791, Constant foi certamente o melhor analista do periodo termidoriano e consular (FURET:

1988:299). No entanto, também havia divergências. Se, por um lado, ambos compartilhavam

a admiração pela Constituição da Inglaterra, eles se desentendiam sobre a herança do

despotismo ilustrado e o papel social do Estado. A matriz intelectual imediata do coppétianos

remontava antes ao iluminismo escocês de Hume, Adam Ferguson (1723-1815) e Adam

Smith (1723-1790), professor de Constant em Edimburgo, do que ao iluminismo racionalista

e geométrico de que descendiam os ideólogos. Daí que, elogiado pelos monarquianos, o papel

interventor do Estado era criticado pelos coppétianos, que defendiam a primazia da sociedade

e a subordinação do político ao econômico. 21 Quando da elaboração da Constituição de 1799, Sieyès reapresentou, dentro de um arcabouço diferente, seu antigo projeto de júri constitucional, agora chamado Colégio de Conservadores. Além do controle normativo da constitucionalidade, haveria uma modalidade de controle estrutural na pessoa do Grande Eleitor, magistrado “acima das paixões particulares e do interesse das facções”, escolhido pelo dito colégio para exercer o papel de chefe de Estado, “representante da maioria nacional no interior e no exterior” (In: BREDIN, 1988:659, 667). Mas uma vez, todavia, os projetos de Sieyès se frustraram. Napoleão substituiu o Grande Eleitor por um primeiro cônsul – ele mesmo - e emancipou-o do senado conservador, desmoralizado desde logo como dócil instrumento do bonapartismo Acoimando-o de “fantasma inútil” (In: GAUCHET, 1995:237), Destutt de Tracy apresentaria no início do século dezenove um novo projeto destinado a restabelecer a independência do senado e sua preponderância no quadro das instituições, arbitrando os conflitos entre elas “de modo a permitir a expressão da vontade geral” (GIRARD, 1985:30). O intento novamente fracassou. Restabelecido por Napoleão III em 1852, o senado pretensamente moderador da constituição consular revelar-se-ia igualmente ineficaz. Em compensação, o art. 92 da nova Carta determinava que, no caso de “revolta à mão armada ou de tumultos que ameacem a segurança do Estado”, as autoridades poderiam editar suspender “o império da Constituição” e adotar as medidas discricionárias cabíveis. O estado de exceção atingiu um grau de desenvolvimento institucional que, em situações extremas, permitia a plena ditadura constitucional do Executivo, no melhor estilo maquiaveliano.

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Em síntese, os monarquianos foram os precursores do liberalismo inglês na França, e

como tal, referência para todos os seus pósteros imediatos; entretanto, sua defesa candente do

Estado e de seu papel civilizador os aproximava antes do liberalismo de direita ou de governo

dos futuros doutrinários (Guizot à frente) – ou seja, do conservadorismo -, do que do

liberalismo de esquerda ou de oposição do grupo de Coppet – isto é, do liberalismo tout court.

Nesse quadro, a figura de Benjamin Constant é especial, pois sua teoria do governo

constitucional representativo ocupou até pelo menos a década de 1860 um lugar de absoluta

centralidade no panorama do liberalismo franco-continental e ibero-americano. Admirador de

Condorcet, Benjamin Constant concordava que as sucessivas destruições da teocracia, da

escravidão, do feudalismo e dos privilégios da nobreza comprovavam que a marcha da

história coincidia com aquela da igualdade e da liberdade. O movimento democrático vinha

de muito longe e, por isso, a única opção sensata a tomar era tentar acompanhá-lo

(GAUCHET, 1980:36); entretanto, Constant sabia perfeitamente que o mundo atravessava um

período de umbral epocal. A sombra da soberania absoluta continuava saliente no horizonte e,

por isso, certamente seriam funestas quaisquer tentativas de precipitar os acontecimentos pela

via autoritária (CONSTANT, 1997:289). Em Das Reações Políticas, datado do período

termidoriano, Constant afirmava que o grande desafio posto aos políticos comprometidos com

as novas idéias de seu tempo passava, pois, por consolidar o terreno ainda precário da

liberdade contra os riscos do anacronismo e, desse modo, encerrar a traumática transição para

a modernidade política representada pela acefalia revolucionária. Para tanto, os políticos

deveriam filtrar a verdade abstrata e universal contida nos princípios absolutos que norteavam

a Revolução, como a liberdade e a igualdade, por meio de princípios intermediários que

pudessem encadeá-los e concretizá-los conforme as circunstâncias de tempo e o lugar

(CONSTANT, 2002:101).

Semelhante providência exigia, porém, arranjos institucionais da vida pública

capazes de garantir a sua eficácia. Como os direitos dos cidadãos constituíam o oxigênio da

vida social, a organização plural da sociedade civil dependia do curso livre e desimpedido da

opinião pública, entendida como o somatório dos intercâmbios que pautavam o ritmo do

progresso social. Por outro lado, Constant acreditava que, por conta de suas artificialidade e

fixidez, as formas de organização política tendiam a um imobilismo que frequentemente as

colocava em descompasso com a opinião pública, como acontecera em 1789 (CONSTANT,

2002:72). O desafio passava, portanto, pela construção de instituições que fossem ao mesmo

tempo flexíveis e sólidas: flexíveis para guardar neutralidade frente às diferentes concepções

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individuais de bem e respeitar a autonomia da sociedade civil, espaço de produção da opinião

pública, guia do progresso; mas sólidas o suficiente para dar um paradeiro nos excessos

revolucionários, sem recorrer ao exercício discricionário do poder, que descambava para o

arbítrio (CONSTANT, 1980:409).

Segundo Constant, três eram os anacronismos que, ancorados em concepções

unitárias e maximizantes do político, ainda reivindicavam o exercício discricionário do poder:

o anacronismo legitimista do Antigo Regime, o anacronismo jacobino e o anacronismo

militarista do usurpador napoleônico. Eram ameaças que impunham a dupla necessidade de

desarmar a bomba teórica do poder discricionário e de reforçar constitucionalmente a

blindagem do governo constitucional representativo, para que ele resistisse aos solavancos

daquela época de transição. Constant centrou fogo sobre três pontos: o conceito de soberania

absoluta, una, indivisível e irrepresentável do povo; o exercício da ditadura e o golpismo de

Estado; e o autoritarismo político a pretexto da modernização. Apesar de atacado

anteriormente pelo monarquiano Clermont-Tonnerre e pelo Sieyès da época termidoriana, foi

Benjamin Constant o primeiro autor a condenar de modo intelectualmente extenso e

articulado o conceito de soberania absoluta e indivisível. Reportando-se a Rousseau e Mably,

nos Fragmentos de uma Obra Abandonada sobre a Possibilidade de uma Constituição

Republicana num País de Grandes Proporções, ele concordava que a soberania pertencia ao

povo e que a força bruta não legitimava o exercício do poder; entretanto, ele criticava as

fórmulas abstratas de seu reconhecimento que inviabilizavam o exercício dos direitos

individuais ao convertê-la num problema teórico (CONSTANT, 1997:311). O cerne do

problema não estava em atribuir a soberania ao povo, mas em continuar a associá-la ao

exercício do poder que o absolutismo monárquico reivindicava para o Rei. Ao invés de

eliminar o arbítrio do poder público para instaurar o regime de direitos fundamentais, a

persistência da concepção absoluta de soberania inviabilizara a institucionalização da

Revolução, dando novo fôlego àqueles que, inimigos do Antigo Regime, eram também

inimigos do governo constitucional representativo.

Quanto à tentação do golpismo e do governo ditatorial, de que haviam se servido

com fartura a república jacobina e o Termidor, Constant condenava terminantemente toda e

qualquer prática da ilegalidade pelo Estado, cerrando fileiras com Montesquieu. Era o que

anotava em Da Usurpação: “Todo governo moderado, todo governo que se apóia na

regularidade e na justiça, se perde em toda a interrupção da justiça, em todo o desvio da

regularidade” (CONSTANT, 1997:255). O golpismo da razão de Estado era particularmente

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condenável quando exercido num governo constitucional, porque fazia paródia da legalidade

ao desmoralizar os princípios que o embasavam. Uma vez admitidos, argumentos como o do

interesse do Estado, perigo na lentidão das decisões e salvação pública serviam para que o

governo evitasse o debate público, condenasse sem julgamento e eliminasse seus opositores.

O mesmo valia para a variante modernizadora do governo discricionário, que era o

despotismo ilustrado aggiornado dos tecnocratas napoleônicos. Apressar de maneira artificial

e discricionária um aperfeiçoamento que o tempo traria naturalmente acarretava ao povo mais

males que bens. Com efeito, a experiência provava que, das três, uma: ou o povo se revoltava

contra o arbítrio do governante; ou o governante se frustrava com o baixo desempenho de sua

política modernizadora, como ocorrera José II da Áustria (1741-1790); ou ele acabava vítima

do próprio veneno, como quase se dera com o Marquês de Pombal (1699-1782). As inovações

deveriam ser promovidas pelo Estado cautelosamente, de modo a acompanhar a evolução da

opinião pública, que era sempre gradual. Num governo constitucional representativo, em que

a liberdade reinante permitia conhecer o pensamento público, as leis e as instituições se lhe

acomodavam naturalmente, esclarecendo o povo sem constrangê-lo (CONSTANT, 1997:280,

284/285).

“Não é à velocidade dos melhoramentos, mas ao acordo entre instituições e idéias

que se deve dar importância (...). Todas as instituições sociais não passam de

formas adotadas para o mesmo fim, para a maior felicidade e, sobretudo, para o

maior aperfeiçoamento da espécie humana. Há sempre uma dessas formas que

vale mais do que todas as outras. Se for possível introduzi-la pacificamente e

obtiver para ela um assentimento geral e voluntário, não há dúvidas de que o

ganho será real. Mas se, para introduzi-lo, será necessário impô-lo, com leis

proibitivas e suas inseparáveis companheiras, as leis penais, o mal prevalecerá

sobre o bem” (CONSTANT, 1997:280, 284/285).

Como se pode imaginar, todas essas críticas ao poder discricionário culminavam na

declaração de indissociabilidade entre os meios e os fins perseguidos pelo Estado e, por

conseguinte, numa apologia do culto da legalidade. A principal ameaça ao governo

representativo constitucional não provinha dos inimigos do governo, mas da tentação de, a

título de combatê-los, suprimir as instituições e os procedimentos legais. Mais do que

barreiras, como Montesquieu quisera, as instituições e procedimentos serviam, para Constant,

para conduzir o poder público ao bom caminho. Era o anti-Maquiavel: embora reconhecesse a

existência de situações de perigo para a sociedade política, Constant negava a conveniência de

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combatê-lo por medidas excepcionais, alegando que o Estado devia ainda aí observar todas as

formalidades prescritas. Tratava-se de uma verdadeira reviravolta na tradição política

continental: como os procedimentos eram “as divindades tutelares das associações humanas”

e, como tais, serviam de bitola para a marcha do Estado, sua supressão o deixava

desgovernado, sem prumo, a se encaminhar célere na direção do abismo. Daí a fórmula

peremptória com que Constant reagiu contra o estado de exceção nos Princípios de Política:

“Os poderes constitucionais, não existindo senão por conta da Constituição, não podem

suspendê-la” (CONSTANT, 1997:487, 251 e 783). Cumpria banir esse filho espúrio do

absolutismo monárquico com a modernidade política, reconhecendo que o Estado e a vontade

geral encontravam seus limites na linha que dividia as esferas pública e privada. Daí que o

Estado deveria ser organizado por uma Constituição sucinta, que declarasse os direitos dos

cidadãos e se estabelecessem os distintos poderes públicos (CONSTANT, 1991:426).

Por fim, comprovada a insuficiência dos mecanismos anteriores (e nesse ponto

Maquiavel retornava pelos fundos), para Constant era indispensável forjar uma autoridade

política imparcial, legalmente autorizada a se valer, em certas ocasiões, de um poder

discricionário; destinado, não a violar a lei, mas a garantir que os demais poderes, movidos

por interesses particulares, se mantivessem nos limites constitucionalmente demarcados como

representativos do interesse público. Ou seja, aquilo de que o governo constitucional

representativo carecia, não era do estado de exceção que o pervertia, mas de um controle

estrutural da constitucionalidade que o preservasse. Partindo confessadamente das reflexões

deixadas pelo monarquiano Clermont-Tonnerre na Análise Arrazoada da Constituição

Francesa22, Benjamin Constant filiava sua teoria do controle constitucional à prática

institucional britânica, cuja estabilidade ele atribuía ao papel de arbitragem exercido pelo

monarca na manutenção da Constituição Inglesa – interpretação, adias, que não existia 22Constant por duas vezes atribuiu a Clermont-Tonnerre o mérito da idéia do Poder Moderador. A primeira data da república consular: “Uma das grandes vantagens da realeza, é a de ter de certa maneira constituído o direito de destituição (dos ministros) nas mãos do rei. Um partidário esclarecido dessa forma de governo (o Sr. de Clermont-Tonnerre) observa que há, no poder monárquico, dois poderes: o poder executivo investido de prerrogativas positivas, e o poder régio, composto de recordações e ilusões religiosas ou tradicionais, este último sendo, de certa maneira, um poder neutro entre o povo e o poder executivo propriamente dito, que é sempre delegado aos ministros” (CONSTANT, 1991:398). A segunda vez data de 1814, ou seja, da queda de Napoleão: “Os leitores ficarão surpresos pelo fato de distinguir o poder régio do poder executivo. Essa distinção, sempre desconhecida, é muito importante. Ela é talvez a chave de toda a organização política. Não reclamo a honra de tê-la inventado: ela se encontra em germe nos escritos de um homem muito esclarecido (o Sr. de Clermont-Tonnerre), que pereceu durante nossos tumultos, como quase todos os homens esclarecidos” (CONSTANT, 1861:177/178). Daí o erro de Mauro Barberis, quando afirma que Constant teria recorrido à figura de Clermont-Tonnerre, em 1814, para ocultar a influência exclusiva de Sieyès que, com a restauração dos Bourbons, havia caído em desgraça (BARBERIS, 1996:134). Ora, a influência do monarquiano Clermont-Tonnerre, como vemos, é contemporânea ao período republicano, quando Sieyès gozava de grande prestígio e não teria por que ter seu nome oculto por Constant.

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naquele país (BARANGER, 1999). Frisando em diversas obras sua conveniência em todos os

governos constitucionais, fossem republicanos ou monárquicos, esse poder neutro deveria

evitar o descolamento entre os interesses de governantes e governados e, assim, preservar

assim a livre expressão da sociedade civil (CONSTANT, 1861:179; 1991:359, 387;

1997:325). Se a espécie humana era progressiva, e o Estado, estacionário, era indispensável

um mecanismo que impedisse os poderes políticos de bloquearem a penetração do interesse

público com seus interesses peculiares; do contrário o governo não representaria o conjunto

da opinião pública (CONSTANT, 1991:426). A natureza representativa do regime impunha

via de mão dupla nas relações entre Estado e sociedade: assim como, na qualidade de

representantes do soberano, os poderes públicos deveriam velar para que os cidadãos

observassem a lei, os cidadãos últimos, na qualidade de membros do soberano, deveriam

dispor de meios para assegurar que os poderes públicos fossem fiéis à vontade que os

constituíra. O povo carecia de um órgão geral e imparcial de fiscalização que, exterior aos

poderes constituídos, conferisse visibilidade à unidade de sua soberania; daí que o Poder

Moderador estivesse simultaneamente acima e entre os demais poderes (CONSTANT,

1997:327). Ocorre que a mera prática eleitoral dificilmente poderia satisfazer essa exigência:

refletindo os interesses particulares no seio do eleitorado, as eleições no máximo produziam

maiorias e nunca a sonhada unanimidade que o dogma da unidade da soberania deveria

exprimir. Daí que, para exprimir a unidade da soberania nacional, ele paradoxalmente não

poderia ser eleito pela Nação.

Além disso, este órgão imparcial, detentor de um poder discricionário, deveria ser

organizado de forma a exercê-lo apenas para impedir os poderes constituídos de exorbitar

suas funções quando essa ameaça se apresentasse. Só essa força de inércia não causaria “nem

abalos, nem revoluções, nem desordens” (CONSTANT, 1997:319). Assumindo todos os

contornos de um poder judiciário, Constant não acreditava, todavia, que juízes pudessem,

como nos Estados Unidos, exercer esse papel. Retomando a díade política/direito que

marcava a tradição francesa, Constant deixa entrever que a estabilidade política era primeira

condição da estabilidade normativa; por isso, de nada adiantaria um tribunal que se limitasse a

anular os atos normativos praticados pelos poderes públicos, sem que dispusesse de meios

coercivos para eventualmente desarmá-los, obrigando-os a observar a Constituição. Antes de

procurar manter sua unidade normativa, era preciso garantir sua unidade estrutural, o que só

ocorreria se houvesse harmonia entre os poderes do Estado. A questão não era de direito, mas

de política; daí que a estabilidade estrutural e não apenas normativa da Constituição exigisse

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um órgão que tivesse o interesse político e não apenas jurídico de impedir os golpes do

Executivo ou a tirania legislativa. Ademais, quem dizia política dizia poder discricionário;

daí que, para eliminar os conflitos privados e restabelecer a paz, esta nova instituição

precisasse dispor de alguns recursos próprios do estado de exceção – ainda que restritos a

certos e determinados casos (CONSTANT, 1991:400/401). Daí que, embora o Poder

Moderador tivesse uma função análoga à judiciária, dirimindo conflitos de modo imparcial

(CONSTANT, 1861:181), a natureza política de suas atribuições o impedia de ser exercido

pelo próprio Poder Judiciário, limitado apenas a aplicar as leis: era “impossível fazer uma

autoridade adstrita às formalidades exercer uma autoridade discricionária” (CONSTANT,

1991:381). Ao declarar a supremacia da Constituição como veículo da expressão da soberania

popular, criar um quarto poder como seu guardião e voltar sua potência discricionária em

favor da legalidade, Constant desenvolveu já nos Fragmentos uma forma de controle, nem

jurisdicional, nem normativa (como o norte-americano), mas política e estrutural da

constitucionalidade.

“Em todos os governos, é preciso que haja uma autoridade, não ilimitada, mas

discricionária. Essas duas coisas foram confundidas; e dessa confusão resultaram

muitos males. É preciso que essa autoridade discricionária jamais se dirija aos

homens, pois os homens devem sempre estar a salvo do arbítrio. Ela deve dirigir-

se aos poderes e deve retornar às mãos de quem não possa jamais apoderar-se

deles ou deixá-los às suas criaturas. Assim, o poder preservador não pode ser

encarregado de nenhuma eleição, para que ele jamais tenha interesses a desbancar.

Assim, sua autoridade discricionária será puramente preservadora” (CONSTANT,

1991:451/452).

A imparcialidade indispensável ao exercício deste quarto poder e a necessidade de

que ele refletisse a inteireza do corpo social requeriam que seus titulares não fossem eleitos

pelo povo nem por seus representantes para exercer mandatos prefixados, porque do contrário

ficariam dependentes do Executivo ou do Legislativo. Quando se entrechocassem ou se

entrevassem, os poderes constituídos careceriam de uma força que estivesse fora da política

ordinária para reconduzi-los aos seus lugares e preservá-los sem hostilizá-los (CONSTANT,

1997:324). Descartada a eleição a prazo certo, restavam a hereditariedade e a vitaliciedade

como modalidades de mandato para os postulantes ao exercicio do Poder Moderador, segundo

o critério de tempo. Reconhecendo que a hereditariedade era incompatível com o regime

republicano, Constant idealizou, nos seus Fragmentos, uma câmara de membros vitalícios,

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escolhidos pelos diversos departamentos do país entre candidatos que contassem mais de

quarenta anos de idade e determinado tempo de experiência administrativa. A imparcialidade

dessa assembléia seria reforçada pela inelegibilidade de seus integrantes para o exercício de

quaisquer outras funções públicas; em compensação, ser-lhes-iam concedidos farta

remuneração e títulos honoríficos. Eles teriam por missão decidir acerca da dissolução das

assembléias legislativas; da destituição dos membros do executivo; do exercício do direito de

graça; receber petições contra a administração e, por fim, sancionar emendas à Constituição

(CONSTANT, 1991:430, 403 e 441). No entanto, Constant nunca ficou satisfeito com a

fórmula de transposição da Constituição Inglesa para o regime republicano. A confiança numa

instituição não era matéria apenas de engenharia institucional, mas de um poder simbólico

inscrito na tradição. Na monarquia inglesa, a respeitabilidade conferida ao chefe de Estado

pela identificação de sua família com o interesse nacional e por sua posição de completo

alheamento às paixões dos cidadãos ordinários tornava-o sobremaneira interessado em manter

a estabilidade institucional (CONSTANT, 1980: 280). Na Inglaterra, esse imenso poder

simbólico da Coroa era devido, paradoxalmente, à sua pouca densidade ética, o que permitia a

adesão dos cidadãos às instituições, sem comprometer suas concepções de bem.

Desestimulado para o exercício arbitrário do poder, o monarca hereditário inglês se convertia

num símbolo perfeito da unidade do povo; casca vazia do grande uno soberano a serviço do

pluralismo e da legalidade.

A queda da autocracia bonapartista em 1814 e a restauração dos Bourbons na França,

sob uma constituição que comportava o governo representativo, resolveu na prática o

problema teórico de que Constant não conseguia se desembaraçar23 . Ele propôs então

estabelecer os contornos doutrinários da monarquia constitucional, declarando a natureza

limitada da soberania popular e fazendo do chefe de Estado o responsável pelo controle

estrutural da constitucionalidade. Para dar visibilidade simbólica àquela soberania e ao

mesmo tempo moderar a representação eletiva, o monarca deveria pairar inviolável sobre os

23 Testemunha dessa luta é o livro I dos Fragmentos de uma Obra Abandonada sobre a Possibilidade de uma Constituição Republicana num País de Grandes Proporções, todo dedicado a convencer o leitor – e o próprio autor – de que a hereditariedade era um critério anacrônico, ineficiente e injusto frente ao princípio eletivo para qualquer espécie de provimento de cargo (CONSTANT, 1991:115). Num momento, Constant encampa a idéia (muito comum, como vimos) de que o governo inglês não era passível de reprodução no continente, porque fruto de circunstâncias particularíssimas (CONSTANT, 1991:190); noutro, ele reclamava que, para desatar o nó górdio institucional, era preciso aceitar todas as novidades que ele propunha. Do contrário, “que nos resignemos com a monarquia: ela tem muitos inconvenientes, mas evita uma porção de dificuldades” (CONSTANT, 1991:380). Em 1814, encantado com o constitucionalismo britânico, Constant não somente apoiaria a hereditariedade para a chefia do Estado, como admitiria, mesmo que não definitivamente, a legitimidade desse critério para a composição da câmara alta (CONSTANT, 1997:344).

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poderes constituídos. Essa inviolabilidade da Coroa, que tinha a irresponsabilidade política

por corolário, criava, todavia, um problema complicado. Um dos princípios mais importantes

do sistema representativo era aquele segundo o qual todos os atos praticados no âmbito do

governo deveriam ter quem por eles se responsabilizasse perante o Legislativo, que

representava a opinião nacional. Do contrário era monarquia absoluta, ou seja, governo

irresponsável. A única forma de conciliar a monarquia com o governo representativo,

portanto, era arranjar um meio de fazer com que os ministros de Estado respondessem pelos

atos da Coroa, desde que os referendassem (CONSTANT, 1980:343). A referenda ministerial,

na forma de sua assinatura logo abaixo daquela do monarca, significava que o ministro de

Estado concordava com a decisão política ou administrativa tomada pelo chefe do Estado e,

portanto, estava disposto a assumir a responsabilidade criminal por ela diante do Parlamento.

Essa divisão entre autoridades responsáveis – a Coroa - e irresponsáveis – os ministros –

levava naturalmente a uma separação de funções políticas entre eles. O chefe do Estado ficava

encarregado do Poder Moderador, isto é, da superintendência do sistema constitucional, ao

passo que o ministério ou gabinete se ocuparia dos atos de governo, ou seja, do Poder

Executivo.

A separação entre as duas agências era fundamental para saber onde começavam e

terminavam as esferas de ação das autoridades responsáveis, de um lado, e invioláveis, de

outro; por isso mesmo, nela estava o fiat lux da monarquia constitucional, “a chave de toda a

organização política” (CONSTANT, 1980:280). Era aí que a concepção monarquiana de

Poder Moderador mais se afastava daquela de Constant: enquanto os monarquianos

defendiam a cumulação do Executivo e do Moderador pela Coroa, para Constant o Rei tinha

bens mais valiosos a defender “que este ou aquele detalhe da administração, este ou aquele

exercício parcial da autoridade. Sua dignidade é um patrimônio de família, que ele retira da

luta, ao abandonar seu ministério” (CONSTANT, 1980:285). Nem por isso ele ignorava que,

para além da ficção da inviolabilidade, o chefe de Estado pudesse na prática ser criticado

pelas decisões tomadas no exercício do Poder Moderador. Apesar de monarca, ele poderia se

deixar eventualmente levar pelas “afeições e fraquezas da humanidade”. Mas Constant

argumentava que a ficção da inviolabilidade era pela essencial para conciliar a ordem com a

liberdade, pois do contrário o chefe de Estado deixava de ser visto como imparcial; uma vez

responsável perante o Legislativo, ele ficaria sujeito à política partidária e, então tudo seria

“desordem e guerra eterna entre o monarca e as facções” (CONSTANT, 1980:343). Ele

reconhecia também a possibilidade de ministros que descobrissem ao Coroa, ou seja, que, ao

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invés de assumirem a responsabilidade por seus atos, quisessem dela eximir-se, alegando que

obedeceram à “coação moral” do príncipe; e que aquele projeto de lei decorria de sua vontade

e não do gabinete. Essa postura dos ministros abalava a credibilidade do árbitro hereditário da

Constituição e, com ela, as próprias instituições. Mas Constant objetava que, à margem de

disputas partidárias ou governamentais e ordinariamente cobertos pelo ministério, o monarca

só seria passível de censura caso, ao invés de demonstrar imparcialidade, agisse como o

representante de uma facção, “seja rebaixando o poder do monarca ao nível do Poder

Executivo, seja elevando o Poder Executivo ao nível do monarca” (CONSTANT, 1997:327).

Como se tratava de exercício regulado da discricionariedade decorrente de delegação

do poder soberano, a Constituição deveria prever as atribuições que caberiam ao chefe de

Estado no exercício daquele quarto poder. Nas Reflexões sobre as Constituições e as

Garantias, com um Esboço de Constituição, de 1814, Constant elencou sete competências: a

nomeação e exoneração de ministros, a sanção dos projetos de lei (com poder de veto

absoluto), o adiamento e a dissolução das câmaras, a nomeação dos membros do poder

judiciário, o poder de agraciar réus condenados e o direito de declarar a guerra e fazer a paz

(CONSTANT, 1861:182). No ano seguinte, ao publicar, durante os Cem Dias, os Princípios

de Política, o rol de atribuições do Poder Moderador foi reduzido a quatro: nomear e destituir

ministros, dissolver a câmara baixa, criar novos pares e conceder graça (CONSTANT,

1997:323).

Entretanto, há um ponto negligenciado pelos estudiosos que é importante aqui

destacar: o Poder Moderador, para existir, não precisava estar consagrado formalmente na

Constituição como um quarto poder. Ele existiria, ainda que o chefe de Estado estivesse

classificado na Constituição sob o rótulo geral de Poder Executivo, desde que sua doutrina

fosse observada na prática, limitando-se o chefe de Estado a exercer funções de arbitragem e

deixando o governo aos seus ministros. Daí que o fato de o exercício do Poder Executivo ser

atribuído pela Constituição à pessoa do Rei, ou à sua chefia (como se fizera e faria na França,

na Espanha, em Portugal, na Holanda e na Bélgica) não constituía óbice à sua teoria: o poder

neutro existiria de fato, desde que os negócios ordinários da administração ficassem, na

prática, por conta de um ministério responsável (CONSTANT, 1861:181). A necessidade de

adaptação do governo às mudanças determinadas pela opinião pública impunha uma

interpretação constitucional, não literal, mas evolucionária ou histórico-evolutiva; por isso,

Constant sempre interpretou o papel constitucional do Rei da França conforme a teoria do

Poder Moderador, ignorando o teor literal dos artigos da Carta de 1814: “Tudo o que digo

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sobre o poder régio, ainda que numa terminologia diversa daquela de nossa Constituição, está

perfeitamente conforme seu espírito” (CONSTANT, 1861:169).

Compreendida a concepção geral de Constant da teoria do Poder Moderador, passo a

examinar suas atribuições em relação a cada um dos demais poderes político. No que se refere

ao Poder Executivo, ou Poder Ministerial, o direito que tinha o Poder Moderador de nomear e

demitir livremente os ministros era indispensável para que uma força imparcial fosse capaz de

nomear um governo que pudesse gerir os negócios públicos com autonomia face ao

Legislativo. Para ele, o chefe de Estado era sempre a última autoridade para decidir da

nomeação e da demissão de ministros, mesmo sem governar - ainda que a argúcia de Constant

lhe permitisse salientar que os ministros deveriam ser retirados do Parlamento, para que

houvesse um mecanismo de inteiração do governo com a opinião pública (CONSTANT,

1980:132). Sua concepção da Constituição Inglesa estava a meio caminho daquela de

Montesquieu – na qual o rei governava - e aquela do governo parlamentar – em que o governo

era exercido pelo ministério, apoiado pelo rei e pelo Parlamento. Entendendo-se por governo

parlamentar aquele no qual a escolha e a duração dos gabinetes depende da confiança do rei,

mas também do parlamento – sistema também conhecido como de dupla confiança, esse

governo jamais existiu na França durante o período em estudo (1815-1830), sendo inaugurado

apenas com a Monarquia de Julho. A publicística francesa da década de 1820 não falava em

governo parlamentar, muito menos em parlamentarismo; falava em governo constitucional

representativo, gênero cuja espécie por excelência era a monarquia constitucional, temperada

ou mista. Amparado na Carta, o príncipe estava livre para nomear quem bem entendesse,

independentemente do humor das câmaras; da mesma forma, a vida dos ministérios dependia

exclusivamente dele. Para Constant, a possibilidade de demissão ad nutum dos ministros pelo

Rei era indispensável para desarmar e remover o golpismo, sempre que sua ameaça se fizesse

presente. O que o Legislativo fazia era opor-se ao governo com tal tenacidade que, obstruindo

ou derrotando seus projetos, acabasse por convencê-lo da inutilidade de continuar pelejando e

da necessidade de conquistar a confiança parlamentar ou renunciar diante do príncipe. De

fato, aos poucos os ministros começaram a perceber que eles precisavam do apoio da maioria

dos deputados para governar – o que, repito, ainda estava longe de ser um regime parlamentar

ou parlamentarista (LAQUIEZE, 2002).

No que concerne ao Poder Legislativo, as atribuições do Poder Moderador

relacionava-se de forma diversa caso se tratasse da Câmara Alta ou da Câmara Baixa ou

poder representativo da opinião. Nesta última hipótese, o direito que tinha o Poder

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Moderador de dissolver excepcionalmente a Câmara Baixa decorria tanto da Constituição

Inglesa quanto da lembrança que Constant tinha das assembléias da Revolução,

invariavelmente arrastadas pelas minorias radicais. Além disso, a falta de limites à atividade

legislativa levava a um excesso de legislação, que aumentava a regulação da esfera privada e

cerceava a liberdade individual. Embora as assembléias constituíssem o único meio de injetar

vida no corpo político, urgia que o Rei pudesse eventualmente dissolvê-las; do contrário, elas

acabariam dominadas por “uma demagogia desenfreada e turbulenta” (CONSTANT,

1997:338). Essa era uma antiga aspiração dos liberais que, como os monarquianos, viam na

dissolução a garantia do equilíbrio entre os poderes, rompendo, assim, com a tradição da

representação/encarnação inscrita no modelo absolutista jacobino ou monárquico. O caso de

Luís XVI comprovara que o direito de veto legislativo não bastava para conter as facções

legislativas, sendo indispensável o direito de dissolução. E nisso nada havia de extraordinário

ou autoritário. Primeiro porque, conforme pensavam os estadunidenses, os representantes do

povo eram os que mais deveriam se sujeitar aos mecanismos moderadores (CONSTANT,

1980:340). Segundo porque, como haviam argumentado os monarquianos, a dissolução não

era um atentado ao povo, mas o meio democrático de que dispunha o chefe de Estado de

recorrer a ele para decidir em última instância, sempre que verificasse desinteligências entre

as câmaras e o governo; entre Legislativo e Executivo. A eleição parlamentar que se seguiria

à dissolução resolveria o confronto: reeleita pelo povo a maioria dos representantes, o Rei

demitiria os ministros; caso eles vencessem, continuariam no poder. Mas essa medida apenas

funcionava, lembrava Constant, quando as eleições fossem livres e honestas; caso contrário, o

sistema seria representativo somente no papel (CONSTANT, 1997:343).

Se Constant denominava o Executivo poder ministerial e a câmara baixa do

Legislativo, poder representativo da opinião, a Câmara Baixa era, por sua vez, reconhecida

como poder representativo da continuidade. Uma vez que a criação de uma Câmara dos Pares

pela Carta de 1814 era um fato consumado, embora sem muita convicção, Constant defendeu

o critério da hereditariedade ali consagrado para a sua composição, destacando o argumento

da câmara alta como ponto de equilíbrio de um governo misto, que recepcionara via

Montesquieu24.Em Da Hereditariedade do Pariato, Constant receava que o trono ainda não

24 “Ninguém combateu a hereditariedade mais vivamente do que eu (...). Mas, enfim, a república caiu. Desde então resolvi aplicar todas as faculdades do meu espírito para descobrir como seria possível conciliar monarquia e liberdade. Convenci-me de que a conciliação não era impossível e que com a neutralidade completa e formalmente reconhecida do poder régio, uma monarquia constitucional não se opunha a essa liberdade que convém particularmente aos tempos modernos. Uma vez persuadido a esse respeito, tive que também me resignar a todas as condições que a monarquia impõe. A de hereditariedade de uma classe, servindo de anteparo

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estivesse suficientemente seguro para poder dispensar instituições defensivas (CONSTANT,

1997:534). Ele duvidava que uma monarquia constitucional pudesse existir sem contar

politicamente com uma classe hereditária ao redor do trono, ainda que civilmente equiparada

ao restante dos cidadãos; do mesmo modo, receava que uma assembléia meramente vitalícia

fosse capaz de servir de contrapeso à força da câmara popular. Aos olhos do povo, a câmara

apenas vitalícia não passaria de uma assembléia de delegados do rei, ao passo que a

hereditariedade era uma garantia de real independência frente à monarquia e à democracia.

Nem por isso, reconhecia Constant, a Câmara Alta deixava de oferecer perigos - o primeiro

dos quais era que nela se formassem facções. Num órgão que não podia ser dissolvido e cujos

membros eram hereditários, essa ameaça só poderia ser conjurada caso, como na Inglaterra, o

Rei pudesse nomear quantos pares fossem necessários para garantir uma maioria ministerial.

Daí que Constant incluía essa atribuição entre aquelas próprias do Poder Moderador. A prática

se encarregaria de demonstrar o disfuncionamento da câmara hereditária, motivo pelo qual, já

em 1820, Constant passaria a criticá-la no Curso de Política Constitucional para defender sua

substituição por uma assembléia vitalícia (CONSTANT, 1861:311).

Por último, havia a relação do Poder Moderador com o Judiciário, que para garantir

os direitos dos jurisdicionados contra o arbítrio dos governantes carecia de prerrogativas

como independência e inamovibilidade. Para melhor assegurar sua imparcialidade, os juízes

togados deveriam ser nomeados pelo chefe do Estado que, enquanto árbitro dos árbitros,

haveria necessariamente de errar menos. Já o direito de graça, isto é, de criar exceções à regra

da coisa julgada no processo penal, era explicado pela necessidade de – para me valer da

expressão de Sieyès - um juízo de eqüidade natural: a lei, por seus caracteres genéricos, nunca

seria capaz de prever toda a latitude de comportamentos ou situações, podendo ser justa em

sua elaboração geral e abstrata, mas injusta na aplicação particular e concreta. Daí que a

discricionariedade deveria ser empregada para sanar os próprios erros judiciários e fazer

justiça: “Quanto mais uma lei é geral, mais ela se afasta das ações particulares sobre as quais

ela deve incidir. Uma lei não pode ser perfeitamente justa senão para uma única circunstância:

assim que ela se aplique a duas circunstâncias, que distinga a diferença mais leve, ela é mais

ou menos injusta num dos dois casos. Os fatos têm infinitas nuanças; as leis não podem seguir

todas as nuances. O dilema que trouxemos é, portanto, errôneo. A lei pode ser justa, como lei

geral, isto é, pode ser justa ao atribuir tal pena a tal ação e, no entanto, a lei pode não ser justa

em sua aplicação a um dado caso particular (…). O direito de agraciar não pode deixar de ser

à hereditariedade de uma família, me pareceu essencial” (CONSTANT, 1991:534).

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legalmente indefinível. O direito de agraciar nada mais é que a conciliação da lei geral com a

eqüidade particular” (CONSTANT, 1997:423). Era o mesmo argumento de Maquiavel e

Locke para justificar um poder discricionário regulado.

* * *

Publicada no começo da Restauração, a obra de Benjamin Constant obteve sucesso

internacional quase imediato e durante meio século seu Curso de Política Constitucional

tornou-se a bíblia do liberalismo continental. Por conseguinte, a teoria do poder régio ou

neutro difundiu-se entre todos aqueles que aspiravam a reduzir o poder do monarca. Na

França, por exemplo, o movimento de adesão foi praticamente instantâneo, de sorte que, já

em 1816, em sua obra A Monarquia Segundo a Carta,, o Visconde de Chateaubriand (1768-

1848) expunha uma concepção do papel constitucional do Rei praticamente idêntica à de

Constant:

“A doutrina sobre a prerrogativa régia constitucional é: que nada proceda

diretamente do rei nos atos do governo; que tudo seja obra do ministério, mesmo

o que se faça em nome do rei e com sua assinatura, projetos de lei, decretos,

escolha de homens. O rei, numa monarquia representativa, é uma divindade que

nada pode atingir: inviolável e sagrado, ela é ainda infalível; pois, se houver um

erro, esse erro é do ministro e não do rei. Assim, pode-se tudo examinar, sem ferir

a majestade real, pois tudo decorre de um ministério responsável”

(CHATEAUBRIAND, 1987:172).

Três anos depois, era o Conde de Lanjuinais, (1753-1827), antigo termidoriano, que

defendia a tese do papel do chefe de Estado como um poder neutro. Refutando a tese

reacionária de que o Rei fosse “mestre e senhor”, e recordando que o poder absoluto era

contrário à natureza, Lanjuinais frisava nas Constituições da Nação Francesa a natureza

moderadora da prerrogativa régia. “Para que haja uma liberdade regular, é necessária uma

autoridade mediadora diretiva, moderadora, neutra a certos aspectos, absoluta em outras

relações, enfim irresponsável, uma autoridade que previna ou termine toda luta perniciosa,

que propicie ou restabeleça a harmonia necessária entre as grandes autoridades. Eis o que

apenas o Rei pode fazer, propondo as leis, recusando ou concedendo sanção às resoluções das

duas câmaras, nomeando os pares, e criando novos pares; convocando, adiando, ou

dissolvendo as câmaras; usando de seu direito de agraciar e comutar as penas, nomeando e

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demitindo ministros; distribuindo, revogando as recompensas e os favores” (LANJUINAIS,

1832:219). Por sua vez, o constitucionalista mais importante da Monarquia de Julho,

Pellegrino Rossi (1787-1848), também explicava no a monarquia constitucional à luz da

teoria do Poder Moderador seu Curso de Direito Constitucional (ROSSI, 1877:225),

divergindo apenas acerca do grau de intervenção da Coroa nos negócios do governo.

No coração da doutrina de contenção do absolutismo, a teoria do poder neutro se

fixou como a interpretação liberal por excelência do papel do chefe de Estado na monarquia

constitucional. No entanto, a fragilidade do Estado de Direito na França fez com que o destino

dessa teoria do controle da constitucionalidade fosse ali diverso daquele que, nos Estados

Unidos, encontrava-se então em pleno florescimento. Na América do Norte, a idéia de

primazia do direito, relativizando o potencial explosivo da soberania, conseguira vencer as

resistências ao controle normativo da constitucionalidade, na forma do direito que tinha a

Suprema Corte de revisar judicialmente as leis e atos elaborados pelo Governo e pelo

Congresso. Na França, porém, era muito difícil enfrentar as resistências encarniçadas de

radicais de direita e de esquerda, que acenavam sedutoramente com a bandeira tradicional da

soberania absoluta. Não por acaso, todos os chefes de Estado que se sucederam no poder até

1875 – à exceção de Luís XVIII (1755-1824) - se recusaram a abrir mão da influência pessoal

no governo e sempre encontraram políticos que quisessem sustentá-los nessa posição; o que

colaborou para que o governo e a oposição recorressem alternativamente à salvação pública

para justificar a repressão pelo estado de sítio ou a legitimidade do direito de insurreição

(AGAMBEN, 2003:26).

Nesse meio tempo, os liberais de esquerda tiveram de enfrentar três versões

concorrentes quanto ao lugar do chefe de Estado. Conhecidas de Constant, duas delas

correspondiam às modalidades com que continuara a se apresentar a anacrônica soberania

absoluta. A primeira era a concepção ultramonárquica ou legitimista do poder, tributária do

Antigo Regime e que, atribuindo ao rei a soberania, reconhecia seu poder de governar e de

dissolver as câmaras em caso de crises, hipótese em que estaria autorizado a legislar por

decreto, ditatorialmente. Essa concepção foi combatida pela esquerda liberal na década de

1820 com a teoria do governo parlamentar, segundo a qual os governos extraiam sua

legitimidade não tanto da confiança da Coroa como do Parlamento. O segundo desafio veio da

vertente conservadora do liberalismo que, identificada com os chamados doutrinários,

acenava nas décadas de 1830 e 1840 com uma interpretação do governo parlamentar que, na

prática, aceitava o poder pessoal do monarca. Contra eles, a esquerda liberal aperfeiçoaria a

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teoria do governo parlamentar para sustentar que o rei reinava, mas não governava. A terceira

ameaça veio do discurso bonapartista, para quem o monarca plebiscitado governava

diretamente pela vontade do povo e só respondia diante dele, estando por isso acima das

demais instituições. Esse último desafio seria enfrentado na década de 1860, quando os

liberais substituíram as teorias do governo misto e da separação de poderes, que ainda

sustentavam o governo parlamentar, pelas da democracia e do parlamentarismo. Essas

mudanças na compreensão do paradigma legítimo de governo acompanharam o processo de

democratização que tinha lugar na Inglaterra, tendo direta repercussão no debate brasileiro,

como teremos a oportunidade de ver.

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Capítulo 2 – A recepção do discurso monarquiano e do conceito de Poder

Moderador no Brasil (1820-1824).

2.1. O reformismo ministerialista português. A conformação da sociedade brasileira à época da independência. - 2.2. A recepção das linguagens liberais pela a esquerda brasiliense e pela direita coimbrã. - 2.3. As três representações monarquianas do Poder Moderador durante a Constituinte. A ambivalência de sua institucionalização na Constituição do Império.

2.1. O reformismo ministerialista português. A conformação da sociedade brasileira à

época da independência.

Nesta seção, gostaria de esclarecer o quadro socioeconômico em que se deu o

primeiro processo de recepção das ideologias políticas modernas no Brasil. Uma vez que as

linguagens e seus conceitos possuem autonomia frente aos contextos em que surgiram, é

necessário remontar ao contexto europeu de sua elaboração para melhor compreender seu

modo de recepção na América Portuguesa e as alterações de significado por eles sofridas.

Recordo, em primeiro lugar, que a feudalidade européia se caracterizara como uma

ordem política fragmentária, dominada essencialmente pela nobreza rural. No contexto

daquilo que Marcel Gauchet denomina a “revolução política” do Renascimento (GAUCHET,

2003:229), a formação do Estado gradativamente golpeou a feudalidade. Sua capacidade de

regular burocraticamente as relações sociais levou a Coroa a assumir encargos crescentes

como mecenato, asilos de mendicidade, hospitais e abertura de estradas, colocando-a no

centro das expectativas de uma população dispersa entre inúmeras fidelidades locais e

incutindo-lhes uma identidade comum. Se, por um lado, a Coroa preparou o advento de uma

sociedade de mercado ao unificar e homogeneizar o território do reino, a extinção de institutos

feudais como os direitos de seqüência, a mão morta e a servidão pessoal vieram a confirmar

seu poder transformador num mundo até então impulsionado apenas pelo sopro da tradição

(TORRES, 1988:145). Com seus burocratas, financeiros e profissionais liberais, a nova

sociedade que surgia nas cidades por conta da ação do Estado destoava na divisão estamental

do Antigo Regime entre a nobreza e o povo. Marcada por uma aceleração do tempo histórico,

que se abria para indefinidamente para o futuro pelo “progresso de artes” (KOSELLECK,

2002:165), a expansão do comércio e da riqueza mobiliária tornaram anacrônicos os conceitos

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tradicionais relativos à sociabilidade, moralidade e política, e levando-os a serem substituídos

por conceitos políticos modernos de constituição, liberdade, representação, igualdade,

direitos, história. Por meio deles, as novas elites européias começaram a criticar o caráter

exclusivista e esotérico da ordem absolutista e estamental para reivindicar sua participação no

seu processo decisório, pleiteando um Estado respeitador da propriedade privada e da

iniciativa particular (KOSELLECK, 1999: 53,54).

Até então, apesar de suas clivagens culturais, a homogeneidade decorrente da

herança cristã e feudal conferira à Europa uma comum concepção tradicional do mundo, com

suas sociedades de ordens, o regime de servidão e o complexo sistema de tributos e

jurisdições. Entretanto, a aceleração do desmonte das estruturas medievais, o surgimento de

novas tecnologias políticas e econômicas, a urbanização daí decorrente e a expansão de seus

poderios militares, resultando num crescimento extraordinário da riqueza nacional bruta na

Grã-Bretanha e a França acentuaram demais a distância que havia entre esses países e o

restante do continente. A centralidade por eles adquirida na correlação internacional de forças

e a difusão do conceito de progresso nas artes exprimiam o desigual crescimento da Europa,

aumentando a sensação de vulnerabilidade e inferioridade em países como a Rússia, Prússia,

Nápoles, Espanha e Portugal. Por isso, a adoção de medidas que, corrigindo aquela rota de

estagnação ou decadência, modernizassem suas estruturas econômicas e sociais, tornou-se

uma verdadeira razão de Estado dessas monarquias. Tendo o exemplo da Prússia diante de si,

setores importantes da administração portuguesa e espanhola aderiram ao discurso do

despotismo ilustrado e conclamaram o Estado para que, abandonando a rotina, racionalizasse

o aparato administrativo pela centralização e reduzisse o atraso do reino (BLUCHE, 1969).

Em Portugal, o Marquês de Pombal estava persuadido de que “era essencial entender as

origens da superioridade comercial e militar da Grã-Bretanha e da fraqueza econômica e

política e da dependência militar de Portugal”, e que o “papel central do Estado era promover

o bem-estar econômico e criar modelos de sua interpretação da experiência dos países

europeus mais desenvolvidos” (MAXWELL, 1997:6 e 16). Para unificar a sociedade e melhor

dirigi-la, porém, era preciso fortalecer a Coroa, reduzir a autonomia dos estamentos e atrair

estrangeiros que ensinassem novas técnicas de belas artes, tecnologia militar, economia

política e administração pública.

Nesse ponto, deve ser considerada a estratificação social da América Portuguesa.

Embora a sociedade brasileira tenha se estruturado conforme as regras do Antigo Regime

português, nem por isso ela pôde reproduzi-las fielmente, dada a lógica monocultora,

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latifundiária e escravista que a caracterizara desde os começos da colonização e que, por isso,

impusera “a adequação de instrumentos arcaizantes de controle político” (JANCSO, 2002:5).

Antes de tudo, é preciso comparar a aristocracia rural brasileira com a nobreza de

espada européia para demonstrar que, do ponto de vista social ou factual, os fazendeiros e

senhores de engenho constituíam a nobreza territorial do Antigo Regime brasileiro. Em seus

engenhos e fazendas, os senhores rurais viviam em conformidade com a lei da nobreza,

rodeados de escravos, criados e dependentes, fazendo-se transportar de carruagem e evitando

o trabalho manual. Esses fatos são confirmados pelos cronistas do período colonial. Assim,

anotava o jesuíta André João Antonil (1649-1716), em Cultura e Opulência do Brasil por

suas Drogas e Minas, que, no norte do país, “o ser senhor de engenho é título a que muitos

aspiram, porque traz consigo o ser servido, obedecido e respeitado de muitos. E (...) bem se

pode estimar no Brasil o ser senhor de engenho, quanto proporcionadamente se estimam os

títulos entre os fidalgos do Reino” (ANTONIL, 2001). Cento e cinqüenta anos depois, diria o

mesmo dos fazendeiros do sul o botânico francês Auguste de Saint-Hilaire (1779-1853) nas

suas Viagens pelas Províncias do Rio de Janeiro e de Minas Gerais: “A posse de um engenho

confere aos lavradores dos arredores do Rio uma espécie de nobreza. Só se fala em

consideração de um senhor de engenho, e vir a sê-lo é a ambição de todos” (SAINT-

HILAIRE, 1975:38). O comerciante e professor de grego português Luís dos Santos Vilhena,

na Recopilação de Notícias Soteropolitanas e Brasílicas, de 1798, registrava que, “soberbos

de ordinário e tão pagos de sua glória vã, que julgam nada se pode comparar com eles”, os

senhores de engenho completavam sua nobreza fática desvendando ou inventando uma

genealogia extensa (VILHENA, 1922:187). O desejo de ascensão nobiliárquica, acalentado

por plebeus e fidalgos alheados pelo direito de primogenitura da renda da terra, encontrava na

América maior possibilidade de se concretizar do que na Europa. Haja vista que qualquer

proprietário de escravos ou índios podia viver sem recorrer ao trabalho manual no Brasil, a

colonização, segundo Oliveira Viana, lhes abria “um campo imenso e ilimitado para a

reconstituição da sua condição de nobreza e fidalguia (status) e do lustre dos seus costados

aristocráticos” (VIANA, 1958:112).

Além dessa identidade social com a nobreza européia, a elite rural brasileira era em

grande medida reconhecida pela legislação do Antigo Regime. É certo que, constituindo uma

aristocracia de riqueza e de poder que exerceu vários dos papéis da nobreza portuguesa, os

senhores de terra brasileiros não conseguiram se transformar num estamento hereditário à

semelhança daquela. Mas isso não quer dizer que a Coroa não outorgava outras mercês de

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caráter nobiliárquico. Além da nobreza natural, hereditária, titulada, a legislação portuguesa

previa a chamada nobreza política, que, segundo um jurista da época, “se consegue por graça

e mercê dos reis que a dão aos que a merecem; com que ficam aqueles a quem é concedida

nobres e isentos de tributos e de outras sujeições comuns” (In: SILVA, 2005:17). A realeza

foi pródiga na distribuição de tais prebendas no Brasil, onde foram possuídas por oito por

cento da população masculina livre na colônia. Esse percentual prova que os ricos brasileiros

quase sempre formalizavam sua nobreza de fato, gravando as grandes propriedades como

morgados, recebendo foros de fidalguia, hábitos de ordens militares, nomeações para cargos

camarários ou postos de oficialidade (SCHWARTZ, 1988:230). Ao exercer sua soberania real

pela coação, pela vereança ou pela magistratura, os senhores brasileiros eram reconhecidos

pela sociedade e pelo governo como a nobreza da terra, composta por “aqueles que, por

oposição ao grupo mercantil, assentavam-se em sesmarias recebidas, destinadas a engenhos

ou fazendas de criatório, e no número de escravos possuídos os esteios de seu prestígio

social” (SILVA, 2005:131). Por tudo isso, ao caracterizarem sociologicamente a sociedade

brasileira pelo ascendente do latifúndio sobre o conjunto da vida social, a expressão

feudalismo foi empregada por autores tão diversos como o Visconde de Uruguai, Joaquim

Nabuco, André Rebouças, Oliveira Viana, Gilberto Freire e Nestor Duarte25.

Essa feudalidade social e espacial que caracterizava a sociedade colonial brasileira

apresentava, todavia, uma diferença fundamental em relação à européia – sua dimensão

econômica. Como a lógica colonial da expansão marítima dos séculos XV e XVI fora guiada

também pela busca do lucro, por meio da extração ou da produção de artigos tropicais, as

bases econômicas sobre as quais repousava a riqueza da aristocracia rural brasileira pouco

tinham de semelhantes com as da nobreza portuguesa metropolitana e tradicional. Do ponto

de vista econômico, a lavoura era um negócio. Essa natureza negocial era da lógica da

colonização portuguesa, que organizava os novos territórios ultramarinos de forma a integrá-

los à economia européia como fornecedores de mercadorias de alto valor, como algodão,

fumo e açúcar (SCHWARTZ, 1988:177). Neste sentido, o colono que vinha se fixar no Brasil

identificava-se com a figura do empresário, do homem de negócios; ambicionando “a riqueza

25 Os principais caracteres da feudalidade, sociologicamente considerada, são: primeiro, uma sociedade extremamente hierarquizada, formada por vínculos de dependência homem a homem, com uma classe de guerreiros especializados ocupando os escalões superiores dessa hierarquia; segundo, um fracionamento extremado do direito de propriedade; uma hierarquia de direitos sobre a terra, nascidos desse fracionamento, hierarquia esta correspondendo, em grande medida, à hierarquia de vínculos de dependência pessoal a que se referiu acima; um parcelamento do poder público que cria, dentro de cada região, uma hierarquia de instâncias autônomas e exercendo, em seu proprio interesse, poderes normalmente atribuídos ao Estado (GANSHOF, 1982:9).

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e a importância que podiam advir do fato de ser dono e explorador de vastas extensões de

terra” (CANNABRAVA, 1985: 201). Podemos concluir, portanto, que a aristocracia brasileira

era ao mesmo tempo nobiliárquica no etos político e civil, mas capitalista na atividade

econômica. Para além das intermináveis controvérsias históricas ou sociológicas que

opuseram ambas as perspectivas como reciprocamente excludentes, esta é uma posição

conciliadora presente já na Introdução à História da Economia Pré-Capitalista do Brasil; aí,

Oliveira Viana já destacava que, “apesar de sua origem e formação mercantilista”, a

“burguesia do dinheiro” brasileira assimilava rapidamente os hábitos “da velha nobreza dos

senhores territoriais” (VIANA, 1958:52). Este posicionamento foi reiterado recentemente por

João Fragoso e Manoel Florentino, para quem o comércio e a acumulação de capital não eram

percebidos como um fim em si pelos comerciantes de grosso trato, e sim como um meio que

lhes permitiria adquirir terras e viver como grandes senhores, o que lhes traria o

reconhecimento nobiliárquico (FRAGOSO & FLORENTINO, 1998: 107). Daí a acuidade

com que também Florestan Fernandes se referiu a um “paralelismo econômico estrutural, tão

orgânico e profundo quanto persistente”, que levava o senhor agrário a projetar seu etos

estamental e patrimonial em todas as atividades que desempenhava, seja como morador,

proprietário ou capitalista (FERNANDES, 2006: 104). O modo capitalista com que a elite

rural brasileira conduzia seus negócios, por meio de cálculos de perdas e ganhos, conciliava-

se dessa maneira sem maiores atritos com seu etos aristocrático - mesmo porque era o meio de

sua obtenção e manutenção.

No que se refere ao chamado Terceiro Estado, ainda mais se acentuavam as

diferenças entre o Antigo Regime português e brasileiro. Na Europa, o povo era formado nas

cidades pelos comerciantes e artesãos, organizados em guildas e corporações; e, no campo,

pelos servos e camponeses livres. No Brasil, todavia, o sistema escravista se generalizou a

ponto de ocupar o cerne de sua vida social na cidade, minando drasticamente o

reconhecimento jurídico do povo. As demais colônias da América Ibérica também haviam

recebido e admitido o trabalho escravo, mas não nas proporções avassaladoras e sistemáticas

com que este acabou adquirindo no Brasil26. Embora compusesse uma enorme parcela dos

habitantes do Brasil - na Bahia, cerca de 70 % (SCHWARTZ, 1988:289) -, os escravos não

26 Em 1819, a população escrava brasileira chegava a 38 % dos habitantes do Brasil, ao passo que a Argentina, por exemplo, cerca de 20 anos antes, apresentava taxas que variavam em torno de 29 % em Córdoba, 25 % em Buenos Aires, 20 % em Salta e apenas 1 % em Corrientes. Ao passo que os novos países da América Espanhola encaminharam seus processos de abolição da escravidão ainda no início daquele século, no Brasil, ao contrário, o boom cafeeiro provocou a intensificação do tráfico negreiro, que se extinguiria apenas em 1850 (FAUSTO & DEVOTO, 2004:42/43).

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tinham direitos civis, ao passo que a população pobre e livre não tinha inserção

socioeconômica. Uma vez que o trabalho manual era exercido preferencialmente pelos

escravos, os pobres livres viviam sem fixidez, errantes, sobrevivendo nas rebarbas do sistema

escravocrata como agregados, vendeiros ou capangas das fazendas, absolutamente

dependentes do senhor (FRANCO, 1997:112/113). Nas cidades, os artesãos e proletários

sofriam a concorrência da multidão de escravos que se dedicava às mesmas atividades,

depreciando o valor dos salários, rebaixando seu status e tornando-os irrelevantes enquanto

segmento social (SCHWARTZ, 1988:264). O trabalho manual ficou assim estigmatizado:

Vilhena explicava que, como eram os negros escravos que cuidavam de “todas as obras servis

e mecânicas, poucos são os mulatos e raros brancos que nelas se querem empregar, sem

excetuar aqueles mesmos indigentes que em Portugal nunca passaram de criados de servir, de

moços de tábua e cavadores de enxada” (VILHENA, 1922:140). Por fim, a ruralização da

sociedade com o boom da cana, no século dezessete, deslocou quase todos os artífices para os

engenhos de açúcar, onde se isolaram uns dos outros enquanto categoria profissional e se

tornaram assalariados do senhor (MELLO, 2000:83). Sob o império da exportação de

produtos tropicais, a menor importância do mercado interno ligou o alto comércio urbano à

aristocracia rural, tornando-o parte da engrenagem nobiliárquica.

As diferenças de estrutura social também eram bastante significativas no campo,

onde se achava noventa por cento da população. Na Europa ocidental, o campensinato se

dividia em livres e servis, sendo que muitos dos primeiros dispunham de terras próprias ou

comunais, agrupando-se em comunidades agrárias como os pueblos espanhóis e as villages

francesas (VIANA, 1974:89; LADURIE, 1997: 28). Quanto aos servos, embora a servidão

rural se assemelhasse à escravidão, ela era menos nociva ao trabalhador do campo do que a

escravidão. Posto que o servo estivesse adstrito à gleba, cultivando o solo sob a autoridade de

um senhor, o pacto feudal impunha deveres recíprocos, ainda que desiguais: em troca da

fidelidade e do trabalho do servo, o senhor tinha de protegê-lo e dele cuidar. Os servos

também tinham o direito de transmitir seus bens aos filhos e o de eventualmente vendê-los; o

de não ser agredido e o de cultivar a terra com a família. Além disso, a servidão persistia

muito atenuada desde que começara a erodir no século XIII. Na França, por exemplo, Luís

XVI aboliu o direito de seqüência e a mão morta e a servidão pessoal nos domínios,

substituindo-a por um censo (GALLET, 1996: 1.160/1.163). A Revolução decretou o fim de

todos os vestígios de servidão, medida que foi adotada nos anos seguintes pelo despotismo

ilustrado da Áustria e da Prússia. Em Portugal, propriamente, as relações servis haviam

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sempre sido bastante tênues. No Brasil, porém, a supremacia da escravidão e a ausência de

uma normatização feudal sobre a terra prejudicavam a formação de um campesinato livre e

impediam a conversão do escravo em servo. Não havendo terras comunais, sem posses e

expulsos das suas pelos grandes proprietários rurais, os camponeses brasileiros a eles se

submetiam para conseguir uma plantação de subsistência (FRANCO, 1997:65).

No que toca aos escravos, eles não eram, como os servos, vassalos da mesma

comunidade que trabalhavam num regime de dependência, mas coisas, “máquinas de

trabalho”. O escravo não era juridicamente reconhecido como integrante da comunidade, mas

como uma propriedade estrangeira, porque africana, sobre o qual o senhor tinha direito

potestativo. Eram de eficácia muito limitada os poucos direitos que a lei lhe reconhecia –

como o de casar e não ser separado da mulher –, porque eram impostos unilateralmente pelo

Estado sobre o vácuo de costumes sociais dos sertões da colônia e limitados pelo direito de

propriedade do senhor (SCHWARTZ, 1988:124). O maior problema era mesmo a precária

capilaridade do Estado devido ao colossal território brasileiro. Mal alojados, mal alimentados

e mal vestidos, o índice de mortalidade dos cativos no campo era três vezes maior que o da

população livre, o que tornava a lavoura visceralmente dependente do tráfico negreiro. Além

disso, os escravos eram queimados ou chamuscados com cera quente, marcados na face ou no

peito, torturados com ferros em brasa, decepados orelhas ou nariz, abusados sexualmente

(SCHWARTZ, 1988:289 e 123). Além disso, libertado por determinação legal ou carta de

alforria, o ex-escravo já começava sua vida civil estigmatizado pela cor. Ao se referir ao

“bárbaro, cruel e inaudito modo como a maior parte dos senhores tratam os seus desgraçados

escravos de trabalho”, concluía o próprio Vilhena, aterrado: “Eu duvido que os mouros sejam

assim cruéis com seus escravos” (VILHENA, 1922; 188).

Do ponto de vista político, a população brasileira era mantida numa situação de

apoliticidade espantosa mesmo para os padrões do Antigo Regime. Nenhuma instituição

representativa foi inicialmente permitida na colônia, que por sua vez jamais enviou

representantes às Cortes; da mesma forma, e as tradições medievais de representação dos

artesãos no governo municipal nunca foram inteiramente instituídas mo Brasil. Além disso,

obras de teoria política eram praticamente desconhecidas: como reconhecia John Armitage em

1835, na sua História do Brasil, “as histórias da Grécia e Roma, o Contrato Social de

Rousseau e alguns poucos volumes dos escritos de Voltaire e de Guillaume-Thomas Raynal,

abade homônimo (1712-1796), que haviam escapado à vigilância das autoridades, formavam

as únicas fontes de instrução” (ARMITAGE, 1981:30). No que toca à identidade política da

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população, na medida em que um terço da população era composta de negros escravos, e

outros dois quintos, de mestiços, era a própria nobreza da terra, fazendeira ou comerciante,

julgava constituir o povo da América Portuguesa. “O conceito de ‘povo’, enquanto Terceiro

Estado na sociedade de ordens e na base de toda a sociedade, não chegou a se estabelecer na

colônia. As referências falam de ‘pessoas de menor condição’, ‘moradores’, ‘habitantes’ e

‘povoadores’, mas a idéia de um ‘povo’, orgânica e constitucionalmente vinculado ao corpo

da política e ao rei estava, em larga medida, ausente” (SCHWARTZ, 2000:112/120). Daí que,

de Salvador da Bahia, Luís dos Santos Vilhena escrevia em 1798 que “todo o povo, à exceção

de alguns lavradores aparatosos, como os senhores de engenho, é uma congregação de pobres;

pois que, além de serem muito poucas as artes mecânicas e fábricas em que possam empregar-

se, nelas mesmas o não fazem pelo ócio que professam; e a conseqüência que daqui pode

tirar-se, é que infalivelmente hão de ser pobríssimos” (VILHENA, 1922: 927). Resumindo:

se, por um lado, o Brasil carecia daquela nova sociedade que, ligada às profissões liberais, ao

comércio e à indústria, reivindicava na França e na Inglaterra um governo constitucional

representativo contra os privilégios da nobreza de espada ou de toga; por outro, ele possuía de

forma muito imperfeita a velha sociedade de ordens do Antigo Regime. O que havia aqui não

era politicamente percebido como aquilo que, na Europa, era considerado povo; este atributo

era, ao contrário, identificado apenas à diminuta fração branca, livre e proprietária.

Esses fatos foram prenhes de conseqüências ideológicas para a Nação brasileira. No

quadro da independência, dada sua condição de país novo, sem tradições políticas arraigadas,

a modernidade estava fatalmente inscrita em seus destinos. Responsável pela elaboração do

despotismo ilustrado espanhol e português, russo e austríaco, napolitano e prussiano, o

sentimento do atraso ou de periferia deveria ser ainda mais forte na América; de forma que o

lugar “moderno” de onde vinham as idéias – França, Inglaterra ou Estados Unidos; ou “a

Europa” - desempenharia um papel primordial de legitimação política de discursos ou

instituições nas novas nações da América Ibérica durante todo o século dezenove. Como dizia

um deputado brasileiro na década de 1820 em pleno plenário da Câmara, era preciso tomar

por modelos “as diversas legislações dos povos civilizados e mais instruídos do que nós”

(VASCONCELOS, 1999: 40). No entanto, na medida em que os discursos e os conceitos não

atravessam fronteiras ou oceanos juntamente com seus contextos de origem, os atores e

autores que os recepcionam necessariamente os reinterpretam à luz da sua experiência, de sua

posição social e da conformação cultural de suas sociedades. No caso específico do Brasil de

1820, os únicos segmentos sociais relevantes em condição de organização e, por conseguinte,

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de recepcionar aqueles discursos e conceitos, eram a grande agricultura exportadora, formada

pela aristocracia rural e pelo alto comércio urbano, e a burocracia do Estado imperial, cujo

núcleo duro era composto de magistrados. Por isso, não se confere aqui idêntica atenção aos

grupos urbanos radicais, compostos de pequenos comerciantes, profissionais liberais e

empregados dos anos da independência ou do começo da Regência na forma de um partido

exaltado. A despeito de suas manifestações nas primeiras metades das décadas de 1820 e

1830, o radicalismo democrático das camadas populares não constituiu uma força estável ao

longo do período imperial, nem como movimento social, nem como movimento político.

Nunca teve representação parlamentar significativa e, salvo os espasmos da Praieira (1848) ou

da Revolta do Vintém (1881), desapareceu depois de 1834 para só emergir no começo da

república com o chamado jacobinismo (1892-1898). Essa debilidade do radicalismo se

explica em parte pelo caráter maciçamente agrário da sociedade brasileira e, por conseguinte,

pela absoluta inexpressão das cidades até a década de 1870 - bem o oposto do pequeno

Portugal urbanizado e comerciante que, por isso mesmo, viveu quase todo o século dezenove

à mercê das ações radicais do populacho lisboeta (BONIFÁCIO, 2007). As cidades brasileiras

só começarão a impor uma vida política moderna face à tradição do campo na década de

1920, quando o percentual da população urbana nacional ultrapassou a margem dos 17 %.

Mesmo assim, só em 1960 ele seria superior ao da população rural (BRITO, 2006).

Não quero dizer, com isso, que todo o discurso liberal e/ou democrático, produzido

no período, exprimisse um anseio da aristocracia rural; nem que não houvesse quem aspirasse

por um regime sinceramente liberal e/ou democrático, isto é, com preponderância da opinião

pública das cidades. Também não nego que surgiu um espaço público depois da Revolução do

Porto, e que ele se ampliou gradativamente no correr do século, alcançando maior visibilidade

na década de 1880. Mas, como o peso dos segmentos urbanos continuava muito baixo em

termos eleitorais, já que pouca gente habitava as cidades e tinha o direito de voto,

especialmente depois de 1881, a força dos órgãos representativos dos advogados, médicos,

jornalistas, poetas ou professores, ou seja, da “sociedade civil”, ou “opinião pública”

propriamente dita, deve ser relativizada, por mais barulho que tenha feito. Assim como o

conservadorismo não era privativo da lavoura, o liberalismo não era privativo dos

profissionais liberais; por isso, as idéias brandidas pelos setores intermediários só adquiriram

importância política quando suas críticas ao modelo político aproveitavam às pretensões da

lavoura, servindo de cortina de fumaça para seus propósitos oligárquicos. Este é um fato que

uns poucos iluminados, como Joaquim Nabuco, perceberam antes de 1889. Na medida em

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que a lavoura se valia do mesmíssimo discurso liberal “moderno”, as campanhas políticas

promovidas pelos profissionais liberais urbanos com vistas à descentralização, ao

parlamentarismo ou à república serviram principalmente para ocultar as pretensões

oligárquicas da lavoura com um verniz de “aspiração popular”, “opinião pública” ou “vontade

nacional” e favorecê-las na sua luta contra o Estado nacional. Do mesmo modo, as pretensões

abolicionistas dos setores urbanos só adquiriam eco na arena política quando foram

encampadas pela Coroa – fato que, por desairoso, sempre fizeram questão de negar os

representantes mais intransigentes da “opinião pública”, como Rui Barbosa (LYNCH,

2008)27.

Antes de 1837 e depois de 1868, portanto, a verdadeira adversária do Estado

monárquico centralizado foi, portanto, a aristocracia rural, em cujas terras estavam noventa

por cento da população brasileira e percentual equivalente da riqueza nacional. Nesse ponto, é

preciso entender as razões que a levaram a apoiar o liberalismo, na condição social

aparentemente incompatível de “nobreza da terra”. Para tanto, tenho que recuperar a metáfora

dessa classe como um Janus bifronte: por um lado, a face política da grande lavoura, voltada

para dentro do Brasil, tinha natureza nobiliárquica ou estamental de fato, quando não de

direito; por outro, sua face voltada para fora, para a Europa, a levava a identificar-se, por

conta da natureza empresarial de suas atividades, com as demandas daquela nova sociedade

emergente, contrária ao intervencionismo político e econômico. Assim, diante dos altos

burocratas brasileiros, vistos como uma “aristocracia fantástica”, o riquíssimo latifundiário

Nicolau Vergueiro se definiria como um “cidadão raso” 28. Entretanto, quando a elite rural

brasileira tinha de se dirigir, não à Coroa, mas aos segmentos excluídos ou dependentes do

Terceiro Estado ou da sociedade, ela deixava de se ver como nova sociedade, burguesia ou

classe média européia, para assumir novamente sua condição aristocrática ou estamental.

27 Essa ilusão de ótica, que toma a vitalidade dos movimentos intelectuais como proporcionais à força política efetiva dos que o lideram, tem produzido trabalhos que induzem o leitor a crer que a abdicação de Pedro I resultou de uma demanda popular refletida nos artigos de Evaristo da Veiga na Aurora Fluminense ou de Ezequiel Correia dos Santos na Nova Luz Brasileira; ou que a monarquia caiu por causa das charges da Revista Ilustrada, ou dos editoriais de outros jornalistas, republicanos, positivistas ou evolucionistas, que teriam minado junto ao “povo” a confiança no regime. Esses historiadores esquecem de se perguntar por que, numa perspectiva mais alongada, as críticas desses mesmíssimos setores às oligarquias rurais, depois de 1889, levariam mais quarenta anos até conseguir derrubá-las do poder. Já numa perspectiva comparada, não se perguntam por que as outras gerações de 1870 foram incapazes de pôr abaixo a monarquia em Portugal, na Espanha ou na Itália. 28 Conforme percebido por outro autor, “a ‘classe popular’, definida por Vergueiro, representava na realidade social da Província de São Paulo uma elite e uma minoria possuidora de fortunas e participante do processo político. As ‘classes privilegiadas’, expressão empregada no plural, associava-se, através de uma linguagem ilusória, às lexias de ‘povo’ e ‘todos os cidadãos’, mas, conforme a realidade, representava os homens livres (cidadãos brasileiros), pertencentes às facções políticas da burguesia mercantil da província” (CONTIER, 1979:175).

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Neste caso, a adesão do aristocrata cidadão à ordem política imperial dependia tanto da parte

que a monarquia lhe concederia na direção do Estado, como do compromisso por ela

assumido de não tocar na grande propriedade rural; nem a nada a ela relacionado, como o

tráfico negreiro, a mão-de-obra escrava, seu acesso aos cargos políticos locais e seu domínio

pessoal sobre os habitantes livres de suas regiões.

Numa palavra, era preciso circunscrever o ideário de liberdade e igualdade política

ao espaço senhorial. Era o que defendia Diogo Antônio Feijó (1784-1846), fazendeiro de

tendência republicana que chegou a Regente do Império. Feijó atribuía o “sentimento de

igualdade profundamente arraigado no coração dos brasileiros” ao fato de que a escravidão

lhes incutira no espírito, enquanto senhores, um “caráter já de independência e soberania que

o observador descobre no homem livre, seja qual for o seu estado, profissão ou fortuna”. E

concluía: “Quando ele percebe desprezo ou ultraje da parte de um risco ou poderoso

desenvolve-se imediatamente o sentimento de igualdade; e se ele não profere, concebe ao

menos no momento este grande argumento: Não sou seu escravo” (FEIJÓ, 1999:136). Ou

seja, a virtude pública da liberdade e da cidadania surgia da opressão no âmbito privado.

Também presente no republicanismo norte-americano, este era um pathos de liberdade que

reivindicava para o senhor o direito de ser juiz de seus escravos ou dependentes, sem

interferências externas (LOSURDO, 2006:138). Embora as diversas insurreições da

aristocracia rural contra o governo imperial, no século dezenove, tenham sido vazadas no

discurso liberal-democrático para lhes dar ares de revolução, do ponto de vista da composição

social de suas lideranças, elas se assemelhavam antes às frondas do século dezessete. Caso

típico foi a Revolução Pernambucana de 1817, que contou com a participação ativa da

nobreza rural do centro e do norte da capitania. Evaldo Cabral afirma não havia naquela

província “aristocracia local, no sentido jurídico da palavra, encarnada em títulos de nobreza,

a ser combatida em nome de um Terceiro Estado que englobava quase todo mundo, à exceção

dos escravos. É certo que, como observava Muniz Tavares, ‘três ou quatro casas (isto é,

famílias) em vão aspiravam à homenagem por velha tradição’, mas, aduza-se, seus varões

estavam certamente ao lado da revolução, como o morgado do Cabo, os Cavalcanti de

Albuquerque ou os Carneiro da Cunha” (MELLO, 2002:178). Os morgados, como se sabe,

eram feudos; no entanto, os senhores feudais, os aristocratas pequenos e grandes do país,

adotavam freqüentemente no século dezenove o discurso do liberalismo radical e forneciam

até mesmo deputados exaltados ou revolucionários às legislaturas imperiais29.

29 As memórias publicadas pelo político e historiador José Maria Belo em 1958 são muito elucidativas a este

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Esse aparente paradoxo entre a condição aristocrática da elite agrária e sua

identificação com a ideologia liberal democrática se explica pelo monopólio que ela pretendia

exercer sobre o conceito de povo ou de nação, cuidadosamente manejado nos dois sentidos

admitidos em latim. O conceito era empregado no sentido de populus quando se tratava de

concitar a Coroa a se comportar conforme os interesses ou aspirações da Nação, ou seja, da

lavoura. Assim, por exemplo, na década de 1880, o chefe da aristocracia rural fluminense,

Paulino José Soares de Sousa Filho (1834-1901), justificaria sua oposição ao abolicionismo

com o argumento de que ele não refletia “o sentimento nacional”, que era escravocrata (ACD,

25/10/1884). Pelo mesmo motivo, um ministro de Estado que resistisse ao abolicionismo e

ampliasse as linhas de crédito facilitado aos agricultores revelava ser “um ministro da Nação”

– e não mais um político que vivia “só nas alturas”, isto é, em torno da Coroa (ACA, 1878:

205). As revoltas contra o “opressor” e “tirano” governo imperial, como a acima referida,

deixavam melhor transparecer essa operação que, no Império, atribuía ao signo Nação o

significado de aristocracia rural e dava, assim, seguimento àquela que associava o povo da

colônia à nobreza da terra no Antigo Regime. Nesses casos, o povo rebelado era qualificado

como “ilustrado” “bravo” e “virtuoso” (In: PESSOA, 1973:18/20), reunindo o que a “flor da

sociedade brasileira” possuía “de mais honroso e eminente em ilustração, em moralidade e

riqueza” (INHOMIRIM, 1956:82).

No entanto, quando se tratava de aludir à baixa burguesia ou aos pobres, livres ou

escravos, o conceito de povo era manejado no sentido de plebs, ou seja, de escória. As

revoltas campesinas contra o monopólio agrário da aristocracia rural – o populus – eram

descritas pelo mesmo cronista anterior como o “desencadeamento das paixões, dos instintos

grosseiros da escória da população; (...) a luta da barbaridade contra os princípios regulares,

as conveniências e as necessidades da civilização” (INHOMIRIM, 1956:82). Por isso, eram

apenas cidadãos brasileiros aqueles que pertencessem ou orbitassem a burocracia do Estado

ou a aristocracia rural, como o alto comércio, o jornalismo, a advocacia, o magistério. A

revolta do setor produtivo contra a opressão do poder de cima estava diretamente ligada à sua

respeito e comprovam a persistência do etos aristocrático, um século ainda depois do período em tela. Na qualidade de “filho, neto, bisneto, trineto, pentaneto de senhor de engenho”, Belo lembra que, por mais decadentes que estivessem na sua infância, os aristocratas rurais continuavam “extremamente ciosos de sua progênie de ‘fidalgotes’ e muito sensíveis em certos ‘pontos de honra’”. Embora as casas grandes já padecessem de certo desconforto, os senhores faziam ostentação dos “custosos cavalos de sela, dos selins ingleses, das botas de verniz, dos arreios de prata, dos pajens”. A despeito do desregramento moral decorrente da escravidão, acrescenta Belo: “Salvou os ‘aristocratas’ da cana-de-açúcar o forte sentimento da honra pessoal e da dignidade da casta. Do seu meio saiu no Império e na República a maior parte das elites dirigentes do país (...), imbuídos de cultura jurídica, de fundo romântico, da época, e em Pernambuco, especialmente, de espírito liberal; não raras vezes inclinados ao radicalismo revolucionário” (BELO, 1958: 11/13).

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aspiração de, emancipado, ter plena liberdade de explorar a mão-de-obra pobre ou escrava,

isto é, o poder de baixo, tendo em vista seus interesses econômicos. Como se percebe, a

democracia liberal a que aspirava a lavoura contra o trono era a uma típica democracia para o

povo dos senhores (LOSURDO, 2006:137). Não por acaso, de passagem pelo Rio de Janeiro

em 1846, um jovem e talentoso político do Rio da Prata, Domingo Faustino Sarmiento (1811-

1888), relatava grande dificuldade de aí encontrar o cidadão brasileiro meio à multidão de

escravos e estrangeiros:

“No Rio de Janeiro, procurei em vão o brasileiro, sem poder encontrá-lo senão por

raras amostras que me fizeram desconfiar que deve existir em alguma parte. O

brasileiro de origem é nobre, embora às vezes mulato, condecorado com cruzes de

diamantes, ministro, aduaneiro, empregado ou fazendeiro, em cuja função tem a

ver com o português (...). É o sonho dourado do moderno Império, que se

envaidece de ter como Roma sete colinas na capital, escravos que lavram a terra

como antigamente e a missão de dominar a América com suas esquadras, sua

diplomacia e seu comércio” (SARMIENTO, 1983: 108/109).

2.2.. A recepção das linguagens liberais pela a esquerda brasiliense e pela direita

coimbrã.

Ao contrário da América Espanhola, a legislação portuguesa impediu a introdução de

tipografias em território brasileiro até 1808. Não havendo jornais em circulação, o mercado de

impressos se contentava com literatura importada, legalmente ou não. Portugal também evitou

criar cursos superiores nos territórios ultramarinos, restringindo o saber às parcas escolas

mantidas por religiosos nas bibliotecas conventuais. Para cursar estudos superiores, os filhos

da elite brasileira eram obrigados a se deslocar até Coimbra, onde adquiriam os valores

metropolitanos e se integravam à administração do Império Português. A chegada da Corte

bragantina ao Rio de Janeiro provocou alterações significativas na estreiteza do debate

político, ainda que modestas: além de acabar com o monopólio comercial português e com a

proibição das atividades manufatureiras, o governo metropolitano trouxe uma tipografia e

fundou faculdades de medicina e de engenharia. A despeito da censura política e eclesiástica,

cerca de mil e cem impressos saíram do prelo até 1822. A grande referência do período foi o

jornal de Hipólito José da Costa (1774-1823), o Correio Brasiliense ou Armazém Literário.

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Publicado entre 1808 a 1823 em Londres, onde Hipólito se refugiara da perseguição das

autoridades policiais portuguesas, o jornal que tinha ampla circulação no Brasil. Das páginas

de seu periódico circularam pela primeira vez artigos defendendo a liberdade de imprensa e a

exigência de reformar a monarquia à inglesa. A liberdade “de escrever e de imprimir” era

qualificada por Hipólito como “a liberdade de falar ou comunicar os pensamentos dos

homens, o que é de direito natural, e somente proibido pelos governos, que têm razão para

temer que as suas ações sejam examinadas”. Sem essa liberdade de “falar e escrever”,

ajuntava, “a nação não prospera, porque os dons e vantagens da natureza são poucos para

reparar os erros do governo e porque se alguém descobre o remédio ao mal, não lhe é

permitido indicá-lo”. Hipólito estava preocupado com os meios de viabilizar um governo

liberal no Brasil, onde não havia sequer, como em Portugal, a lembrança de uma constituição

estamental para combater os excessos do poder: “Logo não pode haver dúvida, que o governo

do Brasil é pior do que o de Portugal; visto que é mais despótico, não tendo nenhuma

contrabalança popular, nem na prática, nem na teoria” (COSTA, 1977).

No entanto, a divulgação maciça dos novos conceitos políticos só começou quando

chegaram de Portugal as notícias da Revolução do Porto, em 1821, que depuseram a Regência

como ilegítimo, assumiram o governo provisório do país, convocando uma assembléia

constituinte - as Cortes de Lisboa – e exigindo que a Corte retornasse do Brasil. Exaltado,

carregado da linguagem do republicanismo clássico e do contratualismo - a esta altura, em

desuso na França dos doutrinários -, esse primeiro movimento liberal do mundo luso-

brasileiro, conhecido como vintismo, era tributário do liberalismo espanhol e, por via reflexa,

do discurso republicano francês de 1789/1791. Em Portugal, os principais sustentáculos do

vintismo pertenciam às forças armadas e às classes comerciantes, que vinham sofrendo

imensos prejuízos com o fim do monopólio comercial com o Brasil, bem como parte da

população urbana que sentia na pele os efeitos da crise econômica e se sentia atraída pela

retórica nacionalista mobilizada pelos revolucionários no Porto e em Lisboa (BERBEL, 1999:

38). O objetivo da corrente majoritária do vintismo português era, por meio do projeto de uma

monarquia republicana à Sieyès, concentrar a autoridade do governo do Império Luso-

Brasileiro numa assembléia única eleita, cabeça de um Estado unitário com assento em

Lisboa. Obtendo idêntico apoio da tropa, as elites das capitanias brasileiras também

depuseram quase todos os governadores nomeados pelo Rei, substituindo-os ou rodeando-os

de gente sua nas chamadas juntas provisórias. Por trás desses movimentos, estava a maior

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parte da aristocracia rural, desejosa de aderir a uma ordem liberal e federalista que lhe

permitisse liberdade para tocar seus negócios escravistas e controlar a política provincial.

A 26 de fevereiro de 1821, o movimento vintista chegou ao Rio de Janeiro; nesse

dia, a tropa aderiu aos revolucionários de Portugal e forçou o Rei Dom João VI (1767-1826) a

jurar a futura Constituição. A instauração imediata da liberdade de imprensa que se seguiu

desencadeou uma explosão de manifestações classificada pelo autor anônimo de uma delas –

o Compadre do Rio de Janeiro - como “uma guerra literária, que tem inundado todo o

Portugal e Brasil de panfletos e folhas volantes” (RIO DE JANEIRO, 1822:5). Escritos em

linguagem desabrida, personalista, esses panfletos eram verdadeiros “insultos impressos”

(LUSTOSA, 2002). A maioria trazia muitas citações. O autor da Memória Constitucional e

Política sobre o Estado Presente de Portugal e do Brasil, José Antônio de Miranda, por

exemplo, citava Fénelon, Filangieri, D’Alembert, Sidney, Locke, Vattel, Raynal, Duprat,

Montesquieu e Rousseau. O liberal era apresentado como aquele que queria tanto “o bem de

sua pátria” quanto “a liberdade”; que “ama o monarca, respeita-o, quando é respeitável,

amaldiçoa-o quando é indigno e tirano, e prefere a morte a um jugo insuportável”. Já o

“liberalismo” ou a “liberalidade de idéias” (MIRANDA, 1821: VI) era “a justiça mais pura e

mais elevada aplicada a nossas ações e, portanto, a fonte de todas as nossas virtudes” (In:

NEVES, 2003: 147). Ao liberalismo se atribuía a capacidade de resolver todos os males que

afligiam os portugueses nos dois lados do Atlântico: ele tinha “a virtude d’Arca Noemítica,

hão de habitar à sua sombra diversos caracteres, e todos em perfeita paz”. Concluía-se

naturalmente que “uma nação (...) com um governo constitucional, ativo, vigilante e enérgico,

será certamente uma potência de grande respeito, e consideração política, e terá um lugar

distinto entre as Nações de primeira ordem” (ANÔNIMO 1821: 23). Os jornais costumavam

ainda publicar muitos trechos traduzidos de obras daqueles autores, alegando, como fazia o

Farol Paulistano, que os leitores não estavam habituados a ler volumes muito longos, pela

falta de recursos financeiros e ao hábito de leitura (CONTIER, 1979:45/46).

Pouco freqüente ainda o emprego da expressão liberalismo, os liberais se valiam de

outros substantivos, como constitucionalismo ou governo representativo. Num primeiro

momento eles foram intercambiáveis, porque somente era liberal quem queria a Constituição

e, com ela, o governo representativo; por isso, cada um deles timbrava em se declarar “muito

liberal e muito constitucional”, desejoso de gozar “dos benefícios de uma Constituição

liberal” (MIRANDA, 1973:66). No entanto, por conta da Carta francesa de 1814 e, com ele,

de propostas de governo constitucional que eram mais moderadas que a do vintismo, cedo se

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esboçou uma distinção entre constitucionalismo e liberalismo, porque a Constituição podia

ser mais ou menos liberal conforme concedesse maiores ou menores atribuições ao

Legislativo em detrimento da Coroa. No entender dos vintistas, só eram liberais aqueles que,

como eles, queriam uma Constituição como a espanhola de 1812, pautada por um parlamento

unicameral e pela subordinação do monarca à assembléia - ou seja, como a francesa de 1791.

Empregados para designar aqueles que viam como seus inimigos, para os liberais vintistas os

conceitos assimétricos de liberalismo e constitucionalismo eram servilismo e absolutismo ou

despotismo, também chamado anti-constitucionalismo e corcundismo (corcundas, de tanto se

curvarem ao poder). Os servis, cortesãos, absolutistas, pés-de-chumbo ou corcundas

defendiam o despotismo ministerial, porque, usufrutuários de privilégios, eram contrários a

uma sociedade igualitária e meritocrática. Os primeiros no rol dos servis ou dos corcundas

eram os ministros do Rei, que “monopolizavam com uma prostituição inaudita, as medalhas,

as honras, as condecorações, que só são, e devem ser, o exclusivo patrimônio dos homens

beneméritos, que tem feito relevantes serviços à Pátria e ao Estado (...). Ministros, que senão

podem considerar senão como o refugo dos portugueses, vergonha da humanidade, e a escória

do servilismo” (MIRANDA, 1973:32). De um modo geral, os liberais sempre recriminarão a

burocracia monárquica como parasitária. Para o presidente da Junta Pernambucana no

período, Gervásio Pires Ferreira, “exército faustoso e inútil de funcionários públicos” que,

“para se perpetuarem na ociosidade, mando, privilégios e interesses de que gozam à custa da

liberdade e fazenda dos cidadãos, não duvidam sacrificar a mesma Constituição e a nossa

fraternal harmonia” (MELLO, 2004:78/79).

Entre nós, embora atraíssem muitos letrados e comerciantes das cidades costeiras, o

liberalismo também atraía o grosso dos senhores rurais, porque lhes permitiria limitar o poder

do Estado sobre o mercado e a mão-de-obra - o que lhes interessava como empresários -, bem

como converter seu prestígio social em poder político efetivo – o que lhes interessava como

nobreza rural. A tensão entre pretensão regulatória da Coroa e resistência da lavoura havia

sido uma característica do Antigo Regime que se acentuara depois das reformas pombalinas.

Por seguidas vezes, por exemplo, a Coroa tentara resolver o problema da escassez de

alimentos nas cidades obrigando os senhores a reservar parte das terras ao cultivo de

mandioca, que deveria alimentar os escravos e abastecer de farinha os mercados. Entretanto,

aproveitando-se da vastidão do território e da reduzida capilaridade do Estado, os senhores

descumpriam a lei para dedicarem-se exclusivamente ao plantio da cana, argumentando que

era “um absurdo renunciar à melhor cultura do país pela pior que nele há” (In: SCHWARTZ,

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1988:353). Ou seja, a lógica empresarial, somada à nobiliárquica, levava os produtores

agrícolas a, sobrepondo o econômico sobre o social, priorizar a maximização de seus

rendimentos em detrimento da comunidade a que pertenciam e de sua própria mão-de-obra,

que literalmente morria de fome30. Claro que essa operação só era viável se os custos com o

tráfico negreiro fossem inferiores às perdas de escravos. Por isso, contrariados por uma

legislação que embaraçava a importação de escravos, os senhores de terra endereçaram à

Rainha Maria I um pedido de revogação daquelas normas, advertindo-a de que “quaisquer

objeções ao comércio da escravatura são ataques à população, ao comércio e às rendas de

Vossa Majestade” (In: SCHWARTZ, 1988:282). Oito anos depois, o bispo e senhor de

engenho fluminense José Joaquim da Cunha Azeredo Coutinho (1742-1821) publicou uma

obra em que, negando os direitos naturais, defendia publicamente a escravidão. Num país de

terras abundantes e população escassa, “o comércio da venda de escravos é uma lei ditada

pelas circunstâncias às nações bárbaras para o seu maior bem, ou para o seu menor mal” (In:

CARVALHO, 1998: 45).

“Um povo, quando chega ao ponto de fazer as eleições dos seus representantes ou

dos seus soberanos, já não é uma multidão desenfreada ou um povo propriamente

no estado de anarquia (...). Esta distinção de povo e povo desenfreado, solto e

desligado, é absolutamente necessária para não se dar jamais ocasião a que

qualquer multidão de assassinos e ladrões, arrogando a si o nome da nação ou de

povo legitimamente congregado, pretenda fazer respeitar como justos os seus

roubos e assassinatos” (In: SANTOS, 1999:56).

Desde o estudo de Lúcia Bastos sobre a cultura política da independência (2003)

convencionou-se chamar elite brasiliense o grupo mais representativo do vintismo no Brasil.

Composto principalmente de padres e proprietários de terras, os principais representantes do

grupo brasiliense eram o mineiro José Custódio Dias (1770-1838); os pernambucanos

Venâncio Henriques de Resende (1784-1866) e Joaquim do Amor Divino Caneca (1779-

1825); o baiano Cipriano Barata (1762-1838); os paulistas Diogo Antônio Feijó, Nicolau dos

Campos Vergueiro (1778-1859) e Francisco de Paula Sousa e Melo (1791-1852) e o cearense

José Martiniano de Alencar (1794-1860). Quase todos pertenciam à geração que, ao atingir a

30 Em 1801, por conta da alta geral do preço do açúcar, a lavoura toda da Bahia abandonava a produção de outros gêneros agrícolas, levando a uma crise do abastecimento de farinha de mandioca em Salvador. Depois de recordar as leis que obrigavam a aristocracia açucareira a também plantar a mandioca, em especial para sustentar os próprios escravos, Vilhena notava nenhum senhor de engenho seguia a lei no Recôncavo. Ficava assim o povo sujeito a “morrer de fome na Bahia, como sucedeu há sete ou oito anos em Pernambuco, onde morreram centenas de pessoas (...) porque não há recurso para os vizinhos” (VILHENA, 1922:158/160).

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idade adulta, nas décadas de 1790 e 1800, já estava familiarizada com os sucessos da

Revolução Francesa, enxergando, nos ideais constitucionais e representativos, oportunidades

para tomarem o poder em nome da Nação, desbancando a equipe de burocratas que o

monopolizava no Antigo Regime. Foi a primeira geração, em síntese, a ostentar

voluntariamente a bandeira do constitucionalismo no Brasil, seja na sua primeira adesão ao

vintismo português, seja na sua posterior americanização.

Evidentemente, nem por isso esta elite não era toda homogênea nem formava um

mesmo grupo político - até porque cada província possuía mais de um. Da mesma forma, o

seu grau de adesão ao vintismo português variou conforme o humor para com as notícias

chegadas do Rio. Evaldo Cabral de Mello mostra que os brasilienses pernambucanos, cuja

capital tinha um peso político considerável na província, podiam passar de uma postura mais

moderada, ligada ao vintismo dos grandes proprietários rurais, a outra, mais exaltada, própria

do radicalismo urbano em geral (MELLO, 2004). Já os brasilienses paulistas, cuja província

era majoritariamente rural, tendiam - como demonstrou Miriam Dohlnikoff - a permanecer

mais duradouramente moderados em seus posicionamentos31. Seja como for, ligados ao

campo, à cidade ou a ambos; mais moderados ou radicais, todos esses grupos eram tributários

do liberalismo vintista português e, como tal, queriam que a Constituinte brasileira

consagrasse um modelo constitucional assemelhado ao da monarquia republicana. O único

ponto que os afastava doutrinariamente do vintismo era a paixão descentralizadora, por que

acreditavam que viriam governar suas províncias sem a interferência da Corte; nesse ponto, e

só nesse, eram americanistas antes de vintistas. Como queria o Frei Caneca, um governo

unitário seria fatalmente “arbitrário, iliberal, despótico e tirânico, tenha o nome que tiver,

venha revestido da força que vier” (In: MELLO, 2004:137). Havia sido o unitarismo e o

regime de favor comercial imposto pelas Cortes de Lisboa que os haviam alienado do projeto

de união luso-brasileira; por conseguinte, não seria o unitarismo em torno do Rio de Janeiro,

com que acenava José Bonifácio, que as convenceria a pactuar.

Na Corte, o principal órgão da imprensa brasiliense era o Revérbero Constitucional

Fluminense, editado por Januário da Cunha Barbosa (1780-1846) e Joaquim Gonçalves Ledo

31 O grupo brasiliense de São Paulo foi recentemente descrito também como aristocracia rural por outra autora: “Compunham o grupo liberal paulista grandes proprietários de terras que cultivavam cana-de-açúcar ou criavam gado, e que mais tarde se tornariam cafeicultores. O padre Feijó tornara-se, graças à herança materna, senhor de engenho, enquanto Vergueiro, português de nascimento, era proprietário de várias fazendas, graças ao casamento com uma rica herdeira paulista. Paula Sousa era, como Feijó, proprietário de grandes engenhos de açúcar em Itu, onde nascera. Tobias de Aguiar, nascido em Sorocaba, importante entroncamento viário, ali se dedicava ao comércio de muares, principal suporte do transporte comercial. Dos quatro, apenas Vergueiro estudou em Coimbra. Os demais foram educados em São Paulo” (DOHLNIKOFF, 2006:31).

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(1781-1847), vereadores do Senado da Câmara do Rio de Janeiro. Os dois eram apoiados e

financiados pela aristocracia rural do Recôncavo da Guanabara e de Campos – a mesma a que

pertencera Azeredo Coutinho -, que se sentia prejudicada pela política joanina e organizara

por isso a adesão do Rio de Janeiro à Revolução do Porto (OLIVEIRA, 1999:106). Embora

reproduzissem os discursos parlamentares das Cortes de Madri e citassem o “sábio” Sieyès –

“o primeiro e talvez o único publicista que nos tem ensinado e aclarado os nossos direitos” -

os brasilienses se apresentavam como admiradores dos estadunidenses e hostilizavam o

sistema europeu. A Europa era associada ao monopólio colonial que “escravizara a América”,

ao passo que os Estados Unidos não conheciam “nem Santa Aliança, nem Corte; nem antigos

colonos, nem famílias privilegiadas; nem classes preponderantes, nem proselitismo religioso;

nem uma só das formalidades européias” (BARBOSA & LEDO, 1822, II: 38 e 246). O

Revérbero denunciava o despotismo ministerial da administração joanina, atacava a

burocracia e reivindicava a participação da sociedade nos negócios públicos, pois era “ao

archote da opinião pública” que “os inimigos da Nação e da Liberdade acobardam-se e

ocultam os seus vergonhosos intentos” (BARBOSA & LEDO, 1822, I: 52) 32. Do mesmo

modo, afetando a tese de que mais sábio e virtuoso era o homem simples do povo ou do

campo, os brasilienses protegiam-se do fato de não serem viajados, não terem estudado na

Europa ou feito curso superior, como os coimbrões (BARBOSA & LEDO, 1822, II: 35; 36).

Outra característica do discurso brasiliense era o antipartidarismo típico do discurso

republicano. Como a vontade geral ou o bem comum podia ser conhecido pela razão e pela

virtude, o dissenso era injustificável e só poderia ser atribuído à ignorância ou às paixões

particulares. O homem de partido se tornava “um escravo, que voluntariamente renunciou ao

uso da própria razão”; era uma “máquina pronta a obedecer ao primeiro agente que a

empregar no serviço de sua avareza e de sua ambição” (BARBOSA & LEDO, 1822, II: 35).

No entanto, purificado o liberalismo de seus antigos elementos republicanos, o

antipartidarismo da esquerda liberal praticamente desapareceria na década seguinte, como

veremos nas próximas seções deste mesmo capítulo.

32 Mais do que em citações, a presença de Sieyès se percebe sempre que os brasilienses buscam definições. Era o caso do conceito de Nação: “O que é Nação? É a grande reunião de povos, que obedecem a uma mesma lei, e a um mesmo sistema de governo. As classes privilegiadas, que gozam foro, e exceções da lei, não constituem nação, são pequenas frações da grande massa, em quem só reside a força, o poder e a soberania. (...) Nós detestamos as agitações populares, mas quem são os que a promovem? Não são, por certo, nem os publicistas, nem os filósofos, que, dissipando as trevas do erro, patenteiam as fontes da verdade; são sim os abusos do poder, que cavam os abismos da miséria pública (...). O governo é na moral o que no físico é um relógio: cumpre atrasá-lo, ou adiantá-lo, e o povo é o relojoeiro, a quem compete compassá-lo pelo cronômetro da vontade geral” (BARBOSA & LEDO, 1822:145).

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Do ponto de vista constitucional, os brasilienses recusavam a tese doutrinária que

entendia a Constituição como um pacto entre o povo e o Rei: “Só os povos tem o direito de

escolher o sistema e as leis por que devem ser regidos”. Por isso, também se opunham ao

constitucionalismo antiquário. Uma coisa, argumentavam, era ter uma antiga constituição

como a inglesa, aperfeiçoada no decorrer das eras; outra, bem diferente, era recuperar uma

constituição esquecida, “assunto de teses diversas de diversos publicistas, de intermináveis

disputas entre teimosos antiquários (...), objeto de erudição que teria, na prática, todos os

inconvenientes da novidade” (BARBOSA & LEDO, 1822, II: 81 e 124). Para eles, sendo as

constituições frutos de seus tempos, o progresso impunha naqueles a realização de um novo

pacto que reintegrasse os cidadãos na posse de seus direitos naturais. A Constituição era a

expressão escrita de um pacto político firmado exclusivamente entre os cidadãos para o fim

de deixar o estado de natureza e assegurar seus direitos imprescritíveis, como eram o princípio

majoritário (“a vontade do maior número é a lei de todos”), o da legalidade, o do governo

representativo e o direito de petição. Quanto à forma de Estado, os brasilienses rejeitavam o

unitarismo vintista para abraçar o federalismo norte-americano, o que permitiria a autonomia

e plena expressão política do predomínio de cada uma das aristocracias em suas respectivas

províncias (DOHLNIKOFF, 2006:15); no mais, os brasilienses abraçavam a causa da

monarquia republicana, com a submissão do Príncipe ao Parlamento. Foi certamente o que

levou o Revérbero a ser apoiado pela folha mais radical da Corte, o Correio do Rio de

Janeiro, do português João Soares Lisboa (falecido em 1824).

“Na verdade, que desejavam os mais acérrimos democratas do Brasil? Liberdade.

Como haviam de assegurá-la? Por uma Constituição. E que Constituição mais

livre, mais cheia mesma de formas republicanas, que a Constituição de Portugal?

(...) Ora, na Constituição Lusitana, os órgãos da lei e os funcionários são

propostos pelo Conselho de Estado, e o Rei nem pode dissolver, nem congregar as

Cortes, e até nem suspender as leis que fizerem; logo é claro, que nada mais podia

desejar o Brasil, e que os brasileiros são agora verdadeiramente livres”

(BARBOSA & LEDO, 1822:176).

No âmbito econômico, a aristocracia rural fluminense via o movimento

constitucionalista como uma oportunidade para se livrar da política tutelar da monarquia,

assumindo que eram os interesses particulares que conferiam a ligação natural entre as

diversas províncias, transferindo o locus do interesse público, do Estado, para o quadro da

sociedade civil (BARBOSA & LEDO, 1822/77). O Revérbero pleiteava uma política de

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liberação dos interesses privados, traduzidos pela exigência de estabilização da moeda,

necessária às exportações de açúcar e algodão; pela fiscalização dos dinheiros públicos pelos

contribuintes; pela expansão monetária e pela oferta de crédito barato aos agricultores, de um

lado, e o completo absenteísmo do Estado no que tocava ao funcionamento do mercado e do

fornecimento de mão-de-obra, que deveriam ser deixados à livre concorrência e à divisão

natural do trabalho. Não era coincidência que a defesa da escravidão e do tráfico negreiro

constituía um dos pilares do jornal que, a partir de abril de 1822, passou a publicar uma

Memória sobre os Dízimos ou O Despertador Agrícola; nela, o articulista se queixava da crise

econômica e, pedindo a redução dos impostos, vinculava o dever de pagá-los ao respeito, pelo

Estado, “do livre arbítrio e senhorio da propriedade” – ou seja, à incolumidade da escravidão

e do monopólio da terra. Promovida com impostos sobre a comercialização de escravos, a

colonização suíça da província do Rio de Janeiro era acerbamente criticada pelos brasilienses

do Revérbero, que consideravam essa política imigratória, baseada na concessão de terras,

perniciosa ao país. Ao intervir indevidamente na esfera social e econômica, a Coroa

prejudicava a lavoura duplamente ao criar e favorecer uma futura concorrência agrícola e

taxar o comércio da mão-de-obra, ou seja, a compra de escravos do tráfico atlântico

(BARBOSA & LEDO, 1822:282 e 318). Daí que, entre os chamados democratas da elite

brasiliense, “contavam-se grandes senhores de terra e comerciantes portugueses e (...) de sua

agenda de reivindicações políticas nunca constou a libertação dos escravos” (LUSTOSA,

2000:334). Por fim, os brasilienses do Revérbero se opunham à política protecionista adotada

por João VI de incentivo a criação de indústrias nacionais, que eram um “artificialismo” num

país essencialmente agrícola como o Brasil. A política protecionista prejudicava os interesses

nacionais principalmente por onerar desnecessariamente os cofres públicos, prejudicar o

câmbio baixo que favorecia as exportações e desviar da agricultura os capitais que nela

deveriam ser investidos pelo Estado (SOARES, 2002:28).

No entanto, a plataforma vintista dos brasilienses do Revérbero também oscilou no

decorrer do tortuoso processo de passagem do Antigo Regime para o governo constitucional e

que acabou por passar pela secessão do Brasil. Duas causas concorreram para essa oscilação.

A primeira foi circunstancial. Quando, no decorrer de 1822, os brasilienses tiveram razões

para crer que as Cortes de Lisboa rejeitariam suas principais demandas - a liberdade de

comércio; o federalismo e a intangibilidade da escravidão e do tráfico negreiro -, o vintismo

português deixou de ser saudado pelo Revérbero como liberalismo para tornar-se sinônimo de

despotismo: embora o Brasil não quisesse se separar de Portugal, alegaria um brasiliense, foi

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obrigado a fazê-lo na medida em que, com seu “iliberal projeto”, as Cortes haviam se

desviado “do sistema do liberalismo começado; abusou da boa fé do Brasil e quis recolonizá-

lo” (In: LYRA, 1994:222). Os brasilienses fluminenses foram assim obrigados a deslizar à

direita para agradar o Príncipe Regente, empenhado pela preservação de seu poder no Brasil

contra as tentativas das Cortes de esvaziá-lo. Em questão de fundamentos da ordem política,

por exemplo, os excessos da vontade geral rousseauniana foram temperados com a doutrina

termidoriana de que nenhuma soberania era ilimitada. A fim de evitar “os escolhos da

democracia pura e os ferros do aborrecido despotismo”, o Revérbero transigiu com um

modelo mais equilibrado de governo misto que admitia para a Coroa não só poderes

excepcionais “para acudir às imprevistas e urgentes necessidades do Estado”, mas também o

Poder Moderador para “manter o equilíbrio de todos os poderes entre si”. No entanto,

Januário Barbosa e Gonçalves Ledo continuaram a frisar que o elemento democrático deveria

prevalecer sobre o aristocrático. Essa postura transparecia nas reservas feitas pelo Revérbero à

Constituição da Inglaterra e na sua oposição decidida a qualquer tipo de câmara alta vitalícia

ou hereditária, que fatalmente haveria de favorecer a burocracia da Coroa em seu detrimento

(BARBOSA & LEDO, 1822, II: 122, 67, 130 e 201).

Já a segunda causa da oscilação do Revérbero para a direita era estrutural. Ela

radicava na sua dificuldade de conciliar a face aristocrática, ordeira e hierárquica que

precisavam mostrar aos pobres e aos escravos, quando se tratava de evitar a ampliação da

esfera pública, com a face democrática, libertária e igualitária que devia exibir à Coroa para

consagrar o livre comércio, o direito de propriedade e a absenteísmo do Estado em matéria

socioeconômica. Os brasilienses do Revérbero ficavam assim premidos entre o discurso

democrático dirigido à Coroa e sua condição aristocrática frente aos segmentos sociais

inferiores. Essa duplicidade transparecia, por exemplo, na invocação da célebre passagem de

Rousseau sobre a origem ilegítima da propriedade privada para, interpretando-a ao contrário,

legitimar a posse das terras que aristocracia rural tomara à força dos índios e dos pequenos

lavradores: “Rousseau diz, com razão, que o primeiro fundador da sociedade civil foi o que,

cercando primeiro uma porção de terreno, intimou aos outros – Esta terra é minha! E o

filósofo Bentham concede a lei e a propriedade como irmãs, que nascem juntas. Ora, se a

civilização deriva da lei e da propriedade, será contraditório querer-se o derivado anterior ao

princípio. Tenham propriedade, para serem civilizados!” (BARBOSA & LEDO, 1822, II: 45).

Em conclusão: se, na Europa oitocentista, o discurso liberal democrático foi

empunhado pela burguesia para liberar o comércio, neutralizar a Coroa e a nobreza, e

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empregar os recursos públicos em seu proveito, no Brasil ele foi empunhado pela própria

aristocracia rural para ocupar o Estado e direcioná-lo para o negócio agroexportador, o que

requeria a intangibilidade e o incremento do tráfico negreiro. O ascendente da aristocracia

rural escravocrata desembocava num projeto nacional que, por conta da prevalência do

econômico sobre o político, estreitava a esfera pública a fim de, estrangulando no berço o

Estado nacional e excluindo os trabalhadores da sociedade política, ajustar o manto da

emergente Nação para que o espaço da sociedade política coincidisse com o do círculo

senhorial. Ao sustentarem que o melhor dos governos era a monarquia representativa, porque

reunia “a virtude das repúblicas, com a honra das monarquias”, Januário Barbosa e Gonçalves

Ledo exprimiram à perfeição o ideal aristocrático dos brasilienses fluminenses, que ocupavam

a esquerda do espectro político: uma sociedade política monopolizada por um grupo de

grandes proprietários e comerciantes, que queriam ser cidadãos frente ao poder monárquico –

o poder de cima, que ameaçava a liberdade –, e aristocratas frente às pretensões do povo – o

poder debaixo, que ameaçava a ordem.

No entanto, não eram apenas os absolutistas, como Tomás Antônio Vilanova

Portugal (1755-1839), ministro de Dom João, que eram alcunhados corcundas ou servis pelos

liberais vintistas. Durante a crise entre o Príncipe Regente Dom Pedro, no Rio de Janeiro, e as

Cortes de Lisboa, de que resultaria a secessão do Brasil do restante do Império Português, os

vintistas passaram a acusar também aqueles que, não sendo absolutistas, rejeitavam, todavia,

os excessos daquele liberalismo, preferindo uma organização constitucional diversa, ou mais

equilibrada, à inglesa. Se a aristocracia rural era de longe o segmento social mais importante a

brandir o discurso do liberalismo vintista, quem ocupava o pólo direito, brandindo um

discurso conservador, era principalmente a burocracia da Corte carioca. Distribuída pelas

secretarias de Estado, pelos tribunais e órgãos eclesiásticos, sua sorte estava ligada ao statu de

Reino conferido ao Brasil pelo Rei, em 1815, agora ameaçado pela Constituinte lisboeta,

decidida a se desfazer do centro político-administrativo organizado no Rio de Janeiro em

benefício exclusivo de Lisboa. No entanto, assim como a análise da recepção do discurso

vintista requer compreender o que significava ser liberal numa sociedade rural, privatista e

medularmente escravista e desigual como a brasileira, a démarche correlata, no que concerne

à burocracia monárquica, pressupõe indagar o significado de ser conservador num contexto

em que a América Ibérica rompia com o passado e se abria para o futuro.

Devido à natureza revolucionária da emancipação, a direita ibero-americana também

estava comprometida com projetos de constituição de um governo representativo, tendo de

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fabricar constituições, assembléias, tribunais e secretarias de Estado – e, como tal, também era

liberal, no sentido de que se opunha à continuidade do Antigo Regime. Do ponto de vista

retórico, o desafio conservador era o de construir um discurso alternativo ao republicanismo

francês e ao federalismo estadunidense. O que a distinguia da esquerda era o temor de que os

excessos do constitucionalismo de Cádiz e do federalismo, com suas pretensões de fazer

tabula rasa da ordem, levassem à anarquia e à desagregação das antigas capitanias e vice-

reinados. Ser de direita ou conservador na América Ibérica era, portanto, coisa diversa de ser

conservador à inglesa, com Edmund Burke (1729-1797), ou reacionário à francesa, com o

Visconde de Bonald (1754-1840). Implicava afastar-se dos extremos ideológicos para aceitar

a novidade radical da ordem liberal, salientando, porém, com certo realismo ou pessimismo,

uma autoridade forte que, no vácuo do poder monárquico, fornecesse um centro estabilizador

à nova sociedade, como condição da liberdade pleiteada pela esquerda. Ou seja, havia uma

contradição entre as exigências ideológicas e sociológicas dos novos países ibero-americanos:

se por um lado a adoção de um governo moderno, constitucional e representativo era um

imperativo imposto pela criação das novas nações, por outro o estado de atraso, dispersão e

amorfia não recomendavam a fragmentação de poder política que decorria da construção de

um Estado liberal. Daí a necessidade de equilibrar a aspiração por progresso e liberdade com

a exigência da ordem e da autoridade.

A partir, portanto, da premência de constituição de um Estado forte, dois grupos

conservadores, cada qual oriundo de um dos extremos políticos, caminharam para o centro,

um em direção ao outro, sem, no entanto, se acertarem a respeito do formato institucional.

Aqueles que evoluíam do legitimismo ou da união com a Espanha passaram a defender o

estabelecimento de uma monarquia constitucional, julgada mais adequada como regime aos

costumes e tradições da América Hispânica. Com a restauração da monarquia legítima na

França, limitada por uma Carta, a Constituição Inglesa entrava no apogeu de sua popularidade

– e, com ela, as noções de governo misto, de equilíbrio de poderes por meio de freios e

contrapesos, como fórmulas de resguardo da liberdade sem prejuízo da autoridade. Desse

modo, a autoridade monárquica seria restabelecida conforme a fórmula inglesa de 1688, isto

é, pela preservação da monarquia com a substituição do Rei absoluto por outro constitucional.

A receita havia sido preconizada por Burke, para quem a Revolução Gloriosa havia sido uma

bem sucedida tentativa de fazer valer a monarquia constitucional ao baixo custo de “um

pequeno e temporário desvio na estrita ordem de uma sucessão hereditária regular” (BURKE,

1997:58).

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A solução monárquica foi ensaiada em lugares tão diferentes quanto o Rio da Prata, no

Chile e no México. No Congresso de Tucumã, em 1816, Manuel Belgrano (1770-1820)

argumentou que a adoção de uma monarquia constitucional seria útil tanto política como

diplomaticamente, diante da desordem americana e do novo clima político europeu decorrente

do Congresso de Viena. José Francisco de San Martín (1779-1850) manteve contatos com a

Rainha de Portugal e do Brasil, Carlota Joaquina de Bourbon (1775-1830), irmã do Rei da

Espanha, Fernando VII (1784-1833). Seu propósito era o de transportá-la até o Rio da Prata

na qualidade de regente daquele vice-reinado. A preferência era por infantes da própria Coroa

espanhola; todavia, diante das dificuldades postas por Fernando VII para a cessão de algum

membro de sua família, passou-se a aceitar cabeças coroadas de outras dinastias. Ocorre que a

França e a Inglaterra não se entendiam sobre um nome aceitável, quando esse consenso era

necessário para o reconhecimento da independência. Essas dificuldades levaram os

conservadores a ensaiar uma solução caseira. Na Nova Espanha tentou-se uma saída

napoleônica, aclamando-se um plebeu como Imperador o general criollo Agustín de Itúrbide

(1783-1824), herói da independência, e conferindo-lhe o título de Agostinho I. No Rio da

Prata, Belgrano propôs entronizar um descendente dos reis incas33.

Se muitos dos monarquistas constitucionais eram antigos absolutistas que haviam

caminhado para o centro, o segundo grupo de conservadores era formado por antigos

republicanos radicais, que haviam se desapontado com a experiência caótica que se seguiu à

emancipação das antigas colônias hispânicas - e isto, a despeito das tentativas de estabilizar a

sociedade pelo exercício de ditaduras provisórias, como foram as de Bernardo O’Higgins

(1778-1842) e de Simon Bolívar (1783-1830). Embora esses conservadores se sentissem

incapazes de abjurar suas antigas convicções republicanas, eles haviam perdido o otimismo

universalista e racionalista das luzes francesas, expresso nos ideais de Sieyès ou no

federalismo norte-americano. Em seu lugar, estava o que havia de mais pessimista no

republicanismo de Rousseau: a descrença na possibilidade da democracia, governo próprio

33 O problema é que Itúrbide estava longe de granjear a legitimidade de que Bonaparte gozara vinte anos antes na França; além disso, um monarca criollo não apresentava qualquer tradição dinástica que legitimasse sua pretensão de exercer um papel de arbitragem ou de neutralidade sobre os demais caudilhos mexicanos. No caso de Belgrano, a aristocracia criolla rejeitou a sugestão por desprezar os índios (SAFFORD, 2001:344). A idéia monárquica permaneceria no horizonte da América hispânica até pelo menos meados da década de 1860. Basta lembrar a ascensão de Maximiliano de Habsburgo ao trono do México, apoiado maciçamente pelo Partido Conservador daquele país. Na mesma época, desesperado da causa republicana, Alberdi cogitou da instauração de uma monarquia centralizadora na Argentina, que tivesse o Segundo Império francês por referência. “O Império”, escrevia ele então, “não é a reação da revolução; é a maneira revolucionária de conciliar a ordem com a liberdade revolucionária, quer dizer, com a liberdade não experimentada, que se educa, e que é violenta pela falta de maturidade. É o governo revolucionário, como remédio à liberdade revolucionária” (In: BOTANA, 2005:398).

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para anjos; a decadência cívica provocada pela modernidade do luxo, que corrompera a

virtude e a substituíra pelo egoísmo; a ignorância de uma humanidade abandonada por suas

elites inescrupulosas. Nesse contexto, a exemplo do que se dava com os monarquistas, a

autoridade de Montesquieu passava a ser invocada pelos republicanos com mais constância,

especialmente as passagens do Espírito das Leis que exprimiam, de um lado, a dificuldade de

implantar a república num país de grandes proporções; e, de outro, a maior conveniência de

um regime autoritário em nações marcadas por grandes desigualdades de costumes. Era a

mística da Constituição Inglesa que, mais uma vez, acenava com a possibilidade de resolver o

problema, aparentemente insolúvel, da conciliação entre ordem com a liberdade. Por fim, os

republicanos conservadores sentiam-se atraídos pela recordação de Napoleão Bonaparte

(1769-1821) como cônsul da República Francesa. Napoleão encarnava o ideal de uma

república forte, cujos poderes deveriam se concentrar nas mãos de um chefe de Estado militar

que, pela sua energia e virtude, garantisse a coesão das Forças Armadas e a obediência dos

cidadãos.

O representante por excelência dessa linha de pensamento foi Simon Bolívar que,

patriota, modesto, pessimista, se apresentava no Discurso de Angostura como encarnação do

legislador ou do ditador rousseauniano. Mantida sob o jugo do vício, da ignorância e da

tirania, o povo sul-americano estava despreparado para a liberdade e na ignorância do que

fosse a virtude, sem a qual a república democrática e federalista não tinha como vingar. Era

preciso, portanto, nem que de forma tática, adaptar aquele ideal republicano às condições das

sociedades saídas do regime colonial, organizando um governo republicano, mas forte, cujas

instituições se prestassem de âncora e anteparo às tendências desagregadoras do meio. Bolívar

imaginava agir como o próprio Rousseau, que deixara nas Considerações sobre o Governo da

Polônia um exemplo de adaptação do ideal republicano do Contrato Social às realidades de

cada sociedade. Era nesse ponto que o paradigma da Constituição Inglesa e de seu governo

misto vinham em auxílio dos conservadores, numa adaptação ainda mais monárquica do

projeto republicano, do que a efetuada pelos pais da pátria estadunidenses. Além da

centralização política, eram duas as instituições encarregadas de servir de âncora da ordem:

primeiro, um senado hereditário, elemento estabilizador das estruturas constitucionais; e

segundo, uma presidência forte, necessária à preservação da ordem e da unidade do Estado. O

caráter instrumental desse arranjo fica patente no fato de Bolívar insistir na criação de um

tribunal de censores, encarregado de difundir os bons costumes e a educação cívica por sobre

as disputas e egoísmos das facções. A pragmática constituição equilibrada de Montesquieu era

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assim mobilizada para manter o Estado estável, até que, pela ação desse Poder Moral, fosse

possível instaurar a virtuosa república rousseauniana.

Descartando o modelo norte-americano devido à diferença de costumes, geografia e

clima, Bolívar afirmava que a excelência de um governo não estava na sua teoria, mas “no

fato de ser apropriado à natureza e ao caráter da Nação a que ele se dirige”. Daí sua defesa de

uma Constituição centralizadora, com amplos poderes conferidos ao Presidente da República,

por sua vez auxiliado por um senado hereditário e moderador. Embora reafirmasse sua

antipatia pela monarquia, que levava à corrupção do regime democrático pela privação de

eleições periódicas, ele reconhecia no Discurso de Angostura (1819) a situação extraordinária

dos povos americanos resultantes da separação com a Espanha. Reconhecendo em seguida

que os governos aristocráticos e monárquicos exibiam grande capacidade de estabilidade

duradoura, Bolívar passava ao elogio da Constituição Inglesa, que lhe parecia “destinada a

operar o maior bem possível aos povos que a adotam” (BOLÍVAR, 1983: 250/251). De pouco

adiantaram, porém, semelhantes cuidados. A esquerda liberal considerou a proposta de um

tribunal de censura como a do restabelecimento de uma inquisição laica e incompatível com a

liberdade dos modernos e julgaram o modelo bolivariano demasiado assemelhado ao de uma

monarquia, além de temerem o monopólio da presidência pelos militares (SAFFORD,

2001:350). Ciente das turbulências do processo de emancipação na América Hispânica, a

direita brasileira também defendia um governo representativo centralizado em torno do chefe

de Estado a partir de um diagnóstico de amorfia da sociedade colonial e da necessidade

primária de ordem como condição do progresso.

O projeto conservador brasileiro descendia do despotismo ilustrado luso-brasileiro,

gestado na Academia Real de Ciências de Lisboa. Embora partilhassem com Pombal a

concepção do Estado como agente de transformações - especialmente quanto ao

aproveitamento científico para melhor exploração do Império -, os membros da Academia

propunham medidas como a liberdade de imprensa, mais progressistas do que as do primeiro

ministro de Dom José I (FUNCHAL, 1908:341). Convertidos os debates acadêmicos em

matrizes ideológicas de um novo reformismo ministerialista, a característica dos políticos que

se orientavam a partir deles era “a busca da racionalização dos conjuntos imperiais mediante a

intervenção direta do poder central, seja através do fomento, seja através do controle da

atividade produtiva (mediante proibições), seja através dos circuitos de distribuição (mediante

monopólios)” (JANCSO, 2002:8). O chefe do movimento reformista era Dom Rodrigo de

Sousa Coutinho, Conde de Linhares (1755-1812), afilhado do Marquês de Pombal, que na

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juventude conhecera a França de Luís XVI, conversara com Raynal e admirara os esforços de

Necker para modernizar o Estado e instaurar o sistema representativo (FUNCHAL,

1908:193). Linhares acreditava na possibilidade de “luminosas reformas executadas por

homens inteligentes e capazes de formar sistemas bem organizados, e cuja utilidade seja por

todos sentida e experimentada” (In: MAXWELL, 2001:235).

Ao conceber uma única nacionalidade portuguesa por referência ao elemento que lhe

conferia unidade - a monarquia dos Braganças -, a burocracia orientada por Linhares

constituía o único grupo dentro do Império que suplantava a rede de fidelidades políticas

inscritas no registro regional ou local das pátrias, ou no registro atlântico do pertencimento à

América ou à Europa34. Por isso mesmo, diante da impotência da realeza frente à Revolução

de 1821, foram políticos ligados à burocracia joanina formada sob Linhares que, no Rio de

Janeiro, se dedicaram à formulação de um projeto que seguisse o projeto reformista de um

grande império brasileiro. Formados quase todos em Coimbra, em Direito sob o Antigo

Regime, haviam sofrido já adultos e na Europa o choque da Revolução Francesa, experiência

que lhes foi traumática por contrariar todo o seu aprendizado de reforma ilustrada dentro da

ordem e da monarquia. Rejeitando, inicialmente, os valores revolucionários franceses e os

ideais do governo constitucional e representativo, os acontecimentos ulteriores - o Império

napoleônico, a invasão da península ibérica e a independência das antigas colônias

espanholas, tornadas repúblicas hispânicas – acabaram por convencê-los de sua

inexorabilidade e da necessidade de encontrar uma fórmula de acomodação, ainda que num

misto de resignação e ceticismo. Seja como for, esses burocratas sempre rejeitariam

publicamente a força, a revolução ou a violência como meios de ação política.

Em contraste à elite brasiliense, designarei este grupo de altos funcionários como elite

coimbrã (CARVALHO, 1996; BASTOS, 2003). Pelo menos dez anos mais velha, essa elite

era composta de brasileiros que, oriundos das diversas capitanias da América Portuguesa,

haviam sido subsidiados e protegidos na mocidade pelo Conde de Linhares. Incluo aqui José

Bonifácio de Andrada e Silva (1763-1838), Hipólito José da Costa, José Joaquim Carneiro de

Campos (1768-1836), Manuel Jacinto Nogueira da Gama (1765-1847), Antônio Carlos de

Andrada Machado (1773-1845) e José Feliciano Fernandes Pinheiro (1774-1847), formando-

se ainda sob o Antigo Regime. Geralmente em dificuldades financeiras para se sustentarem e 34 Para ele, o reformismo permitiria assegurar – em suas próprias palavras - “o sacrossanto princípio da unidade, primeira base da monarquia que se deve conservar com o maior ciúme, a fim de que o português nascido nas quatro partes do mundo se julgue somente português; e não se lembre senão da glória e grandeza da monarquia, a que tem a fortuna de pertencer, reconhecendo e sentindo os felizes efeitos da reunião de um só todo, composto de partes tão diferentes que, separadas, jamais poderiam ser igualmente felizes” (In: LYRA, 1994:69).

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arcarem com as despesas decorrentes da permanência e dos estudos em Coimbra, a maior

parte deles era encaminhada por Dom Rodrigo para trabalhar numa tipografia – a Casa

Literária Arco de Cego. Ao traduzirem do inglês e do francês obras sobre doenças,

agricultura, comércio e matemática para sua posterior publicação pela tipografia, Nogueira da

Gama, Carneiro de Campos, Antônio Carlos e Fernandes Pinheiro fizeram sua imersão no

projeto ilustrado. Com Dom Rodrigo, eles aprenderam que, por conta de suas riquezas e de

seu imenso território, o Brasil era a parte mais importante do Império Português e que,

adequadamente desenvolvido por um Estado forte e interventor, cumpriria o destino de

pujança e grandeza profetizado pelo Padre Antônio Vieira (1608-1697): o Brasil haveria de

ser o centro de um poderoso Império que, com seu comércio e seus produtos, dominaria todo

o hemisfério sul do globo terrestre (LYRA, 1994). Colado o grau na Universidade, Dom

Rodrigo os fizera ingressar na burocracia imperial, onde continuaria a protegê-los, na

lembrança de um deles, “como se fossem seus irmãos ou filhos” (In: CALMON, 1984:394) 35.

Trajetórias parecidas tiveram outros coimbrões, como José Severiano Maciel da Costa (1769-

1833) e Antônio Luís Pereira da Cunha (1760-1837), membros até então do segundo escalão

da administração joanina36.

35 Tendo servido também de preceptor dos filhos de Linhares ao chegar a Portugal, Carneiro de Campos seguiria carreira nas secretarias de Fazenda e Justiça (SISSON, 1999:201). Nomeado diretor literário da Tipografia Régia, Hipólito da Costa retribuiria anos depois a proteção de Linhares pelas páginas do Correio Brasiliense: “Enquanto o Príncipe Regente de Portugal adornar os lados de seu trono com homens tão beneméritos como D. Rodrigo de Souza Coutinho, pode estar seguro, que o seu nome será estimado pelos estrangeiros e respeitado pelos nacionais. (...). Sua Alteza Real não tem em seu serviço nenhum Ministro, nem mais inteligente, nem mais desinteressado do que D. Rodrigo” (COSTA, 1977:28). 36 O fato de terem alguns deles se ligado a negociantes da Corte e recebido sesmarias no Vale do Paraíba - conforme a estratégia de Dom João VI de melhor enraizar os interesses do Estado na agricultura - parece antes ter tido o efeito de consolidar sua identidade primária com a Coroa do que o de atraí-los para o da aristocracia rural tradicional. Alcir Lenharo sugeriu, de forma persuasiva, que Dom João teve o propósito de costurar os interesses da burocracia da Corte com a o alto comércio preexistente, distribuindo sesmarias no Vale do Paraíba e mesmo as sementes de café que dariam origem ao boom da década de 1830. Dois desses personagens agraciados teriam sido o citado Manuel Jacinto Nogueira da Gama, futuro Marquês de Baependi, e Paulo Fernandes Viana, Intendente de Polícia (LENHARO, 1979:66). Cecília de Salles Oliveira desenvolveu essa hipótese, afirmando que a oposição dos brasilienses fluminenses se fundava no fato de que, representantes da nobreza da terra no recôncavo da Guanabara e na região de Campos dos Goitacases, sentirem-se prejudicados pela formação de um grupo concorrente na capital da colônia, amparado nas benesses da Coroa. Entretanto, está por se fazer um estudo que melhor esmiúce as relações entre os ocupantes do segundo escalão da administração joanina, os negociantes do grosso trato e a formação da aristocracia cafeeira do Vale do Paraíba. Apoiada em Lenharo, Salles Oliveira toma por garantido que os demais membros da burocracia joanina (à exceção dos Andradas) teriam também sido agraciados pela Coroa (OLIVEIRA, 1999: 85 e 92). No entanto, o que Lenharo afirma é sua certeza de que isso também ficaria claro caso outras personagens (como Carneiro de Campos) tivessem suas biografias dissecadas (LENHARO, 1979:69). Ou seja, trata-se de uma hipótese não confirmada e que enfrentará não poucas dificuldades, porque as poucas informações disponíveis sobre Carneiro de Campos apontam no sentido de que ele morreu “não deixando fortuna alguma, porque, rígido observador dos deveres da honra, contentou-se com os honorários de conselheiro de Estado e senador, que apenas chegavam para uma decente subsistência” (SISSON, 1999, II: 203). Também Inhambupe é referido como tendo deixado família pobre (SISSON, 1999, II: 68). O ponto fundamental é esclarecer as relações do grupo burocrático com a questão escravocrata. Em princípio, a aliança matrimonial com a família do comerciante Carneiro Leão induz a crer na

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Dentre todos eles, o reformismo ministerial brasileiro encontrou seu principal

expoente no irmão mais velho de Antônio Carlos de Andrada Machado, José Bonifácio de

Andrada e Silva (1763-1838). José Bonifácio era um dos melhores amigos de Dom Rodrigo e,

como ele, estava comprometido até a medula com o projeto imperial ilustrado (In: SOUSA,

1974: 57). Por seus elogios a Pedro o Grande da Rússia e Frederico da Prússia – monarcas

capazes de ilustrar e felicitar seus países -, infere-se claramente seu gosto pelos déspotas

ilustrados; igualmente, por suas alusões às inumeráveis riquezas ocultas no vasto território

brasileiro, depreende-se sua fé no grande e poderoso Império imaginado por Linhares. Ciente

de que a Nação brasileira ainda não existia, Bonifácio cria que só o Estado poderia forjá-la: as

etnias deveriam ser amalgamadas, para que daí saísse “um todo homogêneo e compacto”. Da

mesma forma, o Estado deveria abrir estradas, desenvolver a agricultura, promover o uso

racional do solo, civilizar os índios, atrair a imigração estrangeira, distribuir terras, construir

escolas e universidades, extinguir o tráfico negreiro e preparar o fim da escravidão. Nada

disso era impossível; para José Bonifácio, o Estado possuía um poder demiúrgico: com

prudência, mas pulso firme e celeridade na execução, “o legislador, como o escultor faz de

pedaços de pedra estátuas, faz de brutos homens” (ANDRADA E SILVA, 1998: 174 307). No

entanto, o Patriarca era realista e percebia que, devido às graves divisões dentro e fora do

corpo político, a conjuntura no início da década de 1820 apresentava dificuldades

extraordinárias ao projeto imperial de construção nacional. O triunfo só seria possível caso

seus estadistas ilustrados conjurassem os perigos oferecidos pelas facções e pelo

particularismo dos brasilienses, que ocultariam aspirações federalistas e republicanas. Daí sua

defesa de um governo “hábil e enérgico”, capaz de esmagar os partidos e os conspiradores

(ANDRADA E SILVA, 1998: 213). Num discurso acadêmico ainda da década de 1810, José

Bonifácio explicava mais detidamente seu pensamento:

“A ciência do governo (...) consiste em indagar o que pode ser um Estado para

corresponder aos seus mais altos fins; em conhecer todos os seus recursos

presentes e futuros, e todas as suas faltas atuais. Quando todas as forças

individuais dos vassalos se dirigem e se empregam no bem geral do Estado, se as

circunstâncias físicas e morais dos povos devem servir de norma para os meios

assunção de compromissos com o tráfico negreiro. Ocorre que toda a política da Coroa e de seus conselheiros no período aponta, ao contrário, na intenção de adotar medidas inibitórias do tráfico (como a adoção de um imposto sobre o tráfico, instituído pelo próprio Fernandes Viana). Essa tendência fica clara nos posicionamentos tomados por coimbrões como José Bonifácio, Severiano Maciel da Costa (futuro Marquês de Queluz) e pelo próprio Dom Pedro I. Uma possível hipótese explicativa, penso, é que, em caso de conflitos de interesses, esses novos proprietários rurais se definissem, antes por sua ligação primária com a Coroa, do que com a aristocracia rural.

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aplicados, nunca podem ser obstáculos invencíveis; porque o homem que obedece

à razão pode vencer a natureza e o costume. Mas sem boa legislação não

conseguem os Estados tal ventura; porque as leis são as regras que encaminham as

nossas ações; os preceitos pelos quais o homem, esta criatura dotada de razão e de

vontade, deve dirigir suas nobres faculdades para a sua maior felicidade. No

coração humano gravou a Divindade os princípios do honesto e do útil, para que a

sabedoria e a experiência melhor pudessem depois desenvolvê-los e aplicá-los. Se

as leis humanas vão contra estes princípios sagrados, são sujeitas e danosas, e não

merecem a nossa estima; porque deles recebem todo o seu valor e autoridade. Mas

como essas leis; que poderíamos chamar da natureza, são poucas e geris, viram-se

as nações obrigadas a ampliá-las, e aplicá-las conforme requerem o estado das

sociedades, os progressos da cultura e riqueza, e a posição local. Daqui veio a

necessidade de haver um poder supremo em cada Estado, que pudesse fazer novas

leis, sábias e justas, quando assim cumprisse” (ANDRADA E SILVA, 2002: 101).

Como se percebe, o projeto coimbrão se notabilizava por seu caráter centralizador,

monárquico e intervencionista, qualidades que se estendiam ao arcabouço da futura

constituição. Como os homens não eram “entes de razão e de idéias de Platão”, mas “entes

sensíveis”, “as melhores instituições absolutamente não são as melhores relativamente”

(ANDRADA E SILVA, 2002:123), o que significava adaptar o ideal constitucional às

conveniências do país. Eles pensavam que, para chegar ao constitucionalismo liberal,

evitando a estrada que conduzia à anarquia e à revolução; era preciso combinar os direitos

fundamentais e a soberania nacional, advogadas pelo vintismo, com o Executivo forte da

Constituição da Inglaterra. Como dizia o Patriarca, “é bom entregar o princípio de um negócio

de ponderação a Argos de cem olhos e o fim a Briareu de cem mãos. Na execução, não há

segredo comparável à celeridade. Nos negócios, das três partes que são: a preparação, o

exame e a execução; só a do meio deve ser obra de vários; o resto, de um só” (ANDRADA E

SILVA, 1998: 247,198). A centralização política se justificava porque a autoridade régia tinha

de “organizar suas molas de modo que, semelhante á ação da eletricidade, a impulsão do

poder soberano se comunique com rapidez e força do primeiro grau ao último, passando por

todas as classes”. Por isso, o federalismo ou as propostas descentralizadoras eram condenados

como um artifício por que os brasilienses pretendiam fazer de cada província “uma pequena

república, para serem nelas chefes absolutos, corcundas despóticos”. Era o arranjo

monarquiano, onde o monarca teria “todas as atribuições que exija o bom desempenho das

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suas funções como chefe da execução, e a sua dignidade, como regulador da máquina

política” (ANDRADA E SILVA, 2002:265, 181 e 174).

No que toca à economia, os coimbrões se inclinavam à fisiocracia de François

Quesnay (1694-1774) (SILVA, 1999: 220), orientação dos adeptos do despotismo ilustrado,

como Turgot e Dupont de Nemours (1739-1817). Embora professassem uma doutrina

semelhante à de Adam Smith, os fisiocratas admitiam os limites do mercado e reivindicavam

a intervenção do Estado para garantir o predomínio do público sobre o privado. Daí que a

primeira máxima do governo era a de “que a autoridade soberana seja única e superior a todos

os indivíduos da sociedade e a todos os empreendimentos injustos dos interesses particulares,

pois o objetivo da dominação e da obediência é a segurança de todos, assim como o lícito

interesse de todos” (QUESNAY, 1984:166). Essa orientação intervencionista levava os

coimbrões a ver a escravidão como um obstáculo à formação de um mercado nacional, o que

só ocorreria com trabalho metódico, disciplinado e assalariado (OLIVEIRA, 1999:118); por

isso, não vendo como conciliar uma Constituição liberal com uma sociedade “habitada por

uma multidão imensa de escravos brutais e inimigos” (ANDRADA E SILVA, 2002:201), a

alta burocracia propunha a extinção do tráfico negreiro. Hipólito da Costa frisava que, por

incutir o hábito do servilismo e prejudicar o desenvolvimento econômico, a escravidão era

incompatível com os princípios liberais (COSTA, 1977: 605/608). Para José Severiano

Maciel da Costa, os escravos eram inimigos potenciais do Estado e dificultariam sua defesa

em caso de guerra; além disso, impediam a formação do povo: “No Brasil, por efeito do

maldito sistema de trabalho por escravos, a população é composta de maneira que não há uma

classe que constitua verdadeiramente o que se chama povo”. Também condenava a escravidão

o jornalista, burocrata e economista baiano José da Silva Lisboa (1756-1835); ela era o

“compêndio de todos os males, e o emblema e prova da depravação do homem, que ou não

quer trabalhar, ou se apraz do espetáculo da violência e miséria alheia” (In: MARTINS, II,

1978:24, 105). O próprio Príncipe Regente, Dom Pedro de Bragança (1798-1834), propunha o

incremento da imigração em artigos publicados pela imprensa carioca, nos quais alertava os

traficantes de escravos, “estes marchandes de carne humana”, de que “a felicidade geral

prevalece à particular” (In: VIANA, 1967:82).

Mas quem possuía a visão mais articulada do problema era mesmo José Bonifácio,

que propunha suprir a carência de mão-de-obra com os imigrantes europeus e os índios que,

depois de civilizados, seriam incorporados como cidadãos ao mercado de trabalho. Na

perspectiva oposta à dos brasilienses fluminenses, que justificavam a usurpação das terras

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indígenas pelos fazendeiros -, José Bonifácio propunha protegê-los na qualidade de legítimos

proprietários do solo. Quanto aos escravos, eles deveriam ser convertidos, “de homens

imorais e brutos, em cidadãos ativos e virtuosos”. Essa conversão se faria por duas medidas.

Primeiro, a fiel execução das leis coloniais, sempre desrespeitadas pelos aristocratas rurais – a

quem José Bonifácio se referia como “classe de gente desinformada e pouco ilustrada”

(ANDRADA E SILVA, 2002: 190,128). Depois seria imposta uma legislação que facilitasse

ao escravo a obtenção de sua liberdade criando em torno dele uma teia protetora, que era uma

verdadeira legislação trabalhista. Um conselho tutelar dos escravos fixaria em cada município

o limite de sua jornada de trabalho, o montante de suas rações e seu vestuário adequado. Esse

conselho zelaria também pela efetividade de outros direitos, como o de serem punidos

somente no pelourinho urbano e em montante proporcional ao delito, com o consentimento e

à vista e da autoridade pública; e o de receberem um pedaço de terra e auxílio para nela se

estabelecerem de modo duradouro depois de libertos. O escravo teria o direito de testemunhar

em juízo, de denunciar às autoridades a crueldade dos senhores; casar com quem escolhesse e

permanecer com sua família; já as grávidas e os menores de 12 anos ficariam protegidos

contra trabalhos insalubres ou excessivos. Os senhores estariam obrigados ainda a libertar

suas concubinas negras e respectivos filhos; a sustentar os escravos velhos e doentes e a

alforriar aqueles que pudessem pagar por seu resgate. Embora essa política devesse ser

deflagrada com prudência, nem por isso ela deveria se deixar assustar pelos “urros do sórdido

interesse” dos brasilienses (ANDRADA E SILVA, 2002:201).

Eram, assim, duas diferentes propostas para o país recém-saído do status colonial. De

retórica realista, tributária do despotismo ilustrado, unitária e interventora, a proposta coimbrã

elaborada pela alta burocracia não reconhecia a preexistência de uma Nação e, arrogando-se o

papel de criá-la, fundava a representação da soberania nacional na autoridade monárquica –

numa palavra, era um projeto onde o político prevalecia sobre o econômico. De retórica

idealista, tributária do liberalismo de tendência democrática, federalista e liberista, a proposta

brasiliense da grande propriedade protestava pela preexistência de uma Nação cuja extensão

coincidia com a de sua própria classe; e por isso fundava a representação da soberania na

autoridade parlamentar - em suma, um discurso onde o econômico prevalecia sobre o político.

Essa polarização entre autoritarismo, intervencionismo e abolicionismo, do lado coimbrão, e

ultraliberalismo político, laissez faire e escravismo, do lado brasiliense, nada tinha de

contraditória. Quarenta anos antes, o conservador inglês Josiah Tucker já acusara os

insurgentes estadunidenses de associarem liberdade e república a escravismo. O próprio

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Adam Smith reconhecera que o governo despótico podia mais facilmente suprimir o

escravismo do que um regime da liberdade política e econômica que, naquele contexto, só

beneficiava o senhor em detrimento do escravo, que ficava mais completamente em suas

mãos (LOSURDO, 2006: 18). O mesmo ocorria no Brasil, naquele momento de transição do

Antigo Regime para o governo constitucional representativo: aqueles que com mais afinco

mais defendiam o liberalismo estavam comprometidos com o latifúndio e a escravidão, ao

passo que aqueles que se lhes opunham eram favoráveis a um governo interventor e dotado de

autoritário (JANCSO e PIMENTA, 2000:191).

* * *

Nesse meio tempo, adquiria crescente veemência na imprensa o embate entre os

partidos chefiados por Gonçalves Ledo e José Bonifácio. Para os coimbrões, os brasilienses

constituíam “uma facção oculta e tenebrosa de furiosos demagogos e anarquistas” (In:

LUSTOSA, 2000) contra a qual deveriam se dirigir “todos os esforços do governo e dos

homens sábios, virtuosos e pacíficos” (ANDRADA E SILVA, 1998:249). Os brasilienses, por

suas vezes, acusavam José Bonifácio de não deixar “que falem os escritos, veículo da opinião

pública”, “com os seus terrores, com as suas sugestões e levando mão das suas arbitrariedades

de devassas, prisões, expatriações; não respeitando a liberdade dos povos, a segurança das

vidas e pessoas dos cidadãos” (CANECA, 1976).

Ocorre que, aproximando-se a data em que deveria se reunir a Constituinte, os

brasilienses dispunham do modelo vintista de constituição para orientá-los, ao passo que os

coimbrões precisavam melhor fixar os contornos de sua proposta de adaptar o ideário

despótico ilustrado para o quadro de um governo constitucional e representativo. Os

coimbrões já haviam rejeitado o constitucionalismo antiquário, embora menos por

inviabilidade prática ou princípios (como faziam os brasilienses), do que pelo fato de que

reconhecerem que a sociedade brasileira, ao contrário da portuguesa, não tivera qualquer

experiência de governo limitado. Das páginas do Correio Brasiliense, Hipólito da Costa

deplorava que, ao contrário dos Estados Unidos, os hábitos e costumes do constitucionalismo

antiquário europeu não houvessem se transportado para o Brasil (COSTA, 1977:72/73). Por

outro lado, o absolutismo também não constituía alternativa: “Desde que qualquer Nação

chega a conhecer o seu poder e a desejar Constituição”, reconhecia José Bonifácio, “o único

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remédio para evitar revoluções, é que os ministros se conformem com as idéias do tempo e

daqueles que podem destruir o governo atual. Tudo está em dar-lhes uma Constituição. Seja

esta mais despótica que liberal - pouco importa, por então” (In: SANTOS, 1999: 214). Por

isso, os coimbrões teriam invariavelmente de recorrer a algum discurso monárquico em torno

da excelência da Constituição Britânica, pela via de sua recepção francesa. Foi então que o

projeto político coimbrão veio, por afinidade e contingência, a recepcionar o projeto e a

ideologia dos monarquianos. A perspectiva da reunião da Constituinte, por si só, já punha os

coimbrões na mesma posição outrora ocupada pelo partido monarquiano – a de defender o

príncipe contra a teoria do poder constituinte de Sieyès, que fazia da assembléia a depositária

exclusiva da soberania, e sua proposta constitucional da monarquia republicana.

Na medida em que atendia aos seus desejos de um governo monárquico forte, dentro,

porém, da moldura constitucional e representativa de um governo misto, foi a leitura da

Constituição Inglesa feita por Mounier, Malouet, Lally e Clermont Tonnerre, disponível então

em diversas coletâneas de discursos da Revolução, que ganhou as simpatias de José

Bonifácio, Carneiro de Campos e dos demais governistas. Em setembro de 1822, Hipólito da

Costa já havia apresentado no Correio Brasiliense um projeto que repartia o poder político

entre o monarca, uma câmara alta e uma câmara baixa (COSTA, 1977: 542 e 620). Invocando

o exemplo da Constituição Inglesa contra os precedentes revolucionários franceses, ele

alertava novamente em dezembro que a Constituinte deveria se limitar a confeccionar a Carta,

não exercendo atribuições legislativas nem se metendo nos negócios do governo –

principalmente quando as circunstâncias excepcionais recomendavam concentração de

poderes executivos (COSTA, 1977:624). Em fevereiro de 1823, o Imperador pleiteava na

imprensa uma Constituição curta e prática, “adaptada ao país” (VIANA, 1967:58); no mês

seguinte, um projeto nessas bases foi apresentado na Loja Maçônica do Apostolado. O

próprio Pedro I, os Andradas e Carneiro de Campos declararam então sua adesão a uma

proposta que “conciliasse os direitos do povo com os do seu imperante, sem ofender as

formas essenciais e constitutivas de uma verdadeira monarquia mista”; repetindo, com

Mirabeau, que o direito de veto era “o maior escudo da liberdade e da segurança pública” (In:

BARATA, 2007: 365 e 367). Na Fala do Trono com que abriu a Constituinte a 3 de maio, o

Imperador reivindicou “uma Constituição sábia, justa, adequada e executável” em que “os três

poderes sejam bem divididos” e cujas bases dessem “uma justa liberdade aos povos”, sem,

todavia, retirar “a força necessária ao Poder Executivo” (AACB, 03/06/1823). Por fim, num

artigo publicado em setembro na imprensa da Corte, o secretário particular do Imperador,

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Francisco Gomes da Silva, o Chalaça (1791-1852), colocaria o dilema político com toda a

clareza e impaciência: “Ou queremos monarquia constitucional, isto é, um governo misto, ou

queremos uma monarquia republicana” (In: VIANA, 1967:174).

Contra o projeto da monarquia republicana, os coimbrões dispunham de algumas

vantagens em relação aos seus predecessores; a primeira das quais era explorar os fracassos

da monarquia republicana (1791) e da república jacobina (1793). Denunciando suas

pretensões “inteiramente teoréticas e inexeqüíveis”; que haviam levado a França à “anarquia

de muitos” e depois ao “despotismo de um só”, Pedro I rechaçava aqueles dois modelos para

encomendar à Constituinte uma Carta assentada em “bases sólidas”, capazes de dar “aos

povos uma justa liberdade, e ao Poder Executivo, toda a força de que ele precisa” (AACB,

03/05/1823). Do plenário da Constituinte, José Bonifácio corroborou a declaração imperial, a

identificando à vontade geral do Brasil por ele representada: “O povo brasileiro (...) quer

constituição, mas não quer demagogia nem anarquia”. Com suas assembléias caóticas e seus

reis fantoches, a monarquia republicana gerava guerras civis e golpes de Estado onde fosse

adotada, fossem França, Espanha ou Portugal. Por outro lado, a França conseguira estabilizar

o governo constitucional desde que, restaurada, a monarquia legítima instaurara uma Carta

inspirada na Constituição da Inglaterra; que limitava as atribuições do governo sem esvaziá-lo

de todo (AACB, 0605/1823). Outra vantagem residia no argumento de que a independência

política fundava uma monarquia nova, moderna e brasileira - e não o mero remanejamento da

velha monarquia bragantina para o território da antiga colônia. Essa idéia de modernidade do

Império permitia aos coimbrões, para justificar sua precedência sobre os demais poderes

constituídos, alegar que o poder do Imperador havia sido conferido democraticamente pela

Nação. Ao respaldar o poder imperial na vontade do povo francês, por intermédio do

referendo, Napoleão Bonaparte oferecia um modelo democrático de legitimação da autoridade

do príncipe que, aos olhos de José Bonifácio e Carneiro de Campos, lhes permitiria defender o

poder da Coroa, sem recorrer à fundamentação teocrática ou tradicional, que por toda a parte

justificava o seu enfraquecimento ou extinção37.

A solenidade de aclamação do Príncipe Regente como Imperador, a realizar-se na data

do seu aniversário, 12 de outubro, no Campo de Santana, constituiu a ocasião ideal para

revestir sua autoridade monárquica de legitimidade democrática. Ao instruir o príncipe para

37 De fato, apesar do ódio de sua família, Dom Pedro admirava Napoleão por sua tripla competência militar, política e administrativa; além disso, por conta de seus dois casamentos – o primeiro, com uma irmã de Maria Luísa da Áustria; o segundo, com uma neta de Josefina -, o príncipe se tornara seu parente, o que muito o agradava (SOUSA, 1972).

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que não jurasse fidelidade à constituição a ser elaborada pela Constituinte, José Bonifácio

frustrou o plano arquitetado por Ledo e seus amigos de sujeitar o príncipe à futura assembléia,

na qual esperavam prevalecer (In: SANTOS, 1999: 286). Na medida em que, desse modo,

Dom Pedro foi aclamado sem qualquer outro compromisso, que o do governar como

Imperador Constitucional, o Patriarca difundiu a tese de que, naquele momento, de corpo

presente, a massa da Nação fizera do príncipe o primeiro representante de sua soberania; que

ela lhe havia delegado diretamente, sem intermediação, o exercício do poder soberano

indispensável para que, naquela qualidade, o Imperador pudesse velar pelos seus interesses; e

que correspondia, naturalmente, ao conjunto de prerrogativas que cabiam à Coroa, em

qualquer verdadeira monarquia constitucional. Segundo José Bonifácio, havia sido celebrado

em três etapas o pacto entre príncipe e Nação soberana. A primeira se delas ocorrera em

janeiro de 1822, quando o Senado da Câmara do Rio de Janeiro, em nome de toda a Nação,

ofertara ao Regente o sugestivo título de Defensor Perpétuo do Brasil. Depois da

independência, a Nação reiterara de forma expressa e inequívoca sua vontade de constituir

Dom Pedro o primeiro representante de sua soberania, ao aclamá-lo Imperador constitucional,

no Campo de Santana. De sorte que a cerimônia de sagração e coroação, a 1º de dezembro,

havia sido a solenidade última por que se tornara perfeita e acabada a manifestação daquela

vontade soberana. O príncipe não governava, portanto, porque era herdeiro do trono do Reino

de Portugal, mas porque a Nação brasileira assim o quisera, exprimindo-se num ato público

que desvelara a vontade divina. Daí que, na conformidade da fórmula que antecederia todos

os atos imperiais, Dom Pedro seria “por graça de Deus e unânime aclamação dos povos,

Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil”. Essa teoria cesarista da origem

democrática da autoridade do príncipe brasileiro fulminava qualquer tentativa de reproduzir o

modelo da monarquia republicana.

Isto posto, em decorrência daqueles atos, o Imperador se tornara o primeiro

representante do povo e seu interlocutor privilegiado, adquirindo uma posição de primazia

sobre os demais poderes constituídos. Por conseguinte, ao se reunirem na assembléia

constituinte, em maio de 1823, os deputados não poderiam em hipótese nenhuma arrogar a

qualidade de depositários exclusivos da soberania nacional, ficando limitados a reduzir o

pacto entre o príncipe e a Nação a termo, estabelecer o rol dos direitos fundamentais e

organizar os poderes restantes, que eram o Legislativo e o Judiciário. Pretender ir além

importaria violar o juramento de guardar fidelidade à vontade nacional, com que os deputados

haviam assumido seus mandatos. Daí porque, ao abrir as sessões da Constituinte, ao invés de

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jurar de antemão fidelidade à futura constituição, Pedro I declarou que a defenderia desde que

ela fosse digna dele e do Brasil. Emprestada de Luís XVIII (In: ROSANVALLON,

1994:250), a expressão queria dizer que, na condição de defensor primeiro e perpétuo dos

interesses da Nação, por livre vontade dela e não de direito divino, o Imperador poderia

exercer um direito de veto sobre anteprojeto, caso o julgasse atentatório ao interesse público

ou ao bem comum, tendo legitimidade para dissolver a assembléia e convocar uma nova. Sem

tirar nem pôr, era o mesmo argumento, visto no capítulo anterior, com que Malouet justificara

em 1789, o direito que, no seu entender, tinha Luís XVI de vetar o futuro projeto elaborado

pela assembléia nacional francesa. Seria com base nele, portanto, que os coimbrões

justificariam como perfeitamente legítima e constitucional a decisão de Dom Pedro de

dissolver a assembléia, em novembro de 1823, sem recorrer às fundamentações reacionárias

de Bonald, então em voga na Europa.

A tentativa coimbrã de justificar a autoridade da Coroa sobre a teoria da soberania

nacional não pode ser compreendida, portanto, fora desse contexto meta ou

semiconstitucional dentro do qual a luta política se desenrolava em 1822 e 1823. Difundido

na Espanha e em Portugal, o costume de jurar constituições por fazer, adotar em caráter

provisório a de outros países ou simplesmente de se jurar as bases de umas e outras, reforçava

na opinião pública a crença de que haveria um estado de constitucionalidade

independentemente de haver constituição; ou seja, que pela simples vontade da Nação de

aderir ao governo constitucional e representativo, havia uma espécie de estado constitucional

de natureza transitório que poderia vigorar até que a constituição fosse elaborada e se

concluísse a transição começada com a decisão de abandonar o absolutismo monárquico.

Como conseqüência dessa concepção pré-positivista e jusnaturalista, a Constituição era

geralmente entendida como um conjunto de princípios abstratos que organizava

legitimamente a sociedade política – princípios como soberania nacional, representação

política, separação dos poderes e direitos fundamentais. Era por causa disso que Dom Pedro

podia ser aclamado Imperador constitucional, antes mesmo de reunida a Constituinte –

porque, mesmo sem dispor de uma constituição escrita, o Brasil já se achava naquele estado

constitucional definido por bases extraídas do direito natural. O problema é que coimbrões e

brasilienses não estavam de acordo acerca das “bases” sobre as quais repousaria essa

constitucionalidade provisória. Desde a abertura da Constituinte, ambos vinham se disputando

menos em torno do estado de coisas a ser efetivamente criado pela futura Carta do que pela

interpretação dos acontecimentos relativos e posteriores ao Fico, que determinariam a forma

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de representação política do povo e a primazia da assembléia ou do príncipe. Como na França

de 1789, esta era uma disputa que só poderia ser resolvida quando, dividida entre

monarquianos coimbrões e republicanos brasilienses, a maioria constituinte decidisse sobre o

direito de veto e de dissolução que eram reivindicados pelo Imperador.

Até que tal ocorresse, haveria indeterminação e luta. Suscitada a questão das relações

entre Constituinte e Imperador às vésperas da abertura da assembléia, por conta da preparação

do respectivo cerimonial, o referido Antônio Carlos de Andrada Machado já dava o tom de

defesa das prerrogativas monárquicas. Aos que acreditavam na soberania da assembléia, ele

advertiu que o poder dela e o da Coroa decorriam de delegação da autoridade da soberana

verdadeira, que era a Nação. Se havia que se falar em superioridade de algum dos poderes

constituídos, este certamente seria o do Imperador, porque sua influência sobre os demais

órgãos do Estado era “da essência da monarquia constitucional”. Contra a teoria do poder

constituinte, que atribuía exclusividade à assembléia na representação da soberania, Antônio

Carlos alegava que a Nação constituíra o Imperador seu primeiro representante; que havia

sido ele quem convocara a Constituinte e que, por isso, os deputados não poderiam questionar

a precedência da Coroa, o que importaria em usurpação da soberania (AACB, 02/05/1823).

Dois dias depois, discutindo a Fala do Trono, durante a qual Pedro I condicionara sua adesão

ao futuro projeto de Constituição, Antônio Carlos repetiu a lição: “A Nação elegeu um

imperador constitucional, deu-lhe o Poder Executivo e o declarou chefe hereditário; nisto não

podemos nós bulir. O que nos pertence é estabelecer as relações entre os poderes, de forma,

porém, que se não ataque a realeza; se o fizermos, será a nossa obra digna do imperador,

digna do Brasil e da assembléia” (AACB, 06/05/1823). Depois de repetir o mote de Mirabeau

para sustentar que o povo brasileiro não era composto de selvagens que vinham nus para

formar uma sociedade, José Joaquim Carneiro de Campos repetiu que o pacto social

brasileiro já estava “ajustado e firmado” desde o ano anterior, cabendo à assembléia somente

“especificar as condições indispensáveis para fazer aquele pacto profícuo, estável e firme”.

“A soberania é inalienável: a Nação só delega o exercício de seus poderes

soberanos. Ela nos delegou somente o exercício do Poder Legislativo e nos

encarregou de formarmos a Constituição de um governo por ela já escolhido e

determinado; pois muito antes de nos eleger para seus representantes, tinha já

decretado que seria monárquico constitucional e representativo. Ela já tinha

nomeado o Senhor Dom Pedro de Alcântara seu supremo chefe, seu monarca, com

o título de Imperador e Defensor Perpétuo. Estas bases jamais podem ser alteradas

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pela Constituição que fizermos ou por qualquer decreto ou resolução desta

assembléia” (AACB, 26/06/1823).

2.3. As três representações monarquianas do Poder Moderador durante a Constituinte.

A ambigüidade de sua institucionalização na Constituição do Império.

A conseqüência foi que, “constituídos” sem prévia Constituição, as relações entre os

o governo e a assembléia se desenvolveram em torno de bases provisórias sobre as quais não

havia consenso. Não tornava mais fácil a convivência o acúmulo, pela Constituinte, do Poder

Legislativo ordinário, quando a guerra, o reconhecimento do Império e a construção do

Estado recomendavam justamente a concentração de poderes na Coroa. Os coimbrões

achavam que o governo ficava cada vez mais dependente de uma assembléia cujos deputados

subordinavam suas posições à ambição de pastas ministeriais e investimentos em suas

províncias. Por outro lado, aspirando à descentralização, a assembléia só tolerava o regime

centralizado enquanto expediente transitório à manutenção da ordem. Caso prevalecesse o

entendimento de que ela era soberana, se esvairia qualquer esperança de controle do processo

político e de estabilidade institucional. Convencer a maioria da assembléia de que as bases

constitucionais correspondiam às do projeto monarquiano de 1789 e não às da monarquia

republicana de 1791 lhes parecia o único meio de impedir o colapso do projeto de um Império

ordeiro e progressista. Entretanto, argumentos puramente monarquianos talvez não fossem

suficientes. Foi nesse quadro que, logo nas primeiras sessões da Constituinte, os coimbrões

começaram a mobilizar o conceito de Poder Moderador. Dois anos antes, José Bonifácio já

sugerira aos deputados paulistas que partiam para Lisboa que propusessem um tribunal de

censura para a Constituição do Império Luso-Brasileiro - muito semelhante, aliás, ao júri

constitucional planejado por Sieyès. Ele teria por funções declarar a inconstitucionalidade dos

atos normativos dos poderes constituídos; verificar a regularidade das eleições dos deputados

contra fraudes e suspender os ministros e magistrados a requerimento (ANDRADA E SILVA,

2002:127). No entanto, não se tocou mais no assunto até a abertura da Constituinte.

Embora, na origem, remontasse ao sentido monarquiano que Saint-Pierre lhe

conferira, em 1823 seu conteúdo semântico era aquele que lhe havia sido atribuído por

Constant e se difundira no início do reinado de Luís XVIII - o de poder neutro, meramente

arbitral. A elite coimbrã estava pessimista quanto à possibilidade de derrotar o modelo vintista

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de monarquia republicana, que triunfara em Portugal com o apoio de deputados brasileiros

que, depois da independência, agora se dirigiam ao Rio para assumir mandatos na

Constituinte, como Francisco Muniz Tavares (1793-1876), Pedro de Araújo Lima (1793-

1870), José Lino Coutinho (1786-1836), José Custódio Dias e José Martiniano de Alencar

(CARVALHO, 1979). Tudo leva a crer que os governistas brasileiros empunharam na

assembléia o estandarte do Poder Moderador diante da perspectiva de enfrentamento com os

brasilienses no terreno “metaconstitucional”. O estratagema envolvia uma engenhosa linha de

argumentação: o Poder Moderador era uma invenção da moderna escola francesa de direito

público e destarte insuspeita. Segundo Constant, Chateaubriand e Lanjuinais, as atribuições

daquele poder compreendiam o direito de veto e o direito de dissolução, que eram, assim, da

essência de toda a monarquia constitucional (CONSTANT, 1997:324). No Brasil, já havia um

Estado independente e, por aclamação popular, seu regime era o monárquico constitucional;

por conseguinte, isto é, por ser da sua essência, o Poder Moderador também já existia e o

Imperador já detinha suas atribuições, na qualidade de Defensor Perpétuo do Brasil. Estava

armada a arapuca retórica. O fato de se tratar de um slogan da esquerda liberal francesa

convertia-o num formidável artifício retórico de que os brasilienses dificilmente conseguiriam

se desembaraçar. Com seus fumos liberais, a maioria declarava seguir cegamente “a opinião

do célebre Benjamin Constant, publicista muito elogiado pelos mais ilustres deputados desta

assembléia” (AACB, 15/07/1823).

Grosso modo, foram três as representações ou visões do conceito de Poder

Moderador apresentadas durante a Constituinte, bem como os deputados governistas e

antiescravistas que as desenvolveram - os nossos já conhecidos Antônio Carlos de Andrada

Machado, José Joaquim Carneiro de Campos e João Severiano Maciel da Costa. Eram elas -

primeiro, o Poder Moderador transmitia a imagem de um governante suprapartidário,

desinteressado e acima da política; segundo, a de um poder de exceção a serviço do sistema

constitucional; terceiro, a figura de um avalista ou artífice da centralização político-

administrativa. Em todos os três casos, o Poder Moderador era apresentado como o instituto

constitucional que asseguraria à Coroa o poder de preservar no Império o interesse público,

entendido como imparcialidade, equilíbrio institucional ou interesse nacional, contra o

interesse particular representado, respectivamente, pelo político ordinário, movido por

paixões e apetites; pelas facções partidárias, instaladas na assembléia; e, enfim, pelas

províncias, com suas oligarquias bairristas e sua tendência ao centrifuguismo.

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Na primeira dessas visões, o Poder Moderador era apresentado por Antônio Carlos

de Andrada Machado (1773-1845) menos como um poder político de conteúdo definido do

que como um lugar privilegiado e inalcançável ocupado pelo chefe do Estado, cuja posição

imporia aos deputados cercá-lo de cerimonioso respeito. O monarca era “o poder influente e

regulador, a coluna mestra da sociedade”. Ele era “superior a todos os outros poderes, a quem

nenhuma das manifestações de submissão, de deferência e de respeito jamais pode ser

degradante”. Detendo, “acima das nossas fraquezas e paixões” (AACB, 30/04/1823), o

monopólio do interesse público, o monarca, como “ser metafísico”, era o único estadista em

condições de regular o funcionamento dos demais poderes, por ser “distinguir o verdadeiro

interesse da sociedade e de se guiar por ele” (AACB, 22/05/1823). E distinguia desse modo a

monarquia constitucional da monarquia absoluta:

“Quando uma Nação é regida por um só indivíduo, o governo (...) é monárquico

se o poder é hereditário na dinastia reinante e se o monarca tem alguma parte, ao

menos, no supremo Poder Moderador nacional. Se todos os poderes se

concentram num só homem, a monarquia é absoluta, a qual, porém, se difere do

despotismo em ser o poder exercitado segundo leis fixas (...). Se os poderes são

divididos, ficando a legislação na mão dos representantes nacionais, e o Poder

Executivo na mão de um monarca hereditário, inviolável e com alguma influência

sobre os outros poderes, temos o que chamamos monarquia constitucional

representativa” (AACB, 16/05/1823).

Assim, enquanto Constant declarava que o monarca estava acima da política

enquanto poder neutro, Antônio Carlos declarava que ele o estava não apenas como tal, mas

enquanto chefe do Poder Executivo. Bom conhecedor de retórica; recém chegado das Cortes

lisboetas; Andrada Machado ressaltava o caráter moderno do Poder Moderador como

argumento de autoridade. Um deputado que desconhecia ou negava o seu caráter de

centralidade numa monarquia constitucional confessava publicamente sua ignorância do

próprio sistema representativo. Nesse caso, “o que diriam as Nações cultas da Europa?”

(AACB, 30/04/1823). Os adversários que não se submetessem ao argumento de autoridade

ficavam assim advertidos do ridículo em que poderiam incorrer diante de todo o país

representado na assembléia. Por outro lado, ao enfatizar a inviolabilidade do monarca, o

irmão de José Bonifácio refletia os anseios do Imperador: na medida em que a irreverência da

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imprensa afrontaria aquele princípio, derivado do Poder Moderador, Pedro I julgava merecer

mais respeito da oposição38.

No entanto, a natureza ampla do quarto poder só ficou patente na defesa que, no

quadro de uma teoria compreensiva do governo representativo, lhe fez o mais brilhante

publicista coimbrão. Para José Joaquim Carneiro de Campos (1768-1836), futuro Marquês de

Caravelas, o Poder Moderador era um poder de exceção a serviço da salvaguarda do sistema

constitucional. Como Aristóteles, Carneiro de Campos entendia as formas de governo como

arquétipos constitucionais que subjaziam às maneiras de organização social de cada sociedade

particular. “Os governos se distinguem pelas suas formas externas”, explicava. “O caráter

particular que constitui a sua natureza e classifica a sua espécie, só a poderemos achar nos

poderes que exercem as diversas autoridades que o compõe” (AACB, 26/06/1823). A partir

desse critério, ele concluía que havia quatro formas de governo: república pura ou

democrática, república representativa ou aristocrática, monarquia pura ou absoluta, e

monarquia constitucional, representativa, temperada ou limitada. República e monarquia

puras eram tipos perfeitamente contrários: a primeira era uma forma de governo na qual o

povo ou a nação participava diretamente do governo, tanto quanto, na monarquia absoluta ou

despotismo, apenas o monarca exercia o poder. A grande novidade instituída nas últimas

décadas havia sido o governo constitucional representativo, entendido por Carneiro de

Campos como uma moderna forma de governo misto. Neste gênero de constituição, a

influência popular decrescia em relação à república pura ou democracia. Já não era a Nação

que deliberava e legislava por si mesma; mas os representantes dela, eleitos para desempenhar

essa função. Simetricamente, o governo já não se achava concentrado nas mãos de um único,

como na monarquia absoluta. Este gênero misto de governo, que era o constitucional e

representativo, não se caracterizava, todavia, por uma única espécie. Depois daquela da

Inglaterra, desde o final do século anterior haviam surgido outros na Europa continental e na

América, de espécies variadas. Para Carneiro de Campos, a única forma de distingui-las

passava por identificar, nelas, o elemento político preponderante – se o chefe da Nação,

elemento monárquico, ou a Assembléia, elemento republicano. No primeiro caso, o governo

38 Escrevia então Pedro I: “Não posso levar à paciência que todos queiram e gritem Constituição e não queiram a inviolabilidade do monarca em toda a sua extensão ilimitada, como deve ser. Eu sou constitucional por princípio, já o era antes de se proclamar em Portugal; não sou como muitos que querem a Constituição e sabem tão pouco o que ela é (...). Depois estive na Inglaterra e vi o bem executado sistema, ainda mais constitucional fiquei, vi que o Rei é um ente moral respeitadíssimo como tal e por isso inviolável. (...) Sendo o Rei o Poder Moderador, era mister que ninguém lhe pudesse pedir contas, seus ministros é que são responsáveis por tudo, mas não de bagatelas, como é agora moda no sistema constitucional de 1791” (In: VIANA, 1967:96).

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deveria ser classificado como mais próximo da monarquia; no segundo, a constituição seria

mais inclinada para a república.

O governo constitucional e representativo se partia, assim, em dois tipos

intermediários. O primeiro tipo era o da aristocracia, república ou democracia

representativa, caracterizado pela hegemonia do elemento aristocrático, ou seja, da

assembléia eleita pela Nação. Este último envolvia as repúblicas representativas confessas,

como os Estados Unidos da América, e aquelas disfarçadas de monarquias, como a França de

1791, a Espanha de 1812 e o Portugal de 1822. Sua marca era a fraqueza do chefe de Estado:

o chefe de Estado não tinha direito de veto, ou este era muito débil; o Legislativo enfeixando

competências maiores e mais importantes. Embora pudessem eventualmente se intitular

monárquicas, repetia Carneiro de Campos, essas constituições eram na verdade aristocracias

representativas, isto é, um governo misto republicano. Já a primeira espécie – monarquia

constitucional - tinha por referência a Constituição da Inglaterra; ela era “um governo misto,

que se combina umas vezes com elementos democráticos, outras com a aristocracia e

democracia juntamente” (AACB 26/06/1823). Aí, o poder monárquico garantia sua

ascendência ou o equilíbrio político graças ao direito de veto e de dissolução frente ao poder

aristocrático ou democrático representativo, representado pela assembléia. A monarquia

constitucional tinha, portanto, duas características. A primeira era a outorga, a uma

assembléia, da atribuição privativa de produzir projetos de lei, o que reduzia o antigo poderio

monárquico absoluto. A segunda estava, simetricamente, na participação do monarca no

processo legislativo, conferindo-lhe o poder de vetar os projetos de leis que julgasse nocivos à

causa pública. O futuro Caravelas julgava que, fazendo do chefe da Nação, na qualidade de

Poder Moderador, o guardião da Constituição, ela ficaria estruturalmente garantida, como

governo misto, contra a famosa tendência das assembléias de expandir seus poderes para além

dos legalmente fixados. Havia sido a sistematização das reflexões sobre o Poder Moderador

por teóricos contemporâneos da monarquia constitucional, como Benjamin Constant, que

resolvera aquele que era o problema central da política moderna: forjar uma ordem

institucional capaz de equilibrar as justas aspirações à liberdade, materializadas no

reconhecimento dos direitos fundamentais dos cidadãos e da esfera social, e a necessidade de

ordem, materializada na preservação da segurança pela autoridade pública no âmbito do

Estado.

“O monarca constitucional, além de ser o chefe do Poder Executivo, tem demais

o caráter augusto de defensor da Nação: ele é sua primeira autoridade vigilante,

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guarda dos nossos direitos e da Constituição. Esta suprema autoridade que

constitui a sua pessoa sagrada e inviolável, e que os mais sábios publicistas deste

tempo têm reputado um poder soberano distinto do Poder Executivo por sua

natureza, fim e atribuições - esta autoridade, digo, que alguns denominam poder

neutro ou moderador e outros tribunício, é essencial nos regimes representativos.

Em verdade, senhores, desde o momento em que a Nação, não podendo exercer

por si mesma todos os seus poderes, delega o exercício deles, uma saudável

desconfiança de perder a sua liberdade e cair debaixo do jugo da tirania, se coloca

ao lado da confiança que ela tem nos seus mais acreditados representantes. A

Nação não ignora que todo poder tende por si mesmo a ampliar-se, e que é da

natureza do homem amar o poder. Nas monarquias representativas, dois riscos há

a correr: primeiro, a reunião dos poderes no corpo legislativo; o que constituiria a

tirania de muitos; segundo, a reunião dos poderes do chefe da Nação, o que lhe

daria o caráter de um monarca absoluto, e formaria a tirania de um só. Para

conservar a liberdade entre estes dois escolhos, é indispensável que o Poder

Legislativo e o monarca sejam armados de uma igual vigilância: o Poder

Legislativo sobre os ministros, que no exercício do Poder Executivo podem

favorecer a tirania de um só; e o monarca sobre o corpo legislativo, para que este

não possa sair dos limites que a natureza tem marcado. Estas considerações deram

nascimento ao Poder Moderador, que é o baluarte da liberdade pública e a mais

firme garantia para a Nação que nós, que somos os seus legítimos representantes,

e os que nos sucederem em outras assembléias, jamais nos transformaremos em

seus senhores e tiranos. (...). Estes mandatários, aliando, à augusta função que lhe

é confiada aos cuidados, todas as ambições que atormentam os homens; a sua

vontade e o seu interesse particular e pessoal, podendo achar-se em contradição

com a vontade e interesse geral, cumpre que a Nação constitua a sua sentinela

naquele que é superior a todas as considerações e interesses particulares e que tem

um interesse eminente em manter a Constituição pela qual existe como monarca”

(AACB, 26/06/1823).

Por conseguinte, o Poder Moderador de Carneiro de Campos não derivava

simplesmente de uma qualidade da realeza ou da natureza das coisas. Ele era o direito que

tinha a Nação de ser protegida pelo representante do bem comum quando estivesse

desprovida de meios de autodefesa contra o particularismo dos interesses legislativos; a

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autoridade imparcial capaz de manter in extremis a ordem constitucional, contra as veleidades

facciosas e particularistas de seus representantes eleitos. Como, em razão de seu excesso de

trabalho e pouca instrução, o povo soberano não podia agir por conta própria para fazer valer

seus interesses (AACB, 28/07/1823), o governo constitucional representativo requeria a

criação daquele poder que, “como atalaia da liberdade e dos direitos do povo, inspeciona e

equilibra todos os outros poderes” (AACB, 1823, 26/06/1823). Delegado ao Imperador por

aclamação popular, o Poder Moderador era a “suprema autoridade vigilante” da Nação, cuja

missão era “impedir a perturbação da ordem pública e o disfuncionamento da máquina

política” (AACB, 28/07/1823). “Remédio extremo e instância última do sistema

constitucional”, o Poder Moderador deveria ser aplicado quando não houvesse “outro meio

ordinário e pacífico de evitar danos iminentes ao Estado” (AACB, 23/06/1823). O Poder

Moderador era, portanto, um poder discricionário excepcional, exercido pelo chefe do

Executivo para salvar um regime constitucional incipiente e frágil, despido de tradições no

Brasil e, por isso, ameaçado tanto pela demagogia quanto pelo absolutismo - um sucedâneo

aperfeiçoado, como seu irmão reconheceria depois, da ditadura romana, descrita por

Maquiavel.

A última das leituras do Poder Moderador - a de João Severiano Maciel da Costa,

futuro Marquês de Queluz (1769-1833) -, associa diretamente o chefe do Estado diretamente à

centralização político-administrativa. Para Maciel da Costa, a experiência francesa do senado

napoleônico comprovara que a defesa da Constituição e a estabilização institucional deveriam

ficar a cargo do próprio imperante porque, além do poder de execução das leis, ele tinha “o

supremo Poder Moderador” em virtude do qual “ele vigia como atalaia sobre todo o Império;

é a sentinela permanente, que não dorme, não descansa”. Queluz invocava uma imagem muito

comum no debate político da época para qualificar o papel a ser exercido pelo príncipe: ele

era “o Argos político, que com cem olhos tudo vigia; tudo observa”. Mas ele ia além, ao

conferir ao monarca a condição de um representante existencial da soberania. Com sua

centena de olhos, o chefe de Estado “tudo toca; tudo move; tudo dirige; tudo concerta; tudo

compõe, fazendo aquilo que a Nação faria se pudesse”. Para que a Coroa pudesse exercer sua

vigilância a contento num país vasto como o Brasil, porém, ela carecia de meios

administrativos que lhe dessem “olhos e braços por todo o Império” (AACB, 1823, V: 164 -

208). Para tanto não bastaria atribuir tal papel ao Judiciário, porque também ele deveria estar

sujeito à vigilância do Imperador, na qualidade de emanação da soberania nacional. Era dessa

forma que o futuro Marquês de Queluz invocava o Poder Moderador contra a própria opinião

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de Constant, ele mesmo descentralizador moderado (CONSTANT, 1997:423), para justificar

a centralização político-administrativa, contra as pretensões de autonomia das províncias. A

necessidade assegurar o bem comum contra o interesse particular, que produzia a figura do

governante acima da política e seu papel de guardião da Constituição, produzia agora o elogio

da centralização edificada em torno de sua pessoa. Identificado, no primeiro caso, aos

políticos ordinários, e no segundo, às facções parlamentares, o interesse privado contra o qual

a Coroa precisava velar eram, agora identificado àqueles representado pelas províncias.

“Esses olhos, esses braços, são as autoridades provinciais, que vêem e tocam por

ele e com ele estão em contínuo contato; relações estas que não quadram aos

membros do poder judiciário, que deve ele mesmo ser vigiado, sobreroldado (...).

Não há, senhores, outro meio nenhum de governar um grande país: dividir a

guarda e a vigia da observância das leis por tantas autoridades subalternas, quanto

bastem para o feliz desempenho; premiar os zelosos e exatos; punir os infiéis e

negligentes” (AACB, 1823, V:164).

Entretanto, registre-se que, como outrora na França, os coimbrões não falaram para

um auditório passivo. A doutrina da paridade ou da precedência do Imperador frente à

assembléia foi contestada pela oposição brasiliense com a teoria do poder constituinte,

apoiando-se nos monarquistas republicanos contra os argumentos monarquianos de seus

adversários e praticamente replicando o embate travado na França em 1789. “Alguém

duvidaria que esta Assembléia é soberana, constituinte e legislativa, por ser representante da

Nação, cujas prerrogativas não poderiam ser comunicadas em virtude de sua indivisibilidade

originária ?”, perguntava o deputado José Custódio Dias. “Sou reconhecido ao Imperador

constitucional, a quem respeito e cuja figura farei respeitar, mas nos limites da lei (...). O resto

é servilismo” (AACB, 02/05/1823). Além dessa rejeição geral da teoria metaconstitucional

dos coimbrões, o deputado pernambucano Francisco de Paula de Almeida e Albuquerque

(1800-1869) também refutou o argumento do Poder Moderador que permitiria ao Imperador

vetar os projetos legislativos elaborados pela Constituinte. Embora concordasse

expressamente com a ponderação de Malouet para reconhecer que “o chefe da Nação é o

guarda nato da felicidade geral; é aquele a quem pertence vigiar sobre todos os outros

poderes”, Albuquerque defendia que o direito de veto defendido por aquele monarquiano só

aproveitaria ao Imperador depois de promulgada a Constituição, pois era a assembléia que, na

posse da soberania nacional, deveria fixar como e quando o monarca deveria exercer aquela

prerrogativa (AACB, 26/06/1823). No entanto, curiosamente, nenhum deputado atacou o

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Poder Moderador como instrumento do despotismo. Isso não significa que os brasilienses não

adivinhassem o cavalo de Tróia; significa que eles encontraram dificuldades para

fundamentar, de forma adequada, a alegação de que a teoria de Constant estava sendo

mobilizada para fins contrários àquilo que eles percebiam como verdadeiramente

constitucional. Foi o deputado Henriques de Resende, todavia, quem com mais veemência

combateu os argumentos monarquianos mobilizados pelos coimbrões:

“Dizem que a assembléia não é infalível e é sujeita às paixões. E o Imperador é

um anjo, não tem paixões? O Imperador é mais sujeito a essas paixões, porque

tem para elas mais incentivo: comanda a força, dá os empregos, as honras e é

quem executa as leis; por isso tem mais interesse em que elas sejam a seu jeito.

Nós nada disso temos e somos temporários; tornamos para o que antes éramos. A

assembléia não é infalível, e o Imperador é? Nego. É tanto homem como nós, e

ademais tem maiores entraves para ver a verdade, mais incentivo às paixões.

Quando os povos nos mandaram aqui para fazer a Constituição e as reformas

indispensáveis, estavam convencidos que essa constituição essas reformas eram

necessárias e sabiam quais eram elas. Viemos com plenos poderes; a constituição

e as reformas devem ser efetivas e de nenhuma forma devem depender da sanção

imperial os decretos da assembléia constituinte” (AACB, 26/06/1823).

Mas acontecimentos ulteriores comprometeram a estratégia e a força do grupo

coimbrão: devido às perseguições promovidas contra os brasilienses em geral e Gonçalves

Ledo em particular (a esta altura, refugiado em Buenos Aires), o Imperador acabou se

indispondo com os Andradas, que se retiraram do governo em julho de 1823. Nomeado para o

lugar de José Bonifácio, Carneiro de Campos tentou contemporizar com os brasilienses,

levantando a perseguição na esperança de que melhor conseguiria assim preservar a influência

da Coroa (ARMITAGE, 1981:78). Porém, os Andradas logo começaram a hostilizar o novo

governo a fim de, por meio de uma oposição de retórica nacionalista, angariar a maioria da

Constituinte e convencer o Imperador a chamá-los de volta ao poder. Embora partilhassem o

ideal de um governo monárquico forte, Bonifácio e os irmãos rivalizavam com a alta

burocracia que havia trabalhado no Rio de Janeiro com diversos ministros do Reino, como

Vila Nova Portugal, Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846) e os condes de Palmela (1781-

1850) e dos Arcos (1771-1828) (MONTEIRO, 1981). Os mais eminentes representantes

políticos dessa burocracia eram justamente os conselheiros ministeriais e desembargadores do

segundo escalão da administração joanina, como José Joaquim Carneiro de Campos, José

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Severiano Maciel da Costa, Manuel Jacinto Nogueira da Gama, Luís José Carvalho e Melo

(1764-1826) e Antônio Luís Pereira da Cunha. Pelas páginas do jornal O Tamoio, os

Andradas acusavam o governo de ter tendências pró-lusitanas ou, pelo menos, de

indesculpável neutralidade em matéria de nacionalismo, conveniente para continuarem a fruir

das benesses do Estado. No fundo, porém, tratava-se de uma briga de família – tanto que, se O

Tamoio apostava no discurso xenófobo das folhas do vintismo radical urbano, dirigidas por

Cipriano Barata e João Soares Lisboa, estava longe, porém, de partilhar de seu projeto

político, que era o mesmo de Caravelas. Ou seja, era um monarquianismo nacionalista39.

Fracionada a frente governista, o gabinete Carneiro de Campos experimentou

sucessivas derrotas na tentativa de limitar os poderes da Constituinte e de garantir ao

Imperador o direito de veto da legislação ordinária. Por sua vez, o anteprojeto constitucional

apresentado em setembro por Antônio Carlos excluía das atribuições imperiais o direito de

dissolução da câmara - ainda que mantivessem outras características monarquianas, como o

bicameralismo, o veto quase absoluto do Imperador e uma rigorosa centralização político-

administrativa. Os Andradas reforçavam assim a pressão sobre a Coroa. Por fim, o episódio

do “brasileiro resoluto” reproduziu cenas que, aos olhos de muitos, evocavam as cenas da

Revolução Francesa, com populares armados no meio do plenário, enquanto os Andradas

discursavam contra os inimigos da Pátria40. Vendo os episódios de 1789 na iminência de se

39 Por um lado, os Andradas criticavam o gabinete Caravelas como integrante de um “partido neutro ou do ventre”, “absolutamente indiferente ao futuro político do Brasil”; que só tinha em mira “a conservação de suas fortunas, ordenados, pensões, ou o acréscimo de novas”. Por outro, criticavam Cipriano Barata, para quem a deputação constituinte se achava coarctada: “Toda a gente desta capital sabe a excelente harmonia em que marcham os supremos poderes da Nação, o Imperador e a Assembléia, toda ela conhece os sentimentos de um e a liberdade com que a outra discorre e delibera (...). Não nos admira o desaforado descaramento com que o Barata mente e anarquiza os povos”. O jornal de Barata, o Sentinela de Pernambuco, só cuidaria de “comunicar aos povos incautos a sua labareda revolucionária” (In: LIMA SOBRINHO, 1973:58/59). 40 Na ocasião, Antônio Carlos convidou o povo para descer das galerias e ocupar o plenário da assembléia a fim de, lado a lado com os demais deputados, ouvissem seu discurso jacobino contra os inimigos do Brasil: “Não somos nada, se estúpidos vemos, sem os remediar, os ultrajes que se fazem, ao nobre povo do Brasil, estrangeiros que adotamos nacionais e que assalariamos para nos cobrirem de baldões (...). Os cabelos se me eriçam, o sangue ferve-me em borbotões à vista do infando atentado; e quase maquinalmente grito: vingança! (...) Poderei ser assassinado: não é novo que os defensores do povo sejam vítimas do seu patriotismo; mas meu sangue gritará vingança, e eu passarei à posteridade como o vingador da dignidade do Brasil”. Para seu irmão Martim Francisco, ex-ministro da Fazenda, havia se tornado crime “amar o Brasil, ser nele nascido e pugnar pela sua independência e pelas suas leis”. O orador foi interrompido por deputados e populares que, do plenário e das galerias, aplaudiram o discurso com entusiasmo. O pedido do Presidente da Assembléia para que se fizesse o silêncio exigido pelo regimento interno caiu no vazio. Nesse meio tempo, foi informado por vários deputados de que receavam por suas vidas, pois havia populares armados de pistolas e punhais entre os populares do plenário. “Crescendo o sussurro e ajuntando-se às vozes do povo as dos senhores deputados, que chamavam à ordem”, o presidente decidiu encerrar antecipadamente a sessão (AACB, 10/11/1823). Indagando sobre a sessão da Constituinte naquele dia a constituintes sobreviventes, como Lourenço Viana e o Visconde de Maranguape, José de Alencar receberia do primeiro o testemunho de que o discurso dos Andradas se dirigia efetivamente contra Carneiro de Campos, que estava presente: “A sessão se tornou sobremaneira tempestuosa e revolucionária a ponto de muitos deputados tremerem da sua existência, por se dizer que muita gente do povo, que invadiu o

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repetir no Rio, depois de replicados em Cádiz e em Lisboa, o deputado coimbrão Carvalho e

Melo, em conformidade com a teoria monarquiana, aconselhou o Imperador a invocar sua

qualidade de Defensor Perpétuo do Brasil e de primeiro representante da Nação para dissolver

a assembléia e salvar o Império da ameaça revolucionária (LIRA, 1979:19). O conselho fora

dado inicialmente pelos próprios Andradas, quando estavam na situação, e agora Pedro I o

seguia em seu prejuízo (MONTEIRO, 1981:784). Não concordando com a decisão imperial,

Carneiro de Campos deixou o governo, assumido por Francisco Vilela Barbosa (1769-1846),

deputado brasileiro às Cortes de Lisboa que chegava então de Portugal, disposto a assumir a

responsabilidade pelo ato da dissolução. Pressionado pelo Exército, o Imperador ainda tentou

negociar para que a Constituinte entregasse os Andradas; diante da negativa, a assembléia foi

dissolvida. Vez que “males extraordinários” exigiam “medidas extraordinárias”, a dissolução

da Constituinte se justificava como uma medida de salvação pública: ao se dividirem e se

deixarem arrastar pelas facções, a mais influente facção da assembléia teria perjurado o

compromisso de defender a integridade do Império, sua independência e a dinastia de

Bragança (In: JAVARI, 1993:83).

Com efeito, houve quem defendesse a legitimidade do ato do Imperador, sob o

argumento de que a dissolução era atribuição natural de um monarca constitucional

(LUSTOSA, 2000:409). Por via das dúvidas, no entanto, Pedro I fez acompanhar o decreto da

dissolução com a promessa de uma nova Constituinte, que trabalharia sobre um anteprojeto

elaborado por seu recém-criado Conselho de Estado, que seria “duplicadamente mais liberal”

do que o apresentado por Antônio Carlos (In: JAVARI, 1993:81). Encarregado da redação do

novo anteprojeto constitucional, Carneiro de Campos tomou por base o anteprojeto do

Andrada, cuja redação e organização ele aperfeiçoou imensamente, além de alterar outros

tantos artigos, incluindo expressamente o Poder Moderador entre os poderes políticos e

promovendo alguma descentralização política (LIRA, 1979:75). Sob o olhar do Imperador,

que o visitava quase todos os dias ansiosamente, em pouco mais de uma semana o futuro

Caravelas desincumbiu-se do trabalho (SISSON, 1999:203). Examinado e discutido em

próprio recinto da assembléia, estava armada de punhais; e tão verossímeis eram essas vozes, que ainda hoje existe o oficial da Segurança da Justiça (José Tibúrcio), que me disse, que temendo também pela vida do deputado seu tio, o Marquês de Caravelas, se foi postar por detrás da cadeira dele com uma pistola para o defender contra qualquer tentativa de agressão”. Além disso, como que antecipando o que estava por vir, “saíam de hora em hora avisos ao Imperador pedindo-lhe que salvasse a ordem pública ameaçada pela desenfreada demagogia”. Já Maranguape disse que o deputado Sousa França pedira a Maciel da Costa que encerrasse a sessão depois da oração de Antônio Carlos, por ter visto, por detrás de sua cadeira, “um homem armado de uma pistola, cujo cabo estava todo ele de fora”. Diante disso, o presidente e os secretários da assembléia concluíram que, antes que se verificasse “algum fato deplorável”, deveriam levantar a sessão, (ALENCAR, 1973b: 157 e 162).

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presença dos demais conselheiros de Estado, o novo projeto de Constituição foi subscrito,

entre outros, por Carvalho e Melo, Maciel da Costa, Vilela Barbosa, Pereira da Cunha e

Nogueira da Gama – a cúpula da burocracia imperial. Aprovado num esboço de referendo por

quase todas as câmaras municipais do país, o Senado da Câmara do Rio de Janeiro requereu

que o governo dispensasse uma nova Constituinte e mandasse observar o projeto Caravelas

como Constituição do Império. Foi o que Dom Pedro fez, a 25 de março de 1824. Embora

pela força – mas uma força absolutamente legítima para eles -, triunfava no Brasil a pretensão

monarquiana de fundar a autoridade principesca diretamente sobre a soberania nacional que a

aclamara – exatamente ao inverso do que se dera na França de 1789.

A nova Constituição reiterava os pontos doutrinários monarquianos expostos na

Constituinte por Carneiro de Campos - separação de poderes, governo misto, ascendente

monárquico. A monarquia era justificada pelo Imperador como o regime de governo mais

adequado ao Brasil por conta de suas “circunstâncias físicas e morais, com sua extensão, com

os princípios da educação nacional” e da necessidade criar “um centro da garantia que

afiançasse sua segurança”. Haja vista que “o perfeito sistema constitucional consiste na fusão

da monarquia, da aristocracia e da democracia”, o projeto constitucional se organizava

conforme os cânones de “uma verdadeira monarquia mista”, de que resultava a conveniência

de uma segunda câmara e do veto absoluto do Imperador. Exprimindo as reivindicações de

um povo que ainda não era capaz de bem avaliar seus interesses, a opinião dos deputados

deveria ser corrigida pelos senadores que, mais ponderados e experientes, melhor

vislumbrariam o bem comum. O veto da Coroa, por sua vez, defenderia o povo dos excessos

facciosos dos representantes eleitos, contendo “a transcendência do Poder Legislativo nos

limites em que se deve concentrar e ficando o povo debaixo do escudo daquela atribuição, em

perfeita imunidade contra as agressões de uma representação desatinada, infinitamente mais

temível que o despotismo de um só” (In: ROMERO, 1978:303/305). Repetiam-se, mais uma

vez, os argumentos de Mounier, Malouet, Mirabeau e Lally-Tollendal.

Tal como Napoleão havia governado pela “graça de Deus e das Constituições” (In:

RIALS, 2001:44), a dinastia de Bragança passava oficialmente a imperar no Brasil pela

“graça de Deus e unânime aclamação dos povos”. Na verdade, o Império brasileiro fundava

sua legitimidade a meio caminho do cesarismo bonapartista e da monarquia tradicional de

direito divino. Comparadas às suas contemporâneas, a Constituição monárquica de 1824 era a

mais liberal de seu tempo (CARVALHO, 1993:25): Espanha e Portugal já haviam retornado

ao absolutismo, ao passo que a França era regida por uma Carta mais concisa, mas também

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mais vaga, cuja fonte de legitimidade se fundava nos desígnios da divina Providência

(ROSANVALLON, 1994). Em contraste, a Constituição brasileira estava na sua maior parte

em consonância com suas malogradas predecessoras ibéricas: consagrava a soberania

nacional (art. 12), a divisão de poderes (art. 9), a responsabilidade ministerial (art. 102, 132 e

133), o sistema representativo (art. 3º) a censo pecuniário baixo e amplo (art. 90 a 95) e uma

extensa declaração de direitos fundamentais (art. 179). Além disso, como na tradição

francesa, ela adotava o legicentrismo em matéria judiciária: o Supremo Tribunal de Justiça

seria uma corte de cassação, cabendo ao Legislativo interpretar as leis de modo autêntico e

exercer o controle normativo da constitucionalidade (art. 15 VIII e IX). O poder de decretar o

estado de exceção, que se limitava à suspensão de algumas garantias constitucionais “nos

casos de rebelião ou invasão, pedindo a segurança do Estado”, era atribuído à Assembléia

Geral e, na falta dela, ao governo, se o perigo fosse iminente (art. 179 XXXV). A influência

particular de Benjamin Constant ficava patente nos artigos doutrinários referentes à divisão de

poderes (art. 9), ao Poder Moderador (art. 98) e ao procedimento de revisão constitucional;

neste caso, a Constituição distinguia entre suas partes formais e materiais, exigindo uma

câmara revisora apenas quando se tratasse de reformar artigos atinentes à organização do

Estado e aos direitos fundamentais; no mais, a reforma se daria por lei ordinária (art. 178).

É curioso, porém, que a quase unanimidade da historiografia brasileira ainda partilhe

da opinião de que a recepção do Poder Moderador desfigurou a doutrina de Constant num

sentido absolutista (CUNHA, 1985:256; BONAVIDES e ANDRADE, 1991:96; FAUSTO,

1999:152; FAORO, 1997:290). De acordo com esses autores, a Constituição teria atribuído ao

monarca o exercício do Executivo e do Moderador, quando a intenção de Constant seria a de

separá-los para consagrar o parlamentarismo. Mas a questão é mais complexa. Em primeiro

lugar, é preciso separar dois aspectos distintos da transposição: o jurídico – isto é, como as

competências preconizadas por Constant foram incorporadas pelos autores da Constituição – e

o político - os objetivos que a Coroa perseguia com a recepção do conceito. Essa distinção é

fundamental porque as intenções dos atores são mais voláteis, mudando conforme a

composição de interesses, ao passo que a finalidade das instituições é a de estabelecer regras

fixas para estabilizar o jogo político. No caso concreto, penso que um bom ponto de partida

passa por, primeiro, examinar os textos constitucionais das demais nações da época; segundo,

tentar apreender o que se entendia então por governo parlamentar; e terceiro, medir o grau de

conhecimento que o meio brasileiro possuía da obra de Constant e verificar se houve

alterações na atribuição das competências do Poder Moderador.

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138

À luz dessas questões, torna-se possível opor pelo menos três objeções ao argumento

de que, por não haver consagrado o parlamentarismo inglês, a Constituição de 1824 teria

traído a doutrina de Constant para operar uma verdadeira “constitucionalização do

absolutismo” (BONAVIDES e ANDRADA, 1991:96). Em primeiro lugar, todas as

Constituições monárquicas do século XIX, inclusive as ibéricas, designavam o monarca como

titular do Executivo. Durante os Cem Dias, durante os quais redigiu para Napoleão uma

Constituição liberal, o próprio Constant se esquivou de exprimir as relações entre o Executivo

e o Legislativo em termos de separação de poderes. Certo de que, deixando o texto mais

flexível e mais aberto, com o tempo se formaria um consenso em torno do espírito liberal dos

seus Princípios de Política, Constant preferiu propositadamente expressões imprecisas como

Imperador, governo, ministros e câmaras (In: RIALS, 2001:45). Além disso, já vimos que o

Poder Moderador não precisava ser formalmente consagrado no texto como um quarto poder:

a adaptação do governo às mudanças da opinião pública imporia naturalmente interpretações

constitucionais mais conformes ao espírito liberal do que à letra da lei, sem necessidade de

desencadear constantes processos de revisão constitucional, o que era sempre disruptivo.

Assim, durante os quinze anos de vida que lhe restaram, o autor de Adolphe sempre

interpretou o papel constitucional do Rei da França de acordo com sua teoria do poder neutro,

deixando a literalidade dos enunciados normativos da Carta de 1814, que atribuíam vastos

poderes ao príncipe, em segundo plano. Isto posto, o fato de se atribuir ao monarca o

exercício do Poder Executivo (como se fizera na França, na Espanha, em Portugal, na

Holanda e na Bélgica) não consistia em óbice para a prática de sua teoria, desde que os

negócios ordinários da administração fossem geridos por um ministério responsável. Nesse

ponto, a Constituição brasileira foi muito mais cuidadosa do que a daqueles países, ao não

confundir o Imperador com o próprio Poder Executivo, fazendo-o apenas o seu chefe e

acrescentando que ele apenas o exercia por meio de seus ministros (art. 102), sem cuja

referenda seus atos não teriam executoriedade (art. 132).

A segunda objeção é que a historiografia brasileira tradicionalmente toma por

equivalentes conceitos como parlamentarismo e governo representativo. Entretanto, essa

concepção de governo não encontra respaldo em nenhuma das obras escritas no período nas

décadas de 1810 ou 1820 sobre o Poder Moderador. Já vimos, no capítulo anterior, que a

publicística francesa da década de 1820 não falava em parlamentarismo, e sim de governo

constitucional representativo que, instruído principalmente pelas teorias do governo misto e

da separação de poderes, tornava a nomeação e demissão dos ministros exclusivamente

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dependente do príncipe. A responsabilidade dos ministros diante das câmaras era puramente

jurídica ou criminal na forma de impeachment, e não política, como é característica dos

governos parlamentares, tendo o próprio Constant dificuldade em dissociar uma da outra

(ROSANVALLON, 1994:87). O que os liberais pleiteavam contra a resistência conservadora

era um intercâmbio de vistas entre governo e parlamento, o que estava longe do governo

parlamentar ou do parlamentarismo (LAQUIÈZE, 2001). Esse quadro só foi alterado na

década de 1830, quando a teoria da separação de poderes foi atenuada e se impôs a teoria do

governo parlamentar, que partilhava a responsabilidade do ministério entre chefe de Estado e

Parlamento. Criada por seus adversários com cunho pejorativo, a palavra parlamentarismo,

por sua vez, somente se difundiria na década de 1850, para designar a pretensão parlamentar

de organizar os gabinetes à revelia da Coroa. Nesse caso, abandonavam-se definitivamente as

teorias da separação de poderes e do governo misto pelas de parlamentarismo e de

democracia. Daí o equívoco dessa interpretação historiográfica sobre a transposição da teoria

do Poder Moderador para a Constituição: sustentar que Constant tivesse em mente o

parlamentarismo, é exigir deles dons adivinhatórios, que ele não poderia ter.

A terceira objeção à tradição afirmativa de que a doutrina do Poder Moderador teria

sido deformada pela Constituição do Império decorre de uma comparação entre as

prerrogativas outorgadas ao Imperador pela Carta de 1824 e aquelas que Constant reconhecia

aos monarcas em suas obras políticas. Nas Reflexões sobre as Constituições e as Garantias,

com um Esboço de Constituição, Constant nomeara sete atribuições régias inerentes ao poder

neutro: a nomeação e exoneração de ministros, a sanção dos projetos de lei (com poder de

veto absoluto), o adiamento e a dissolução das câmaras, a nomeação dos membros do poder

judiciário, o poder de agraciar réus condenados e o direito de declarar a guerra e fazer a paz

(CONSTANT, 1861:182). No ano seguinte, ao publicar os Princípios de Política, o número

de atribuições do Poder Moderador foi reduzido de seis para quatro: nomear e destituir

ministros, criar novos pares, dissolver a câmara baixa, e conceder graça (CONSTANT,

1997:323). Na verdade, todas essas atribuições costumavam ser arroladas pelas diversas

constituições entre aquelas da competência do Poder Executivo, nada tendo de novas do ponto

de vista da substância. A única novidade que a doutrina de Constant trazia, do ponto de vista

jurídico, estava no fato de agrupá-las num poder suplementar distinto - o Poder Moderador.

Pois bem. Ao transpor essas atribuições ao seu projeto de Constituição, o Marquês de

Caravelas promoveu apenas duas alterações: primeiro, conferiu ao Poder Moderador o direito

de anistiar; segundo, retirou-lhe a prerrogativa de declarar a guerra e fazer paz, passando-a à

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esfera do Poder Executivo, o que a levava a perder seu caráter discricionário, por sujeitá-la ao

controle dos ministros. Todas essas alterações foram efetuadas no sentido de tornar ainda

mais liberais as atribuições do Poder Moderador e de proporcionar uma maior possibilidade

de controle qualitativo do seu exercício, impondo a obrigatoriedade da oitiva prévia do

Conselho de Estado (art. 142), o que não fora previsto por Constant, que deixava o chefe de

Estado completamente livre.

No mais, Carneiro de Campos adaptou à realidade brasileira três das competências

previstas por Constant (LYNCH, 2007b). Essas adaptações decorreram do desejo de fundar

uma monarquia moderna e liberal em oposição àquelas de origem feudal, e que reconhecesse

o direito que tinham as províncias a algum grau de autonomia, senão política, ao menos

administrativa. Assim, como não se projetava criar aqui uma nobreza hereditária, nem

condicionar o preenchimento das cadeiras senatoriais a títulos de nobreza, ainda que

vitalícios, não fazia sentido o direito de nomear pares hereditários previsto por Constant.

Carneiro de Campos então o substituiu pelo direito de escolher senadores vitalícios, conforme

a proposta monarquiana de 1789: os candidatos seriam eleitos pelas províncias, devendo os

três mais votados figurar numa lista tríplice, da qual o Imperador escolheria um. Do mesmo

modo, o direito de nomear juízes foi substituído pelo de suspendê-los quando suspeitos de

corrupção – e mesmo assim, somente depois do observado o contraditório do processo

administrativo; o que significa que a intenção da adaptação era a de melhor resguardar a

independência do Judiciário. Por fim, o direito de veto da Coroa aos projetos de lei elaborados

pela Assembléia foi estendido àqueles que viessem a ser produzidos pelos conselhos

provinciais. Essa medida tinha toda a procedência, pois não existiam órgãos legislativos

regionais na França de Constant, devido ao seu regime rigidamente unitarista; daí que era

preciso estender o direito de veto do Imperador também aos projetos provinciais. Como se vê,

foram adaptações em sentido ainda mais liberal da teoria que lhes inspirava.

A verdade, portanto, é que o Imperador e seus conselheiros de Estado lograram

operar uma transposição jurídica bastante fiel das competências concedidas por Benjamin

Constant ao seu poder neutro, sendo de todo infundada a crença generalizada de que ela teria

desfigurado sua doutrina num sentido autoritário. O que ocorre aqui é uma confusão entre

transposição jurídica e interpretação doutrinária. O que os coimbrões queriam era deixar

entreaberta a porta para que as competências constitucionais conferidas ao Poder Moderador

fossem interpretadas, não conforme a teoria de Constant, mas com a de Mounier, Malouet e

Lally. Dessa forma, a Coroa poderia eventualmente acumular o exercício do governo com o

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do Poder Moderador. Ora, Constant distinguia entre autoridade inviolável (o Rei) e autoridade

responsável (ministério), entre outros motivos, para afastar o príncipe do exercício direto do

governo, tornando-o, não o chefe partidário da administração pública, mas o árbitro

reconhecido do governo constitucional. Daí porque ele qualificava a distinção entre os

Poderes Moderador e Executivo como “a chave de toda a organização política”, ou seja, a

abóbada do arcabouço institucional (CONSTANT, 1997:324). É sintomático que, tendo

guardado fidelidade à transposição jurídica das atribuições do Poder Moderador, os

conselheiros de Estado o tenham feito conceituar na Constituição, entretanto, de modo

doutrinariamente diverso daquele assinalado nos Princípios de Política. Pela redação do art.

98, “a chave de toda a organização política” deixava de ser a distinção entre os aqueles dois

poderes para se tornar o próprio Moderador (“O Poder Moderador é a chave de toda a

organização política...”).

Embora a semelhança do enunciado induza a crer num mal-entendido derivado da

tradução, a hipótese me parece improvável. Primeiro porque Constant era o autor político

mais lido entre os constituintes: Maciel da Costa mesmo, em agosto de 1823, o reconhecia

publicamente ao listar os teóricos influentes: Bacon, Montesquieu, Rousseau, Montlosier e

“Benjamin Constant, que suponho hoje nas mãos de todos” (AACB, 18/08/1823). Em

segundo lugar porque, quando toda a elite política falava e lia em francês, qualquer leitor

mediano podia compreender que era seu propósito enfraquecer e não fortalecer a Coroa.

Tanto assim que o único constituinte que se manifestou contra a teoria de Constant foi José da

Silva Lisboa, monarquista convicto que fundou sua convicção justamente no argumento de

que ela enfraquecia a Coroa: “É pelo seu insidioso sistema de fazer o ministério ter as

atribuições do Poder Executivo, figurando o monarca constitucional mero Poder Neutro, que,

no meu entender, ele viria a ser, a pretexto de sagrado e inviolável, uma autoridade nula”

(AACB, 06/08/1823). Por fim, para deixar clara a intenção monarquiana, o artigo 98

declarava que, delegatário privativo do Poder Moderador, era o Imperador o chefe supremo e

– atenção - o primeiro representante da Nação. Decorrente de seu atributo de Defensor

Perpétuo do Brasil e de sua aclamação popular, a declaração constitucional de sua primazia

resolvia o problema da hierarquia na representação da soberania, que o art. 11 não resolvera

ao colocar monarca e assembléia em pé de igualdade. O veto suspensivo do Imperador, quase

absoluto na prática; e a organização do Senado, idêntica à pleiteada por Lally-Tollendal, eram

os outros elementos que denotavam a influência monarquiana na elaboração constitucional.

Na cabeça de Carneiro de Campos e seus colegas, não havia qualquer contradição entre

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governo forte e um regime da mais ampla liberdade – muito pelo contrário, a liberdade dos

cidadãos era diretamente proporcional ao da autoridade encarregada de garanti-la (LYNCH,

2007).

Em síntese, os coimbrões – Carneiro de Campos, em particular - perceberam que era

possível efetuar uma importação juridicamente fiel do conceito de poder neutro, atraente pela

sua modernidade e pela ênfase que conferia à inviolabilidade do Imperador; combinando,

porém, artigos doutrinários capazes de legitimar o governo pessoal da Coroa quando se

tratasse de fazer o maquinário institucional sair do papel. A teoria de Constant foi assim

incorporada ao debate político e ao teor da Constituição para legitimar um projeto de corte

monarquiano, julgado mais realista e em conformidade com as necessidades do país. Dessa

fusão resultou um texto constitucional que permitia duas diferentes interpretações e, por

conseguinte, duas formas distintas de desempenho da Coroa enquanto agência pública. Dela

seria lícito esperar, tanto um funcionamento conforme pretendido pelo liberalismo do Curso

de Política Constitucional, em que o monarca era o gerente neutro do governo representativo,

quanto um regime monarquiano, onde o Imperador se afirmasse como o eixo da representação

nacional contra o facciosismo dos interesses particulares que compunham a Assembléia.

Neste caso, ele governaria de fato, sem que os seus adversários pudessem recriminá-lo pelos

seus desmandos, já que as culpas recairiam sobre os ministros responsáveis. A primeira

daquelas interpretações seria a adotada pela esquerda liberal, brasiliense, luzia, moderada ou

progressista; e segunda delas, a monarquiana, pela direita coimbrã, realista, saquarema ou

conservadora. Seria em torno desses eixos que se desenvolveria todo o debate político-

constitucional do Império, definidos já em 1822/1823, com seus diferentes projetos nacionais,

até as vésperas da instauração da República. É o que veremos nos próximos capítulos.

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Capítulo 3 – Do governo constitucional representativo ao governo

parlamentar tutelado: o debate político da primeira década e a absorção do

discurso monarquiano pelos conservadores (1824-1840).

3.1. O governo de Pedro I explicado pelos coimbrões. A oposição liberal e a teoria do governo parlamentar. 3.2. A minoridade de Pedro II e as reformas liberais propostas pelos moderados. A resistência dos coimbrões remanescentes. Sua adaptação do conceito monarquiano do Poder Moderador à teoria do governo parlamentar. 3.3. A fundação do Partido Conservador. Sua absorção do discurso monarquiano coimbrão. A elaboração teórica do modelo político saquarema.

3.1. O governo de Pedro I explicado pelos coimbrões. A oposição liberal e a teoria do

governo parlamentar.

Devido à impossibilidade de se convocar eleições nas províncias conflagradas pelas

guerras de independência e pela revolta da Confederação do Equador, assim que chegaram as

notícias da dissolução da Constituinte, a primeira reunião da Assembléia Geral Legislativa

veio a ter lugar em 3 de maio de 1826 - dois anos depois, portanto, de outorgada a

Constituição do Império. Alegando uma verdadeira “doutrina imperial de salvação pública”

(MONTEIRO, 1982, I), a Coroa aproveitou o intervalo discricionário para declarar em

Pernambuco (julho de 1824), no Ceará (outubro de 1824), na Bahia (novembro de 1824), na

Cisplatina e no Rio Grande do Sul (maio de 1825) o estado de exceção previsto no art. 179

XXXV da Carta. Essa concepção autoritária do exercício do poder público, necessário para

consolidar o poder nacional contra a ameaça estrangeira e separatista, encontrou sua

expressão máxima na Fala do Trono com que o Imperador abriu a sessão legislativa de 1827:

“Ninguém mais do que eu busca cingir-se à lei; mas quando os que saem dela não acham, de

pronto, outro que os coíba, é mister que o governo tenha essa autoridade, enquanto o sistema

geral não estiver totalmente organizado, e tudo marchando perfeita, regular e

constitucionalmente” (In: JAVARI, 1993:102).

Concebendo o Estado como uma unidade de poder em torno da pessoa do Imperador,

os coimbrões compunham o chamado “partido realista” (royaliste), e os brasilienses, o

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“partido liberal” (ARMITAGE, 1981:78). O partido realista era composto essencialmente de

elementos de cortesãos e da alta burocracia civil e militar e era apoiada pelo comércio das

cidades marítimas (BARMAN, 1984:64). Os realistas dominavam o Conselho de Estado e o

Senado. Composto pelo antigo segundo escalão da administração joanina, o Conselho de

Estado era o mesmo que elaborara a Constituição, com a diferença de que todos os seus

membros haviam sido devidamente nobilitados. José Joaquim Carneiro de Campos recebera o

título de Marquês de Caravelas; José Severiano Maciel da Costa, Marquês de Queluz; Manuel

Jacinto Nogueira da Gama, Marquês de Baependi; Luís José Carvalho e Melo; Visconde de

Cachoeira; e Antônio Luís Pereira da Cunha, Marquês de Inhambupe; e Francisco Villela

Barbosa, Marquês de Paranaguá. Não era diverso o perfil dos senadores: como não havia

incompatibilidade entre as funções, Pedro I nomeou senadores todos os seus conselheiros de

Estado. Dentre os que não o eram, estavam também três ex-constituintes de relevo –

Felisberto Caldeira Brant Pontes, Marquês de Barbacena (1772-1842); José da Silva Lisboa,

Visconde de Cairu; e o irmão de Caravelas, o desembargador Francisco Carneiro de Campos

(1765-1842) 41. É verdade que nem todos se pautavam por um discurso monarquiano: o

projeto de abolição da legislação feudal, por exemplo, defendido pelos Carneiros de Campos,

foi rejeitado pela resistência do burkeano Cairu; do mesmo modo, Barbacena era antes um

whig do que um monarquiano. No entanto, se nem sempre estavam unidos para a proposição,

o certo é que, como veremos, os realistas o estavam para defender a interpretação

monarquiana da Constituição contra os brasilienses ou liberais.

A historiografia liberal ou luzia difundiu a idéia equivocada de que os coimbrões

compunham um partido português, isto é, um grupo que aspirava ao retorno do absolutismo

ou à reunião com Portugal. No entanto, as atas do Conselho de Estado mostram, ao contrário,

que eles foram fiéis ao governo constitucional que haviam instaurado no Brasil. Quando o

Imperador cogitou de um golpe para conter a oposição e emendar a Carta num sentido mais

monárquico, em março de 1829, a idéia foi rejeitada por todos os conselheiros – salvo pelo

Marquês de Queluz, adepto decidido do despotismo ilustrado e do unitarismo político. Maciel

da Costa se dizia “profundamente magoado (...), vendo um belo Império fundado pelo gênio e

o amor de Vossa Majestade Imperial ao povo brasileiro, nos termos de naufragar na mão da

41 Já que as listas tríplices contiveram mais de um mesmo candidato por província (TAUNAY, 1998:24), a primeira leva senatorial refletiu a orientação unitarista da Coroa e do Conselho de Estado. Os ministros poderiam participar de algumas reuniões do Conselho, mas não como conselheiros; quando, ao contrário, os conselheiros poderiam vir a ser nomeados ministros, aumentando a autonomia daquele órgão que, nomeado vitaliciamente pelo Imperador, estava fora do controle do Parlamento. Nem mesmo o desenvolvimento das praxes parlamentares, como ocorrera na Inglaterra, permitiria fundir o Conselho de Estado no gabinete, então controlado pelo Poder Legislativo (LIRA, 1979:78).

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canalha” (In: SOUSA, 1972, II, 307). Em maio daquele ano, depois de sustentar que os bons

governos eram os que se ajustavam às características de cada povo, Queluz pôs em dúvida a

viabilidade do sistema representativo num país de grandes dimensões, como o Brasil:

“Lembrou já alguém aconselhar ao Imperador da Rússia que fizesse o seu governo

monárquico constitucional representativo?” (ASI, 09/05/1829). Entretanto, em outubro,

quando Pedro I voltou a reunir o Conselho de Estado para deliberar sobre uma rebelião de

quatro mil pessoas que, no Norte do país, tinha por intuito restaurar no país o absolutismo

monárquico, todos os conselheiros, sem exceção, acompanharam então o voto de relator.

Todos concordaram então que era “indispensável sustentar a todo custo o sistema

constitucional, evitando os excessos da democracia ou absolutismo, que eram igualmente

nocivos” (ACE, 28/10/1829). Nem por isso deixavam, todavia, de defender um governo forte

que contivesse as facções. Daí sua postura crítica frente à assimilação das idéias estrangeiras

avançadas, que deveriam ser filtradas para rejeitar os modismos inconsistentes e as

proposições incompatíveis com o “estado de civilização” do país.

Com efeito, a conciliação entre as exigências de liberdade trazidas pelo advento do

governo constitucional representativo com a preservação da ordem pública numa América

Ibérica recém saída do jugo colonial era a grande obsessão do mais importante teórico político

da independência e do Primeiro Reinado, o Marquês de Caravelas. Ele compartilhava com

José Bonifácio o desejo de expandir a capilaridade do Estado a partir da Corte, reforçando a

autoridade pública central para viabilizar as reformas exigidas pelo espírito da ilustração. Da

mesma forma, Carneiro de Campos apostava que a imigração européia, a abolição do tráfico

e, depois, da escravidão, haveriam de extirpar os maus costumes sociais introduzidos pela

escravidão. No entanto, Caravelas desconfiava que, suscitando ódios por toda a parte, o

voluntarismo autoritário dos Andradas não conseguiria atingir politicamente esse objetivo;

para ele, as mudanças deveriam ser feitas, não de forma violenta, mas respeitando os

costumes: “A planta que ainda é tenra, precisa de mão benfazeja, que a faça vegetar e crescer”

(ASI, 8/5/1829). A “grande regra que o todo o legislador deve ter diante dos olhos” era o

respeito aos costumes do povo. “O contrário é - como costumam dizer - escrever na areia”

(ASI, 29/08/1827). Era a sociologia política de Montesquieu que prevalecia na sua

compreensão da atividade legislativa; por isso mesmo, ele frequentemente aludia à necessária

vocação sociológica do legislador brasileiro. “O legislador, quando organiza uma lei, não

deve se guiar só pela imitação do que se faz em outro país; porque é preciso examinar as

razões capitais e ver se elas se acham também nos lugares para onde se legisla” (ASI,

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9/6/1829). Embora timbrasse em declarar sua adesão em tese aos princípios políticos

enunciados por seus adversários mais radicais, o Marquês de Caravelas sempre salientava

que, ao menos por enquanto, eles não podiam ter aplicação em toda a sua extensão na

sociedade brasileira; eles precisavam ser adaptados para surtir efeitos positivos.

“Eu sou da opinião que as doutrinas que o ilustre senador apresentou são boas;

estou por elas e as adotaria, se visse que a Nação brasileira já tinha todas as luzes

precisas. Nesse caso, eu diria que sim, que fosse como diz o ilustre senador. Mas,

como estou persuadido disto (ou estarei enganado); por isso, digo que as leis

devem ser outras; devem ser acomodadas às circunstâncias. Virá tempo em que

possa dar-se essa amplidão; talvez que não seja nos nossos dias, mas será para os

que vierem depois. Nós não queremos pôr peias, mas também não queremos uma

total liberdade” (ASI, 9/5/1829).

Havia mais razões de ordem sociológica para justificar essa defesa de um liberalismo

moderado e realista. Na Europa, ponderava Carneiro de Campos, fora a elevação do grau de

civilização proporcionado pelo Iluminismo que desencadeara a transformação da sociedade,

seu desejo de participar da atividade política e o advento do sistema constitucional

representativo, cuja marca era a emancipação dos interesses individuais. Ocorre que, por

conta da economia escravista, da colonização e das divisões sociais produzidas no convívio

das diferentes etnias, os discursos de modernidade agiam no Brasil de modo muito seletivo,

levando à coexistência de duas temporalidades distintas. A primeira era a da elite agrária,

abastada e escravocrata, que exigia para si um governo constitucional para ficar pari passo

com a modernidade política européia. A segunda era a da maioria esmagadora da população,

assentada no campo à sombra das casas grandes, desocupada nas poucas cidades, ignorante e

depauperada, atrasada até para os padrões de Antigo Regime. Numa sociedade carente, pois,

de instrução e de opinião pública - ou seja, luzes -, não era possível forjar uma ordem política

idêntica da Inglaterra ou da França, sem arriscar que liberdade se tornasse licença, levando os

interesses individuais ao centrifuguismo, à dispersão e à anarquia. Por isso, os legisladores

brasileiros deveriam “olhar para os homens como eles são, sujeitos às paixões, e tendo sempre

em vista o seu interesse particular” (ASI, 18/06/1832), devendo as leis de um país “ser

acomodadas às circunstâncias em que ele se acha, devem ter estreita relação com o seu tempo

e os costumes dos seus habitantes” (ASI, 24/05/1826).

Esse liberalismo moderado e realista deveria ser ministrado por uma representação

nacional esclarecida, que exercesse uma espécie de tutela ou liberdade vigiada. Na falta de

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intelectuais, cabia à representação política exercer o papel que eles haviam exercido no

Iluminismo europeu; era a representação, na forma de uma elite qualificada, que deveria

instruir o povo sobre seus direitos e deveres e formar, pela sua ação pedagógica, uma opinião

pública esclarecida. Tratava-se de pensar a representação como um movimento em que o

representado elegia o representante e este, por sua vez, tutelava o representado, devolvendo-

lhe em razão ou qualidade o que este lhe fornecera em número ou quantidade. Daí a

relevância que Carneiro de Campos conferia a todas as oportunidades que tinham os

legisladores de se comunicarem com o povo. Contrário àqueles que julgavam dispensáveis as

exposições de motivos das leis, ele as defendia como meios valiosos de mostrar ao povo a

utilidade das providências legislativas (AACB, 20/09/1823). Por outro lado, cientes de que a

ordem constitucional tinha uma natureza experimental, diante da realidade de perigos e

vicissitudes, Carneiro de Campos e seus companheiros estavam perfeitamente conscientes de

que uma ordem jurídica perfeita era impossível e que a característica do mundo era a

precariedade - ao contrário dos liberais, que se posicionavam de forma eloqüente e normativa

(ASI, 1832, I: 326). Enquanto ele entendia que, “em casos extraordinários, não devemos olhar

para formalidades” (ASI, 1832, II: 320), o Visconde de Cairu e o Marquês de Inhambupe

lançariam mão dos termos interregno e ditadura ao se referirem aos vácuos de poder

decorrentes das mudanças de governantes – ao contrário da esquerda liberal, que falaria em

revolução42.

Mudanças impostas pela força eram infelizmente da ordem da política e a elas era

preciso se submeter; entretanto, enquanto houvesse Constituição, esta deveria ser observada

fielmente, como expressão da legalidade e da autoridade legítima. Daí outro traço dos

coimbrões - a observância literal dos comandos constitucionais; procedimento exegético

tipicamente conservador. Do ponto de vista da interpretação institucional, os realistas

interpretavam a Carta conforme o discurso monarquiano, ou seja, que o Estado brasileiro se

revestia das características de um governo misto, resultante da exata composição e equilíbrio

dos elementos monárquico, aristocrático e democrático da sociedade, expressas na

distribuição do poder entre Coroa, Senado vitalício e da Câmara dos Deputados. Como o êxito

do governo e representativo dependia de ancorá-lo em bases mais amplas, para além da elite

42Eis como Inhambupe descreveu sua postura diante do movimento de 7 de abril no Senado: “Eu me dispunha, na qualidade de Conselheiro de Estado mais antigo, e a quem competia presidir a Regência Provisória, pela vocação da Lei Fundamental, entender-me com o General das Armas, para a organização do Governo - por ser naquele momento a autoridade que eu considerava como no exercício de uma necessária ditadura, por estar o Estado em perfeito interregno” (ASI, 1831, I: 57). Ao se opor em 1832 ao projeto de se converter a Regência trina em uma, Cairu também se referiria ao “perigo do interregno, durante a eleição do Regente” (ASI, 1832, II: 63).

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de burocratas e proprietários rurais, Carneiro de Campos julgava indispensável lançar mão de

uma metafísica unificadora que compensasse o pluralismo político e contornasse o seu

potencial desagregador. Essa metafísica seria provida por duas instituições do Antigo Regime

que, representando a unidade social para além dos partidos que a dividiam, garantiriam a

adesão do povo. A primeira delas era a Igreja, que atuava principalmente sobre a moral. A

posição de Caravelas a este respeito era, portanto, o de buscar garantir a liberdade de

consciência e o direito a cada um de celebrar publicamente seu culto, sem dispensar, porém, a

continuidade da união entre Igreja e Estado, que permitia pôr a religião a serviço da política

(AACB, 08/10/1823). Capaz tão somente de punir os crimes públicos depois de consumados,

o Estado carecia da Igreja para preveni-los, tarefa de que ela se desincumbia ao reprimir as

paixões humanas quando seu potencial criminoso ainda se achava em embrião. A segunda

instituição era a Coroa, que lhe parecia indispensável à garantia da ordem no Brasil no plano

político. Por conta da tarefa de consolidar o Império, os coimbrões pensavam que a Coroa não

podia se dar ao luxo de ser apenas auctoritas - ela precisava ser também potestas, razão por

que o Poder Moderador era entendido como a expressão do poder pessoal do monarca no

controle estrutural da constitucionalidade43.

Daí que a insistência de Caravelas para que o príncipe fosse cercado da mais completa

consideração e aparato, ou seja, de toda a simbologia do poder e da hierarquia para continuar

a infundir o respeito geral. Esse poder simbólico da monarquia era necessário, porque, devido

à sua falta de ilustração, o povo era geralmente incapaz de compreender racionalmente os

motivos pelos quais deveria respeitar o governo constitucional e colaborar para a ordem

pública. A natureza braçal e a longa duração dos trabalhos exercidos pela maioria da

população deixavam-na sem tempo nem discernimento para se dedicar às questões públicas, e

43 O Poder Moderador era delegado privativamente ao Imperador (art. 98) como chefe de Estado, que deveria exercê-lo ouvindo previamente o Conselho de Estado (art. 142). Como chefe de Governo, o Imperador era a cabeça do Executivo, que exercia por meio de seus ministros e da referenda deles (art. 102 e 132). Havia um espaço intermediário entre as duas esferas – a das relações internacionais e, no âmbito da política interna, “os negócios graves e medidas gerais da pública administração”. Embora fossem tais atribuições fossem conferidas ao Imperador como chefe de Governo, e exercidas, repito, por meio do conselho de ministros (arts. 102 VI, VII, VIII, IX, XIV, XV), a Constituição impunha que, nesses casos, fosse também ouvido o Conselho de Estado (art. 142). Ao fazer do Imperador chefe deste poder, e não simplesmente seu titular (como havia sido o caso do Poder Moderador), a intenção de Caravelas havia sido a de distinguir entre as duas esferas de ação. Como chefe de Estado, o Imperador decidiria direta e pessoalmente, auxiliado pelo Conselho de Estado, nas atribuições do Poder Moderador e naquelas do Poder Executivo, que versassem sobre política internacional - tradicional competência exclusiva dos monarcas -; e, como chefe de Governo, decidiria indiretamente, por meio e com a sanção do Conselho de Ministros, nas demais competências do Poder Executivo. Na prática, essa sutileza não foi observada pelo voluntarismo do Imperador: não só todos os gabinetes do reinado de Pedro I contaram com políticos realistas, como nenhum deles - salvo a curta experiência do ministério do Marquês de Barbacena (1829/1830), do qual Carneiro de Campos participou - pediu o apoio da Câmara dos Deputados como condição para governar.

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a conseqüência era que ela acabava por se deixar conduzir politicamente, não por idéias, mas

por sensações. O poder simbólico da monarquia era, assim, o elemento primário de coesão

social num meio de precária opinião pública e de potencial manipulação do povo pelas

facções. Explorando argumentos semelhantes aos de Benjamin Constant (CONSTANT,

1997), Carneiro de Campos explicava que o aparato da Coroa deveria ser inversamente

proporcional ao enfraquecimento de sua força ocorrido na passagem do Antigo Regime para o

governo constitucional (AACB, 28/07/1823). O trono deveria ser apresentado de modo a

cativar a imaginação da população, infundindo-lhe “o mais profundo respeito e alta

consideração, para que apertando assim os misteriosos laços da subordinação, promova a

maior docilidade na obediência legal” (AACB, 28/07/1823). Tanto aqui como no caso da

Igreja, os argumentos de Caravelas eram essencialmente pragmáticos: conseguir estabilizar a

ordem monárquica constitucional: “Tenhamos sempre presentes estes princípios, que são

axiomas de Direito Público: Não há liberdade sem um poder que a sustente – Não há poder

sem respeito” (AACB, 28/07/1823). A Igreja e a Coroa eram, em síntese, os elementos do

Antigo Regime que deveriam ser aproveitados no Brasil para permitir a preservação da

unidade política dentro da pluralidade ou da multiplicidade inaugurada pela ordem liberal,

garantindo a adesão do povo à nova ordem pelo apelo a uma mística a que ela estava

habituada e era capaz de compreender.

Arquitetadas e justificadas as instituições constitucionais do Império, por argumentos

monarquianos e sociológicos, era agora tempo de colocá-las a serviço do desígnio ilustrado de

construção de um Estado moderno. Com efeito, as Falas do Trono requeriam constantemente

que a Câmara fornecesse prontamente as leis “que a Constituição a cada passo nos está

mostrando serem necessárias e indispensáveis para que ela possa ser literalmente executada”

(In: JAVARI, 1993:102). As leis mais urgentes eram as de regularização das leis

orçamentárias, do sistema financeiro, de combate à corrupção e à fraude, a criação de um

banco nacional, a organização do Poder Judiciário, os códigos criminal e de processo

criminal. As leis mais delicadas eram as que diziam respeito à extinção do tráfico negreiro,

necessária ao reconhecimento da Independência pela Inglaterra, e a promoção da imigração

européia, concedendo-se terras como forma de incentivo. Como José Bonifácio, o Imperador

era sabidamente abolicionista e imigrantista, tendo publicado artigos em que condenava a

escravidão como o “cancro que rói o Brasil” (In: VIANA, 1968:78). Reverberando esse

pensamento, o Marquês de Caravelas tentava convencer seus colegas senadores de que,

embora fosse sentir a abolição do tráfico, o Brasil haveria de “bendizer a mão que acabou com

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tão abominável comércio”, sendo “feliz com um sistema regular de colonização” (ASI, 1830,

I: 50). No entanto, nas duas vezes em que convocou extraordinariamente a Assembléia Geral,

Pedro I lamentava a demora da Câmara dos Deputados na ultimação dessas tarefas: “Muito

lamento ter a necessidade de recomendá-lo pela quarta vez a esta assembléia. Claro é, a todas

as luzes, o estado miserável, a que se acha reduzido o tesouro público, e muito sinto

prognosticar que, se nesta sessão extraordinária, e no decurso da ordinária, a assembléia, a

despeito das minhas tão reiteradas recomendações, não arranja um negócio de tanta monta,

desastroso deve ser o futuro, que nos aguarda” (In: JAVARI, 1993:114). Na qualidade de

Defensor Perpétuo e de sua condição de primeiro representante da Nação, o próprio

Imperador não deixaria dúvidas quanto à sua qualidade de intérprete máximo da soberania

nacional:

“Tornando aos negócios do Império, estou intimamente persuadido, que todos

aqueles, que não pensam relativamente a eles do modo que nesta minha imperial

fala me exprimo, não são verdadeiramente amigos do Império, não são

imperialistas constitucionais, mas sim disfarçados monstros, que só estão

esperando ocasião para saciar sua sede no sangue daqueles que defendem o trono,

a pátria e a religião. Não me persuado que no recinto desta assembléia exista um

só dos representantes nacionais, que não pense da mesma maneira que eu penso,

seja qual for o meio, por que pretenda alcançar o fim, que eu desejo, que é ver o

Império firme, e o povo contente” (In: JAVARI, 1993:102).

Toda a força exibida pela Coroa em seus discursos estava, porém, muito aquém de

seu poder real. Por diversos motivos – entre os quais a escandalosa vida privada do Imperador

e a atenção que ele dava aos conselhos de áulicos do Paço -, sua margem de manobra

parlamentar era estreita. Entre os eleitos para a primeira legislatura estavam dezenove ex-

constituintes, número que subiu a um quarto da casa, sete anos depois da dissolução (In:

JAVARI, 1962:279 e seguintes). Metade do partido oposicionista, intitulado partido

brasileiro, patriota ou liberal, se compunha de antigos brasilienses proprietários de terras,

como os padres Diogo Antônio Feijó, José Bento Ferreira de Melo (1785-1844) e Martiniano

de Alencar. Se, conforme a lógica monarquiana, os coimbrões ou realistas entendiam que os

golpes de força contra a Constituinte e a Confederação do Equador haviam sido legítimos,

esta não era a opinião dos antigos brasilienses. Embora nem se comparasse aos massacres

promovidos por “libertadores da América” como Bolívar e O’Higgins, o combate à

insurreição pernambucana, com o fuzilamento do Frei Caneca, foi considerado

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particularmente sangrento (MACAULAY, 1993:192). Além disso, a decretação do estado de

exceção viera acompanhada da nomeação de comissões militares para processar e julgar

“sumaríssima e verbalmente” os chefes e cabeças do “nefando crime” (In: SOUSA,

1972:174). A retórica desses antigos brasilienses continuava vintista e, de modo velado,

federalista. Embora tivessem jurado respeitar e fazer respeitar a Constituição do Império, eles

entendiam que a descentralização por ela operada em comparação com o projeto Antônio

Carlos era tão insignificante que não lhe tirara o caráter unitário. Embora reconhecesse e

declarasse garantir o direito que todo o cidadão tinha de intervir nos negócios de sua

província, relativos aos seus interesses peculiares (art. 71), a Constituição de Caravelas

concedera às províncias míseros conselhos gerais eletivos, que sequer dispunham de

competência legislativa. Seu objeto era apenas o de propor, discutir e deliberar sobre projetos

de lei (art. 81), que deveriam ser remetidos ao governo geral, no Rio, por intermédio dos

presidentes de província, que eram nomeados pelo Imperador, depois do que seriam remetidos

à apreciação da Assembléia Geral e do Imperador (arts. 85 e 86). Quanto mais rancor eles

nutriam pelo Imperador; quanto mais sentiam sua resistência em partilhar com eles as

decisões governamentais, mais se desenvolviam neles os sentimentos federalistas e sua

admiração pela organização política norte-americana; admiração que, no limite, poderia

naturalmente chegar ao próprio regime de governo republicano.

A outra parte do partido liberal era liderada por jovens magistrados, como Pedro de

Araújo Lima, Bernardo Pereira de Vasconcelos (1795-1800), José da Costa Carvalho (1796-

1860) e Honório Hermeto Carneiro Leão (1801-1856). Eles pertenciam a uma geração que, na

média, tinha vinte anos menos que a monarquiana coimbrã, formada sob o Antigo Regime, e

pelo menos dez anos menos que a do vintismo brasiliense. Apesar da afinidade ideológica

com os realistas, eles os hostilizavam por identificarem-nos com o domínio português

(BARMAN, 1984:66). Suas experiências em Coimbra tinham sido muito diferentes das de

Caravelas ou Baependi: ao invés de protegidos e socializados na burocracia imperial por um

ministro carismático como o Conde de Linhares, esses moços haviam experimentado o

desmantelamento do Estado português no bojo da ocupação napoleônica; a presença militar

britânica; o advento tumultuário do vintismo; a distinção entre reinóis e brasileiros; a

independência da América portuguesa e, por fim, a reação absolutista da Abrilada – tudo isso

entremeado por motins e paralisações da universidade de Coimbra. Por outro lado, ao

contrário dos brasilienses, os ilustrados deputados ligados à magistratura não simpatizavam

com o federalismo no mesmo grau que seus colegas do interior, nem se exprimiam na mesma

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linguagem do vintismo, que lhes parecia já ultrapassada, derramada e grosseira. Eles

preferiam uma forma mais sofisticada e moderna de expressão: a do liberalismo propriamente

dito que, a esta altura, já era propagado da França pelos doutrinários, como Pierre Paul Royer-

Collard (1763-1845) e François Pierre Guizot (1787-1874), ou como os liberais de esquerda,

como o próprio Constant, que combatiam os conservadores tradicionalistas, os ultras, que

estavam no poder desde a ascensão do Rei Carlos X (1757-1836). Era esta a linguagem liberal

de sua geração – a do liberalismo doutrinário. Alardeada na Corte pelo jornal A Aurora

Fluminense pelo livreiro carioca Evaristo Ferreira da Veiga (1799-1837), a teoria do governo

parlamentar chegava numa vaga mais geral de renovação doutrinária que, abordando de

forma mais substantiva as categorias representativas do governo constitucional, apresentava a

Constituição da Inglaterra numa chave diversa daquela de Montesquieu e Lolme, avançando

na senda aberta pelo grupo de Coppet.

Em primeiro lugar, o liberalismo doutrinário abandonava definitivamente os resíduos

da linguagem republicana clássica, relativos às virtudes públicos e à condenação do

partidarismo, para abraçar francamente o relativismo epistemológico e moral que legitimava a

livre manifestação política de divergências de opiniões e interesses, retirando do governo o

monopólio do interesse público. As decisões que melhor convinham à sociedade e ao seu

progresso moral e material, agitadas pela opinião pública, só poderiam emergir e prevalecer

no decorrer de um debate público esclarecido e organizado entre os representantes eleitos da

Nação na Câmara dos Deputados. Ao invés da linguagem exaltada, virtuosa e nacionalista do

vintismo, entrava em cena a linguagem da moderação, dos interesses e do progressismo dos

liberais anglófilos. O equivalente do jornal de Evaristo em São Paulo, O Farol Paulistano, de

José da Costa Carvalho, por exemplo, já publicava traduções de um cânone diverso daquele

que informara o vintismo: saíam os autores seiscentistas e setecentistas, como Filangieri,

D’Alembert, Sidney, Locke, Vattel, Raynal, para que entrassem os contemporâneos:

Chateaubriand, Lanjuinais, Royer-Collard, Constant, Daunou, Bentham (CONTIER,

1979:45).

Em segundo lugar, estava o governo moralmente obrigado a escutar a oposição,

doravante considerada peça fundamental do governo representativo, na medida em que lhe

fornecia a condição para um debate e, por isso, não poderia mais ser desqualificada como

facção. Daí que se operava uma distinção qualitativa entre partido e facção, que

absolutamente não existia para Bolingbroke, Lolme, ou qualquer monarquiano francês.

Condição do progresso intelectual, o contraditório parlamentar só poderia emergir pelo debate

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civilizado entre partidos que defendessem princípios contrários, mas equilibrados; que se

revezassem no poder, alternando sucessivamente a defesa da autoridade e da liberdade, para

que o progresso se desse dentro da ordem. Em terceiro e último lugar, os liberais franceses

defendiam que a Câmara dos Deputados deveria possuir a mesma influência junto ao governo

que, acreditavam, possuía a Câmara dos Comuns, do outro lado da Mancha, junto ao governo

britânico. Através de uma interpretação evolucionária do texto constitucional, essa teoria

flexibilizava o princípio da separação de poderes para reivindicar para a câmara baixa o

direito de despachar os gabinetes que julgasse indignos de sua confiança. Do contrário, a

opinião pública por ela representada não possuiria meios de influir os negócios públicos,

comprometendo o governo representativo. A Coroa deveria assim, antes de escolher seus

ministros, entrar em inteligência com a corrente majoritária da Câmara dos Deputados, que

sem dúvida era quem melhor poderia exprimir os anseios da sociedade. Como queria o Farol

Paulistano, só deixando que “a força da opinião pública” elevasse sua voz “ao trono

constitucional”, teriam fim os “ministérios péssimos” que desde 1822 governavam o Brasil

(CONTIER, 1979:44).

Na qualidade de líder da oposição parlamentar, o deputado mineiro Bernardo Pereira

de Vasconcelos (1795-1850) foi o principal agente de recepção do liberalismo doutrinário no

Brasil durante a segunda metade da década de 1820. Vasconcelos concitava os colegas a

adotar a teoria do governo parlamentar, preconizada, segundo ele. Era da tribuna,

efetivamente, que Vasconcelos apontava aos ministros o caminho a seguir: “Ides à Inglaterra,

onde deveis trilhar estrada diversa de que tem seguido os vossos predecessores. Nada de

Paris, nada de Viena, nada de Cortes Apostólicas” (VASCONCELOS, 1978:120). O estudo

acurado da Constituição da Inglaterra, efetuado “pelos grandes escritores e os mais ilustrados

oradores das Assembléias Legislativas da Europa” (VASCONCELOS, 1999:45), demonstrava

que, longe de ser deletério “à liberdade da Pátria, do Trono e da Religião”, o sistema

partidário ali existente removia uma série de inconvenientes institucionais e por isso merecia

ser imitado no Brasil. Daí a premência de se aprender de uma vez a distinção entre partido e

facção (VASCONCELOS, 1978:47). Essa nova dinâmica parlamentar por ele recomendada

passava por pelo menos dois pontos. Primeiro, as Falas do Trono, lidas pelo Imperador na

abertura e no encerramento da sessão legislativa, deveriam ser interpretadas, não como

manifestação de sua vontade pessoal, mas como uma peça do ministério, por intermédio da

qual ele expunha ao Parlamento suas necessidades legislativas e solicitava sua confiança para

governar. Em segundo lugar, Vasconcelos conclamava os ministros a virem às Câmaras para

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explicar os negócios de suas pastas e debatê-los com os deputados, a fim de que, dirimidas

dúvidas e objeções, estes pudessem se posicionar sobre os projetos do governo. A nova

dinâmica permitiria à Câmara pressionar e criticar o Executivo na pessoa do ministério,

respeitando-se o dogma da inviolabilidade do monarca.

“Convidem-se os ministros; venham dar-nos os precisos esclarecimentos e

desistam eles do timbre de não virem a esta casa, de nos negarem sempre os meios

de felicitarmos a nossa pátria, e de quererem enfim que caminhemos às

apalpadelas. Acabe-se com essa política mesquinha e cesse a guerra que os

grandes poderes Legislativo e Executivo; por mais ilustrado que seja o corpo

legislativo, não pode acertar sem o auxílio que a experiência, o hábito dos

negócios e o conhecimento das dificuldades fornecem ao Executivo, assim como

este sem o Legislativo não pode bem conhecer as necessidades dos cidadãos e das

províncias. A divisão dos poderes não é para eles se hostilizarem mutuamente”

(VASCONCELOS, 1999:47).

Como se vê, equiparada à própria essência do governo representativo, a teoria do

governo parlamentar alardeada por Vasconcelos era um verdadeiro cavalo de Tróia. Na

medida em que atacava o governo do Imperador, respeitando o dogma de sua inviolabilidade,

ela constituía a fórmula mais eficaz para pressionar a Coroa, que era quem governava de fato,

para levar em consideração os interesses da maioria parlamentar. Ao atenuar a separação entre

os poderes, a nova doutrina permitia aos representantes das aristocracias provinciais

golpearem o monarquianismo unitarista dos realistas, sem alterar a Constituição e sem

confrontar o Imperador. A oposição liberal ficava livre para responder às acusações que o

Pedro I endereçava à Câmara de ser a responsável pelos males financeiros e pela morosidade

legislativa. Na medida em que se recusavam a adotar as praxes parlamentares inglesas,

respondia a Câmara, incitada por Vasconcelos, os ministros deixavam os deputados no escuro,

desinformados acerca dos assuntos que deveriam votar. A insistência do governo em

distinguir rigidamente os poderes era condenada como uma atitude de hostilidade contra a

Câmara, que atentava, não contra a teoria do governo parlamentar, mas contra o próprio

governo representativo, o que o tornava suspeito de nutrir intenções absolutistas ou

despóticas. Esse artifício cedo foi detectado por um dos ministros, o monarquiano Francisco

Carneiro de Campos, que o denunciaria como exagero retórico da tribuna da Câmara.

“Eu simpatizo com os ilustres membros da Assembléia Geral nos sentimentos

constitucionais; sou amigo das liberdades públicas, e assaz tenho disso dado

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testemunhos; nesta parte, portanto, não discordamos, porém nisto mesmo há

alguma exageração, e nós sabemos que os ilustres membros da oposição

costumam por via de regra apresentar o governo debaixo de uma face pouco

vantajosa e muito diversa daquela que é a verdadeira. (...) Tenho ouvido censurar

grandemente o governo e atribuir-lhe vistas sinistras e planos criminosos; todavia,

durante o pouco tempo que sirvo, não vejo que os meus ilustres colegas sejam

animados de outros sentimentos, senão da maior obediência à Constituição e às

leis, ou que tenham em vista outra coisa, senão o promover e solidar a

prosperidade da Nação” (ACD, 1830, II: 672).

A seqüência dos embates outrora travados entre coimbrões e brasilienses, agora

realistas e liberais, não ficaram somente no plano da interpretação constitucional. Ultraliberal

em matéria política, em matéria socioeconômica era xenófobo, aristocrático e escravocrata o

discurso da oposição. Vasconcelos fazia a apologia do livre cambismo e, por conseguinte,

condenava acerbamente a política industrialista do governo. Para ele, não se podia dissociar o

liberalismo político do econômico: “Favor e opressão significam a mesma coisa em matéria

de indústria; o que é indispensável é guardar-se o mais religioso respeito à propriedade e à

liberdade do cidadão brasileiro” (In: SOUSA, 1988 a: 73). O deputado mineiro também se

opunha à proposta de Carneiro de Campos de incentivar a imigração européia com a doação

de terras e de permitir aos estrangeiros adquirirem fábricas metalúrgicas. Ao invés de

contribuir com hábitos civilizados, como alegavam os ministros, os forasteiros viriam apenas

concorrer com os nacionais e enriquecer à sua custa (VASCONCELOS, 1978: 65 e 88). Em

idêntico sentido, a admiração dos liberais pela Inglaterra desaparecia quando se tratava de

cumprir a cláusula do tratado, celebrado entre os dois países, que comprometia o Brasil a

extinguir o tráfico negreiro, medida também sustentada pelo governo imperial. Nesse caso,

Vasconcelos não apenas argumentava que a civilização brasileira vinha “da costa d'África”,

como se negava reconhecer que “a escravidão desmoralize uma Nação no grau a que o

exagero apresenta” (In: SOUSA, 1988:50 e 53).

No Senado, quem fazia coro às proposições de Vasconcelos era um dos maiores e

mais ricos fazendeiros de São Paulo, Nicolau de Campos Vergueiro (1778-1859). A cláusula

que impusera a extinção do tráfico negreiro era por ele denunciada como um “grande golpe”

vibrado pelo governo imperial em “todos os ramos da riqueza nacional” e que, como tal,

atingia brutalmente os “interesses da Nação” (ASI, 03/07/1827). Vergueiro também não via

razões para se atraírem os europeus concedendo-lhes terras, favorecendo-os à custa dos

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brasileiros (ASI, 1830, I: 297,302); por isso, ele propôs em contrapartida que as terras

públicas só pudessem ser vendidas e que o tráfico durasse ainda treze anos para além do

combinado com a Inglaterra (BETHELL, 1970: 57). Das páginas de seu jornal, o paulista

Costa Carvalho também sustentava que o governo não deveria se meter com o que os

lavradores faziam em suas terras, devendo ocupar-se apenas da construção de estradas que

permitissem o escoamento dos produtos agrícolas até os portos e garantir para os plantadores

“um bom preço no mercado” (In: CONTIER, 1979:128).

Ao se valerem do conceito de Nação para condenarem a interpretação política

monarquiana da Constituição e a intervenção do Estado na esfera socioeconômica, brandidas

pelos realistas, os liberais oposicionistas defendiam, portanto, os interesses da aristocracia

rural, dos traficantes de escravos e do grande comércio exportador, ameaçados pela política

tutelar, intervencionista e abolicionista dos realistas (SOARES, 2002:288; CONTIER,

1979:43). Essa identidade entre liberalismo, nacionalidade e escravismo ficaria patente em

1870, quando um conservador indignado com o projeto de lei do ventre livre proposto por seu

próprio partido lembraria que nem mesmo os liberais do Primeiro Reinado e da Regência -

referência histórica obrigatória em matéria de radicalismo - haviam ousado tocar na

escravidão, por serem fiéis à opinião pública:

“Nunca o Partido Liberal, político, ainda nos seus áureos dias, proclamou, como

tese de sua doutrina e aspiração prática – a emancipação – nas circunstâncias do

país. Ainda nesses tempos primitivos (...) dos Evaristos, Paula Sousa, Vergueiros,

Feijós, Manuel Alves Branco e Vasconcelos, nunca se falou em emancipação,

porque, se eles eram sistemáticos e inexoráveis opositores do governo, eram

também fiéis representantes do país, mediam as circunstâncias reais do país” (In:

SILVA, 1988:396).

A oposição entre realistas e governo, de um lado, e liberais e oposição, de outro,

requeria uma arbitragem adequada para evitar o golpe ou a ruptura institucional. Ela exigia,

como na Europa, um mecanismo de controle de constitucionalidade, isto é, de uma instância

imparcial que, representando a unidade da soberania, resolvesse as divergentes interpretações

do jogo político. Na França da Restauração, os liberais vinham brandindo a teoria do Poder

Moderador para se oporem à tese de governo pessoal do monarca, com que acenava a direita

ultramonárquica. Como se sabe, o mero reconhecimento, pela Carta de 1814, de que o chefe

de Estado era inviolável e que os ministros eram responsáveis pelos seus atos não

asseguravam, por si apenas, que a Coroa se comportaria diante dos atores políticos de maneira

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imparcial – daí a utilidade da doutrina de Constant. Na verdade, as interpretações literais

efetuadas pelos ultras do texto ambíguo daquela Constituição legitimavam um jogo

institucional autocrático ou mesmo o retorno ao modelo medieval de constituição mista

(ROSANVALLON, 1994:57). O nó da questão estava na conjugação dos que regulavam o

emprego discricionário da prerrogativa da Coroa. O artigo 13 declarava o Rei titular do Poder

Executivo, ao passo que o seguinte, proclamando-o chefe supremo do Estado, dava-lhe

poderes para comandar as forças armadas e a política exterior, nomear os funcionários

públicos e – atenção – “fazer os regulamentos (reglèments) e decretos (ordonnances)

necessários à execução das leis e à segurança do Estado”. Tomando a palavra decreto como

equivalente de decreto-lei, os ultras entendiam que o artigo conferia ao Rei um poder de

exceção que lhe autorizava a nomear e demitir livremente os ministros, exercer o governo

pessoal e, nos casos de salvação pública – e aqui estava o pior - dissolver as câmaras e

governar por decreto. Contra essa exegese autoritária, os liberais franceses adotaram a

hermenêutica evolucionária da prática constitucional inglesa, compreendendo a prerrogativa

régia, não como um poder excepcional a juízo exclusivo do monarca, mas como uma força de

arbitragem e impulsão – ou seja, como um Poder Moderador. Não havia, aqui, espaço para o

governo pessoal: o Executivo era sinônimo de gabinete, a quem cabia decretar o estado de

exceção, é certo, sem expedir decretos com força de lei, todavia (ROSANVALLON,

1994:100).

Na França, portanto, a doutrina liberal do Poder Moderador visava a anular a

interpretação autoritária ou reacionária que faziam os ultras da prerrogativa da Coroa como

um poder ditatorial. No Brasil, porém, as coisas se passaram de outra forma. Encapsulado

pela Carta de 1824 em proveito dos coimbrões, o Poder Moderador impedia a oposição de

fazer dele um slogan de luta contra o poder pessoal. A interpretação monarquiana do Poder

Moderador levava os liberais a ver o chefe do Estado como adversário do governo

representativo e não como seu árbitro; levava-os a associar o Poder Moderador brasileiro, não

à teoria de Constant, mas justamente àquele que ele combatia na França – à interpretação ultra

do poder ditatorial do monarca. Por extensão, por ocuparem a direita do espectro político, na

qualidade de conservadores, os coimbrões ou realistas eram retoricamente identificados pelos

liberais como os equivalentes brasileiros dos reacionários ultras, simpatizantes do Antigo

Regime; que punham o Poder Moderador a serviço do partido português. Na falta de um

Poder Moderador exercido por um chefe de Estado imparcial, não havia a quem recorrer. No

Brasil monárquico, não havia a alternativa de apelo ao Supremo Tribunal de Justiça, que não

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era uma Suprema Corte à americana, como passaria a ser na República, mas uma típica Corte

de Cassação francesa. Durante a discussão, no Senado, do projeto de lei que criou o Supremo

Tribunal, Francisco Carneiro de Campos também deixara clara a sua posição: “As bases da lei

são fundadas mesmo nos princípios do Tribunal de Cassação, que é conceder revistas, quando

se ver que foi ferida a lei na sua letra, e quando as fórmulas em toda a qualidade de processos

forem dispensadas” (ASI, 1828, II: 56). Embora favorável a um Judiciário independente,

ponderava o Marquês de Caravelas que, ao contrário do que faziam os estadunidenses, ele não

deveria ser colocado acima dos demais poderes: “Eu quero viver seguro na lei, e não na

esperança de que o juiz há de proceder desta ou daquela forma” (ASI, 1828, I: 55). Do mesmo

modo, a oposição não esperava que, também dominado pelos realistas, o Senado pudesse

exercer o papel arbitral que Hipólito da Costa imaginara no Correio Brasiliense: “o de corpo

intermediário entre o monarca e os representantes imediatos do povo”, destinado a manter “o

justo equilíbrio entre as pretensões de uns e outros, evitando a aceleração na fatura das leis, e

o demasiado desejo de inovação, que sempre existe mais ou menos nas assembléias

populares; e contendo os abusos do Executivo, pelo respeito, que lhe deve inspirar uma

corporação com atribuições mais duradouras e permanentes do que a mera cooperação

legislativa” (COSTA, 1977:598).

Já que a Coroa reinava e governava, o Senado era dominado pelos realistas e o

Supremo Tribunal não exercia jurisdição constitucional, na ausência de um poder imparcial a

que pudessem recorrer, os deputados oposicionistas avocaram o papel de velar pela

Constituição e combater o que lhe pareciam as violações praticadas contra elas pelos

ministros. Para tanto, invocavam o artigo 15 IX da Carta, que outorgava à Assembléia Geral a

vaga competência de zelar pela Constituição. Esta foi a brecha na armadura política

monarquiana de que os liberais se serviram para reivindicar o juiz da constitucionalidade dos

atos do Executivo para o Legislativo. “Se até aqui a Constituição tem sido violada”, declarava

Vasconcelos em 1827, “se tantos despotismos e arbitrariedades têm sido cometidos (pelos

ministros) nesta terra da liberdade, é porque o grande monarca do Brasil o ignorava, e não

tinham reunidos os que têm todo o interesse na consolidação da Monarquia, isto é, os Srs.

Deputados” (VASCONCELOS, 1978:37). Os liberais imaginavam que, instaurando

procedimentos acusatórios contra os ministros que violassem a Constituição, tornando efetiva

sua responsabilidade jurídica perante o Parlamento, eles conseguiriam convencer o Imperador

inviolável a escolher seus auxiliares por intermédio de uma negociação com a maioria dos

deputados. Implantado em nome da soberania nacional, o chamado governo das maiorias

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possibilitaria a aristocracia rural provincial ocupar a administração pública, brecar seu

reformismo pelo alto e direcioná-la para atender seus interesses econômicos.

A transformação do tema do controle da constitucionalidade em arma política

transparece de modo paradigmático na forma como a oposição encaminhou a questão das

comissões militares. Ressuscitadas pelo governo francês em 1815 (WARESQUIEL E

YVERT, 1996:172), no Brasil as comissões militares eram tribunais de exceção, de

inconstitucionalidade manifesta. Elas contrariavam o princípio do juiz natural inscrito no art.

179 XI, segundo o qual “ninguém será sentenciado, senão pela autoridade competente, por

virtude de lei anterior e na forma por ela prescrita”. No entanto, o governo as havia criado no

próprio ano de 1824 para julgar os implicados nas guerras de independência e nas rebeliões,

antes que a Assembléia Geral começasse a funcionar. Reunido novamente o Conselho de

Estado, quando da rebelião de Afogados, em 1829, para se pronunciar sobre a conveniência

de se declarar o sítio e de instaurar as respectivas comissões militares, os conselheiros só

foram favoráveis à primeira providência e, mesmo assim, restringindo o sítio à província de

Pernambuco (ACE, 1973 [1829], II: 69). Não convencido pelas resistências dos conselheiros,

o Imperador ordenou aos ministros da Guerra e da Justiça que instaurassem as comissões

militares, o que serviu de pretexto à maioria liberal da Câmara para interpelá-los, requerendo

seu comparecimento para explicar seus atos. Os ministros, que haviam referendados os atos

imperiais que criaram os tribunais de exceção, preferiram responder aos esclarecimentos

solicitados pelos deputados por meio de um ofício. Nomeados e demitidos livremente pelo

Imperador, era de sua exclusiva confiança que os secretários de Estado dependiam, razão pela

qual eles não se sentiam obrigados a se apresentarem aos deputados.

Em represália, os liberais decidiram instaurar contra eles um processo por alta

traição; por meio deles, afirmava o deputado Antônio Francisco de Paula Holanda Cavalcanti

e Albuquerque (1793-1863), chefe de aristocracia pernambucana, ficaria provado que “os

representantes do povo são fiscais da Constituição” (ACD, 1829, I: 42-45). Ora, esta era uma

proposição que colidia frontalmente com a tese monarquiana de Caravelas, para quem era a

Coroa que desempenhava o papel. Para defender os atos dos ministros, o líder do governo na

Câmara só pôde alegar, à maneira de Maquiavel, que as comissões militares respondiam aos

imperativos de salvação pública típicos da fundação de novos Estados. Apesar de

inconstitucionais, era preciso distinguir “entre uma Constituição estabelecida e arraigada, e

uma Constituição que começa, e que ainda não está ainda montada com todas as peças que lhe

são necessárias. Naquela, nunca se deve tocar, porque o seu andamento pararia; nesta é

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necessário tocar, para pô-la em movimento”. Antes que se concluísse a construção do novo

Estado, fatalmente as velhas instituições continuariam a se chocar com as novas; nesse meio

tempo, “é melhor que perdoemos todas as nossas faltas, que fechemos os olhos aos erros”

(ACD, 1829, IV: 127). Polemizando violentamente com Vasconcelos, o Marquês de

Baependi apresentou projeto ao Senado que subtraía à Câmara dos Deputados o direito

unilateral de instaurar o procedimento acusatório contra os ministros (ASI, 1830, I: 434-437).

Todavia, esse episódio foi apenas o primeiro de uma longa série. No encerramento da

primeira legislatura, em 1829, o Imperador simplesmente não dirigiu a palavra à deputação.

Sem nada que as entremeasse, a Fala do Trono se limitou às duas únicas sentenças de praxe -

a do vocativo, que precedia a locução imperial ("Augustos e digníssimos representantes da

nação brasileira”) e aquela que decretava o encerramento da sessão (“Está fechada a sessão”).

No ano seguinte, a Câmara pediu à Coroa a “destituição de um ministério, que havia perdido a

confiança pública por contínuas violações da constituição e da lei, e pelo terror incutido de

volta do absolutismo, senão real, ao menos aparentemente justificado por muitos atos” (In:

JAVARI, 1993:130). A pressão da Câmara não se restringiu à Coroa, avançando também

sobre o Senado. Nesse caso, diante do desacordo manifesto em torno dos projetos reclamados

pelo governo, os deputados liberais reclamaram a fusão das câmaras prevista no art. 61 da

Constituição como meio de resolver o impasse. O problema é que, mais uma vez, a

interpretação dos artigos constitucionais dava azo à disputa: os deputados defendiam que a

reunião das duas câmaras implicava não apenas deliberação, mas também votação conjunta,

como se a Assembléia nessas ocasiões funcionasse como câmara única. Haja vista que o

número de deputados era o dobro daquele de senadores, esta interpretação os favorecia

sobremaneira. Por isso mesmo, os senadores – Caravelas à frente – recusavam essa

interpretação, alegando que a reunião implicava apenas a deliberação conjunta. A

interpretação dos deputados era teratológica na medida em que, caso triunfasse, impediria o

Senado de resistir à vontade da maioria da Câmara, derruindo o caráter misto que

caracterizava a monarquia constitucional brasileira (ASI, 14/08/1826).

Por fim, radicalizaram de vez o espectro político a intenção do governo de combater o

tráfico negreiro, anunciada na Fala do Trono de 1830 (BETHELL, 1970:68); a queda de

Carlos X na França e a demissão do ministério chefiado pelo nobre baiano Felisberto Caldeira

Brant, Marquês de Barbacena (1772-1842) – única experiência de governo parlamentar no

período. A insatisfação grassava junto à bancada mineira, a que pertenciam Vasconcelos,

Custódio Dias e que, de um modo geral, se opunha ao fim do tráfico de escravos (MARTINS,

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2002: 105). No fim das contas, os liberais acabaram abandonando sua linguagem

habitualmente moderada para adotar a linguagem exacerbada do vintismo e responsabilizar

diretamente a Coroa pelos desmandos que verificavam no país. Para aumentar seu poder de

pressão, elevando suas apostas, a esquerda liberal se aliou aos radicais urbanos, que

exploravam a xenofobia contra os portugueses que dominavam o comércio carioca. Identificar

os realistas e o próprio Imperador ao pró-lusitanismo, como partido português, era uma

atitude que rendia frutos numa época em que os conflitos nativistas e nacionalistas

decorrentes da Independência estavam ainda à flor da pele. Por outro lado, depois da

Revolução de 1830, em Paris, os liberais redobravam os esforços para identificar a política

dos realistas àquela dos ultras, insistindo nas semelhanças entre Carlos X e Pedro I, numa

comparação tão tentadora quanto enganosa44. Era o que fazia o liberal moderado Evaristo da

Veiga: “O amor próprio nacional tem sido, no Brasil, pisado aos pés pelos homens da

privança, pelo partido que goza da especial confiança de quem governa (...). As suas ações, os

seus movimentos, as suas menores palavras, tudo é antinacional, tudo revela o desprezo e a

aversão por esta terra que se rebelou” (In: SOUSA, 1988b: 96). Acenando com o espantalho

da república federal, agitado pelos exaltados, a oposição liberal pensava que esta era a cartada

decisiva que lhe permitiria livrar-se dos coimbrões sem acabar com a monarquia, obrigando

Pedro I a aceitar a teoria do governo parlamentar e reformar a Constituição, se possível, para

descentralizar o poder e extinguir o Poder Moderador.

Mas o Imperador não apenas não cedia, como parecia fincar cada vez mais os pés na

retórica monarquiana. Em Minas, ele lançava uma proclamação ao país em que, também

radicalizando, apresentava publicamente a oposição liberal como um “partido

desorganizador”, cujos adeptos se valiam do falso paralelo entre a situação brasileira e a

francesa para, contra “o bem da Pátria”, concitar “os povos à federação”, com o fito exclusivo

44 Embora tentadora, a comparação entre Dom Pedro I e Carlos X feita pela historiografia liberal não sobrevive a qualquer análise. É verdade que tanto um quanto o outro resistiram ao ímpeto parlamentarizante da Câmara Baixa e que ambos caíram diante do movimento de uma coalizão do centro com a esquerda que mobilizou a população urbana. Mas as semelhanças não vão além. O Bourbon golpeou a representação nacional, forçando a interpretação da prerrogativa, não como Poder Moderador, mas como estado de exceção, dissolvendo a Câmara por duas vezes seguidas, suspendendo depois a liberdade de imprensa e impondo uma reforma eleitoral reacionária. Fugindo à sublevação parisiense, no estrangeiro Carlos X tornou-se o chefe do legitimismo, forma de nostalgia política do Antigo Regime. Já Pedro I caiu sem atacar a deputação, sem nunca dissolver a Câmara durante o período constitucional e, pelo contrário, defendendo seus direitos nela consagrados. Ao invés de fugir, ele abdicou voluntariamente do trono e partiu para Portugal - não para defender o legitimismo, e sim a causa liberal contra o absolutismo do irmão, Dom Miguel. Evidência do constitucionalismo de Dom Pedro I é a carta que escreveu a Rocha Pinto, quando soube da queda de Carlos X. Ao invés de demonstrar temor, como os príncipes absolutos da Europa, declarou ele então que previra tal desfecho. Ele era o resultado necessário “de um despotismo como o praticado contra o pacto social aceito sob juramento por Carlos X e pelo orgulhoso e libertário povo francês. Como se vê”, acrescentava, “faço bem em não deixar de ser constitucional” (In: MACAULAY, 1993:271).

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de “empolgar empregos” e “saciarem suas vinganças e paixões particulares” (In:

BONAVIDES E AMARAL, 2002:80). O desfecho da crise foi emblemático desse confronto

entre dois projetos nacionais, acalentados por distintos partidos, cada qual com seu discurso,

grupo social e interpretação constitucional. Ignorando a representação que lhe dirigira a

oposição para afastar o partido português, Pedro I nomeou um ministério exclusivo de

realistas chefiado por Inhambupe - o famoso “gabinete dos marqueses”. Ajudada pelos

exaltados, a oposição liberal juntou quatro mil pessoas diante do Senado para exigir que

Pedro I voltasse atrás, demitindo os realistas para nomear um ministério liberal, isto é, do

partido brasileiro. Diante dos emissários dos amotinados, o Imperador negou-se a atendê-los,

arrolando, na ocasião, argumentos monarquianos para fundar sua recusa. O primeiro era o de

que, intérprete da vontade geral e guardião da Constituição, ele era mais constitucional que

qualquer brasileiro nato. O motivo era simples e lógico: se a Carta lhe outorgava competência

exclusiva para nomear e demitir ministros, era ele que estava na legalidade ao exercê-las, e os

rebeldes, fora dela – ainda que eles a invocassem para justificar sal conduta (SOUSA, 1972,

III: 109). Por fim, tendo em vista a natureza mista do governo constitucional brasileiro e seu

papel de representante do elemento monárquico, Pedro I declarou expressamente que faria

tudo para povo, mas nada por meio dele – frase, aliás, já condenada por Constant (In:

CUNHA, 1985:396). Para a surpresa dos liberais moderados e alegria dos exaltados, o

Imperador preferiu abdicar a ceder, declarando que não aceitaria “imposições violentas

contrárias à Constituição, ditadas pelo povo e pelo exército amotinado” (In: MACAULAY,

1993:281). O Marquês de Inhambupe confirmaria depois ao Senado a inflexibilidade do

monarca:

“O Senhor Dom Pedro resistiu, dizendo que o Ministério novamente nomeado

estava demitido, mas ele nomearia outro de sua escolha, como lhe permitia a

Constituição, asseverando constantemente, que antes morreria, ou abdicaria, do

que aceitar o outro Ministério” (ASI, 1831, I: 57).

A abdicação a 7 de abril de 1831, seguida da retirada de Dom Pedro para a Europa,

representou o fracasso patente da proposta ilustrada coimbrã de, a partir do discurso

monarquiano, construir a Nação pelo alto, sem submetê-la ao veto da aristocracia rural. No

entanto, seis anos mais tarde, em 1837, esse projeto seria retomado em parte por uma ala dos

próprios liberais moderados, apavorada com os riscos de desfazimento do tecido social

acarretados pelas guerras civis. É o que se verá na próxima seção.

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3.2. As reformas propostas pelos liberais durante a menoridade de Pedro II. O debate

político regencial e a resistência dos realistas à extinção do Poder Moderador.

Adaptação do conceito monarquiano de quarto poder à teoria do governo parlamentar.

Ainda atônitos com a abdicação de Dom Pedro I, a quem queriam antes dobrar do

que depor, os liberais moderados, agora no poder, constituíram uma Regência provisória,

livrando-se imediatamente dos exaltados, sem deixar de combater o “partido português”, ou

seja, os membros da alta burocracia imperial, encastelados no Senado e no Conselho de

Estado, a que aludiam como “partido português”. Entre o que julgavam ser os extremos do

espectro político, os liberais moderados lançaram uma proclamação ao povo e adotaram um

posicionamento decalcado diretamente do precedente francês do ano anterior. A Proclamação

dos Deputados ao Povo Francês, de 31 de julho de 1830, concluía com a frase: “A Carta

(constitucional) será doravante uma verdade” (In: ROSANVALLON, 1994:303); não por

acaso, a proclamação brasileira, de 8 de abril do ano seguinte, prometia ao país que “a

Independência da nossa Pátria e as suas leis” seriam, daquele em dia em diante, “uma

realidade”. A natureza moderada do movimento político de 7 de abril tornaria o Brasil

admirado “entre as nações mais cultas”. (ASI, 1831:11); havia sido uma “revolução pacífica”,

sem “violências”, sem “assassinatos” (In: CONTIER: 1979:93) – as mesmas expressões, em

suma, de que se valeriam os republicanos, depois de 15 de novembro de 1889.

O discurso moderado, porém, adquiria a marca ambivalente do justo meio ou do

meio termo, ao fazer a apologia da prudência e da verdade constitucional conviver

desajeitadamente com a justificativa do direito de resistência, indispensável, segundo os seus

autores, para combater a “tirania” e “as facções que ofenderam a Pátria” (ASI, 1831, I: 10).

Das páginas da Aurora Fluminense, explicava o mais eminente doutrinário moderado, o

referido Evaristo da Veiga, que, se de um lado o arbítrio justificara a insurreição contra a

autoridade, de outro a liberdade não consistia em “abater por tal modo o governo que este não

possa preencher os fins para que foi instituído”; dada a natureza mais frágil de todo o governo

regencial, convinha antes fortalecê-lo do que fragilizá-lo (In: SOUSA, 1988 b: 104). Ou seja,

uma vez no poder, era preciso tomar todas as precauções para que as mesmas justificativas

empregadas para combatê-lo, quando estavam na oposição contra os realistas, não fossem

novamente empregadas pelos exaltados para, desta vez, depor os moderados. Ao explicar que

o Sete de Abril exprimira o “direito de resistência à opressão”, também Bernardo Pereira de

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Vasconcelos se apressava em ressaltar que o movimento não quisera mudar a dinastia ou

favorecer a anarquia e por isso o novo governo manteria o pulso firme “na repressão da

violência e da sedição” (VASCONCELOS, 1978:169). Ao acenderem uma vela para o

constitucionalismo e outra, para a salvação pública, os moderados já exprimiam, desde o

início da Regência, o dilema com que se defrontariam todos os seus governos pelos anos

seguintes. De um lado, um discurso de renúncia ao aparato repressivo e arbitrário do ex-

imperador e de seus conselheiros, aos quais queriam se contrapor. Do outro, um discurso de

salvação pública, de respeito à ordem e combate à anarquia, deflagrado pelo quadro de

contínuo agravamento das condições do país, assolado dali por diante pelas guerras civis.

O primeiro motivo dessa ambivalência decorria da posição centrista da antiga

oposição parlamentar liberal, agora moderada em oposição aos exaltados da rua. Em

contraposição à república federal querida pelos radicais, os moderados continuavam a

perseguir o ideal brasiliense aristocrático de uma monarquia mista com ênfase no elemento

democrático - pois que a Nação era sempre identificada à classe senhorial. Evaristo buscava

“o justo meio, condenando, quer as visões do republicanismo, quer os sonhos não menos

absurdos da monarquia aristocrática”. Para tanto os moderados precisavam combater, à

direita, os velhos coimbrões ou realistas, desejosos de “vestirem a nossa monarquia com as

galas e velhos atavios que o regime gótico legou aos povos europeus”; mas também, à

esquerda, os exaltados ou radicais urbanos, já que “a idéia da república que se enfeitava com

as nobres cores da liberdade” também comprometia “a prosperidade e os destinos do Brasil”.

O governo que os moderados queriam, concluía o redator da Aurora Fluminense, era “o

monárquico constitucional representativo, em que os dons da liberdade podem ser melhor

saboreados, no remanso da paz que ele oferece, contidas as facções com o prestígio da

realeza” (In: SOUSA, 1988 b: 177). O Novo Farol Paulistano, de Costa Carvalho, ecoava a

cantilena na capital daquela província: “A moderação é a nossa divisa; nas circunstâncias

atuais nenhuma virtude é tão necessária: aborrecemos tudo quanto é excesso; os excessos são

incompatíveis com a liberdade e com a prosperidade da pátria” (In: CONTIER, 1979:47). Em

outras palavras, a Revolução de Sete Abril viera tão somente neutralizar o poder interventor

da Coroa em benefício dos produtores agrários, não tendo a veleidade de promover a

ampliação da esfera pública que os exaltados pretendiam.

Neste sentido, os moderados de 1831 faziam a prévia da República de 1889. Este

fato fica mais claro no fato de que, para os moderados, sua política centrista encontrava

correspondência na posição intermediária que a grande propriedade rural e o complexo de

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interesses urbanos a ela vinculados, premidos entre a alta burocracia monárquica e os

pequenos comerciantes e os empregados urbanos, ocupava na sociedade e na economia

brasileiras. O propósito declarado da Aurora Fluminense o de elevar, aos olhos da opinião

pública, a consideração de que eram merecedoras “a indústria, a agricultura e o comércio”. Se

os moderados equiparavam a aristocracia rural à classe média ou da burguesia urbana que

assumira o poder na França em 1830, eles também identificavam os exaltados aos jacobinos e

a alta burocracia coimbrã, com a direita ultramonárquica, agora legitimista, que se batia pelo

retorno de Carlos X contra o novo Rei, Luís Felipe de Orléans (1773-1850). Ao contrário do

que pretendiam os realistas do Senado, prosseguia Evaristo, “não só os funcionários do

governo são merecedores de consideração”; estes eram parasitas que pretendiam “estabelecer

no Brasil uma nobreza privilegiada” para viverem “do produto das rendas, dos impostos

pagos pelas classes industriais” (In: SOUSA, 1988 b: 177). O deputado e ministro da Justiça,

Diogo Antônio Feijó (1784-1843), senhor de engenho paulista e amigo político de Evaristo,

estava de acordo com estas proposições: o moderado era o único partido que realmente

contava “com a Nação, cujos votos e opiniões representa; pela santidade da causa que

defende, que é a propriedade nacional; e ainda mesmo por seus princípios, porque detesta

excessos” (FEIJÓ, 1999:109). Referindo-se ao profundo espírito de igualdade do brasileiro,

Feijó lembrava que, senhor de escravos, o cidadão brasileiro era demasiado zeloso de sua

igualdade e liberdade para se sujeitar à burocracia realista (FEIJÓ, 1999:135). Ainda que a

escravidão fosse um mal, o estado rudimentar da agricultura tornava inoportuno o

“humanismo” coimbrão (BETHELL, 1970:70). Sugeria por isso a revogação da lei que

abolira o tráfico, mas que não pegara, a criação de escolas agrícolas e o assentamento dos

colonos na grande lavoura ao lado dos escravos - e não como proprietários independentes

(FEIJÓ, 1999:151/153).

O segundo motivo da ambivalência da linguagem moderada decorria da própria

divisão ideológica que, mais uma vez a exemplo do que ocorria na França, havia no interior

do partido – fato até hoje não salientado por nenhum historiador. Depois da Revolução de

1830, os liberais haviam se dividido em duas alas, o movimento e a resistência. O movimento,

a que se filiavam o banqueiro Jacques Lafitte (1767-1844), o advogado Camille Odilon Barrot

(1791-1873) e o aristocrata Alexis de Tocqueville (1805-1859), queria reformas

constitucionais para ampliar a participação política e tornar o novo regime, nas palavras do

velho Marquês de Lafayette (1757-1834), uma monarquia “rodeada de instituições

republicanas”. A resistência se opunha a esse reformismo. Seus membros, como Jacques

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Albert, Duque de Broglie (1821-1901), o já referido François Guizot e o também banqueiro

Casimir Pierre Périer (1777-1832), explicavam a monarquia de Julho à maneira de Burke, isto

é, como um mero desvio da linha sucessória monárquica, imposto pelas circunstâncias para

combater o espantalho do absolutismo (FURET, 1998, II). No Brasil o movimento francês

encontrava seu sucedâneo na antiga ala brasiliense, cujos principais chefes parlamentares

eram Feijó, Vergueiro, Holanda Cavalcanti, Martiniano de Alencar, Custódio Dias, José

Bento Ferreira de Melo e Francisco de Paula Sousa. Ainda mesclando o liberalismo

doutrinário com a velha linguagem vintista, todos esses parlamentares eram donos de terras

envolvidos com a criação de gado ou com a produção de gêneros agrícolas. Os padres José

Custódio Dias e José Bento eram proprietários no sul de Minas e aí tinham seus principais

redutos eleitorais. O primeiro lidava com gado e, da Corte, comprava e remetia escravos para

sua fazenda. Já senador, José Bento seria assassinado justamente por conta de uma disputa de

terras. Feijó era senhor de engenho em Campinas, tendo se dedicado, depois de 1816, ao

negócio da cana-de-açúcar. José Bento era amicíssimo de Vasconcelos e de Feijó, dividindo

casa, no Rio, com José Martiniano de Alencar, fazendeiro do Ceará (LENHARO, 1979:

119/120). Quase todos os políticos paulistas eram grandes proprietários de terras e donos das

maiores fortunas da província (CONTIER, 1979:59). Esses aristocratas rurais não tinham

naturalmente qualquer apreço pelo arranjo monarquiano da Carta de 1824. O senador

Martiniano de Alencar, por exemplo, declarava que ela não passava de uma “papeleta”; ela

não tinha “a validade que nós lhe queremos dar e nem faz com que se nos tenha o respeito que

se deve ter” (ASI, 1832, II: 322).

Ao contrário, a ala esquerda do partido moderado pretendia aproveitar a menoridade

do Imperador Dom Pedro II (1825-1891) para aprovar uma substantiva reforma constitucional

que ampliasse a autonomia das provinciais em benefício das oligarquias agrárias a que eles

pertenciam na base. Seu modelo político era o do federalismo norte-americano, devidamente

expurgado de seu conteúdo democrático, para que a autonomia das províncias beneficiasse as

oligarquias rurais por eles representadas (DOHLNIKOFF, 2006:15). Visto que democratizar

ou republicanizar a monarquia significava destruir a alta burocracia coimbrã e fortalecer as

oligarquias provinciais, as reformas pleiteadas passavam por uma descentralização acentuada,

pela temporariedade do Senado e pela extinção concomitante do Poder Moderador e do

Conselho de Estado. Um chefe de Estado forte como o dos Estados Unidos lhes parecia o

contrabalanço necessário para desarmar o potencial disruptivo do federalismo e manter a

ordem oligárquica contra as pressões dos exaltados urbanos; entretanto, o medo da desordem

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os levava a repelirem o passo lógico seguinte, que era a instauração de uma república. Por

conta da “solidez do governo pela perpetuidade do seu primeiro magistrado” (FEIJÓ,

1999:166), um Imperador ainda lhes parecia melhor avalista da ordem social do que um

Presidente da República. A ampliação da retórica republicana numa época em que o Estado

brasileiro ainda não estava firmado, para além dos setores proprietários do campo e das

cidades, poderia abalar os fundamentos ideológicos da dominação oligárquica e escravista que

os moderados ainda estavam por consolidar. No entanto, a preservação da monarquia não

implicava manter a roupagem monarquiana – absoluta, na linguagem moderada – da Carta

coimbrã de 1824; ela precisava ser “despida das formas de que se revestia quando era

absoluta” (FEIJÓ, 1999:167) para torná-la uma monarquia cidadã, como a de Julho. Tanto

quanto o movimento francês, a ala esquerda do partido moderado era monarquista por cálculo,

querendo que, na já referida expressão de Lafayette, a monarquia brasileira fosse “uma Coroa

cercada de instituições republicanas”.

Essa orientação americanista da ala esquerda dos moderados contrastava, todavia,

com a da ala direita. Esta era liderada por Bernardo Pereira de Vasconcelos e formada por

magistrados que também eram ou viriam a ser também fazendeiros, como o pernambucano

Pedro de Araújo Lima, o paulista José de Costa Carvalho, o mineiro Honório Hermeto

Carneiro Leão; e, a partir de meados da década, os fluminenses José Joaquim Rodrigues

Torres (1802-1872), Eusébio de Queirós Matoso Câmara (1812-1868) e Paulino José Soares

de Sousa (1807-1866). Na linguagem política francesa, eles seriam qualificados como

moderados de resistência e, como tais, avessos a grandes alterações na Constituição. Eles

eram acima de tudo monarquistas por convicção e não por cálculo, como eram os modelos do

movimento; daí que instintivamente não simpatizassem com o modelo americanista. Essa

aversão ao americanismo se refletia, pois, em primeiro lugar, pela simpatia que os moderados

de direita sentiam pela forma unitária de governo. eles eram, como o eram os moderados do

movimento. À semelhança dos antigos coimbrões, os moderados de direita ridicularizavam as

“ciências do sertão” acalentadas pelos padres fazendeiros brasilienses, para defender a

superioridade da civilização da Corte sobre as das províncias, cujo atraso dos costumes

facilitava o despotismo dos governantes. Por isso, deputados como Bernardo Pereira de

Vasconcelos defendiam, contra os interesses provinciais, que o Rio de Janeiro, “cidade mais

iluminada”, abrigasse todos os cursos superiores do país; na medida em que detinha “uma

opinião pública muito mais bem formada que nas outras províncias”, a Corte era o centro

difusor da civilização brasileira (VASCONCELOS, 1999:42/43).

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Em segundo lugar, a aversão ao modelo americano dos moderados de esquerda se

refletia no desapreço ao tipo de governo presidencial e ao apego, ao contrário, às fórmulas

parlamentares de governo que, explicadas crescentemente pelo liberalismo doutrinário depois

de 1830, se praticavam e se afirmavam claramente na Inglaterra, na França e na Bélgica.

Assim, na qualidade de secretário de Estado da Regência, em julho de 1831, Vasconcelos

escreveu uma Exposição de Princípios que, antes de mais nada, consagrava o princípio da

solidariedade do gabinete: “convencidos da grande importância da unidade do governo”, os

ministros estariam determinados “concertar em comum, não só os nossos planos, como

também os meios mais próprios de executá-los”. Era nesta unidade e na responsabilidade do

ministério que esperavam “encontrar a força indispensável para manter a ordem pública e

promover a prosperidade” (VASCONCELOS, 1978:169). Seu companheiro Honório Hermeto

Carneiro Leão faria idêntica profissão de fé contra o “presidencialismo” da ala esquerda dos

moderados (CASTRO, 1985:15). Como na França,

Entretanto, ao contrário da França, onde François Guizot, Casimir Périer, o Duque de

Broglie e outros liberais do partido da resistência cedo conseguiram tomar o poder, os

moderados de direita não dispunham de meios para resistir ao reformismo da ala esquerda do

partido. Embora quisessem desestimular uma radicalização que beneficiasse os exaltados, sua

participação no movimento de 7 de abril também os impedia de se aliarem, naquele momento,

com os realistas do Senado, que chamavam de restauradores por pretenderem, supostamente,

atrair Pedro I de volta para governar como Regente do Império. Ou seja, o temor da caça às

bruxas que se seguiria à volta do ex-Imperador45 impedia que a simpatia ideológica pela velha

direita coimbrã se convertesse numa aliança política contra o reformismo radical. Além disso,

as clivagens entre as duas alas moderadas desapareciam quando se tratava de preservar o

tráfico negreiro – tanto, que elas haviam, juntas, promulgado a lei de 1831 literalmente “para

inglês ver”, ou seja, para satisfazer a Inglaterra, mas com a reserva mental de não cumpri-la.

A impossibilidade de uma aliança com os restauradores, à direita; a agitação federalista

promovida pelos exaltados, à esquerda; e o desapreço dos colegas moderados do movimento

45 Mostra de como os moderados receavam a volta de Dom Pedro I ao poder e, com ele, dos realistas, está no discurso do deputado Paula Araújo: “Eu disse que o caráter e a conduta do ex-Imperador reforçam as razões que tenho para me persuadir que se trama a restauração. Se ele fosse dotado de um caráter firme, se não tivesse dado tão repetidas provas de uma volubilidade e inconstância sem exemplo, eu estaria mais descansado. Mas o que presenciamos nós? Jamais ele teve uma opinião sua: umas vezes queria mostrar-se constitucional, quando o rodeavam homens que tinham bons sentimentos; pouco depois, dando ouvidos àqueles que queriam sacrificar a causa e os interesses do Brasil aos seus interesses particulares, mudava de conduta, e então não duvidava insultar o brio nacional e indispor contra si aqueles mesmos que o tinham elevado ao trono. Como poderemos, pois, deixar de recear, agora que ele se acha rodeado desses mesmos homens, que seja por ele induzido a tentar tão temerária empresa, iludido, além disto, com as correspondências e mensagens daqui?” (ACD, 1833, II: 15).

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pela Constituição, foram os fatores que empurraram os moderados de direita a colaborar

taticamente com o reformismo do movimento para evitar o retorno do Duque de Bragança e a

ascensão dos radicais que, produziriam uma conflagração geral do país.

Era uma verdadeira política de ceder para conter que a contragosto seguiam os

moderados de direita que, para evitar a restauração de Pedro I, eram obrigados a manter a

unidade do partido e compor com os exaltados. Era o que explicava Vasconcelos ao repelir o

apelo que lhe fazia o advogado e deputado baiano Francisco Gê Acaiaba Montezuma (1794-

1870) para que os moderados abandonassem os radicais: “Esta união há de ter lugar, a pesar

seu (...); é do interesse dos dois partidos oporem-se à restauração e acabar com os

restauradores” (VASCONCELOS, 1999:212). Honório Hermeto Carneiro Leão também

engolia as reformas constitucionais propostas pelo movimento a contragosto. Em sua opinião,

“as reformas não podiam produzir muito proveito, mas podiam sempre produzir algum, sendo

certo que, segundo entendia, não havia forças humanas que pudessem obstar a elas, porque a

Nação as reclamava, assim como as necessidades de muitas províncias” (ACD, 1831, II: 135).

A pressão sempre vitoriosa exercida pela esquerda moderada sobre a respectiva direita acaba

de se tornar patente na confissão de Evaristo da Veiga:

“Sou sincero amigo e entusiasta da Constituição; admito as reformas porque

desejo sempre sacrificar o meu voto particular ao desejo e vontade nacional, mas

não porque entenda que a Constituição tal qual está não possa fazer a ventura do

Brasil, dando às províncias a soma de liberdade que desejam. Porém, o voto

contrário se tem pronunciado geralmente e eu estou pronto a ceder de minhas

opiniões individuais para acompanhar o que parece desejo nacional” (ACD, 1832,

II: 137).

Os receios dos moderados de direita não eram vãos, porque a direita realista

continuava politicamente ativa. Desde os últimos anos do Primeiro Reinado, os velhos

senadores coimbrões haviam voltado a contar com o apoio dos três Andradas, que haviam

retornado do exílio e recomposto a unidade da frente coimbrã. Nomeado pelo ex-Imperador,

no ato da abdicação, tutor de Pedro II, José Bonifácio de Andrada e Silva desde então

dominava o Paço Imperial como chefe dos áulicos. Na Câmara dos Deputados, ele

desdenhava do partido moderado que, para ele, ainda não conseguira fazer nada de útil desde

que chegara ao poder: “Tendo-se deitado barro na roda no dia 7 de abril, saíra um moringue,

quando ele esperava um rico vaso” (ACD, 25/06/1831). Unitário e monarquista como nunca,

Bonifácio se opunha decididamente ao movimento reformista; ele se organizava “em ocasião

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muito má, por ser objeto que requeria todo o sossego e tranqüilidade da Nação soberana para

alterar-se o seu pacto social, estado em que ele não julgava que estivéssemos” (ACD, 1831, I:

135). Seus irmãos, Antônio Carlos de Andrada Machado e Martim Francisco Ribeiro de

Andrada (1775-1844), se haviam erigido em chefes públicos e ostensivos do partido

caramuru ou restaurador, para quem o retorno do Duque de Bragança era indispensável para

salvar a unidade nacional e o trono do Imperador menino – ou seja, para salvar o projeto

imperial coimbrão (SOUSA, 1972a: 263). Das páginas do jornal homônimo – O Caramuru -,

porém, eles anunciavam apenas o propósito de defender o reinado de Dom Pedro I e a

integridade da Constituição contra as tentativas de reformas de descentralização territorial e

de enfraquecimento da Coroa, projetadas pelos moderados e pelos exaltados para se tornarem

ditadores das respectivas províncias. “Única tábua de salvação para o Brasil”, os caramurus se

propunham “combater quantas idéias tendam a alterá-la ou reformá-la, bem como essa

federação monárquica, monstro até agora desconhecido em político e cuja consumação traria

ao Brasil montões de estragos e a completa aniquilação social” (In: CONTIER, 1979:51).

Encastelados no Senado vitalício, o Visconde de Cairu e os marqueses de Queluz,

Inhambupe, Baependi e Caravelas, entre outros, eram acusados diariamente pelos deputados

governistas e suas folhas moderadas e exaltadas de serem cúmplices nos planos restauradores

dos Andradas. De fato, de modo suspeito, seus nomes emergiam dos artigos caramurus como

os ideais para integrar uma Regência Trina que salvasse o país da tirania moderada

(CONTIER, 1979:135). Além disso, eles também se opunham às reformas constitucionais que

o governo pretendia levar adiante, posição contra a qual reclamava o deputado maranhense do

movimento Manuel Odorico Mendes (1799-1864): “É por estarem persuadidos os senadores

que, depois de 7 de abril, há de ficar tudo no statu quo. Outros dizem que não é bom que as

coisas fiquem no statu quo; que pode haver desordem, anarquia; e podem desligar-se as

províncias, e outras, quererem fazer exigências exageradas. Mas, enfim, faça-se a vontade do

Senado: não caia o Senado, ainda que caia o Brasil!” (ACD, 1832, I: 120). De fato, muito

poucos deputados ousavam, na Câmara, contrariar os moderados e exaltados; entre eles, os

próprios Andradas e seus amigos leais, como os advogados Antônio Pereira Rebouças (1798-

1880), Francisco Montezuma e o aristocrata Miguel Calmon du Pin e Almeida, futuro

Marquês de Abrantes (1794-1865), todos baianos. Eram todos atacados como uma nobreza

burocrática que, “contanto que consiga entrar outra vez na carreira das honras, títulos e

empregos, viver à custa do Estado”, pouco se importava com o Brasil (FEIJÓ, 1999:117).

Como conseqüência dessa guerra contra os coimbrões, em seis meses de governo os

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moderados impediram Inhambupe de assumir a Regência provisória; trataram de revalidar a

nomeação de José Bonifácio como tutor, para que não restassem dúvidas sobre a nova fonte

de poder legítimo; e propuseram o expurgo de todos os servidores públicos cuja conservação,

por sua anterior vinculação ao Duque de Bragança, pudesse ser “prejudicial à causa pública”

(ACD, 1831, I: 178/185).

Travou-se então o primeiro debate sobre a reforma política encaminhada pelos novos

donos do poder para suprimir ou neutralizar do ordenamento constitucional as instituições

monarquianas. A associação entre Poder Moderador, Senado vitalício e Conselho de Estado,

de um lado, e arbítrio e privilégio, de outro, havia sido prenunciada pelas críticas da câmara

municipal de Itu ao projeto de Constituição. Capitaneados por Feijó, os vereadores haviam

desaprovado o excesso de centralização, a vitaliciedade do Senado e a possibilidade de

dissolução da Câmara, não lhes tendo escapado que o projeto dispensava a referenda

ministerial para os atos do Poder Moderador (SOUSA, 1972 b: 73). Esses pontos foram

reiterados com ênfase redobrada pelos exaltados, durante a Confederação do Equador, e no

final do reinado de Pedro I. Os revoltosos pernambucanos fundaram sua decisão de se

separarem do Império com base numa cláusula resolutiva tácita – a do contrato descumprido

pela monarquia ao dissolver a Constituinte (MELLO, 2004). “De nova invenção

maquiavélica”, explicava o Frei Caneca, o Poder Moderador era “a chave mestra da opressão

da nação brasileira e o garrote mais forte da liberdade dos povos”. Por meio dele, o Imperador

poderia dissolver a Câmara, “a representante do povo”, saindo ileso o Senado, “representante

dos apaniguados do Imperador” (CANECA, 1976:70).

Na febre federalista da década de 1830, os jornais exaltados voltavam a bater nas

instituições monarquianas. Para o radical carioca Ezequiel Correia dos Santos (1801-1864),

por exemplo, o Conselho de Estado e o Senado eram os baluartes das forças reacionárias, e o

Poder Moderador, “a chave política do inútil”, “miserável invenção”, “monstro em política”,

“desconhecido no mundo civilizado” (In: BASILE, 2001:39). Confirmando mais uma vez os

efeitos da disjunção entre discurso político liberal e classe social aristocrática, que é um dos

fundamentos desta tese, é o fato de que, nesse mesmo período, a maioria esmagadora dos

europeus de passagem pelo Brasil criticava a Constituição de 1824 pela razão oposta à dos

exaltados e moderados do movimento; para eles, ela era excessivamente liberal para um país

atrasado como o Brasil, marcado por uma elevada “heterogeneidade” da população (LISBOA,

2000:275). Prova de que o intento de Caravelas havia realmente sido a de forjar o milagre de

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possibilitar num vácuo social, pelo reforço da Coroa, um governo constitucional e

representativo.

Se esta era a posição dos exaltados, é sabido que, para os moderados do movimento,

a única versão teoricamente admissível do Poder Moderador era aquela defendida pelos

liberais franceses da Monarquia de Julho, ou seja, o da realeza como um poder neutro frente

aos partidos. Benjamin Constant saudara vivamente a adoção do Poder Moderador na

Constituição de Portugal (1826) como sinal da inevitabilidade do governo representativo

sobre a base da soberania nacional: Num artigo de jornal, ele voltava a afirmara que “a

distinção estabelecida (entre Executivo e Moderador) pela Carta de Dom Pedro é o único

meio de conciliar a existência da monarquia com o estabelecimento da liberdade, isto é, o

único meio de prolongar a duração da forma monárquica” (In: BARBOSA, 2000:224). Guizot

se referia diretamente ao Brasil na História da Civilização Européia: depois de recordar que o

papel da realeza moderna era o de personificar a soberania do direito, na condição de “um

Poder Moderador, elevado acima dos acidentes, das lutas da sociedade, e não intervindo senão

nas grandes crises”, ele sublinhava “a rapidez extraordinária com que (essa teoria) passou dos

livros para os fatos. Um soberano fez dela, na Constituição do Brasil, a base mesma de seu

trono; a realeza está aí representada como um Poder Moderador, elevado acima dos poderes

ativos, como um espectador e juiz das lutas políticas” (GUIZOT, 1855:236). Não era assim,

porém, que os moderados brasileiros – os do movimento, pelo menos - enxergavam o

problema. Se, no final da década de 1820, Constant e Guizot saudavam Pedro I como o único

monarca liberal da Europa, pedindo-lhe que se pusesse à frente do liberalismo europeu contra

a Santa Aliança, no Brasil, a aristocracia rural travestida de classe média européia, incapaz de

aceitar os postulados monarquianos, associavam-no e à sua Corte coimbrã ao absolutismo.

Reconhecer o liberalismo de Dom Pedro I curto-circuitaria sua própria identidade,

embaralhando as distinções ideológicas que justificavam publicamente suas ações.

Do ponto de vista do direito público, o que mais pesava na apreciação negativa que

faziam do Poder Moderador os moderados do movimento era, sem dúvida, a

irresponsabilidade jurídica pelos seus atos, por que não respondiam os ministros. A

responsabilidade ministerial pelos atos da realeza era um dogma da monarquia constitucional,

porque conciliava o governo representativo com a inviolabilidade, isto é, a irresponsabilidade

da Coroa, que era característica do Antigo Regime. Nas duas primeiras décadas do século

XIX, no âmbito do governo constitucional representativo, explicado pelas teorias do governo

misto e da separação de poderes, essa referenda ministerial ainda era compreendida pelos

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liberais como uma garantia jurídica da responsabilidade pelos atos praticados pelo monarca

irresponsável (ROSANVALLON, 1994:85). Ela preservava a autonomia decisória da Coroa

quanto à nomeação e à demissão de ministros, conciliando-a com o direito que tinha o

Parlamento de fiscalizar e controlar a legalidade dos atos governamentais. Se os secretários de

Estado estivessem de acordo com as decisões da Coroa, deveriam referendá-las e assumir

frente ao Parlamento a responsabilidade; por elas do contrário, precisavam renunciar e ceder

os cargos a quem se dispusesse a fazê-lo.. Desde que as teorias do governo misto e da

separação de poderes exigiam a responsabilidade jurídica dos ministros, carecia de

importância o fato de a Constituição prever expressamente a referenda apenas para os atos do

Executivo, e não para os do Moderador. Era por isso que, embora não houvesse exigência

expressa de referenda ministerial nos atos do Poder Moderador, todos eles haviam sido até

então indistintamente referendados pelos ministros. A responsabilidade jurídica era

compreensível para evitar que o Executivo se tornasse absoluto pela inviolabilidade do

monarca, já que era considerado um poder distinto e autônomo do Legislativo. Assim, pelos

atos da Coroa respondiam os ministros que os referendavam, ficando sujeitos ao

procedimento acusatório a que já haviam no Brasil se sujeitado dois ministros de Dom Pedro

I. Caso a acusação da Câmara houvesse sido julgada procedente, o Senado ficaria encarregado

de julgá-los e condená-los, se fosse o caso, nas penas previstas na Lei de Responsabilidade

dos Ministros de Estado, que reproduzia assim o velho instituto inglês de impeachment

ministerial.

O problema é que, a partir de 1830, com a Monarquia de Julho na França e a

primeira reforma eleitoral da Inglaterra, dois anos depois, o paradigma do governo

monárquico representativo passou a ser definido pela teoria do governo parlamentar. Ela

preconizava que a demissão e a nomeação dos ministros, que dependiam da escolha, pela

Coroa, de gente da sua confiança, passavam a depender também da confiança do Parlamento;

da mesma forma, a dissolução da Câmara não ficava mais sujeita sempre e exclusivamente a

critério do chefe do Estado. Passava-se assim do reconhecimento meramente jurídico da

responsabilidade ministerial pelos atos da Coroa face ao Parlamento para o seu

reconhecimento político: ao invés de instaurar procedimentos judiciais de acusação, as

câmaras poderiam simplesmente derrubar o governo ao negar-lhe um voto de confiança

parlamentar, derrotando-o numa votação para este fim. Embora divergissem quanto ao papel

da Coroa e à extensão de seus poderes no exercício dessas atribuições, os liberais e

conservadores franceses, durante o regime orleanista, concordavam em reconhecer que, dali

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para frente, o governo constitucional representativo se tornara sinônimo de governo

parlamentar. Essa releitura da teoria do Poder Moderador foi expressa pela primeira vez às

vésperas da queda de Carlos X. À declaração dos ultras de que o Rei poderia governar

pessoalmente por decreto, os liberais responderam que o governo só poderia ser formado pela

Coroa se estivesse de acordo com a vontade da maioria parlamentar. A justificativa

apresentada pelos liberais franceses era a de que a responsabilidade ministerial perante o

Legislativo, pedra de toque da monarquia constitucional, vinculava a formação e duração do

gabinete à confiança política do Parlamento, que representava a opinião pública (LAQUIEZE,

2002:155). Embora o próprio Constant tivesse sido o primeiro a reiterar, em janeiro de 1830,

que “o rei reina, mas não administra; ele nomeia os ministros que administram”

(CONSTANT, 1992:136), foi o advogado e jornalista Adolphe Thiers (1797-1877), futuro

deputado e Presidente do Conselho que, das páginas do jornal O Nacional, difundiu o lema

que dali por diante sintetizaria o conceito liberal de Poder Moderador: “o rei reina e não

governa”.

“Do direito de escolher os ministros, que pertence ao Rei, combinado com o

direito de recusar-lhes os meios de existência, que pertence às câmaras, resulta

para estas uma incontestável participação na escolha dos ministros. O Rei não

administra, não governa - reina. Os ministros administram, e governam (...). Ele

tem o veto de toda a realeza, dissolve uma câmara, recusa um projeto de lei,

quando as coisas lhe parecem ir num sentido demasiado contrario ao seu. Mas ele

não governa, ele deixa o país se governar; ele raramente segue os seus gostos

quando escolhe seus ministros (...). Reinar não é, portanto, governar, é a imagem

mais verdadeira, mais elevada, mais respeitada do país. O Rei é o país tornado

homem (...). O ministro, uma vez nomeado por influência da câmara, tem a

prerrogativa real, que foi feita para concentrar o poder nas mãos do executivo; ele

faz a paz, a guerra, ele recebe, ele paga; (...) - numa palavra, ele governa, e como

tem a confiança das câmaras, porque não existiria sem isso, ele somente faz as

coisas que elas aprovam; (...) enquanto elas, pela sua diversidade e com seus cem

olhos, o observam, o criticam e o julgam. Assim, o Rei reina, os ministros

governam, as câmaras julgam” (THIERS, 1997:146/147).

Os conservadores franceses concordavam que a teoria do governo parlamentar era

inseparável da monarquia constitucional. Este era um regime de governo equilibrado ou de

justo meio, cujos elementos monárquico (Rei), aristocrático (Câmara dos Pares) e democrático

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(Câmara dos Deputados) eram interligados pelo Conselho de Ministros, isto é, o gabinete

(ANTONETTI, 1998:113). Os conservadores discordavam, todavia, do grau de esvaziamento

da prerrogativa monárquica proposta pela interpretação da esquerda liberal, que era no seu

entender demasiado. “O trono não é uma poltrona vazia”, afirmava Guizot. “A realeza é

necessária, não somente para prevenir a usurpação, não somente para parar os ambiciosos,

mas como parte ativa e real do governo” (GUIZOT, 1861:228). Calcados numa interpretação

literal do art. 12 da Carta de 1830, conservadores como Guizot, o Duque da Dalmácia (1769-

1851) e o Conde de Molé (1781-1855) sustentavam que o Rei dispunha de toda a liberdade de

selecionar, para o ministério, os políticos que ele julgasse mais capacitados para angariar o

apoio da maioria parlamentar e, desse modo, realizar seu pensamento político. Dotada de

“inteligência, firmeza e devotamento admiráveis” (GUIZOT, 1861:210), a Coroa representava

a capacidade intelectual suprema do país; a força que conferia ao governo o poder e a

legitimidade de dirigir a sociedade. A direita liberal criticava a anglomania dos liberais, que

os cegaria para a especificidade da política francesa, cujas oposições coligadas, se eram

capazes de derrubar governos, não possuíam organicidade suficiente para os formarem. Daí a

necessidade de uma força externa de impulsão, que pudesse revestir de solidez e efetiva

responsabilidade os governos, e que só poderia ser fornecida pela Coroa (FONFREDE,

1844:53). Era por esse motivo que o chefe do Estado não poderia se reduzir a um poder

neutro, isto é, passivo; embora imparcial e por meio do Conselho de Ministros, o monarca

precisava chefiar o Executivo em paridade de condições com o Parlamento.

Seja como for, embora divergissem acerca do modo exato de seu funcionamento, os

conservadores não discordavam dos liberais na caracterização do governo monárquico

representativo como parlamentar, nem em reconhecer a primazia da Constituição da Inglaterra

na formatação desse modelo. Essa adaptação do Poder Moderador à teoria do governo

parlamentar - isto é, que o governo, gabinete, ministério ou conselho de ministros deveria dali

por diante merecer a confiança concomitante da Câmara e do Parlamento -, operou-se de

forma natural na França orleanista, na Bélgica e na Espanha. Como suas constituições

embutiam o Poder Moderador entre as atribuições formais do Executivo, não se colocou o

problema da responsabilidade ministerial sobre os atos daquele primeiro poder, que era antes

uma doutrina do que uma fórmula jurídica. No Brasil e em Portugal46, porém, onde os dois

46 A Carta portuguesa era quase idêntica à brasileira. Revisada às pressas por Pedro I, nela suprimiam-se apenas as alusões às províncias e à origem popular do poder. Substituíam-se as palavras Império, Brasil, Imperador e Senado, respectivamente, por Reino, Portugal, Rei e Câmara dos Pares. Assim, por exemplo, o Poder Moderador ficou definido como “a chave de toda a organização política e compete privativamente ao Rei, como Chefe Supremo da Nação, para que incessantemente vele sobre o equilíbrio e harmonia dos mais poderes

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poderes estavam textualmente separados, havendo previsão expressa da referenda apenas para

os atos do Executivo, a irrupção da teoria do governo parlamentar criou um grande problema

constitucional. Das duas, uma: ou se reconhecia a independência do Poder Moderador, não

dispondo a Coroa de quem se responsabilizasse pelos atos por ela praticados no exercício

daquelas atribuições – agindo o chefe de Estado, portanto, de modo soberano e, portanto,

absolutista -; ou o ministro de Estado deveria também referendá-los, como se fossem

exercidos pela Coroa no âmbito do Poder Executivo – e, nesse caso, o chefe de Estado

correria o risco de ficar refém do ministério e, por extensão, do seu partido, impedindo-o de

agir como um árbitro imparcial. Em outras palavras: se, por um lado, a inexigência da

responsabilidade ministerial implicava reconhecer o Poder Moderador como um poder

irresponsável e, portanto - ainda que no exercício de suas competências – absoluto, por outro,

a imposição da obrigatoriedade da referenda poderia acarretar sua captura pelo gabinete,

acabando com sua independência e neutralidade, e fazendo dele um instrumento de partido.

Em Portugal, o debate sobre a responsabilidade pelos atos do Poder Moderador atravessaria o

século XIX até que a partir de 1885 um ato adicional obrigou a referenda ministerial. Com a

crise geral do liberalismo e o esfacelamento do sistema partidário, depois de 1890, a crescente

demanda pelo poder pessoal do Rei permitiria que o Moderador recuperasse a sua liberdade

por meio de outra reforma constitucional (CAETANO, 1986:63/67; MARTINS, 1986;

RAMOS, 2001).

No Brasil, a discussão constitucional sobre o Poder Moderador na primeira metade

da década de 1830 foi completamente embaralhada pelo advento da teoria do governo

parlamentar, o que permitiu aos deputados e senadores desenvolver os mais desencontrados

pronunciamentos – especialmente quando envolviam moderados de esquerda que,

americanistas, muitos dos quais simplesmente não entendiam onde estava o problema.

Simpático aos realistas, o baiano Miguel Calmon entendia que, na ausência de previsão

constitucional para a referenda ministerial dos atos do Poder Moderador, mas reconhecendo

que eles precisavam de quem por eles respondesse, ficavam responsáveis os conselheiros de

Estado, que eram obrigatoriamente ouvidos antes que a Coroa os exercesse. Moderado da

resistência, o carioca Evaristo da Veiga percebia a omissão constitucional, achava que os

conselheiros não estavam aptos a – como se dizia – cobrir a Coroa, enfatizando a necessidade

de incluir a referenda obrigatória na reforma da Carta. Para o paulista Diogo Feijó, chefe

moderado do movimento, a questão não era relevante porque todos os atos pelo Poder

políticos” (MELO FRANCO, 1972).

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Moderador vinham, na prática, sendo subscritos pelos ministros – ou seja, como americanista

e presidencialista, ele não entendia a distinção entre responsabilidade política e jurídica, que

só adquiria sentido no interior do governo parlamentar, que ele rejeitava. Por fim, havia

moderados da resistência, como o pernambucano Araújo Lima, para quem a omissão

constitucional não deveria ser interpretada como proibição da referenda ministerial, mas como

permissão para que ela ocorresse no espaço extraconstitucional, intermediário entre a

inconstitucionalidade e constitucionalidade. Diante dessa verdadeira barafunda de

interpretações, os moderados do movimento optaram pelo caminho mais simples, ou seja,

propor a supressão pura e simples do Poder Moderador e o Conselho de Estado. As

competências daquele poder passariam para a esfera do Poder Executivo – não antes de

suprimir a que permitia ao chefe de Estado a de dissolução da Câmara. Na medida em que as

instituições políticas ficassem assemelhadas às dos demais governos representativos, seria

mais fácil praticá-lo por imitação, acabando com a ambigüidade constitucional que permitia a

interpretação monarquiana da Carta – fosse para o governo parlamentar, fosse para o

“presidencialismo monárquico” à americana. Era a posição do senador Vergueiro, exposta

com lucidez analítica:

“A Constituição do Brasil deu ao monarca o Poder Moderador, poder que

nenhuma outra ainda tem reconhecido, não porque lhes falte, mas por existir

confundido com o Poder Executivo e exercitado mediante a responsabilidade dos

ministros. No Brasil, porém, quiseram que fosse um poder independente e

independente o constituíram. Não obstante, eu também o admitiria, mas desunido,

depositado em diferente indivíduo, por ser absurdo admitir dois poderes distintos

entre si e reunidos em uma só pessoa. Nessa parte, a nossa Constituição, apesar da

ausência da aristocracia (...), é muito mais monárquica, do que todas as outras

Constituições, onde o chamado Poder Real é exercido unicamente com a

responsabilidade dos ministros” (ASI, 1832, I: 159).

Desde o 7 de abril de 1831, a eliminação das instituições monarquianas da

Constituição de 1824 tornou-se a principal obsessão institucional dos moderados no poder;

mas, como ela exigia um demorado trâmite de discussão prévia nas duas casas do Parlamento,

para em seguida se eleger uma câmara dotada de poderes especiais para rever a Carta (arts.

174-178), os moderados trataram desde logo de disciplinar o funcionamento das instituições

políticas durante o período regencial, incluindo artigos que, em benefício da Câmara dos

Deputados, cerceassem e adormecessem as principais atribuições do Poder Moderador, até

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que a reforma constitucional se realizasse. Passou-se a exigir a referenda ministerial para os

atos daquele poder (art. 10); estabeleceu-se que os vetos poderiam ser derrubados

imediatamente pela Assembléia Geral (arts. 11 a 15); ficando ainda os regentes proibidos, na

qualidade de chefes provisórios do Estado, de dissolver a Câmara (art. 19, § 1o.), decretar o

estado de exceção (art. 19 § 6o.), nomear novos conselheiros de Estado ou lhes conceder, ou

aos ministros, graça e anistia (art. 19, §§ 2o., 3o. e 5o.). De cambulhada, a Câmara fez com

que a suspensão de juízes pela Regência dependesse da concordância dos presidentes de

províncias (art. 17); e a ratificação de tratados e a declaração de guerra (art. 20), da própria

assembléia. Deputados da resistência, como Evaristo da Veiga, foram contrários à supressão

do direito de dissolução da Câmara (In: SOUSA, 1988b: 107). Fragilizado pela abdicação, o

Senado aprovou in totum o projeto de lei destinado a vigorar até a maioridade de Pedro II.

Poucos meses depois, a extinção do Poder Moderador e do Conselho de Estado foi

incluída pelo movimento no pacote de reformas constitucionais, que extirpava da Carta todas

as instituições de inspiração monarquiana. Além da supressão do Poder Moderador e do

Conselho de Estado (§§ 6o. e 8o.), o projeto americanista elaborado pelo deputado Miranda

Ribeiro consagrava o federalismo (§. 1o.), criava assembléias provinciais (§ 9o.); decretava o

fim da vitaliciedade do Senado, que passaria a temporário e eleito pelas províncias, sem lista

tríplice apresentada à Coroa (§ 5o.); permitia a derrubada imediata dos vetos do Executivo

pelo Legislativo (§ 7o.); reduzia para dois anos o mandato dos deputados (§ 4o.) e, por fim,

determinava que o Império tivesse um único regente, escolhido pelas províncias em regime de

eleição indireta, como o era o Presidente dos Estados Unidos (§ 11). Para o movimento, todas

essas mudanças eram conseqüências lógicas da mudança de orientação provocada pelo Sete

de Abril. Como haveria, perguntava o deputado moderado Paula Sousa “de marchar o regime

novo com as mesmas molas do regime velho? Como há o governo nacional, criado e

organizado de novo, de caminhar conservando todos os elementos do governo velho pelo

Brasil?” (In: RODRIGUES, 1982:49). Sob o protesto de Carneiro Leão e de Evaristo da

Veiga, que se opuseram à extinção do Poder Moderador, o restante da resistência se viu

obrigada a apoiar o projeto (SOUSA, 1988 b: 107). Aprovado na Câmara, o projeto de

reforma constitucional foi encaminhado ao Senado, onde se esperava fosse novamente

chancelado de forma quase automática, como na precedente lei da Regência. Ocorre que o

que estava agora em questão não era uma alteração provisória no jogo das instituições, mas

um corte definitivo do perfil monarquiano das instituições, lapidado anos antes pelos realistas

a título de fazer do Brasil o grande e poderoso império a que estava destinado pelo Conde de

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Linhares. Salvo, portanto, tópicos eventuais, como o da descentralização moderada (ASI,

1832, I: 178/190), todos os antigos membros do partido realista se opuseram ao projeto.

O debate no Senado pôs novamente em relevo a dimensão discursiva do combate

político, vazado entre dois estilos distintos de liberalismo - o mais antigo, monarquiano,

tributário do republicanismo cívico bolingbrokeano e do despotismo ilustrado, e o mais

moderno, tributário do iluminismo escocês pela via de Constant e dos doutrinários franceses.

O receio do burkeano baiano José da Silva Lisboa, Visconde de Cairu (1756-1835), era que as

reformas abrissem “o compasso das inovações, dando vasto e ilimitado arbítrio aos deputados

para tratarem o Brasil como tábua rasa, e autorizar e provocar a convocação de uma

convenção nacional” (ASI, 1832, I: 139). O mais inflamado, porém, foi o pai da Constituição,

o Marquês de Caravelas, cujos discursos foram verdadeiros shows de eloqüência

monarquiana. Daí a conveniência de introduzir parte de seu exórdio:

“Cumpre que nos armemos com a égide impenetrável da razão contra as vozes de

um povo alucinado e conduzido de boa fé pelos interessados das facções. Em

tempos de partidos, na efervescência das paixões, difícil é, para não dizer

impossível, conseguir o conhecimento da verdadeira opinião pública. As facções

já não dissimulam nem os seus projetos, nem as suas aspirações; elas se têm

apresentado com armas na mão, depois de haverem corrompido a mocidade

incauta e insciente, procurando arrastá-la à licença, para nos precipitar na anarquia

e nos fazer perder a liberdade. Talvez não fosse este o tempo mais próprio para

reforma – qualquer que ela seja não acalmará as paixões -, mas cumpre-nos tirar

todo o pretexto com que se disfarçam vistas tão impuras e danosas. O nosso dever

é procurar o que for mais profícuo à Nação; ela pôs-nos neste lugar para dizermos

francamente a nossa opinião sobre os seus interesses. O legislador não deve ser

dominado por paixões e por partidos; armemos a nossa consciência com uma

tríplice couraça contra as opiniões corrompidas e desorganizadoras (...). A massa

geral ainda não está de todo contaminada. Os homens probos ligados a seus

verdadeiros interesses, apesar das pérfidas sugestões que os rodeiam, não aspiram

senão a gozar em paz os frutos do regime legal. Eles reclamam a manutenção da

ordem, sem a qual todos os direitos são comprometidos; eles serão o nosso

escudo, para garantirmos a Constituição a essa mesma porção, que, impelida

somente por uma inclinação irresistível da natureza humana, imprudente anela

mudanças após uma quimera” (28/05/1832).

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Contra o projeto, o marquês enunciou basicamente três argumentos. O primeiro deles

se reportava ao curto tempo de vida da Constituição. “Apenas apresentada em projeto a

Constituição que nos rege”, narrava Caravelas, “foi ela recebida com geral entusiasmo e

tornou-se desde logo objeto da admiração e do respeito de todos os brasileiros. A liberdade,

que tanto anelávamos - nela a vimos firmada, em bases inabaláveis. A forma de governo que

nos dava, a mais congenial com as nossas idéias, a única que se ajustava com a nossa

educação, com os nossos usos, hábitos e costumes; a bem equilibrada distribuição dos poderes

políticos, todos independentes e limitados a publicidade de seus atos; a censura pública

franqueada à imprensa; a responsabilidade dos ministros e mais empregados públicos;

finalmente, o juízo dos jurados, tanto no crime como no cível. Tudo preenchia o desiderato

das almas livres; tudo conferia os mais seguros penhores de serem efetivamente respeitados e

religiosamente guardados os nossos direitos como homem e como cidadão. Com bem justa

ufania, podíamos gloriar-nos de possuirmos uma monarquia sem despotismo e liberdade sem

anarquia”. Para Caravelas, não era possível que os mesmos homens que haviam patrocinado

o movimento do Sete de Abril, a pretexto de defendê-la das violações ministeriais, viessem

reclamar no dia seguinte de seu triunfo a mutilação da Constituição. Cairu era de idêntica

opinião: “Como, pois, sem ainda completar a grande obra da nossa regeneração política, já se

lhe abalam e arrancam os alicerces e pilares, sufocando-se a Constituição, por assim dizer,

quase à nascença e estando nas faixas, apenas tendo oito anos?” (ASI, 1832, I: 158).

Seguindo suas considerações sociológicas, para Caravelas o problema brasileiro não

estava nas instituições políticas, mas em sua limitada eficácia num ambiente de geral

incultura; problema que, em todo o caso, poderia ser remediado pela confecção das leis que

completassem o arcabouço constitucional que ele planeara (ASI, 1832, I: 144). O pano de

fundo de sua argumentação, favorável à vitaliciedade do Senado e ao governo misto, era o do

caráter cíclico da história e a filiação brasileira, não ao universo americanista dos moderados

do movimento, mas ao da Europa ocidental. Proposições de inspiração republicana, como o

federalismo, a bienalidade dos mandatos e a eleição indireta do Regente pelas províncias,

haviam sido introduzidas no projeto “para aqui como garfo se enxertarem na nossa

Constituição, a qual não é aplicável, por não ser da mesma família”. Dada a incompatibilidade

entre as duas matrizes culturais e, por conseguinte, constitucionais, o enxerto não tinha como

vingar; era um artificialismo: “Se nós queremos monarquia”, lembrava o marquês, “não

devemos procurar cousas que nela ficam deslocadas” (ASI, 1832, I: 326). Outro motivo

lembrado pelo marquês para se opor ao projeto consistia um de seus temas prediletos - o da

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monarquia constitucional como “o governo do balanço”. Obediente à teoria do governo misto

que vigia na Inglaterra, a Constituição distribuíra suas instituições em perfeita conformidade

entre os elementos monárquico, aristocrático e democrático, de que resultaram naturalmente a

Coroa, o Senado vitalício e a Câmara temporária. Era a despreocupação com o futuro

eleitoral, propiciada pela vitaliciedade, que criava nos senadores um interesse diverso dos

deputados, permitindo-lhes, como queria Montesquieu, servir de intermediários entre a

Câmara baixa e o monarca. A extinção do Poder Moderador e o fim da vitaliciedade do

Senado em benefício do elemento democrático destruiriam as garantias de estabilidade da

monarquia constitucional. Rompidos os meios que lhe permitiam resistir à decadência das

formas puras de governo, à reforma institucional se seguiriam inevitavelmente crises que

levariam à destruição da forma mista de governo, tal como ensinava a filosofia clássica da

história:

“Ora, senhores, se tais princípios passam, quem governa o Brasil? A Câmara dos

Deputados. Que elemento é este? O democrático. Que governo teremos? O

oligárquico. O que se segue dele? A anarquia; e, atrás da anarquia, o que vem? O

despotismo, porque, depois que os povos vêem correr rios de sangue, procuram

um homem que os livre do estado de desgraça a que têm chegado, e que os dirija,

e este, aproveitando-se da ocasião, os governa despoticamente, como fez

Napoleão” (ASI, 1832, I:350).

Ligados aos moderados, os senadores Vergueiro, José Inácio Borges (1770-1838) e o

Marquês de Barbacena tentaram refutar os argumentos de Caravelas e Cairu. Em nome da

aristocracia rural, Vergueiro negava a proposição, avançada por Caravelas, de que país tivesse

recebido a Constituição com júbilo; ele o fizera “como uma capitulação depois de uma

derrota”, desforrando-se com o movimento do Sete de Abril e a demanda federalista. Nesse

contexto, as reformas propostas na Câmara pelos moderados deveriam ser admitidas pelo

Senado, para evitar que o processo revolucionário tivesse continuidade. O tema da monarquia

representativa como um governo misto, que justificava para Caravelas a vitaliciedade do

Senado, também era recusado pelo senador paulista. Na medida em que o Brasil não tivera

nobreza feudal, era inevitável que o elemento democrático predominasse em longo prazo

sobre o aristocrático. O senador Inácio Borges concentrou-se no antipartidarismo de

Caravelas, advertindo-o de que o governo de Pedro I fracassara por ter feito pouco caso dos

partidos parlamentares. Velho whig, o Marquês de Barbacena (1772-1842) também condenou

a retórica antipartidarista dos realistas, alegando que, existindo em todas as nações regidas

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por governos representativos, os partidos existiam “não para fazer sedições e conspirações,

mas para sustentar princípios”. Frente ao argumento de que o atraso cultural não comportava

reformas democráticas, Barbacena invertia o seu nexo de causalidade num sentido

francamente anglo-saxônico: “A instrução e a virtude de um povo não precedem as boas

instituições, são sempre conseqüência delas”.

Seja como for, a despeito de suas discordâncias quanto aos diversos pontos das

reformas projetadas, o fato é que todos os senadores vinculados à administração de Pedro I,

inclusive o próprio Barbacena, cerraram fileiras para evitar a supressão do Poder Moderador.

Na defesa do quarto poder, eles recorreram todos a pelo menos duas das representações de

1823: ele era um lugar privilegiado do governante, desinteressado e acima da “política”, e um

poder de exceção a serviço da salvaguarda do sistema constitucional. Acima dos políticos

ordinários e dos partidos, o Marquês de Barbacena entendia que o Poder Moderador se

destinava “a salvar a Nação nas ocasiões arriscadas”, sendo indispensável “um poder

discricionário confiado a quem o exercite com a maior imparcialidade possível”. O Marquês

de Caravelas volveu ao mesmo argumento de oito anos antes - o de que, a fim de “prevenir o

despotismo oligárquico” da Câmara dos Deputados, a Nação delegara ao monarca a

“vigilância sobre os demais poderes” na qualidade de seu primeiro representante. Rejeitando

em 1823 a teoria de Constant como um artifício para nulificar a Coroa, o Visconde de Cairu

defendia agora o Poder Moderador como “a mais brilhante jóia do diadema imperial”,

essencial para “prevenir excessos” e consolidar o elemento monárquico do novo Império.

Reiterando as expressões empregadas em 1789 por Malouet, Mounier e Mirabeau, Cairu

declarava que o direito de dissolução da Câmara dos Deputados era “o escudo do trono”, “o

baluarte do povo” contra a “oligarquia ministerial” que tantos malefícios traziam à Inglaterra.

Ou seja, adeptos das teorias do governo misto e da separação de poderes, os realistas

continuavam a ver no predomínio do gabinete sobre a Coroa um sintoma de corrupção do

regime – justamente como Bolingbroke. Num único parágrafo, conseguiu resumir todos os

topói coimbrões o irmão de Caravelas, o também baiano Francisco Carneiro de Campos

(1765-1842):

“Esta distinção, que se fez desse poder político, não foi para escravizar a Nação. E

não se pode supor que os grandes estabelecedores desse poder, que foram

Benjamin Constant, Bentham, etc., possam passar por homens amigos do

despotismo. Neste sentido é que o primeiro entendeu esta divisão de poder e,

portanto, não quis que as atribuições deste irresponsável passassem para nenhum

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dos poderes responsáveis. Porque, se acaso passassem, não se poderia conceber

inteireza, visto que os ministros são tirados das classes dos cidadãos, os quais

podem ter desejos de riqueza, de vingança, etc. - quando, ao contrário, o primeiro

chefe de Nação tem a seu favor a independência a este respeito, porque a Nação

lhe dá uma dotação generosíssima. É o primeiro representante da Nação, pelo que

ela pode confiar mais nele do que em nenhum dos outros poderes públicos. São

estes os motivos por que os publicistas criaram este poder vigilante e se lhe deu

uma espécie de poder discricionário, no caso único de quando os outros podres

marchassem contra as liberdades (...). Logo, não podemos, sem ofender este artigo

constitucional, passar essas atribuições a outro poder. Por isso que diz que é

privativamente do monarca: porque se supõe que é o único representante da

Nação, que não tem tantas tentações, como os outros, para abusar. Tem abusado

muitas vezes, é verdade. Mas o que não se pode remediar de todo, remedeia-se até

onde se pode; e a experiência, a mestra experiência, tem mostrado que, se acaso se

não desse uma maneira extraordinária de obstar aos choques e exorbitâncias dos

diferentes poderes, as desgraças do gênero humano seriam de muito maior grau.

Nós temos disso exemplos próximos; não é preciso recorrer à História antiga”

(ASI, 1832, I: 268).

A questão do Poder Moderador logo passou ao terreno pantanoso da existência ou

não da responsabilidade dos ministros em seus atos. Por confusão ou estratégia, o dissenso na

matéria também transpareceu entre os senadores – indício seguro da mutação conceitual

provocada pela nova teoria que informava o paradigma de governo representativo legítimo.

Cairu sustentou a inexigibilidade constitucional da referenda e defendeu a auto-

executoriedade dos atos da Coroa no exercício do Poder Moderador. Do contrário, “levantar-

se-ia uma oligarquia ministerial que submeteria inteiramente (o Imperador) ao capricho de

cada membro do gabinete” (ASI, 1832 II: 230). Borges e Vergueiro entendiam que, desde que

reunidos numa só autoridade, se tornava meramente doutrinária a distinção entre os poderes

Moderador e Executivo. Por isso, os direitos de veto legislativo e de dissolução da Câmara –

que, no argumento de Cairu e Caravelas, protegiam o povo do “despotismo oligárquico” -

perigavam converter o governo, no argumento moderado, num “despotismo monárquico”,

numa “ditadura perpétua”. O remédio estava em determinar que os atos desse poder fossem

obrigatoriamente referendados pelos ministros ou extingui-lo de uma vez, passando para o

Executivo as suas atribuições.

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“Esta distinção (entre o poder Executivo e o Moderador) é doutrinal, e não de

fato, porque se quer esta distinção de poderes para não serem exercidos pelo

mesmo indivíduo. E bastará que se escreva no papel que estes poderes são

distintos, se eles são exercidos pela mesma pessoa? Parece que não; é um absurdo

querer iludir com a letra. (...) Eu, senhores, olho para a substância da coisa, e não

para a coisa nominal. Vejo que o Poder Moderador, tal qual existe na

Constituição, pode destruir as liberdades da Nação, e o modo de remediar isso é

fazer passar para o Poder Executivo ou determinar que ele seja executado com a

referenda do ministro de Estado” (ASI, 1832, I: 247).

Depois de reconhecer que, por seu caráter discricionário, o Poder Moderador viera “de

mistura com o poder absoluto”, o Marquês de Caravelas respondeu que era infundada a

possibilidade que preocupava os moderados de que ele se tornasse um instrumento autoritário,

pois a Constituição lhe havia oferecido dois eficazes corretivos. O primeiro deles era o

Conselho de Estado que, ouvido obrigatoriamente pelo Imperador, antes que ele este

exercesse os atos daquele poder, se responsabilizavam pelos conselhos dados. O alvitre tinha

pouca valia naquele momento, na medida em que a extinção do conselho também estava na

ordem do dia. Ademais, podia-se sempre aduzir que a Coroa não estava adstrita ao parecer

dos conselheiros, o que significa que o chefe do Estado inviolável continuaria descoberto,

caso resolvesse agir de modo diverso do recomendado. Caravelas, todavia, avançou uma

proposição surpreendente ao enunciar o segundo corretivo previsto pela Constituição: a

responsabilidade dos ministros de Estado. O fato de não ter previsto a referenda ministerial

não significava que a Constituição não a quisesse - até porque, como se sabia, ela era a pedra

de toque da monarquia constitucional. Este era um posicionamento que aparentemente

colocava Caravelas o lado de um Martiniano de Alencar e de um Feijó, chefes do movimento.

Com o argumento, o Marquês de Caravelas queria impedir a reforma por ociosa, enquanto

Alencar a queria para confirmar a prerrogativa que ele julgava preexistente: “O que se quer,

por esta reforma, é que os membros (do gabinete) continuem a fazer o mesmo que agora

praticam; isto é, que continuem a referendar os atos do Poder Moderador, como o têm até aqui

feito, e parece-me que esta razão é suficiente para não haver dúvida em que essa reforma

passe”. (ASI, 1832 II: 233)

Entretanto, o paradoxo de Caravelas era só aparente. É que José Joaquim Carneiro de

Campos ainda se referia à responsabilidade ministerial num sentido meramente jurídico,

argumentando dentro do paradigma do governo representativo explicado à luz da teoria do

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governo misto, com seus corolários da separação de poderes e de freios e contrapesos - e não

da teoria do governo parlamentar. Tanto que ele tranqüilizava Cairu de seus temores de uma

“oligarquia ministerial”: livre para nomear e demitir ministros o Imperador sempre

encontraria quem lhe referendasse os atos. Não passava pela cabeça de Caravelas que

secretários de Estado pudessem deixar à sua mercê o Imperador, primeiro representante da

Nação e guardião da Constituição. Quando defrontado com esse argumento, Carneiro de

Campos desabafou numa confissão: “Quando se fez a Constituição, não se supôs que os

homens seriam tão desarrazoados que não quisessem aquilo que não era justo”, ou seja, aquilo

que queria a Coroa (ASI, 1832, I: 246). O resultado foi que, admitindo a premissa do

movimento – a da preexistência da responsabilidade ministerial -, o marquês chegava à

conclusão contrária de Vergueiro, ou seja, à desnecessidade de se extinguir o Poder

Moderador ou de explicitar o requisito da referenda. Disposto a preservar a todo o custo o

quarto poder, que lhe parecia a única forma de salvar o governo constitucional representativo,

Caravelas admitiu depois que poderia vir apoiar uma proposta de explicitar a responsabilidade

dos ministros, por reforma constitucional ou interpretação legislativa. Não percebia que,

desde que continuava a mobilizar o conceito de responsabilidade ministerial num sentido

anacrônico, sua estratégia de salvaguardar a força e a independência da Coroa teria

conseqüências opostas às que desejava.

Quem lhe abriu os olhos foi o irmão mais velho. Francisco Carneiro de Campos já se

dera conta das conseqüências da teoria do governo parlamentar, isto é, que a responsabilidade

dos ministros pelos atos do Poder Moderador acabaria com a independência, que era condição

de sua imparcialidade. Se, num governo misto caracterizado pela separação de poderes e

pela responsabilidade jurídica dos ministros, os poderes Executivo e Moderador reunidos

resultavam numa Coroa poderosa (tal como haviam sonhado os monarquianos), na lógica

distinta de um governo parlamentar, marcado pela responsabilidade política do gabinete, eles

desembocariam num ministério poderoso - a “oligarquia ministerial” - ou numa câmara

poderosa - a “oligarquia parlamentar”. Francisco Carneiro de Campos desenvolveu o embrião

da doutrina saquarema do governo parlamentar ao adaptar, naquele momento, o discurso

monarquiano à nova teoria explicativa do governo representativo. A omissão constitucional a

respeito da referenda ministerial nos atos do Moderador não poderia ser interpretada, como

pretendia o Marquês de Caravelas, na forma de uma permissão implícita ou de uma lacuna

acidental, colmatável por interpretação. Ao determinar a referenda ministerial para os atos do

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Poder Executivo e não para as do Moderador, a Constituição quisera deixar o monarca

inteiramente livre para formar seu juízo de convencimento acerca das medidas próprias à

salvação do Estado. Por isso, a efetividade desses atos dependia pura e simplesmente da

assinatura do monarca. Nada provava a praxe de subscrevê-los, seguida pelos ministros. Ao

fazê-lo, eles não os referendavam; tratava-se de uma formalidade destinada a reconhecer a

firma do Imperador, em que o secretário de Estado agia como um tabelião, Francisco Carneiro

de Campos concluiu chamando a atenção do irmão mais velho e reiterando sua oposição

radical à extinção do Poder Moderador ou à determinação de referenda ministerial para os

seus atos:

“O que me tem maravilhado nesta discussão é que sustente a necessidade da

reforma nestes atos aquele mesmo colaborador da Constituição - e que, aliás, se

opõe à abolição do Poder Moderador -; quando é, a todas as luzes, evidente que, a

ser este poder dependente de tal assinatura, então se converte perfeitamente e se

engloba no Executivo, e a distinção, que ele em tal caso ainda quereria sustentar,

ficaria reduzida ao mero ente de razão e sutil abstração metafísica que não valeria

a pena ser conservado. Mais coerentes são os outros ilustres senadores que me

combatem, porque ao menos se explicam e querem acabar com este poder (...).

Nós estamos em uma monarquia, temos o exemplo desta Nação (a Inglaterra) que

tanto tem prosperado com as instituições que encetamos, sigamo-la! É melhor dar

este poder discricionário e limitado a um pequeno número de atos, como de

sancionar as leis, dissolver a Câmara dos Deputados, eleger os senadores e

perdoar os réus; do que, por falta da sua ação constante e perenemente reparadora,

arriscar-nos às grandes e freqüentes crises que trazem, então, a necessidade das

medonhas ditaduras sem algum limite, do que nos oferece os mais tristes

exemplos a história antiga e o que estamos vendo nas nações nos rodeiam” (ASI,

1832, II: 240).

O resultado da mobilização dos realistas foi a rejeição de todas as propostas enviadas

pela Câmara ao Senado, salvo a criação das assembléias provinciais. Poucos dias depois, o

Senado rechaçou também a destituição de seu aliado, José Bonifácio, do cargo de tutor de

Pedro II, projeto encaminhado a pedido de Feijó, ministro da Justiça e chefe do movimento.

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As duas derrotas foram interpretadas pelos moderados do movimento como o sinal de uma

contra-revolução, que deveria ser prevenida por meio de um golpe de Estado. Para os

golpistas, a Nação se achava “à borda de um abismo pelas divisões que infelizmente tem

retalhado o país”; “só as mais enérgicas medidas” poderiam salvá-la (ACD, 1832, II: 128). O

plano do movimento para o autogolpe era o seguinte: a Regência renunciaria juntamente com

o ministério, declarando-se ambos incapazes de enfrentar a crise. Nesse quadro de acefalia, a

Câmara dos Deputados se declararia em Convenção Nacional, dissolvendo o Senado,

prendendo José Bonifácio e decretando as reformas constitucionais ditatorialmente. O golpe

de 30 de Julho de 1832 foi abortado, porém, graças à defecção de Honório Hermeto Carneiro

Leão (1801-1856), deputado mineiro da resistência que, “fazendo os últimos esforços para

tirar-lhes a venda que lhes cobre os olhos e indicar-lhes o caminho da legalidade”, alertou os

colegas para o perigo daquele precedente, “que nos arrastará a outros igualmente maus e

perigosos”. Se as leis repressivas eram frouxas, declarava o futuro Marquês de Paraná, elas

deveriam ser reformadas; o que não se podia era romper com a Constituição, fonte de que o

governo extraía sua legitimidade para manter a ordem. O principal meio constitucional de

resolver os conflitos entre os poderes, alegava Carneiro Leão, era o Poder Moderador. Se a lei

da Regência não o houvesse proibido de dissolver a Câmara, o governo já poderia desde já

convocar uma nova, dotada de poderes extraordinários de revisão constitucional (ACD, 1832,

II: 134) 47.

Ao abortar o golpe em pleno curso, a “cabeça fria” de Carneiro Leão permitiu que a

continuidade do processo da reforma política conforme o procedimento previsto na

Constituição48. Na Câmara, as emendas do Senado ao projeto de reforma constitucional foram

defendidas pelos referidos deputados Martim Francisco, Miguel Calmon, Francisco

Montezuma e Antônio Rebouças – este, defensor intransigente dos direitos civis dos libertos

(GRINBERG, 2002:107). Como os coimbrões, eles tendiam a condenar o tráfico negreiro e

enfatizar o papel civilizador do Estado contra o risco da desagregação embutido no projeto

federalista (DOHLNIKOFF, 2005:72). No entanto, eles se diferenciavam dos senadores por

comunicarem os argumentos coimbrões, não em linguagem monarquiana, na linguagem 47 Mais de vinte anos depois, Carneiro Leão, já Marquês de Paraná, lembraria sua participação naqueles acontecimentos. Ele deu então sua versão sobre o que era ser um moderado de direita: “A moderação que me impunha para com os meus adversários não era novidade na minha carreira política; quando encetei esta carreira foi ligando-me a um partido que se impôs esta condição, e desvaneço-me de que quando esse partido, arrebatado pela corrente de sucessos que pareciam chamar uma maior energia, julgou dever separar-se desse princípio para ter meios mais adequados de repressão, eu lhe disse: 'Alto, continuo a ser moderado’” (ASI, 26/05/1855). 48Como causa de malogro do golpe, Otávio Tarquínio de Sousa acrescentou a longa demora na apresentação do parecer em que foram pedidas medidas de salvação pública. No decorrer da sessão legislativa daquele dia, essa demora teria dissolvido a vontade comum da Câmara (SOUSA, 1972 b: 440).

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liberal doutrinária de seus adversários. Como na Constituinte de 1823, a ambigüidade das

matrizes ideológicas do conceito de Poder Moderador contribuiu para o êxito da

argumentação de seus defensores. A exigência de preservar o “equilíbrio dos poderes”

(Constant) no lugar da “salvação pública” (Saint-Pierre) permitia substituir a conotação

negativa que o movimento tinha do Poder Moderador, substituindo-a por outra, positiva. Com

“o célebre Locke”, o deputado Montezuma argumentava que “para evitar, de um lado, a

ditadura das câmaras, e de outro, a irresponsabilidade e nímio poder da parte do Executivo, é

de mister que exista um poder neutro que, equilibrando o poder das Câmaras, não destrua a

responsabilidade e dependência do Poder Executivo” (ACD, 1832, II: 223). A possibilidade

de mobilizar o moderno e liberal Poder Neutro em vez do autoritário Poder Moderador

também levou Antônio Rebouças a aduzir que, por ser “conservador do equilíbrio e da

harmonia dos demais poderes sociais”; “o mais perfeito fruto necessário dos progressos da

perfectibilidade humana”, sua supressão pela Câmara dos Deputados ia “na ordem retrógrada”

a daqueles progressos (ACD, 1832, II: 235). Já não era então a ordem monarquiana, mas o

progresso liberal que condenava a extinção do quarto poder. Os esforços empreendidos por

Montezuma, Calmon e Rebouças não foram vãos: a emenda do Senado que preservava o

Poder Moderador foi, justamente, a única a escapar da guilhotina moderada. Mas nem tudo

era perfeito: José Bonifácio foi destituído da tutoria de Pedro II e definitivamente afastado da

cena política.

3.3. A fundação do Partido Conservador. Sua absorção do discurso monarquiano

coimbrão. A elaboração teórica do modelo político saquarema.

O desacordo entre a Câmara e o Senado sobre as demais matérias que seriam objeto de

discussão da futura assembléia revisora induzia à promoção da fusão prevista no art. 60 da

Constituição. Conforme referido na primeira seção deste capítulo, a fusão das câmaras

esbarrava numa divergência de interpretação entre deputados e senadores. Os primeiros

entendiam que a medida acarretava votação conjunta, enquanto aqueles resistiam em nome da

independência do Senado. Na impossibilidade de obrigar os senadores à votação conjunta e

inviabilizada a saída golpista, os moderados negociaram com os realistas uma solução de

compromisso acerca dos artigos da Constituição cuja reforma poderia ser debatida pela futura

Câmara revisora. Aprovadas as reformas por esta última, eleita com poderes especiais, os

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novos deputados ainda tiveram força para promulgá-las sozinhos, deixando de fora o Senado

e a Regência. Esta não era a lógica do governo misto, mas de uma monarquia democrática.

Mas os senadores já estavam satisfeitos, e os regentes eram moderados. O resultado foi o Ato

Adicional de 1834, que deu origem a uma forma híbrida de Estado, a meio caminho da

monarquia unitária francesa e da república federal norte-americana, que pode ser descrita

como monarquia semifederal49. Foram criadas assembléias provinciais dotadas de

competência própria, de cujo controle de constitucionalidade ficou a Assembléia Geral

encarregada. A reforma substituiu a Regência trina, eleita pelo Legislativo, por uma Regência

una e eletiva, escolhida em eleição indireta pelo eleitorado nacional; e descentralizou o Poder

Judiciário, dando seqüência ao processo começado dois anos antes pelo Código de Processo

Criminal, criando uma classe de juízes eletivos na primeira instância, com competências

judiciárias e policiais. Os Presidentes de Província continuaram nomeados pela Coroa, e o

mandato dos senadores, vitalício; em compensação, os realistas tiveram de aceitar a extinção

do Conselho de Estado.

Com a promulgação da reforma, os radicais urbanos desapareceram como força

política (CARVALHO, 2001:717). Grande triunfo dos moderados de movimento, o Ato

Adicional foi seguido da eleição de seu principal líder, Diogo Antônio Feijó, para Regente do

Império. Na qualidade de verdadeiro Presidente da República, o antigo chefe brasiliense

comemorou então o fato de que, depois da reforma constitucional, a monarquia brasileira

enfim perdera o caráter temperado ou misto que lhe havia sido conferido por Caravelas em

49 A referência aqui é o livro de Miriam Dolhnikoff, O Pacto Imperial – Origens do Federalismo no Brasil (2005) - obra sobre o projeto político da direita moderada, especialmente dos paulistas. Por isso mesmo, ela veio completar o painel clássico de Ilmar Rohloff de Mattos publicado em 1986, O Tempo Saquarema – A Formação do Estado Imperial (1994), sobre o projeto político da direita moderada, implantado durante o Regresso. Malgrado as diferenças de estilo e metodologia próprias às épocas em que foram escritos os livros, penso que um serve de contraforte ao outro. Discordo em certos pontos, porém, de um e de outro; no caso específico de Dolhnikoff, do argumento de que seria federal a forma do Estado imperial. Em primeiro lugar, a autora se ampara anacronicamente na autoridade de constitucionalistas modernos para validar a tese, ao passo que, pelo menos de 1840 em diante, a maioria esmagadora dos autores políticos da época discordaria dessa avaliação. Essa premissa torna incompreensível o motivo das queixas crescentes do meio político contra a centralização político-administrativa, que era reconhecida como uma realidade tanto pelos seus críticos como pelos seus detratores. Este não me parece, portanto, um bom exercício de uma história contextual. A existência de um controle normativo de constitucionalidade para as leis provinciais, mas não para as leis gerais, é o exemplo mais gritante dessa conciliação entre o princípio da supremacia da Constituição federal sobre os ordenamentos jurídicos estaduais - vigente nos EUA - com o princípio unitário da tradição francesa, que não admite o controle normativo. Como as leis nacionais são produtos da vontade geral expressa pelo Poder Legislativo, não se admite controle de outro poder. Além disso, o poder central continuava centralizado no que se refere à designação dos governadores das províncias, bem como dos desembargadores das Relações. Por fim, a maior parte da competência tributária continuava residindo na União - o que demonstra o peso remanescente do modelo francês. O próprio Tavares Bastos entendia que o Ato Adicional “não estabelecia a federação, mas um regime que participava de ambos os sistemas, centralizador e descentralizador” (TAVARES BASTOS, 1997:86).A forma do Estado adotada em 1834 deve ser, portanto, descrita como semi-unitária ou semifederal.

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1824: “Compare-se o nosso governo com o dos Estados Unidos e conhecer-se-á que no

essencial são ambos os Estados governados pelo mesmo sistema, e que a maior diferença está

no nome e em certas exterioridades de nenhuma importância para a causa pública (...). De

monarquia, só temos o nome” (FEIJÓ, 1999:166). Despida a realeza “de aparatos supérfluos,

pesados e odiosos à Nação”, o Brasil se convertera na monarquia republicana ou democrática

por que suspiravam os brasilienses desde 1821. A esta organização política, o Brasil não

poderia fugir: a América desconhecera a nobreza hereditária; ademais, a escravidão incutira o

amor à igualdade em cada cidadão brasileiro, “este caráter já de independência e soberania,

que o observador descobre no homem livre, seja qual for o seu estado, profissão ou fortuna”

(FEIJÓ, 1999:136). No mais, criticava a política do Primeiro Reinado, descrevendo o projeto

dos coimbrões - de modo razoavelmente acurado, aliás - como o da “obediência cega dos

súditos, uma representação acanhada e sempre curvada ao monarca, uma Constituição ditada

por eles, instituições que formassem uma monarquia forte sobre fórmulas representativas – eis

o que se meditava e se tratava de pôr em prática” (In: CONTIER, 1979:81).. Percebendo a

“notável mudança que se opera nos espíritos, que parece conduzir a população para os

cuidados da paz, da indústria e dos melhoramentos” (In: SOUSA, 1988 b: 180), Evaristo da

Veiga também deu por encerrada sua missão de publicista liberal e deixou a direção da

Aurora Fluminense.

O final feliz da batalha contra os realistas e coimbrões não passava, porém, de ilusão.

A descentralização tornou muito mais virulenta a luta no âmbito provincial, muito menos

institucionalizado que o geral, ao mesmo tempo em que retirou do governo central a

capacidade de arbitrá-las ou reprimi-las. Além disso, as províncias passaram a interpretar o

Ato Adicional de forma a favorecê-las para além do que lhes era devido, ou seja, exorbitando

de sua esfera de competências de molde a ampliar seu campo de ação e esvaziar ainda mais o

governo geral. O caso mais grave foi o dos funcionários públicos que serviam em órgãos

administrativos regulamentados por leis gerais, mas que, em razão do Ato, passaram a ser

escolhidos pelas autoridades provinciais. Do direito de nomeá-los, as províncias se arrogaram

também o de alterar as leis relativas às instituições onde eles serviam, tornando provincial o

que era geral e ajudando a esgarçar o controle da Corte sobre a administração. Esse quadro

foi agravado pela crise econômica causada pela queda dos preços dos gêneros de exportação e

pelo esgotamento das jazidas de ouro. A década da Regência presenciou o preço da tonelada

do açúcar decrescer em um terço em relação à anterior, e o preço do algodão, em um quarto

(FAORO, 1997:325). O déficit orçamentário induzia o governo a emitir papel-moeda para

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cobrir as despesas, gerando inflação. Essa desarticulação do pouco que havia sido criado de

Estado brasileiro em nome da liberdade da aristocracia provincial contra o poder de cima

desencadeou a desordem social, que era o seu maior pesadelo em relação ao poder de baixo.

Circunscritos às cidades e liderados pela elite letrada, depois do Ato Adicional os conflitos se

alastraram para o campo, envolvendo pobres, índios e escravos (CARVALHO, 1996:231) –

justamente aqueles segmentos sociais que os coimbrões queriam integrar pela tutela, como

partícipes de uma sociedade atrasada, e que eram excluídos pelos brasilienses, por não

considerá-los parte do povo ou da Nação. Com o país à beira do precipício, quase metade da

Câmara já julgava digno de consideração, em 1835, um projeto de extinção da monarquia –

leia-se, do Brasil como entidade política (MARTINS, 1978, II: 217).

Nesse ponto, os moderados da resistência começaram a se desentender com o

movimento, reivindicando uma parcial recentralização que permitisse ao Estado imperial

reaver o controle dos conflitos provinciais.. Antes mesmo do Ato Adicional, eles já

desconfiavam que a descentralização aumentasse a desordem ao invés de reduzi-la.

Hostilizado por Feijó desde que abortara o golpe de 1832, Carneiro Leão se opusera à sua

candidatura à Regente, decidido a acabar com a hegemonia do movimento, que desde o

começo da Regência arrastava a resistência (CASTRO, 1985:40). Relator do anteprojeto do

Ato, Bernardo Pereira de Vasconcelos já protestara contra as emendas propostas pela ala

esquerda do partido, por estender demasiado as competências das províncias. Apoiado pela

nova deputação fluminense, formada por José Joaquim Rodrigues Torres (1802-1872),

Eusébio de Queirós Matoso Câmara (1812-1868) e Paulino José Soares de Sousa (1807-

1866), Vasconcelos se justificava com a sociologia política de Caravelas, relativa às

diferenças entre os Estados Unidos e o Brasil. Além de mais cultas e organizadas que a ex-

colônia portuguesa, as antigas colônias inglesas haviam se confederado sem abrir mão de suas

soberanias, fato que justificava os amplos poderes detidos pelos Estados em relação à União

Federal. No Brasil, ao contrário, a soberania sempre pertencera à União; partia-se, não das

partes para o centro, mas do centro para as partes. Por isso mesmo, as províncias teriam que

se contentar com uma descentralização muito mais moderada. Dar, em nome do progresso,

um passo que os costumes e a experiência brasileiros não comportavam, poderia resultar não

na americanização, mas na mexicanização do Império. Neste caso, de verdadeiro “código da

anarquia”, o Ato Adicional passaria a “símbolo da guerra civil” (VASCONCELOS,

1999:218/224).

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A cisão partidária se acentuou com a eleição de Feijó, “homem de caráter austero e

virtudes antigas, que unia em boa fé a teorias anárquicas instintos de ordem” (URUGUAI,

1960:493). Ao mesmo tempo em que se dizia disposto a debelar “o vulcão da anarquia”, ele

se recusava a atender à demanda recentralizadora da resistência, afirmando que seria o

primeiro a manter as províncias “no gozo das vantagens que a reforma lhes outorgou” (FEIJÓ,

1999:172). É que, como brasiliense federalista, ele nunca se convencera de que o Império

fosse homogêneo o bastante para se manter unido por muito tempo; assim, a secessão das

províncias do norte e a do Rio Grande do Sul era questão de tempo, devendo ser aceitas como

uma fatalidade (In: JANOTTI, 1990:225). Nesse meio tempo, chegou ao Rio de Janeiro a

notícia da morte de Dom Pedro I em Portugal, aos 36 anos. Foi o que permitiu uma completa

redefinição do panorama político, ao desmobilizar de vez os exaltados, tornar os antigos

caramurus ou realistas disponíveis para uma eventual recomposição de forças e facultar às

duas alas moderadas se separarem. Símbolo da cisão foi o rompimento de Evaristo da Veiga,

que sempre servira de elo da entre a resistência e o movimento, com o governo de Feijó, de

quem fora o maior sustentáculo. Defendendo o regresso ao princípio da unidade nacional em

torno da Coroa, a direita moderada aliou-se aos políticos realistas sobreviventes da geração

coimbrã, como Francisco Carneiro de Campos e Miguel Calmon du Pin com o fito de “parar o

carro revolucionário” que Feijó deixava correr. Convencido também pela nova deputação

fluminense, liderada por Rodrigues Torres, Eusébio de Queirós e Paulino de Sousa, que ta.

Evaristo da Veiga se preparava para aderir ao novo partido, quando de repente morreu

(CASTRO, 1985:50).

Em breve chamado também de partido da ordem, cascudo ou saquarema – alusão ao

município onde Rodrigues Torres tinha fazenda e se reunia com seus colegas -, o novo

Partido Conservador combateu o presidencialismo federalista do movimento, reeditando a

campanha pelo governo parlamentar que tivera lugar no final do Primeiro Reinado; como

então, o objetivo era o de converter o chefe de Estado, de Presidente da República norte-

americano, em Rei constitucional inglês. Reagindo à defecção da sua ala direita, constituída

em partido, a ala direita também resolveu formar o seu, adotando o nome de Partido Liberal,

com o fito de defender o Ato Adicional, o presidencialismo regencial e a autonomia das

províncias. Mas a articulação partidária em torno do governo de Feijó não foi capaz de, por si

mesma, conter a nova campanha parlamentarista de Vasconcelos. Enquanto o Regente

sustentava que o princípio do “governo das maiorias”, sustentado pelos conservadores, era

“absurdo e subversivo de toda a ordem no Brasil, além de inconstitucional” (In: FAORO,

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1997:318), o jornalista conservador Firmino Rodrigues Silva (1816-1879) retrucava que, “no

sistema representativo, governo sem maioria é frase absurda que não tem explicação alguma.

No Brasil, porém, que tem tomado a peito demonstrar todos os absurdos, a falsear todos os

princípios do sistema representativo, nos tem dado exemplo dum governo sem maioria” (In:

MASCARENHAS, 1961:17). Requentando os argumentos de sua campanha do reinado de

Pedro I, Vasconcelos aditava que, se o governo queria a colaboração dos parlamentares, seus

ministros deveriam comparecer pessoalmente à Assembléia “para explicar-lhes quais são as

necessidades que ele julga urgentes, o que com mais urgência pedem providências”, caso em

que cada deputado poderia julgar por si e avaliar sua posição. “Parlamentarmente

organizado”, em regime de coesão do gabinete, seria mais fácil ao governo formar “as

maiorias conscienciosas, as maiorias compactas e invencíveis” (VASCONCELOS,

1999:235). Fortalecida e prestigiada, a nova oposição conservadora paralisou o governo de

Feijó. Ao se queixar da falta de cooperação do Parlamento com as “urgentíssimas

necessidades do Estado” (In: JAVARI, 1993:176), repetindo o roteiro de Pedro I, o destino do

primeiro chefe de Estado eleito do Brasil foi idêntico ao do príncipe que hostilizara – a

renúncia.

Disposto a se fazer de monarca constitucional sob um governo parlamentar, o novo

Regente, Pedro de Araújo Lima, encarregou a Vasconcelos e seus companheiros de organizar

o novo gabinete e implantar o programa do regresso. Esse programa passava basicamente por

uma interpretação autêntica, isto é, legislativa do Ato Adicional (nos termos do art. 15 VIII da

Constituição), que pusesse fim às invasões provinciais sobre as competências da União, e pela

revisão do Código de Processo Criminal que, operada pela lei de 3 de dezembro de 1841,

recentralizou as competências judiciárias e policiais nas mãos do Ministro da Justiça. De

acordo com os conservadores, ao terem sua composição transferida ao eleitorado da

localidade pelo movimento, a máquina judiciária municipal (juízes de paz, municipais, de

órfãos, jurados), o ministério público e a polícia haviam se tornado instrumentos para que os

senhores rurais oprimissem os adversários e perpetuassem seu mando. O remédio de que

dispunha o governo geral - a responsabilização e julgamento de seus empregados

desobedientes – era inócuo, porque a competência para processá-los e julgá-los cabia às

mesmas autoridades locais, que invariavelmente absolviam os poderosos. Por outro lado,

quando o governo central nomeava governadores para restabelecer o equilíbrio do poder local

ou a autoridade do Estado, as parcialidades contrariadas pegavam em armas, desencadeando

revoltas. Obra do movimento, o Código de Processo teria deixado o governo nacional de mãos

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atadas contra o privatismo, que de local se transmudava em provincial, desde que eram os

potentados que dominavam as assembléias legislativas. Para os conservadores, a solução

passava por retirar das mãos das localidades a nomeação das autoridades judiciárias e

administrativas e acabar com as usurpações das competências legislativas do governo geral

pelas assembléias provinciais (URUGUAI, 1960). Essas medidas foram completadas pelo

restabelecimento das prerrogativas do Poder Moderador, ocorrido automaticamente quando da

proclamação da maioridade do Imperador, em 1840 (que pôs fim à vigência da Lei de

Regência), assim como pela promulgação da Lei n. 234 de 23 de novembro de 1841, que

restabeleceu o Conselho de Estado extinto pelo Ato Adicional.

Reação tardia ao arrastamento da resistência pelo movimento, o regresso pretendia

repor as instituições políticas no ponto em que a ala direita do partido moderado sempre as

pretendera – a meio caminho do que haviam pretendido os coimbrões da geração de 1790,

com sua utopia do poderoso Império, e a desconcentração de poder decorrente do Ato

Adicional, em benefício da aristocracia rural. Sustentado pela geração nascida em 1800 e

formada sob o conservadorismo doutrinário da Monarquia de Julho, cujo chefe de fila era

François Guizot, o Partido Conservador brasileiro conciliava o ideal de ordem e

fortalecimento do Estado, preconizado pelos coimbrões ou realistas da burocracia, e os

interesses agrícolas e escravocratas da aristocracia rural exportadora, defendidos pela bancada

brasiliense, tornada moderada em 1831.

Dos brasilienses, liberais ou movimento, os conservadores hauriram os compromissos

com o tráfico negreiro como meio de expansão da lavoura; ponto que permitira o consenso

moderado no início da Regência e que não deveria ser questionado, por suscitar a discórdia

entre os aristocratas rurais das províncias. Não deixa dúvidas a vinculação dos conservadores

com a grande propriedade rural da Bahia, de Pernambuco e do Rio de Janeiro e os grandes

traficantes de escravos (CARVALHO, 1996). Além disso, embora magistrados, os principais

chefes do Partido Conservador também eram fazendeiros, justamente quando o café

despontava como o produto de exportação mais rentável do país. Embora a escravidão não

suscitasse o entusiasmo de Paulino José Soares de Sousa - que viria a ser nomeado presidente

honorário de uma sociedade abolicionista francesa, o Instituto da África (SOARES DE

SOUSA, 1944:213/227) -, o conjunto do partido entendia que ela precisava ser mantida: o

boom cafeeiro permitiria pôr fim à crise e consolidar a primazia da política fluminense no

cenário nacional. Eram urgentes os investimentos na província do Rio, onde em 1838 o café já

compunha, segundo o próprio Paulino, “o seu principal ramo de exportação, a qual

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presentemente excede a muito mais de dois milhões e trezentas mil arrobas, quase todas de

primeira qualidade” (In: REIS, 1985:350). A exigência de pronta mão-de-obra, de um lado, e

as dificuldades da imigração européia barata e espontânea, de outro, pareciam confirmar a

crença de Vasconcelos de que a escravidão era fundamental para dinamizar a economia e,

portanto, elemento antes de civilização do que de barbarismo (VASCONCELOS, 1999:268).

Do ponto de vista estratégico, a aliança da burocracia com a aristocracia rural fornecia

ao Estado imperial a base mais sólida de sustentação que lhe faltara durante o reinado de Dom

Pedro I. O 7 de Abril representara efetivamente o fracasso da burocracia monárquica em

direcionar o país segundo o projeto ilustrado, sem levar em consideração as aspirações da

aristocracia rural, isto é, da sociedade. Chefe do primeiro gabinete da Regência de Araújo

Lima – e, portanto, do Regresso -, Vasconcelos era o primeiro a enfatizar que, para se

enraizarem, as instituições imperiais precisavam do apoio da “classe conservadora”, composta

“dos capitalistas, dos negociantes, dos homens industriosos, dos que se dão com afinco às

artes e ciências; daqueles que nas mudanças repentinas têm tudo a perder, nada a ganhar”

(VASCONCELOS, 1999:27). Das páginas do jornal conservador O Brasil, em setembro de

1843, o jornalista Justiniano José da Rocha (1812-1862) retomava a teoria de Vasconcelos da

“classe conservadora”. Para ele, o futuro da monarquia só estaria firmado caso ela firmasse

uma aliança sólida com a aristocracia rural e o comércio agroexportador, fazendo seus os

interesses deles. No conjunto de uma sociedade composta de trabalhadores dispersos,

indolentes e insubordinados, carecedores de educação pelo trabalho – elas eram as únicas

classes que teriam algo a perder caso a desordem tomasse conta do Império.

“O espírito público está em plena tendência para a monarquia, mas essa tendência,

filha da razão, inspirada pelo amor de ordem, não é coadjuvada nem por nossas

leis, nem por nossos costumes e nem pelos nossos hábitos: o trono não tem, pois,

alicerces. (...) Existem entre nós opulentos proprietários que dominam sobre

grandes massas da população? Existem: pois bem; façamos que esses

proprietários tenham em seu amor-próprio mais um motivo para quererem a

consolidação do trono e a integridade do Império, para mais particularmente se

dedicarem ao monarca” (ROCHA, 1843).

Ou seja, nesse pacto, a Coroa deveria oferecer a garantia da ordem pública,

escravocrata e latifundiária; em retorno, a lavoura e o comércio de exportação seriam fiéis ao

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regime Assim, os conservadores partilhavam com os liberais o consenso forjado no âmbito

dos moderados regenciais, que associava o mundo da ordem à boa sociedade que deveria

governar e aos escravos que deveriam trabalhar, ficando os pobres livres enquadrados como

potenciais desordeiros (MATTOS, 1986:104).

Mas os membros da resistência, agora conservadores, como se sabe, não se

interessava pelo conjunto do pacote da turma do movimento, agora liberais. O que era

principalmente criticado pelos conservadores era a subordinação dos interesses do Estado

nacional à grande propriedade rural que, estampado no Ato Adicional, debilitava-o demasiado

na tarefa de assegurar a ordem pública e da unidade territorial. No contexto de uma sociedade

nacional em formação, elas poderiam apenas ser garantidas por um Estado nacional

estruturado, autônomo o bastante da lavoura para pairar sobre as suas cisões internas, subjugar

os aristocratas insubmissos e alcançar as populações interioranas, de modo a trazê-las para a

esfera da sociedade civil. Era nesse ponto que os conservadores recorriam à tradição do

Primeiro Reinado. Dos coimbrões, realistas ou caramurus, pois, os conservadores resgataram

principalmente o princípio de autoridade do Estado imperial, expressa no prestígio do regime

monárquico de governo, simbolizado pela Coroa, para criar um centro suprapartidário capaz

de assegurar a ordem pública e a unidade territorial do Império, contra as ameaças de secessão

ou de insubordinação. Para tanto, era preciso podar os excessos da descentralização e

restaurar parcialmente a configuração monarquiana de 1824: o regresso era o progresso. Daí

que, numa revisão positiva da experiência do Primeiro Reinado, o Regresso fosse beber nos

argumentos coimbrões da preeminência do Imperador e, com ele, do governo nacional sobre o

provincial, recuperando as três representações sobre o chefe de Estado, que haviam

sustentado. O símbolo da política regressista foi a retomada do antigo costume do beija-mão

do Imperador pelo novo Regente do Império - escandaloso para os liberais que queriam,

contra os corcundas, uma monarquia democrática. De fato, para que os conservadores

pudessem chegar ao progresso, recuperando as instituições que prezavam, teriam de reformar

a ordem reformada pelo movimento para retrogradar à época em que pontificava o “princípio

monárquico” – época do reinado de Pedro I, quando predominara o discurso monarquiano de

civilização na ordem do Estado.

A adesão dos magistrados e de outros altos funcionários do Estado imperial, bem

como a dos próprios realistas do reinado de Pedro I, é sintomática dessa afinidade recíproca e

da clara continuidade entre as gerações. Embora ainda não haja estudos detalhados sobre a

origem, a composição e o destino do partido caramuru; assim como das as relações dos

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Andradas com os realistas do Senado e suas eventuais aproximações com Vasconcelos50; a

historiografia é unânime em reconhecer que o Partido Conservador nasceu da união dos

moderados de direita com os antigos realistas ou coimbrões, ou seja, aqueles que combatiam

os moderados pelo discurso político monarquiano (MOSSÉ, a.1920:35; NABUCO, 1997:65;

HARING, 1958:52; FAORO, 1958:166; CARVALHO, 2001:730). Atribuído ao movimento,

um panfleto de 1835 - A Impostura do Senhor Bernardo Pereira de Vasconcelos

Desmascarada - atribuía a ruptura entre a direita e a esquerda do partido moderado

justamente à aliança entre o chefe da resistência e os coimbrões do Primeiro Reinado. O autor

do panfleto aludia ao fato de que, tendo sempre combatido a entourage do ex-Imperador,

Vasconcelos agora criticava Feijó por atacar “os experimentados e velhos servidores do

Estado”. E indagava em seguida: “Quem foram, porém, estes experimentados e velhos

servidores do Estado, que se esbulhou dos empregos para substituí-los por moderados? São os

criados de São Cristóvão!” (HOMEM DE MELO, 1978:234). No Libelo do Povo, em 1848, o

jornalista ultraliberal Francisco Sales Torres Homem (1812-1876) também acusaria os

conservadores de terem formado partido, às vésperas do reinado de Pedro II, “recorrendo à

“mobília estragada e carcomida de seu pai; os velhos campeões do absolutismo e da

recolonização” (INHOMIRIM, 1956:94).

Outra evidência da afinidade ideológica entre os coimbrões e a resistência foi a

primazia dos primeiros na iniciativa de interpretar o Ato Adicional para garantir a unidade do

Judiciário e pôr fim à desordem nas províncias. Avalizado por Vasconcelos na Câmara dos

Deputados, a apreciação do projeto de Paulino Soares de Sousa que interpretava o Ato foi

precedida, no Senado, por uma questão de ordem. Ela se referia à preexistência de um projeto,

em idêntico sentido, e velho já de três anos, elaborado pelo Marquês de Caravelas e por seu 50 Em 2003 foi publicado um artigo sobre a atuação do Partido Caramuru na década de 1830, da autoria de Marco Morel, chamado Restaurar, fracionar e regenerar a Nação: o Partido Caramuru nos anos 1830 (MOREL, 2003). Supondo uma homologia entre grupos sociais e retórica liberal ou ultra no Brasil e na Europa; e não levando em conta os diferentes sentidos ideológicos e partidários do termo liberal, o autor caiu na tentação de ver, nos caramurus, os representantes da “aristocracia” e – seguindo a mesma lógica - do absolutismo. Morel argumenta que teria havido uma aliança caramuru entre os Andradas e os Albuquerques – estes últimos, apresentados aqui como campeões do liberalismo de esquerda em Pernambuco. Seu artigo é basicamente conjetural, já que ele não somente não prova que as duas famílias estivessem em contato, como não apresenta evidências de simpatias ideológicas dos Albuquerques pelos caramurus. Muito pelo contrário, o fato de Albuquerque ter pedido apoio da França para separar as províncias do Norte do restante do Império e constituir outra monarquia constitucional se encaixa perfeitamente com o seu perfil aristocrático e essencialmente liberal, que embasa esta tese. Já demonstramos que Feijó – que, ao exemplo de Albuquerque, também era liberal e proprietário de terras – não chorava pela eventual separação das províncias do Norte. O nexo entre separatismo e grupos políticos deve ser procurado antes nas rivalidades entre os liberais “de movimento” do Sul e do Norte, do que entre os Andradas e os demais caramurus, que foram partidários de uma monarquia caracterizada pela unidade e pela centralização político-administrativa desde a independência. O artigo de Morel também não se debruça sobre duas outras questões que me preocupam: as ligações dos senadores do Primeiro Reinado com os caramurus propriamente ditos e, depois da morte de Dom Pedro, suas conexões com o movimento do Regresso.

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irmão Francisco Carneiro de Campos – a esta altura (1838), o último dos senadores coimbrões

vivo. Na oportunidade, o irmão de Caravelas pediu ao Presidente do Senado que conferisse

prioridade ao projeto de Paulino, que substituía o seu com vantagem por ser ainda mais

abrangente, explicando as semelhanças e diferenças entre os projetos: “O que quis o Senado

no seu artigo (de Caravelas) foi salvar as atribuições que estavam conferidas aos juízes de

direito pelos códigos, e este é o princípio que milita também a respeito do artigo da Câmara

dos Deputados (de Paulino). (...). O que se pretende, tanto neste artigo, como no que passou, é

salvar a unidade do Poder Judiciário, em todo o Império” (ASI, 1839, III: 63). Os debates

travados nas duas casas da Assembléia Geral também apontam pela conjugação de esforços

entre Vasconcelos, Paulino e Francisco Carneiro de Campos. Como se combinados de

antemão, todos os discursos se estruturavam em torno de um mesmo eixo - o argumento de

que as províncias extrapolavam as competências concedidas pelo Ato e que apenas uma

interpretação autêntica, baseada nas retas regras de hermenêutica, poderia restabelecer a

primazia do governo geral e refrear a voracidade provincialista que abismava o Império.

Carneiro de Campos defendia o projeto no Senado, e Vasconcelos e Paulino, na Câmara. Da

tribuna do Senado, o irmão de Caravelas afirmava:

“Eu quero considerar a mente do legislador, que foi conciliar os interesses gerais

com os interesses locais das províncias; dar às províncias tudo quanto devem ter

para promover a sua felicidade, mas salvando sempre os interesses gerais. Este

projeto (o de Paulino) caminha debaixo dessa base e está dentro das regras da

interpretação, porque, todas as vezes que da letra da lei resulta um absurdo,

recorre-se, para salvar o absurdo, ao espírito do legislador. O absurdo, quanto aos

juízes, estava, por exemplo, em que os cidadãos ficassem sujeitos a dezoito

espécies de processo, mas havendo um só tribunal supremo de justiça. (...). Ora, o

que nós pretendemos, no primeiro artigo que já passou (de Vasconcelos e

Paulino), e se pretendeu nesse da Comissão do Senado (dele e de Caravelas), foi

conservar a unidade de processo em todo o Império; pois que, tendo passado na

Constituição que houvesse um código para todos os cidadãos brasileiros, passando

isso como uma garantia, era uma coisa absurda fazer este código sujeito a

oscilações, não digo só de dezoito províncias, mas de todos os municípios (...).

Um nobre senador disse que nos Estados Unidos era assim; é verdade, mas os

Estados Unidos eram nações distintas que tinham cada uma os seus códigos; e isto

não é assim entre nós” (ASI, 1839, III: 229).

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Dos parlamentares conservadores, porém, apenas Vasconcelos ou Paulino poderiam

ser qualificados de regressistas: Carneiro de Campos nunca havia mudado de posição; nunca

havia sido moderado, nem mesmo da resistência. Sendo possível afirmar, portanto, que o

senador baiano havia aderido ao movimento político do regresso, não se poderia dizer,

todavia, que tivesse então aderido às idéias do regresso, pois que estas já lhe pertenciam havia

muito. Não havia sido ele que aderira ao regresso; era a ala direita moderada que abraçava os

ideais monarquianos dos velhos coimbrões, tomando-lhes o lugar geracional. Da tribuna da

Câmara, Vasconcelos verberava:

“Embora se entenda que eu tenha mudado de opinião... Eu não mudei de opinião,

eu quero o Ato Adicional entendido literalmente: só me desviarei de sua letra

quando as regras da hermenêutica, quando o bem público exigirem que seja

interpretado, a fim de que não seja, como algum dia suspeitei, em vez da carta da

liberdade, carta de anarquia” (VASCONCELOS, 1999:253).

Do ponto de vista da linguagem ou do discurso, a nova direita brasileira recorria

alternativamente a três fontes mais ou menos aparentadas. Quando precisavam justificar no

terreno das idéias a oposição que moviam aos governos ou proposições liberais, os

saquaremas recorriam ao conservadorismo de Hume e Burke. A principal característica do

conservadorismo tory era a de constituir, não uma ideologia de reação ao governo

constitucional representativo, mas de resistência às inovações propostas pelo liberalismo de

esquerda, impregnado de uma filosofia da história otimista e desdenhadora do passado. Os

hábitos, as tradições e os costumes – e não idéias abstratas – é que eram os responsáveis pela

delicada acomodação de valores decorrentes de paixões individuais. Sedimentadas no tempo

de gerações, esses hábitos haviam se amalgamado numa cultura de valores comuns, no âmbito

dos quais os indivíduos se orientavam para satisfazer suas paixões, dentro de regras de

convivência vantajosas para todos. A despeito das disputas partidárias, o homem não deveria,

por amor à abstração, pôr em risco instituições que garantiam de facto os direitos

fundamentais, produzindo dirigentes de qualidade razoável e distribuindo a justiça de forma a

garantir a paz e a ordem. A tensão entre autoridade e liberdade era uma constante que não

tinha como ser resolvida, porque ambas eram essenciais à existência da sociedade e aos

direitos civis; justificando-se o direito de resistência apenas frente a um rei inviolável que

quisesse extrapolar suas prerrogativas, tal como se dera em 1688 (HUME, 1985 b: 245). O

conservador não negava a necessidade de acompanhar a evolução social – Burke dizia que um

Estado privado de meios de se auto-reformar estava condenado a perecer (BURKE, 1986:

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107). Entretanto, preconizava que as reformas só deveriam ser admitidas depois de maturadas

à luz da experiência, rejeitando-se as propostas calcadas apenas em princípios metafísicos.

O grande precursor do conservadorismo no Brasil foi o já referido jornalista,

economista e político baiano José da Silva Lisboa, Visconde de Cairu (1756-1835). Também

protegido de Linhares, em 1812 foi ele encarregado de publicar uma primeira seleção de

Burke, como “antídoto aos venenos que se estão vendendo por bálsamos em folhas volantes e

periódicos regulares, em que se transcrevem doutrinas do intitulado sofista de Genebra,

escritor do Contrato Social” (In: KIRSCHNER, 2003:686). Na época da independência, foi

Cairu quem iniciou a publicação do periódico Roteiro Brasílico ou Coleção de Princípios e

Documentos de Direito Público, composto de textos de autores ligados ao Iluminismo

escocês, como Hume, Montesquieu, Stäel, Ferguson e o próprio Burke. Ele foi o único

político abertamente conservador durante o reinado de Pedro I, época em que o tom da direita

era conferido principalmente pelo discurso monarquiano. O conservadorismo propriamente

dito só se tornou mais difuso na década seguinte, por conta do reformismo conservador na

Inglaterra promovido por figuras como Robert Peel (1788-1850), o Duque de Wellington

(1769-1852) e George Canning (1770-1827). Os discursos pronunciados por Thomas

Babington Macaulay (1800-1859), para forçar a passagem da Reforma Eleitoral de 1832 na

Câmara dos Comuns, popularizaram os postulados centrais do conservadorismo burkeano ao

descartar o constitucionalismo antiquário e adaptar a Constituição Inglesa às novas realidades

(MORRIS, 1998:85). O principal agente dessa segunda onda de recepção no Brasil foi, mais

uma vez, Bernardo Pereira de Vasconcelos, que contrapusera os exemplos políticos da Grã-

Bretanha e da França ao modelo americanista com que acenava o movimento por ocasião do

Regresso, lançando mão do conservadorismo para justificar a debandada da resistência na

direção dos realistas. Nas décadas posteriores, o prestígio da Grã-Bretanha só faria aumentar,

multiplicando-se as citações dos precedentes políticos daquele reino como igualmente válidos

para o funcionamento institucional brasileiro. Haja vista que “a idéia do mundo não é a do

movimento, e melhor lhe pode caber a denominação de idéia de resistência” (ASI, 6/07/1841),

as reformas políticas e sociais somente deveriam ser promovidas quando se “chegar ao

verdadeiro conhecimento dos verdadeiros interesses do país” (VASCONCELOS, 1999:253).

“Vulgarmente se entende que tem caráter o homem que diz hoje o que disse há

vinte anos, e o que dirá daqui a vinte anos. (...) Homens tais, idéias tais só tem

apreço no meio das facções, porque as facções vêm de princípios absurdos,

servem a princípios absurdos, e não podem admitir modificação alguma no

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espírito do homem, sem que logo condenem este homem como trânsfuga, como

desertor. Em minha inteligência, porém, a firmeza de caráter tem outra acepção

muito diversa. Chamarei de caráter aquele que rende culto aos princípios só por

amor aos princípios; e que, por conseqüência, quando a observação, o estudo, a

experiência mostram que esses princípios devem ser modificados, que alguns

deles devem ser renunciados em obséquio à verdade, não hesita em sacrificar o

erro, em lugar de persistir, mantendo opiniões errôneas. (...) As ciências sociais,

mormente a política, estão ainda no seu berço (...). Filósofos, que viveram há

poucos anos, sustentaram que a história era o estudo mais desnecessário, sendo

hoje a opinião contrária geralmente seguida. Não há pouco que na Câmara de

França foi acusado Carlos Dupin, porque renunciou a uma das idéias emitidas em

uma obra sua, e o que respondeu este respeitável sábio? Que aproveitava a ocasião

para declarar que a sua vaidade não chegava ao ponto de sacrificar a verdade ao

ridículo orgulho de ser coerente” (VASCONCELOS, 1999:238/239).

Porque lhes fornecia o quadro histórico-filosófico que justificava a postura

conservadora, o torismo era a fonte em que os saquaremas bebiam quando se tratava de

resistir às proposições dos governos liberais. Entretanto, quando os conservadores brasileiros

estavam no governo e precisavam explicar ou justificar as posturas que adotavam ou projetos

que propunham ao Parlamento; ou quando, na oposição, criticavam os governos liberais a

partir de um determinado modelo de governo seguro e consciente, eles apelavam para o

conservadorismo doutrinário da Monarquia de Julho, teorizado depois de 1830 por Guizot.

Tomando a Inglaterra como vanguarda de um progresso histórico político linear, os

conservadores franceses interpretavam os eventos revolucionários de 1789 como equivalentes

aos daquele país no século XVII. Por um lado, eles pretendiam perenizar os frutos liberais da

Revolução, vendo na ascensão da burguesia a consolidação da civilização em sua forma

moderna. Por outro, diferenciavam o seu conservadorismo do inglês, reputando a Monarquia

de Julho a síntese e a superação da Constituição Inglesa por equilibrar liberalismo e

democracia. No entanto, a democracia que defendiam era antes uma forma social de igualdade

civil (não-aristocrática) do que política (RÉMOND, 1982:94). Além disso, eles continuavam a

reservar ao Estado um papel ativo na vida nacional. Atraindo para si o que havia de mais

notável em inteligência e luzes na sociedade, cabia-lhe chamar ao pé de si as capacidades para

que pudesse reagir sobre a sociedade s dirigi-la conforme seu próprio interesse esclarecido.

Ao buscar na sociedade os mais capazes para o exercício do governo, o Estado se elevava à

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condição de governo dos espíritos, forma de governo onde a sociedade era governava por sua

própria elite intelectual (ROSANVALLON, 1985:279).

Pela leitura de discursos parlamentares, pela importação das obras políticas e pela

circulação do Diário de Debates e da Revista dos Dois Mundos, órgãos de difusão do

liberalismo doutrinário, a influência do conservadorismo francês foi imensa no Império

americano até pelo menos a década de 1870. Não só o Brasil, em todo o mundo, foi o maior

assinante estrangeiro daquelas duas revistas (CALMON, 1937:23), como as obras de defesa

do orleanismo eram disputadas com avidez pelos políticos saquaremas. Numa carta datada de

1843, o conservador Justiniano José da Rocha se jactava de ter emprestado as obras do

historiador orleanista Raymond Capefigue (1801-1872) a toda a cúpula do Partido

Conservador, ávida para nelas encontrar melhores justificativas intelectuais para a repressão

empreendida no ano anterior contra os revoltosos liberais paulistas e mineiros:

“Tenho lido as obras do Capefigue, e como as tenho todas, mandar-te-ia de

empréstimo, porém desgraçadamente caí em gabá-las ao Paulino (José Soares de

Sousa). Paulino as leu e passou-as ao Honório, este ao Torres, este ao Eusébio,

este ao Gonçalves Martins, este ao Francisco Diogo, este ao Barbosa. Todos a

querem ler! A melhor das obras desse homem é a Revolução de Julho: Já a leste?

É a história dos cem dias (...). Sabes que esses livros são raríssimos em nossos

livreiros; a demanda deles tem sido extraordinária, e como não há à venda, andam

os meus de empréstimo: paciência!” (In: MASCARENHAS, 1961:100).

O liberalismo doutrinário francês fornecia aos saquaremas um modelo de liberalismo

de governo (MANENT, 1997:199) que tornava inteligível a prática constitucional e

representativa moderna, num universo razoavelmente familiar. Assim, citando o “profundo”

Guizot, Paulino José Soares de Sousa declarava caber ao Estado dar “o impulso geral aos

melhoramentos morais e materiais a que convém introduzir nos negócios públicos”; que, na

esteira do governo dos espíritos, era sua missão “agir sobre as massas e agir pelos indivíduos,

eis o que se chama governar” (URUGUAI, 1960: 54; 502). Já Firmino Rodrigues Silva

alardeava que “a missão do poder é uma coisa muito séria e grave; de suas relações com as

Câmaras partem a luz e a direção da sociedade, e para esta repousar tranqüila sobre seus

destinos, necessita acreditar que o poder, além de tudo mais que deve ser, é a franqueza e a

lealdade nas alturas; que faz o que diz, diz ao país o que pensa” (In: MASCARENHAS,

1961:269). Essa compreensão do governo representativo como eminentemente parlamentar

aproximava os conservadores dos liberais moderados, como explicava Antônio Carlos de

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Andrada Machado, em 1838: “Uma nação instruída não é governada senão da forma que ela

quer, e, por conseqüência, a política que segue a câmara é nacional, é a política da parte

ilustrada da Nação, não da força bruta, que nunca pesou na balança política, mas da força

intelectual. É ela que nos indica a política que quer seguir” (ACD, 18/05/1838).

Quando os conservadores, entretanto, precisavam justificar ações enérgicas na defesa

da legalidade ou da soberania nacional, ou interpretar a Carta de 1824 de modo favorável à

Coroa e ao unitarismo, eles recorriam invariavelmente ao discurso político monarquiano que

norteara os coimbrões. A década de 1830 havia sido inclemente com a geração nascida entre

1760 e 1770 e que, com sua retórica monarquiana, fornecera os primeiros estadistas do

Império; foram-se sucessivamente Queluz (1833); Caravelas (1836); Inhambupe (1837) e José

Bonifácio (1838). Nesse sentido, a geração nascida na década de 1800 não apenas tomou o

seu lugar à direita do espectro político, como também herdou a sua linguagem política, que

datava do século dezoito e, de certa maneira, veio a se inserir numa linha de continuidade com

os coimbrões. Se a defesa de Caravelas das instituições monarquianas em 1832 se fundara na

proeza de os coimbrões terem sido capazes de forjar “uma monarquia sem despotismo e a

liberdade sem anarquia”, os conservadores do Regresso justificavam as reformas

restauradoras daquelas instituições, seis anos depois, pela necessidade de se “aliar a maior

soma de liberdade com a maior e mais perfeita segurança” (In: JAVARI, 1993:187). A

persistência de determinados argumentos-chave do discurso monarquiano, a despeito da teoria

do governo parlamentar, conferiu à linguagem dos conservadores brasileiros tonalidades que

permitem distingui-lo de seus congêneres europeus, como o conservadorismo burkeano (tory)

ou guizotiano (doutrinário). O monarquianismo se chocava com o conservadorismo à francesa

na medida em que este reivindicava o bom legado da Revolução de 1830. Os regressistas, ao

contrário, não viam qualquer conquista a se reivindicar no movimento de 7 de abril de 1831.

Ao exemplo dos realistas e coimbrões, eles iam buscar no Primeiro Reinado e no

primado da Coroa o princípio da ordem e da monarquia para contrastar com os de liberdade e

de democracia alardeados pelo movimento, cujos herdeiros, chamados agora liberais,

defenderiam sós a obra do período regencial. Sintomática dessa identidade com os realistas –

e, portanto, com o despotismo ilustrado - estava na tese de que a legitimidade do Imperador

não derivava da Constituição, mas de seu título de Defensor Perpétuo e sua aclamação

popular. Foi o que fez Carneiro Leão em 1841, ao negar que a legitimidade do Imperador

decorresse exclusivamente da Constituição: “Não há tal, a Constituição o reconhece, mas o

Imperador é tal por unânime aclamação dos povos, antes da Constituição. Não é exato que a

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autoridade do Imperador só viesse da Constituição; a Constituição reconheceu em fato

preexistente no Brasil, que foi a sua unânime aclamação” (ACD, 9/7/1841). Como corolário

dessa adesão aos princípios de Malouet, os saquaremas também aprovavam a dissolução da

Constituinte operada pelos coimbrões. Desprovida das instituições monarquianas, a Carta

elaborada por ela teria tornado ingovernável o país (URUGUAI, 1960:483/494).

Ancorado na noção da Coroa como primeira representante da Nação, o potencial

reformador do discurso monarquiano também se chocava com o discurso conservador à

inglesa. Ainda que formalmente concordassem em preservar o modelo agroexportador e

escravocrata, residia aí o maior ponto de discordância entre conservadores e liberais. O

estatocentrismo saquarema impunha à própria aristocracia rural a incorporação do mundo do

campo àquele da civilização, isto é, da regulação de suas atividades pelo Estado. Daí que,

como os coimbrões e realistas, entre os interesses da lavoura e do Estado, os saquaremas

ficavam com este – como em 1850 e 1871, quando a razão de Estado saquarema sacrificou o

interesse da aristocracia rural 51. Como seus predecessores, os conservadores também

acreditavam que a sorte do Império dependia exclusivamente de sua hegemonia política, pois

seus adversários liberais não estavam comprometidos com as instituições. Em 1842, ao

organizar a repressão aos rebeldes de 1842 na província do Rio, Carneiro Leão escreveu a

Paulino que o estava em jogo não era o gabinete saquarema, “mas sim a causa da monarquia;

é esta que se discute com a espada na mão” (In: SOARES DE SOUSA, 1944:151). Por isso,

reiterando a doutrina imperial de salvação pública do Primeiro Reinado, os conservadores

precisavam dispor de toda a força que a lei lhes permita contra os rebelados. Não hesitaram

assim ordenar a prisão e o processo de venerandos chefes brasilienses da época da

independência, como Feijó e Vergueiro, implicados naquelas revoltas; nem em decretar o

estado de exceção em São Paulo, Minas Gerais e Pernambuco (este, em 1848). Também a

exemplo dos realistas, os conservadores determinaram a deportação dos rebeldes e se

opuseram às medidas contemporizadoras sugeridas pelo Imperador - exceto Rodrigues Torres,

que, dentre os chefes fluminenses, era aquele mais vinculado aos interesses da lavoura

(SOARES DE SOUSA, 1944:151).

51 Perspectiva semelhante é a de Ilmar Rohloff de Mattos. Ele afirma que, para os conservadores, o papel da Coroa era o de “ordenar as grandes famílias, mesmo que em certos momentos isto signifique colocar-se contra alguns dos privilégios e monopólios que os distinguiam. A Coroa procura proceder a esta ordenação por meio de políticas diversas, como uma política de terras; uma política de mão-de-obra (...); uma política tributária; uma política monetária e uma política creditícia; a elas se somava uma ação repressiva que, lançando mão dos corpos policiais e das guardas nacionais, buscava conter as insurreições negras e as agitações da malta urbana” (MATTOS, 1986:85).

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Para Paulino José Soares de Sousa (1807-1866), os ideais de justiça eram impotentes

quando desacompanhados da possibilidade de coerção; por isso, as providências “fortes,

violentas” se justificavam “em circunstâncias muito arriscadas”; num “estado revolucionário”

como aquele que se apresentara em 1842. Mais tarde, ele escreveria de modo mais sintético:

“O essencial (...) é ter força. O direito é o menos” (In: SOARES DE SOUSA, 1944:563). Esse

realismo conservador, que reconhecia a indispensabilidade de mecanismos de suspensão das

garantias, quando se apresentassem perigos, para os quais a normalidade normativa não

oferecia remédio, não pode ser confundido com defesa do arbítrio ou do golpismo, nem era

um julgado expediente ordinário de governo contra a oposição. O golpismo e o arbítrio eram

associados pelos saquaremas, ao contrário, aos seus adversários liberais ou luzias que,

periodicamente pegavam em armas contra a ordem constitucional – como provavam os

precedentes da abdicação, a 7 de abril de 1831; do golpe de 30 de julho de 1832 (golpe

abortado, lembre-se, pelo conservador Carneiro Leão), do golpe da maioridade de Pedro II,

em julho de 1840; e enfim, as chamadas Revoluções Liberais de 1842. A severidade na

repressão promovida pelos conservadores precisava se circunscrever sempre aos limites

previstos pela própria ordem constitucional para a suspensão das garantias constitucionais. Do

mesmo modo, ele não poderia ser invocado a torto e a direito, sob pena de comprometer a

legalidade e as instituições. Era o que explicava Eusébio de Queirós (1812-1868) à Câmara,

em 1851:

“O princípio do salus populi, o princípio da ditadura aconselhada pelas

circunstâncias extraordinárias, não é mais que o testemunho da imperfeição das

leis humanas, sempre incompletas, sempre imprevidentes; ela revela a imperfeição

das leis. Por conseqüência, é tanto mais perfeita a legislação do país quanto menos

numerosos são os casos em que os homens do poder se achem autorizados para

recorrer ao salus populi, para socorrer-se à ditadura das circunstâncias

extraordinárias. É dever do Corpo Legislativo regular essas hipóteses sempre que

é possível prevê-las, porque (...), para os homens sempre dispostos a temer os

abusos do poder, é preciso confessar que muito mais perigoso é o governo desde o

momento em que ele pode dizer ao país: - As leis não são suficientes, a

Constituição não basta, trata-se da salvação pública, eu tomo sobre mim a

responsabilidade -, do que, quando, chegadas essas circunstâncias extraordinárias,

o governo, declarando o estado de guerra, vê ampliados os seus poderes pelas leis,

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mas encontra nelas também limites que não pode transpor” (In: NABUCO,

1997:129).

Como faziam da defesa da ordem a defesa da legalidade, os conservadores ficavam à

vontade para repelir a pecha de absolutistas que lhe assacavam os liberais. Justamente porque

amavam a liberdade, alegava Paulino, é “que se devem empregar todos os meios para salvar o

país do espírito revolucionário, porque este produz a anarquia e a anarquia destrói, mata a

liberdade, a qual somente pode prosperar com a ordem” (In: SOARES DE SOUSA,

1944:163).

“A suspensão das garantias confere um poder terrível, forte e discricionário. Mas

o poder revolucionário é ainda mais forte; mais terrível e mais discricionário. Para

lutar contra ele com vantagem é inteiramente ineficaz a ação ordinária das leis

feitas para tempos ordinários e tranqüilos. A ditadura de suspensão das garantias é

limitada pela obrigação de dar contas, pelas leis não suspensas e por toda a

organização social. O poder revolucionário, porém, tem a organização social que

quer ter, não tem de dar contas senão quando vencido, salta por cima de todas as

leis” (In: SOARES DE SOUSA, 1923: 48).

O discurso saquarema absorveu assim o discurso monarquiano que o precedera e,

com ele, sua interpretação das instituições constitucionais. Resta saber como, do ponto de

vista jurídico e doutrinário, a supremacia da autoridade imperial se compadecia com a teoria

do governo parlamentar e, dentro dele, com a figura do primeiro-ministro, criada por decreto

em 1847. As respostas a estas perguntas passam pela consideração sucessiva de dois distintos

cenários, que correspondem aos períodos anterior e posterior à maioridade de Pedro II.

Durante a Regência, a prática do governo parlamentar respondia menos à

necessidade de garantir a representatividade da aristocracia rural e do comércio de exportação,

assegurada desde 1831, do que a de compensar a ausência do monarca e fortalecer a unidade

do governo por uma base parlamentar fiel, com que se poderia apertar a unidade política e

firmar a ordem. Como o núcleo duro do partido lembrava em 1851, a abdicação de Pedro I

trouxera a fraqueza do poder e, com ele, as “influências de localidades”, a inexperiência dos

estadistas e os excessos de liberalismo; quando o que mais urgia era, ao revés, “um poder bem

constituído e robusto, que tivesse a força necessária para dirigir com mão firme um país novo

(...) na larga senda dos grandes melhoramentos sociais que reclama” (In: VIANA, 1968:149).

Em 1843, Paulino Soares de Sousa declarava à Câmara que cabia ao governo exercer sobre o

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Parlamento “aquela saudável influência que é indispensável para que haja acordo e as coisas

possam marchar” (ACD, 23/01/1843). Ou seja, de nada adiantavam governos de mandato

fixo, como defendiam então os liberais, se o desprestígio parlamentar os impediam de ser

eficazes. No contexto regencial, em que o acirramento das disputas prejudicava o combate à

desordem, para Vasconcelos o governo parlamentar eliminaria os contínuos desencontros com

as câmaras, representativas de grupos e interesses diversos, para fortalecer o Executivo. Por

isso mesmo propôs a criação formal do cargo de Presidente do Conselho de Ministros quando

assumiu o gabinete do regresso, em 1837 (VASCONCELOS, 1999: 242/243; e 235). Ou seja,

o governo parlamentar era visto pelos saquaremas como um meio de aumentar o prestígio do

governo e não de enfraquecê-lo. Esta é a única explicação plausível para o fato de que a

consolidação do governo parlamentar brasileiro, na passagem da década de 1830 para a de

1840, tenha coincidido com o predomínio sistemático dos gabinetes sobre as sucessivas

legislaturas na Câmara. Já em 1843 se queixava um deputado: “Antigamente as câmaras eram

tudo, os governos sujeitavam-se a elas até no que não era de sua competência; mas hoje as

câmaras são nada; o governo é tudo... Não ouvimos senão – o governo exige – o governo pede

– o governo quer” (In: PINHO, 1936:90).

Depois da maioridade de Pedro II, restabelecida a Coroa e, com ela, o prestígio do

Poder Executivo – autônomo, todavia, da vontade do Parlamento -, a concepção saquarema do

governo parlamentar sofreu uma correção. Também aqui há dois pontos a se destacar, faces

da mesma moeda. Por um lado, a teoria do governo parlamentar visava a impedir que uma

ênfase demasiada na autoridade do Imperador, necessária à preservação da ordem, desandasse

em autonomia permanente, dissociando-o dos interesses da aristocracia rural. O receio era

que, por meio da interpretação monarquiana da Constituição, o monarca assumisse

pessoalmente o governo e impusesse pelo Poder Moderador reformas assemelhadas àquelas

defendidas pelos coimbrões, como a abolição efetiva do tráfico negreiro ou da própria

escravidão, e a imigração estrangeira subsidiada e assentada em pequenas propriedades rurais.

Em linhas gerais, era preciso evitar a excessiva autonomia da Coroa, que tão

encarniçadamente opusera brasilienses e coimbrões na década de 1820.

Por outro lado, assegurada pela prática do governo parlamentar, a primazia da

aristocracia rural no jogo político tinha um efeito potencialmente disruptivo, derivado da falta

de cultura institucional e da pouca organicidade social. A tendência à desagregação e à

desordem provinha da falta de legitimidade dos governos, da falta de capilaridade do Estado

nacional e da descentralização do aparelho repressivo operada pelo Ato Adicional. Daí a

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importância, para os conservadores, do restabelecimento do Poder Moderador e do Conselho

de Estado, bolado pelos monarquianos, e de uma recentralização parcial do poder. Auxiliado

por um grupo estável de conselheiros, imparcial frente aos partidos e facções, a legitimidade

monárquica do chefe do Estado lhe permitiria arbitrar as contendas entre os grupos políticos,

garantir a formação de governos na ausência de consenso parlamentar e reprimir, em último

caso, a insubordinação de aristocratas inconformados ou de setores excluídos. Considerado

fonte única de todo o poder legítimo, mas despojado da dimensão reformista atribuída pelos

coimbrões, o Poder Moderador faria o papel de agente da ordem, unificando o frágil governo

representativo pelo alto e impedindo-o de novamente se desagregar pela divisão horizontal ou

vertical dos poderes.

Essa acomodação dos princípios da monarquia e do governo parlamentar passava,

portanto, ao largo do modelo parlamentar guizotiano que, descrevendo o princípio da dupla

confiança, fazia do gabinete o veículo de comunicação entre dois poderes eqüipotentes, a

Coroa e o Parlamento. Ao frisarem que as lutas parlamentares refletiam o atraso do povo e o

particularismo dos potentados que o oprimiam, com prejuízo para a qualidade e a estabilidade

do governo, os conservadores das décadas de 1850 e 1860 elaboraram um modelo de governo

parlamentar crítico da própria representação que o deveria justificar, quase idêntico àquele

formulado pelo Marquês de Caravelas. Enfatizando a necessidade de uma administração

imparcial, proba e pacificadora, o tanto quanto possível apartada da política (In: VIANA,

1968:151), os saquaremas minimizavam o papel diretor da Câmara dos Deputados, que

deveria se limitar a uma função pedagógica e coadjuvante. Ela constituía um recinto no qual,

respeitadas as formalidades parlamentares, os representantes das parcialidades se reuniam

para entrar em contato com o Estado, assimilar seus valores e, dando maioria ao ministério,

auxiliar o governo imperial na promoção da civilização nacional. Daí por que, com sua

imparcialidade e autoridade, o Imperador se mostrasse sempre à testa dos negócios públicos:

“Vossa Majestade Imperial não é, não pode, não deve ser homem de partidos. A Divina

Providência o fez somente o homem do partido da prosperidade e da grandeza do país que o

chamou a governar” (In: VIANA, 1968:151). Era assim o Estado unitário e europeu que, da

Corte, deveria representar a Nação como tutor, instruindo-a e elevando-a pela difusão das

luzes e dos exemplos. Graças a um realismo sociológico que verificava a inferioridade da

Nação enquanto representada, alterava-se a natureza jurídica da representação. De mandatário

dos seus interesses, o Estado se convertia no seu tutor judicial, isto é, num representante

investido do papel de zelar pelos interesses da Nação durante a sua menoridade, encarregado

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de contribuir para o seu bom crescimento e preservar seu patrimônio. Para isto, os

conservadores compensavam os eventuais excessos do governo parlamentar por uma

interpretação léxica ou literal do texto constitucional, como os coimbrões. Era o que queriam

geralmente dizer quando defendiam a “rigorosa observância dos preceitos da Constituição”

(In: BRASILIENSE, 1979:22).

Em síntese: pondo no alto da hierarquia política o Poder Moderador, entendido como

um poder excepcional de dissolução da câmara e livre nomeação e demissão de ministros pelo

monarca; seguido do Poder Executivo, compreendido como governo do gabinete

supervisionado pelo Imperador; e por fim o Poder Legislativo, concebido como uma arena de

aprendizado, coadjuvação e esclarecimento, os autores conservadores lograram conciliar a

teoria do governo parlamentar com a do governo misto e, deste modo, preservaram as três

representações monarquianas do Estado que, espelhadas no conceito coimbrão de Poder

Moderador, haviam sido enunciadas por Antônio Carlos, Caravelas e Queluz. O resultado era

o modelo de um governo parlamentar, é certo, mas tutelado pela Coroa.

Obra exemplar desse modelo é o Direito Público Brasileiro e Análise da

Constituição do Império, do senador e conselheiro de Estado conservador José Antônio

Pimenta Bueno (1803-1878), futuro Marquês de São Vicente, e publicada em 1858. Pimenta

Bueno sustentava que, na medida em que o chefe do Poder Executivo reconhecido pela

Constituição era o Imperador, o intérprete constitucional deveria relativizar a importância do

cargo de Presidente do Conselho de Ministros, criado em 1847. Suas únicas atribuições

seriam as de organizar o gabinete, zelar por sua unidade política, dirigir seus trabalhos e

discussões e, por fim, desempatar suas votações. Seria prejudicial, entendia São Vicente, que

o Presidente do Conselho assumisse uma posição de chefe. Caso ele pudesse impor sua

opinião aos demais ministros, a Coroa ficaria privada “de meios de ilustração, e o país, do

valor de diversas inteligências, subordinando os seus interesses porventura a uma só, e

reduzindo os outros ministros a meros subsecretários de Estado” (SÃO VICENTE, 1958:260).

É que, ”superior a todas as paixões, a todos os interesses, a toda rivalidade”, o Poder

Moderador era o fiscal do povo soberano no controle de seus representantes políticos, motivo

pelo qual ele constituía “a mais elevada força social, o órgão político mais ativo, o mais

influente, de todas as instituições fundamentais da nação” (SÃO VICENTE, 1958:202). Fica

claro que, para o marquês, o governo parlamentar deveria se acomodar com uma interpretação

literal do texto constitucional, segundo a qual a direção da alta política incumbia ao

Imperador, ficando o Presidente do Conselho em segundo plano.

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O saquaremismo do Marquês de São Vicente foi corroborado depois por seu colega e

amigo Paulino José Soares de Sousa, já então Visconde de Uruguai, em sua obra Ensaio sobre

o Direito Administrativo. Embora concedesse às câmaras influência na formação e duração

dos gabinetes, Uruguai sequer menciona, no livro, a existência do Presidente do Conselho.

Para ele, a demissão do ministério ficava sempre a critério da Coroa, intérprete última da

conformidade ou não da política do governo com o interesse público. Na qualidade de chefe

do Poder Executivo, “o Imperador acompanha, discutindo, fazendo observações, cedendo até

certo ponto, ao movimento que as maiorias que dominam nas Câmaras imprimem aos

negócios, movimento que não deve contrariar, principalmente quando é conveniente e justo,

conforme a opinião nacional; e necessário para que o governo se mantenha, segundo as

condições do sistema representativo. Enquanto tais condições duram, portanto, o Imperador –

sempre como chefe do Executivo - fiscaliza, observa, dirige o Conselho”. No entanto,

“quando vê que o movimento que os ministros ou a maioria da Câmara dos Deputados

querem imprimir aos negócios vai além da justa meta; que vai causar sérios males difíceis de

remediar depois; que não é conforme a opinião nacional; que há desacordo entre as Câmaras e

o ministério; que os ministros responsáveis não têm mais a força necessária para gerir os

negócios com vantagem pública, o Imperador intervém como Poder Moderador, e restabelece

a ordem e a harmonia” (URUGUAI, 1960:268).

Na forma de um governo parlamentar e centrípeta tutelado pela Coroa, portanto, a

engenharia institucional proposta pelos conservadores lograva, assim, a proeza de prevenir no

âmbito parlamentar o risco de desordem decorrente da divergência das aristocracias

provinciais, sem comprometer, pelo facciosismo, o único projeto nacional em torno do qual

era possível consenso; e que passava pela conciliação do ideal civilizador coimbrão de um

poderoso Império unitário com o incremento do negócio agroexportador ancorado na grande

propriedade rural, monocultora e escravista.

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Capítulo 4. O apogeu do modelo político saquarema e o grande debate

sobre o Poder Moderador (1840-1868).

4.1. A filosofia do progresso histórico: a monarquia constitucional, o bipartidarismo e o conceito de Poder Moderador. – 4.2. As dissidências conservadoras sob a Conciliação e a formação da Liga Progressista. O questionamento do modelo político saquarema na década de 1860. 4.3 A defesa conservadora do modelo político vigente. A reiteração das três representações coimbrãs do Poder Moderado pelos publicistas do período.

4.1. A filosofia do progresso histórico: a monarquia constitucional, o bipartidarismo e o

conceito de Poder Moderador.

Com o Regresso e a maioridade de Pedro II, em 1840, começou o longo período de

estabilidade política de quase quatro décadas proporcionado pelo modelo político saquarema.

O governo parlamentar tutelado pela Coroa angariou o apoio das províncias exportadoras de

cana de açúcar e café - Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro – e, num segundo momento, de

províncias tradicionalmente liberais, como São Paulo e Minas Gerais, que haviam

preponderado, durante a Regência (LENHARO, 1979). Os sucessivos fracassos do Partido

Liberal em reverter a derrota de seu projeto americanista federalista pela via legal levaram

seus chefes a recorrer ao golpismo e à rebelião: primeiro com o golpe parlamentar que

antecipou a maioridade do Imperador e pôs fim à regência de Araújo Lima (1840); depois,

com as revoltas liberais de 1842. Com a derrota e subseqüente anistia, os liberais acabaram,

como veremos, obrigados a aceitar o governo parlamentar tutelado e centralizado, que se

tornou o padrão consensual de funcionamento do sistema constitucional representativo

previsto na Constituição de 1824. Nesse ponto, é preciso abordar um aspecto da vida

intelectual e política de importância fundamental, mas até hoje passou despercebida ou

minimizada, sem exceção, por todos nossos historiadores das idéias – o papel centrado

exercido pela filosofia do progresso histórico na justificação e institucionalização dos partidos

políticos no Brasil. Substituindo a antiga concepção circular da história, que era referência

para a geração anterior e cuja origem remontava a Políbio, estava agora a filosofia do

progresso histórico, entendido como resultado de uma luta entre os princípios da ordem ou da

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autoridade, de um lado, e o do progresso ou da liberdade, de outro. Era a partir da tensão

equilibrada entre estes dois princípios opostos que os liberais e conservadores compreendiam

seus lugares políticos no governo constitucional representativo depois de 1830.

No liberalismo, é a consciência histórica que guia a sociedade na organização do

poder. Delineada essa oposição por Hume em Da Origem do Governo (HUME, 1984 b: 228),

a concepção da história como processo de progresso político e social ganhou tintas

racionalistas na obra de Condorcet Esboço de um Quadro Histórico dos Progressos do

Espírito Humano até que ambas as perspectivas foram conciliadas e atenuadas por liberais

como Benjamin Constant, em Da Perfectibilidade da Espécie Humana, mas principalmente

por François Guizot. Na sua História da Civilização Européia, Guizot sustentava: “duas

grandes forças e dois grandes direitos, a autoridade e a liberdade, coexistem e se combatem

naturalmente no seio das sociedades humanas (...), sem jamais se reduzirem mutuamente à

impotência, sujeitas uma e outra às oscilações, a retornos de fortuna que fizeram, através de

uma longa série de séculos, o destino dos governos e dos povos” (GUIZOT, 1855: XIII). Na

medida em que fomentava o crescimento da produção e uma distribuição mais igualitária dos

seus frutos, a autoridade pública criava condições de um progresso nacional. A liberdade, por

sua vez, proporcionava o progresso pelo triunfo da individualidade, cujos méritos e

capacidades faziam-na destacar-se da multidão. A função do governo era recrutar essas

capacidades para que tomassem parte na administração e a abastecessem com o que havia de

melhor na opinião pública, o que conciliaria o governo representativo, isto é, o número, com o

governo dos melhores, ou seja, com a razão (GUIZOT, 1856: 133).

Do ponto de vista das instituições, essa filosofia da história e a concepção capacitária

do governo justificavam a formação de um sistema partidário organizado a partir de duas

agremiações distintas, de princípios claramente definidos, bem como a necessidade de que

nenhuma delas prevalecesse duradouramente sobre a outra. A alternância decorria da

exigência do progresso na ordem, já que o excesso de liberdade levava à anarquia, e o excesso

de autoridade, ao despotismo. Cabia aos liberais representarem o princípio da inovação, da

reforma e da liberdade, ao passo que os conservadores ficavam incumbidos de resistir,

preservar e defender a tradição. Essa filosofia do progresso histórico como equilíbrio entre

ordem e liberdade predominou até a década de 1870, quando a crise do liberalismo na Europa

permitiu a concorrência de outras concepções históricas, liberais radicais, positivistas e

socialistas do devir. Recepcionada no Brasil na década de 1830 e hegemônica durante quase

meio século, o advento da filosofia liberal da história favoreceu enormemente a

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institucionalização da luta política, na medida em que permitiu que nossos partidos se

enxergassem como distintos, mas complementares para o funcionamento da monarquia

constitucional.

Ao justificar o regresso, por exemplo, Vasconcelos declarava que o aperfeiçoamento

do homem e o natural desejo de inovação não poderiam ser tomados como amor a todo e

qualquer tipo de mudança, e que por isso havia circunstâncias nas quais “convinha meditar as

medidas que se propunham; se continham ou não um verdadeiro progresso, que fizesse cessar

os sofrimentos e trouxesse ao país um melhoramento real” (VASCONCELOS, 1999:238). No

começo da década de 1860, o liberal histórico Teófilo Benedito Otoni (1807-1869) se referia

aos “dois princípios que estão em luta eterna em todos os governos possíveis, o princípio

progressista e o conservador” (OTONI, 1916:160). De fato, os liberais da década de 1860 não

ficavam atrás dos conservadores na adesão à filosofia do progresso: eles remontavam a gênese

do bipartidarismo brasileiro à própria Constituinte de 1823, identificando os coimbrões aos

conservadores e os brasilienses, aos liberais. Diante da réplica do diplomata e deputado

conservador Sérgio Teixeira de Macedo (1809-1867), afilhado do Marquês de Paraná, de que

o Partido Conservador datava do regresso e não se confundia com os coimbrões, Teófilo

Otoni treplicou certeiro: “Eram sempre os dois partidos, que estão em luta em toda a parte e

em todo o tempo, o partido do progresso e da conservação” (OTONI, 1979:538). Ainda que

pudesse ser diversamente interpretada em sua aplicação à história do Brasil, a filosofia do

progresso era mesmo uma grande unanimidade: enquanto o senador Nabuco de Araújo

lembrava em 1869 que cabia aos liberais “a iniciativa do movimento político” (In:

BRASILIENSE, 1979:46), vinte anos depois, o Conselheiro Paulino Soares de Sousa (1834-

1901), filho do Visconde de Uruguai, ainda resumia desta maneira a dinâmica do sistema

partidário: “A ação promovida pelo Partido Liberal; a resistência, sustentada pelo Partido

Conservador” (ASI, 13/05/1888). Num discurso na Câmara dos Deputados em 1844, o chefe

conservador Eusébio de Queirós Matoso Câmara (1812-1868) esclareceu com nitidez a

dinâmica da luta partidária à luz do progresso e do governo parlamentar:

“Eu entendo que a monarquia constitucional é o meio por que os políticos

modernos nos resolverão o problema da aliança entre a ordem e a liberdade.

Daqui resulta necessariamente que em todas as monarquias constitucionais há

necessariamente dois partidos que se combatem; que, possuídos das melhores

intenções, não podem, contudo, concordar na aplicação dos seus princípios

políticos às questões que vão ocorrendo. Um deles crê que a ordem está

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suficientemente segura; que o país carece mais de ampliar a liberdade do que de

proteger a ordem; assim, quando está no Poder Legislativo, tende a exagerar os

princípios liberais, e esquece um pouco que essa exageração é inimiga da ordem.

Outro, pelo contrário, entende que as instituições do país e seu espírito público

asseguram que sua liberdade não está em perigo; que a ordem é que carece de

mais proteção, não só por amor dela, como por amor da liberdade, que não pode

existir senão protegida pela tranqüilidade pública. Estas opiniões políticas, estes

dois diferentes modos de encarar as necessidades públicas, têm sempre uma parte

da população em seu apoio, e isso é que constitui os dois partidos” (ACD,

15/05/1844).

Não por acaso, a partir de 1835 se verificou alguma liberalização do vocabulário

político. Uma de suas conseqüências foi, justamente, a aceitação geral da distinção entre

partido e facção, antecipada na década anterior por Vasconcelos. Os partidos discutiam suas

diferenças sobre idéias e princípios e disputavam o poder no terreno da legalidade, ao passo

que as facções eram ajuntamentos de ambiciosos apaixonados, cujas idéias não passavam de

pretextos para ocultar sua egoística sede de poder. Essa distinção ainda não havia ocorrido aos

coimbrões e realistas, dominados pelo discurso monarquiano, nem aos brasilienses e ao

movimento, que se exprimiam na moldura do vintismo. Obra principalmente da pregação

parlamentar de Vasconcelos, o grosso da classe política passou a aceitar o fato do pluralismo,

isto é, que a divergência de idéias era natural, salvo quando a pátria corresse perigo

(VASCONCELOS, 1999:225). As facções, ao contrário, tinham pouco apreço pela legalidade

e, quando as urnas lhes eram adversas, recorriam às armas para tomar o poder

(MASCARENHAS, 1961:110).

Além disso, a necessária alternância dos partidos no poder se conciliava perfeitamente

com o governo parlamentar e o papel de arbitragem desempenhado pela Coroa. Apresentada

como a mais flexível das instituições políticas, acima das lutas e das paixões partidárias, a

forma monárquica de governo constitucional personificava para Guizot o ideal permanente de

soberania da razão. Por isso, ao mediar os conflitos partidários decorrentes dos embates entre

os princípios e impedir que algum deles predominasse duradouramente sobre o outro, era o

Poder Moderador que assegurava a marcha ordeira do progresso da civilização. No entanto,

ambos os partidos estavam persuadidos de que, para tanto, a Coroa estava obrigada a

obedecer a certos critérios extraídos da teoria do governo parlamentar – e tanto assim, que as

subidas ou descidas de ministérios tinham que ser explicadas no Parlamento para que fosse

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verificada e, por conseguinte, legitimada a constitucionalidade da ação institucional. Embora

a interpretação acerca da presença ou ausência desses critérios variasse conforme o partido

estivesse na oposição ou na situação, havia uma teoria geral extraída da prática inglesa e

francesa que orientava as decisões da Coroa. Em junho de 1847, no panfleto A Dissolução do

Gabinete de 5 de Maio e a Facção Áulica, o deputado e doutrinário conservador Firmino

Rodrigues da Silva (1815-1879) explicava a teoria da alternância no poder:

“Desde 1840, parece-nos, se tem querido inculcar que a Coroa perde de sua força

e dignidade sempre que se conforma com a opinião das Câmaras, assim na

organização como na dissolução dos Ministérios. Esta doutrina radicalmente

errônea a nada menos tende que a desnaturar sistema representativo, cujo regular

andamento exige essencialmente homogeneidade ação nos poderes que o

compõem. O direito de nomear e demitir ministros, conferido pela Constituição ao

Poder Moderador, não é absoluto, como nenhum outro; está subordinado na sua

aplicação a circunstâncias muito imperiosas, a essa necessidade de harmonia sem

a qual não há sistema, mas um jogo disparatado de potências que se cruzam, se

abalroam, se danificam mutuamente. Se cada um dos poderes que concorrem na

direção do Estado é perfeito quanto ao seu fim especial, limitado, não o é quanto

ao fim do sistema, que só pode ser conseguido pela reunião da ação combinada de

todos eles. (...) O governo monárquico representativo não é o governo de uma só

vontade, mas o governo da opinião legitimamente verificada; contida nos seus

excessos pela monarquia que, por via da dissolução e do veto, a refreia e lhe dá

tempo preciso de se ilustrar e tornar-se justa. (...) A conformidade portanto da

Coroa com as maiorias parlamentares é uma regra, e a divergência só pode ser

admitida como exceção instantânea que deve para logo desaparecer por via da

demissão do Ministério ou dissolução da Câmara temporária” (In:

MASCARENHAS, 1961:140).

Foi no interior desse consenso sobre o funcionamento das instituições que se travou o

debate político entre conservadores e liberais na segunda década do reinado de Pedro II, a da

maioridade (1840). Com efeito, por conta dos princípios que diziam representar, cada um dos

partidos interpretava de forma mais ou menos extensa o papel que cabia à Coroa exercer.

Lembro que o Partido Liberal foi formado em 1837 pelos moderados de movimento que

apoiavam a interpretação extensiva que as assembléias legislativas provinciais fizeram do Ato

Adicional às expensas da União. Depois da renúncia de Feijó, os liberais responderam às leis

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do Regresso com o golpe parlamentar da Maioridade, em 1840; entretanto, ficaram no poder

por pouco tempo, devido ao escândalo das eleições do cacete. No ano seguinte, o

restabelecimento do Conselho de Estado pelos conservadores levou os liberais a recorrerem

de novo à força, nas malogradas Revoluções Liberais de São Paulo e em Minas Gerais.

Derrotados na cidade mineira de Santa Luzia, os liberais passaram a ser chamados por seus

adversários por este nome, que lhes lembrava a derrota. Basicamente as mesmas que haviam

sido defendidas pelos brasilienses, as reformas preconizadas pelos luzias atenderiam às

demandas da aristocracia rural provincial, que queria dispor do poder político concentrado na

Coroa pela burocracia da Corte e pela lavoura fluminense. Eles viam a Coroa como um poder

passivo, a deixar que a Nação se governasse por seu Parlamento e só interviesse em caso de

crise. Não por acaso, foi um deles - Antônio Carlos de Andrada Machado, já aderido aos

liberais - que pela primeira vez, na sessão de 12 de junho de 1841, introduziu no Parlamento

brasileiro o mote de Thiers – o rei reina, mas não governa -, elogiando depois o próprio

anteprojeto constitucional em detrimento do de Caravelas. E avançou: “Isto de Poder

Moderador é doutrina de escolas. Em nenhuma nação do mundo existe isso” (ACD,

12/06/1841).

Entretanto, mais característicos do liberalismo tributário do movimento regencial as

são as obras e discursos dos deputados José Antônio Marinho (1803-1853), Francisco Sales

Torres Homem (1812-1876) e Teófilo Benedito Otoni. Cinco pontos aqui se destacam na

linguagem luzia. O primeiro deles consistia em monopolizar a etiqueta liberal, reivindicando

o monopólio da defesa da liberdade. O Partido Conservador era a “facção absolutista”, a

“oligarquia”; agremiação que, “fingindo-se amiga exclusiva do trono, recusa aliá-lo com a

liberdade dos cidadãos”; formada por políticos incapazes de disfarçar “o seu desejo de plantar

um governo oligárquico, de se perpetuarem no mando, escravizando a um tempo a Coroa e a

Nação” (MARINHO, 1978:73). O segundo ponto residia na defesa da interpretação extensiva

que as províncias faziam do Ato Adicional, motivo por que renegavam a Lei de Interpretação

como um atentado constitucional e combatiam a interferência do governo geral sobre o

provincial (MARINHO, 1979:74). Os liberais timbravam em recordar que a legitimidade das

instituições monárquicas repousava unicamente na sua origem democrática e constitucional,

nada devendo à tradição dinástica dos Bragança. Para contornar o argumento monarquiano de

que, justamente por ter sido aclamado pelo povo, o Imperador estava acima do Parlamento,

Otoni acrescentava que, “quando a Constituição fala em unânime aclamação dos povos, não

menciona um fato, mas dá um título. E nem de outra sorte se podia considerar esse artigo da

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Constituição, porque o Sr. D. Pedro I não foi aclamado unanimemente” (OTONI, 1979: 170 e

254/255). Era o direito de insurreição contra a tirania, aliás, que justificava todos os

movimentos de sublevação por eles promovidos - nada menos que quatro em pouco mais de

dez anos (o 7 de Abril de 1831, o 30 de julho de 1832, o golpe da Maioridade de 1840 e as

Revoluções de 1842). Envolvido em todos eles, e bem que reconhecesse não se tratar de

“jurisprudência ordinária”, Otoni admitia abertamente o golpismo como técnica política.

“Pondo de lado questão de constitucionalidade (...), em certas circunstâncias e ocasiões pode

o executor das leis e da Constituição tomar sob sua responsabilidade o não proceder

inteiramente de acordo com a letra e mesmo o espírito da lei, quando motivos muito

poderosos justificam este seu procedimento” (OTONI, 1979:169). E acrescentaria: “A escola

do liberalismo verdadeiro é a escola da legalidade e da ordem bem entendida. Mas cumpre

confessar que circunstâncias se dão em que a letra da lei mata e o espírito vivifica” (OTONI,

1916:120/121).

É justamente a maior ênfase no espírito do que na letra da Constituição que leva ao

último ponto relevante do discurso liberal - a defesa de uma interpretação constitucional

calcada em critérios evolucionários, isto é, com a restrição dos poderes da Coroa. Ao fazer

votos de que “o monarca atual do Brasil há de seguir de preferência os passos esclarecidos de

Luís XVIII, e que não há de se deixar arrastar pelos Villèle e Polignac” (OTONI, 1979:258),

Otoni associava os conservadores aos ultras e comparava a interpretação monarquiana do

Poder Moderador à prerrogativa régia dos monarcas franceses. As alternâncias partidárias

deveriam se operar “conforme as normas do sistema representativo, e sem as graças dos

reposteiros”. Segundo o deputado mineiro, a dissolução da Câmara decretada em 1841, que

suscitara as revoltas liberais do ano seguinte, fora concedida exclusivamente pela influência

de uma “facção áulica, que se interpõe entre a Coroa e o governo, que não deixa que o sistema

constitucional seja uma verdade no Brasil”. Por isso mesmo, José Antônio Marinho justificara

as revoluções de 1842 com o argumento de “defender a nossa pátria, para salvar as

instituições livres, a nossa Constituição do aniquilamento total de que é ameaçada por uma

facção astuciosa que se apoderou do poder” (MARINHO, 1978:73). Uma dissolução fora do

que considerassem uma hipótese de salvação do Estado, realizada “contra todo o direito e

contra a Constituição”, legitimaria novamente ao recurso às armas (OTONI, 1979:441).

Publicado em 1848 por Francisco Sales Torres Homem sob o pseudônimo Timandro, foi o

Libelo do Povo o melhor documento por que os liberais da década de 1840 denunciaram o

modelo saquarema, que fazia “da monarquia representativa no Brasil uma comédia de mau

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gosto, quando não é um drama sanguinolento” (INHOMIRIM, 1956:108).

“Guardar a Constituição não é observar sua letra e violar o seu espírito. Nela,

como em toda a letra, alguma coisa há sempre de indefinido e discricionário, que

o legislador confiou ao bom senso e à lealdade de quem as executa. As atribuições

de Sua Majestade estão marcadas na Constituição, onde se deixou ao seu

exercício uma liberdade bem entendida. Mas quer isto quer dizer que pode

prescindir do voto da Nação, das indicações do pensamento público, e ter

unicamente em linha de conta os seus sentimentos pessoais, ou os interesses e

preconceitos de sua Corte? (...) Sua Majestade não pode, em circunstância

alguma, sem arrogar-se um direito que não é o seu, escolher e impor a política,

que deve dirigir o Estado, nem levantar e fazer cair alternativamente os partidos

ao seu alvedrio. Lá isso é da privativa competência da Nação, a qual, delegando à

Coroa certos poderes, guardou para si o de indicar periodicamente por meio da

eleição qual o sistema porque entende dever ser regida, qual o partido mais capaz

de realizá-lo. Sua opinião simbolizada nos nomes próprios, que saem das urnas,

eis a lei suprema, a que nenhum pretexto pode dispensar a realeza, poder neutro e

imparcial, de cingir-se pontualmente. O governo do país pelo país está escrito em

cada artigo, em cada linha da Constituição; o que significa, em outros termos, que

ele não tem tutor” (INHOMIRIM, 1956:108/109).

Por outro lado, as posições conservadoras eram tão avessas às liberais, que Eusébio de

Queirós declarava que não havia país com partidos tão bem definidos quanto no Brasil52.

Inscrita na crítica do partidarismo e na apologia do chefe de Estado como um governante

imparcial e desinteressado, a retórica monarquiana espraiara-se para os moderados da

resistência durante o período regencial. Já em 1833 o deputado Honório Hermeto Carneiro

Leão (1801-1856), futuro Marquês de Paraná, sustentava que “a população habitua-se a não

ter fé nas instituições nem nos homens; habitua-se a considerar esta casa como arena, em que

os partidos encarniçados disputam o poder sem curar nem dos princípios, nem do bem do

52 Declarou Eusébio, em 1844, sobre os partidos: “Sua diferença de vistas e de opiniões se faz sentir nas mais graves, como nas mais pequenas questões. Se olhamos a Constituição do Estado, ela é uma só, e entretanto como a entendemos nós, e como a entendem eles ? A Constituição dá ao Poder Moderador o direito de dissolver a Câmara; nós dizemos – a dissolução é uma atribuição do Poder Moderador; nós a respeitaremos, mesmo se for empregado; e outra, nós não disputaremos sobre sua legalidade. Mas será assim que eles entendem a Constituição ? Quando foi uma Câmara, que eles reputavam sua, dissolvida, julgaram-se com autoridade para examinar se estava na letra da Constituição a maneira por que ela se dissolveu ! Gritaram que era dissolução prévia, e que a salvação do Estado não a exigira. Quiseram julgar do que só o Poder Moderador compete julgar. Não, nós nunca poderemos concordar com eles neste ponto” (ACD, 15/05/1844).

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país” (In: SOARES DE SOUSA, 1944:67). Essa visão foi corroborada no começo da década

seguinte, quando os debates sobre o restabelecimento do Conselho de Estado trouxeram

novamente à baila a questão da responsabilidade pelos atos do Poder Moderador. Em duas

oportunidades, os conservadores tiveram oportunidade de reiterar a visão monarquiana

coimbrã e de rejeitar, com ela, a tese de que o rei reinava, mas não governava. A primeira se

deu em maio, quando, explicando os motivos da queda de seu gabinete, Antônio Carlos

enunciou a tese de Thiers pela primeira vez. Ele foi imediatamente refutado pelo próprio

Carneiro Leão, para quem o monarca não deveria ser reduzido a um papel indiferente. O

Imperador era “o primeiro fiscal da conduta dos ministros. Chefe do Executivo, exercendo o

Poder Moderador, que tem pela Constituição uma influência mui grande, e deve mesmo vigiar

sobre todos os outros poderes, é sem dúvida que, quer na teoria, quer mesmo pelo nosso

direito público constitucional, deve ter uma grande influência sobre os atos da administração”

(ACD, 25/05/1841). E acrescentava, duas semanas depois: “Devemos beber as doutrinas

constitucionais, não do sistema representativo em geral, mas da nossa Constituição. Ora, no

sistema que a nossa Constituição admitiu, o Imperador é chefe do Poder Executivo. (...). É o

que se chama governar” (ACD, 12/06/1841).

A segunda oportunidade ocorreu no começo de julho de 1841, durante a discussão do

projeto de lei que restabelecia o Conselho de Estado. Diante da insistência dos liberais de que

a legitimidade do Imperador decorria apenas da Constituição, o futuro Marquês do Paraná

retrucou que a única doutrina compatível com a ordem pública era a de que era legítimo todo

e qualquer governo que tivesse à sua testa o Poder Moderador. Carneiro Leão invocava o

mesmo argumento desenvolvido pelos coimbrões – o de que a legitimidade do monarca

derivava da vontade do povo que o aclamara e que, portanto, a monarquia precedia a

Constituição. Do contrário, argumentava, legitimava-se qualquer tentativa de tomar o poder

pelas armas (ACD, 9/7/1841). Num quadro em que não havia instituição encarregada de

exercer o controle da constitucionalidade dos atos praticados pelas autoridades gerais, ficando

a interpretação normativa da Constituição a cargo dos próprios políticos, fazia sentido tomar o

Poder Moderador como referência de legitimidade do governo, independentemente do partido

no poder:

“As minhas doutrinas são as doutrinas dos maiores liberais amigos da ordem e do

país; elas não têm o menor vislumbre de serem alguma coisa semelhante às

doutrinas do direito divino; a doutrina contrária tende a excitar os povos à

rebelião, só porque existe um ministério traidor. É sabido que pode ser traição

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para mim o que pode ser ato regular para outro: não pode haver governo

consolidado, ordem e paz públicas, onde semelhante doutrina for admitida, porque

se qualquer homem isoladamente pode julgar o governo traidor, e supondo mesmo

que o ato que o praticou não é legítimo, o pode logo considerar como governo de

fato, então debalde temos a lei de responsabilidade” (ACD, 9/7/1841).

Em suma: vendo na Coroa a principal garantia da ordem e da autoridade, Carneiro

Leão reservava-lhe – ao contrário dos liberais - um papel mais proeminente, a fim de suscitar

o mínimo de questionamento à sua ação. Por isso mesmo, o Imperador detinha a faculdade de

remover os gabinetes que julgasse na contramão do interesse público. Combinavam assim o

governo parlamentar com a interpretação monarquiana da Constituição, para quem os

ministros não eram responsáveis pelos atos do Poder Moderador. Por isso, não admitiam que

a prática do governo parlamentar perturbasse a sua primazia ou tutela. Na mesma ocasião,

combatendo a assertiva de Antônio de Carlos, de que a doutrina do quarto poder era uma

invenção de escolas, o senador Francisco Carneiro de Campos fez seu derradeiro

pronunciamento sobre a natureza do Poder Moderador. No intuito de apoiar o

restabelecimento do Conselho de Estado, o irmão de Caravelas lembrou os esforços

desenvolvidos por ele e seus falecidos companheiros durante a Regência para salvar aquele

poder da supressão e lucidamente filiou a doutrina de Constant à reflexão maquiaveliana

sobre a ditadura romana - ou seja, ao problema da regulação da discricionariedade. A clareza,

a completitude e o realismo de sua exposição justificam a longa transcrição abaixo, das mais

extraordinárias do nosso pensamento político:

“Quando se tratou deste objeto no Senado, por ocasião da reforma que se

pretendia fazer à Constituição, muitos nobres senadores eram de opinião que

todos os atos do Poder Moderador deviam ser referendados pelos ministros - o

que, quanto a mim, era o mesmo que se acabasse com o Poder Moderador.

Porque, se um dos atos do Poder Moderador é a demissão ou nomeação dos

ministros, como se havia de querer que o Imperador estivesse sujeito à assinatura

dos ministros? (...) Nós sabemos que a doutrina do Poder Moderador é nova e

moderna; foi desenvolvida por Benjamin Constant. Ainda há pouco disse um

ilustre deputado (Antônio Carlos), na sua respectiva câmara, que essa doutrina do

Poder Moderador era de mera escola. Eu entendo que nós podemos dizer o

contrário. É verdade que a nossa Constituição foi a primeira que levou esta

doutrina a efeito e à prática, porque criou explicitamente o Poder Moderador e não

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O Momento Monarquiano

221

vejo isto nas outras Constituições. Mas isto é um grande merecimento da nossa

Constituição, pois que tem aperfeiçoado assim os princípios dos governos livres.

Os nobres senadores que discrepam desta maneira de ver é porque estão imbuídos

nas doutrinas antigas (...), que não pode haver governo monárquico

representativo, sem que o monarca esteja a coberto pela assinatura de uma pessoa

estranha em todos os seus atos. É esta regra antiga, quando não havia Poder

Moderador”.

“Hoje, à face da nossa Constituição, devemos ser de opinião contrária, e assentar

que este Poder Moderador veio fazer uma exceção a essa regra nos poucos casos

próprios do dito poder - e isto, para remediar as faltas das antigas ditaduras. O

Poder Moderador não é senão uma espécie de ditadura, ditadura, porém,

restringida a certos e poucos objetos, a certos e determinados atos particulares. A

experiência mostrou que os povos que queriam ser livres eram obrigados muitas

vezes a recorrer às ditaduras, como os romanos. Estes povos recorreram muitas

vezes a um poder sem limite algum. Esses ditadores, que não tinham

absolutamente dependência de que alguém assinasse os seus atos, fizeram muito

mal, é verdade. Mas por quê? Porque a sua estendia-se a todas as coisas. Eles

eram senhores da vida e da morte dos cidadãos; dispunham de sua propriedade; os

cidadãos não tinham recurso algum. Como se mostrou que esses ditadores

alagaram a terra de sangue, os sábios contemplaram todas estas coisas, e quiseram

ver se acaso era possível uma espécie de ditadura plácida, que não fosse tão

maléfica como era a daqueles ditadores, mas que fosse sempre uma espécie de

ditadura ou autoridade irresponsável absolutamente independente. E o que

aconteceu, foi que a nossa Constituição expressamente adotou esse princípio, e

assinalou bem determinadamente os atos em que se há de exercer essa ditadura,

sem o quê, em algumas ocasiões, virá a anarquia infalivelmente. (...) Queriam os

nobres senadores que houvesse um Sila, um César, um Otávio ou Augusto, que

mandasse cortar cabeças, ou que desenvolvesse a anarquia? Pois é o que há de

acontecer, uma vez que não haja uma autoridade que, para obrar eficazmente, não

dependa de alguém, e que possa prontamente obviar o mal, lançando mão desta

medida”.

“Pode ser que, apesar de tudo isso, não consigamos o fim da instituição do Poder

Moderador, porque é da natureza não serem perfeitas as obras dos homens. Mas,

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tendo nós criado uma autoridade que se acha elevada a uma tão alta posição; que

está cercada de tantas honras e regalias; que tem certo o estabelecimento de sua

família; que não depende de alguém; que, além disso, tem o socorro de

conselheiros que lhe damos, para iluminar a sua razão; podemos desconfiar que

esta autoridade tenha essa espécie de arbítrio ou ditadura - e só nos casos

marcados, quando sejam urgentes? Decerto que não. Para isto, não depende de

alguém; porque, se depender, então não é uma autoridade independente que possa

fazer executar os seus atos (...). Logo, para que a teoria seja exata, se acaso se

admite esse poder político, chamado Moderador, é preciso que ele esteja

independente da ação de quem quer que seja, para que possa moderar (...) os

outros poderes do Estado. Do contrário, é uma verdadeira ilusão, e não poderá

evitar crises” (ASI, 08/07/1841).

Depois de derrotados pelo governo conservador em São Paulo e Minas Gerais, e

capturados e processados seus principais líderes, como Feijó e Otoni, os liberais acabaram

estigmatizados como facciosos e atentatórios às instituições por seu golpismo crônico. Por

isso, quando o Imperador resolveu anistiá-los e chamá-los para formar um novo gabinete, em

1844, o preço por eles pago foi o de renunciar a novas reformas constitucionais. O golpe foi

duro. Não só começava a morrer toda a primeira geração brasiliense da independência,

nascida em 1770/1780, como Custódio Dias (1841); Feijó (1843) e Ferreira de Melo (1844),

como a nova geração, nascida na década de 1800 e integrada justamente por Otoni e Marinho,

foi posta em segundo plano. Essa emasculação dos luzias encontrou seu consectário na

composição de uma série de ministérios de frágeis maiorias, chefiados por liberais

conservadores - entre os quais o senador Manuel Alves Branco, segundo Visconde de

Caravelas (1797-1855). Ao elevar as tarifas alfandegárias para aumentar as rendas do Estado

e incentivar o desenvolvimento industrial, ampliando a política joanina de fomento

econômico a quase todos os estabelecimentos industriais (SOARES, 2002:296/297), o

segundo Caravelas adotou uma política tão tipicamente saquarema que foi elogiado pelo

próprio Paulino José Soares de Sousa como “uma das cabeças mais profundamente

conservadoras que tenho conhecido” (URUGUAI, 1960:238). À exceção do gabinete chefiado

pelo paulista Francisco de Paula Sousa, velho chefe do movimento, nenhum dos governos da

primeira situação liberal (1844-1848) tentou minimamente tocar na obra do Regresso. Além

disso, sua unidade partidária também era embaraçada pela divergência sobre os métodos de

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ação e pela freqüente prevalência dos interesses mais imediatos de grupos locais (MATTOS,

1986:99)53.

Ou seja, a preocupação com a ordem passou a prevalecer sobre a liberdade. Seguida da

inversão política que trouxe de volta os conservadores, a Revolta da Praieira foi o tiro de

misericórdia no velho Partido Liberal. Desfalcados dos antigos líderes brasilienses e do

movimento e vistos como golpistas inveterados, os luzias foram esmagados pela máquina

eleitoral do gabinete saquarema chefiado pelo Marquês de Olinda e, depois, pelo de José de

Costa Carvalho, agora Marquês de Monte Alegre. Resistiram apenas senadores liberais como

Paula Sousa, Vergueiro e Martiniano de Alencar, protegidos pela vitaliciedade que tanto

criticaram na Regência. Para alimentarem a chance de sobreviver politicamente, os liberais

tinham de pagar um preço ainda mais alto do que em 1842 – o de aceitar o modelo político

saquarema da Constituição. Por considerá-lo caro demais, preferiram se afastar da política e

se cuidar de suas fazendas e engenhos os sobreviventes da velha guarda dos luzias, como

Paula Sousa, Vergueiro e Martiniano de Alencar, assim como seus discípulos, como o Cônego

Marinho e os irmãos Teófilo e Cristiano Otoni (TAUNAY, 1998). Para piorar, a queda da

Segunda República na França, substituída pelo Segundo Império, criou uma atmosfera de

refluxo do liberalismo em toda a área de influência cultural daquele país (JARDIN, 1998).

Sem alternativa, os liberais brasileiros foram obrigados a mudar de estratégia, condenando o

partidarismo e o governo parlamentar para pôr fim à hegemonia conservadora por meio de

uma intervenção direta da Coroa. Eles seguiam a lógica de todos os que, em minoria, haviam

perdido o poder ou estivessem ameaçados de perdê-lo - renunciar à teoria do governo

parlamentar, recuperar a da separação de poderes e sustentar que o chefe do Estado era o

único titular do Poder Executivo, podendo chamar a quem quisesse para formar gabinete.

Representativas desse momento de reflexo liberal foram as Breves Reflexões

Retrospectivas, Políticas, Morais e Sociais sobre o Império do Brasil e suas Relações com as

outras Nações, publicadas em 1854, pelo senador Francisco de Paula de Almeida e

Albuquerque (1800-1869) – o mesmo que, na condição de constituinte, combatera a tese

53 Um dos ministérios liberais justificou seu imobilismo a partir de uma curiosa “política da inércia”, necessária à estabilidade do país. Ministro da Guerra do primeiro gabinete do Visconde de Macaé (1799-1850), o deputado Jerônimo Francisco Coelho (1806-1860) argumentava que a inércia era “uma lei que rege os corpos, pela qual eles deveriam conservar perfeitamente no estado em que fossem postos; se um corpo for posto em movimento, ele estará perpetuamente em movimento pela lei da inércia, se alguma coisa não o embaraçar, da mesma sorte se for posto em repouso, neste estado permanecerá perpetuamente pela mesma lei da inércia; portanto, a política de todos nós é a política da inércia” (ACD, 20/05/1841). Enfurecido, um liberal da velha guarda denunciou a política do próprio partido como “inábil, imbecil, incapaz de governar uma nação ilustrada, uma nação livre” (ACD, 23/05/1845).

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coimbrã de limitação da soberania da assembléia pela Coroa. Parente do Visconde de

Albuquerque, chefe liberal da aristocracia pernambucana, o autor das Reflexões tivera seu

momento de glória quando, na condição de partidário do movimento, ocupara o cargo de

Ministro da Justiça de Diogo Antônio Feijó. Sua condenação do partidarismo deve ser

interpretada como uma crítica ao conservadorismo ortodoxo e um elogio à ação da Coroa,

principal sustentáculo da política conciliadora de Paraná, que permitira o retorno - ainda que

tímido - dos liberais à administração pública. Sua adesão estrita à teoria do governo misto é

sintomática de que todo e qualquer combate ao domínio saquarema somente podia então ser

feito no interior de seu próprio modelo ou, pior, pela apologia do modelo monarquiano puro.

Tomando a Constituição Inglesa como modelo para a brasileira, Albuquerque a

interpretava a partir de Blackstone, ou seja, como um governo misto cuja soberania cabia

igualmente aos elementos aristocrático, democrático e monárquico, sendo a tensão entre os

interesses do povo e os da aristocracia o “principal motor da propensão e da índole dos

governados”. No entanto, o senador liberal estava longe de simpatizar com os “demagogos ou

satélites da populaça, embriagados com as idéias de liberdade absoluta; e ambiciosos de se

constituírem os melhores, ainda que à custa da anarquia”. Era a aristocracia que preservava o

equilíbrio entre a demagogia “da multidão ignara e apaixonada, que acomete ou desacata

estúpida e grosseiramente a santidade da estação pública” e o despotismo dos “funcionários

confiados na força de sua autoridade, mais do que compenetrados dos seus deveres,

considera-os como favores, humilhando o brio natural dos homens probos, que a ele

recorrem”. A monarquia constitucional brasileira deveria ser descrita, por conseguinte, como

um governo misto preservado pela influência dos senadores vitalícios, que deviam ser assim

considerados, “por delegação nacional, adquirida por serviços, talentos e virtudes, os

verdadeiros lordes, ou pares do Império” (ALBUQUERQUE, 1854: 47 126,72 e 124).

Como se vê, a necessidade de combater os saquaremas, sem recorrer ao discurso

radical, levava Almeida e Albuquerque a descrever as instituições brasileiras como um

coimbrão, rejeitando o americanismo, o federalismo e o governo parlamentar. Por conta das

relações de consangüinidade da dinastia brasileira com as européias e sua “origem de

nacionalidade, governo, religião, língua e costumes e, sobretudo, pela forma monárquica”, ele

reputava o Brasil uma potência tão européia quanto Portugal e Espanha. Para Albuquerque, o

federalismo constituía um “elemento de fraqueza, e não de força nos Estados”, sendo as

teorias do governo parlamentar, por suas vezes, “invenções ministeriais para se sustentarem

no posto e assim esmagarem seus competidores e dominarem sucessivamente as eleições,

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tornando-se permanentes diretores do governo, sem que jamais apareça a verdadeira

fisionomia da representação nacional”. Daí sua adesão às teorias da separação de poderes e do

governo misto: a ascendência do ministério resultava num “despotismo ministerial”, uma

“oligarquia” facciosa que embaraçava “a ação benéfica da Coroa” em prol do interesse

público (ALBUQUERQUE, 1854: 136, 115, 14, 34). Era a velha equiparação bolingbrokeana

dos partidos a facções.

“A palavra partido, no meu sentir, implica com patriotismo; por isso que este

requer união de sentimentos a favor do país, e por conseqüência, em apoio das

suas instituições e do fim a que todos tendem, o bem da Pátria ou o interesse

proporcional de todos; e o partido exige dedicação pessoal e submissão particular

àquele que reparte o que os partidistas partem, e por conseqüência consiste em

dividir e separar os interesses, que aliás devem ser comuns, para o tornarem

exclusivos. Assim, chefes de partido, em meu entender, não são senão aqueles que

mais atrevidos ou mais ambiciosos sabem angariar clientela, ou são prepostos

como diretores e distribuidores desses interesses exclusivos; e partidistas aqueles

que por diversas razões dão a sua adesão antecipada e cega a esses chefes de quem

esperam graças e favores em recompensa do seu zelo e cooperação. Daqui se vê

que uma tal associação é uma verdadeira conspiração contra o Estado, que

devendo ser superior a tudo, vê-se embaraçado nesse conflito (...) ou é forçado a

conformar-se com as suas paixões, ficando os interesses da razão e da justiça

esquecidos e sacrificados (...), de sorte que a sociedade acha-se governada por

uma verdadeira oligarquia” (ALBUQUERQUE, 1854:111).

“Poder exclusivo e excepcional do Imperador”, o Poder Moderador consistia, por sua

vez, “no resumo das prerrogativas pessoais do monarca, e direitos essenciais não só para criar

todos os instrumentos de governo, mas também para pôr em movimento todas as molas,

digamos assim, preparadas pelos colégios eleitorais, e que organizam o corpo político”. Esse

poder deveria, portanto, ser encarado por um triplo ponto de vista: ele era o “único e

indivisível” depositário do Poder Executivo; era uma parte integrante do Poder Legislativo,

por conta do direito de veto; e, por fim, era “o moderador de todos os ramos do governo”.

Longe da Inglaterra em matéria de efetividade dos direitos, era justamente porque o povo

brasileiro era “de cera” - “maneável e propenso às instituições” - que o senador

pernambucano justificava o fortalecimento da Coroa; isto é, que fosse o Imperador “o seu

principal e essencial protetor e guarda dos seus direitos individuais, e os seus representantes,

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os imediatos intérpretes de suas necessidades, e com os quais o mesmo imperante se deve

ajustar para o grande fim da prosperidade pública” (ALBUQUERQUE, 1854: 26 39,41). A

consecução do progresso passava pela melhoria dos costumes públicos, pelo governo pessoal

da Coroa e pelo aperfeiçoamento das instituições a partir das lições políticas inglesas e dos

exemplos administrativos franceses.

Para os liberais no ostracismo, portanto, o combate ao conservadorismo exigia uma

adesão ainda mais rígida à concepção institucional monarquiana, do que a dos próprios

conservadores - o que demonstra o êxito inequívoco do modelo saquarema do

parlamentarismo tutelado pela Coroa. Chefiado pelo senador Marquês de Monte Alegre, quem

dava a tônica do governo conservador de 1848-1851 eram, na verdade, os deputados

fluminenses Paulino José Soares de Sousa, José Joaquim Rodrigues Torres e Eusébio de

Queirós Matoso Câmara - era a trindade saquarema, em que o primeiro fazia o papel de

intelectual ou doutrinário; o segundo representava a lavoura fluminense, e o terceiro, a

burocracia da Corte. O ministério mantinha o controle das eleições provinciais a fim de, pelo

alto, eleger bancadas dóceis e governistas, objetivo conseguido pela ativa intervenção dos

presidentes de província no pleito. Importada da França orleanista, essa prática havia sido

institucionalizada pelos liberais em 1840, quando impuseram a adesão do funcionalismo aos

candidatos governistas, sob pena de demissão. A interferência do governo era justificada pelo

argumento de que a luta entre a ordem e a liberdade continuava no interior do Estado e que

por isso poderia mobilizar seus recursos contra a oposição. A manipulação era facilitada pelo

sistema eleitoral, que tomava cada província como distrito único: como a apuração dos votos

se concentrava na respectiva capital, o governador esvaziava a influência da aristocracia local

em proveito dos candidatos da cúpula do partido. Era o que explicava então o deputado

conservador por Pernambuco, José Tomás Nabuco de Araújo (1813-1878):

“Se o governo no sistema representativo simboliza uma opinião política, é absurda

essa neutralidade do governo na eleição (...); é absurdo que o governo seja

estranho e indiferente ao triunfo da opinião pública de que depende a sua

existência. Essa neutralidade fora um dever de reciprocidade, se a oposição

também a guardasse, mas se a oposição luta para vencer e derrotar o governo,

como pode ser o governo ser impassível sem suicidar-se, sem obliterar o instinto

de sua própria conservação (...). O princípio da interferência do governo na

eleição (...) tem sido geralmente seguido por todos os partidos que têm estado no

poder, tem por si a autoridade e apoio dos homens mais eminentes do país não só

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de uma como de outra opinião política” (In: NABUCO, 1997: 140).

Outra força com que podia contar o gabinete para garantir a maioria parlamentar era a

Guarda Nacional que, reformada em 1850, passara para o comando do Ministro da Justiça e

servia para recrutar os adversários do governo. Por fim, também como na França orleanista, a

ausência de uma legislação que incompatibilizasse o funcionalismo público com o exercício

do mandato parlamentar permitia aos conservadores gozarem, tal como os coimbrões e

realistas, do apoio maciço da burocracia e, em especial, da magistratura, que dependia do

governo. Metade dos deputados gerais eleitos em 1850 era de burocratas, e mais de terço,

juízes. Do ponto de vista partidário, à exceção de um único deputado, a Câmara era toda

conservadora. Os chefes saquaremas entendiam que, naquele momento pelo menos, para

enfrentar o facciosismo das oligarquias liberais, a prioridade passava por fortalecer o governo

com bancadas disciplinadas. Era o que em 1852 reconhecia Paulino em carta a Firmino

Rodrigues Silva: “A oposição disputou aqui a eleição com grande fúria, e com grandes meios.

Batemo-la completamente porque estamos no governo. Se ela estivesse no governo teria

vencido completamente. Assim está o país, e assim é o sistema” (In: MASCARENHAS,

1961:172). Assim, se por um lado os saquaremas homenageavam as luzes do século,

expressas nos manuais de governo parlamentar; por outro, curvavam-se à realidade política,

forjando bancadas predispostas à situação e delas afastando os que, de braços com os

potentados rurais, teimavam em ameaçar a ordem com seu golpismo crônico.

Esse gabinete saquarema de quase quatro anos promulgou o Código Comercial,

resolveu questões platinas que se arrastavam desde o reinado de Pedro I, promulgou uma

reforma fundiária - a Lei de Terras - e aboliu o tráfico negreiro no ano da morte de

Vasconcelos (1850). Estes dois últimos feitos merecem alguma digressão, porque ilustram

como a linguagem monarquiana permitia aos conservadores, no limite, superar o discurso tory

de resistência às mudanças para operar reformas que favorecessem o Estado em detrimento da

aristocracia provincial. Posto que abandonasse a proposta coimbrã de atrair imigrantes pela

oferta de terras, o projeto da lei agrária determinava o pagamento de impostos territoriais

pelos fazendeiros e lhes impunha o ônus de arcar com a medição das terras, pressuposto para

a regularização de sua situação fundiária. Essas providências deveriam ser tomadas no prazo

de seis anos sob pena de reversão das terras ao domínio do Estado, isto é, da Coroa. Embora

correspondesse aos interesses da aristocracia fluminense, o projeto indica que os saquaremas

da Corte identificavam civilização com regulação do econômico pelo político. A lei era assim

uma tentativa drástica de, reconhecendo a hegemonia do mundo do campo, onde a aristocracia

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rural imperava sem contraste, trazê-la, todavia, para o mundo regulado pelo Estado nacional.

Não por acaso, os fazendeiros das outras províncias consideraram o projeto lesivo aos seus

interesses - especialmente aqueles situados em zonas de expansão agrícola, que desejavam

reproduzir em seu proveito o ideal da sociedade excludente e escravocrata (FRAGOSO,

2000:151). Ainda que não passasse de posseira, a aristocracia provincial se julgava ipso facto

proprietária da terra e se recusava a abrir mão de expandi-la à custa dos posseiros menores e

das terras indígenas. Por isso, futuros liberais da Revolta da Praieira como Joaquim Nunes

Machado (1809-1848) e Urbano Sabino Pessoa de Melo (1811-1870), rejeitavam como

atentatórias à propriedade todas as medidas saquaremas que implicavam reconhecer o Estado

como autoridade disciplinadora do mundo rural (CARVALHO, 1996: 310).

Por seu turno, frente à crise política gerada pela pressão inglesa, foi a razão de Estado

que justificou a decisão de decretar de vez o fim do tráfico negreiro, contrariando as medidas

protelatórias dos liberais, que propunham, como o Visconde de Albuquerque, negociar uma

cota fixa de importação lícita de africanos com a Inglaterra, e como Paula Sousa, para quem

não seria possível viver sem o tráfico de um dia para o outro e por isso propunha mais uma

vez adiar a decisão (ASI, 1º e 2/07/1850). O pensamento e a iniciativa da abolição couberam a

Paulino José Soares de Sousa, que se dizia movido por razões “de moral, de civilização, da

nossa própria segurança e de nossos filhos”. Como o Marquês de Caravelas, o futuro

Visconde de Uruguai entendia que, posto que pudesse “de produzir algum abalo”, a extinção

do tráfico poderia ser minorada pelo trabalho livre e pela imigração; que a medida constituía

uma razão de Estado e, como tal, estava acima de considerações legais e do discurso de

resistência à inovação. “Razão de Estado. Era preciso atacar vigorosamente o tráfico. A

morosidade e o rigor das formas judiciárias tornavam os tribunais judiciários menos próprios,

para conseguir esse fim com o vigor e presteza que convinham” (URUGUAI, 1960:72) 54. Foi

ainda a razão de Estado que desencadeou a inconstitucional coação exercida pelo governo

contra o Judiciário para assegurar a condenação dos traficantes e fazendeiros recalcitrantes,

contra o tráfico de influência e as relações de clientela entre a aristocracia rural e a

magistratura local. Capitaneado por Eusébio de Queirós, ministro da Justiça, o gabinete

conservador pressionou os desembargadores da Relação de Pernambuco por meio de

54 Numa consulta ao Conselho de Estado acerca do cabimento ou não de recurso de sentença condenatória de um escravo à morte, por homicídio consumado, Uruguai entendeu não apenas que o escravo era um homem como qualquer outro, como que, por isso, tinha ele os direitos de gozar das garantias processuais correspondentes. “Executar uma sentença de morte em um homem, porque enfim o escravo é homem, por uma sentença proferida em processo verbal e sumaríssimo; por um juiz singular, sem recurso algum, é o ato mais repugnante e a disposição que o consagrasse seria indigna de aparecer entre as leis de uma Nação cristã e civilizada” (ACE, 16/12/1854).

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aposentadorias, remoções e outras sanções para obrigá-los a pôr de lado o compadrio, dando

satisfações à opinião pública e ao governo britânico (PINHO, 1936:213/214).

4.2. As dissidências conservadoras sob a Conciliação e a formação da Liga Progressista.

O questionamento do modelo político saquarema durante a década de 1860.

No entanto, esmagado o Partido Liberal, parte da nova geração de deputados

conservadores, nascida na década de 1810 e ligada às províncias, começou a mostrar

descontentamento com a política regressista e centralizadora. Entendendo que, depois de

quatro anos de governo saquarema, estava consolidada a ordem contra a ameaça

revolucionária liberal, os conservadores moderados começaram a advogar a desconcentração

do poder decisório da cúpula do partido. Esta desconcentração deveria horizontalmente

beneficiar os liberais arrependidos, bem como os outros grupos do partido conservador, e,

verticalmente, a aristocracia provincial desde 1842 alijada de sua influência eleitoral. No que

tange ao primeiro aspecto, a centralização na cúpula do partido perdera a razão de ser desde

que a paz pública ficara assegurada; os ortodoxos deveriam franquear a administração a todas

as capacidades, independentemente de suas antigas filiações partidárias. A explicação

generalizada para um governo de coalizão ou conciliação era a de que a pacificação do país

tornara obsoleta a tensão entre autoridade e liberdade, que justificava a polarização partidária.

Liberais como Torres Homem eram os primeiros a declarar que os velhos partidos estavam

virtualmente extintos; entretanto, o conservador moderado José Tomás Nabuco de Araújo

também acreditava que um governo de coalizão haveria de expressar “a conciliação do

princípio conservador com o progresso refletido e justificado pela experiência; o princípio

conservador como base; o progresso que não é incompatível com o princípio conservador,

porque o princípio conservador não é a inércia, o abandono; não conserva quem não melhora”

(In: CARDIM, 1964:67, 72). Mais pragmático, o conservador moderado José Antônio Saraiva

(1823-1895) simplesmente definia a conciliação como “a política que respeita todos os

direitos, acata todos os interesses legítimos, e que dá ao mérito daqueles que têm opiniões

diversas o apreço que deve sempre merecer" (SARAIVA, 1978:13).

Quanto às relações entre as províncias e a Corte, os moderados também

reivindicavam o abrandamento da centralização política, administrativa e eleitoral imposta em

nome da influência civilizadora da capital, justificada por Cachoeira, Cairu ou Vasconcelos.

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Era o caso, por exemplo, de um deputado conservador que já “censurava sem ciúmes a

preferência dada à Corte, ao município neutro, na distribuição dos favores e serviços

custeados pelos cofres gerais” (PINHO, 1936:337). Uma vez que as elites das demais

províncias também tinham o direito de se fazer representar junto ao governo geral, era preciso

que se lhes restituísse a influência eleitoral que estava concentrada nas mãos dos

governadores nomeados. Esse antagonismo se revelava nas cartas trocadas entre Monte

Alegre e Nabuco de Araújo, então presidente de São Paulo. Enquanto o Presidente do

Conselho lhe instruía para que fizesse o possível para garantir a vitória do governo naquela

província, o governador lhe respondia: “O princípio da autoridade vale tudo no Brasil, pode

muito aqui, mas V. Exa. há de concordar comigo que não é tão absoluto esse pressuposto que

chegue à imposição e ao exclusivismo, até o ponto de alienar-se o governo de todos, de

prescindir de todos” (NABUCO, 1997: 134). Num discurso conhecido como A Ponte de

Ouro, Nabuco de Araújo deu na Câmara publicidade a esse ponto de vista:

“Senhor Presidente, queixamo-nos, e entendo que com razão, dessa política de

desconfiança e prevenções contra todas as influências do partido da Ordem em

Pernambuco (...). Quais são as influências que se têm como exageradas,

intolerantes e perniciosas? Essas influências, senhores, são os homens que, pela

sua riqueza, pela sua posição, pela sua propriedade, são interessados na ordem

pública e estão identificados com a monarquia e com as instituições do país; são

os homens que por seus serviços e tradições deviam merecer do governo imperial

toda a consideração. Senhores, essas influências são exageradas? Pois bem,

corrigi, neutralizai, refreai suas tendências, incompatíveis com as condições da

sociedade civil, mas vede bem (...), a missão do governo, e principalmente do

governo que representa o princípio conservador, não é guerrear e exterminar

famílias, antipatizar com nomes, destruir influências que se fundam na grande

propriedade, na riqueza, nas importâncias sociais; a missão de um governo

conservador deve ser aproveitar essas influências no interesse público, dando-lhes

prova de confiança para que possa dominá-las, dirigi-las e neutralizar as suas

exagerações. Se representais o princípio conservador, como quereis destruir a

influência que se funda na grande propriedade?” (In: NABUCO, 1997: 154).

O desafio dos conservadores moderados foi mal recebido pela velha guarda - a esta

altura, já alcunhada de puritana, vermelha ou emperrada. Os ortodoxos combatiam a idéia de

conciliação, entendendo que o antagonismo político era positivo e não poderia ser eliminado.

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“Não me consta que haja algum país no mundo regido pelo sistema representativo, cujos

gabinetes tenham sabido conciliar os interesses de todos os cidadãos e o antagonismo de todas

as opiniões políticas”, afirmava Rodrigues Torres. “Vejo em todos eles, e em todas as épocas,

uma oposição mais ou menos veemente, mais ou menos numerosa” (In: PINHO, 1936:392).

Dado inarredável da política por conta do pluralismo da sociedade moderna, Paulino Soares

de Sousa também entendia, à maneira doutrinária, que cabia ao Estado receber a sociedade tal

qual ela era e com ela interagir a partir de seus próprios recursos intelectuais: “Conciliar é

fazer concordar pessoas divididas por opiniões e interesses. Há sempre na sociedade

interesses que não se pode fazer concordar; há sempre opiniões que não é possível homologar.

(...) Há na sociedade humana uma ebulição constante que tende a transformá-la. Não está no

poder do governo fazer a sociedade como ele entende; há de recebê-la tal qual ela é” (In:

SOARES DE SOUSA, 1944:571). Eusébio de Queirós também achava a idéia de fundir os

partidos era própria de quem não entendia “o mecanismo do governo constitucional” (ACD,

15/05/1844). Os saquaremas puritanos só admitiam a transação ou conciliação no plano das

idéias; nunca no plano das pessoas: como, no Brasil, a disciplina partidária só podia ser

mantida do alto, o baralhamento do quadro partidário enfraqueceria a disciplina e rebaixaria o

padrão do debate político. Daí que o futuro Barão de Cotegipe, deputado João Maurício

Wanderley, afirmava esperar melhores resultados de uma luta menos pessoal, decorrente da

alternância dos moderados dos dois partidos no poder, do que de um governo de coalizão que,

neste caso, seria o mesmo logração (In: NABUCO, 1997:158).

A melhor resposta às críticas puritanas foi a publicação, em 1855, do opúsculo Ação,

Reação e Transação: Duas Palavras sobre a Atualidade Política, da autoria de Justiniano

José da Rocha (1812-1863). Mas ele fizera uma trajetória nada retilínea para chegar a essa

conclusão. Tendo se oposto à proposta de conciliação dos liberais em 1844, Justiniano

escrevera das páginas do jornal conservador O Brasil que “a conciliação em política nunca

pode ser obra dos homens, é o tempo o único que a pode realizar”; não seria possível “o

esquecimento dos ódios, a renúncia às esperanças, a apostasia dos princípios” enquanto

houvesse antagonismo de princípios (In: CARDIM, 1964:69). Depois de quatro anos longe do

poder, porém, Justiniano já vislumbrara a pacificação dos espíritos. No artigo Ação e Reação,

de 1848, ele se valia do conceito de progresso para interpretar os acontecimentos políticos

como resultantes da luta do elemento monárquico, associado aos princípios da unidade, do

governo, da ordem ou da autoridade, com o elemento democrático, associado aos da

pluralidade, do progresso ou da liberdade, ou da sociedade. Neste quadro, o reinado de Pedro

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I era qualificado como uma fase de combate ocasionado pela inexperiência dos partidos, ao

passo que o predomínio do movimento durante a Regência exprimira o triunfo da ação, isto é,

de da democracia sobre a monarquia. Marcado pelas leis que desconcentraram o poder contra

a Coroa e a Corte, esse empuxo no caminho do progresso trouxera, todavia, revezes à ordem

pública, ameaçada pela desagregação social e territorial. Daí que, face dos excessos da

liberdade, o regresso conservador representara a reação do princípio da autoridade. Justiniano

esperava que, ao garantir a lisura das eleições e uma resolução neutra dos conflitos

partidários, um Judiciário bem organizado pusesse fim aos efeitos deletérios do combate entre

a liberdade e autoridade (CARDIM, 1964:78). Seis anos depois o jornalista acrescentou uma

terceira parte denominada transação, possibilidade de síntese à luta entre a liberdade e a

autoridade, que visava a fazer a defesa da idéia de conciliação. Criticando os excessos dos

puritanos, Justiniano defendia em seu opúsculo um meio termo que revivificasse a sociedade

e as províncias, asfixiadas pela reação governamental – ainda que eventualmente discordasse

do modo como, na prática, a conciliação vinha sendo implementada por Paraná55. Um

governo de coalizão sob o predomínio conservador, adequadamente efetuada, no plano das

idéias, materializaria o compromisso entre os dois princípios e, por extensão, dos elementos

por eles representados. Mais do que retórica, o esquema de Justiniano entranhou-se na própria

concepção brasileira de se pensar o tempo político56.

“O estudo refletido da história nos patenteia uma verdade, igualmente

demonstrada pela razão e pela ciência do político demonstrada. Na luta eterna da

autoridade com a liberdade há períodos de ação; períodos de reação, por fim,

55 Em seu artigo Ação, Reação e Transação: a pena de aluguel e a historiografia, Lúcia Maria Paschoal Guimarães propõe abordar o opúsculo de Justiniano conforme o contextualismo de Quentin Skinner, chegando a interessantes resultados. Embora discorde de sua hipótese de que o senador Nabuco de Araújo seja possivelmente co-autor da obra – mesmo porque, como vimos, ele resultou da adição de passagens diferentes, escritas em épocas diferentes -, é muito possível que, conforme a autora aventa, o conservador moderado, então ministro da Justiça, tivesse suas diferenças em relação a Paraná e, por isso, tenha instigado Justiniano a elogiar a conciliação como princípio, criticando porém a direção que lhe imprimia o Presidente do Conselho. As razões dessa discordância talvez sejam aquelas constantes do discurso com que, na Câmara, Justiniano atacou Paraná – a continuada tutela que o saquarema continuava a exercer sobre a economia: “Deixe o ministério na liberdade de seus interesses, deixe a indústria na liberdade de seus cálculos, não apresente por toda a parte um contrato e um subsídio; não faça regulamentos sobre regulamentos, contratos e mais contratos, ajustes e mais ajustes (...). Toda a vez que o governo intervém e quer ser o tutor da indústria, expõe-se a gravíssimos riscos; é mau o governo que muito quer governar...” (In: GUIMARÃES, 2007:80). Veremos que o cerne da crítica dos conservadores moderados das províncias aos puritanos era exatamente o predomínio do político sobre o econômico, que incomodava o setor produtivo. 56 Quando subiu o gabinete do marquês de São Vicente, quinze anos depois, escreveu o agora senador Nabuco de Araújo: “O ministério de 19 de setembro não agradou nem a gregos nem a troianos, e a razão é de intuição – a época não é mais de conciliação, mas de ação e reação” (In: NABUCO, 1997:814). A fórmula dialética proposta por Justiniano tornou-se uma variante da filosofia da história liberal, a ponto de Joaquim Nabuco assinalar que o pai tinha nela “a certeza, a força de uma lei política necessária, como para o positivista a lei dos três estados” (NABUCO, 1997:814).

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períodos de transação em que se realiza o progresso do espírito humano, e se

firma a conquista da civilização. As constituições modernas mesmas não são

senão o trabalho definitivo dos períodos de transação. Chegados os povos à fase

em que a reação não pode progredir, em que a ação esmorece, cumpre que a

sabedoria dos seus governantes a reconheça, aí pare, e pelo estudo da sociedade

descubra os meios de trazer a um justo equilíbrio os princípios e elementos que

haviam lutado. (...) A fase da transação é, pois, a que exige mais prudência, mais

tino, mais devoção nos estadistas a quem é confiada a força governamental”

(ROCHA, 1956:163).

Nesse embate, desempenhou papel central a vontade da Coroa; não à toa, ao fazer a

defesa da Conciliação, o Marquês de Olinda declarara que ela havia sido “proclamada do alto

do trono” para “fazer tender os espíritos para a concórdia e a moderação” (ACD, 6/5/1857).

Dom Pedro II via a Conciliação ou política de justiça e moderação como uma oportunidade

de reorganizar o sistema através de reformas que estabelecessem eleições honestas e

regulares; que espelhassem a vontade do eleitorado e criassem partidos mais voltados para o

progresso nacional. Para isso, era preciso atender às reivindicações da oposição, como uma lei

de organização judiciária que separasse as atribuições policiais das jurisdicionais (PEDRO II,

1956:17/20). Era uma empreitada para a qual os emperrados pareciam melhor aparelhados

que os liberais – eles, que nos últimos três gabinetes vinham comprovando sua larga

competência. Aquiescendo à vontade da Coroa, a retirada do primeiro ministério de

Rodrigues Torres, em 1853, permitiu chamar à Presidência do Conselho Honório Hermeto

Carneiro Leão, agora Marquês de Paraná. Oriundo da ala puritana dos conservadores, mas

afastado do último gabinete em missão diplomática, Paraná foi encarregado pelo monarca de

chefiar um ministério que, superando as antigas rivalidades partidárias, não comprometesse,

porém, a ascendência ideológica conservadora57. No fundo, o que o Imperador queria era a

continuidade da direção saquarema, aberta a administração, todavia, à participação de um

maior número de políticos representativos de outros interesses. Ou seja, direção saquarema

sem exclusivismo político. Não por acaso, enquanto Paraná apresentava às câmaras seu

programa conciliador, Pedro II aprimorava seu papel de inspetor do sistema constitucional,

distribuindo, no primeiro despacho coletivo, um código de conduta aos novos ministros: “O

57 Para Paraná, havia largo campo entre antigos conservadores e liberais para o entendimento político: “O gabinete nada tem com o tempo passado, os seus membros não se consideram nem como luzias, nem como saquaremas... Portanto, aqueles que se apóiam e compartilham o pensamento do ministério são ministerialistas, qualquer que tenha sido, ou seja, o seu partido” (In: PINHO, 1956:357).

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ministro que se desculpar com meu nome será demitido”; “Nada se revelará do que se passar

em despacho”, “Nem se lavrarão decretos antes da decisão do Conselho”, “Todas as decisões

que não forem d’expediente serão tomadas em despacho; contudo o Presidente do Conselho

ou os ministros respectivos poderão tratar comigo individualmente de qualquer negócio” (In:

PINHO, 1956:355).

A década de 1850 foi assim o período áureo do modelo político saquarema e, com

ele, o do mais largo e incontestado prestígio político da monarquia entre as camadas

dirigentes do país. Não era apenas o senador Almeida e Albuquerque que entoava loas ao

Imperador. O mesmo fazia o ex-liberal Torres Homem, que agora se penitenciava por ter

atacado o “mais justo dos soberanos”; e o saquarema moderado José Antônio Saraiva que, em

apoio à Conciliação, declarava que “felizmente para o meu país, os ministros encontrarão

sempre acima de si uma influência salutar, sempre inclinada ao bem, sempre desejosa de

evitar o mal, porém bastante ilustrada para aceitar todas as observações justas, respeitar todas

as convicções sinceras” (In: NABUCO, 1997:388). Ao promover a Conciliação, José de

Alencar encetava “a grande obra da regeneração política do país” (ALENCAR, 1956:263). O

gabinete Paraná propôs medidas que devolvessem à aristocracia provincial parte do prestígio

perdido, isto é, que tirassem do governo geral o monopólio da representação nacional para

devolvê-la ao país ou à sociedade. A primeira visava a enfraquecer a máquina eleitoral do

governo, que lhe permitia formar bancadas parlamentares feitas de “deputados de enxurrada”.

A solução passava por dividir as províncias em distritos menores, os chamados círculos.

Elegendo cada círculo um deputado, longe da capital provincial, a reforma restabeleceria

parte da força dos proprietários locais, perdida com a política estatocêntrica dos saquaremas58.

A segunda medida da Conciliação passava pelo afastamento dos magistrados e outros

burocratas provinciais do Parlamento. Esse intento seria conseguido pelo estabelecimento de

incompatibilidades eleitorais entre a função legislativa e outras, de caráter judiciário e

administrativo. O último ponto da agenda era uma reforma judiciária que, separando as

funções policiais das judicantes, reduzisse a influência do Ministro da Justiça para reforçar o

terceiro poder como instância de resolução de conflitos nas localidades.

Os três projetos de lei foram apoiados no Senado por conservadores moderados e

sobreviventes do movimento, como Vergueiro, para quem eles trariam maior equilíbrio da

balança política. No entanto, os projetos enfrentaram terrível oposição dos puritanos, que 58 Esta não era pessoalmente a opção de Nabuco de Araújo, ministro da Justiça, que preferia um meio termo entre influência governamental e local, na forma de círculos de três deputados - era Paraná quem, inspirado pelo Imperador, queria “a fisionomia fiel e exata do país no Parlamento” (NABUCO, 1997:207).

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recorreram ao arsenal doutrinário e monarquiano para o combate. Porque entendiam que a

vontade da maioria só exprimia a soberania quando racional, os saquaremas vermelhos

declaravam que a identidade quantitativa entre a representação política e a base eleitoral não

constituía garantia de governo legítimo. Para os puritanos, o desafio da política era conjugar a

legitimidade do sistema representativo com a qualidade da representação. A tentativa de

estabelecer uma relação de transparência da representação nacional com a base eleitoral local

era criticada por eles como um artifício para entregar o poder, não a uma aristocracia de

mérito, como era a da Corte, mas a oligarquias rurais bárbaras do interior, que recusavam a

autoridade do Estado. Além disso, na medida em que a magistratura era o principal suporte

burocrático dos conservadores, sua progressiva retirada de cena enfraqueceria o governo em

benefício do representante do alto comércio e da grande propriedade rural – o bacharel

(CARVALHO, 1996). Os saquaremas puros argumentavam que, desde que revelara políticos

como Caravelas, Vasconcelos, Paulino, Eusébio, Nabuco e Wanderley, a magistratura se

tornara o grande viveiro político do país; o segmento social mais bem aparelhado para

enfrentar, com sua capacidade intelectual e seu espírito público, o particularismo ingênito da

sociedade brasileira. Além de privar a política de seus melhores quadros, a projetada reforma

judiciária destruiria a máquina policial montada em 1841, entronizando nas localidades um

juiz isolado, que não disporia de qualquer meio de exercer efetivamente sua autoridade

(NABUCO, 1997: 190). Eusébio de Queirós, em particular, reiterava o argumento de que

entregar o país ao país significaria entregar o país aos potentados locais:

“No sistema atual, as influências que decidem são as de primeira ordem e

apresentam por isso mais garantias de acerto; não só têm mais habilitações para

escolher bem, mas, e é esta a primeira razão, elas não atuam imediatamente sobre

as massas, não exercem um predomínio; não impõe a sua vontade como um

preceito do senhor; tem a necessidade de dirigir-se às influências das localidades

que, embora menos importantes, querem que se fale à sua razão; não aceitam

ordens, mas conselhos. Assim, se essas influências maiores, esquecendo a razão

por que os outros confiam na sua escolha, substituem o verdadeiro merecimento

pela afilhadagem; se apresentam indivíduos que não podem competir com os

outros candidatos rejeitados, essas influências serão perdidas imediatamente,

porque as secundárias, vítimas uma vez desse abuso de confiança, procurarão

entender-se entre si, criar novos centros, e o resultado será a perda dessa

influência de que se abusou. A influência das localidades, pelo contrário, atua

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imediatamente sobre as massas, e muitas vezes esse seu predomínio não se funda

na estima (...), funda-se em atos de verdadeira prepotência, e quanto mais se

respeita o prepotente, capaz de cometer crimes; quanto maior é o cinismo com que

se apresenta à testa de miseráveis bandidos, tanto maior é o terror que ele inspira,

tanto maior é o domínio que exerce sobre as localidades. (...) Ora, admitindo as

eleições por círculos, estará livre a representação social de descer a esse grau da

escala social?” (In: PINHO, 1936:524/525).

Além disso, o enfraquecimento do poder eleitoral do governo nacional criaria

crescentes dificuldades administrativas, quando o progresso social dependia da direção que o

Estado imprimia à sociedade. Além de despertar ambições adormecidas, as reformas do

gabinete Paraná aumentariam o interesse individual, agravando os inconvenientes do

partidarismo. Diante da retração do governo, as facções voltariam a mostrar seu atrevimento,

projetando os malefícios da política local sobre a nacional. Ao invés de nomes nacionalmente

consagrados, as reformas eleitorais e judiciárias trariam à Câmara “os empregados

subalternos, as notabilidades de aldeia, os protegidos de alguma influência local”. Por fim,

alegava Eusébio, numa sociedade privatizada pelo latifúndio e carente de meios de

comunicação, o reforço da aristocracia rural se faria em detrimento da disciplina e da

consistência ideológica dos partidos (In: PINHO, 1936:524/525).

Presidida pelo deputado e diplomata Sérgio Teixeira de Macedo (1809-1867), a

Comissão de Constituição da Câmara dos Deputados fez-se eco dos argumentos de Eusébio.

Ela argumentava que, do jeito que as coisas estavam, a influência dos poderosos nos

resultados eleitorais era muito limitada. Como os aristocratas rurais eram incapazes de eleger

os seus candidatos sozinhos, eles tinham de transacionar com “os homens importantes de

outras localidades, e mais que tudo, da capital da província”, ou seja, do governo nacional.

Esta interferência do governo geral era civilizadora, porque diminuía a pressão dos

proprietários sobre os eleitores e os obrigava a aceitar candidatos comprometidos com a obra

de construção nacional de que era a Coroa a grande avalista. Uma vez emancipados pela lei

dos círculos da dependência de seus pares e do governo nacional, representado na capital pelo

presidente de província, os fazendeiros duplicariam sua força e, com ela, a opressão exercida

sobre o eleitorado - com a desvantagem adicional de que os candidatos eleitos seriam

paroquiais, incultos e insubmissos à disciplina partidária; com isso, os partidos ficariam

fragilizados como instrumentos de governo e o país ficaria privado dos meios necessários às

reformas de que carecia. Eis porque a comissão se dizia persuadida de que “os círculos

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projetados, conservada a eleição indireta, e sem difundir-se convenientemente a instrução pelo

país, tendem a sufocar a liberdade do voto, dando somente nova força e vigor às influências

menos legítimas, por isso que, em geral, têm menos capacidade e ilustração” (In: PINTO,

1983: 221/222). Por conta das resistências dos vermelhos, a reforma judiciária de Nabuco de

Araújo fracassou; no entanto, coagindo os deputados, Paraná conseguiu aprovar a reforma

eleitoral – a Lei dos Círculos -, que criou incompatibilidades eleitorais para a burocracia

provincial e efetivamente reduziu o controle dos governadores sobre os coronéis.

A esse primeiro estremecimento entre a cúpula conservadora e as lideranças

moderadas, seguiu-se em 1858 a famosa polêmica financeira entre o liberal Bernardo de

Sousa Franco (1805-1875) e o já conservador Francisco Sales Torres Homem. Os puritanos

viam no protecionismo alfandegário um meio de aumentar a arrecadação do Estado e de

defender o mercado interno da concorrência inglesa. Friedrich List (1789-1846) era o

principal expoente internacional da escola que, em nome da soberania nacional, pretendia

superar o livre cambismo para desenvolver a industrialização. Idéias similares pipocaram em

autores franceses como Antoine Chaptal (1756-1832) e Charles Dupin (1784-1873). Numa

vertente mais pragmática, também havia em Portugal quem entendesse que o Estado deveria

chamar as artes quando elas não viessem espontaneamente - como José Acúrcio das Neves

(1766-1834), pioneiro dos estudos econômicos e industriais daquele país. O mesmo se dava

no Brasil. Diretor do Museu Nacional e membro da Sociedade Auxiliadora da Indústria

Nacional, para João da Silva Caldeira a real independência política viria somente da

diversificação econômica decorrente da industrialização. Ligado ao café fluminense, o próprio

Rodrigues Torres, agora Visconde de Itaboraí, reconhecia que “nenhuma nação podia ser

verdadeiramente independente e fazer grandes progressos se ficar limitada, com o Brasil,

quase exclusivamente, a produzir matérias brutas ou gêneros que não acham consumo senão

nos mercados estrangeiros” (In: OLIVEIRA, 2001:142). Entretanto, vinculados ou buscando

o apoio da agricultura provincial, os conservadores moderados e liberais acusavam a política

puritana de intervencionista e restritiva do crédito, e de provocar, por meio de privilégios e

taxas, uma industrialização artificial em detrimento da autêntica vocação brasileira - a lavoura

monocultora (BEIGUELMAN, 1976:100 e 104). Deslocada a polêmica para o terreno da

economia, persistia a oposição entre os interesses da Corte, monárquica, estatizante,

civilizadora, ortodoxa, e os das províncias, democráticas, privadas, liberais e moderadas.

Por intermédio de João Maurício Wanderley, ministro da Fazenda e futuro Barão de

Cotegipe (1815-1889), o gabinete de Paraná cedeu à oposição promovida pela grande

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propriedade e pelo comércio de importação à política de fomento às indústrias, reduzindo à

metade o percentual das tarifas Alves Branco (SOARES, 2002:296). Desmanchado o primeiro

gabinete da Conciliação com a morte de Paraná, e diante da recusa de Eusébio em substituí-lo,

foi o Marquês de Olinda quem convidou Sousa Franco para a pasta da Fazenda. Apoiado

pelos moderados e pelos liberais, pretendendo expandir o crédito em proveito da lavoura,

Sousa Franco acabou com o monopólio de emissão do Banco do Brasil e autorizou o

funcionamento de cinco novas instituições nas províncias com o poder de emitir moeda.

Pouco depois eclodiu uma crise bancária, atribuída por Torres Homem à política liberal de

“encher o país de papel-moeda”. O futuro Visconde de Inhomirim encampava o receituário

econômico de Itaboraí, para quem somente o controle monetário permitiria a manutenção do

câmbio e, portanto, da economia exportadora59. Diante da demissão do ministério, Pedro II

convidou Paulino José Soares de Sousa, Visconde de Uruguai, para assumir a Presidência do

Conselho (In: ALMEIDA, 1944:91). Com sua recusa, foi convocado o Visconde de Abaeté

que, para o desgosto dos moderados, substituiu Sousa Franco na Fazenda, nomeando Torres

Homem em seu lugar. O novo ministro propôs uma lei que previa a conversibilidade das notas

do Banco do Brasil e a proibição de novas emissões pelos bancos provinciais, que - na esteira

da linha de tutela saquarema do político sobre o econômico - deveriam ainda receber um

inspetor do governo.

As divergências entre vermelhos e moderados se tornaram irreversíveis em 1860. A

primeira razão foi a tentativa puritana de afrouxar o a Lei dos Círculos, em nome da

prevalência do interesse público geral sobre o privado provincial, alterando o número de

deputados em cada distrito de um para três. A formação de um novo gabinete chefiado pelo

braço armado dos saquaremas, o Marquês de Caxias, insinuava uma contra-ofensiva destinada

para dar macha à ré ao processo de recuperação da aristocracia rural. Tendo já criticado o

círculo único quando membro da comissão de Constituição da Câmara, o referido deputado

puritano Sérgio Teixeira de Macedo justificava seu projeto de introdução do círculo de três

deputados no argumento de que a reforma promovida por Paraná tivera por efeito “o

predomínio que vai obtendo o interesse individual sobre o interesse coletivo”; quando, em sua

opinião, “o absolutismo dos interesses coletivos” era “sempre menos funesto que o

59 Para a Escola das Contrapartidas Metálicas, a regulação do fluxo de dinheiro deveria corresponder a uma contrapartida metálica (no caso, o ouro), devendo-se manter um equilíbrio entre a emissão de papel-moeda e o movimento de entrada e saída daquele metal. Por seu turno, a Escola Bancária argumentava que o mercado regularia o volume de papel-moeda: como este era conversível em ouro, não havia necessidade de regulamentar sua emissão; a demanda seria atendida pela expansão dos depósitos bancários, prevenindo a conversibilidade qualquer excesso. O debate terminou na Inglaterra com a vitória da primeira escola, quando uma lei de Robert Peel (1844) reafirmou o padrão-ouro e converteu o Banco da Inglaterra num Banco Central. (POLANYI, 1980).

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desvairamento dos interesses individuais”. Se, no regime eleitoral antigo, “as chapas eleitorais

excluíam pessoa de inteligência e serviços notáveis”, essa exclusão se fundava ao menos “na

necessidade da defesa de um grande interesse coletivo, ou de um princípio”. Com o novo

regime eleitoral de círculo único, “a exclusão do merecimento, dos serviços, da virtude e do

patriotismo é aconselhada freqüentemente e, quase sempre, por uma estreita oligarquia

eleitoral, em nome dos interesses de família, da amizade particular, ou de qualquer sentimento

acanhado e adverso às conveniências do Estado” (In: PINTO, 1983:244/246). E o projeto dos

três círculos foi aprovado, contra a vontade dos conservadores moderados.

Entretanto, o fator que definiu a mudança do quadro partidário foi o retorno, nas

eleições de 1860, dos descendentes dos velhos liberais, de linguagem republicana clássica,

que haviam predominado durante a Regência no movimento e que se afastara da política em

1848. Apresentando-se na sua famosa Circular aos Eleitores de Minas como vítima de

perseguição, Teófilo Benedito Otoni (1807-1869) se iniciara politicamente com um amigo

que, “republicano convicto e intransigente”, traduzira o Contrato Social de Rousseau e o

fizera ler os “publicistas e filósofos da época de Voltaire, história da Revolução Francesa,

choix de rapports, opinions et discours do parlamento instalado em 1789” (OTONI, 1983:28).

Com esses rescaldos da tradição republicana clássica, Teófilo Otoni afirmava seguir “a praxe

dos antigos” ao explicar os atos de sua carreira pública aos eleitores e sublinhar a virtude e a

modéstia de sua vida privada no campo – quando, ao contrário, a Corte era uma cidade do

vício e da corrupção, uma “Babilônia”. De volta à política, ele retomava o mesmo discurso da

década de 1840, resumido a quatro pontos: a defesa do movimento de 7 de Abril de 1831 que,

frustrado pelos moderados, objetivara o “estabelecimento do governo do povo por si mesmo,

na significação mais lata da palavra”; o elogio do Ato Adicional, estragado depois pelas leis

regressistas; a crítica à vitaliciedade do Senado e do Conselho de Estado; e, por fim, a defesa

assumida da “eleição do campanário”, ou seja, da lei de círculo único promovida por Paraná.

Sempre que podia, Otoni atacava furiosamente a oligarquia saquarema - “grupo de homens

que associaram a sua influência e a sua inteligência, para explorar em proveito próprio o

Segundo Reinado” - e o governo pessoal do Imperador. Para tanto, desqualificava as

expressões monarquianas incrustadas na Constituição: “Moderador, Defensor Perpétuo,

chave da organização política, são palavras sesquipedais, que às vezes têm préstimo nas

circunstâncias em que são inventadas, e que são nulas em tempos normais” (OTONI, 1916:57,

59, 69, 247, 154, 89).

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Otoni e os demais históricos se apresentavam, assim, como legatários do liberalismo

do movimento e, por extensão, da bancada brasiliense da época da Independência e do reinado

de Dom Pedro I. Alijados da política desde 1848, eles voltaram com estrondo, promovendo

polêmicas em torno de temas como o da dissolução da Constituinte de 1823 e do papel

histórico de Pedro I. O objetivo era reiterar a interpretação luzia da Independência como um

ato frustrado de emancipação do povo brasileiro, e fixar a idéia de que o país desde então

vinha sendo governado pela mão de ferro do despotismo monárquico. Enaltecendo em seu

lugar a figura de Tiradentes, Teófilo Otoni e Pedro Luís insistiam que a estátua de Pedro I era

uma tentativa de mitificar um déspota; uma “mentira de bronze”. Em A Constituinte perante a

História, Francisco Inácio Homem de Melo (1837-1918) sustentava que a dissolução daquela

assembléia teria sido um ato gratuito de violência, pois que a própria Constituição tivera como

principal referência o anteprojeto Antônio Carlos (HOMEM DE MELO, 1996). Inversamente,

Firmino Rodrigues Silva e José de Alencar requentaram as teses coimbrãs na forma de uma

historiografia saquarema, para a qual a independência sob Pedro I garantira a ordem política e

a unidade nacional, e que a dissolução da assembléia teria sido um mal necessário para

prevenir a ascensão das facções. Na polêmica da inauguração da estátua, coube ao senador

conservador Firmino Rodrigues Silva fazer a defesa da obra dos coimbrões, ao alegar que o

primeiro Imperador se tornara “um centro de ação e de ordem; para ele voltaram-se as vistas

de todas as províncias; e ante ele desapareceram todos os ciúmes de preeminências. (...) A

nova Nação queria o Brasil unido, o Brasil um só sob os auspícios de um Governo, do qual se

tinha a esperar tranqüilidade e prosperidade para o país” (In: MASCARENHAS, 1961: 250).

Das páginas do Jornal do Comércio o conservador José de Alencar também refutou os

liberais históricos: fora a Constituinte quem provocara o conflito contra a Coroa ao exorbitar

suas funções. A dissolução evitara “graves calamidades que resultariam para o país”, abrindo

caminho para a outorga de uma Constituição mais liberal do que o “perigoso e inexeqüível”

projeto da assembléia (ALENCAR, 1863:112).

Isso não era tudo. Em Os Cortesãos e a Viagem do Imperador, o deputado Landulfo

Medrado (falecido em 1860) criticava a monarquia brasileira por se enamorar das pompas e se

cercar da cortesania típica da Europa, quando o ambiente americano em que se achava o

Brasil recomendava, ao contrário, uma monarquia democrática, despida do poder pessoal do

Imperador e cujo poder residisse na Câmara dos Deputados. Para tanto, Medrado propunha

um regresso, desta vez liberal, que anulasse a Lei de Interpretação do Ato Adicional e

suprimisse novamente o Conselho de Estado. Em favor dos saquaremas veio a pena do velho

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Justiniano José da Rocha, que em Monarquia e Democracia reafirmava a natureza

parlamentar da monarquia brasileira, tal como concebida por Guizot, e negava, por isso, que a

Coroa se cercasse de cortesãos: “O monarca deve entrar com o seu pensamento, com a sua

representação da permanência e da estabilidade do governo do país; é ele enfim o chefe do

Poder Executivo, o depositário do Poder Moderador”. (In: BARBOSA, 2007:162). Araújo

Porto Alegre também condenou a terapêutica de Medrado: “Li a miséria republicana do Sr.

Landulfo Medrado, e deplorei o haver ele misturado com teorias absurdas, caducas e ilógicas,

algumas verdades sobre o nosso Estado político moral e a corrupção recíproca dos altos

poderes. (...) O Landulfo é da laia lógica de outro republicano, que quer emprego vitalício,

escolhido pela Coroa e com o tratamento de excelência!”. E aproveitava para reprovar os

críticos da monarquia: “É um verdadeiro candomblé africano este nosso areópago de

regeneradores da espécie humana, que ainda querem república no Brasil, onde a tolerância

individual toma todas as formas da vaidade do mais alto grau de estultícia” (PORTO

ALEGRE, 1995:105/106). Os históricos perseveram, todavia. Reagindo à queda do único

ministério com que haviam se identificado, os liberais históricos lançaram uma biografia do

Ex-presidente do Conselho - O Conselheiro Francisco José Furtado - que servia, na verdade,

de denúncia do poder pessoal. Entendido como “a inconstitucional aspiração ao poder

absoluto num país livre e americano, que anulava a influência nacional representada pelo

Parlamento”, o governo pessoal ou imperialismo era considerado por seu autor, o deputado

histórico Tito Franco de Almeida (1829-1899), a única causa da decadência política e social

do país (ALMEIDA, 1944: 12/13).

Alertados pelo ressurgimento da esquerda liberal, com que não podiam nem queriam

se confundir, mas incapazes de se reconciliar com a direita puritana; temerosos de perderem

espaço como alternativa de poder, os conservadores moderados resolveram formar um partido

de centro, a Liga ou Partido Progressista, que daria continuidade ao espírito da Conciliação.

Em carta a Saraiva, Nabuco de Araújo frisava a necessidade de um partido centrista,

monarquista e progressista: “Os vermelhos se constituíram em consistório e dispõem como

querem do governo, que os vai acompanhando como eles e para onde o levam. Se o partido

popular se não organizar como convém, a situação correrá para o Otoni, e não haverá meio

termo: ou a oligarquia ou a revolução” (In: NABUCO, 1997:419). Ao se interporem entre a

“oligarquia” saquarema e a “revolução” dos históricos, os progressistas representariam o

equilíbrio da autoridade ou ordem e de liberdade ou progresso. Assim era que Nabuco de

Araújo elevava à categoria de doutrina a tese que embasara a Conciliação – a do anacronismo

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da oposição partidária: “Não é possível mais que tenhamos partidos duradouros,

transmissíveis; os nossos partidos não podem nascer senão com as questões da atualidade para

com ela morrerem. Esses partidos de eras passadas, não os achareis senão nos países onde

ainda há interesses heterogêneos de classes. Os partidos cessam quando cessa a sua razão de

ser...” (NABUCO, 1997:418). Aureliano Tavares Bastos (1838-1875), menino-prodígio dos

progressistas, repetia que depois da “anacrônica” Praieira, o Partido Liberal estava

“enterrado”; depois da Lei dos Círculos, o Conservador estava “em completa dissolução”

(TAVARES BASTOS, 1976:33/34). O Partido Progressista expressaria a síntese política que

superaria, enfim, as contradições e conflitos decorrentes dos princípios saquaremas e luzias:

“Conservador e liberal, monarquista e democrata, católico e protestante, eu tenho

por base de todas as minhas convicções a contradição (...) entre duas idéias que na

aparência se repelem, mas na realidade se completam, a contradição, finalmente,

que se resolve na harmonia dos contrastes. Eu declaro francamente que não

sacrifico à lógica das teorias extremas. Guio-me pelos fatos, combino os opostos,

encadeio as analogias e construo a doutrina. Não tenho sistema preconcebido. Não

idolatro o prejuízo. Aceito o sistema que os acontecimentos me impõem”

(TAVARES BASTOS, 1975: 101).

Para se diferenciarem dos históricos, os progressistas juravam lealdade à dinastia de

Bragança e se declaravam contrários à reforma da Constituição; mas, para se diferenciarem

dos saquaremas, eles recusavam o que julgavam condenável na Conciliação - o ascendente

puritano e o seu monopólio dos altos postos da administração - o chamado o uti possidetis

conservador (NABUCO, 1997: 435). Neste aspecto, porque propunha tomar partido mais

decidido da descentralização e da representação da sociedade, sem compactuar com a tutela

do governo, a Liga Progressista reivindicava a regeneração da Conciliação. Essa mudança de

orientação ficava clara no rechaço ao modelo da Monarquia de Julho, que sempre gozara da

preferência da direita por facilitar ao governo central a cooptação, a partir do centro e do alto,

de uma base para sua política de ordem e civilização. Ao inverso, a preferência do novo

centro progressista pelo modelo político inglês implicava encarar o Parlamento como uma

arena de representação da sociedade civil, isto é, da aristocracia rural provincial, de que

deveriam os deputados ser porta-vozes, e os ministros do governo, seus agentes.

Cumprido o imperativo de consolidação da ordem no início da década de 1850,

graças ao modelo saquarema – ou seja, resolvido o problema de instituição do social pelo

político -, a aristocracia provincial tentava, invocando-se a representação da Nação, retomar

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as rédeas do Estado para redefinir a regulação do social pela economia. Daí que o programa

do novo partido enumerasse como prioridades: primeiro, a “regeneração dos sistemas

representativo e parlamentar, pela sincera execução e amplo desenvolvimento do dogma

constitucional da divisão dos poderes políticos para que não sejam uns absorvidos ou

anulados por outros”; segundo, a “defesa dos direitos e interesses locais da província e do

município, com a sincera efetiva execução do Ato Adicional, a descentralização

administrativa necessária a comodidade dos povos”; terceiro, a reforma judiciária frustrada

sob Paraná e, por fim, a restrição da jurisdição administrativa em matéria penal e relativa à

propriedade privada (In: BRASILIENSE, 1979:26/29). No plano econômico, avultava no

programa progressista a “realização prática da liberdade individual em todas as suas

relações”, ou seja, a substituição do dirigismo estatal pelo liberalismo econômico, sobrepondo

a livre iniciativa à tutela governamental. Tratava-se, em síntese, de renovar mais uma vez o

programa brasiliense - submeter o político ao econômico, o Estado à sociedade civil, o

governo nacional à aristocracia provincial.

Para esvaziar a autonomia da Coroa frente à sociedade, os progressistas espelhavam-

se nas doutrinas defendidas na década de 1840 por Adolphe Thiers, o Duque de Broglie e

Duvergier de Hauranne: o Rei deveria se limitar ao papel de árbitro, deixando ao gabinete

responsável frente às câmaras a tarefa de governar. Além de escolhidos dentre os membros do

Parlamento pela Coroa, os ministros deveriam gozar do apoio de sua maioria,

preferencialmente na pessoa de um de seus chefes. Da mesma forma, a durabilidade dos

governos não dependia unicamente do chefe do Estado, devendo os gabinetes renunciar

quando perdessem a confiança das câmaras. Chefe do partido oposicionista majoritário, em

1835 Thiers já acenara com o princípio de que o rei reinava e não governava; por isso mesmo,

os dois gabinetes que presidira haviam desfeito – por causa de divergências com o Rei acerca

da condução dos negócios públicos e dos limites da prerrogativa monárquica. O Conde de

Montalivet assim relatou as conversas entre Thiers e Luís Felipe I: “Para o Sr. Thiers, era já o

Rei reina e não governa; para o Rei era o Rei reina e toma parte no governo com todos os

seus direitos constitucionais. A conversação não foi outra coisa do que o choque desses dois

princípios” (In: ROSANVALLON, 1994:157). A tese conservadora se tornou particularmente

polêmica quando, depois de dez anos no poder, o conservadorismo de Guizot se converteu

numa doutrina vazia destinada a evitar a promoção de reformas que ampliassem os direitos

políticos e incompatibilizassem o funcionalismo com a representação parlamentar, impedindo

a oposição de competir em melhores condições com o governo (ROSANVALLON, 1985).

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Em 1846, Thiers voltou à tribuna para criticar o Rei, lembrando que, assim agindo, ele repetia

os mesmos erros que haviam ocasionado a queda de Carlos X.

“Eis o que fizeram todos os povos, com a diferença de nome, que muda com os

tempos e as nações: nomeia-se um Rei, para que não haja um usurpador. Mas as

nações ilustradas não podem ser governadas como os Estados da Ásia. Cumpria

prevenir os inconvenientes do direito de sucessão (...). Para prevenir esse

inconveniente, imaginou-se um sistema tão prudente como simples, o qual

consiste, em todas as constituições representativas, em colocar homens seriamente

responsáveis ao lado desse Rei, com a realidade e as aparências do poder. (...)

Saímos da Restauração com esta convicção profunda; de que era necessário que a

realeza não se comprometesse nas lutas do governo, aparecendo nelas o menos

possível. (...) Aos olhos de todos os homens sérios, sinceramente amigos da

monarquia constitucional, o sistema é tanto mais verdadeiro, quanto os ministros

são realmente encarregados do exercicio do poder” (In: URUGUAI, 1960:315).

No Brasil, foram chefes progressistas e históricos, como Nabuco de Araújo, Zacarias

de Góis e Teófilo Otoni, que, armados dos argumentos da esquerda liberal francesa,

desafiaram pela imprensa e pela tribuna o predomínio ideológico conservador e deflagraram

em 1860 o debate sobre o Poder Moderador. Além de envolver velhos chefes conservadores,

como Itaboraí e Uruguai, quase toda a geração posterior de políticos e de jornalistas nascida

interveio no debate. Entre eles, podemos destacar Saião Lobato, José Maria Paranhos, Brás

Florentino e o segundo José de Alencar, do lado saquarema, e Manuel de Macedo, o segundo

José Bonifácio, Tito Franco e Tavares Bastos, do lado progressista e histórico.

O estopim imediato do debate sobre o Poder Moderador foi o fato de não ter o

Imperador escolhido Otoni senador por Minas Gerais, embora tivesse sido o mais votado da

lista tríplice. Exaustivamente discutida pelo Jornal do Comércio, o Regenerador, o Correio

da Tarde, o Correio Mercantil e o Diário do Rio de Janeiro, a questão da existência ou não

de limites democráticos à prerrogativa do Poder Moderador, que preservava o governo misto,

logo cedeu depois espaço à velha problemática da referenda ministerial nos atos daquele

poder. Em julho daquele ano, veio a lume um panfleto anônimo intitulado Da Natureza e dos

Limites do Poder Moderador. Citando Blackstone, Macauley, Thiers e Mill, seu autor se valia

de sutilezas da hermenêutica para sustentar que deveria ser dissipada a distinção

constitucional entre ser chefe do Executivo, e puro e simples titular do Moderador, haja vista

que o Imperador era encarregado de ambos. A aparente força adquirida pelo monarca por esse

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raciocínio, que unificava em pé de igualdade ambos os poderes em suas mãos, não passava de

artifício para estender ao Poder Moderador o princípio da responsabilidade ministerial e, com

ela, a referenda prevista pela Constituição exclusivamente para os atos do Executivo. Punha-

se assim em prática a hermenêutica dos liberais da esquerda, para quem, sempre que a

literalidade dos enunciados normativos resultasse em práticas contrárias à sua doutrina, seus

adeptos deveriam, ao invés de alterá-las, contornar o obstáculo, interpretando-as por um

critério evolucionário que, contrastando com o legicentrismo da tradição francesa, era

axiologicamente orientado para o futuro.

Depois de apagar a diferença entre os dois poderes, o panfleto continuava com uma

banal repetição da teoria das monarquias constitucionais de que a inviolabilidade do monarca

levava à necessidade de que os ministros de Estado referendassem indistintamente todos os

seus atos. É que nas monarquias parlamentares, explicava o autor, a política seguida era

aquela escolhida pela maioria da Câmara dos Deputados que decidia da formação e da

demissão dos gabinetes, passando o Parlamento à condição de única fonte reconhecida do

governo legítimo. Para o autor do panfleto, a tese de Francisco Carneiro de Campos, segundo

a qual a subscrição ministerial que dos atos do Poder Moderador servia somente para

confirmar a veracidade da assinatura imperial, teria “o duplo inconveniente de descobrir a

Coroa e rebaixar o ministério”. E explicava: “atestar que uma assinatura é efetivamente da

Coroa mais parece próprio de tabelião que de um funcionário da ordem e categoria de um

ministro e secretário de Estado nas monarquias constitucionais” (GÓIS E VASCONCELOS,

1978:38). Somente circunstâncias extraordinárias permitiam a autonomia da Coroa, exigindo

a dissolução da câmara ou a demissão do gabinete. Mas mesmo esta exceção, permitida pelo

autor, era mais aparente do que real. Primeiro, porque a decisão do monarca continuava

sujeita ao crivo dos ministros. Segundo, porque o autor do panfleto negava que ficasse sujeita

unicamente ao juízo discricionário do Imperador a verificação das hipóteses de “salvação do

Estado”, requisito para a decretação de dissolução da Câmara. Ao revés do que rezava a

cartilha do Marquês de Caravelas, para o autor do opúsculo a expressão “salvação do Estado”

deveria ser interpretada restritivamente; abarcando apenas ameaças à ordem pública de

gravidade equivalente àquelas que autorizavam a decretação do estado de exceção - ou seja,

rebeliões ou invasões estrangeiras.

O êxito de Da Natureza e dos Limites do Poder Moderador encorajou seu autor a se

descobrir - era um dos chefes dos conservadores moderados e, agora, artífice da Liga

Progressista, o deputado Zacarias de Góis e Vasconcelos (1815-1877). Apoiado por outros

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ligueiros, como Saldanha Marinho (1816-1895), Francisco José Furtado (1818-1870) e José

Bonifácio o Moço (1827-1886) – porque sobrinho do tio homônimo -, Zacarias defendeu as

idéias de sua brochura durante três dias, sob o bombardeio inclemente dos puritanos. O

sucesso da estratégia animou a oposição: quando a brochura ganhou uma edição revisada e

ampliada, contendo tréplicas aos conservadores, o histórico Otoni sustentou que, no Brasil, a

monarquia ainda nomeava e demitia ao seu bel prazer, quando já estava superada na Europa a

compreensão do governo representativo como monarquia constitucional. Em seu lugar, era

preciso observar as práticas da monarquia parlamentar, na qual a formação do governo

dependia somente do Parlamento (OTONI, 1979:508). Noutra frente, a fim de enfraquecer o

Senado, onde os saquaremas tinham maioria, Nabuco de Araújo aduzia que apenas a câmara

baixa podia influir na formação e na queda dos governos: “O Senado não pode fazer política

(...), não se pode envolver na torrente das parcialidades militantes, sem provocar conflitos

com a Câmara dos Deputados, sem derrogar o princípio conservador que o coloca entre a

coroa e o povo, entre imobilidade e o progresso, entre a ordem e a liberdade” (In: NABUCO,

1997:432) Zacarias explicaria de modo similar a função da Câmara Alta: “O Senado,

senhores, é um corpo conservador, mas não de conservadores; isto é, tem por fim, segundo a

Constituição, pôr embaraço aos ímpetos da opinião pública irrefletida, impedir o choque entre

o elemento permanente e o elemento popular de nossa organização política; o Senado é a

rêmora que faz parar a marcha precipitada de um navio do Estado na carreira de um progresso

mal entendido” (GÓIS E VASCONCELOS, 1979:203). Faltava apenas que um deles repetisse

o mote de Thiers; e foi o senador Nabuco de Araújo quem tomou a iniciativa.

“Falando de regularidade do sistema representativo, eu não posso deixar de

consagrar e defender a máxima – o rei reina e não governa. A consagração da

máxima oposta não pode deixar de importar a política pessoal, e a política pessoal

é o maior perigo que pode haver no governo representativo, é o maior

comprometimento que pode haver para o príncipe... O nobre Visconde (de

Uruguai) invocou a autoridade de Guizot. Mas, senhores: para fundar o sistema

representativo, não devemos procurar a autoridade daqueles com quem o sistema

se perdeu, mas de outros com quem o sistema se tem salvado. Para nos

acautelarmos das idéias democráticas que giram e triunfam na Europa, devemos

antes seguir o exemplo da Inglaterra, cujo governo está como um rochedo no meio

das ondas revolucionárias, do que uma política de tenacidade que tem abismado

outros países” (In: NABUCO, 1997:436).

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Em síntese, reivindicava-se mais uma vez a interpretação constitucional da esquerda

liberal para substituir o modelo político conservador, caracterizado pela ascendência da

Coroa, por um outro, de preponderância da Câmara. Para além do âmbito constitucional, os

progressistas tentaram compreender a crise formulando a uma interpretação sociopolítica que

recorria à história e à formação da sociedade brasileira como categorias explicativas. Quem

mais destacou nesse papel foi o filho de um magistrado alagoano envolvido desde cedo nas

lutas daquela província – o já referido deputado Aureliano Cândido Tavares Bastos (1839-

1875). Graças à proteção dos deputados e senhores de engenho João Lins Cansanção de

Sinimbu (1810-1906) e de José Antônio Saraiva, que angariavam talentos para a campanha

progressista, Tavares Bastos se tornou deputado geral com apenas 21 anos de idade, sem ter

antes ocupado qualquer cargo de expressão na administração pública (PONTES, 1975:66). O

menino-prodígio não decepcionou seus chefes, por quem tinha adoração. Em obras como Os

Males do Presente e as Esperanças do Futuro e as Cartas do Solitário, Tavares Bastos se

revelou sensível à nova literatura liberal francesa que, crítica dos doutrinários, anglófila e

simpatizante do protestantismo, não fazia distinção entre liberalismo político e econômico.

Ela reabilitava o interesse particular e combatia o unitarismo, o contencioso administrativo e a

regulamentação econômica como formas de persistência do absolutismo. Embora, com seu

proto-radicalismo, não representasse o conjunto do progressismo, Tavares Bastos sabia que

havia uma relação de contigüidade entre suas idéias e aquelas da maioria progressista; e que,

como publicista, ele deveria semear idéias que pudessem ser colhidas no futuro - de sorte que

o Solitário de 1862 antecipa praticamente todo o caminho da esquerda liberal até a Primeira

República.

Como os grandes doutrinadores liberais do período, a ambição de Tavares Bastos era

fazer da representação política na Câmara um espelho da sociedade civil. Para tanto, era

preciso liberar a economia da política; a sociedade, do governo; e a lavoura, da burocracia.

Por isso mesmo, sua primeira grande idéia foi a de atribuir o caráter não liberal da sociedade

brasileira à herança colonial, marcada pela tutela do Estado absoluto. À maneira de seu

contemporâneo argentino Juan Baptista Alberdi, Tavares Bastos destacava nas Cartas do

Solitário a superioridade dos nórdicos comparados aos “infelizes povos da raça latina”. Desde

o início, os estadunidenses haviam sido acostumados ao “espírito liberal da reforma

protestante, a moralidade, o amor ao trabalho, a inteligência, a perseverança, a consciência da

dignidade humana e o zelo da independência pessoal” – ao contrário dos brasileiros, que

suportaram “a ignora opressão dos ridículos capitães-mores e o fanatismo estúpido dos padres

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católicos do século XVI” que aspiravam “ao absolutismo, à onipotência, à superintendência

universal”. Formado por degredados e gananciosos em meio à escravidão africana, isolado do

mundo exterior e desconhecendo o que fossem espírito público e livre iniciativa empresarial,

o povo brasileiro se habituara à indolência, à rapacidade, à ignorância, ao fanatismo e ao

servilismo. Às voltas com uma Constituição liberal, depois da independência a falta de

opinião pública esclarecida e moralizada continuou a imprimir sua marca dispersiva na nossa

vida pública. Liquidando os antigos partidos e dissolvendo nas províncias “o velho estado-

maior saquarema, os círculos de ferro das capitais, em que se batiam e se expediam as chapas

maciças” (TAVARES BASTOS, 1975:228, 51, 34), a Conciliação e a reforma do círculo de

um deputado teriam correspondido à urgente necessidade de corrigir a velha rota para

perseguir, enfim, um progresso bem entendido.

Do exame crítico da herança colonial, Tavares Bastos passava à sua segunda idéia: a

ascendência da ideologia monarquiana era a responsável pela continuidade do caráter iliberal

e do atraso da sociedade brasileira. As câmaras não infundiam respeito, os ministérios não

faziam maiorias e não havia político independente do governo. O responsável por esse estado

de coisas era o “sistema seguido, compacto, invariável” de “onipotência do Estado, e no

Estado, a máquina central, e nesta máquina, certas e determinadas rodas que imprimem

movimento ao grande todo”. Versão atualizada do despotismo administrativo, por conta do

“perniciosíssimo costume de imitar a França em tudo”, os gabinetes saquaremas haviam sido

“herdeiros dos bem-aventurados ministros do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves”.

Estacionado nas doutrinas de Montesquieu, o modelo econômico conservador se expressava

pelo nacionalismo, pela regulação administrativa e pelo estatismo econômico, equiparado por

ele ao mercantilismo; à “política desmoralizada de Luís XVI, de Cromwell, de D. Manuel, ou

de Carlos V”. Semelhante “governo de retardo” tornara a imoralidade “tradicional em nossa

raça”, com seu “espírito tímido, chinês, preguiçoso, tardio, inimigo da novidade, descansado e

comodista”. Fundado para reagir à estagnação e ao marasmo, o Partido Progressista pretendia

superar as antigas lutas partidárias por meio de uma síntese que, aproveitando o crescimento

da esfera pública, imprimisse movimento e progresso ao país (TAVARES BASTOS, 1975:

187, 12, 264, 241, 66).

O terceiro ponto de Tavares Bastos passava por qualificar a centralização e a justiça

administrativa como os instrumentos por que o despotismo impedia o liberalismo e a

formação de uma sociedade de mercado. Depois de Tocqueville, a categoria do despotismo

administrativo estava longe de ser uma subdivisão do despotismo político. Ela designava um

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autêntico modus vivendi do Antigo Regime que persistia pela regulamentação contínua do

político e do econômico no interior do governo constitucional e representativo, sujeitando o

indivíduo ao Estado: “Nada é mais absurdo, com efeito, nada entorpece mais o progresso de

um povo, nada compromete a sua dignidade e deprava mais o seu caráter, do que essa

pretensiosa arrogância com que o sistema centralizador fere de impotência os inferiores, isto

é, o país, para só reconhecer sabedoria e perspicácia em alguns indivíduos elevados aos

empregos supremos” (TAVARES BASTOS, 1975: 259). Ao esmagar a livre iniciativa

provincial para atrair as melhores cabeças, a centralização exercida pela Corte subjugava a

sociedade, emancipava a burocracia da cidadania e inchava uma máquina pública já

ineficiente. Era ela, pois, a responsável primeira pela “moléstia endêmica” do Brasil - a falta

de iniciativa, independência e responsabilidade (TAVARES BASTOS, 1975: 25). O meio de

que a burocracia da Corte se valia para melhor oprimir as províncias consistia na justiça

administrativa, “invenção monstruosa” do despotismo francês com que Pimenta Bueno e o

Visconde de Uruguai queriam galvanizar a hegemonia conservadora (TAVARES BASTOS,

1975: 42).

Feita a crítica da colonização pelo absolutismo e de sua continuidade pelos

saquaremas, Tavares Bastos proclamava a necessidade de uma política renovadora que,

inspirada pelo exemplo norte-americano, permitisse superar o atraso colonial e criar uma

sociedade de mercado, tornando o Brasil uma sociedade autenticamente liberal. O modelo a

ser seguido em matéria de renovação política era naturalmente o da Constituição da

Inglaterra. Tavares Bastos elogiava a política inglesa quando ainda estavam frescos na

memória os conflitos do Bill Aberdeen, e no ano mesmo em que estalava a questão Christie,

que levariam os dois países a romper relações diplomáticas. Ele acompanhava assim os

ensaios da esquerda liberal européia de, na explicação do paradigma legítimo da monarquia

constitucional, substituir a teoria do governo misto pela da democracia, e a da separação de

poderes, pela do parlamentarismo. Esse era o modo por que Tavares Bastos enfraqueceria a

Coroa, o Senado e o Conselho de Estado – as instituições monarquianas da Corte -, em favor

da Câmara dos Deputados e, portanto, dos fazendeiros, senhores de engenho e comerciantes

das províncias. Era “a estrela radiante da democracia que se levanta, quando o astro da Idade

Média desaparece no ocaso”. Aqui, todavia, o deputado alagoano era obrigado a domar o seu

liberalismo avançado, para se enquadrar na disciplina mais moderada de Saraiva e Zacarias.

Assim, ao mesmo tempo em que reclamava nas Cartas do Solitário “um governo forte, porém

democrata, como o da Inglaterra” (TAVARES BASTOS, 1976: 243), ele atenuava sua

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aversão à teoria do governo misto em Os Males do Presente e as Esperanças do Futuro para

consagrar a fórmula superadora das antíteses entre os liberais e conservadores, defendida

pelos progressistas: “Monarquia e democracia, ordem e liberdade, Constituição e paz, são as

primeiras inscrições de todas as bandeiras” (TAVARES BASTOS, 1976: 243 e 41).

Quanto às medidas profiláticas aos males da centralização, Tavares Bastos sugeria a

extinção do contencioso administrativo, a estabilidade do funcionalismo e uma

descentralização administrativa em benefício dos governadores e das câmaras municipais.

Para implantar essas reformas, bastava abandonar a interpretação constitucional monarquiana

e retomar aquela desenvolvida pelo movimento ao tempo da Regência. Rejeitando, de um

lado, a tese de governo pessoal, com que os históricos acusavam a Coroa; e repudiando, de

outro, o papel tutelar do Imperador, defendido pelos conservadores, Tavares Bastos

sustentava que a crescente visibilidade do Poder Moderador não era a causa, mas a

conseqüência da degeneração do sistema representativo. Não era o monarca que se agigantara,

mas o Parlamento que se amesquinhara com as fraudes eleitorais. O sistema só poderia ser

recuperado por um governo que estabelecesse a eleição direta e garantisse os direitos civis

com a reforma judiciária, a independência da polícia e a instituição de alguma forma de

habeas corpus. Por melhores que fossem essas reformas, Tavares Bastos esclarecia, porém,

que elas não poderiam, em hipótese alguma, ser promovidas pelo próprio Imperador, num

anacrônico espasmo de despotismo ilustrado. Elas deveriam ser feitas pela Câmara dos

Deputados (TAVARES BASTOS, 1976:47).

A reforma política defendida pelo deputado alagoano não era, todavia, o eixo de suas

reflexões; ela era, digamos, uma superestrutura das reformas socioeconômicas – estas sim, o

coração do seu ideário. Para Tavares Bastos, a modernidade passava pela instauração de

mecanismos que permitissem à sociedade se regular pela economia. As reformas políticas não

passavam de meios para remover mais prontamente as estruturas do absolutismo que ainda

entravavam as forças do mercado. “É preciso convencermo-nos de que o povo deste país está

peado. O governo é tudo, o povo é nada. A lei permite-se intrometer-se em tudo, à iniciativa

particular consente-se o menos possível. (...) É necessário, ao invés de comprimir, alargar,

fomentar, deixar correr desimpedidas as fontes vivas do trabalho, da riqueza, da produção”

(TAVARES BASTOS, 1975:224). Por isso, ninguém resgatou com tanta fúria o discurso

brasiliense de prevalência do econômico sobre o político, da sociedade sobre o governo, da

província sobre a capital; era preciso que o governo deixasse que a sociedade se emancipasse

dele. Ao invés de condenar o conflito como manifestação do particularismo, o Estado

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brasileiro deveria valorizar “o espírito livre da empresa particular” (TAVARES BASTOS,

1976: 46), desregulando a economia, promovendo a concorrência entre os produtores

nacionais e estrangeiros, cassando monopólios, privilégios e protecionismos alfandegários.

Motor da iniciativa empresarial, a concorrência era o perfeito antídoto à inércia da sociedade

brasileira; a chave do seu progresso material e moral. “Só a concorrência é fecunda. (...)

Maldito privilégio, que faz dormir as indústrias protegidas à custa do povo, enquanto a

concorrência havia de animá-las e forçá-las a uma atividade incessante” (TAVARES

BASTOS, 1975:151 e 157). O Estado deveria ser mínimo, limitando-se ao papel de

“representante e, por assim dizer, o comissário de uma nacionalidade, cujas funções se

limitam a manter a ordem e distribuir a justiça”. Daí, “liberdade para todos e privilégio para

ninguém”. O doutrinador liberal dizia pertencer “à escola que pouco se lhe dá do governo.

Para mim, o melhor é o que se imiscui menos na indústria, na religião, nas artes, nas ciências,

nas letras, nos direitos civis, no que é próprio e exclusivo da atividade individual”

(TAVARES BASTOS, 1975: 60,226).

Dada sua condição americana, o exemplo a ser emulado pelo Brasil em matéria

socioeconômica não era a Inglaterra, mas os Estados Unidos, “civilização admirável, de uma

prosperidade inaudita, de uma energia inabalável, de uma audácia e de uma fé de que não

existe exemplo em outro país” 60: Á maneira de Richard Codben, Tavares Bastos combatia o

desperdício das despesas públicas, a carga tributária excessiva e o inchaço da burocracia. Seu

patriotismo consistia “em estudar os meios de felicitar o povo, de dar-lhe ao barato, de tornar-

lhe a vida cômoda, de fornecer-lhe os meios de evitar a miséria, de derramar, enfim, a

abundância pelos campos e pelas cidades, e, com a abundância, o contentamento, a instrução,

a piedade e dos bons costumes”. No entanto, ele não cria que, imbuído dos vícios da cultura

ibérica, o povo brasileiro estivesse sociologicamente à altura do liberalismo; condenado

irremediavelmente pela herança maldita da colonização, o brasileiro não tinha como se livrar

sozinho de sua “veste portuguesa”. Para tanto, era preciso alterar a morfologia do povo por

um transplante cultural, favorecendo a vinda das “raças viris do norte do globo”: alemães,

ingleses e irlandeses deveriam atravessar o Atlântico para operar, pelo “cruzamento das

60 “Sou um entusiasta frenético da Inglaterra, mas só compreendo bem a grandeza deste povo quando contemplo a da república que ela fundou na América do Norte. Não basta que estudemos a Inglaterra; é preciso conhecer os Estados Unidos (...) Queremos chegar à Europa? Aproximemos-nos dos Estados Unidos” (TAVARES BASTOS, 1975: 242). A visão da política americana de Tavares Bastos era perfeitamente contrária à dos conservadores, que a consideravam uma ameaça pelo seu expansionismo militar, sobretudo no que se refere à Amazônia. Para o deputado alagoano a influência americana era civilizadora; era “erro acreditar-se que todo americano é flibusteiro, que a divisa política da pátria de Washington, Franklin e Jefferson é a invasão ou a conquista” (TAVARES BASTOS, 1975: 197).

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raças”, a mudança de mentalidade que levaria o povo brasileiro à prática do trabalho

(TAVARES BASTOS, 1975: 139, 168, 102). Era essa a solução ao impasse provocado pela

disparidade entre as idéias liberais que guiavam na Europa o sistema representativo e a

realidade sul-americana de uma sociedade iliberal: os imigrantes nórdicos trariam consigo a

água benta que lavaria o Brasil dos pecados da colonização e da escravidão africana.

No entanto, mais do que as idéias em si mesmas, o desafio dos que estudam sua

história fora dos países centrais consiste em redimensionar a sua potencialidade nos lugares de

sua recepção e indagar quem pode ser o seu público-alvo, quais efetivamente o são e por quê.

Numa sociedade agrária de baixíssima densidade demográfica, alta concentração fundiária e

produção escravocrata; onde a capilaridade do Estado era quase nenhuma e cuja renda, por

isso mesmo, dependia de impostos recolhidos pelas alfândegas das cidades marítimas; os

públicos-alvos de um programa de preeminência do econômico sobre o político só poderiam

ser a aristocracia rural e o grande comércio exportador (havia também, é certo, um setor

financeiro nascente, mas este era ligado ao Estado e à aristocracia fluminense). Tavares

Bastos sabia disso e por isso lhes acenava com a exclusiva vocação agrícola do Brasil e com a

promessa de redução dos custos de produção e de investir as câmaras municipais de maiores

poderes. Um dos indícios dessa vocação “essencialmente agrícola” do país, na qual o teórico

liberal acreditava, era justamente a predileção nacional pela vida rural - a única, segundo ele,

em conformidade com a vocação do brasileiro para fidalgo. “O brasileiro, que pode, é

agricultor; vai exercer a única verdadeiramente nobre profissão de terra. Os empregos servis

(...), ele os pospõe. Esse é o orgulho nacional. Recordai-vos dos ares senhoria e de certas

maneiras fidalgas do grande proprietário: eis o tipo do brasileiro rico” (TAVARES BASTOS,

1975: 153). E acrescentava: “Os brasileiros têm mais em que empregar-se, e são realmente

muito poucos para a sua grande profissão de proprietários da terra, que os ingleses tão

propriamente qualificam por esta palavra nobre: landlords” (TAVARES BASTOS, 1975:

160). Sem talentos para outros misteres, o Império deveria abandonar as pretensões industriais

que justificavam o monopólio e o protecionismo dos saquaremas e se conformar com seu

“modesto papel de plantadores de café e cana-de-açúcar, de fumo e algodão” no mercado

mundial.

Embora - ao contrário dos velhos liberais da Regência - Tavares Bastos não

confundisse a aristocracia rural com o povo, ele também não via seus interesses como

antagônicos. Ficava assim subentendido que o fim da autonomia do Estado e seu

redirecionamento para atender aos interesses da lavoura também levariam, em algum

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momento, à melhoria de vida da população como um todo. No entanto, a necessidade de atrair

a aristocracia rural para o programa progressista limitava enormemente as apregoadas

pretensões de ampliação da esfera pública. Elas só poderiam ocorrer se o Estado de alguma

forma resgatasse a população que vivia à sombra das casas grandes pela abolição da

escravatura e pela adoção de medidas que induzissem à industrialização ou à disseminação do

ensino público – que estava, aliás, a cargo das províncias. No entanto, isso era impossível para

alguém como Tavares Bastos, que dizia nada esperar do governo e tudo da opinião pública.

Assim, embora escrevesse que o governo precisava encaminhar o fim da escravidão, ele se

opunha a qualquer medida que prejudicasse a lavoura e concluía evasivamente que, não

querendo discutir a questão social, pretendia apenas “apontar idéias” (TAVARES BASTOS,

1975: 37,268). Seja como for, esta era um falso problema. O povo só poderia ser resgatado

depois do transplante cultural imigratório, que substituiria sua moral ibérica por outra, de

caráter liberal. Daí por diante, sua prosperidade viria a reboque do progresso econômico da

aristocracia rural, que dependia, por sua vez, de uma verdadeira sociedade de mercado. Eis

porque dar prioridade a reformas políticas que removessem o peso político e econômico do

Estado. Tudo bem pesado, Tavares Bastos pode ser a justo título considerado o antepassado

imediato de Campos Sales que, na República, realizaria o seu ideal de sobrepor o econômico

ao político, renovar a população do país pela imigração européia e criar uma sociedade de

mercado formada pelos grandes proprietários rurais.

4.3. A defesa conservadora do modelo político. A reiteração das três representações

coimbrãs do Poder Moderador pelos publicistas do período.

Ocupando metade das cadeiras na Câmara, a Liga Progressista conseguiu em 1862

derrubar o gabinete conservador de Caxias e interromper o retorno dos emperrados. Ao

assumir a Presidência do Conselho, Zacarias de Góis e Vasconcelos declarou que,

“conhecendo o gabinete os embaraços e dificuldades com que a lavoura e comércio, essas

duas fontes perenes da riqueza nacional, estão lutando, julga da sua rigorosa obrigação se

esforçar para melhorar-lhes o estado”. Não por acaso, o programa econômico destinado a

dinamizar a produção agrícola encontrava seu consectário lógico no programa político

progressista, cuja maior ambição era a do “triunfo dos princípios constitucionais, é a de ver

cessar o abastardamento do regime representativo”. O êxito da plataforma progressista os

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levou a empolgar o poder em sucessivos gabinetes, que conseguiram a adesão dos liberais

históricos e mantiveram os conservadores ao ostracismo pelos anos que se seguiram. Assim,

ao reassumir o governo, dois anos depois, Zacarias reapresentou o mesmo plano: do ponto de

vista político, aliviar a pressão do centro sobre as localidades e restabelecer a influência da

aristocracia em seus redutos eleitorais (pela reforma das leis conservadoras de 3 de Dezembro

e da Guarda Nacional); pelo viés econômico, fomentar uma política ampla de crédito agrícola

e construir ferrovias que escoassem a produção – ou, nas palavras do próprio ministro,

“auxiliar a lavoura e o comércio, que lutam com tão graves embaraços, por todos os meios

que lhe pareçam adequados” (GÓIS E VASCONCELOS, 1979:116/121).

Os anos posteriores à Conciliação e à fundação da Liga Progressista foram

perpassados por um sentimento generalizado de disfuncionamento do sistema representativo

brasileiro. Não se entendia, simplesmente, por que o êxito verificado na consolidação da

ordem e da autoridade, isto é da construção do Estado, não se repetia quando se tratava de

regulá-lo por uma dinâmica de progresso e de liberdade. Temas como o da falta de efetividade

da Constituição, a ausência de motivação cívica da população, a falta de coerência ideológica

dos partidos, o personalismo da luta política, se instauraram então para não mais deixar a

agenda política pelas décadas seguintes. É importante destacar o caráter nacional desse debate

político, o primeiro veiculado por livros - sintoma de relativo amadurecimento do mercado

editorial e da ampliação do público leitor no período.

O debate se deslocou do campo constitucional para ganhar outras formas sociais,

como a literatura e a sociologia política. Em 1862, o escritor, jornalista e burocrata Joaquim

Maria Machado de Assis (1839-1908) escrevia uma pequena peça de teatro intitulada Quase

Ministro, cujo protagonista, um jovem deputado, por conta de um boato de que seria nomeado

para o gabinete, passa o dia assediado por bajuladores e interesseiros (MACHADO DE

ASSIS, 1997:95). Cinco anos depois, nas Memórias do Sobrinho de meu Tio, o também

escritor, jornalista, mas deputado Joaquim Manuel de Macedo (1820-1882) narrava a burlesca

trajetória de um carreirista político que, no intuito de parasitar o Estado, não poupava esforços

para ascender politicamente, ignorando verdade, leis e Constituição. Macedo destacava a

disjunção entre a teoria e prática: de um lado, o mundo da lua, arquitetado por Constant e

pelos “estadistas ingleses”; de outro, o mundo do sol, erigido por “Maquiavel e todos os

sucessores desse grande gênio”. O divisor de águas havia sido a Conciliação: antes, o sistema

era praticado de acordo com a teoria: os partidos lutavam, os políticos eram moralizados e a

administração prevalecia. Depois, misturados os partidos, a prática e teoria haviam se

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dissociado: o clientelismo devorara a administração, e a cena política se tornara o palco da

fraude e da corrupção. Os ministros faziam a Constituição de “peteca”; das liberdades

públicas, “palitos”; e do sistema representativo, uma “fantasmagoria”. Além disso, as críticas

dos puritanos ao arranjo de Paraná e as dificuldades dos governos em operar a sonhada

transparência da sociedade no Estado haviam desvelado o povo real, “soberano de comédia”;

“que vota como lhe mandam” (MACEDO, 1995:263, 216, 64).

Conquanto concordassem com o descrédito do sistema representativo, outros

publicistas não acreditavam que as reformas propostas por Tavares Bastos fossem capazes de

regenerá-lo. Muito pelo contrário, eles imputavam a decadência dos costumes justamente à

promoção dos interesses privados pelos conciliados, que os progressistas queriam continuar.

“A Conciliação vai dando os seus frutos”, lastimava Uruguai. “Acabaram-se as crenças,

morreram os partidos; resta e predomina, em tudo e em todos, o interesse individual. Estão as

coisas assim baralhadas, e se tenho alguma esperança, é porque creio nos livros santos, um

dos quais diz que do caos é que nasceu a luz” (In: PINHO, 1936:650). Outro velho

funcionário escrevia: “Sufocou-se nos peitos o interesse público, reinou o egoísmo e o próprio

tão inculcado patriotismo tornou-se moeda tão falsa e desprezível que veio a prestar somente

para motejo e opróbrio, ninguém quer mais ser patriota...” (In: NABUCO, 1997:184).

Essa impressão geral de decadência dos costumes reflete, na verdade, o processo de

modernização das estruturas políticas, causada pelo governo constitucional, assim como das

estruturas econômicas. Já vimos que, parcialmente ligados ainda à cultura política clássica

pela concepção monarquiana de poder, para muitos conservadores as conseqüências do

liberalismo oitocentista anglófilo, com seu relativismo epistemológico, seu individualismo e

seu materialismo, expresso na exigência de liberação dos interesses particulares, eram

identificadas como sintomas de corrupção, de predomínio do privado sobre o público. Por

isso mesmo, os conservadores responderam aos progressistas reiterando o conceito coimbrão

do Poder Moderador - intérprete supremo do bem comum, poder constitucional excepcional e

eixo do Estado nacional. Os saquaremas pensavam que, num ambiente de egoísmo, apatia,

fraude e violência, a ética precisava ficar imune ao particularismo da realidade para moldá-la

pela via do Estado. Por isso mesmo, a salvação do sistema estava em fortalecer a Coroa - e

não o Parlamento, canal por que os gases corruptores do privatismo intoxicavam a coisa

pública. Ilustrado e neutro, o Imperador reunia a vantagem de representar o conjunto da

Nação sem compartilhar as suas mazelas - a ignorância do povo e o egoísmo das elites. No

entorno, acompanhavam o argumento todos os outros deixados pelos coimbrões: o

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pertencimento do Brasil ao universo europeu continental, a condenação do americanismo, a

defesa do caráter misto da Constituição e a necessidade de completar o edifício do Estado

aprimorando a centralização.

Há infindáveis exemplos dessa crença generalizada de que, diante da decadência dos

costumes políticos, da futilidade da sociedade, da ausência de povo, do egoísmo da classe

política, a única esperança do Brasil estava em o Imperador tomar as rédeas do poder,

moralizar o país e colocá-lo numa rota de progresso. Já vimos que ela sempre existira difusa

na alta burocracia e no meio cortesão desde o próprio advento do governo constitucional

representativo e não era nem privativa dos saquaremas propriamente ditos; entretanto, ela se o

tornara na década de 1860. Um dos exemplos é o de Araújo Porto Alegre, Barão de Santo

Ângelo (1806-1879) artista e arquiteto ligado ao elemento palaciano. Em suas cartas a Paulo

Barbosa Silva, ministro do Brasil na Rússia, Araújo Porto Alegre já se queixava em 1847:

“Tudo está materializado; tudo está pautado em uma tabela traçada pela mão do tráfico. As

altas inteligências, ou as notabilidades da época, declaram formalmente que este país é um

grande balcão, onde tudo se vende e tudo se compra. O futuro se acha representado pela urna

eleitoral; e a missão dos governantes não passa da palhinha dos bancos do Senado” (PORTO

ALEGRE, 1995:32) Em 1850, Porto Alegre se revelava agoniado com a situação política

brasileira. O egoísmo e a miopia da classe política impedia a adoção das reformas necessárias

à elevação do país: “Estamos muito abatidos e muito desmoralizados; somos a última plana

das nações. Ah! Meu Deus, que cinismo, que deplorável sistema de encarar as coisas, e que

gente que não olha um palmo, e não vê o dia de amanhã” (PORTO ALEGRE, 1995:51). Ele

pintava a sociedade como completamente fútil, alheia às questões nacionais, ocupada

exclusivamente em imitar a sociabilidade européia61. Em 1853, a situação não era melhor:

“Época em que a pátria está na algibeira, e o coração na gaveta, e a nacionalidade na latrina”

(PORTO ALEGRE, 1995: 87). Nessa situação de completa desmoralização de um país novo,

cuja sociedade era fútil e materialista, e sua classe política, ambiciosa e imprevidente, todas as

suas esperanças recaíam sobre o Imperador:

“Aquele príncipe (...) tem uma grande massa de virtudes reais e que é um dos

brasileiros completos que eu conheço, e de quem vou me tornando mais amigo

cada vez, pois cada vez mais o vejo com a salvação do país, a garantia do futuro, e

61 “A cidade não se ocupa com a guerra iminente com os Rosas; não se ocupa com as gentilezas dos ingleses nos nossos portos; é indiferente à repressão do tráfico; ao novo Tribunal do Comércio e mesmo às ameaças da volta da febre amarela!!! Está ocupada com o Teatro de São Pedro e com saber se a prima-dona vai ou fica; ou mesmo com quem vive neste momento, e quanto gasta em jantares” (PORTO ALEGRE, 1995:56).

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o símbolo do progresso. Que pode ele fazer no meio de uma gente, que não é

nação e que está corrompida até a medula dos ossos?” (PORTO ALEGRE,

1995:46).

Nesta seção, porém, o que me interessa é demonstrar como essa aspiração

generalizada a entregar ao Imperador o comando do país a fim de salvá-lo da decadência ou

da desagregação continuou a se exprimir, no debate público, por meio do discurso

monarquiano dos coimbrões, em plena década de 1860, a fim de responder ao desafio lançado

pelos progressistas. Estes quatro autores são Brás Florentino e José de Alencar, que bisaram

principalmente o Marquês de Caravelas e sua concepção do Poder Moderador como um poder

excepcional de preservação da Constituição; e João Francisco Lisboa e o Visconde de

Uruguai, que corroboraram o Marquês de Queluz e sua concepção do Poder Moderador como

eixo ou artífice da centralização política. Todos eles reiteraram, ainda, a imagem deixada por

Antônio Carlos - a do chefe de Estado como um governante acima da política.

* * *

Pertencente a uma família de intelectuais católicos, Brás Florentino Henriques de

Sousa (1825-1870) era professor da Faculdade de Direito do Recife, quando, em 1864,

publicou Do Poder Moderador: Ensaio de Direito Constitucional contendo a Análise do

Título V, Capítulo I, da Constituição Política do Brasil. Quando os conservadores voltaram

ao poder, quatro anos depois, como recompensa aos seus bons serviços de doutrinário, foi

nomeado governador do Maranhão – só para morrer pouco depois, sem desenvolver a carreira

que dele se esperava (LIMA SOBRINHO, 1978:3).

Mais do que Uruguai, foi Brás Florentino o verdadeiro avesso de Tavares Bastos.

Movido por uma inspiração protestante, reivindicando a emancipação da sociedade e da

economia pelo parlamentarismo e pelo americanismo; pregando uma fuga modernizadora

para o futuro, o deputado alagoano era o mais radical dos doutrinários da esquerda liberal62.

Movido pelo catolicismo ultramontano, condenando o interesse e o individualismo, repelindo

toda forma de governo parlamentar; pregando o retorno ao governo misto puro, recorrendo ao

62 Na introdução à segunda edição de Os Males do Presente e as Esperanças do Futuro, José Honório Rodrigues se refere a uma tese de doutorado defendida em 1872 por David Gueiros Vieira na Universidade Americana de Washington. Ela mostraria “as ligações íntimas de Tavares Bastos com o movimento protestante no Brasil, e tudo aquilo que este representava e desejava”, ou seja, o programa ultraliberal (RODRIGUES, 1976: 10).

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discurso reacionário para assentar a legitimidade do governo monárquico, Brás Florentino era

o mais radical dos publicistas da direita. Ele chegava a rejeitar o próprio conservadorismo

doutrinário para se refugiar no discurso monarquiano coimbrão, velho de quarenta anos63.

O alvo de Florentino, porém, não era Tavares Bastos, mas a blasfema e herética

teoria desenvolvida por Zacarias de Góis e Vasconcelos em Da Natureza e dos Limites do

Poder Moderador, e que ocupava então a Presidência do Conselho de Ministros. Para

combater essa forma de “protestantismo político” que era o parlamentarismo, Florentino

recorria à tese bonaldiana de que os povos se organizavam politicamente a partir de sua

respectiva religião. Orientados pela unidade de crença e de autoridade, os povos católicos

eram forçosamente monárquicos; ao passo que, guiados pela pluralidade religiosa e pelo

individualismo, os protestantes se inclinavam à democracia. Marcadas pelo livre curso das

ambições facciosas e pela contestação ininterrupta da ordem, as formas de governo dos povos

protestantes - o parlamentarismo inglês e o presidencialismo norte-americano - seriam

democracias disfarçadas de monarquias. Este não era o caso do povo brasileiro, que carecia,

como todos os povos católicos, de um poder político último, soberano e absoluto, encarregado

de manter a unidade e a hierarquia contra o perigo de fracionamento do corpo social. Com

suas características de unidade e permanência ou perpetuidade, o Poder Moderador tivera por

fim satisfazer aquela necessidade; ao investir o Imperador do “poder supremo e decisivo, o

poder de inspeção e vigilância nas mãos do monarca”, a Carta de 1824 fizera dele a cabeça do

corpo político e, portanto, “a autoridade diretorial e superior”. A função representativa da

Coroa era interpretada por ele numa chave existencial e virtual: ela havia sido encarregada de

querer pela Nação em última instância. Como o monarca hobbesiano, o Imperador do Brasil

“resume o Estado em sua pessoa, é a Constituição encarnada”.

No entanto, Do Poder Moderador deixava entrever a dificuldade de se empregar na

política brasileira daquele tempo argumentos reacionários, estranhos à modernidade política.

Uma comparação entre o legitimismo brasileiro e o português evidencia tais limitações postas

a esse discurso pela nossa realidade histórica. Embora comungassem do mesmo universo

teórico e se encontrassem sob o governo das mesmíssimas instituições monárquico-

constitucionais, o legitimismo adquiriu grande expressão em Portugal, onde defendia o

63 Embora saudasse a alusão feita por Guizot ao Brasil na sua História da Civilização na Europa, Florentino encampava a crítica de Bonald ao ecletismo filosófico de Cousin: todo sistema político teria um locus definido de poder último, encarregado de decidir em última instância e manter, portanto, a unidade do corpo político. O defeito capital do ecletismo espiritualista de Cousin e Guizot estava na proclamação da existência das coisas “sem mostrar as relações que entre elas existem”, definidas pela hierarquia, condição da harmonia, sem a qual havia somente o caos (SOUSA, 1978:42).

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retorno ao Antigo Regime. No Brasil, porém, os legitimistas aceitaram e defenderam a

Constituição de 1824, pois a ordem não contrariava sua defesa da união entre Estado e Igreja

e sua oposição ao casamento civil (PAIM, 1998:96). É preciso lembrar que, aqui, a dinastia

legítima estava no poder - ao contrário do que ocorria na Espanha carlista, no Portugal

miguelista e na França orleanista. Os legitimistas brasileiros não eram, portanto, reacionários,

como os europeus, mas tão somente conservadores; assim, quando Florentino se via na

contingência de passar do plano da legitimação para o da discussão constitucional, ele deixava

de lado a teologia política dos contra-revolucionários e se socorrer dos monarquianos.

Segundo Florentino, os conselheiros de Estado de Pedro I teriam rejeitado o que “havia de

mau e inconsiderado” na Constituinte francesa de 1789, dela extraindo, porém, “o que havia

de bom e aplicável às nossas circunstâncias”. Nesta categoria, entravam o Senado, derivado

da proposta de Lally-Tollendal, e o Poder Moderador, extraído das lições de Clermont-

Tonnerre e do “estimável Malouet, um dos mais ilustres ornamentos da Constituinte

francesa”. Numa interessante inversão de prioridades, ele defendia agora a concepção

monarquiana da vitaliciedade do Senado e da centralização política contra as do legitimismo

bonaldiano e donosiano, que preconizavam a hereditariedade do pariato senatorial e a

descentralização (SOUSA, 1978: 43, 51, 61, 56, 39, 92/95) 64.

Ou seja, se a teologia política servia para assentar as bases do poder legítimo, não

servia para organizá-lo. Nessa chave, o Poder Moderador passava a ser explicado à forma

coimbrã como “a expressão de uma grande necessidade governativa, como um elemento

indispensável da ordem e de verdadeira liberdade, e como a mola principal nos governos

monárquicos, constitucionais e representativos, qual o nosso”; “a mais alta expressão da

soberania nacional, acautelando-se sabiamente contra os seus próprios desvios; é a vontade

suprema da sociedade querendo antes de tudo sua existência e conservação; é, em uma

palavra, a realeza ou a monarquia”. Dentre todas as atribuições deste poder, destacavam-se as

três que, como percebera Malouet, reuniam “o atributo essencial da realeza nas monarquias

64 Do Poder Moderador é uma obra exemplar dos limites do discurso político de direita no Brasil imperial, que nunca foi o absolutismo ou o bonapartismo, mas o monarquianismo dos pais fundadores. A teologia política de Brás Florentino rodeava o sistema representativo, era subjacente a ele, mas não o destruía nem o desnaturava enquanto referência para a interpretação das instituições brasileiras. Sua concepção de origem divina do poder não era aquela desenvolvida pelos absolutistas, como Filmer, Bossuet ou Maistre, mas pelos escolásticos ou legitimistas, como São Tomás, Suárez, Balmès e Bonald. Posto que a soberania remontasse a Deus, cabia ao homem aplicá-la e exercê-la; fonte originária de todo o poder, Deus não teria comunicado a soberania de uma maneira permanente a nenhuma pessoa e sim à sociedade inteira. No entanto, a Nação, para exercer essa soberania, teria necessidade de delegar seu exercício a representantes encarregados de formularem suas vontades, executá-las ou de fazê-las executar (SOUSA, 1978:119/120). Assim era que, no fim das contas, se conciliavam a origem remota católica e teocrática do poder, segundo de Bonald, com o desempenho concreto das instituições constitucionais, de acordo com o figurino monarquiano de Malouet.

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constitucionais”: a livre nomeação e demissão de ministros, o direito de veto legislativo e o de

dissolução da Câmara dos Deputados, todas “inteiramente discricionárias por sua natureza”.

Recusando a tese da superioridade do Parlamento sobre o monarca, Florentino defendia a

proposição de que o Imperador era “um vigilante e um moderador da ação desordenada desse

poder (legislativo), o que bem assinala sua supremacia em vez da sua inferioridade ou

subordinação”. O parlamentarismo dos progressistas não passava de um artifício para

perpetuá-los no poder; “protestantismo político” para anular o monarca em benefício “das

ambições oligárquicas de ministros e deputados aspirantes ao ministério” (SOUSA, 1978:

34/41, 86, 118, 69). Ao desestruturar a unidade conferida pelo ascendente monárquico no

conjunto do pluralismo, o triunfo do parlamentarismo acabaria na revolução, na destruição da

monarquia e na ditadura - a única maneira, segundo ele, de manter a ordem sem o príncipe65.

A crítica ao caráter dissolvente da atividade partidária, que justificava a preservação

do poder imperial como garante da unidade política, justificava também a centralização. Num

Estado que, como o Brasil, tinha a unidade como princípio de governo, nada do que tocava às

partes poderia ser indiferente ao todo, devendo-se “prevenir os desvios do espírito de

localidade” e guiar “a inexperiência das administrações coletivas”. Florentino atacava dessa

forma as assembléias provinciais, dominadas cada vez mais “pelo acanhado espírito de

oligarquia, que desde um certo tempo se há desenvolvido no país, procurando aviltar e

corromper as instituições no interesse exclusivo de suas paixões egoístas”, tornando-se, salvo

algumas exceções, “escolas de política subalterna, onde a ignorância, a fraqueza de caráter e à

subserviência às vistas interesseiras dos mandões e potentados eleitorais, são, por assim dizer,

postas em prova”. Para controlar a dispersão de poder, era fundamental garantir a

discricionariedade do Poder Moderador, que não se confundia com arbítrio66. Preocupado em

garantir a independência do Imperador contra as ingerências dos ministros e das câmaras,

Florentino chegava ao extremo de rejeitar, não só a teoria do parlamentarismo, mas a do

próprio governo parlamentar. Para ele, o único meio de impedir que o gabinete se tornasse

faccioso era facultar ao chefe do Estado que recrutasse seus secretários de Estado fora do

65 O impacto da leitura de Cortès dava assim ao seu argumento um tom terrivelmente schmittiano: “Está escrito (e ninguém o poderá apagar) que todo o Império dividido há de perecer (...) e o parlamentarismo que divide os ânimos e os inquieta; que põe em dispersão todas as hierarquias, que divide a sociedade em cem partidos; e que não contente com a divisão natural do poder já estabelecida, quer ainda levar essa divisão ao seio do poder centralizador e unitivo, o poder real ou moderador; - o parlamentarismo, que é a divisão no todo e em todas as partes (...), não pode subtrair-se nem se subtrairá jamais ao império dessa lei inexoravelmente soberana” (SOUSA, 1978:370). 66 O arbítrio era “um ato alheio aos ditames da razão assim como às prescrições do interesse social”, ao passo que a discricionariedade era definida como “um ato inteiramente deixado à retidão do juízo, ao prudente arbítrio do monarca, e do qual não há contas a pedir, porque nisto está o essencial” (SOUSA, 1978:310).

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Parlamento (SOUSA, 1978:158/160). A livre nomeação e demissão dos ministros haviam

sido atribuídas pela Constituição ao Imperador como Poder Moderador, e não como chefe do

Executivo, justamente para que ele os pudesse remover sem ficar na dependência deles.

Assim, o monarca sempre poderia “repelir os mimosos das facções”, embora houvesse

“homens desleais, e dominados exclusivamente pelo espírito mesquinho, e pelos interesses

egoísticos que dominam as facções”, que levavam “os seus cálculos até a corrupção e ao

falseamento das instituições juradas” (SOUSA, 1978: 126 e 97).

Por fim, com o argumento monarquiano de que o Imperador era o representante por

excelência do interesse público, Florentino se opunha à pretensão parlamentarista dos

progressistas, recordando que, fruto de fraudes eleitorais, a Câmara dos Deputados jamais

poderia se tornar o centro de gravitação da política nacional. Num contexto como este, o

exercício discricionário das atribuições do Poder Moderador era essencial para que os partidos

de oposição (como era, naquele momento, o conservador) mantivessem acesa a esperança de

retornar ao governo, dentro da ordem constitucional. Idêntico ao da esquerda liberal arruinada

entre 1848 e 1852, o argumento de Brás Florentino revela que a independência da Coroa era a

garantia de que, enquanto continuassem as fraudes, o partidarismo e a politicagem, elas nunca

poriam em risco o caráter monarquiano – e, portanto, patriótico – do Estado monárquico. No

impasse entre idéias liberais e sociedade iliberal, a solução de Florentino estava, portanto, em

fazer retroceder as primeiras para que a política se adequasse novamente ao estado real do

país.

“É sobretudo quando as eleições, em vez de serem a manifestação livre e sincera

da vontade nacional, não são outra coisa mais do que o triste resultado da cabala,

da violência, da fraude e do suborno oficial; é sobretudo quando os deputados

eleitos, em vez de representarem a opinião do país, não representam outra coisa

mais do que os caprichos dos ministros partidários, com seus presidentes

manivelas, e até mesmo com seus potentados de aldeia, como desgraçadamente

vai sucedendo entre nós, é sobretudo nessas circunstâncias, dizemos, que o

exercício do direito de dissolução da câmara temporária se torna precioso nas

mãos do primeiro representante da nação, e primeiro encarregado de manter em

sua pureza o governo constitucional” (SOUSA, 1978:134).

De caráter mais sociopolítico foi a segunda grande obra que reiterou a representação

monarquiana do Poder Moderador fixada por Caravelas – o de corretivo excepcional ao

governo representativo. Refiro-me às Cartas de Erasmo, do literato e político cearense José

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Martiniano de Alencar (1829-1877). Embora filho do senador homônimo, antigo chefe do

movimento, Alencar Filho preferiu se filiar aos conservadores, atraído à política por Eusébio

de Queirós, cuja memória nunca deixou de reverenciar. Como deputado geral, ele cedo

revelou grande atividade doutrinária, envolvendo-se em polêmicas com os progressistas e

com os históricos67. Diferentemente de Brás Florentino, filiado à velha tradição monarquiana,

ou de Uruguai, cuja fôrma política era a do saquaremismo propriamente dito (mescla de

discurso monarquiano e doutrinário), Alencar admirava as instituições inglesas numa chave

próxima à de seu colega Tavares Bastos, dispensando a intermediação dos doutrinários

franceses. Enquanto o alagoano se apresentava como herdeiro da tradição luzia, atualizando-a

ao parlamentarismo e ao livre cambismo liberal europeu, Alencar fazia o mesmo em relação à

ideologia saquarema, incorporando os temas da direita inglesa. Não por acaso, as Cartas de

Erasmo, como as do Solitário, além de condenarem a justiça administrativa, tinham em

comum a identificação da aparente inadequação da sociedade brasileira ao governo

representativo e a hipertrofia da burocracia do Estado (ALENCAR, 1977:565). No entanto,

também eram grandes as diferenças entre Alencar e Tavares Bastos - a começar pelo

nacionalismo. Elogiando as raças latinas, a colonização portuguesa e a mestiçagem dela

decorrente, para o autor de O Guarani o povo brasileiro já estava formado, apresentando

especificidades que faziam dele uma Nação plena. Certo do “possante sentimento de nossa

individualidade de povo”, ele condenava as veleidades americanistas e economicistas de

Tavares Bastos como impatrióticas e dissolventes da nacionalidade. A proposta de um

transplante cultural era considerada por Alencar um “tráfico de europeus, muito mais odioso

do que o de africanos” (ALENCAR, 1977: 55). Ademais, apenas a Inglaterra poderia servir de

exemplo ao Brasil em matéria política - os Estados Unidos eram novos demais, de costumes

corrompidos, dominados exclusivamente pelo espírito mercantil (ALENCAR, 1977: 390).

A segunda grande diferença de Alencar em relação a Tavares Bastos estava na

escolha dos conceitos com que buscava compreender as causas do disfuncionamento do

sistema político. Ao invés de lançar mão da dicotomia liberal entre Estado e sociedade, como

o alagoano, Alencar empregava algumas noções-chave da linguagem republicana inglesa do

começo do século anterior, uma das matrizes do discurso monarquiano. Três conceitos de

Bolingbroke lhe eram particularmente caros. O primeiro era o de governo misto, entendido

como categoria sociopolítica que estruturava institucionalmente a representação política e

67 Opositor acérrimo do progressismo, Alencar já havia se envolvido numa polêmica contra o Barão Homem de Melo, antigo moderado “de movimento” que publicara, no momento de ascensão da Liga, uma obra de defesa da Constituinte, A Constituinte perante a História. Vide nota nº. 151.

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cuja forma acabada era a monarquia constitucional. Como demonstrava a famosíssima obra

homônima do Barão de Brougham (1778-1868), publicada poucos antes (BROUGHAM,

1861) a teoria do governo misto continuava a ser o cerne explicativo da Constituição

Britânica. O segundo conceito era o da liberdade do povo como resultado do seu ativismo

cívico contra as pretensões opressivas da aristocracia. Mais do que na república, onde a

democracia reinava sozinha, o civismo era fundamental no governo misto, porque o povo, ou

seja, a democracia, nele lutava alternadamente com a “burguesia aristocrática” e com a

realeza, “cuja tendência unitária e absorvente é natural”. O terceiro elemento era justamente o

da monarquia, que deveria participar da correlação de forças para garantir o equilíbrio de que

resultava a estabilidade institucional. Eram estes os três princípios cardeais da monarquia

representativa, que se encaixavam, “na vida política, à semelhança de rodas dentadas; não se

move uma sem que as outras girem igualmente. Dessas evoluções concertadas nasce a vida

representativa, a mais nobre função dos povos livres” (ALENCAR, 1866:42).

A última grande diferença entre Tavares Bastos e Alencar estava no tipo de

diagnóstico: se o alagoano frisava o caráter antiliberal da sociedade brasileira, o cearense

destacava antes a sua dimensão anti-republicana. Rejeitando a hipótese dos históricos, para

quem a crise decorria do governo pessoal do Imperador, mas também a dos progressistas,

para quem ela decorria do falseamento do sistema eleitoral; Alencar concluía que o inchaço e

predomínio da burocracia no Brasil se originavam da ausência de atividade cívica do povo,

que por conta da dinâmica depressiva e desagregadora da Conciliação. Como quase todos os

publicistas, Alencar fixava no ano de 1857 o marco da decadência política do país. O período

regencial e os primeiros quinze anos de Segundo Reinado haviam sido tempos de grandes

varões, moralizados, pobres e íntegros. Depois da morte de Paraná, a Conciliação se tornara

sinônimo de “prostituição política”, de “corrupção geral dos partidos e dissolução dos

princípios, que tinham até então nutrido a vida pública” (ALENCAR, 1866:18). Ao darem à

luz aos governos de coalizão, os partidos haviam se extinguido, gerando um ambiente

destituído de verdadeiros chefes, caracterizado pela “voragem de paixões mesquinhas e

sórdidos interesses” (ALENCAR, 1866:20). Ignorante, indiferente, pobre, corrompido pelo

mau exemplo dos partidos, o povo brasileiro não estava preparado ou interessado em praticar

o sistema. O resultado era o desequilíbrio do governo misto pela hipertrofia do elemento

aristocrático, que se assenhoreara do Estado e bloqueava qualquer tentativa de revitalização

do sistema em seu detrimento.

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Leitor de John Stuart Mill (1806-1873), Alencar não criticava indiscriminadamente a

idéia de uma aristocracia do saber, nem de uma burocracia, ambas essenciais para o adequado

funcionamento do governo representativo. Ele também comungava da preocupação dos

velhos saquaremas com a qualidade da representação e do papel relevante que nela exercia o

funcionalismo. O problema é que, no esquema de Mill, a sociedade civil ou o povo deveria

fiscalizar a burocracia, ambos estando em posição de saudável antagonismo. O outro

problema era que, como os liberais e os progressistas, Alencar identificava o elemento

democrático como o povo chefiado pela grande propriedade rural, e o aristocrático, à alta

burocracia do Estado nacional, formada por bacharéis. Assim, na sua cabeça, a normatividade

embutida na doutrina de Mill estaria satisfeita entre nós caso os grandes fazendeiros, chefes

da democracia, fiscalizassem e servissem de freio e contrapeso à burocracia de bacharéis, que

no esquema de Alencar compunham a aristocracia. Mas, segundo o autor das Cartas de

Erasmo, nem era isso que se dava no Brasil. Aqui, aqueles que ocupariam os altos postos do

Estado e se tornariam aristocratas burocráticos compensavam suas dificuldades financeiras

casando-se com as filhas dos fazendeiros e senhores de engenho, vistos por Alencar como os

chefes naturais do elemento democrático. Como os grandes lavradores esperavam gozar dos

favores do Estado quando os genros estivessem no poder, o povo não tinha quem os

fiscalizasse enquanto opinião pública. Por conta dessa aliança familiar, que alienava os chefes

do povo dos interesses deles, o elemento aristocrático se convertera numa empregocracia que

vetava todas as reformas que pudessem restabelecer o equilíbrio entre o governo, burguesia

ou aristocracia, de um lado, e o povo, de outro.

É claro que a crítica de Alencar tinha, dentro da burocracia, nome e endereço. Ele

criticava o aparelhamento da administração pública pelos conciliados e, depois, pelos

progressistas, no poder quase ininterruptamente desde 1853. Nabuco de Araújo, Saraiva e

Zacarias, chefes dos conservadores moderados e, agora, dos progressistas, eram considerados

pelo afilhado de Eusébio de Queirós como “homens novos, sem prestígio, de chofre surgidos

da obscuridade, entrando nos conselhos da Coroa tomados da vertigem da súbita ascensão”,

incapazes de “imprimir ao país uma direção prudente com energia, forte com moderação”

(ALENCAR, 1866:13). Por conseguinte, o pessoal progressista que com eles subira ao poder

formava uma classe “ambígua, sem princípios nem crenças, que parece ter arrematado em

hasta pública a empreitada da alta administração. Os empregados honestos e as ambições

nobres, que buscam a carreira política, sofrem sua arrogante opressão” (ALENCAR,

1866:70). Embalada no corporativismo, a aristocracia burocrática conciliada e progressista

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formara uma Nação artificial dentro da verdadeira, de onde pretendia dirigir todos os

interesses e podar a iniciativa particular. O resultado era que “nosso mecanismo constitucional

está inerte; não há quem o desconheça. As molas se oxidaram; os eixos ficaram perros. Para

repô-lo e lhe restituir o movimento, é necessário o impulso de pelo menos uma das três peças;

todas a um tempo fora excelente; mas era empresa para forças magnas” (ALENCAR,

1866:VI). A maior necessidade sentida da política brasileira era, assim, fazer recrudescer a

burocracia do Estado à sua legítima órbita para restabelecer “o equilíbrio entre os três

princípios cardeais da monarquia representativa” (ALENCAR, 1866: 69).

A solução do problema não estava na própria agenda progressista, elaborada por

“utopistas, que afagam um ou outro pensamento bonito, bebido no último livro folheado”

(ALENCAR, 1866: 46). Sua agenda democratizante era válida, mas nem os progressistas,

nem os históricos, questionavam como despertar o povo de sua letargia e romper com a

paralisia burocrática. Num país cujo povo era pobre e analfabeto e, por isso mesmo, onde a

atividade jornalística se tornava caudatária da aristocracia, a imprensa estava incapacitada de

fazê-lo. Ora, se o povo não se afirmava politicamente, entregando o governo à corrupção da

política, ao desequilíbrio do governo misto e ao abastardamento do sistema representativo,

Alencar julgava que a única solução era deixar de lado em caráter excepcional o

parlamentarismo e recorrer à velha interpretação monarquiana da Constituição. Deprimido o

povo num ambiente de completa decadência, a corrupção generalizada provocada pelas

paixões das facções só poderia ser superada por um príncipe alheio ao partidarismo e

comprometido com a coisa pública. Só o Imperador Patriota poderia reunir homens bons à

sua volta, derrotando a aristocracia burocrática e regenerando o governo representativo.

Alencar não só negava a existência do poder pessoal, de que os históricos acusavam a Coroa,

como ia ao extremo oposto de acusá-la de passividade desde o advento da Liga Progressista,

quando deveria ter recusado o governo parlamentar num contexto de corrupção política. A

verdadeira causa desta corrupção estava na falta de educação política e de civismo do povo

brasileiro. A lei não era respeitada porque nos faltaria “aquela fé robusta de sua autonomia,

que tem em alto grau o povo inglês, para quem a lei é uma consciência natural”; ao passo que

a autoridade entre nós não revestiria “o lustre que em França constitui sua maior força”.

(ALENCAR, 1866:14). Era a Pedro II, portanto, que Erasmo se dirigia, para exortá-lo a tomar

as rédeas do governo.

“O único meio eficaz de salvar o país, senhor, é a união firme dos homens de

bem, de que sois o chefe legítimo, contra a imoralidade. É a aliança sincera da

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realeza com a democracia, para regenerar o elemento aristocrático, restringindo

sua influência perniciosa e inoculando novos brios e estímulos que o preservem da

corrupção” (ALENCAR, 1866:48).

A solução alvitrada por Alencar não parece compatível, em princípio, com sua

intenção de acompanhar a evolução do conservadorismo inglês rumo ao parlamentarismo; é

que o deputado cearense resolvia o dilema, na verdade, de uma forma muitíssimo original. Ele

primeiro resgatava a diferença entre poder soberano e poder representativo, fundação e

conservação, excepcionalidade e normalidade, para sobrepor-lhes em seguida as

interpretações monarquiana e liberal da Constituição, respectivamente. Era possível, portanto,

aceitá-las ambas, desde que aplicáveis a diferentes circunstâncias - a primeira, reservada aos

momentos excepcionais; a segunda, aos tempos normais. O Poder Moderador possuiria, por

isso, mesmo dois tipos de função – uma, rotineira, passiva ou regulamentar - a de

conservação e – e outra excepcional, ativa e sobreconstitucional - a de restauração. A Coroa

se prestava rotineira e passivamente à conservação do sistema exercendo suas atribuições

constitucionais, como passivo quarto poder, ou seja, demitindo ministros ou dissolvendo a

Assembléia em caso de conflitos; vetando projetos de lei; reunindo extraordinariamente a

Assembléia, perdoando e anistiando penas, etc. O Imperador não era, para Alencar, chefe do

Executivo; para ele, essa expressão constitucional era meramente reverencial. O Poder

Executivo pertencia aos ministros organizados em gabinete solidário e responsável. Caso o

Imperador enveredasse pelo governo pessoal – ele, que era irresponsável -, exerceria um

poder incompatível com o governo representativo. O chefe de Estado deveria se comportar,

portanto, de acordo com a teoria do poder neutro de Constant, adaptada por Thiers ao governo

parlamentar: o rei reina, mas não governa. O exercício dessas prerrogativas bastava para

manter o equilíbrio constitucional.

No entanto, o Poder Moderador se prestava excepcionalmente ao papel de

restauração do equilíbrio constitucional quando a prática do governo representativo estivesse

corrompida, deteriorando a constituição mista e emperrando o jogo das instituições. Era aí que

Alencar resgatava a interpretação monarquiana do Poder Moderador. Retomando velho topo

coimbrão, o deputado saquarema entendia que a aclamação popular do monarca fizera

desprender da Nação uma parte de sua soberania para encarná-la “em um homem superior,

para adverti-la em seus erros, e resistir à veemência de suas paixões” (ALENCAR, 1866:53);

um chefe que deveria lhe servir de “consciência ilustrada” e com isso servir de contrapeso às

paixões populares. “O Poder Moderador é o eu nacional; a consciência ilustrada do povo.

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Assim como a criatura humana no decorrer da vida é admoestada por um senso íntimo, que a

obriga a refletir sobre a moralidade do ato que vai praticar; a nação recebe do monarca o

mesmo serviço; e muitas vezes o remordimento precursor da má paixão evita suas

conseqüências, obrigando o povo a retrair-se” (ALENCAR, 1866:54). A obrigação de um

monarca constitucional era a de, como um sol, espancar “as brumas das paixões” para, com

sua luz e esplendor, desanuviar para o povo a paisagem política (ALENCAR, 1866:26).

Ocupando um espaço intermediário entre o soberano e Constituição, o Poder Moderador tinha

excepcionalmente o direito de ignorar a teoria do governo parlamentar e exercer o governo

pessoal sempre que os partidos se tornassem “facções perigosas, ou uma empregocracia

formidável que impõe à Coroa os ministros e ao povo, os representantes” (ALENCAR,

1866:65). A descrição da prerrogativa imperial é monarquiana e decisionista, no melhor estilo

dos Carneiros de Campos: só intervenção do Imperador poderia injetar ânimo numa cidade

decaída pelo ocaso do civismo e pela tirania de uma aristocracia enquistada no Estado. Como

Bolingbroke pedia a intervenção do futuro Rei inglês para salvar a Inglaterra da corrupção

whig; Alencar pedia a intervenção de Pedro II para salvar o Brasil da corrupção progressista.

Restaurados e depurados os partidos graças à política do Rei, “a virtude reassumirá seu

império; a emulação para o bem voltará” (ALENCAR, 1866: 82).

* * *

Se, desenvolvendo as percepções de Araújo Porto Alegre, Brás Florentino e José de

Alencar reiteraram a concepção do Marquês de Caravelas acerca do Poder Moderador,

considerando-o um poder de exceção; João Francisco Lisboa e Paulino José Soares de Sousa,

agora Visconde de Uruguai, preferiram fulcrar sua atenção na representação que dele fizera

em 1823 o Marquês de Queluz – a Coroa como o eixo de construção do Estado pela via de

centralização.

Jornalista e historiador, João Francisco Lisboa (1812-1863) era um liberal que,

desiludido com o caráter predatório da política maranhense, passou a criticá-la a partir de

1852 numa série de escritos do seu Jornal de Timon, intitulada Partidos e Eleições no

Maranhão. Esses escritos só foram republicados em forma de livro doze anos depois, em

pleno fastígio do Partido Progressista – ou seja, na época do debate sobre o Poder Moderador.

O pseudônimo escolhido pelo autor – Timon – já antecipa o tom neoclássico da narrativa de

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Lisboa, muito próxima à da antiga geração coimbrã e cuja nota original é, justamente, a

combinação da austeridade clássica na apreciação dos fatos políticos com um agudo realismo

sociológico. À semelhança de José de Alencar, o político maranhense destacava o caráter não-

republicano da sociedade brasileira; todavia, seu olhar apartidário sobre o processo político

provincial, distante da burocracia da Corte, o levava a ver o povo de forma sociológica e

concluir que a apatia cívica radicava na sua miséria. Na medida em que o povo não tinha

capacidade, sozinho, de se erguer às alturas da vida cívica e se defender das facções que o

sujeitavam e privatizavam o Estado, as soluções jamais poderiam ser a descentralização e a

desregulamentação defendidas pelos progressistas. Ao contrário, o que se impunha era

requalificar a presença do Estado para que ele se tornasse um agente do desenvolvimento;

tirar a administração provincial das mãos das facções locais para direcioná-la na promoção do

bem comum. Como esse impulso não poderia vir de baixo, ele deveria vir da Corte, ou seja,

do Imperador. Ou seja, para Lisboa, o povo não estava decaído por excesso de tutela do

Estado, mas por ausência dele.

Um dos temas prediletos do Jornal de Timon era o desnível entre as teorias políticas

européias e a realidade brasileira – tema tipicamente coimbrão: quanto mais longe estavam as

idéias de suas sociedades de origem, mais se tornavam “cópia servil e ridícula de formas

políticas, inventadas para outros debates e outras arenas” (LISBOA, 1995:85). No entanto,

para compreender as causas dessa dissociação, ele ia mais fundo que seus predecessores:

numa sociedade carente de civismo e de vida econômica ativa, o emprego público se tornava

o único meio de vida para aqueles que não queriam orbitar a mandona e bronca aristocracia

rural: “Quando a penúria dos particulares é grande, ou quando eles exercem um predomínio

tão absoluto que ninguém lhes pode opor resistência, é com o Tesouro, ou à custa da fazenda

provincial, que o comércio e as transações se efetuam; (...) tudo serve, mas nada basta para

satisfazer a fome devoradora dos partidistas” (LISBOA, 1995:261). Por outro lado, da

necessidade que os funcionários públicos tinham de preservarem os empregos e de

ascenderem na carreira, eles subordinavam ao cálculo político a justiça, a neutralidade e a

eficiência, que deveriam caracterizar o andamento da administração do Estado. No quadro de

uma sociedade periférica, marcada pela apatia cívica, as idéias se convertiam em ferramentas

para que os jovens talentosos, mas sem alternativas de êxito profissional, melhor pudessem

escalar o Estado pela via da política. Ao invés de educar o povo, as elites o haviam habituado

a fraudar as eleições em seu proveito, como capanga, capoeira, pistoleiro ou fósforo, em troca

de trocados, comida e outros bicos (LISBOA, 1995:259). Fonte teórica de legitimidade do

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sistema, a extrema penúria levava o povo a ver nas eleições um negócio das elites, da qual ela

podia tirar algum proveito, desde que a auxiliasse. Ao invés do espetáculo do civismo, a luta

pelo poder gerava um furor clientelístico que degenerava em violência, pancadaria e

assassinato.

“A par da indiferença, apatia e abstenção das grandes massas da população para

os misteres da vida pública, civil e política, mostra-se o mal contrário na camada

superior da mesma população, que, preterindo todas as mais profissões, não

procura meios de vida senão na carreira dos empregos; não tem outro

entretenimento que a luta e agitação dos partidos, outro estudo que o da ciência

política, sendo tudo bem depressa arrastado pelo impulso cego das paixões para os

últimos limites da exageração e do abuso. E porque as classes superiores são as

que dirigem a sociedade e a classe dos políticos supere entre nós todas as outras,

(...), é ela quem dá o tom e verniz exterior à nossa sociedade e lhe faz tomar as

aparências de um partido exclusivamente dado à política, e aos meneios, fraudes e

torpezas eleitorais; quando a verdade é que o grosso da população, se nisso tem

crime, é pela indiferença, antes conivência, com que contempla os abusos e

escândalos da imperceptível, mas inquieta e turbulenta minoria” (LISBOA,

1995:296).

Havia, portanto, uma completa disparidade entre os conceitos que estruturavam o

sistema representativo e realidade provincial marcada pela carência de vida pública. Não era a

vontade da Nação, e sim a política das facções que determinava “a mudança aparente da

sombra de opinião que na realidade ou não existe, ou é muito fraca para que entre em linha de

conta no exercício das faculdades e veleidades, que dão em resultado as mutações de cenas”

(LISBOA, 1995:291). Devido a pouca complexidade socioeconômica das províncias, a

minoria dominante não podia apresentar reais dissidências ideológicas; por isso, elas eram

inventadas para ocultar o caráter personalista da disputa pelo poder, legitimando, na esfera

pública, o que não passava de rivalidade de clãs. Para fruírem das delícias do poder, as

grandes famílias organizavam os partidos “como quem incorpora uma companhia ou

sociedade mercantil”, distribuindo circulares e periódicos em lugar de ações (LISBOA,

1995:124). Movida pelo patrimonialismo (“filhotismo”) e pelo clientelismo (“patronato”), a

multiplicidade de interesses particulares produzia uma miríade de agremiações, cada qual com

seu jornal e sua linha ideológica; daí que a imprensa fosse exclusivamente partidária, não

passando de “um respiradouro por onde os partidos exalam e vertem seus maus humores”

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(LISBOA, 1995:273). Em função das ambições, essas facções constantemente se coligavam

ou se desfaziam por ligas, fusões, e conciliações, criando assim enormes embaraços à

governabilidade. Mobilizadas por partidos “intolerantes e insaciáveis”, cujos atos traziam

sempre “o cunho do egoísmo e do personalismo”, sem guardar “conformidade de princípios,

nem na generalidade e comunidade de interesses legítimos”, as idéias políticas se tornavam

“simples e cediço manejo com que procuram assegurar no presente, ou captar para o futuro, a

proteção do mais forte” (LISBOA, 1995:287/289).

Mais intensamente do que Alencar, portanto, Lisboa apresentava o Brasil como o

negativo do modelo romano das virtudes cívicas; por isso mesmo, o reformismo progressista

aprofundaria a crise ao invés de resolvê-la. Eram inoperantes os dispositivos que deveriam

evitar a predação do Estado, a quem os liberais queriam dar mais poder: como o Judiciário

também estava nas mãos das facções locais, a efetividade dos direitos constitucionais flutuava

de acordo com a adesão ou oposição aos clãs no poder (LISBOA, 1995:259). Uma vez que os

governadores das províncias eram nomeados de acordo com os interesses dos ministérios, o

mecanismo centralizador também não era capaz de corrigir os abusos, constituindo “outro

grande, e porventura o maior e mais robusto instrumento que manejam os partidos”

(LISBOA, 1995:279). Ideal do governo representativo, a transparência dos interesses sociais

no Estado importaria na colonização definitiva da coisa pública pelas oligarquias provinciais.

Numa sociedade de tal forma corrompida, até a “verdade eleitoral” era inútil porque, na

ausência de espírito público, o fim do clientelismo removeria o único elemento que motivava

as pessoas a tomarem interesse na participação eleitoral. Dada a inconsistência da sociedade

civil e da imprensa, a única solução viável era, mais uma vez, o Rei Patriota.

“Em um país novo, e ainda renovado pelas instituições recentes, onde não há

vícios nem virtudes, nem costumes de qualidade alguma profundamente

arraigados, uma iniciativa vigorosa e franca se faz sobretudo sentir; o impulso

partido do alto achará por toda a parte matéria flexível e branda como cera, pronta

e disposta a amoldar-se em todos os sentidos, e ainda os mais opostos, assim para

o bem como para o mal. Ora, o nosso primeiro mal são os partidos, aliás, meia

dúzia de indivíduos que sob o nome de partidos se agitam na superfície da

sociedade, e desviam toda a sua atenção e atividade para contendas estéreis da

política (...). A estes partidos, pois, fonte e origem de todo o mal, se não única, a

principal, cumpre declarar e fazer guerra incessante e a todo transe, até sua

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completa extirpação do solo que esterilizam e desdouram” (LISBOA,

1995:325/326).

Ainda que, de acordo com os cânones da monarquia constitucional, o monarca

devesse se manter longe da política e, portanto, da ação abastardante das facções, Lisboa

entendia que num país como o Brasil, onde tudo estava por ser feito, o Imperador era uma

figura preciosa demais para ser passiva. Na medida em que só o chefe do Estado era

desprendido da baixeza e da ambição que, contaminando o poder social, se projetavam na

política, ele era o único ator político capaz de esmagar os partidos e reordenar a administração

tendo em vista os interesses gerais, o bem comum. A substituição das paixões oligárquicas no

governo provincial pela virtude do Imperador do alto e da Corte era a única atitude que

poderia gerar um círculo virtuoso de moralidade que incutisse o civismo na política brasileira.

Suprimida a politicagem, moralizada a administração, as províncias passariam por um

processo de crescimento econômico que aos poucos retiraria o povo de sua dependência,

elevando-o ao padrão cívico exigido pelo sistema representativo e reduzindo, assim, a

distância entre a idealidade da teoria e a concretude da realidade. Lisboa reiterava assim

claramente a precedência do político sobre o econômico, o republicanismo sobre o liberalismo

e a centralização em torno do governo do chefe do Estado.

“Haja embora províncias em que o governo se ostente e seja efetivamente político,

mas em outras o seu dever é mostrar-se exclusivamente administrativo,

promovendo a agricultura e a indústria, e por elas o bem-estar e a moralidade da

população. (...) Mas, para que se arranque e extinga um mal tão inveterado (...), é

mister que o impulso parta não já de gabinetes efêmeros, contraditórios e

oscilantes, senão do próprio chefe do Estado, que, sendo possível, deve não só

reinar e governar, como administrar, e descer aos mais minuciosos pormenores do

governo destas pequenas províncias. Se nos faltar esse impulso superior,

permanente e desinteressado, mal de nós e delas que irão de dia para dia piorando

de situação” (LISBOA, 1995:326 e329).

Orientação similar era a de Paulino José Soares de Sousa (1807-1866), amigo de

Lisboa. Entre a redação das leis do Regresso sob a supervisão de seu mestre, Bernardo Pereira

de Vasconcelos, até a publicação do Ensaio sobre o Direito Administrativo, vinte e cinco anos

depois, Paulino, agora Visconde de Uruguai, se tornara um dos mais experientes estadistas

brasileiros, referência nacional em matéria diplomática, administrativa e política. Membro da

trindade saquarema, Uruguai se afastara progressivamente das atividades político-partidárias

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durante os primeiros gabinetes da Conciliação e, depois de anos na Europa em missão

diplomática, retornou ao Brasil para se dedicar aos seus afazeres de senador e conselheiro de

Estado. Tendo mesmo recusado a Presidência do Conselho que lhe oferecera o Imperador,

Uruguai preferiu dedicar-se à elaboração de obras que coligissem suas reflexões intelectuais e

sua experiência, a fim de sistematizar as reflexões até então fragmentariamente expostas pelos

saquaremas em discursos parlamentares, artigos de jornal ou opúsculos. Então surgiram o

Ensaio sobre o Direito Administrativo, em 1862, e os Estudos Práticos sobre a

Administração das Províncias, em 1865. Pela dimensão intelectual e fôlego de suas obras, o

Visconde de Uruguai se fez o maior doutrinário conservador de seu tempo, comparável a José

Bonifácio, no alcance político, e a Caravelas, no alcance constitucional. Embora o Ensaio não

tenha sido concebido como uma resposta à doutrina progressista do Poder Moderador, a

polêmica acesa por Zacarias durante sua confecção obrigou Uruguai a redigir uma parte

adicional dedicada especificamente a refutá-la. Ao contrário do que pretendem outros

comentaristas de sua obra, para quem o Poder Moderador teria nela entrado como um corpo

estranho ou “de maneira um tanto torta” (CARVALHO, 2002), penso que tal tenha ocorrido,

porque a concepção saquarema do quarto poder era um pressuposto mesmo de seu projeto

nacional. Nesse caso, seu questionamento obrigou Uruguai a explicitar o fundamento político

de uma proposta que se pretendia, inicialmente, puramente administrativa. Não por acaso, o

Ensaio foi recebido pela imprensa progressista como “panfleto indecente (...) para endeusar o

sistema napoleônico e defender o status quo” (In: MASCARENHAS, 1961:267).

Uruguai se apresentava publicamente como discípulo de Bernardo Pereira de

Vasconcelos - “homem eminente e profundo, que não se contentava com idéias superficiais”

(URUGUAI, 1960:480) 68. Como os demais chefes conservadores, ele acreditava que suas

idéias correspondiam a imperativos para a consolidação do Estado e a garantia da grandeza

futura da Nação; do mesmo modo, concordava com João Francisco Lisboa numa série de

pontos. O primeiro dele era quanto à incultura do meio brasileiro e à pouca seriedade com que

os partidos lidavam com as idéias, importando-as de modo acrítico e desprezando a

experiência acumulada no passado (URUGUAI, 1960:8). Como havia no Brasil uma

disjunção entre idéias européias e realidade local, o instrumental cognitivo precisava ser

68 O fato é corroborado pelo biógrafo de Uruguai: “Foi no apogeu de sua carreira, quando seus discursos faziam ruir o trono do regente (Feijó), que Paulino se ligou mais intimamente a Vasconcelos. E, pelo orador que dominava então o parlamento, o moço que seria o seu discípulo predileto teve a mais profunda veneração. (...) Pela amizade que os uniu, é certo ter sido Vasconcelos o político que mais influência exerceu sobre Paulino; entretanto, das cartas de Vasconcelos a Paulino, verifica-se que o discípulo teve, desde o começo, sobre o pensamento do mestre, uma ascendência capaz de modificá-lo profundamente” (SOARES DE SOUSA, 1944:62).

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qualificado para reduzir a disparidade entre os dois mundos. Daí que ele afirmasse – desta

vez, como Caravelas – que, sem conhecimento do meio, legislar era tão eficaz quanto escrever

na areia. “Para se julgar as instituições, é preciso atender aos tempos e às circunstâncias” (In:

SOARES DE SOUSA, 1944:80). Ao exemplo, agora, de José Bonifácio, Uruguai acreditava

que o receituário que na Europa recomendava o enfraquecimento da autoridade do Estado e a

valorização do individualismo para se chegar ao liberalismo, ao progresso e à democracia no

Brasil não podiam ser seguido. Em primeiro lugar, por conta do desnível civilizatório entre o

litoral e o interior do país, as imensas distâncias do território e a precariedade das vias de

comunicação e o próprio fato de o país ser ainda muito novo. Ademais, as relações sociais

entre os cidadãos brasileiros ainda não estavam suficientemente reguladas pelo Estado, para

que a autoridade política pudesse começar a se retirar de cena; ainda não existia uma cultura

política de liberdade e igualdade entre os cidadãos. Muito pelo contrário, frente à realidade de

abandono e isolamento das populações do interior, dominadas pelos senhores rurais, a tarefa

integradora e reguladora do Estado nacional estava apenas no início. O saquarema Uruguai

era, assim, perfeitamente coimbrão no projeto nacional e monarquiano na sua retórica política.

Nessa tarefa de tornar o país mais forte e homogêneo por meio do Estado, Paulino

necessariamente discordava dos progressistas, principalmente de Tavares Bastos, achando que

o modelo político francês, unitário e administrativista, ainda tinha muito a nos ensinar. Esse

modelo se achava justificado do ponto de vista liberal em obras como a História da

Civilização na Europa, de Guizot, e A Centralização, de Charles Dupont-White (1807-1878);

além disso, ele encontrava seu pendant jurídico no extraordinário desenvolvimento do direito

administrativo naquele país, que exportara o sistema de justiça administrativa unitária para o

restante da Europa continental por meio de autores como Firmin Laferrière (1798-1861),

Auguste Vivien (1799-1854) e Adolphe Chauveau (1802-1869). A centralização política era

vista por todos esses autores como uma dos principais veículos da superação das estruturas

feudais, que começara durante o absolutismo e depois da Revolução Francesa fora

incorporada ao patrimônio liberal (LAFERRIÈRE, 1838). Ela se confundia com a própria

marcha do progresso que caracterizava a história da civilização e que justificava o predomínio

político da capital sobre a província, já que era dela que o Estado deveria estender seus

tentáculos para abarcar conjunto do território, uniformizando os costumes e integrando o povo

à ordem constitucional. Ao comparar a centralização à própria lei, imparcial e distante frente

às paixões locais e individuais, Dupont-White também associava localidade à parcialidade, e,

por sua vez, à feudalidade: “Centralização política e capital preponderante não são senão uma

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mesma coisa. Há ai duas forças, que nascem do mesmo fundo. Sim, a execução central da lei

é um principio de influência para o Estado, mas também uma capital diante do Estado figura

como um censor, um juiz, um justiceiro mesmo. Vós tendes ai conjugados, paralelamente de

alguma forma, o peso e o contrapeso, um equilíbrio inato” (DUPONT-WHITE, 1860:5).A

centralização era assim justificada pela necessidade que tinha o Estado de, em nome da

civilização, combater a influência da aristocracia rural, que com seu prestígio social mantinha

a população ignorante e oprimida à sombra do castelo e da igreja.

Ora, segundo o Visconde de Uruguai, o equivalente dos recalcitrantes aristocratas

rurais franceses, no Brasil, eram os fazendeiros e senhores de engenho insubmissos, que

mantinham, à sombra de suas casas grandes e capelas, uma população ainda mais dominada e

bárbara do que a francesa, porque mais completamente fora do alcance do poder público

(URUGUAI, 1841:18). Por conta de suas gigantescas assimetrias geográficas e sociais, o

progresso, no Brasil exigia a construção de um Estado capaz de garantir a liberdade e a

igualdade necessárias à ordem liberal, como condição à posterior emancipação dos indivíduos

de sua tutela. Por isso, Uruguai achava que a política adequada ao Brasil não era aquela

preconizada pelos chamados liberais ou progressistas, que demandavam o absenteísmo do

Estado. Nesse aspecto, Uruguai glosava Dupont-White: “quem diz poder local, diz sociedade

sem ordem, sem bem-estar, quase não é sociedade. Não há aí senão capricho para com os

governados, guerra entre os governantes; nem justiça no interior, nem força no exterior. (...)

Um poder central, atraindo para si a soberania, provendo por toda a parte os homens dos

meios de se alimentarem, é o único capaz de fundar uma pátria com base na ordem e na

justiça provadas em comum” (DUPONT-WHITE, 1860:11). Como na Europa do século

dezessete, cumpria antes dobrar a espinha dos potentados à autoridade do Estado,

representante da civilização mundial cuja principal cabeça de ponte, no Brasil, era o Rio de

Janeiro.

“O poder central administra melhor as localidades, quando estas são ignorantes e

bárbaras, e aquele, ilustrado; quando aquele é ativo e estas, inertes; e quando as

mesmas localidades se acham divididas por paixões e parcialidades odientas, que

tornam impossível uma administração justa e regular. Então, a ação do poder

central, que está mais alto e mais longe; que tem mais pejo e é mais imparcial,

oferece mais garantias” (URUGUAI, 1960:353).

Daí os motivos pelos quais Uruguai condenava de maneira tão veemente o modo

como os liberais e os progressistas exploravam o ideário anglófilo e americanista, a partir de

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suas observações superficiais e apressadas e, o que era pior, na sua falta de uma sociologia

política comparada adequada. Pela leitura de Tocqueville, Paulino reconhecia que, de fato,

eram na Inglaterra e nos Estados Unidos onde se encontrava “mais inteligência coletiva; mais

espírito de associação, mais idéias e afeições comuns”, de molde a uniformizar os espíritos

em torno de uma nacionalidade comum. O visconde entendia, porém, que as responsáveis por

esse estado de coisas não eram as leis liberais, mas o espírito público que lhes precedia e a

vivência pragmática dos problemas administrativos. Para tanto, o que Uruguai fazia era

aprofundar os argumentos que o Marquês de Caravelas expusera na primeira década da

independência. Os Estados Unidos haviam herdado dos ingleses a autonomia, a localidade, o

espírito democrático do puritanismo; como lhes bastavam os hábitos sociais para produzir a

excelência de suas eleições, de sua imprensa e de sua tribuna parlamentar, o mundo anglófono

podia dispensar os mecanismos como o unitarismo e a uniformidade administrativa, de que se

valiam os países da Europa ocidental para aperfeiçoar os seus governos e salvaguardar as

liberdades públicas. A homogeneidade do povo e a institucionalidade viabilizavam a

democracia e o federalismo no mundo anglo-saxão, ao passo que no mundo latino, onde o

grau de consenso social era baixo, e o potencial disruptivo, elevado, o unitarismo era

indispensável para compensar a base arenosa da sociedade e civilizá-la o quanto antes. Isto

era tanto mais verdadeiro na América Ibérica: na ausência dos pressupostos culturais que

escoravam as instituições políticas modernas, a falta de vertebração política da sociedade

convertia o autogoverno num nome vão, e a liberdade, em anarquia, caudilhagem e opressão

aristocrática. Nesse caso, somente um governo centralizado, descomprometido com as facções

e com o localismo poderia garantir a ordem pública e a efetividade da Constituição

(URUGUAI, 1960: 385,12). Daí a necessidade, na Europa continental e na América Ibérica,

de uma administração pública, desenvolvida e uniforme em seus procedimentos, separada da

política. Esta administração, a única capaz de salvaguardar a ordem liberal no mundo latino -

só o modelo francês poderia proporcionar69.

69 Isso não quer dizer que, para Uruguai, a idéia de autogoverno deveria ser proscrita. Se, por um lado, ela era conveniente em países muito extensos e pouco povoados, não haveria, por outro, qualquer outra escola capaz de incutir no povo o espírito da liberdade. Ocorre que, à semelhança de Caravelas, o visconde entendia que esse autogoverno deveria ser introduzido aos poucos, de forma prudente, sujeito à tutela administrativa e a certos corretivos, a fim de que se entranhasse nos costumes do povo – e não de chofre, por imposição legal. Isso era particularmente verdadeiro no caso do Brasil, onde a experiência desastrosa da Regência, com seu “arremedo imperfeitíssimo e manco das instituições dos Estados Unidos”, comprovara nossa ausência absoluta de espírito público. Uruguai não tinha a ilusão de que, com as leis de interpretação do Ato Adicional e a de 3 de dezembro de 1841, o poder se imunizara ao partidarismo; entretanto, ele acreditava que o caráter da luta política se modificara, ao se transplantar, do ambiente bárbaro dos sertões - onde era travada com a força bruta pela coação da população local e de seus adversários políticos - para o ambiente civilizado, esclarecido e publicizado da Corte, onde a luta se justificava em torno de princípios políticos no Parlamento. Da mesma forma, ficava aberta a

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Para Uruguai, a idéia de vontade nacional como guia da orientação partidária

precisava ser relativizada: desde que fossem respeitadas a propriedade, a justiça e a religião, a

maioria de qualquer sociedade era sempre indiferente à política. Fora disso, havia as minorias

partidárias, cada qual se arrogando o papel de intérprete da vontade geral (URUGUAI,

1960:503). Haja vista a divergência cultural entre o mundo anglo-saxão e o mundo latino e,

por extensão, dos diferentes modelos políticos e administrativos que lhes eram convenientes

para manter seus governos constitucionais e representativos, a Uruguai parecia que, na

política brasileira, havia um falso paralelismo entre pertencer “à opinião chamada liberal” (ao

Partido Liberal ou Progressista) e ser “verdadeiramente liberal” (URUGUAI, 1960:493). O

que era apregoado como progressismo ou liberalismo era, na verdade, feudalismo, ao passo

que aquilo que se considerava conservadorismo era, por sua vez, o progresso ou o verdadeiro

liberalismo (URUGUAI, 1865, II: 424). Evidência desse curto-circuito entre teoria discursiva

e prática política era o modo como os liberais (isto é, o movimento) haviam encaminhado o

Ato Adicional, sacrificando as municipalidades em benefício das oligarquias provinciais,

contra todos os princípios anglo-saxões de self government local que trombeteavam então. Os

chefes liberais tentavam sempre, por todos os meios, “se consolidar e perpetuar, acastelando-

se nas assembléias provinciais, nas capitais das províncias, reunindo em suas mãos o feixe das

rédeas que haviam de conservar na dependência e dirigir os mais pequenos negócios dos

municípios”. Entre nós, por conseguinte, “o grande liberal” se revelava “um verdadeiro

tiranete, que quer dispor e dispõe de tudo a seu talante”; ao pretender “substituir o que

chamavam o filhotismo e a oligarquia (dos conservadores) por um filhotismo e oligarquia

verdadeiros e maiores” (In: SOARES DE SOUSA, 1944:619).

Assim, para Uruguai, o liberalismo partidário não passava de cortina de fumaça para

que os progressistas saciassem sua fome de cargos e tranqüilizassem os latifundiários

provinciais, temerosos de que a expansão do Estado promovida pelos saquaremas

emancipasse de seu jugo o povo do campo. A verdade era que, ao colocar um paradeiro na

absorção dos municípios pelas províncias, a conservadora lei de Interpretação se revelara

“mais liberal que a dos liberais”, ou seja, do que o próprio Ato Adicional promovido pelos

moderados de movimento, hoje liberais (URUGUAI, 1865, I: XXVII). Frente à pretensão

feudal dos liberais, representantes da aristocracia rural provincial, “a grande missão liberal do

possibilidade de que, desde que o partido contrário subisse ao poder, encontraria meios de desmontar a máquina montada pelo partido anterior. Ou seja, se a lei permitia que o partido no centro se encastelasse no poder, também permitia que o novo partido desencastelasse imediatamente os adversários, desde que o Poder Moderador invertesse a situação política.

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Partido Conservador” era precisamente a de “combater e derrocar esses castelos, senão a bem

da liberdade (dominação) de poucos, a bem da liberdade de muitos” (URUGUAI, 1865, I:

XXVII; 208). Eis o que era “tirar a limpo o verdadeiro progresso” (URUGUAI, 1865, II:

426). Em suma: alardeando o progresso, mas promovendo o privatismo e a fragmentação do

país, os liberais revelavam, na verdade, desejar o regresso; ao passo que, salvando o interesse

público e a unidade nacional, os conservadores ou regressistas é que eram responsáveis pelo

pouco progresso do país desde 1822.

Uruguai estava, pois, de acordo com Eusébio de Queirós. Se o destino dos

saquaremas era o de lutar contra a política dos liberais - retoricamente progressista, na

verdade oligárquica - e promover a construção do Estado nacional a partir da capital do

Império, o problema do sistema representativo brasileiro não estava tanto na burocracia da

Corte, centro difusor da civilização, mas no privatismo das oligarquias provinciais, bastião da

barbárie e do feudalidade. Por conseguinte, ao invés de instrumento do absolutismo, a

centralização política voltava a ser, como no discurso coimbrão, o veículo por excelência do

progresso nacional. Ela deveria constituir o filtro imparcial a separar os grandes interesses

nacionais da política cotidiana, a cargo do Legislativo, e a dos interesses particulares, a

cargo do Judiciário. Por isso mesmo, a administração precisava ser blindada contra os

interesses subalternos, para que pudesse surtir seus salutares efeitos. Fazendo dela um “vasto

campo dos favores, e o meio de procurar apoio político, às vezes momentâneo, com grande

prejuízo dos serviços administrativos, e às vezes com grande desmoralização”, a voracidade

clientelística impedia uma adequada separação entre política e administração. O spoil system

brasileiro mudava a administração a cada vez que mudava o governo, sofrendo a rotina

administrativa, assim, de grande instabilidade (URUGUAI, 1960:28). Era bem nesse ponto

que Uruguai descrevia o estado calamitoso assumido pelo Estado brasileiro depois da

Conciliação: “O país ainda não está organizado. Tem política e mais política. É preciso pôr

ordem na vossa casa, que está em grande confusão, para evitar um futuro pior que o presente,

que nada tem de bom” (URUGUAI, 1865, II: 426). Na esteira da tradição saquarema,

portanto, ele pensava que o enfraquecimento da Coroa e a concomitante transparência dos

interesses sociais na esfera do Estado, sugeridos pelos progressistas, iria aprofundar a crise do

sistema representativo, tornando o Brasil ingovernável pela fragmentação e impotência da

coisa pública frente ao privatismo.

“Tudo é política, especialmente pessoal; tudo ressumbra política, e é considerado

pelo lado político. A imprensa somente se ocupa de política; todas as discussões

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nas câmaras e fora delas são políticas, ou têm relação com a política. As grandes

questões econômicas e administrativas, que tanto importam ao futuro do Império,

são postas de lado, exceto quando acidental e ocasionalmente, se manifesta a

urgência da solução de algum caso especial. (...) Não há, sobretudo agora,

verdadeiro espírito público. As antigas bandeiras quase que desapareceram.

Preponderam as paixões e os interesses na maior parte dos lugares. Não se luta

por princípios claros e definidos. Luta-se por pessoas, por posições, influência e

para granjear patronos que obtenham favores. Tem-se infelizmente arraigado, no

geral da nossa população, a crença de que coisa alguma se obtém, senão pelo

empenho, e - que é o mais forte - o que provém da influência eleitoral. (...) Tudo

isso estraga, corrompe e desmoraliza” (URUGUAI, 1960:449).

Era como se Alberto Torres falasse mediunicamente pela boca de Uruguai, cinqüenta

anos antes de publicar A Organização Nacional. A solução não estava no enfraquecimento da

centralização, mas no seu aperfeiçoamento. Contando com a experiência pretérita e tendo por

referência o modelo francês, seria possível, por uma assimilação crítica de idéias, tirar a

ciência administrativa brasileira de seu estado de “perfeito embrião” e desenvolver

instituições apropriadas às circunstâncias nacionais; assim, as estruturas do Estado ficariam

completas e ele poderia concretizar os direitos fundamentais que a Constituição previra ao

conjunto dos cidadãos do Império (URUGUAI, 1865, I: 367). Efetuada em Portugal por

Mouzinho da Silveira, racionalizando e despersonalizando a burocracia do Estado, desde o

gabinete Monte Alegre (1849-1852) os saquaremas viam a reforma administrativa à francesa

como o coroamento de sua obra de construção do Estado imperial. Encarregado pelo Marquês

de Olinda, então Presidente do Conselho, de desenvolver os arrazoados deixados por Pimenta

Bueno em 1857, Uruguai enfrentou o assunto no ano seguinte e o resultado foi o relatório

denominado Bases para Melhor Organização das Administrações Provinciais. Embrião do

Ensaio, Uruguai já aí defendia a separação entre administração e política por meio de uma

reforma marcada pela descentralização administrativa, pelo aprimoramento do contencioso e

dos controles técnicos – medidas que, por suas vezes, passavam pelo reforço das garantias

procedimentais, do sistema recursal e de uma boa composição dos tribunais administrativos.

O judiciarismo norte-americano não podia aí ter lugar, porque as relações entre Estado e

indivíduo envolviam interesse público e, portanto, poder discricionário – o que não era

admissível na tradição judiciária francesa.

Como não era possível civilizar o país espontaneamente pela via da sociedade e da

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economia, Uruguai combatia a pretensão de Tavares Bastos e José de Alencar, de reduzir a

burocracia, defendendo, ao contrário, a reforma da administração e a contratação de novos

funcionários, a fim de expandi-la de forma ordenada e racional. Mais do que o excesso de

burocratas na Corte, mal que Uruguai reconhecia, o problema da administração nacional

estava na sua insuficiência nas províncias; conforme ele dizia, o Estado brasileiro era um

corpo de enorme cabeça e braços atrofiados. Para ele desempenhasse suas incumbências a

contento nas capitais e no interior, a administração precisava de suficientes auxiliares; a

criação de uma nova classe de empregados gerais, os agentes administrativos, ampliaria o raio

de ação do contencioso e o desconcentraria das mãos do governador, seu juiz último. Na

esteira da metáfora empregada por Queluz, Uruguai qualificava o presidente provincial como

olheiro do governo central, o “agente superior do poder geral”, “zelador, fiscal dos direitos da

União” (URUGUAI, 1865, II: 414). Nem por isso, deixava de reconhecer que eles precisavam

de mais autonomia face ao ministério. O problema era que, ao invés de representantes do

Imperador, como queria a Constituição, eles eram na prática representantes do gabinete e,

como tais, instrumentos de partido. Para resolver a questão, Uruguai seguia as sugestões de

Lisboa e de São Vicente: em primeiro lugar, os governadores deveriam ser efetivamente

escolhidos pela Coroa; ademais, deveriam ser criados agentes administrativos municipais,

para combater os excessos da aristocracia rural contra a população; e conselhos que,

nomeados pelo centro, atuassem junto aos governadores como tribunais administrativos,

“ilustrando, preparando e estudando as questões, conservando as tradições, uniformizando a

marcha administrativa, contribuindo para que tivesse seguimento, fiscalizando-a por esse

modo e tornando mais claros e patentes a responsabilidade e os desvios” (URUGUAI,

1960:126).

Também o inoperante controle normativo de constitucionalidade precisava ser

revigorado, reformando-se o próprio Conselho de Estado para transformá-lo num órgão de

cúpula da justiça administrativa (URUGUAI, 1858:14). Este ponto é particularmente

importante, porque todas as obras de direito público até hoje teimam em afirmar que não

havia controle normativo de constitucionalidade sob a monarquia70. O fato é que ele havia,

embora apenas para as leis provinciais e era exercido, não pelo Judiciário, mas, de forma

precária, pelo Legislativo. Uruguai entendia que esse disfuncionamento no controle decorria

das lacunas do Ato Adicional, que o criara: havia dezenas e dezenas de leis provinciais

70 Assim, por exemplo, Luís Roberto Barroso, O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro: “Ausente do regime da Constituição imperial de 1824, o controle de constitucionalidade foi introduzido no Brasil com a República” (BARROSO, 2006:62).

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inconstitucionais, que passavam por cima das competências da União, e que sobreviviam, sem

serem banidas do ordenamento jurídico. Mesmo depois da lei de interpretação de 1840

subsistiriam graves lacunas na compreensão do Ato, cujas soluções, fornecidas de forma

casuística e assistemática pela administração, aumentavam ao invés de reduzir o “caos

administrativo em que vivemos” (URUGUAI, 1865, I: XLXI). A grande fonte das

inconstitucionalidades eram justamente as assembléias provinciais que, dominadas pelo

espírito partidário, não tinham escrúpulos em legislar contra as competências

constitucionalmente estabelecidas do governo geral. Por outro lado, o controle normativo era

“moroso e na prática ineficassíssimo” porque a Assembléia Geral não dispunha de tempo,

imparcialidade ou preparo técnico para cuidar dessas questões (URUGUAI, 1865, II:

424/425). A solução passava pela nomeação de uma comissão de “homens ilustrados e

práticos” que, auxiliando os ministros de Estado, examinassem toda a legislação provincial

inconstitucional em vigor, recomendando sua revogação (URUGUAI, 1865, I: XLIV).

Embora admitisse que o controle jurisdicional da constitucionalidade à americana era um

remédio “permanente, pronto e eficacíssimo”, o visconde se apressava em rejeitar a hipótese

de introduzi-la no Brasil. A razão era a mesma de Caravelas e dos outros coimbrões:

monárquico, o Brasil pertencia ao universo franco-continental; daí que, “entre nós,

coerentemente com o nosso sistema, pertence a interpretação do Ato Adicional à Assembléia

Legislativa” (URUGUAI, 1865, II: 429).

Tendentes a blindar a administração contra a política, todas essas medidas

pressupunham, porém, autoridades neutras e apartidárias na cúspide do Estado, cujas

competências e atribuições estivessem resguardadas contra o clientelismo ministerial e sua

tendência de ver cargos administrativos como moeda de troca. A criação de conselhos

provinciais e a nomeação dos presidentes de província dentre as pessoas da confiança do

Imperador eram conseqüências da homologia entre as instituições provinciais e as nacionais.

Assim, se as assembléias provinciais, feitas à imagem da Assembléia Geral, eram os redutos

por excelência da política em nível provincial, os governadores, ilustrados e auxiliados pelos

conselhos administrativos, deveriam se ocupar apenas da alta política e da administração, tal

como na Corte fazia o Imperador, auxiliado e cercado de seus conselheiros de Estado. Era

nesse ponto que o desígnio de separar a administração da política se articulava com a

centralização e o Poder Moderador. É que, pairando acima de todas as divisões e inacessíveis

ao interesses particulares graças à tradição e à vitaliciedade, Uruguai via no Imperador e no

Conselho de Estado as garantias supremas de que a imparcialidade do espírito público haveria

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de prevalecer sempre contra as mazelas da realidade social brasileira, marcada pelo mais

intenso privatismo; eram a garantia de que, na terra por excelência da corrupção e do

facciosismo, o Estado conseguiria preservar seu caráter republicano e civilizador.

Eis porque o tema aparentemente só político do Poder Moderador surgia com tanta

força numa obra que, aparentemente, versava apenas sobre direito administrativo. Instituição

sem a qual o Estado se tornava “uma máquina incapaz de funcionar algum tempo sem estalar

e desorganizar-se” (URUGUAI, 1960:496 e 259), dotada de “toda a força necessária para

combater franca, eficazmente e a tempo a revolução, sem recorrer a meios ilegais e

extremos”; “permanente, desapaixonado, ou mais imparcial, mais desinteressado nas lutas”

(URUGUAI, 1960:261), o Poder Moderador era o vértice da qual precisava depender direta

ou indiretamente toda a teia político-administrativa articulada pela centralização. Era por isso

que, ao voltar sua vista ao momento fundador da nacionalidade, Uruguai fazia o elogio

histórico dos conselheiros de Estado do primeiro Imperador, de quem se fazia legatário. A

dissolução da Constituinte havia sido “um dos maiores serviços entre muitos que nos prestou

o Senhor Dom Pedro I” (URUGUAI, 1960:493). Apenas estadistas de visão como os

coimbrões poderiam ter criado duas instituições complementares, desgarradas dos interesses

partidários, como o Poder Moderador e o Conselho de Estado. A despeito de seus senões71,

dentre todas as instituições, o Conselho de Estado era aquela que, “na obscuridade, tem

trabalhado mais para montar o país e firmar as boas doutrinas” (URUGUAI, 1865, I: XLVII).

Repetindo a teoria das formas de governo elaborada por Caravelas, Uruguai

sustentava que a causa da longevidade das instituições constitucionais brasileiras, comparada

à brevidade das constituições francesas e espanholas, residia na expressa separação expressa

entre o Executivo e Moderador, sugerida por Constant. Do contrário, a monarquia

constitucional ficava convertida em monarquia republicana ou simplesmente república, forma

de governo “que não tem, nem pode ter outro móvel, senão os interesses, as opiniões, as

paixões dos partidos políticos, que é o governo cujo chefe deve ser responsável, para que não

se desmande de todo” (URUGUAI, 1960:261). A irresponsabilidade ministerial pelos atos do

71Isso não quer dizer que Uruguai não tivesse críticas quanto à forma como o Conselho estava composto. Ela criticava, por exemplo, o fato de um mesmo conselho acumular a atividade puramente política de aconselhamento da Coroa, quando de questões graves do poder executivo ou de exercício do Poder Moderador, com as consultas que fazia em matéria puramente administrativa. Teria sido mais conveniente criar um Conselho Privado, destinado ao aconselhamento político, isto é, de medidas discricionárias, ficando o de Estado restrito à tarefa de aconselhamento administrativo, ou seja, de questões legais referentes ao contencioso. A confusão entre funções políticas e administrativas complicava a vida do conselheiro que também era político, obrigado a opinar de modo suprapartidário no conselho e partidário na Assembléia Geral. Além disso, uma vez que o Conselho cobria a responsabilidade pelos atos da Coroa, a lei que o restabelecera em 1842 deveria ter imposto a oitiva obrigatória e não facultativa dos conselheiros.

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Poder Moderador era corolário necessário da sua independência, pois, se assim não fosse,

fazendo “depender o fiscal do fiscalizado”, a delegação que a Nação fizera privativamente à

pessoa do imperante acabaria usurpada pelo gabinete, erigido em oligarquia72. Numa

sociedade carente de civismo, incapaz de perceber o próprio interesse, a independência do

Poder Moderador era fundamental para que, na qualidade de primeira representante e

defensora perpétua do Brasil, a ação tutelar da Coroa pudesse suprir a ausência de povo

politicamente organizado e preservar a ordem constitucional por meio da centralização. Desse

ponto justificava-se o combate à pretensão dos progressistas de projetar os interesses da

sociedade civil sobre as instituições do Estado, forjando pelo parlamentarismo uma

transparência entre as duas instâncias. Na perspectiva de Uruguai, o Estado deveria, ao

contrário, mostrar-se ao máximo autônomo e sobranceiro à esta sociedade, moldando-a

conforme a exigência da política moderna. Na medida em que a força e o prestígio da

monarquia eram “a maior necessidade da nossa época” (URUGUAI, 1960:310), era preciso a

todo o custo combater a “cloaca a que chamarei parlamentarismo, excelente coisa para os

ambiciosos, os turbulentos, faladores, audazes, sem-vergonhas, trapalhões, etc.etc.” (In:

MASCARENHAS, 1961:172).

Nesse ponto, é preciso verificar mais as relações entre a obra de Uruguai e aquela

desenvolvida pelos conservadores franceses. Quando, em 1846, Thiers subiu à tribuna da

Câmara dos Deputados francesa para acusar governo pessoal de Luís Felipe e repetir que o rei

reinava, mas não governava, Guizot defendera o monarca alegando que, para os

conservadores, o trono não era uma poltrona vazia: “O trono não é uma poltrona onde se

tenha posto um aviso para que ninguém pudesse aí se sentar, e unicamente para prevenir a

usurpação”. Para o Presidente do Conselho francês, a realeza era “necessária, não somente

para prevenir a usurpação, não somente para parar os ambiciosos, mas como parte ativa e real

do governo”. O monarca era “uma pessoa inteligente e livre, que tem suas idéias, seus

sentimentos, seus desejos, suas vontades, como todos os seres reais e vivos” e, como tal, seu

dever era o de “não governar, senão de acordo com os grandes poderes públicos instituídos

pela Carta, com sua adesão, com seu apoio. Foi a este dever que Carlos X faltou” (GUIZOT,

1861:228). Mas Uruguai não se limitou a repetir os argumentos de Guizot. Embora admitisse

72 Caso o Poder Moderador dependesse da aquiescência dos ministros, dar-se-iam “as lutas surdas, dar-se-ão as intrigas, e enredos parlamentares, que tanto assinalaram os últimos tempos da realeza constitucional na França. Dependendo os ministros unicamente das maiorias, tudo hão de sacrificar para ajeitá-las, a fim de com elas pesarem sobre a Coroa. Há de se tornar para eles uma necessidade indeclinável a de intervir nas eleições para formar maiorias. A corrupção que dai necessariamente vem há de acabar de abismar o país”. Ademais, dividida a Nação “em partidos encarniçados, se estiver no poder um partido opressor, não haverá um poder superior, independente, sobranceiro às paixões que valha aos oprimidos” (URUGUAI, 1960:308).

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que a influência da Câmara dos Deputados na formação do governo era condição necessária

do governo representativo, Uruguai apontava a grande distância entre a prática efetiva do

governo parlamentar e “o governo exclusivo, completo e absoluto das maiorias”, que era

inconstitucional, além de inviável e inconveniente (URUGUAI, 1960:335).

No plano da teoria, Paulino argumentava que a máxima o rei reina e não governa

não explicava o que fosse reinar, e que os principais intérpretes da Constituição inglesa - Cox,

Macauley e Brougham, todos partidários do governo misto (sintomaticamente, Mill não era

citado) - destacavam a decidida influência que os monarcas ingleses tinham sobre seus

governos. Na verdade, era um erro de análise que levava a esquerda liberal a acreditar que a

Coroa inglesa se tornara irrelevante: é que a universalidade do espírito público impedia, na

Inglaterra, o descompasso entre a opinião e os resultados eleitorais. Essa íntima conexão

permitia ao príncipe verificar as preferências do eleitorado e governar a partir delas, dando a

impressão de que quem governava, na verdade, era o Parlamento. Ocorre que o governo

parlamentar só era viável na presença de um sistema partidário sólido, com “maiorias firmes,

constantes, compactas, com princípios claros e definidos, dirigidas por chefes influentes,

ativos e prestigiosos”; “minorias ativas e valentes com bandeiras visíveis, lidadoras, para que

as maiorias se conservem cerradas, disciplinadas e obedientes a seus chefes”, e ainda “um

continuado contato e acordo dos ministros com aquelas maiorias e seus chefes, em cuja

dependência ficam” (URUGUAI, 1960:331). Mesmo os modelos defendidos por Thiers e

Guizot exigiam um elevado grau de adversidade ou antagonismo que obrigasse os partidos a

manter claros os princípios que os opunham e estreitar a disciplina de seus associados. Era o

que acontecia na Grã-Bretanha, por conta da dissidência parlamentar de Sir Robert Peel:

quando o país cansava dessas lutas encarniçadas, a radicalidade do conflito se esvaía, as

maiorias se fracionavam e desapareciam as condições que permitiam a estabilidade do

parlamentarismo73. Sem partidos com princípios claros, opinião pública destacada, maiorias

sólidas, ministérios fortes, se tornava impraticável qualquer sistema que, em maior ou menor

medida, prescindisse da Coroa.

73 Ao contrário do que se poderia imaginar, não se trata de um argumento de ocasião inventado por Uruguai. Um comentarista importante da Constituição Inglesa, como Henry George Grey, terceiro Conde Grey, publicara quatro anos antes do Ensaio sobre o Direito Administrativo uma obra denominada Ensaio sobre o Governo Parlamentar. Nele, Grey atribuía a fraqueza dos gabinetes ingleses na década de 1850 justamente ao declínio do sentimento partidário provocado pela Reforma Eleitoral de 1832, que teria resolvido as mais importantes questões públicas e enfraquecido a oposição partidária. Daí o conde concluía que, sendo a maior coesão partidária o único meio de manter a autonomia do gabinete frente à Coroa e o Parlamento, aquela não tinha como se manter se não havia razões políticas que justificassem o antagonismo partidário (VILE, 1998:246). Esses fatos demonstram o quanto Uruguai estava a par da literatura política de seu tempo; e que era dessa leitura que ele fazia suas ilações entre radicalidade do conflito e disciplina partidária.

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Na prática, portanto, quando se tratasse de pôr em marcha as instituições previstas na

Constituição brasileira, a questão não se resolvia pela opção mecânica entre as interpretações

francesas, liberal (Thiers) ou conservadora (Guizot), como sugeriam os progressistas. Tratava-

se sim de cotejar as interpretações possíveis com a prática real do governo representativo no

Brasil e verificar se alguma delas era compatível com sua Carta constitucional e suas

condições sociais. Num país em que a disciplina partidária era frouxa; as maiorias, fluidas; e

onde os chefes políticos estavam assentados no Senado, porque a Câmara era eleita pelo

governo de maneira fraudulenta, o parlamentarismo era permanentemente inviável – e não

apenas de maneira intermitente, como na França e na Inglaterra. Tudo bem pesado, Uruguai

concluía preferir, a tais doutrinas estrangeiras, o modelo político saquarema, ou seja, a

interpretação monarquiana da Constituição amortecida pela teoria do governo parlamentar;

sistema no qual “um monarca inteligente, mais interessado do que ninguém na boa gestão os

negócios, o qual presidindo conselhos de ministros, ouvindo a todos, acompanhando no

centro da administração, adquire profunda experiência dos homens e das coisas” (URUGUAI,

1960:268). As práticas parlamentares só deveriam prevalecer quando, conforme seu prudente

arbítrio, o Imperador entendesse que o governo contava com a maioria da Câmara para

cumprir um programa mínimo com o qual ele – o príncipe - estivesse de acordo. Caso algum

desses dois requisitos não fosse atendido, cabia ao Poder Moderador intervir de forma

soberana (URUGUAI, 1960:268).

Assim era que, na descrição feita pelo Visconde de Uruguai da mecânica do regime,

ressurgiam os temas instaurados quarenta anos antes pelo liberalismo monarquiano dos pais

fundadores – o do governante acima da política, o de sua relação visceral com a centralização

política e o do seu eventual poder excepcional. Era a comprida sombra do Marquês de

Caravelas que, trinta anos depois de morto, continuava a demarcar os limites do

conservadorismo brasileiro.

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Capítulo 5. Do governo parlamentar tutelado ao parlamentarismo

aristocrático: o declínio do discurso monarquiano e o fim do modelo político

saquarema (1868-1881).

5.1. A queda dos progressistas e o ataque às posições saquaremas. O novo Partido Liberal e o discurso do parlamentarismo democrático (1868-1878). - 5.2. A reação aristocrática contra a abolição da escravatura e o declínio do discurso monarquiano saquarema (1867-1878). - 5.3. O fim do modelo político saquarema: a campanha da lavoura pela eleição direta e o advento do parlamentarismo aristocrático (1878-1881).

5.1. A queda dos progressistas e o ataque às posições saquaremas. O novo Partido

Liberal e o discurso parlamentarismo democrático (1868-1878).

Bem sucedidos em questionar o modelo político saquarema na oposição, os

progressistas não conseguiram, todavia, repetir a façanha no plano governamental. A despeito

de muitas promessas consignadas nos projetos ministeriais, os progressistas não reformaram

nem substituíram o parlamentarismo tutelado durante o tempo em que, desde 1862, estiveram

no poder.

Muitas causas concorreram para essa situação. Em primeiro lugar, eles se

defrontaram com a proverbial instabilidade das maiorias liberais: seis gabinetes em quatro

anos; três dos quais chefiados pelo próprio Zacarias de Góis e Vasconcelos, que a esta altura

já representava a Bahia no Senado. Em segundo lugar, havia problemas constantes com os

seus aliados, os liberais históricos. Unidos para afugentar o fantasma saquarema, as

rivalidades pessoais e os diferentes estilos de combate acabaram com o rompimento entre os

dois grupos, dando origem a uma oposição “das mais renhidas, das mais vivas e das mais

cheias de ódio e rancor pessoal, em toda a nossa história política” (NABUCO, 1997). De volta

ao centro do espectro político, a maioria flutuante dos progressistas levava Zacarias a uma

política que flertava com a oposição e seus adeptos menos convencidos, na esperança de

conquistá-los; entretanto, era uma política dúplice que desagradava aos próprios

correligionários (PINHO, 1930:99). A direita saquarema e a esquerda histórica, decididas a

não transigir com o progressismo, tentavam desqualificá-lo reafirmando o discurso pré-

conciliação de que não havia lugar para um terceiro partido, centrista, num governo

representativo que, de acordo com a filosofia do progresso, comportava apenas um sistema

bipartidário que refletisse a luta entre a autoridade e a liberdade. A existência de um terceiro

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partido, centrista, era por isso mesmo uma excrescência, nascida do mais puro oportunismo

político. Os saquaremas e os históricos acusavam os progressistas de ser as “piranhas do

poder”; “uma comandita industrial para exploração da política, prometendo aos sócios

dividendos de ministérios, senatorias e presidências” (In: MASCARENHAS, 1961:262/263).

Sentindo que perdiam a batalha ideológica, que legitimava sua posição centrista segundo uma

lógica de síntese superadora daquela antítese, os progressistas decidiram retornar à lógica

bipartidária, reivindicando para si mesmos o rótulo de liberais a fim de reduzir os históricos à

condição de dissidência rebelde (GÓIS E VASCONCELOS, 1979:252/153). Para piorar, a

Guerra do Paraguai absorvera toda a sua agenda reformista, motivo que, ao assumir pela

terceira vez a Presidência do Conselho, em 1866, levara Zacarias de Góis e Vasconcelos a

anunciar a suspensão do programa partidário: “A guerra, a crise financeira e o estar a expirar

o mandato da câmara temporária inibem o governo de promover quaisquer reformas que

porventura tenha em mente, reservando-as para tempos mais felizes” (GÓIS E

VASCONCELOS, 1979:193).

O fato era que, no começo de 1868, o gabinete progressista de Zacarias já estava

gasto. Bombardeado no Senado pela maioria conservadora, o Presidente do Conselho se

agüentava no poder alegando contar com o apoio da Nação quando, na realidade, contava

mesmo era com o Poder Moderador. A tática de declarar o Imperador titular pessoal do

Executivo e do Moderador, para sujeitar todos os seus atos, indistintamente, à referenda

ministerial, expressa em Da Natureza e dos Limites do Poder Moderador, permitia a Zacarias

alargar publicamente as reverências públicas ao Chefe de Estado, sem que elas

representassem necessariamente bajulação ou ingerência nos negócios do governo (ainda que

fossem!). Além disso, como os ministros continuavam a subscrever indistintamente todos os

atos do Imperador, sempre se poderia alegar que os atos do Poder Moderador estavam sendo

referendados, porque correspondiam ao pensamento do gabinete. Ou seja, que a Coroa estava

“enquadrada” no figurino de seu opúsculo. No entanto, para ser plenamente coerente com sua

doutrina, Zacarias precisava reiterar que a Coroa não podia, por conta própria, inverter a

situação política em proveito dos históricos ou dos conservadores; isto é, que o Imperador não

poderia substituir os progressistas por seus adversários, sem que estes conseguissem derrotá-

los eleitoralmente e fazer a maioria da Câmara. Caso contrário, o gabinete minoritário ficaria

sujeito à confiança da maioria progressista, que haveria de derrubá-lo imediatamente. O

argumento era de absoluto cinismo, porque todos os políticos, tanto do governo como da

oposição, sabiam que as eleições eram manipuladas pelo gabinete no poder e que os

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progressistas não haviam feito nada para mudar essa característica do modelo político

saquarema que, assim, como previra Uruguai, garantia a ascendência do Executivo,

independentemente de sua cor partidária. Ou seja, na prática, o Presidente do Conselho

preservava aquilo que lhe interessava do modelo político saquarema – o ascendente

governamental sobre os demais órgãos políticos -, ao mesmo tempo em que, para se perpetuar

no poder, invocava a teoria do governo parlamentar puro, para impedir a Coroa de alternar os

partidos no poder.

Mas Zacarias não se dava por achado, pois lhe interessava, como a qualquer governo

de então, argumentar com a doutrina, isto é, com a dimensão universal e normativa da teoria

parlamentar, deixando de lado o fato muito real, notório e concreto das fraudes, que

marcavam sua prática no Brasil. Como essa postura o ajudava a constranger aqueles de quem

o gabinete dependia, o Presidente do Conselho ia ainda mais longe: mesmo que o Imperador

dissolvesse a Câmara para dar ao novo ministério, nela minoritário, a oportunidade de

conseguir a confiança da maioria dos novos eleitos, seria necessário que a legislatura velha

aprovasse o orçamento (a lei de meios) proposto pelo novo governo, antes de ser dissolvida.

Ou seja, ainda que o novo gabinete contasse com o decreto da dissolução no bolso do colete,

ele não escapava de se submeter, nessa matéria, à confiança da legislatura antiga, que

continuava detendo o poder, assim, de fazer da votação do orçamento uma questão de

confiança e derrubá-lo. Nesse caso, a dissolução da Câmara se daria, sem que se tivesse

cumprido a regra do sistema representativo, que vinculava a legitimidade do ministério ao

exercício do poder segundo o orçamento anual votado e aprovado pelo Parlamento. O novo

gabinete teria de prorrogar a lei de meios do ano anterior, sem aprovação e fiscalização

legislativa e assim viver – em ditadura, como se dizia então - até que a nova câmara se

reunisse, por um bill de indenidade, cobrisse retroativamente com um manto de legalidade os

atos praticados naquele ínterim pela administração (GÓIS E VASCONCELOS, 1979: 270).

Alijando o novo governo, desse jeito, as praxes de governo parlamentar, com o aval do

Imperador, a inversão de situação política desvelaria, segundo Zacarias, a ilegitimidade da

prática do governo representativo brasileiro face à teoria que deveria guiá-la; esta seria uma

crise, insinuava ainda o Presidente do Conselho, que ele mesmo e seus partidários, na

oposição, seriam os primeiros a insuflar.

Era, portanto, com esse argumento ad terrorem, de que a inversão da situação

política causaria um cataclismo político, que Zacarias de Góis e Vasconcelos buscava no

primeiro semestre de 1868 persuadir os senadores conservadores, mas principalmente o

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Imperador, a manter os progressistas no poder. Mas seus esforços foram vãos. Em primeiro

lugar, os saquaremas não deixaram Zacarias sem resposta. Eles negaram que, matéria

nacional, acima das contingências partidárias, a lei orçamentária pudesse ser convertida pelos

deputados em questão de confiança para o gabinete. Por isso, desde que a maioria recusasse

ao novo gabinete o orçamento proposto, na tentativa ilegítima de fazê-lo cair, era sobre a ela e

seu partido que recairia a responsabilidade pela eventual ditadura (isto é, o regime de

prorrogação orçamentária) que o novo ministério seria obrigado a exercer, até que a nova

legislatura convalidasse retroativamente os atos do governo. Em segundo lugar, é preciso

lembrar que, contra os escrúpulos parlamentaristas de Zacarias e de suas declarações políticas,

o Imperador jamais aderira à tese de que os ministros de Estado respondiam pelos atos do

Poder Moderador, apresentada em Da Natureza e dos Limites do Poder Moderador. Muito

pelo contrário. No auge da polêmica gerada pelo panfleto de Zacarias, em fevereiro de 1862,

o Visconde de Uruguai compareceu duas vezes ao Paço Imperial de São Cristóvão – a

primeira, para entregar pessoalmente ao Imperador o primeiro tomo do Ensaio sobre o Direito

Administrativo; a segunda, algum tempo depois, para debater pessoalmente com o monarca as

idéias políticas e administrativas ali contidas de reforma do Estado. Dom Pedro II deixou no

seu Diário de 1862 suas impressões da leitura e de suas conversas com Uruguai. Depois de

registrar que pensar o mesmo que o visconde “do abuso que se tem feito da política”, o

Imperador relatou os diversos pontos da conversa daquela tarde em São Cristóvão, encerrando

o relato confessando concordar “com quase todas as idéias dele” (PEDRO II, 1956:36 e 57) 74.

74 “Tive uma larga conversa com o Uruguai sobre o primeiro livro de sua obra sobre o direito administrativo. Pedi-lhe diversas explicações e, concordando com quase todas as idéias dele, apenas divergi sobre estes pontos principais: o patronato executivo da Inglaterra, que ele parece não admitir somente como um fato cujas causas cumprem procurar remover cada vez mais; a defesa do procedimento do conselheiro de Estado, membro do corpo legislativo, que para fazer oposição ao governo, combate medidas que, aliás, aprovara como conselheiro, quando essas medidas não forem das propriamente chamadas de confiança. Então eu disse que não compreendia a nossa oposição, que só procura entorpecer a marcha do governo pelos abusos deste, que têm provindo na maior parte do patronato executivo. Também observei que me parecia melhor que, nos casos em que o Imperador não devesse necessariamente presidir o Conselho de Estado, mandasse, quando assim julgasse melhor, outrem presidir o Conselho, e que o poder discricionário, excluindo o contencioso administrativo, pode dar lugar a muitos abusos, pois a responsabilidade muitas vezes não é efetiva e o mal poderá ser, ao menos em parte, irreparável. Tratando da introdução, comuniquei-lhe a observação que eu fizera ao Paraná sobre a política da Conciliação, a qual ele respondera perguntando se devia repelir quem o procurasse - o que revela qual o pensamento dessa política. Acrescentei que, sem uma boa lei eleitoral, que consinta a todos os partidos esperar, não se podem eles se formarem regularmente, e que eu continuava a julgar boa a lei primitiva dos círculos. O Uruguai nada disse a tal respeito, senão que admitia a Conciliação como eu a entendia. O segundo volume que trata longamente da questão do Poder Moderador, em cujos atos entende o Uruguai que é bom que haja referenda, ainda que se saiba que ela não é precisa (...), há de ficar impresso até maio. Creio que este ensaio há de dar nome ao Uruguai, cujo estudo e experiência podem ser de grande proveito ao país. O espírito da obra, que admite que uma administração bem regular pode, até certo ponto, suprir a liberdade política, há de desagradar a muitos; porém, se estes combaterem estas idéias, procurando esclarecer a Nação, será isto de grande vantagem” (PEDRO II, 1956:57).

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Por fim, os conflitos entre o Presidente do Conselho e o Duque de Caxias, senador

conservador e comandante-em-chefe das tropas brasileiras no Paraguai, convenceram a Coroa

de que apenas um gabinete saquarema, chefiado por uma liderança inconteste, daria ao duque

segurança para continuar à frente da guerra (PINHO, 1930:123). Pedro II considerava Caxias

um de seus melhores amigos e confiava nos seus méritos militares; por isso, deveria ser

apoiado incondicionalmente pelos progressistas: “Caxias está animado; porém, ele merece, e

o bem do Estado exige, que ele receba, como até agora, o apoio do governo” (In: PINHO,

1930:84). Era uma típica razão de Estado, respaldada na interpretação monarquiana da

Constituição: a guerra era mais relevante do que os escrúpulos parlamentaristas de que

Zacarias lançava mão para se manter indefinidamente no poder. Mais adiante, O Imperador

explicaria o episódio: “Foi pelo desejo de terminar a guerra com a maior honra e proveito (...)

para o Brasil que não cedi na escolha de senador. O ministério liberal não podia continuar

com a permanência de Caxias à testa do Exército e eu não pensei em meu genro senão em

último caso” (In: NABUCO, 1997). Assim, a escolha para senador pelo Rio Grande do Norte,

não de um progressista, mas de um conservador - Francisco Sales Torres Homem, Visconde

de Inhomirim - foi o pretexto de que o Poder Moderador se serviu para demonstrar ao

gabinete que não lhe tinha mais confiança. Zacarias deveria assim apresentar sua retirada e

permitir, pela subseqüente inversão da situação política, o rodízio partidário operado por cima

– único modo por que ele poderia se dar, nas condições eleitorais do país. Nem se pense que

se tratava de uma especificidade do Brasil: o mesmo se passava na Espanha e em Portugal.

Nas condições que Dom Pedro II lhe oferecia, a retirada de Zacarias era

perfeitamente aceitável. Se, escolhendo Inhomirim para senador, o Imperador sinalizava aos

progressistas que sua situação terminara, por outro, o Presidente do Conselho poderia declarar

ao Parlamento que se retirava porque se negava a referendar a nomeação de Inhomirim. Era

um argumento lógico para quem, como ele, acreditava que os atos do Poder Moderador, entre

os quais estava o de escolher senadores, exigiam a referenda dos ministros de Estado. No

entanto, ao invés de seguir as regras do jogo, o Presidente do Conselho preferiu cair atirando,

numa atitude sem precedentes. A autonomia decisória do Imperador na fiscalização dos atos

da administração pública e no exercício do Poder Moderador sempre incomodara Zacarias,

porque fornecia aos conservadores munição para acusá-lo de incoerência ideológica, e aos

liberais históricos, de ser um instrumento do poder pessoal ou do imperialismo. Deixou

interessante relato a este respeito em seu diário o engenheiro e futuro abolicionista André

Pinto Rebouças (1838-1898), filho de Antônio Pereira Rebouças e que chefiava, então, as

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obras do porto do Rio. Dirigindo-se diretamente ao Imperador, Rebouças lhe sugeriria que,

prontas, as novas docas passassem a se chamar Docas de Pedro II, ao que o próprio

respondera que nada tinha a opor. Ao inteirar inocentemente do incidente o Presidente do

Conselho, alguns dias depois, num despacho de rotina, narra Rebouças que Zacarias reagiu

furioso; ele declarou “que considerava a permissão do Imperador para a denominação das

docas um ato inconstitucional; que era por essas e outras que só se falava em governo pessoal;

que ele não podia dar denominação nem a navios nem a coisa alguma; (...) que ia dar

publicidade a isso para fazê-lo entrar na Constituição. (...), que o Partido Conservador nos

seus manifestos dizia que deixaria o poder, quando nele se achasse, logo que sentisse a

pressão imperial; e que queria demonstrar que o Imperador não governa” (REBOUÇAS,

1938:157).

O objetivo de Zacarias de Góis era deixar a Coroa desprotegida e, com isso, explorar

ao máximo a consternação da deputação progressista com a perspectiva da dissolução da

Câmara e, com ela, da derrubada geral a que se seguiria, conforme a lógica do spoil system.

Ao torná-la uma demonstração pública de repúdio dos liberais e dos progressistas ao modelo

saquarema do parlamentarismo tutelado, ele aproveitou sua queda para reforçar, embora às

expensas das instituições, sua posição de doutrinador e de liderança partidária. Ademais, além

de repetir que a escolha senatorial não era acertada e que os ministros de Estado eram sim

responsáveis pelos atos do Poder Moderador, Zacarias se recusou a seguir a praxe de indicar à

Coroa seu sucessor. Ao deixar de indicar um histórico para sucedê-lo, ele evitava que o grupo

de Teófilo Otoni se firmasse como alternativa ao seu próprio partido. grupo centrista.

Obrigando-os a partilhar consigo e com os seus o amargo cálice do ostracismo, Zacarias

obrigava os históricos a se fundirem num mesmo partido oposicionista, pois do contrário seria

muito difícil enfrentar o domínio conservador. O irmão de Otoni, Cristiano, narra que, ao se

reunirem progressistas e históricos, já liberais, para definir os rumos da nova oposição,

“queixou-se alguém timidamente que ele (Zacarias) não aconselhasse o Imperador a chamada

de um liberal (histórico), ao que respondeu: ‘É verdade que, consultado pelo Imperador,

recusei apontar-lhe nomes; eu não podia indicar os conservadores, mas, se era possível um

ministério liberal, aí estava o meu! ’” (OTONI, 1983:134).

O antigo Presidente do Conselho cimentava assim, na oposição, a unidade que a

frente anti-saquarema perdera ao se tornar situação. De fato, inimigos até a véspera, históricos

e progressistas se juntaram da noite para o dia para formar o novo Partido Liberal; de modo

que a nova deputação liberal recebeu o novo Presidente do Conselho de Ministros, José

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Joaquim Rodrigues Torres, à bala. A despeito das admoestações que, ao apresentar o novo

ministério conservador à Câmara, o velho saquarema dirigiu aos deputados que aprovarem o

orçamento e os créditos suplementares para a guerra, a maioria liberal revoltada se recusou a

fazê-lo; deste modo, ela expressaria sua desconfiança frente ao novo governo, para depois

acusar o novo governo de ilegítimo frente às regras do parlamentarismo e, gravando a nova

situação conservadora com o ônus da ditadura, combater a volta do absolutismo ou

despotismo saquarema. Não satisfeitos de atacar frontalmente a pedra de toque do modelo

saquarema, que era a primazia do Imperador no governo parlamentar brasileiro, por meio do

novo gabinete conservador, os senadores e deputados liberais se referiram criticamente ao

monarca, acusado de, com sua postura, descaracterizar o sistema representativo. Para ancorar

sua acusação na própria Constituição, que sustentava literalmente que a Coroa podia fazer o

que fizera, os liberais fizeram uma distinção entre legalidade e legitimidade; assim, embora

reconhecesse que o ato do Poder Moderador era legal, o senador Nabuco de Araújo o

condenou no Senado como ilegítimo na medida em que, ao recusar o princípio democrático

representado pela maioria da Câmara, dava origem a um governo factualmente absoluto,

porque irresponsável. Ou seja, porque violava os princípios do governo parlamentar. A

despeito da hipocrisia de Nabuco de Araújo, que aludia à maioria liberal como “tão legítima,

tão legal, como têm sido (...) e podem ser todas as maiorias, que hão de vir enquanto não

tivermos liberdade de eleição” (In: NABUCO, 1997:766), o fato era que o mais importante

doutrinário do Partido Liberal denunciava, da tribuna onde haviam discursado Caravelas,

Cairu, Vasconcelos e Uruguai, o que havia de mais coimbrão no modelo político saquarema -

a recusa de fazer do Estado um perfeito espelho dos interesses sociais.

“Isto, senhores, é sistema representativo? Não. Segundo os preceitos mais

comezinhos do regime constitucional, os ministérios sobem por uma maioria,

como hão de descer por outra maioria. O Poder Moderador não tem o direito de

despachar ministros como despachar empregados, delegados e subdelegados de

política; há de cingir-se, para organizar ministérios, ao princípio dominante do

sistema representativo, que é o princípio das maiorias. Por sem dúvida, senhores,

vós não podeis levar a tanto a atribuição que a Constituição confere à Coroa de

nomear livremente os seus ministros; não podeis ir até o ponto de querer que

nessa faculdade se envolva o direito de fazer política sem a intervenção nacional,

o direito de substituir situações como lhe aprouver. Ora, dizei-me: Não é isto uma

farsa? Não é isto um verdadeiro absolutismo, no estado em que se encontram as

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eleições no nosso país? Vede este sorites fatal, este sorites que acaba com a

existência do sistema representativo: o Poder Moderador pode chamar a quem

quiser para organizar ministérios; esta pessoa faz a eleição, porque há de fazê-la;

esta eleição faz a maioria. Eis aí o sistema representativo do nosso país” (In:

NABUCO, 1997:766).

Ao divulgarem um ano depois seu novo programa partidário, os liberais puseram

abertamente em xeque a legitimidade do modelo saquarema. No centro das novas demandas

por eles formuladas, estava a substituição definitiva das teorias do governo misto e da

separação de poderes pelas da democracia e do parlamentarismo, esvaziando o papel das

instituições monarquianas, como o Conselho de Estado, a Coroa e o Senado. Do ponto de

vista discursivo, três causas podem ser aqui enfileiradas para explicar a radicalização operada

no discurso da esquerda liberal.

A primeira causa foi a recepção da historiografia whig, para o qual contribuíram

autores como Henry Thomas Buckle (1821-1862), Edward Augustus Freeman (1823-1892) e

William Stubbs (1825-1901). O entusiasmo com a reforma eleitoral e o avanço do método

histórico na Inglaterra da década de 1860 despertaram um renovado interesse pelo período

medieval, visto como um período de ouro da liberdade pública (CROSS, 1939:738). Somados

ao desprestígio dos doutrinários, desde a crítica que lhes fizera a nova geração francesa de

liberais anglófilos, a melhor difusão da língua inglesa e o crescente acesso a obras escritas

nesse idioma provocaram no Brasil uma verdadeira epidemia de estudos de história

constitucional inglesa, levando muitos políticos brasileiros a um melhor conhecimento das

origens européias de suas próprias tradições partidárias. Se tais obras históricas permitiram ao

saquarema José de Alencar para defender a intervenção da Coroa no processo político a partir

de Bolingbroke, o liberal histórico Tito Franco de Almeida criticava o absolutismo

saquarema a partir de Paine, denunciando mais tarde o novo liberal Rui Barbosa o

anacronismo do discurso monarquiano graças à leitura de Freeman. Foi nesse período que a

esquerda liberal começou a comparar Pedro II com Jorge III, monarca inglês detratado pela

historiografia whig por ter se recusado a abrir mão do seu poder pessoal em prol do

parlamentarismo (que, de resto, não existia na época)75. Por isso, o histórico Tito Franco

75 Exemplo de historiografia whig dessa espécie e prova de sua durabilidade é o manual escolar decalcado dos autores mencionados, elaborado por J. E. Williams, H. Sidney Warwick e Philip W. Sergeant, English History – Political, Constitutional and Social, publicado em 1921. “Jorge III, filho mais velho de Frederico, Príncipe de Gales, nasceu na Inglaterra, e desde a infância foi cercado pelas influências tories; ele subiu ao trono com ódio do governo whig, e com a idéia de que poderia governar de forma mais ou menos absoluta. A Inglaterra tem razão em evocar Jorge III em seu papel de déspota” (WILLIAMS, WARWICK & SERGEANT, 1921: 166).

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começava a sua biografia do Conselheiro Furtado comentando ter considerado por algum

tempo o projeto de uma obra que se chamaria Estudo Comparado dos Reinados do Sr. D.

Pedro II e de Jorge III de Inglaterra (ALMEIDA, 1944:13).

A segunda causa da mudança na passagem do progressismo para o liberalismo foi a

substituição definitiva, na própria Inglaterra, da forma de se explicar sua Constituição, não

mais como um governo misto, mas como um parlamentarismo democrático. Dois autores aqui

desempenharam um papel crucial: John Stuart Mill e Walter Bagehot. O primeiro deles

publicara em 1859 Da Liberdade e, dois anos depois, Considerações sobre o Governo

Representativo. Influenciado pela filosofia da história francesa, Mill acreditava que o Estado

deveria fomentar o progresso sem tornar-se tutelar, pois do contrário o povo acabaria

acomodado e decadente. Ao invés de substituir-se a eles, a autoridade pública deveria

incentivar os cidadãos a se associarem, criando estabelecimentos de ensino privado e modelos

de cooperação capazes de preservar o valor da competitividade: somente uma sociedade

emancipada do governo poderia servir de matriz à emergência de novas e melhores idéias76. O

parlamentarismo era o símbolo dessa concepção da sociedade como uma grande arena em que

a livre discussão servia de motor do progresso moral e material. Sem comprometer a

transparência entre sociedade e governo, o grande desafio era o de conciliar a participação da

massa com a direção da elite mais capaz. Governo e representação eram coisas diferentes: em

função de suas atribuições eminentemente técnicas, a administração deveria ser gerida por

uma burocracia escolhida pelo mérito, capaz de aperfeiçoar as ações em benefício do maior

número. O papel dos representantes do povo era o de funcionar como uma instância de

controle do governo: na medida em que mantinha acesos os interesses da sociedade, o

parlamentarismo evitava que a burocracia governamental caísse na mediocridade e na

incompetência. Na prática, cabia às oposições exercer esse papel vigilante, devendo-se por

tanto conceder-lhes todas as garantias para uma eficaz fiscalização.

Do ponto de vista constitucional, sua posição pró-democrática levava Mill a rejeitar a

teoria do governo misto e, com ela, a de que o poder público estava repartido de forma

76 A natureza dessa liberdade e a necessidade de resguardá-la contra a ameaça da tirania democrática da maioria é o tema central de Da liberdade, uma das obras políticas mais importantes de Mill. Essa defesa da liberdade enquanto motor do progresso numa sociedade civilizada encontra sua pedra de toque na direito individual à livre opinião, porque, sendo os valores sociais relativos às épocas e aos lugares, era a natureza falível da atividade cognitiva que imporia a estrutura aberta do debate público como condição de seu próprio aprimoramento. A verdade deveria ser vista como o resultado provisório de um embate necessário entre pontos de vista antagônicos, capaz de progressivamente refutar os erros e os equívocos. Este é o ponto basilar da teoria social milliana, que tem como moto contínuo a idéia da produtividade do conflito e da valorização da diversidade e do contraditório como fermento da atividade social (LYNCH, 2006b).

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equilibrada entre Coroa, Lordes e Comuns. As prerrogativas régias deveriam ser transferidas

aos ministros, responsáveis perante a Câmara que representava o país: “O Parlamento não

nomeia qualquer ministro, mas a Coroa indica o chefe da administração de conformidade com

os desejos gerais e inclinações, manifestados pelo Parlamento, e os outros ministros de acordo

com a recomendação do chefe” (MILL, 1998:66). A mesma preocupação com a qualidade do

governo democrático se refletia na extensão e na forma do sufrágio. Embora professasse a

universalização do voto, Mill era inimigo do voto do analfabeto. Quem não soubesse ler nem

escrever estava à margem da civilização, incapaz de compreender os próprios interesses ou os

da sociedade.

Walter Bagehot (1826-1877) foi o segundo autor a desempenhar um papel central no

desmonte da velha forma de se compreender o governo representativo. Seu principal alvo era

Henry Peter Brougham, Barão de Brougham e Vaux (1778-1868), mais importante

comentarista político inglês da época e que, em obras como A Constituição Britânica e Da

Democracia e dos Governos Mistos, continuava a explicar a Constituição Inglesa pelas

tradicionais teorias do governo misto e da separação de poderes. Evocando Bolingbroke e

Blackstone, Brougham sublinhava que o elemento aristocrático do governo misto era

indispensável para “proteger a liberdade de um soberano arbitrário, ou de uma tirania ainda

mais insuportável da multidão irresponsável”. Por isso mesmo, a estrutura da Constituição

assemelhava-se “a uma pirâmide, da qual a larga base, suportando o todo, é formado pelo

povo; a porção intermediária é a aristocracia de categoria, propriedade, talentos, e

prosperidade; e no estreito topo repousa a Coroa” (BROUGHAM, 1861: XX). Para Bagehot,

a explicação de Brougham não passava de uma “teoria literária”, pois há muito deixara de

corresponder ao funcionamento das instituições. O “eficiente segredo” da Constituição

Inglesa se tornara a “íntima união, a quase completa fusão dos poderes Executivo e

Legislativo” na formação do gabinete, comissão escolhida pela Câmara Baixa para exercer a

função governativa. A aristocracia e o monarca já não exerciam quaisquer papéis diretivos na

condução dos negócios públicos; do mesmo modo, já fazia muito tempo que o primeiro

ministro era escolhido pelo Parlamento. Ao insistir na distinção entre as partes dignificadas e

as partes eficientes da Constituição, Bagehot identificava a teoria do governo misto à

aparência histórica da monarquia, a ocultar a realidade de uma democracia liberal. Por trás da

fachada “gótica” do governo misto governaria uma máquina “de moderna simplicidade” - o

gabinete executivo escolhido pelos comuns. Quanto ao fato de continuar a Coroa a deter

algumas de suas antigas prerrogativas, Bagehot argumentava que a dúvida sobre quais delas

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haviam caído em desuso mantinha o mistério da instituição, conferindo ao governo um apelo

que a racionalidade de um governo republicano seria incapaz de proporcionar:

“O Rei também possui na teoria um poder que deve ser exercido somente em

último caso e em situações críticas, mas que, legalmente, ele poderia usar a

qualquer momento. Ele pode dissolver a Câmara, dizendo ao seu ministro: ‘Este

Parlamento o mandou aqui, mas eu tenho o poder de dissolvê-lo para fazer outro,

que me mande outra pessoa’ (...). Este é talvez o poder que um homem sábio

temeria menos possuir do que exercer (...). Um sábio e grande monarca

constitucional não deve ser tentado por essas vaidades” (BAGEHOT, 2003).

Não ficaram restritas à Inglaterra as acusações ao anacronismo das teorias do

governo misto e da separação de poderes. O partido liberal francês reatava com a tradição

anglo-americana de Constant e Tocqueville, aproveitando o gradual, mas seguro processo de

abertura do regime do Imperador Napoleão III (1808-1873). Protestando decisiva adesão ao

modelo inglês e aos postulados daqueles dois autores, liberais como Édouard René de

Laboulaye (1811-1883) e Lucien Prévost-Paradol (1829-1870) romperam com os

compromissos ainda mantidos pelos liberais com uma concepção não-democrática do governo

representativo, que demonizava a forma republicana e o sufrágio universal. Em O Partido

Liberal: Seu Programa e Seu Futuro, publicado em 1861, Laboulaye tornava governo

constitucional sinônimo de governo parlamentar: “Governar com e pelo Parlamento, é todo o

regime constitucional” (LABOULAYE, 1871:194). Ao contrário do que sustentavam os

doutrinários chefiados por Guizot, a democracia não era apenas uma forma de sociedade, sem

correspondência necessária na forma política; para os novos liberais anglófilos, a democracia

uma forma política. Assim, se a sociedade era sociologicamente democrática, ela precisava

ser governada democraticamente (PREVOST-PARADOL, 1868:161). Reivindicando para o

indivíduo o gozo de suas faculdades naturais, esses liberais clamavam pela reorganização do

Estado sobre as bases de um sufrágio amplo, liberdade de imprensa, regime parlamentar à

inglesa, a independência do Poder Judiciário e - o mais importante aqui - a rejeição do

unitarismo e da centralização, identificados por Tocqueville ao cesarismo bonapartista.

Laboulaye destacava que “a unidade nacional nada tem a ver com poder absoluto, nem com

uniformidade de centralização, nem com a arbitrariedade da administração. Basta abrir a

história para ver que os povos mais livres e os menos centralizados, foram também mais

poderosos em sua unidade”. (LABOULAYE, 1871: X e XIII). Do mesmo modo, era preciso

voltar aos princípios, abandonados pelo regime napoleônico, da neutralidade do chefe do

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Estado e de responsabilidade dos ministros perante as câmaras:

“O rei reina e não governa é uma máxima sobre a qual se discutiu por trinta anos.

(...) Quando Constant distinguia o poder régio do poder ministerial (...),

constatava simplesmente um fato atestado pela experiência; é que, numa

monarquia, essa divisão é a condição mesma da liberdade constitucional. Suprimi-

la, é retornar ao governo absoluto” (LABOULAYE, 1861: XXXIII).

Essa concepção democrática e parlamentarista de Estado se refletiu numa

relativização do problema do regime de governo; desde que ele funcionasse à moda liberal e

parlamentarista, tanto fazia que o chefe de Estado fosse monárquico ou republicano. O fator

decisivo da virada liberal nessa questão foi a experiência da Segunda República (1848-1852),

que afastou daquela forma de governo os fantasmas do Terror e convenceu os liberais da

possibilidade de uma república liberal, e mesmo de uma república conservadora. Embora

liberais que transigiam com o republicanismo, como Tocqueville, entendessem que a

atribuição de um poder arbitral ao Executivo evocava a monarquia, outros, como Laboulaye,

continuavam a tradição coppétiana, vendo no veto e na dissolução da câmara elementos

indispensáveis à república para evitar um novo 18 Brumário ou que ela se tornasse uma

ditadura de comissários (JAUME, 1991:753). Qualquer dos regimes seria aceitável, desde

que, em qualquer delas, o povo governasse por si mesmo, “por meio de assembléias

livremente eleitas e ministérios responsáveis” (PREVOST-PARADOL, 1981:205).

É certo que, entre a monarquia e a república, os liberais franceses preferiam a

primeira pela maior probabilidade de que, nela, fosse o chefe do Estado capaz de guardar

neutralidade frente à competição política, como na Bélgica e na Inglaterra, exercendo melhor

o Poder Moderador. Um Presidente da República haveria de pertencer a um dos partidos, o

que comprometeria sua imparcialidade e tornaria a luta política ainda mais selvagem, dando

curso às ambições pessoais. Ao contrário, o Rei estava fora e acima da competição, agindo

para desencorajar os excessos e manter a estabilidade sistêmica. Essa diferença seria decisiva

quando fosse preciso dissolver a câmara. Em A França Nova, de 1868, Prévost-Paradol

circunscrevia a esfera discricionária do poder régio, distinguindo entre duas espécies de

dissolução, uma das quais seria direito do Presidente do Conselho. Além da dissolução

governamental - a que tinha direito um gabinete que perdesse a maioria -, haveria a

dissolução régia, pronunciada pelo próprio chefe de Estado “na plenitude de seu poder e sem

o concurso dos ministros, para chamar a nação a confirmar ou destruir uma maioria e um

gabinete, suspeitos de não mais representarem o interesse geral” (PREVOST-PARADOL,

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1981:204).

Era claríssima a relação entre as bases teóricas do liberalismo francês, estabelecidas

por Prévost-Paradol e Édouard Laboulaye, e aquelas do novo Partido Liberal brasileiro,

reorganizadas por Nabuco de Araújo e Tavares Bastos; o próprio manifesto do partido, de

1869, remetia a essa filiação para explicar a desnecessidade de um programa muito

esmiuçado, já que eles eram universais77. Além disso, os antigos progressistas incorporaram a

historiografia dos históricos para cumprir a “transformação ou progresso de nossas

instituições no sentido democrático” (TAVARES BASTOS, 1976:14). Eles reivindicaram o

Ato Adicional como um “monumento do liberalismo” para pregarem, por conseguinte, a

descentralização e o fim da vitaliciedade do Senado, “como corretivo da imobilidade e da

oligarquia, e como o meio essencial da justa ponderação e recíproca influência dos dois ramos

do Poder Legislativo”. Atacando a ditadura saquarema e o poder absoluto da Coroa, o novo

programa partidário exigia reformas que estabelecessem a verdade eleitoral, como a reforma

da lei do recrutamento, a extinção da Guarda Nacional, a eleição direta, a independência do

Poder Judiciário, a abolição da justiça administrativa e, pela primeira vez, a gradual

emancipação dos escravos. Para os liberais, o Poder Moderador não poderia mais alternar os

partidos sem prévia manifestação das urnas, nem prescindir da responsabilidade ministerial

nos seus atos; da mesma forma, o Conselho de Ministros deveria passar a se reunir longe das

vistas do Imperador: ele reinava, não governava (NABUCO DE ARAÚJO, 1979:51, 103). Por

fim, os luzias se opuseram ao projeto saquarema de completar a estrutura do Estado nos

moldes da Europa continental, isto é, do unitarismo francês, manifestando-se ainda pelo

desmonte do pouco que havia de justiça administrativa. No Conselho de Estado, Nabuco de

Araújo recusava o projeto saquarema de Uruguai e de São Vicente:

“A divergência é profunda, porquanto partem de doutrinas opostas. Sua Exa.

tomou por tipo a organização centralizada da França e dos países que a seguem.

Ele, conselheiro, tem por princípio o self-government, consagrado na Inglaterra e

na Bélgica. Ora, a nossa Constituição é mais consentânea com as instituições

locais destes dois países do que com daqueles. Com efeito, em França, Espanha e

Portugal os poderes locais não são tão amplos como são os nossos poderes 77 “O Centro Liberal não se propõe a fazer um programa doutrinário para o Partido Liberal, cujos princípios característicos são conhecidos em toda a parte onde há regime constitucional representativo. Os partidos naturais ou pré-constituídos pelos elementos constitutivos de nossa forma de governo não carecem de programas fundamentais: a missão deles bem explícita pela sua denominação está também assinalada pela sua natureza. Assim é que no Brasil a missão do Partido Liberal tem por objeto a realidade e desenvolvimento do elemento democrático da Constituição; e a maior amplitude e garantia das liberdades individuais e políticas” (NABUCO DE ARAÚJO, 1979:103).

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provinciais, que tem por base essencial o self-government expressamente

manifestado na Constituição do Império, e Ato Adicional, quando garantem o

direito de intervirem os cidadãos nos negócios peculiares da sua província” (ACE,

23/01/1868).

Completava-se deste modo o processo de renovação do liberalismo brasileiro

iniciado sob o domínio progressista, na década anterior. Para os liberais reconstituídos, diante

da inevitabilidade da democratização, as monarquias constitucionais somente sobreviveriam

caso se revelassem capazes de se adaptar às suas exigências. Aqui, Tavares Bastos repetia

literalmente Prévost-Paradol: “Abstraindo de instituições que eficazmente assegurem a

liberdade, monarquia e república são puras questões de forma” (TAVARES BASTOS,

1996:61). Foi então que se difundiu a tese de anacronismo do modelo político saquarema,

argumento que cresceu até se tornar, na boca de políticos tradicionais como Zacarias, uma

verdadeira crítica sobre o atraso do país: “País atrasado, aquele em que o rei tem influência

completa; em que os ministros saem e entram sem que o público saiba dos verdadeiros

motivos da saída nem da entrada (...). O segredo de nossa desgraçada política está nesse

ponto” (GÒIS E VASCONCELOS, 1979:543). Declarando adesão à “escola inglesa”, porque

a francesa, doutrinária ou bonapartista, passara à condição de “escola do despotismo puro e

simples, e do direito divino”, o antigo Presidente do Conselho do Parido Progressista, agora

chefe liberal, alardeava sua transformação doutrinária: “O Senado há de ter notado que há

muitos anos o orador não cita Guizot calculadamente. À proporção que foi alargando seus

estudos, viu que havia outros sóis a que se chegasse” (GÓIS E VASCONCELOS, 1979: 488).

Da geração de Nabuco de Araújo, Saraiva e Zacarias para a de Tavares Bastos, Bonifácio o

Moço e Silveira Martins (1834-1901), formada da década de 1850, a própria oratória se

modificou, abandonados os comedidos modelos clássicos pelos arroubos do romantismo78.

Também a exemplo dos franceses, a ala esquerda dos liberais brasileiros adotou uma

forma mais exaltada de expressão – a do radicalismo. Pela crítica violenta das instituições, os

radicais chefiados por François-Jules Simon (1814-1896) reivindicavam, na França, uma

78 Quem reparou na mudança geral no estilo oratório foi Wanderley Pinho, ao se referir àquela primeira geração, que estreava na política nas décadas de 1840 e 1850: “Há (...) uma afinação geral nos seus discursos, como nos dos que começavam por esse tempo: - certo comedimento, o pensamento sem adornos excessivos, a eloqüência despida de grandes verbalismos. A leitura obrigatória e repetida dos clássicos latinos e portugueses; a ouvida atenta da austera forma expositiva dos professores de Olinda e São Paulo; dos mais famosos defensores no júri; de oradores mais antigos das assembléias provinciais; e, no caso de Wanderley, a escuta de discípulo aos mestres da tribuna parlamentar quando freqüentara as galerias em 1840, um ano de grandes emoções políticas – tudo eram circunstâncias que preparavam aos discursadores daquele tempo um modelo comum para a comunicação oral. Destacava-se como exceção um Antônio Carlos; ainda o romantismo não justificaria um José Bonifácio, o moço; um Rui seria então inconcebível” (PINHO, 1936:85).

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política gerada pelas leis da história e pelo conhecimento científico. Combinando pureza de

princípios e pragmatismo estratégico, eles acreditavam na possibilidade de acelerar o processo

histórico mobilizando a opinião pública para reformas que, do contrário, levariam mais tempo

para se realizar. Com isso, a política deixava de ser monopólio das arenas parlamentares, para

tomar as ruas na forma de conferências e comícios. Fazendo da separação entre a Igreja e o

Estado, da democratização e da instrução pública suas principais bandeiras, Simon sustentava

que em A Política Radical que ela se pautava por uma “adesão ardente na justiça de sua causa

e na verdade de seus princípios; uma confiança irrestrita no futuro, um desdém generoso pelos

compromissos e os equívocos, o hábito de estudar rapidamente os fatos e de não levar em

conta as variações efêmeras de opinião” (SIMON, 1868: 4).

No Brasil, aqueles que em primeiro lugar reivindicaram a qualidade de radicais eram,

na verdade, profissionais liberais remediados, sem inserção na máquina do Estado; tendo

pertencido ao grupo dos históricos, reproduziam agora, na ala esquerda do partido luzia, a

linguagem dos exaltados da década de 1830 (CARVALHO, 2007). Como o programa liberal

lhes parecia demasiado moderado, eles fundaram o Clube Radical, cujo manifesto pleiteava a

abolição do Poder Moderador, da Guarda Nacional, do Conselho de Estado e da Justiça

Administrativa; o ensino livre, a polícia eletiva, a liberdade de culto, o sufrágio direito e

generalizado, a separação da judicatura da polícia, a temporariedade e eletividade do Senado,

e a descentralização política por meio da eleição dos presidentes de Província (SANTOS,

1942:62). Na série de conferências públicas produzidas em 1868 no Rio de Janeiro, o alvo

predileto era justamente o Poder Moderador. Para o redator do Diário Fluminense, Carlos

Bernardino de Moura (1826-?), o projeto Antônio Carlos era “um verdadeiro monumento de

soberania nacional e de concessões consagradoras das aspirações democráticas desta parte da

América”. Já a criação do Poder Moderador na Carta de 1824 era criticada por ter almejado

“estabelecer o governo pessoal de fato com as fórmulas do governo constitucional

representativo”, para o mal do povo e da própria realeza constitucional, cuja necessidade para

o progresso e integridade era preciso questionar. (MOURA, 1869:17).

O legado do Cônego Marinho e de Teófilo Otoni também estava presente em obras

como A Monarquia ou A Política do Rei (1869), cujo autor, o liberal radical Joaquim

Saldanha Marinho (1816-1895), reivindicava a memória de Tiradentes, Frei Caneca e “de

tantos outros patriotas” contra a constante mistificação da liberdade operada pela monarquia

brasileira desde 1822 pela Coroa. Em perfeita consonância com a historiografia luzia,

Saldanha Marinho identificava o grupo brasiliense de Gonçalves Ledo como o núcleo

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primeiro do Partido Liberal – “o partido da independência, o partido americano, o de idéias

generosas” -, cujas causas teriam sido frustradas pela adesão dos coimbrões – leia-se:

conservadores - à causa da independência. O absolutismo monárquico do Antigo Regime teria

assim prosseguido sob o manto de uma aparente ruptura, enraizando-se a “planta exótica” da

monarquia no solo naturalmente democrático (leia-se: republicano) da América. Teria sido

assim que “os absolutistas da metrópole, aparentemente convertidos em patriotas no Brasil,

continuaram aqui a sua posse feudal, o seu domínio” (MARINHO, 1885:8). O vício original

da independência se refletira na ilegitimidade da ordem constitucional nascida em 1824, que,

fruto da reação do absolutismo contra a democracia, jamais poderia ser considerada

representativa da vontade nacional. A ilegitimidade da Constituição de 1824, por sua vez, se

transmitia aos “enxertos absolutistas” nela presentes, isto é, as instituições políticas

monarquianas. O Poder Moderador, por fim, era “o absolutismo prático, e tão transparentes e

impróprios lhe são os andrajos democráticos que o adornam, que nem sequer uma ilusão se

nutre já de que tenhamos outro poder que não aquele” (MARINHO, 1885:34/35). Mais tarde,

em 1870, esses intitulados radicais viriam a se separar do Partido Liberal para fundar um novo

partido, o republicano – partido que por pelo menos quinze anos seguiu irrelevante na cena

política brasileira (BOEHRER, 1954). Por conta disso, sua análise não tem aqui lugar.

Seja como for, do ponto de vista ideológico, esses primeiros radicais eram

anacrônicos exaltados da década de 1830 do que radicais à Simon. Também democrático,

mas cientista, o radicalismo doutrinário emergiria na arena parlamentar do Império alguns

anos depois, quando, de volta ao governo, o Partido Liberal apresentou seus jovens radicais à

Câmara dos Deputados. Além de Simon, Laboulaye, Prévost-Paradol e Bagehot, a nova

geração liberal nascida na década de 1840 trouxe também Stuart Mill e Herbert Spencer

(1820-1903). Foi tanta a influência desses autores, que o filho do senador Nabuco de Araújo,

o deputado Joaquim Nabuco (1849-1910), lhes dedicaria todo um capítulo de sua

autobiografia Minha Formação: Bagehot lhe explicara o funcionamento da monarquia

parlamentar e Laboulaye americanizara o seu liberalismo, ao passo que Prévost-Paradol o

convencera da relatividade dos regimes de governo (NABUCO, 1949). Outro radical típico

era o deputado Rui Barbosa (1849-1923): se, para ele, o pai do radicalismo era “o límpido

Júlio Simon, um dos melhores homens da França” (BARBOSA, 1957: 141), o filósofo Stuart

Mill passava como “o maior pensador político do nosso tempo, o autor dos melhores livros

modernos sobre a democracia e a liberdade, o sábio bem temperado nas suas opiniões”

(BARBOSA, 1966:22). Em nome da democracia, do progresso e da ciência, os liberais

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radicais brasileiros rompiam com as fórmulas de transigência que, segundo eles, haviam até

então caracterizado a política liberal da geração anterior, que tivera Guizot como principal

referência. Rui Barbosa explicava: “Toda reforma é a preparação de uma reforma superior;

todo progresso, a determinante de um progresso futuro” (ACD, 21/06/1880).

Emulando Tavares Bastos, Rui era um apaixonado pela Inglaterra que rejeitava

conscientemente a galomania política e, por conseguinte, o saquaremismo; para ele, o

Visconde de Uruguai era “o pontífice da escola reacionária” (BARBOSA, 1978: 307).

Entretanto, os radicais brasileiros se comprometiam expressamente a lutar dentro da lei: ao

invés de uma força de subversão, o radicalismo era, para eles, “um elemento de ordem, um

princípio de paz, um ponto permanente de apoio ao gênio do progresso moderado contra os

empuxões opostos da reação retrógrada e das exaltações revolucionárias (...), equilibrando o

desenvolvimento do Estado entre essas exagerações extremas” (BARBOSA, 1950:4). No

intuito de colocar o Brasil à altura do século, porém, os liberais radicais não tinham medo de

mexer na Constituição. Desde que as reformas eleitorais de 1832 e 1867 haviam

democratizado a Constituição da Inglaterra, ela já não podia ser mais invocada “como modelo

de sobriedade e lentidão nas reformas”. O fim do consenso em torno da natureza mista da

Constituição da Inglaterra se refletia diretamente na interrpretação que os liberais conferiam à

Constituição do Brasil. Assim, como a Grã-Bretanha não era mais, para Tavares Bastos, “a

nação onde os conservadores se compraziam de admirar a idolatria das velhas instituições”

(TAVARES BASTOS, 1976:114); Rui Barbosa não podia ver a Constituição brasileira como

“um Talmude, onde o texto, materialmente obedecido, exerça a menos inteligente e a mais

servilizadora das tiranias”; típico dos conservadores, esse “rabinismo constitucional” seria

“incompatível com as propriedades fatalmente expansivas do sistema parlamentar”

(BARBOSA, 1950: 95). O jovem Nabuco não destoaria do colega de bancada:

“Nossa Constituição não é a imagem dessas catedrais góticas edificadas a muito

custo e que representam no meio da nossa civilização adiantada, no meio da

atividade febril do nosso tempo, épocas de passividade e de inação. A nossa

Constituição é, pelo contrário, de formação natural, é uma dessas formações como

a do solo onde camadas sucessivas se depositam; onde a vida penetra por toda a

parte, sujeita ao eterno movimento, e onde os erros que passam ficam sepultados

sob as verdades que nascem. A nossa Constituição não é uma barreira levantada

no nosso caminho; não são as tábuas da lei recebidas pelo legislador divino e nas

quais não se pode tocar porque estão protegidas pelos raios e trovões. A nossa

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Constituição é um grande maquinismo liberal, e um mecanismo servido de todos

os órgãos de locomoção e de progresso, é um organismo vivo que caminha e

adapta-se às funções diversas que em cada época têm necessariamente que

produzir” (NABUCO, 1983: 98).

Tendo em mente o paradigma de monarquia constitucional explicado pelas teorias da

democracia, do parlamentarismo e da descentralização, pois, os doutrinadores do liberalismo

brasileiro romperam o moderantismo que desejava “a eternidade para as constituições e o

progresso lento dos povos” (TAVARES BASTOS, 1997: II). Ao denunciarem o atraso do

país, eles centraram fogo nas três representações coimbrãs do conceito de Poder Moderador.

Contra a primeira delas – a do governante acima da política -, os liberais reiteraram que o

chefe de Estado reinava, mas não governava. Contra a segunda – a do Poder Moderador como

um poder excepcional a serviço da estabilidade constitucional -, eles responderam com a

circunscrição da margem de discricionariedade do chefe do Estado, pela observância das

praxes parlamentares e pela interpretação restrita das hipóteses de dissolução da Câmara.

Quanto à terceira representação - a do Poder Moderador como eixo da centralização –, foi

oposta uma ardente defesa da descentralização político-administrativa.

Ao governante tutelar da política, o rei reina, mas não governa. A campanha pela

eliminação da opacidade do Estado e pela neutralização do poder do chefe do Estado

contribuiu para difundir, numa chave positiva, o termo parlamentarismo, que tivera até então

conotação pejorativa. Dali por diante, praticamente todos os luzias fizeram profissão de fé

parlamentarista, e mesmo a expressão governo parlamentar, diversamente do que ocorrera até

então, passou a ter esse significado mesmo significado. A Coroa já não tinha, aí, qualquer

parcela na atividade governativa: na melhor das hipóteses, ela exercia o papel de um poder

neutro; na pior, apenas uma função simbólica, ornamental, de representação do Estado. Se até

então governo parlamentar significara que os governos, gabinetes ou ministérios tiravam sua

legitimidade da dupla confiança que mereciam da Coroa e do Parlamento, dali por diante ele

seria sinônimo de parlamentarismo, ou seja, de governo formado e sustentado exclusivamente

pelo Parlamento. Já em 1870, Zacarias o empregava: “É necessário falar muitas vezes na

Inglaterra, quando se trata do sistema parlamentarista, porque, se há país que ofereça o tipo

desse regime, é a Inglaterra” (GOIS E VASCONCELOS, 1979: 324). Em 1885, o senador

Silveira Martins distinguia entre sistema representativo e parlamentarismo, estádio posterior

daquela forma de governo na direção da democracia: “Eu sou da escola do parlamentarismo,

que sustenta que o ministério não pode viver sem maioria da Câmara dos Deputados”.

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(MARTINS, 1885:384). Depois de condenar o modelo saquarema, Tavares Bastos também

concluía em termos peremptórios em 1870: “Governo sinceramente parlamentar ou república,

eis o dilema” (TAVARES BASTOS, 1976: 128).

No entanto, o mais acabado exemplo de infiltração do parlamentarismo foi o discurso

proferido por Rui Barbosa na defesa do gabinete liberal do Visconde de Sinimbu, em 1879.

Estudioso da nova historiografia whig, o novo deputado baiano citava Freeman para denunciar

o anacronismo do modelo monarquiano saquarema, que remontava à concepção

bolingbrokeana do governo misto; saudar o advento da “monarquia democrática” inglesa,

explicada a partir de Bagehot; e determinar a interpretação da Constituição brasileira

conforme o critério normativo evolucionário que orientava a daquele país. Peço licença para a

longa citação pelo seu caráter paradigmático; tocando em todos esses temas de forma

encadeada e argumentada, o discurso do Rui constitui o melhor exemplo da renovação liberal

aqui apontada, sendo, por isso mesmo, o preciso avesso da longa passagem reproduzida no

começo do capítulo anterior, datada de 1842, da autoria de Francisco Carneiro de Campos,

com a qual deve ser contrastada:

“Na teoria liberal do governo que nos rege, a Coroa é apenas a imagem de um

poder, cuja realidade ativa está no gabinete; porque ao gabinete é que, na essência,

pertence toda a autoridade, que as formas convencionais da linguagem

parlamentar nominalmente atribuem à Coroa (...). Entre essa teoria (a

monarquiana) e a do constitucionalismo belga, a do constitucionalismo britânico,

a do constitucionalismo de todas as monarquias democráticas, medeia um abismo.

Eu poderia quase filiá-la politicamente ao espírito realista de Bolingbroke e dos

tories, no princípio do século XVIII, sob o reinado de Ana, pois fácil não é

contestar certo vínculo de parentesco direto entre a errônea concepção que

autorizava a prerrogativa a designar os ministros arbitrariamente, em vez de os ir

buscar no seio da confiança dos comuns, e a que habilita a Coroa a contrabalançar

com suas convicções pessoais a opinião do Parlamento.

“Classificou, Sr. Presidente, o nobre ex-ministro a Coroa como um ramo do

poder legislativo (...). Primeiramente, ainda que o texto constitucional parecesse

favorável a essa ilação, não é à letra das constituições escritas, mas o seu espírito,

a índole do regime político instituído em cada uma, o que designa, em cada povo,

a sede real da autoridade preponderante, da soberania prática, no mecanismo

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interior do Estado. Dentre os princípios decretados nas Cartas modernas, uns são

cardeais, uns necessários, outros contingentes. Estabelecei nelas a soberania do

povo; conferi à representação dele o arbítrio do impostos, e tereis criado o

governo parlamentar, cujo definitivo estado, cuja fórmula essencial é a

supremacia da delegação popular, encarnada numa corporação eletiva. Uma vez

assentado este padrão, todas as instituições inferiores hão de forçosamente

amoldar-se aos limites do plano geral (...). Daí, Sr. Presidente, em todos os países

constitucionais, a par da Constituição escrita, essa outra Constituição, superior

àquela, que Freeman denomina a Constituição convencional. Na Inglaterra, por

exemplo, Sr. Presidente, a legalidade constitucional ainda hoje reverencia no

monarca a suprema autoridade executiva (...). Entretanto, a realidade real,

realíssima, cuja tradução deixo a um dos mais competentes historiadores políticos

da Inglaterra, ao mais profundo fisiologista da vida parlamentar naquele país,

Bagehot, ‘é que o rei presidente apenas às partes imponentes da Constituição, e o

primeiro-ministro, às partes eficientes’. Os ministros, que, na fraseologia jurídica,

têm-se como servidores da Coroa, não são senão órgãos da representação

nacional. O Poder Executivo é rigorosamente feitura da câmara popular, a quem,

por função privativa, incumbe nomeá-lo, mantê-lo, destituí-lo. O monarca

eclipsou-se sob o Presidente do Conselho, personificação dos comuns, que é o

árbitro na política e na administração”.

“Pois bem: isso, que constitui a natureza específica do governo que nos rege (o

parlamentarismo), é absolutamente desconhecido à letra da Constituição

brasileira. (...). E, contudo, este é o eixo de todo o governo parlamentar, é o

governo parlamentar inteiro. A Carta de 1824 legisla, ao contrário, que o

Imperador nomeará e exonerará, portanto, livremente os ministros. Seguir-se-á daí

que a seleção dos ministros esteja ao arbítrio da Coroa? (...) Não se segue tal (...)

por uma razão filosófica e uma razão existencial. A razão filosófica está em que,

uma vez representada sinceramente a Nação num Parlamento livre, a soberania

que essa instituição exprime, assumirá uma realidade absorvente, concentrará em

si toda a ação política, e fundirá pela origem o Poder Executivo na representação

popular. A razão jurisprudencial jaz na doutrina viva da grande mestra do governo

representativo, que não cessarei de citar, a Inglaterra. Ali também, segundo a

teoria legal, cabe à Coroa livremente e à sua discrição pessoal está entregue a

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escolha dos ministros. Entretanto, nada é menos livre, nada é mais forçado, nada

mais fatal do que essa escolha. Logo, o livremente do art. 101, como o

privativamente do art. 98, exprimem apenas uma fórmula reverencial, em

homenagem ao papel simbólico da Coroa. Nos governos de gabinete, não há um

átomo de autoridade, política ou administrativa, a cujo respeito os membros dessa

junta parlamentar que se intitula ministério sejam simples referendatários da

vontade imperial” (BARBOSA, 1952:37/41).

Qualquer outra forma de governo que não fosse a parlamentarista era tachada pelos

liberais como a do governo pessoal ou do imperialismo, expressões que exprimiam a vaga

noção de um absolutismo disfarçado ou encoberto - a segunda das quais, apropriada do

repertório crítico dos liberais franceses contra o Imperador Napoleão III. Ambas eram aqui

empregadas para designar criticamente o modelo monarquiano teorizado pelo Marquês de

Caravelas, adaptado ao governo parlamentar por Bernardo Pereira de Vasconcelos e

doutrinariamente fixado, enfim, pelo Marquês de São Vicente e pelo Visconde de Uruguai.

Com exceção do Timandro do Libelo do Povo, até 1868 nenhum histórico ou

progressista de calibre atacara publicamente a pessoa do Imperador. O imperialismo era

geralmente explicado como uma deturpação do governo representativo provocada pela ação

nociva de maus ministros de Estado que, para evitarem a responsabilidade política pelos atos

praticados na gestão de suas pastas, deles buscavam se eximir no Parlamento, alegando que

cumpriam ordens do monarca, autoridade irresponsável. Era o que fazia Teófilo Otoni na sua

Circular de 1860, ao sustentar que o poder pessoal decorria da “subserviência dos ministros e

cortesãos, que proclamam uníssono a onipotência imperial”; ministros cuja covardia

transformava a monarquia constitucional numa monarquia pessoal. Ao responsabilizar os

ministros que não sabiam resistir à vontade do monarca, o líder dos históricos salvaguardava a

pessoa do Imperador. Otoni estava então “convencido de que no ânimo constitucional do Sr.

D. Pedro II não se aninha a mais remota idéia de usurpação”. E explicava: “Quando me refiro

a fatos inconstitucionais acobertados com o nome do Imperador, entenda-se sempre que longe

está de minha intenção a mais leve sombra de censura que vá além dos ministros, que

aceitam, ou conservam as pastas, quanto tais fatos se dão. Dirijo-me exclusivamente aos

agentes responsáveis, quando moralizo sobre a entidade inviolável” (OTONI; 1916:215).

Deste entendimento não destoavam nem o Tavares Bastos de Os Males do Presente e as

Esperanças do Futuro, de 1861, e nem mesmo o Tito Franco de Almeida de O Conselheiro

Francisco José Furtado, que em 1867 celebrizara a expressão imperialismo. O próprio

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Senador Furtado, ídolo dos históricos, admitia que a máxima o rei reina e não governa não

correspondia ao teor da Constituição e que as eventuais deficiências do governo

representativo, no Brasil, decorriam de fatores outros, que não da ação de Dom Pedro II:

“Dai-me eleição livre, Parlamento independente, ministros que assinem todos os atos do

Poder Executivo e do Moderador, e eu não receio influências indébitas e camarilhas” (ACD,

1°/07/1861).

De 1868 em diante, porém, a expressão Poder Moderador passou a ser tomada como

sinônimo de poder pessoal, ou de poder legal, mas ilegítimo, do Imperador. Ao invés de

guardião da incorruptibilidade do governo misto pelas facções parlamentares, como queriam

os monarquianos; de poder neutro contra as ameaças de parcialidade dos demais poderes

políticos, como queria Constant; os antigos progressistas começaram a aderir à tese dos

históricos de que o modo como Pedro II exercia o Poder Moderador desvirtuava o governo

representativo, ao invés de garanti-lo. A culpa se deslocava da incompetência dos

representantes para recair sobre os caprichos ou o absolutismo do Rei. Não por acaso, a

associação entre Pedro II e Jorge III feita por Tito Franco e outros remetia ao período em que

o monarca inglês governara conforme a teoria bolingbrokeana, condenada severamente pela

historiografia whig. Na medida em que provocava a fragmentação e a desordem partidária

para manter ou aumentar o cesarismo, o Imperador se tornara, para Silveira Martins, o

“arquiteto supremo das ruínas políticas do país” (MARTINS, 1979; 235). Tendo negado até

então o governo pessoal, Tavares Bastos agora o reconhecia e o condenava como a “forma

moderna do antigo absolutismo”, cuja ação entorpecia o desenvolvimento das vocações

políticas espontâneas (TAVARES BASTOS, 1997).

Culpar o Imperador pelas mazelas políticas ou partidárias tinha uma tripla utilidade:

eximia a classe política de suas responsabilidades diante de suas clientelas insatisfeitas,

composta geralmente de lavradores; conferia-lhes uma aura politicamente correta de

modernidade democrática (pegava bem mostrar distância do Paço); e, por fim, servia muito

especialmente para, pelo temor das críticas cada vez mais virulentas, pressionarem a Coroa a

despachar os adversários e, invertendo a situação política, chamar o partido opositor ao poder.

É certo que, mais responsáveis, luzias como os senadores Sinimbu e Saraiva repetiam que a

fonte do imperialismo ou poder pessoal do Imperador não estava nele mesmo, mas nas

fraudes praticadas pelos ministérios, que desmoralizavam a Câmara dos Deputados como

espaço de representação nacional; e que uma reforma eleitoral, que fizesse dela um verdadeiro

espelho da sociedade, bastaria para restabelecer “o equilíbrio entre os diversos poderes

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constitucionais” (In: NABUCO DE ARAÚJO, 1979:46). Esse posicionamento não era,

entretanto, majoritário.

Ao poder excepcional e discricionário da Coroa, a serviço da estabilidade

constitucional, a observância rigorosa do parlamentarismo e a interpretação restritiva da

expressão “salvação do Estado”. Para os velhos saquaremas, como para os coimbrões, a

expressão do art. 101 V da Constituição designava monarquianamente o poder discricionário

de que a Coroa dispunha para avaliar, conforme a ocasião, o grau da ameaça oferecido pelas

facções às instituições e decretar ou não a dissolução da Câmara, conforme tal juízo. No

entanto, já em 1841 Otoni sustentava que o exame, pelo Imperador, das circunstâncias que

exigiam a “salvação de Estado”, não era discricionário; em sua opinião, seria preciso que, no

juízo do senso comum, se configurasse uma crise análoga àquela que, em caso de guerra ou

insurreição, autorizava a suspensão das garantias constitucionais, isto é, a decretação do

estado de exceção. Repetida em 1860 por Zacarias de Góis e Vasconcelos em Da Natureza e

dos Limites do Poder Moderador, essa interpretação constitucional enviesada, que almejava

impedir que o monarca invertesse as situações partidárias, sem que o Parlamento previamente

votasse a destituição do gabinete, se disseminou publicamente entre os liberais depois de sua

queda, em 1868. Reunido o Conselho de Estado para opinar sobre o pedido de dissolução da

Câmara liberal, formulado pelo novo Presidente do Conselho, o Visconde de Itaboraí, o

liberal Bernardo de Sousa Franco - agora visconde do mesmo nome – opôs-se ao antigo

entendimento monarquiano naqueles termos; únicos compatíveis com o governo

representativo, que não tolerava o monopólio do Imperador nessa função:

“A intervenção do Poder Moderador é limitada a casos muito graves, em que o

Estado corra perigo, isto é, corram perigo as instituições e os homens (...).

Dissolução como medida ordinária para mudança de política ou de influência de

governo, a Constituição a não autoriza. E tanto menos a autoriza, quanto há mais

de uma solução possível às crises; e a Constituição não constitui o Poder

Moderador o único árbitro dos destinos da Nação, de quem, aliás, é delegado (...).

Elevado o Poder Moderador à proeminência sobre todos e à categoria de único

órgão dos verdadeiros interesses da Nação, desapareceria do art. 3º. da

Constituição do Império o termo – e representativo -, deixando a Nação de ser a

principal influência no modo por que deseje ser governada por seus delegados”

(ACE, 18/07/1868).

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Na mesma linha de raciocínio, Tavares Bastos circunscrevia a dissolução às

hipóteses de “crises temerosas” em que “pode um gênio investido dessa ditadura pacífica,

usurpada ou outorgada, salvar uma nação corrompida” (TAVARES BASTOS, 1976:210). O

deputado Silveira Martins (1834-1901), por sua vez, repetia que “a Constituição só permite

recorrer à medida sempre extraordinária da dissolução para a salvação do Estado, pois diante

disso cessa tudo, tudo desaparece” (MARTINS, 1979:125). Caso contrário - aduzia o senador

José Bonifácio, o Moço - a salvação pública passaria “de um momento para o outro a ser

apenas a salvação de alguns interesses ou a glorificação de alguns homens” (ANDRADA E

SILVA, 1978:198). Opondo-se à inversão política operada em 1885, foram ainda mais longe

este último e o senador baiano Manuel Pinto de Sousa Dantas (1831-1894), ao invocarem a

distinção estabelecida por Prévost-Paradol entre dissolução régia e dissolução ministerial.

Eles queriam obrigar o Imperador a dissolver a Câmara sempre que o gabinete liberal o

pedisse, suprimindo seu direito de decidir sozinho, depois de ouvir o Conselho de Estado. A

Coroa só teria liberdade de escolher quando os partidos estivessem divididos e lhe parecesse

que a minoria tinha o apoio da opinião pública: “O apelo (ao eleitorado) instaura o juízo

constitucional; a Nação constitui-se julgadora em causa certa; a decisão é sentença definitiva,

o conflito desaparece, e assim continua o jogo regular das instituições” (ANDRADA E

SILVA, 1978:185). Em idêntico sentido opinou na época o senador luzia Afonso Celso de

Assis e Figueiredo, futuro Visconde de Ouro Preto (1836-1912): “O Poder Moderador não

pode mudar a situação política, representada na maioria da Câmara dos Deputados, senão

quando convencer-se de que essa maioria está divorciada da Nação, que a sua opinião não é a

da maioria do país” (ACE, 27/08/1885).

Mas essa interpretação liberal também não era unânime: o Visconde de Sinimbu, por

exemplo, entendia que a distinção de Prévost-Paradol era inconstitucional; além disso, os

liberais argumentavam diversamente quando a inversão da situação partidária lhes favorecia.

Assim, em 1878, os liberais justificaram-na alegando que o país queria a eleição direta que

eles patrocinariam, ao passo que os conservadores não a fariam, nem deixariam

voluntariamente o poder. Este era um caso em que, por conta de seu elevado propósito de

regenerar o sistema representativo, era admissível e justa a inversão da situação política

determinada pelo Imperador - até porque seria a última. Elevado à condição de ministro da

Fazenda, desta vez o enfezado Silveira Martins aplaudiu a inversão: “O Senhor D. Pedro II

procedeu (...) de um modo rigorosamente constitucional: não criou novidade, imitou o Rei

Leopoldo (da Bélgica). Despediu o Partido Conservador, que queria realizar a idéia de seus

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adversários, e chamou os liberais, a quem competia a responsabilidade dessa medida do seu

programa político” (MARTINS, 1979:241). Em 1889, quando foram de novo chamados para

realizar um amplo conjunto de reformas, os liberais chefiados pelo Visconde de Ouro Preto

acharam, de novo, que a hipótese de inversão da situação era perfeitamente compatível com

suas convicções constitucionais.

Ao Poder Moderador como eixo da centralização, a descentralização política e

administrativa. Apresentando-se novamente como o anti-saquarema por excelência, coube

mais uma vez a Tavares Bastos o papel de algoz do conceito de Poder Moderador deixado

pelo Marquês de Queluz, de artífice da unidade nacional. Escrito para responder os ensaios

publicados pelo Visconde de Uruguai, que continuavam a servir de compêndio para os

conservadores depois de sua morte, A Província (1870) estendia o seu americanismo, antes

restrito ao campo social e econômico, à questão da forma de Estado, fazendo a defesa de uma

reforma constitucional que ampliasse a autonomia das províncias na direção de um

federalismo mitigado. Para Tavares Bastos, a extensão do território, a fraqueza de laços

nacionais e a diferença de climas no Brasil vivamente desaconselhavam essa centralização

que os conservadores declaravam ser uma herança feliz da monarquia portuguesa. O perspicaz

publicista alagoano sabia que o prestígio do unitarismo estava vinculado à utopia do grande e

poderoso império, subjacente ao discurso monarquiano de José Bonifácio, Caravelas e

Queluz; por isso, ele tentava convencer seus leitores de que já passara o tempo em que os

povos sonhavam com “a fundação de poderosas monarquias”; que este era um ideal

ultrapassado e autoritário. Ao inocular “a inércia, o desalento, o ceticismo e, quem sabe, a

baixa idolatria do despotismo”, o sonho do Conde de Linhares de um grande e poderoso

Império, assim como a autonomia do Estado, que o pressupunha, eram incompatíveis com os

ideais modernos de liberdade individual e progresso material perseguidos pelo liberalismo.

“A centralização é essa fonte perene de corrupção, que envenena as mais elevadas

regiões do Estado. (…) Em verdade, que é o nosso governo representativo? Nosso

Parlamento? Nossas altas corporações? Tudo isso assenta no ar. É o cetro que

eleva os humildes e precipita os soberbos. Por baixo, esta o povo, que escarnece.

(...) Jogo de azar torna-se a política. (...) Vemos os espíritos aflitos em busca de

um ponto de apoio no espaço: quanto a nós, não há outro; é a autonomia da

província” (TAVARES BASTOS, 1997:28/29).

Eram de novo a historiografia e a retórica do movimento na década de 1830. Assim

como Laboulaye e Prévost-Paradol reivindicavam a herança de Constant e Tocqueville contra

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o conservadorismo de Royer Collard e Guizot, Tavares Bastos reivindicava o liberalismo do

reinado de Dom Pedro I e da Regência, especialmente o de Evaristo da Veiga, contra aquele

que se lhe seguira, como o de Manuel Alves Branco, de acentos conservadores; liberalismo

que, “idólatra da simetria francesa”, fora responsável pela “política reacionária do Segundo

Reinado” (TAVARES BASTOS, 1997: 81). Liderado por políticos de “espontaneidade, ardor,

fé viva na liberdade aquecida ao sol da América”, o Sete de Abril era agora reivindicado por

quem antes o repudiara como uma “revolução nacional”, que tentara emancipar o país dos

grilhões centralizadores, apresentado o Ato Adicional como o fruto de uma madura aspiração

democrática da sociedade brasileira. A retórica do movimento ia além para criticar as

instituições monarquianas que garantiam a autonomia da Coroa e da alta burocracia imperial:

o Conselho de Estado era reduzido à condição de “ninho dos retrógrados auxiliares de D.

Pedro”, e o conjunto dos realistas, aos “absolutistas do Senado” (TAVARES BASTOS, 1997:

9).

Tomando carona do argumento desenvolvido por Tocqueville, Tavares Bastos

sustentava que a centralização sujeitava os povos a uma espécie de despotismo mais ou menos

dissimulado, que faziam dos indivíduos rebanhos. Com sua rígida hierarquia administrativa, a

centralização política afastava o Estado da sociedade, aprofundando sua opacidade em

detrimento da transparência e criando, por este meio, “um país oficial diferente do país real

em sentimentos, em opiniões, em interesses”; por conseguinte, absolutismo, centralização,

império, eram expressões sinônimas (TAVARES BASTOS, 1996:8). Daí que os brasileiros

não formavam “um povo”, isto é, uma sociedade ou uma nação; eram “o Império”, ou seja,

definidos pela supremacia de sua organização estatal, burocrática, centralizada (TAVARES

BASTOS, 1997: 79). Gerada pela hipertrofia do poder pessoal, a centralização periclitava a

própria monarquia que, no seu núcleo, sem outras agências a quem pudesse distribuir os

encargos, era diretamente responsabilizada pelos males administrativos. Por fim, o argumento

coimbrão-saquarema de que o atraso de nossos costumes políticos justificava a centralização

era rejeitado por Tavares Bastos, como antes pelo Marquês de Barbacena, como circular: era a

tutela governamental que, no seu entender, impedia o aperfeiçoamento dos costumes, que só

na liberdade podia se realizar:

“Para que um povo se aperfeiçoe e aumente em virtudes, é mister que seja livre. É

a liberdade que excita o sentimento da responsabilidade, o culto do dever, o

patriotismo, a paixão do progresso (...). Negam ao país aptidão para governar-se

por si, e o condenam por isso à tutela do governo. É pretender que adquiramos as

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qualidades e virtudes cívicas, que certamente nos faltam, sob a ação de um regime

de educação política que justamente gera e perpetua os vícios opostos”

(TAVARES BASTOS, 1997:32 e 33).

A descentralização política era apresentada pelos liberais à aristocracia rural como

uma solução alternativa à continuidade do modelo saquarema. Na impossibilidade de operar a

transparência entre sociedade e Estado pelo parlamentarismo em âmbito nacional, enquanto

durasse a situação conservadora, a autonomia provincial permitiria à grande lavoura

dinamizar a economia no âmbito de suas respectivas esferas de influência, sem a interferência

do governo geral. Sempre apoiado em a Democracia na América - “livro sem rival”

(TAVARES BASTOS, 1996:55) -, Tavares Bastos atribuía ao federalismo a responsabilidade

pelo progresso econômico dos Estados Unidos e da Austrália, as “grandes potências do

futuro”. Este último país e o Canadá, em particular, desmentiriam não apenas a tese

monarquiana da incompatibilidade entre regime monárquico de governo, parlamentar e forma

federativa de Estado, como as vantagens do parlamentarismo democrático. Os conflitos entre

as assembléias legislativas daqueles domínios britânicos e seus respectivos governadores-

gerais teriam cessado a partir do momento em que estes, na qualidade de representantes da

Coroa, também desistiram de indicar unilateralmente o governo, nomeando e demitindo

livremente os secretários de Estado; passando a escolhê-los entre os chefes do partido

majoritário e conferindo-lhes poderes de governo – ou seja, desde que aceitaram o

parlamentarismo. “Espetáculo tão novo da constante generosidade de uma grande potência”,

a própria Inglaterra, nação metropolitana, se preparava, de acordo com o publicista alagoano,

para, “sem ira e sem ciúme”, conceder a completa autonomia das colônias; precedente que

deveria ser seguido pela Corte do Rio de Janeiro em relação às províncias brasileiras

(TAVARES BASTOS, 1996:72/73).

Embora negasse pretender um grau de descentralização política equivalente à

estadunidense, canadense ou australiana, para evitar ser acusado de sabotar a unidade

nacional, nem por isso deixava Tavares Bastos de, na prática, continuar a argumentar com os

mesmos exemplos, sugerindo, assim, que a eleição dos governadores e a organização do

Poder Judiciário também fossem entregues às províncias. No entanto, mais uma vez ele se

escusava de responder o argumento de Uruguai de que a descentralização subordinaria a

população do campo aos potentados, ou que a descentralização por ele proposta estiolaria a

dimensão nacional do governo. Não é que a questão estivesse fora de seu horizonte; é que,

para o publicista alagoano, a passagem para a democracia pressupunha um período

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aristocrático ou oligárquico, em que, concertados no lugar da burocracia imperial, os grandes

proprietários de terras das províncias governassem o país – ou seja, nada mais brasiliense.

Tanto Tavares Bastos quanto Juan Baptista Alberdi (1810-1884), na Argentina,

acreditavam que a implantação de um sistema estável de governo descentralizado das

oligarquias provinciais acompanhado de um transplante cultural era um estádio necessário da

modernização política; obrigatório para eventualmente mais adiante se chegar, pela riqueza e

pela imigração, ao igualitarismo tocquevilliano da democracia liberal. Alberdi sabia da

inviabilidade de um funcionamento literal da americanista Constituição argentina de 1853;

por isso, ele reconhecia que, na prática, as instituições deveriam rodar como a oligárquica

república chilena, moldada por Diego Portales; único modelo ibero-americano que lograra

conciliar a república, de um lado, com o progresso ordenado, de outro (BOTANA, 1998:46).

Nunca é demais repetir: idealizada por Alberdi e realizada pelo Presidente Júlio Roca (1843-

1914), a república aristocrática argentina seria o modelo que tentaria seguir no Brasil o

republicanismo paulista. Não por acaso, no Congresso Constituinte de 1890, o chefe do

conservadorismo republicano, Manuel Ferraz de Campos Sales (1841-1913), saudaria

vivamente a “memória imperecível” de Tavares Bastos - “um dos brasileiros mais notáveis

pela elevação de seu talento, pela tenacidade no trabalho, pela sinceridade do patriotismo; e

pela franca adesão do seu culto espírito às idéias democráticas” (SALES, 1902:59).

5.2. A reação aristocrática contra a abolição da escravatura. O declínio do discurso

monarquiano (1867-1878).

A mudança de paradigma ocorrida na passagem da década de 1860 para a de 1870,

entendida como uma necessidade civilizacional, obrigou assim as agremiações políticas

brasileiras a acompanhar o movimento da história. As alterações efetuadas em seus discursos

pelos liberais brasileiros representaram uma radicalização das posições defendidas pelos

progressistas; da mesma forma, a historiografia e o discurso liberal histórico, com sua

linguagem carregada dos topói republicanos do vintismo e do movimento regencial, foram

apropriados pelos primeiros liberais radicais, declarados em 1870 republicanos, e reunidos no

novo partido homônimo. Diante da grave mudança operada no paradigma de governo

representativo, decorrente da nova compreensão da Constituição Inglesa, o discurso

conservador brasileiro também teve, depois de 1870, de se adaptar às novas teorias da

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democracia e do parlamentarismo. Lembro que, promovidas pelos conciliados e pelos

progressistas, as sucessivas reformas eleitorais das décadas de 1850 e 1860 enfraqueceram o

poder da cúpula saquarema, aumentaram o peso político dos fazendeiros e afastaram a

burocracia, substituída pelos bacharéis da sociedade civil (CARVALHO, 1996). Além disso,

a perda de poder da lavoura fluminense em benefício da de São Paulo, assim como o

crescente desnível econômico entre o norte e o sul do país, abalando a funcionalidade da

forma semi-unitária de governo, levaram muitos chefes rurais a verem com bons olhos as

idéias de descentralização e de transparência entre a sociedade e o governo. Como se verá na

terceira seção deste capítulo, esse fenômeno ocorreu no bojo da campanha pelo

parlamentarismo democrático, tentativa de superação do modelo político saquarema pelos

liberais e conservadores agrários, que obteve êxito em 1881, com a promulgação da Lei

Saraiva.

Como se sabe, o espectro ideológico constitui um arco com diversas divisões nas quais

se acham instalados os diversos atores políticos, conforme a filosofia da história prevalecente.

Na época em apreço, em que a radicalização da filosofia do progresso histórico apontava a

democracia como télos, a mudança operada no paradigma do governo representativo obrigou

cada segmento partidário a dar um passo adiante para a ele se adaptar - como numa fila em

que cada indivíduo ocupa um lugar demarcado no chão. A ocupação de um novo “lugar” pela

vanguarda liberal – a do radicalismo democrático - obrigou a direita liberal, que se achava

imediatamente atrás dela, a seguir-lhe o passo para ocupar o antigo lugar de sua antecessora.

O movimento foi, assim, seguido pelos conservadores, cuja ala esquerda adotou a posição que

outrora cabia à direita dos liberais, cabendo o lugar seguinte à ala direita. No final, a posição

correspondente, no período anterior, ao lugar mais à direita, acaba abandonada por ser a mais

antiga e a mais irrespondivelmente anacrônica. No caso em tela, essa posição correspondeu

àquela em que se achava a ala burocrática dos saquaremas, com seu discurso monarquiano. Se

ela tinha de dar um passo adiante, para ocupar a posição seguinte, teria de se desfazer de sua

antiga linguagem, ou adaptá-la aos novos tempos. De fato, depois daquela data, percebe-se

que a linguagem dos doutrinários franceses e dos monarquianos foi paulatinamente

abandonada pelos conservadores. Embora reiterado quando se tratava de prestigiar a

monarquia e demarcar suas diferenças face aos liberais, na prática, os conservadores

toleravam cada vez menos a tutela do Imperador sobre a política, pressionando-o nos

bastidores para se curvar às praxes parlamentaristas.

Seja como for, é um engano crer que o discurso monarquiano saquarema tenha

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declinado de um dia para o outro. Por dez ou doze anos depois da crise de 1868, os

conservadores mantiveram o fio ideológico que desde os coimbrões caracterizava a direita

brasileira. Exemplo disso foi a alocução do principal chefe do partido, Visconde de Itaboraí,

às vésperas da queda dos progressistas: “A liberdade que é licença e desordem, o Partido

Conservador repele e detesta; a liberdade que é condição suprema e indeclinável da dignidade

e da vida dos povos livres, o Partido Conservador zela e a quer. Se a liberdade é pretexto para

oprimir direitos, ela é uma ficção detestável; se a liberdade é o símbolo da anarquia, traduzida

pela igualdade da servidão, nós, os conservadores, a não queremos. (...) Os princípios de

ordem, que têm sido a crença e a prática do nosso partido, não os abandonemos, não; seja-nos

com eles cara a liberdade constitucional” (In: NABUCO, 1997:759). No ano seguinte, já na

condição de Presidente do Conselho, Itaboraí refutou o sorites de Nabuco de Araújo em

termos similares, recriminando os liberais por sua inconsistência ideológica: os luzias eram

políticos limitados a “inventar algumas frases cabalísticas, aforismos sem sentido, teorias de

ocasião, para justificar certas evoluções políticas”. O sobrevivente da trindade saquarema

negava a ilegitimidade da nova situação, opondo, à autoridade de Stuart Mill - invocado por

Zacarias para justificar o parlamentarismo -, “a de um escritor de maior autoridade; a de um

dos mais sábios homens de Estado da Inglaterra”, para quem o monarca não era “um simples

zero, mas uma parte substancial do sistema político”. Ocorre que o autor a que Itaboraí se

referia, para sustentar que o rei reinava, governava e administrava, era justamente era o

Barão de Brougham e Vaux, cuja teoria do governo misto havia sido atacada como literária e

anacrônica por Bagehot!

“O rei reina e não governa é máxima contrária à nossa Constituição. O monarca

é o chefe do Poder Executivo; tem como tal o direito de discutir com seus

ministros e indicar-lhes o que lhe parece melhor. Se estes adotam a opinião da

Coroa, desde logo a fazem sua, e respondem por ela; se não a aceitam, e a Coroa

se recusa a adotar a deles, fica-lhes o recurso de se demitirem. São estas, em

minha opinião, os verdadeiros princípios do nosso sistema de governa” (ASI,

7/7/1869).

Itaboraí não foi o único a reiterar o discurso monarquiano saquarema. Na sessão do

Conselho de Estado que decidiu a volta dos conservadores, os marqueses de Sapucaí e São

Vicente, bem como o Visconde de Inhomirim, recorreram aos velhos topói coimbrões para

refutar a tese liberal de que o Poder Moderador só poderia dissolver a Câmara quando de um

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abalo equivalente àquele exigido para decretar o estado de exceção: o modelo político

saquarema condenava qualquer parlamentarismo, para além do governo parlamentar tutelado.

Segundo Cândido José de Araújo Viana, Marquês de Sapucaí (1793-1875), ao

negarem ao gabinete os meios para finalizar a guerra com honra, os deputados liberais haviam

colocado o interesse partidário acima do nacional. Com o seu “desejo de enxertar em nossas

instituições o chamado regime parlamentar, que elas não autorizavam na amplitude imaginada

por sôfregos inovadores” – ou seja, o parlamentarismo -, os luzias escondiam “um

pensamento sinistro e hostil às nossas instituições políticas”; o que já justificava a decisão de

dissolução da Câmara. Para tanto era livre o Poder Moderador, “a quem privativamente

compete fazê-lo livremente, isto é, sem a sugestão ou assentimento de outro poder, mas nunca

sem ser movido por considerações de interesse público e harmonia dos demais poderes

políticos”. Na mesma sessão, o mais conceituado constitucionalista saquarema, o Marquês de

São Vicente, também rejeitou as teses de Nabuco de Araújo, Zacarias de Góis e Sousa Franco.

As interpretações evolucionárias da Constituição, que para os liberais justificavam o

parlamentarismo, não passavam de “sutilezas da imaginação”, pois, nesse caso, com a

redução da autonomia decisória do Poder Moderador, ficaria consagrada a “onipotência da

Câmara dos Deputados”, deixando o chefe do Estado “de ser um poder neutro e mantenedor

do equilíbrio político”, (ACE, 18/07/1868). O saquarema mais enfático, todavia, foi Francisco

Sales Torres Homem, Visconde de Inhomirim, cuja nomeação para senador pelo Rio Grande

do Norte servira de pretexto para a crise política. Reproduzo a passagem de seu parecer, em

tudo contrária àquele que deixara sobre o mesmo assunto, vinte anos antes, sob o pseudônimo

Timandro, reproduzido no início do capítulo anterior.

“Não é somente na hipótese em que um gabinete perde a maioria que antes o

sustentava que a dissolução pode tornar-se necessária. É também quando a Coroa

se convence de que tanto a maioria, como o ministério tirado do seu seio, não

estão em condições de continuar a merecer a sua confiança e a do país. A razão

constitucional da medida é a mesma em ambas as hipóteses; e da doutrina

contrária resultaria que, contra uma maioria facciosa, mas em harmonia com um

ministério faccioso, não haveria corretivo algum antes de findo o período

ordinário da legislação, perdendo assim a Coroa, em detrimento do regime

representativo, o direito de satisfazer às reclamações da opinião pela mudança de

política e pelo apelo para as urnas. Nunca foi assim entendida a atribuição da

dissolução, nem entre nós, nem nos países mais adiantados do que nós na prática

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do sistema constitucional. Presume-se que a opinião da Câmara dos Deputados

exprime a opinião do país, salvas as exceções; e é justamente por causa de tais

exceções, que o poder de dissolução foi concedido à Coroa. No Brasil, essa

presunção perde consideravelmente em seu efeito moral, quando se atende aos

grandes vícios de nosso sistema eleitoral, e dos quais resulta que as urnas prestam-

se com fidelidade igual às exigências de todas as políticas, e fornecem aos

gabinetes de partidos opostos as maiorias numerosas de que precisam. O

argumento tirado da frase da Constituição – a salvação do Estado – também não

me parece procedente, porque deve ser interpretada, como o tem sido até hoje, no

sentido lato e conforme ao princípio geral que serve de fundamento a esta

prerrogativa. Mudar a direção dos negócios públicos, quando comprometidos por

um plano desacertado de governo, é sempre promover a salvação do Estado”

(ACE, 18/07/1868).

Seja como for, todas essas reiterações do discurso monarquiano saquarema eram o

seu verdadeiro canto de cisne; ancorada nas teorias da separação de poderes e do governo

misto, ele não poderia resistir por muito tempo ao influxo de suas novas teorias que

informavam o paradigma democrático do governo monárquico (pelo menos, não em seu

formato saquarema). Além disso, a consolidação da Terceira República na França em torno de

1877, com a chamada “Constituição Grévy”, confirmava a tese de que o chefe de Estado

deveria deixar a escolha do Presidente do Conselho à discrição da Câmara Baixa. Ao mesmo

tempo em que privavam os conservadores brasileiros de sua referência ideológica, tais

eventos comprovavam a viabilidade de um governo não-monárquico, estável e conservador

no país vanguarda da civilização. Eles pareciam confirmar a filosofia da história para quem,

dada a marcha rumo à democracia, a república era o governo do futuro; assim, por exemplo,

Zacarias de Góis e Vasconcelos já afirmava em 1875, no Senado: “As monarquias, posto que

tendam a desaparecer perante a democracia...” (GÓIS E VASCONCELOS, 1979:470). Além

disso, a pronta repressão da Terceira República à Comuna de Paris demonstrara à direita que,

fundado na soberania popular, o regime republicano tinha mais legitimidade para reprimir

insurreições jacobinas ou socialistas do que a monarquia – ou seja, que ela poderia ser

eficazmente conservadora (LAVELEYE, 1872:76). Perdida a referência francesa de

monarquia forte, as novas gerações conservadoras abandonaram de vez o liberalismo

doutrinário de Guizot e deram de cara com o parlamentarismo democrático, que depois da

segunda reforma eleitoral, em 1867, se tornara um fato incontornável na Grã-Bretanha.

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Chefiados por Benjamin Disraeli, Conde de Beaconsfield (1804-1881), os tories começaram a

perder seu caráter aristocrático para tentar atrair o povo, convertendo-se numa associação

burocraticamente estruturada – a União Conservadora. Lançando um manifesto à população,

comprometendo-se com um programa politicamente conservador, mas socialmente

progressista, o conservadorismo democrático inglês conseguiu a proeza de atrair parte da

burguesia, da classe média urbana e do operariado, sem perder o apoio da aristocracia rural e

do meio financeiro (BERNSTEIN, 1998. 318).

Tais fatores de ordem interna e externa se refletiriam na ideologia conservadora da

monarquia brasileira. Por conta da necessidade de arejar a doutrina do partido e desmentir as

acusações de que serviam somente para épocas de desordem, no final da década de 1860

senadores ligados à burocracia começaram a flexionar a rigidez que os atava ao princípio da

autoridade para também se descreverem como agentes da liberdade e do progresso. Essa

mudança foi registrada por Zacarias nos últimos meses de seu último governo – o que lhe

parecia uma contradição saquarema: agora o Partido Conservador era “o partido dos dois

princípios”, “o partido do equilíbrio deles”; “o partido da harmonia e da ordem”; “o partido da

Constituição” (GÓIS E VASCONCELOS, 1979: 254/257). De fato, embora reiterasse em

suas linhas gerais a idéia conservadora dos doutrinários ou dos tories 79, o senador saquarema

Firmino Rodrigues Silva frisava em que ela não era “a imobilidade chim, nem a fatalidade

islamita. Não exclui o movimento pela mesma razão por que não considera a única condição

do aperfeiçoamento do ente moral, indivíduo ou sociedade. O homem não é ostra nem árvore.

Para viver, melhorar seu estado, aperfeiçoar-se, não pode existir sempre no mesmo lugar;

necessita mover-se, desenvolver suas faculdades. O movimento é, portanto, uma lei de sua

conservação, como de todo criado, e o progresso não é senão o movimento, na ordem moral e

intelectual” (In: MASCARENHAS, 1961:329). Outro senador conservador, o baiano José

Maria da Silva Paranhos (1819-1880), declarava da tribuna daquela casa que as diferenças

entre conservadores e liberais, especialmente quando moderados, já não serem substantivas.

Para demonstrar sua tese, ele extraía fatos da política britânica: no partido tory, haveria tories,

conservadores e conservadores liberais; no partido whig, haveria whigs, liberais 79 Para frisar a continuidade de emprego de tal discurso pela direita brasileira, limito-me a extrair um trecho do artigo do senador Firmino Rodrigues Silva, publicado no Correio Mercantil em pleno ostracismo conservador, trinta anos depois do Regresso (1867): “A idéia conservadora é inseparável de todas as instituições, em todos os tempos e fases da civilização. É a primeira que surge no dia seguinte ao das revoluções para firmar-lhe as conquistas. Sem ela a sociedade giraria desnorteada, como no espaço os corpos privados de centro de gravitação. (...) Nos domínios da razão e da consciência, este instinto se traduz no desejo de conservar o bem que possuímos; de não abandonarmos irrefletidamente o certo pelo duvidoso; de não caminharmos para o desconhecido senão à luz das experiências dos fatos sucessivos, das idéias encadeadas, como nas ciências exatas chegamos a apreciar o valor da incógnita (In: MASCARENHAS, 1961:328)”.

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conservadores, liberais, liberais mais adiantados e radicais. Uma vez que a identidade era

maior entre whigs e tories do que entre um whig e um radical, Paranhos entendia ser

perfeitamente possível que, no Brasil, os moderados também se entendessem sobre uma

política comum de governo, fosse ele luzia ou saquarema80.

“Sr. Presidente, metamos a mão em nossas consciências e digamos: quais são os

princípios políticos que separam hoje os nossos partidos? Pela história e pelos

sucessos em que tenho tido alguma parte, conheci dissidências fatais e profundas,

entre nossos partidos; mas o tempo, este grande reformador pacífico, foi

eliminando e atenuando essa dissidência por tal modo, que podemos dizer, como

se diz hoje na Inglaterra, que a diferença entre liberais e conservadores não está

nos princípios, mas na medida e na oportunidade de sua aplicação” (ASI,

25/06/1868).

Entretanto, o mais completo projeto de renovação teórica do conservadorismo

brasileiro foi desenvolvido por José de Alencar. Ao mesmo em que venerava os fundadores

do partido – Eusébio, Vasconcelos, Uruguai, Itaboraí - e defendia sua obra, ele dava a

entender que o modelo político saquarema estava superado. Resposta à sua ambição de tornar-

se chefe e doutrinador do partido, seu projeto de um novo conservadorismo era uma tentativa

de torná-lo atraente para a classe média alta que julgava despontar nas grandes capitais do

país. Crendo haver chegado o tempo de “espancar o deplorável equívoco que ainda reina na

ciência política de chamar-se democracia o abuso do governo exclusivo de uma porção do

povo”, Alencar aceitava a generalidade da teoria democrática a ponto de declarar que

monarquia e aristocracia designavam apenas “um modo de ser do princípio democrático”

(ALENCAR, 1868:34). Era preciso que os políticos aprendessem diretamente com a

Inglaterra, “povo mestre em ciência governamental, inventor do sistema representativo e seu

modelo”; já passara o tempo da França, “povo que em geral se adstringe muito às palavras e

pouco penetra no âmago das cousas” (ALENCAR, 1866:58). Na esteira das medidas

democratizantes dos tories, Alencar propôs a reorganização do partido criando uma

associação que, estruturada de forma burocrática e eletiva, deveria ter uma seção em cada vila

e cidade do país. Na linha de Disraeli, o autor de Cartas de Erasmo sugeria a publicação de 80 Já em 1859 Paranhos avançara idéias semelhantes, ao responder às acusações de ter traído sua juventude liberal ao aderir aos saquaremas: “É certo, senhores, que apareci na cena política nas fileiras do partido denominado liberal, mas nunca fui o homem violento e exaltado de que se vos tem falado (...). Isto que se deu comigo, e que se me tem lançado em rosto, tem-se dado com a maior parte dos nossos homens políticos; é o que se vê também em outros países, quanto mais entre nós, onde, como bem disse, o nobre Visconde de Albuquerque, nada tão parecido com um saquarema como um luzia, proposição incontestavelmente verdadeira em relação aos moderados de um e outro lado” (ACD, 20/06/1859).

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um programa - o que os saquaremas nunca tinham feito -, contendo os princípios cardeais da

crença conservadora: o “respeito inviolável à Constituição, no estado atual das luzes”; “a

independência prática dos poderes, atualmente aniquilada pela onipotência e degeneração do

Executivo; quanto aos direitos civis, na realidade das garantias individuais, burladas pela

viciosa organização da judicatura” (In: MAGALHÃES JR., 1977:203). No que se refere ao

Poder Moderador, se por um lado Alencar negava a responsabilidade ministerial sobre os seus

atos, Alencar também recusava a condição de chefe do governo ao Imperador. O Poder

Executivo era exercido apenas pelo gabinete que, para deliberar livremente, deveria se reunir

longe das vistas do monarca - ao contrário do que acontecia no Brasil, onde não só se reunia

no Paço como era presidido pelo próprio monarca fiscalizador. “Longe de ser hostil à pessoa

do monarca”, escrevia Alencar, sua sã doutrina era “a mais propícia ao seu poder e grandeza.

Desprendendo-a do dédalo inferior das atribuições executivas, eleva-se a Coroa ao apogeu de

sua força” (ALENCAR: 1866:51/52).

A mesma postura conciliadora se revelava em suas reflexões sobre a reforma eleitoral,

contidas em O Sistema Representativo. Rejeitando a identificação promovida pelos liberais

entre conservadorismo e voto restritivo, Alencar propunha audazmente substituir o voto

distrital pelo proporcional como fórmula de representação das minorias. No entanto, sem abrir

mão do espírito saquarema, Alencar continuava preocupado com a capacidade de os

deputados se identificarem com os interesses nacionais e não somente com os seus rincões.

Contrário ao voto direto e restrito proposto pelos liberais, Alencar preferia aperfeiçoar a

eleição indireta, preservando a ampla base eleitoral existente e filtrando-a pelas classes

médias no segundo grau de eleição. Eis a fórmula que, dada a realidade brasileira, melhor lhe

parecia conciliar a democracia com a qualidade da representação: era preferível uma

democracia tutelada pelo Estado ou por suas elites sociais do que uma oligarquia particularista

que, em nome da Nação, a tiranizasse (ALENCAR, 1868: 9, 88, 102). A eleição em dois

graus se tornava assim a condição mesma da democracia liberal brasileira, ao

simultaneamente afastar a ameaça de um governo da plebe preservando sua participação

eleitoral. O novo conservadorismo de Alencar aceitava assim as novas teorias do paradigma

monárquico representativo, sem comprometer a independência do Poder Moderador, sem

levar a transparência da sociedade no Estado à extensão pretendida pelos liberais e sem

substituir as virtudes cívicas latinas pelo americanismo. Numa crítica frontal a Tavares

Bastos, Alencar frisava na Câmara a premência de emancipar a sociedade do Estado, e não de

estrangeirá-la:

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“Atualmente que se desenvolvem entre nós, um fervor de americanismo, seria

para desejar que, antes de barcos e artefatos, transportassem de preferência para

esta América as virtuosas tradições daqueles rígidos cidadãos, que primeiro

civilizaram a liberdade do novo mundo. A prosperidade material, que muitos

sonhos e esperam da colonização, das estradas de ferro, da navegação dos rios, o

que fora sem a regeneração moral do país? Matéria para combustão; pasto aos

vermes. A grandeza moral deste Império é obra de Deus. A exuberância do solo, a

força criadora do clima, hão de fazê-lo opulento infalivelmente. Do que mais

necessitamos é da grandeza moral das virtudes que ornam a juventude dos povos;

e já mareamos nós, império de ontem, nos vícios das nações decrépitas”

(ALENCAR, 1866:80/81).

Brilhante exercício de renovação teórica do conservadorismo, as proposições de

Alencar foram, porém, solenemente ignoradas pelos chefes do partido. Embora setores

médios efetivamente começassem a despontar nas cidades, a grande força social emergente,

organizada para impor seus interesses, não era a burguesia ou classe média urbana, que

incidia sobre os 4 % da população do país que se achava em cidades com mais de cem mil

habitantes. A grande força social emergente era a aristocracia territorial provincial e seu

crescimento entre a bancada conservadora que não apenas inviabilizou o projeto de Alencar,

como viria a cindir o partido saquarema e derrocar o fim do discurso monarquiano saquarema.

A cisão dos conservadores entre burocracia e lavoura, Corte e província, começou a se

tornar perceptível nos últimos anos da década de 1860, depois da morte do Visconde de

Uruguai e de Eusébio de Queirós. Identificando o interesse do partido ao do Estado e

entendendo que uma inversão partidária, durante a guerra, poderia ser perigosa às instituições,

a ala burocrática saquarema no Senado, formada por Inhomirim, São Vicente e Rio Branco,

hesitava em derrubar Zacarias; por outro lado, ligados à aristocracia rural, os senadores

Itaboraí, o Barão de Cotegipe e Francisco Gonçalves Martins, Visconde de São Lourenço

(1807-1872), argumentavam com a lógica governista provincial. À opinião de São Vicente, de

que a ocasião não era apropriada para a ascensão conservadora, São Lourenço sobrepunha

outros argumentos: “Permita (...) o nobre senador que nós, que residimos nas províncias e

vemos seus infortúnios de perto, apreciemos a cena do país um pouco diversamente, porque

estamos em posições diferentes, e que não possamos ter a mesma resignação de esperar que

(os progressistas) caiam de maduros” (ASI, 01/07/1868).

Ao retornar em 1867 de seu engenho do Recôncavo, Cotegipe começou a criticar o

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poder pessoal, alegando que já era hora de Pedro II passar aos conservadores um pouco de

sua luz e calor. A hesitação dos senadores conservadores ligados ao funcionalismo público

em derrocar o castelo progressista não fazia sentido: “Só se faz oposição para ser governo.

Não é oposição de beijocas” (ASI, 30/06/1868). É que os senadores conservadores das

províncias vinham sendo pressionados por suas bases agrárias, temerosas de que, cansados de

oposição, os seus senhores de engenho acabassem por aderir ao progressismo. Era a pressão

de uma sociedade aristocrática que via o poder em termos estritamente clientelísticos e

patrimoniais: depois de seis anos na oposição, a única forma de evitar a debandada voltar ao

governo; e para tanto, era preciso pressionar o Imperador. Era franca a este respeito uma carta

então enviada da Bahia a Cotegipe: “Neste país, seis ou sete anos sem o contato e a força do

poder, um partido não pode viver. (...) Ficará o casco do Partido Conservador; grandes serão

as deserções”. O missivista insinuava talvez fosse preciso intimidar o Imperador para que a

inversão ocorresse: “Não me iludo – quando a Alta Mente houver esgotado a idéia que gerou

esta situação (progressista), quando as evoluções atingirem o seu termo, a situação mudará”

(In: PINHO, 1930:119/120) 81. Essa divergência dos senadores saquaremas, que fomentava a

indisciplina na Câmara, chamou a atenção do próprio Zacarias, que a atribuiu à morte dos

grandes chefes do partido: Paraná, Eusébio, Uruguai.

“Quando fiz parte do corpo legislativo em 1850, nunca vi um conservador de certa

ordem discordar de seus chefes; a disciplina era perfeita, completa a energia dos

que dominavam, e havia ministro que poucas vezes falava, mas, percorrendo as

bancadas, movia a Câmara como que por uma mola; hoje quer eu consulte a

imprensa ou os discursos proferidos nas câmaras, não apresenta a mesma

identidade de vistas” (ACD, 30/06/1868).

Mais do que Cotegipe, que pertencia a uma geração mais velha, ou mesmo de Ferreira

Viana, que lhe era contemporâneo, o novo chefe político que representava a ascensão da ala

agrária do partido sobre aquela do funcionalismo foi o filho de Uruguai e seu homônimo, o

Conselheiro Paulino José Soares de Sousa (1834-1901). Ele era ainda sobrinho do Visconde

81 Foi também provavelmente por influência de Cotegipe que um jovem conservador ligado à ala agrária do partido, Antônio Ferreira Viana (1833-1903), escreveu naquele mesmo ano de 1867 uma pequena sátira intitulada A Conferência dos Divinos, em que acusava o Imperador de ter rebaixado o nível da política e dos partidos por meio do cooptação, que cada vez mais ampliava o seu poder. Era um novo e mais inteligente tipo de tirania, que dispensava a violência e o panis et circenses de seus frustrados congêneres: “Grande erro foi o vosso, meus irmãos! A política da força faz mártires, e os mártires, como sabeis, ressuscitam; a política da corrupção faz miseráveis e os miseráveis apodrecem antes de morrer. Vós encontrastes em vossos reinados a invencível resistência dos cadáveres vivos e eu governei pacificamente vivos cadáveres”. E arrematava: “Diverti-me muito, fiz o que quis e não matei um homem!” (VIANA, 1956).

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de Itaboraí que, já velho, o preparava fazia algum tempo para suceder-lhe na direção do

partido no Rio de Janeiro e, daí, do país. Eleito deputado geral em 1856, pelo círculo de

Niterói, Paulino Filho estivera sempre ao lado dos puritanos. Quando seu tio tornou-se

Presidente do Conselho em 1868, Paulino foi nomeado Ministro do Império, posto em que se

revelou favorável ao livre cambismo – fez editar, para uso nas escolas, a obra de Samuel

Smiles, O Poder da Vontade – e apresentou um novo projeto de interpretação do Ato

Adicional, concebido “em termos muito liberais” em relação às províncias (SOARES DE

SOUSA, 1923: 93). É preciso lembrar que Paulino era apenas fazendeiro e, como tal, era

ligado ao alto comércio da Corte; ele não havia exercido a magistratura, nem era familiar à

burocracia ou aos profissionais liberais. Como Itaboraí, ele pensava que a utilidade do modelo

saquarema dependia da adesão do Imperador à lavoura; valendo-se do discurso monarquiano

para resguardar a ordem no interesse do status quo aristocrático. Tanto assim que, depois de

1867, e a despeito dos protestos públicos de adesão ao modelo saquarema, veremos que o

Conselheiro Paulino já abraçava o parlamentarismo rejeitado pelo pai como meio de obstar a

marcha da abolição da escravatura deflagrada do trono. Embora também anglófilo, o projeto

de renovação do conservadorismo do Conselheiro Paulino e de seu primo-irmão, Francisco

Belisário Soares de Sousa (1839-1889), era orientado por uma perspectiva diferente da de

Alencar; assim, se o autor de O Guarani propunha tornar o conservadorismo atraente à classe

média alta das cidades, o Conselheiro Paulino tentava moldá-lo o tanto quanto possível ao

gosto da aristocracia rural. Talvez por isso que os dois Soares de Sousa e o Barão de Cotegipe

não levassem Alencar a sério, vendo nele apenas um literato destituído de pragmatismo e

senso de realidade (MAGALHÃES JR., 1977:219; RODRIGUES, 2001:61 e 77).

Assim, a afirmativa de Cotegipe, em 1885, de que era a Inglaterra “a nossa mestra em

todas as práticas do regime representativo” (ACD, 24/08/1885), já havia se tornado uma

banalidade para os conservadores. Essa passagem do partido da galomania à anglomania foi

acompanhada do abandono dos dois principais projetos coimbrões dos saquaremas – o de se

criar uma universidade na Corte e o de aprimorar a administração nacional ao estilo francês.

A proposta de uma universidade datava da própria Constituinte, quando, defendendo a

instalação das escolas superiores na capital, deputados coimbrões como Cachoeira, Cairu e

Caravelas foram atacados pelos brasilienses, que preferiam localizá-las nas suas respectivas

províncias. O gabinete Itaboraí continuava a se orientar pela idéia de que cabia ao Estado criar

na Corte uma elite intelectual capaz de difundir os valores da civilização pelo conjunto da

sociedade brasileira. Apresentada pelo Conselheiro Paulino, a idéia foi novamente combatida

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em 1870 pelos liberais como centralizadora, atrasada e autoritária. Com o pretexto de defesa

do ensino livre, a oposição luzia radicava, de fato, no temor de que as faculdades de medicina

da Bahia e as duas de direito, em Pernambuco e em São Paulo, fossem fechadas depois de

inaugurada a universidade no Rio (BARROS, 1986:207/265). Por isso mesmo, a proposta não

foi adiante. Reapresentado vinte anos depois, na Fala do Trono de 1889, o projeto já

contemplava a construção de duas universidades, uma no Norte, e a outra, no Sul; era o meio

de superar as resistências das províncias (JAVARI, 1993:510). O golpe militar contra a

monarquia, naquele ano, adiou a implantação das universidades para o século seguinte.

O abandono do projeto de uma universidade na Corte, pelos saquaremas não veio só.

Também foi abandonado o velho projeto de reforma administrativa, concebida pelo gabinete

Monte Alegre, em 1849, encampado pelo segundo gabinete Olinda (1857), reclamado pelo

Imperador na Fala do Trono em 1860 e elevado pelo Visconde de Uruguai à condição de

instrumento necessária para o arremate do Estado nacional. Desde pelo menos 1858, também

se opunha o Marquês de São Vicente à proposta de encarregar os processos judiciais que

envolvessem o interesse público ao Judiciário comum, preferindo o aperfeiçoamento do

sistema administrativo francês, elaborado pelo “gênio de Napoleão, que via tudo em grande, e

em toda a extensão” (SÃO VICENTE, 1958:284 e 296). A despeito do empenho dos

saquaremas, a proposta de criar uma justiça administrativa idêntica à da França, da Espanha e

de Portugal havia sido sorrateiramente engavetada pelos progressistas, que preferiam reforçar

instâncias de poder pulverizadas, como as câmaras municipais e o Judiciário. Em meados da

década de 1860, o próprio Imperador decidiu forçar a mão, encomendando ao dito marquês

alguns projetos de lei que, independentemente dos interesses partidários, julgava essenciais ao

futuro do Brasil e precisavam ser debatidos. Um desses projetos de lei era justamente o da

reforma administrativa, que criaria o esperado cordão sanitário entre a administração e a

política ao completar a estrutura do Estado. Duplicado em seu número de membros e dotado

de uma estrutura burocrática de várias secretarias, uma para cada seção, o Conselho de Estado

passaria à condição de supremo tribunal administrativo. A ele subordinado, criar-se-iam os

Conselhos de Província, tribunais administrativos que também deveriam assessorar os

governos provinciais (ARAGÃO, 1955:82/84). Para se ter uma idéia do interesse do monarca

nessa reforma, basta dizer que ele obrigou o Conselho de Estado a debater o projeto por nada

menos que trinta sessões - verdadeiro recorde, não igualado antes, nem depois, naquela

instituição.

Apesar da persistência do Imperador, a reforma, todavia, não se consumou. Em

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primeiro lugar, os políticos receavam que a Coroa passasse a escolher tecnicamente os

governadores das províncias e os conselheiros provinciais, o que atingiria os mecanismos

clientelísticos que levavam a política regional a interagir com os partidos. Em segundo lugar,

o projeto chafurdava no conflito em torno da interpretação da Constituição de 1824: na

medida em que aplicavam a hermenêutica monarquiana, os conservadores consideravam-no

perfeitamente constitucional; ao passo que, capitaneados por Nabuco de Araújo, os liberais

acusavam-na de violar a autonomia das províncias consagrada no Ato Adicional. Além disso,

a proposta também era rejeitada pelos setores agrários de ambos os partidos como

dispendiosa, autoritária e pró-burocrática (In: NABUCO, 1997: 686/687). Ainda assim, o

Conselheiro Paulino apresentou-a ao Parlamento quando Ministro do Império – só para que

ela morresse na praia, vítima da oposição dos liberais e da falta de consenso entre os

conservadores. O abandono desses projetos é emblemático do esgotamento do ideal coimbrão

e saquarema de concretizar o Brasil como um Império cujo Estado, burocrático, despolitizado

e centralizado, elevasse o povo de sua miséria e ignorância, a partir da civilização

disseminada da Corte.

No entanto, o derradeiro e decisivo fator do declínio do modelo político saquarema - e,

com ele, do discurso monarquiano -, foi o processo de abolição da escravatura. Tendo diante

dos olhos o exemplo da guerra civil estadunidense, cujo estopim havia sido a questão da mão-

de-obra escrava, Pedro II se convenceu em torno de 1863 de que, além de proscrita como

regime de trabalho, o processo de extinção da escravidão, liberalmente encaminhado, poderia

liquidar um país que a praticasse em larga escala. “Os sucessos da União americana”, escrevia

ele a Zacarias, “exigem que pensemos no futuro da escravidão no Brasil, para que não nos

suceda o mesmo que a respeito do tráfico de africanos” (In: LIRA, 1977: 236). Por outro lado,

o Imperador também tinha diante das vistas o exemplo da Rússia, cujo czar - Alexandre II –

acabara de abolir a servidão autocraticamente, com uma simples penada e sem qualquer abalo

político. O Poder Moderador e o Conselho de Estado deliberaram então que seria mais

prudente deflagrar o processo de extinção da escravatura do alto, antes que ele começasse a

ser discutido no Parlamento, a fim de manter o controle do governo e evitar as pressões

externas, sobretudo a inglesa (CARVALHO, 1996:280). Para tanto, Pedro II buscou observar

o meio termo entre liberalismo e despotismo ilustrado, que era a marca do modelo político

saquarema: enquanto mantinha as aparências de governo parlamentar, durante os despachos

no Paço, ele convenceria os ministros de Estado a apresentarem na Fala do Trono, que

continha o programa do governo para o ano, um projeto de lei que, pela liberdade do ventre

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escravo, estancasse a reprodução futura do cativeiro. Caso seus argumentos de bastidores

junto aos ministros, como chefe do Poder Executivo, não se revelassem suficientemente

persuasivos, restava-lhe sempre o recurso de insinuar que, do contrário, ele mudaria de

gabinete como titular do Poder Moderador. A exposição de motivos do projeto pelo Marquês

de São Vicente permite entrever a razão de Estado que o norteava.

“A questão já não é de liberdade de ação, essa já está decidida. Irremissivelmente

já está decretado que o abuso há de expirar, e sem muita delonga. A única questão

possível era de quando, e modo mais ou menos inteligente, ou previdente ou

prejudicial. Desde então a razão, o dever, o amor do país aconselham que se

aproveite o pouco tempo que resta, em que ainda temos livre arbítrio para escolher

os meios adequados. (...) Nas grandes crises, nos avultados perigos, é quando os

povos precisam mais de seus governos, quando com razão desejam vê-los à frente

das medidas salvadoras: governo é sinônimo de alta direção, de sábia invenção

dos meios conservadores. Não convém de maneira nenhuma deixar a iniciativa

individual as indicações ou incompletas, ou imprudentes, temerárias, ou errôneas,

que tanto mal fazem, abalando a sociedade, e aumentando a gravidade do mal. O

assunto é de grandeza tal, que não tolera desleixo, ou imprevidência” (SÃO

VICENTE, 1988:145).

Assim foi que, substituído o segundo gabinete Zacarias, Pedro II sondou o novo

Presidente do Conselho progressista, o Marquês de Olinda, com seu projeto abolicionista.

Mas o aristocrata pernambucano rejeitou in limine qualquer medida naquele sentido (PINHO,

1930:132). Como o projeto de reforma administrativa, aqueles atinentes à emancipação foram

discutidos no Conselho de Estado por decisão do Imperador, até serem unificados por Nabuco

de Araújo, que lhe era favorável. Elaboradas com a colaboração de Zacarias, então no poder,

as Falas do Trono de 1867 e 1868 aludiram explicitamente à necessidade de que o Parlamento

se ocupasse “dos altos interesses que se ligam à emancipação dos escravos”, devendo

encaminhar o governo o competente projeto de lei quando a Guerra do Paraguai terminasse. A

leitura da passagem pelo Imperador no Parlamento, pegando a classe política desprevenida,

teve o efeito de um verdadeiro “raio, caindo de um céu sem nuvens” (NABUCO, 1988 a: 62).

Parte dos progressistas e dos históricos esboçou então a resistência, convencidos de que havia

“idéias em que se não deve insistir de modo vago, em circunstâncias extraordinárias, e antes

de chegado o momento de dar-lhes prudente execução”. Pretenderam emendar a resposta da

Câmara à Fala do Trono, para que aquela se declarasse “convencida de que só o tempo, o

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progressivo aumento da riqueza nacional e a prosperidade estável das finanças públicas

poderão determinar a época de atender-se à antiqüíssima instituição servil (...), e sem

detrimento grave dos mais elevados interesses brasileiros; interesses que descansarão na

agricultura e organização atual do trabalho” (In: JAVARI, 1993:382 e 376).

Nem por isso o Imperador mudou de planos. Dois meses depois de finda a Guerra do

Paraguai, Pedro II sondou o Visconde de Itaboraí para que o tema da liberdade do ventre fosse

incluído na Fala do Trono de 1870. O Presidente do Conselho resistiu: ele, como muitos

outros, haviam interpretado o retorno dos saquaremas como um sinal de adiamento da questão

social. Era o caso de José de Alencar, Ministro da Justiça, para quem esta era uma medida que

deveria antes ser reclamada “do espírito público, tão bem disposto para sua realização” (In:

MAGALHÃES JR., 1977:214). As razões da resistência do segundo gabinete Itaboraí ficam

mais claras à luz das anotações deixadas pelo Ministro da Marinha, o Barão de Cotegipe,

tomadas durante despacho no Paço de São Cristóvão. Interpelado pelo Imperador, Cotegipe

respondeu que a inclusão do tópico na Fala do Trono desencadearia “uma guerra pior que a do

Paraguai”. Quando Pedro II insistiu, declarando “que era mister fé, que sem ela nada se faria;

que sabíamos quais as suas idéias; que havia de persistir nelas (...); que na primeira ocasião

oportuna daria a conhecer francamente a sua opinião e o faria aplicando à sua casa a medida

da liberdade do ventre”, Cotegipe replicou em tom terminativo que “Sua Majestade não podia

intervir com o peso de suas opiniões e contra a de seus ministros em soluções desta ordem”;

que o monarca, “em nosso sistema, não podia praticar aquilo a que estava resolvido”. Ou seja,

diante da ameaça de abolição vinda do alto, os conservadores ligados à lavoura também

começaram a apelar para o parlamentarismo; argumentando que o interesse público não era

decidido pelo Imperador, mas pela Nação, isto é, a grande propriedade rural. “Quando nesta

conferência se disse que a questão da emancipação era semelhante à pedra que rolava da

montanha, porque seríamos esmagados”, continua Cotegipe em suas notas, “Sua Majestade

respondeu que não duvidava expor-se à queda da pedra, ainda que fosse esmagado. E o

Brasil? Esta é a questão...” (In: PINHO, 1930:142/143). Além disso, para Cotegipe já era

tempo de o Imperador se comportar como a Rainha da Inglaterra, deixando de escolher

pessoalmente os senadores e se limitando a nomear os candidatos da preferência do Presidente

do Conselho.

“Parece-me que para evitar essas discordâncias, que se tornam de mais difícil

solução depois de enunciado o pensamento da Coroa, seria conveniente que neste,

como sucede em outros atos do Poder Moderador, fosse ouvido o gabinete.

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Porque nas anistias, perdões, adiamentos assim se pratica e não há de suceder o

mesmo com a escolha de senadores?” (In: PINHO, 1930:159).

A perspectiva de um processo de abolição da escravatura, quando o setor agrário das

províncias começava a se tornar hegemônico na Câmara dos Deputados, reforçou o

descompasso entre o discurso monarquiano saquarema, com que os membros do partido se

exprimiam em público, e o cálculo parlamentarista que lhes orientava a estratégia política.

Todos os ministros do gabinete Itaboraí começaram a contestar em particular a preeminência

do Imperador sobre o governo, a título de supervisão do chefe do Executivo. Ministro da

Marinha, Cotegipe se queixava ao próprio Tavares Bastos que as visitas do Imperador aos

arsenais eram impertinentes e inúteis, e que por isso não os acompanhava em nenhuma

(PINHO, 1933:143). O Conselheiro Paulino se queixava das ingerências da Coroa nos

negócios da sua pasta, a do Império: “Acredito que, enquanto os ministros têm a confiança do

soberano, suas informações devem ser acolhidas e produzir efeito, no que diz respeito aos atos

do Poder Executivo”, escrevia ele ao tio, Itaboraí. “O ministro pode errar, mas ele é o

responsável” (In: SOARES DE SOUSA, 1923: 167). Finda a guerra do Paraguai, o Ministro

da Guerra – Manuel Vieira Tosta, Marquês de Muritiba (1807-1896) -, exprimia seus temores

quanto ao propósito do Conde d’Eu de fazer um desfile da vitória no Rio. Parecia-lhe uma

expressão de militarismo da Coroa: “Decididamente o Príncipe tem a cabeça perdida e nutre

maus desígnios. Até que ponto irão? Convém estar bem prevenidos” (In: PINHO, 1933:217).

Por fim, agastado por ver o Imperador opor-se aos interesses da bancada ruralista, a

revolta contra a tutela do Imperador contaminou o próprio Presidente do Conselho. Tendo

sugerido ao monarca que condecorasse as personalidades que contribuíram para as obras do

porto, o engenheiro André Rebouças anotou em seu Diário a reação do Visconde de Itaboraí:

que “a proposta para as condecorações não devia ter sido feita sem lhe consultar primeiro; que

ele entendia que o Imperador não devia ter iniciativa em coisa alguma; que era da opinião do

ex-Ministro Zacarias que nem mesmo na escolha de senadores!”. E concluía o futuro

abolicionista, chocado: “É de admirar e fez-me verdadeira sensação tão desabrida linguagem

no chefe conservador, que subiu ao poder exatamente porque o Conselheiro Zacarias não quis

subscrever a escolha do Imperador, de Torres Homem, para senador pelo Rio Grande do

Norte!” (REBOUÇAS, 1938:178). No entanto, o único ministro que comunicou diretamente

ao Imperador as queixas do ministério foi o ministro da Justiça, José de Alencar. Ele

suspendera o serviço de clipping que permitia ao soberano ler as queixas formuladas nos

jornais das províncias pelas oposições liberais e interpelar os ministros de Estado, na

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qualidade de chefe do Executivo. Além de tal tarefa não se achar prevista no regulamento da

secretaria, Alencar alegava que a tutela exercida pelo Imperador sobre o governo não era

compatível com o parlamentarismo querido pela Nação:

“Essa inspeção minuciosa que Vossa Majestade Imperial deseja exercer sobre o

país na melhor intenção e com o pensamento de bem usar de sua alta e benéfica

atribuição moderadora, toma aos olhos da Nação um aspecto que não se coaduna,

nem com o espírito sinceramente constitucional do Soberano, nem com a

dignidade do seu Ministro da Justiça. Entende que a opinião pública e mui

sensatamente, que o zelo de V. M. I. em investigar o procedimento das

autoridades subalternas é sintoma infalível, ou de uma desconfiança no ministro,

ou de um exercício pessoal da atribuição executiva. O Ministro de V. M. I. faltaria

à lealdade e dedicação devidas a seu Monarca, se não houvesse abolido um estilo

que expunha a Coroa, desairando o Gabinete” (In: MAGALHÃES JR., 1977:219).

Diante da resistência de todos os ministros, Pedro II parou de pressionar os ministros

pela inclusão da liberdade do ventre na Fala do Trono. Entretanto, com o fim da guerra e o

retorno de Caxias, o gabinete estava ciente de que não teria muito tempo de vida, sem a

confiança da Coroa. Para evitar que a situação política fosse novamente invertida em

benefício dos liberais – o que seria um mal maior -, o Visconde de Itaboraí tramou com o

próprio Imperador a queda de seu gabinete a fim de abrir caminho a outro, formado pela ala

burocrática do partido; gabinete que poderia ser combatido ou minado pela ala do

saquaremismo agrário, sem necessidade de jogar todo o partido no ostracismo (PINHO,

1930:153). Para que não deixasse qualquer dúvida acerca de sua origem, o novo Presidente do

Conselho era o próprio São Vicente; no entanto, na medida em que o novo ministério não

conseguiu se firmar, por conta das dificuldades criadas pelos ruralistas, o marquês sugeriu ao

Imperador que o substituísse pelo senador José Maria da Silva Paranhos (1819-1880), que

retornava então do Rio da Prata. Relutante, foi Caxias quem convenceu o recém chegado a

aceitar a prebenda. O argumento era pragmático: caso contrário, os liberais seriam chamados

e, nesse caso, “o Partido Conservador fica na lama para nunca mais se levantar” (In:

GERSON, 1975: 168).

A personalidade de José Maria da Silva Paranhos, Visconde de Rio Branco (1819-

1880), bem como a natureza conservadora, mas reformista, de seu governo de quatro anos

(1871-1875), são imprescindíveis para compreender os caminhos que, dali por diante,

tomaram os liberais e os conservadores em sua prática política e ideológica; a repulsa que dele

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tiveram os políticos ligados à lavoura e à escravidão; e o fascínio por ele exercido sobre os

políticos moços que, oriundos dos meios urbanos, ansiavam pela modernização do país.

Liberal na juventude, Rio Branco se tornara saquarema depois de convidado pelo Marquês de

Paraná para acompanhá-lo como seu secretário particular ao Rio da Prata. Nas Cartas ao

Amigo Ausente, Paranhos repetia todos os topoi saquaremas: elogiava o realismo, criticava o

personalismo, lamentava a atração absorvente pela política82; atacava as paixões de partido

como “veneno corrosivo da moralidade pública e da felicidade do país” (RIO BRANCO,

1953:43); e recriminava a esterilidade dos “intermináveis” e “metafísicos” debates

parlamentares, que obstaculizavam a organização do Estado e o progresso. O Ministro dos

Negócios Estrangeiros de então (1850) era o Visconde de Uruguai; suas afinidades com o

diplomata Paranhos eram tais, que a admiração tornou-se recíproca. Era o que anotava o autor

do Ensaio sobre o Direito Administrativo, numa carta a um amigo: “Aprovo muitas vezes o

que fazem os nossos agentes, mas parece-me quase sempre que se eu tivesse no caso deles,

faria mais alguma coisa. Com o Dr. Paranhos não sucede assim. Sempre que leio os seus

despachos, digo comigo: é precisamente o que eu faria ou diria...” (In: RIO BRANCO,

1947:140). Ministro da Justiça quando da publicação de Da Natureza e dos Limites do Poder

Moderador, Rio Branco repelira publicamente as pretensões ali expostas pelos progressistas

como inconstitucionais e quase revolucionárias. “O soberano primitivo só se manifestou na

época da promulgação da Constituição do Império; depois desapareceu, porque ficou

encarnado nos quatro poderes políticos delegados aos representantes da soberania. Dizer-se

que este soberano - que desapareceu e não tem mais ocasião de manifestar-se - ainda está

vigilante e prestes a chamar a contas os mandatários, os quatro poderes políticos, é o mesmo

que apregoar o direito de revolução” (In: GÓIS E VASCONCELOS, 1979: 90 e 91). Para ele,

o respeito à autoridade constituía condição primeira da vida social:

“Todos querem a autoridade muito respeitada, mas quando estão de cima; é uma

planta que todos desejam, mas quer cada partido não quer senão plantada no seu

jardim. E sem respeito à autoridade, como poder haver ordem e moral pública?

Como Montalambert, antes quero que me chamem com o apelido que quiserem,

do que andar cortejando as paixões loucas, do que ser escravo dos ódios, dos

82 “Falo na nossa loucura política, que nos tem dividido, irritado e armado uns contra os outros; não por amor de questões de vital interesse para as três fontes de nossa riqueza – agricultura, comércio e indústria -, mas por causa de idealidades de organização social, que fascinam o povo, que o entusiasmam, mas que em vez de trabalho, pão barato, sossego e comodidades, só lhe dão fatigas, fome, desgraças e contínua agitação”. Ainda: “Criemos emprego para o nosso povo, honremos as artes úteis, que os empregos públicos já não bastam. É preciso destruir a convicção, em que muitos estão, de que o dinheiro que se recebe de um trabalho honesto deixa de ser honroso, é um salário humilhante, porque não sai dos cofres do Estado” (RIO BRANCO, 1953:128 e 130).

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preconceitos, das prevenções e das ambições que em excesso predominam no seio

dos velhos partidos. (...) A fala com que a Coroa abriu hoje a (...) Assembléia

Geral é um documento da mais alta importância, que (...) anuncia uma política

fecunda em interesses muito reais para o país, uma política que deixa o vago e

controverso pra obter o definido e incontestável, que deixa o especulativo para

empregar-se no que é palpável e positivo; que evita as questões de que se

alimentam as paixões políticas para chamar a um centro todos os brasileiros que

não querem ser escravos dessas paixões” (RIO BRANCO, 1953:119).

Embora defendesse o modelo saquarema contra o parlamentarismo até o último dia de

vida, nem por isso Rio Branco deixava de ser um político arejado; que não se contentava com

a monomania da ordem de que sofriam muitos conservadores. Formado em Engenharia e

professor da Escola Politécnica, Paranhos via com simpatia as idéias civilizadoras e por isso

reagia à pretensão dos liberais de monopolizarem essa bandeira. O conservadorismo, certo,

era a defesa da autoridade e da ordem, mas não só: “Somos conservadores que não olham

somente para o passado, mas que olham também para o futuro; que acompanham com atenção

e prudência a marcha progressiva da sociedade, rejeitando reformas impensadas e prematuras,

e aceitando as que são verdadeira expressão das necessidades públicas, reformas bem

pensadas e oportunamente realizadas” (ACD, 27/06/1861). A missão do Partido Conservador

era preservar a monarquia e a unidade nacional, é certo, mas “num perfeito consórcio com as

liberdades públicas” (ACD, 28/06/1862). É preciso lembrar que, no final da situação

progressista, Rio Branco já tinha diante de si o exemplo de Disraeli que, como lembrava São

Vicente, recomendava aos conservadores que se adaptassem aos novos tempos, arrancando da

oposição a bandeira do liberalismo e da popularidade (GERSON, 1975:176). Daí que,

reparando na pouca divergência entre os moderados de ambos os partidos, Rio Branco se

dissesse inclinado a apoiar qualquer governo comandado por eles, desde que comprometido

com a Constituição. Em matéria fundiária, Paranhos queria reduzir o poder dos grandes

proprietários e permitir uma distribuição de terras favorável à imigração estrangeira. Como

declarava seu ministro da Agricultura, o Estado não poderia ficar inerte “só pelo receio de

desagradar a fátuos proprietários de grandes domínios, que não tirando deles rendas,

entendem que devem ser sacrificados à sua estulta e egoística vaidade os mais vitais interesses

do país” (In: RODRIGUES, 1975:179). Definindo-se como um conservador liberal, Rio

Branco pode ser descrito de maneira mais acurada como um monarquiano liberal, ou

atualizado; qualificação esta que se ajustava, aliás, ao próprio Imperador, entusiasmado com

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seu primeiro ministro e disposto a sustentá-lo a todo transe83. Por isso, Rio Branco foi apoiado

por colegas conservadores como Inhomirim, Bom Retiro e São Vicente, sofrendo uma

oposição construtiva do liberal Nabuco de Araújo.

Entretanto, como percebeu este último, a época não era mais “de conciliação, mas de

ação e reação” (In: NABUCO, 1997:814). Se o discurso monarquiano permitia ao visconde

levar adiante a reforma do elemento servil com o apoio do trono e de todos os que no projeto

de lei viam a marca do interesse público, ele simetricamente atraía a oposição daqueles para

quem o interesse público era definido pela própria Nação, isto é, pela aristocracia rural; e que

por isso viam, no Presidente do Conselho, apenas um áulico, um agente do imperialismo.

Dois dias depois de apresentado o projeto de lei, na presença de diversos representantes da

aristocracia rural das províncias do Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo, foi fundado na

Corte o Clube da Lavoura; segundo o próprio manifesto, a agremiação tinha por finalidade

era impedir que “a solução do problema servil criasse dificuldades para a propriedade legítima

e defender a lavoura e o comércio diante dos perigos que os ameaçavam com a Lei do Ventre

Livre, proposta pelo governo imperial” (In: GERSON, 1975:188). Mais quarenta e oito horas,

chegava à Câmara dos Deputados uma representação de noventa fazendeiros de Campinas –

futuro reduto republicano - exigindo do governo que não promovesse reformas sociais à custa

dos agricultores. Duas semanas depois, nova petição contra a reforma social, subscrita por

quase trezentos fazendeiros da região de Juiz de Fora.

O Visconde do Rio Branco não tinha dores de cabeça no Senado. Relator do

anteprojeto de lei no Conselho de Estado, Nabuco de Araújo já se comprometera com a

liberdade do ventre escravo e com a extinção definitiva da escravidão até 1901 (NABUCO

DE ARAÚJO, 1979:117); nessa qualidade, ele arrastava consigo os demais senadores do

Partido Liberal. A exceção ficava por conta do rancoroso Zacarias de Góis e Vasconcelos, que

se opunha ao projeto que apoiara quando Presidente do Conselho a pretexto de que, ao

promover uma reforma prevista na bandeira liberal, o gabinete subvertia o sistema

bipartidário. Por outro lado, os senadores conservadores que se opunham ao projeto do ventre

83 É como bom monarquiano, efetivamente, que Joaquim Nabuco descreve o Visconde do Rio Branco em Um Estadista do Império. Rio Branco “procedia sempre como ministro do Parlamento; mas, antes de tudo monarquista e conhecendo que a realidade dos fatos era o predomínio da Coroa, a dependência dos gabinetes, principalmente da conformidade com o imperante, ele sabia tratar o Imperador como a fonte direta de sua autoridade. Nele não havia nenhuma dessas intransigências de princípios, dessas paixões partidárias, dessas exigências e imposições, que outros colocavam acima do poder: aceitando o governo das mãos do Imperador, as suas normas resumiam-se a ser leal ao soberano e em não governar sem apoio da Câmara”. Nabuco concluía que, “dos nossos estadistas, o Visconde do Rio Branco foi o que mereceu em mais elevado grau a confiança do Imperador, o que lhe pareceu reunir maior soma de qualidades para o governo, e a verdade é que as reunia, relativamente à época” (NABUCO, 1997:827).

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livre agiam sem alarde. Este era o caso, naturalmente, de Itaboraí, mas também de Cotegipe,

que se recusara a integrar o gabinete, alegando ser partidário da reforma eleitoral da eleição

direta e por não concordar com o tom peremptório com que a Fala do Trono declarara “ser

tempo de resolver a questão” do ventre livre (MONTEIRO, 1982:19; ALENCAR, 1977:420).

Na Câmara dos Deputados, mais representativa dos interesses dos proprietários, o Presidente

do Conselho sofria a oposição encarniçada da parte dos liberais comandados por Martinho

Álvares da Silva Campos (1816-1887), fazendeiro parlamentarista e escravocrata, e por

Gaspar da Silveira Martins (1834-1901), estancieiro gaúcho que dizia preferir seu país ao

negro (SOARES DE SOUSA, 1923:102). Por seus órgãos de imprensa, republicanos como

Pedro Luís, Cristiano Benedito Otoni (1811-1896) e Lafaiete Rodrigues Pereira (1834-1917)

também acusavam Rio Branco e o Imperador pela iniciativa de promover a reforma social:

“Assalto à fortuna particular, negação do direito de propriedade, ruína da fortuna pública,

perigos de luta de castas, tudo sombrio e de tenebrosos efeitos – tudo em nome do Imperador,

como última expressão de sua vontade inelutável”. O que confirma o monopólio exercido por

um diminuto segmento da elite escravista sobre a representação nacional era o pseudônimo do

republicano que assinava o artigo - Vox Populi (In: GERSON, 1975:191).

Numa legislatura quase toda conservadora, todavia, as dificuldades de Paranhos na

Câmara não vinham dos poucos deputados liberais que nela tinham assento, mas daqueles que

pertenciam ao seu próprio partido e que haviam se rebelado contra sua política. É que a

promoção da reforma opôs publicamente as duas alas saquaremas: a burocrática, da Corte ou

da cidade, liderada no Senado por Rio Branco, apoiado pelos marqueses de Sapucaí e São

Vicente, e pelos viscondes do Bom Retiro (1816-1886) e de Inhomirim; e a agrícola,

provincial ou do campo, em coalizão com a deputação liberal agrária de Martinho Campos.

Na ala agrícola do partido, se alistava a fina flor da nova geração conservadora: o líder,

deputado Paulino Filho; seu primo-irmão, Francisco Belisário Soares de Sousa (1839-1889); e

os advogados Antônio Ferreira Viana (1833-1903) e Domingos Andrade Figueira (1834-

1919).

A ala burocrática recriminava a ruralista chamando-a dissidência; ao passo que esta

acusava a primeira de oficialismo, isto é, chapa branca. A dissidência se opunha ao projeto

do ventre livre pela sua origem e pelos seus efeitos: ela não decorrera de uma exigência da

opinião pública, mas de uma imposição unilateral do chefe do Estado; e sua conseqüência

seria a desorganização da lavoura, “fonte primordial de nossa riqueza, manancial dos produtos

de nossa exportação, gigante que sobre seus ombros sustenta todo o peso deste Império, e que

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assenta sobre a grande propriedade” (ACD, 7/8/1871). A libertação do ventre escravo haveria

de “quebrar inteiramente os laços de subordinação; vai dividir em duas classes a população

servil dos estabelecimentos agrícolas, criando a impossibilidade de marcharem debaixo do

sistema de obediência passiva, que é o único possível enquanto existirem escravos em nosso

país” (ACD, 11/06/1871). Ao privar os senhores dos filhos dos escravos sem a devida

indenização, o governo imperial era equiparado a um “governo comunista, governo do

morticínio e do roubo” (ACD, 31/07/1871). Nem os liberais do Primeiro Reinado e da

Regência haviam ousado mexer na escravidão, justamente porque, segundo ele, eram fiéis à

opinião pública (In: SILVA, 1988:396). Sinônimos de aristocracia rural, o país e opinião

pública tinham necessariamente de ser, como ela, escravocratas. Associadas por diferentes

razões desde 1837, as duas alas do partido travavam agora uma luta de morte pela condição de

verdadeira herdeira do saquaremismo – na verdade, uma disputa em torno do legado do

Visconde de Uruguai, travada entre seu filho homônimo, de um lado, e seu mais dedicado

discípulo, de outro84.

O racha do saquaremismo se refletiu no campo da linguagem. Aqueles identificados

com a lavoura abandonaram o discurso monarquiano para se refugiarem no discurso tory, para

o qual, no bipartidarismo, a iniciativa abolicionista cabia aos liberais e não aos conservadores,

incumbidos apenas de resistir à mudança. Glosando o Conselheiro Paulino, o deputado

Andrade Figueira repetia que “o Partido Liberal, que explora o futuro, pode atirar-se a tais

aventuras; mas o Conservador, que marcha com passo seguro e certo, em terreno conhecido e

firme, não pode nunca dar passos imprudentes e praticar o mal, só para evitar que os

adversários os dêem e pratiquem” (In: GERSON, 1975:179). O Visconde do Rio Branco, por

sua vez, respondia que a vontade nacional não se exprimia apenas por meio dos deputados,

mas também pelo chefe do Estado. Depois de retraçar a evolução da idéia abolicionista desde

José Bonifácio e o Visconde de Cairu, o Presidente do Conselho argumentava que fora sua

sedimentação na sociedade brasileira que movera seu primeiro representante, o Imperador, a

encaminhá-la ao Conselho de Estado, onde merecera o parecer favorável de Eusébio, Itaboraí

e São Vicente. Ao recordar a origem neutra do projeto e o precedente da abolição do tráfico,

Rio Branco sublinhava o caráter suprapartidário da reforma para convencer os conservadores

a levá-la adiante: os saquaremas não eram sectários, como os liberais, mas patriotas para

84 Não por acaso, depois de quatro anos de intensa adversidade, partidários das duas alas do partido tentaram reaproximar os dois estadistas. Retribuindo a um banquete no Cassino Fluminense promovido pela ala agrária em sua homenagem, o Conselheiro Paulino resolveu, como agradecimento, dar um baile em sua casa. Um dos primeiros a chegar foi justamente o Visconde de Rio Branco, e os dois se entretiveram justamente à sombra de um busto do Visconde de Uruguai (PINHO, 1959:12). Mais simbólico, impossível.

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quem o interesse público estava acima de qualquer consideração exclusivista. Para além de

um mero partido de resistência à inovação, como advogava a bancada ruralista, a tradição do

Partido Conservador era a monarquiana, que jamais se furtara a promover as reformas

nacionais necessárias a que o Brasil ingressasse numa nova era de prosperidade. Era preciso

distinguir entre interesse público e interesse da lavoura, e pôr “o bem do Brasil”, isto é, o

“interesse nacional” acima de “quaisquer interesses individuais” (ASI, 8/5/1871). Na medida

em que apresentava o Imperador como primeiro representante da Nação, Rio Branco

descolava a opinião pública dos interesses da lavoura para identificá-la como uma facção e,

como tal, agente do particularismo.

“Cumpre, senhores, que respeitemos os direitos, que respeitemos os interesses dos

proprietários de escravos; mas não é possível que, a esses direitos, sacrifiquemos

os direitos e os interesses de toda a sociedade brasileira. (...) É preciso também

que os senhores de escravos auxiliem a Nação a lavar esta mancha de que somos

todos culpados, ou antes, de que nenhum de nós é culpado, porque a escravidão é

um triste legado que recebemos dos nossos maiores. Os proprietários de escravos

devem por sua parte concorrer para essa grande obra. Consultemos os seus

interesses até aonde sejam atendíveis, mas não coloquemos esses interesses acima

e muito acima da questão da consciência universal, da dignidade e das

conveniências do país” (ACD, 14/07/1871).

Posto em minoria pela oposição movida por Paulino Filho e Martinho Campos, Rio

Branco endereçou-se ao Poder Moderador pedindo-lhe que dissolvesse a Câmara e lhe

permitisse formar outra, menos refratária ao seu programa reformista. Embora advertido pela

oposição agrária, para quem não era “de boa inspiração a luta do funcionalismo contra todos

os partidos políticos e contra a propriedade”, o primeiro-ministro fundamentou perante o

Conselho de Estado seu pedido de dissolução da Câmara na alegação de que não poderia

subordinar “os altos deveres da administração do Estado” às “ambições sôfregas e alguns

descontentamentos, provenientes da pequena política”. Granjeando o apoio de todos os

conselheiros saquaremas de orientação monarquiana - São Vicente, Sapucaí, Bom Retiro,

Inhomirim, Caxias, Saião Lobato - numa votação que terminou empatada, o Imperador

resolveu a questão do jeito que lhe apetecia. Confirmando sua condição de avalista da política

da ala cortesã - que, na verdade, era a própria -, Dom Pedro II decretou a dissolução da

Câmara escravocrata m benefício do seu primeiro-ministro (ACD, 20/05/1872). Diante das

queixas generalizadas dos deputados ruralistas dos dois partidos, contra a decisão da Coroa,

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Rio Branco defendeu-a como perfeitamente legítima à do governo misto consagrado pela na

Constituição e, dentro dos limites por ela balizados, do governo parlamentar - teoria que, no

entanto, não comportava o parlamentarismo reclamado pela oposição. Embora a Câmara

pudesse influir na organização e na demissão dos ministérios, alegava o Presidente do

Conselho, este direito não era absoluto porque, “além do recurso constitucional para o juízo

supremo da nação”, ou seja, para o Poder Moderador, havia o Senado do Império, “que não é

entidade passiva, que é legítimo representante da Nação” (ACD, 21/05/1872).

Quanto à interpretação restritiva conferida pela oposição à expressão salvação do

Estado, Rio Branco corroborava o entendimento dos velhos saquaremas: “Para mim, a frase –

a salvação do Estado – não quer dizer somente perigo iminente e gravíssimo – significa

também qualquer emergência que ameace a independência, o equilíbrio e a harmonia dos

poderes políticos” (ACD, 28/02/1880). Ecoando Guizot, o Presidente do Conselho declarava

que o Imperador não poderia ser uma entidade passiva; que ele podia ter opiniões próprias e

manifestá-las aos ministros que, desde que concordassem com elas, deveriam assumi-las

como suas. Por fim, ao opor a prioridade da reforma social à política, Rio Branco saudou o

caráter civilizador assumido pela política da Coroa sobre o conjunto do sistema político:

“Durante o debate da proposta do governo, quer na Câmara temporária, quer no

Senado, alegou-se muitas vezes que a aprovação do projeto era uma subserviência

à vontade imperial e que, portanto, à Nação não cabia a iniciativa da idéia! Mas

ainda que assim fosse, o que pretendiam os impugnadores com tão tribunícia

apreciação? Deter o carro civilizador, para não parecer que acompanhara-se o

imperante? Não desenvolver o princípio da liberdade, continuando a conduzi-la

apenas em estátua sobre os ombros dos escravos, para não dizer-se que César

vivificara essa mesma estátua, imprimindo-lhe o movimento? É, em verdade, um

dos maiores contra-sensos, reservado para estes tempos, perpetuar a escravidão

para atacar o cesarismo. (...) Porventura o imperante não tinha o direito de tomar

parte nesse exame, ele tão brasileiro como qualquer de nós e evidentemente mais

sobrecarregado de responsabilidade do que qualquer outro cidadão? (...) Querer-

se-ia que o imperante não pense? Se assim devesse ser, não seria um rei

constitucional: a formação de um juízo seguro sobre a política do país é sua mais

difícil e mais gloriosa função majestática, porque um erro de apreciação será

germe de inúmeros males para a Nação. A solução do problema é, sem dúvida,

uma glória para a Coroa, porque, escrutando o sentimento nacional, soube evitar

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males gravíssimos para a Pátria” (In: RIO BRANCO, 1971:31).

Em face da dissolução da Câmara pelo Imperador – que empregava o modelo político

saquarema contra a lavoura escravista -, uma mudança discursiva de grande importância foi

decidida pelos conservadores do campo. Na medida em que, ao invés de assegurar o controle

social e a preservação do status aristocrático, a autonomia das instituições monarquianas

passara a ameaçá-lo, a dissidência resolveu desfraldar, ela também, as bandeiras do

parlamentarismo democrático e da eleição direta sustentadas pelo Partido Liberal. Essa virada

ideológica formalizou-se num livro publicado em 1872, intitulado O Sistema Eleitoral do

Império, da autoria do já mencionado deputado Francisco Belisário Soares de Sousa, primo-

irmão do Conselheiro Paulino e “seu companheiro inseparável de lutas parlamentares”

(SOARES DE SOUSA, 1923: 116). No intuito de denunciar a interferência do governo nas

eleições, Belisário descrevia os mecanismos de cooptação de maiorias parlamentares e de

fraudes eleitorais; citando Stuart Mill, Laboulaye, Tocqueville e Prévost-Paradol, ele se

queixava, como um liberal, do elevado número de burocratas na Câmara dos Deputados, que

deformava a representação do “país”, isto é, do comércio e a lavoura. Era tempo “de

estabelecer o sistema parlamentar na pureza exigida pelos mais elevados interesses da

sociedade” (SOARES DE SOUSA, 1979:142 e 157). “A missão constitucional do Poder

Moderador”, resumia Belisário, repelia “qualquer intervenção e ingerência da economia dos

partidos, nas suas adesões e repugnâncias individuais” (SOARES DE SOUSA, 1979:14).

Sem tirar nem pôr, as soluções para as mazelas do sistema representativo apresentadas

pelos conservadores do campo eram as mesmas reivindicadas por Martinho Campos à frente

dos ruralistas do Partido Liberal: a restrição do poder discricionário da Coroa, a eleição direta

com censo pecuniário alto, a inelegibilidade da burocracia e a neutralização do Senado,

dominado pela velha guarda saquarema. Ou seja, contra a preferência do Imperador pela ala

cortesã, conservadora em matéria política e reformista em matéria social – coimbrã, em suma

-, a ala agrícola opunha um reformismo retoricamente democrático que, eliminando a

autonomia do Estado para introjetar os interesses da Nação, deveria conservar a escravidão e

os privilégios da aristocracia rural – no melhor estilo brasiliense.

Na primeira fila da dissidência, Alencar se revelava o mais severo crítico da

centralização e do imperialismo; chegara a hora de “restringir a influência indireta da Coroa

na questão do elemento servil, restaurando assim a verdade do governo parlamentar”

(ALENCAR, 1979:192). Para tanto, concorriam para ele fatores de ordem teórica, como a

falta de observância das regras parlamentaristas, como de ordem pessoal. É que Alencar

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acreditava que, na medida em que se recusara a escolhê-lo senador e interferia no partido para

impor Rio Branco como chefe, Pedro II atrapalhava-lhe os planos de tornar-se um novo

Uruguai. Por isso, o saquarema que, em 1865 defendera a dissolução da Constituinte por

Pedro I e pedira a Pedro II que interviesse na política com seu “sobreconstitucional” Poder

Moderador, declarava, em 1872, que “o absurdo reina, governa e administra”; que, ao

determinar que a pedra solta do alto da montanha rolasse até a base, a Coroa encaminhava

uma “grande calamidade social”; que a disputa entre as duas alas do partido não exprimia uma

oposição de princípios, mas a “luta do elemento oficial contra os interesses máximos do país”.

Alencar discursava: “Há outras alforrias que não seriam fatais, mas, ao contrário, úteis e

proveitosas para o país e pelas quais o governo deveria empenhar-se de preferência ao ventre.

Tais são a alforria do voto, cativo do governo; a alforria da justiça, cativa do arbítrio; a

alforria do cidadão, cativo da Guarda Nacional; e, finalmente, senhores, a alforria do país,

cativo do absolutismo, cativo da prepotência do governo pessoal” (ALENCAR,

1977:225/226).

Numa catarse psicanalítica, Alencar e outros políticos da oposição, como os liberais

Sousa Carvalho e Zacarias, argumentavam aristocraticamente que a sujeição ou servidão

política dos cidadãos-senhores ao Imperador só se justificava na medida em que este lhes

garantia a servidão social dos escravos, isto é, que uma coisa só se justificava pela outra.

Quando o projeto de lei do ventre livre já estava no ar, em O Brasil em 1870 o liberal Sousa

Carvalho antepôs a reforma política à reforma social: “Tem-se falado em libertar os pretos. É

uma reforma social independente das reformas democráticas, da liberdade política que

desejamos ver firmada. O governo absoluto da Rússia também emancipou os servos. No

Brasil não falta somente forrar os negros; falta também emancipar os brancos. (...) O que mais

lhe importa é ter eleição livre, para governar-se a si mesmo (...). O que é vergonhoso é o

absolutismo do governo, a violência da autoridade, a inércia e a inépcia da administração”

(SOUSA CARVALHO, 1870: 53). Como diziam então, alforriado o negro, era hora de

alforriar o branco – ou, como queria Zacarias: “Extinga-se a escravidão dos negros, e um dia

virá também a liberdade dos cidadãos ora oprimidos” (In: RODRIGUES, 1975:206). Contra a

libertação dos escravos, os adversários da reforma social opunham, portanto, a libertação dos

senhores do despotismo político da Coroa, pelo parlamentarismo ou pela república.

Alencar também obtemperava contra a reforma administrativa projetada por São

Vicente e Uruguai para atacar o unitarismo; ela era “uma aberração da Constituição”.

Proclamando que a descentralização tornara-se um “complemento da democracia”, não lhe

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bastavam as reformas políticas por ele reivindicadas; era preciso que “a província, que o

município, que a paróquia se governem a si também, na esfera que lhe é própria. O

despotismo de uma capital sobre os diversos povos de um Império é tão odioso como o

despotismo de um indivíduo sobre toda a Nação” (ALENCAR, 1977:144, 565,55). Era

preciso, em suma, livrar o país da tutela exercida pelo Imperador, ou seja, acabar com o

modelo político saquarema.

“Entendem eles (os monarquianos) que a Nação é um soberano interdito ao qual o

governo serve de tutor, e que, portanto, o governo está implicitamente autorizado

a fazer tudo quanto for a bem do pupilo, contando sempre com a aprovação deste.

(...) A Nação brasileira (...) é um soberano em pleno exercício de sua majestade,

porque tem no Parlamento a sua palavra, na sua lei a sua vontade e nos tribunais o

gládio de sua justiça. O governo não é o seu tutor, é um mero instrumento de sua

vontade, e só em circunstâncias extraordinárias pode constituir-se em gestor para

velar pela salvação pública. O Sr. D. Pedro I, respondendo à representação dos

patriotas de 7 de abril, disse: ‘Tudo farei para o povo, mas nada pelo povo’. Quem

diria que estas palavras, condenadas por uma revolução, haviam de ser, durante o

reinado inaugurado por essa mesma revolução, a única senha do poder? De que

serviu a abdicação do primeiro Imperador, se a Nação brasileira continua a ser um

pupilo, governado por seus tutores, nem sempre solícitos do bem público?

(ALENCAR, 1977:48).

Mas isso não era tudo. A virada de orientação política da banda aristocrática do

partido veio acompanhada de uma mudança na compreensão dos fundamentos da sociedade

brasileira. Mobilizado até então para justificar a intervenção do político no socioeconômico, a

sociologia saquarema era agora reelaborada por José de Alencar e outros políticos simpáticos

à lavoura para o propósito contrário; ou seja, o de impedir o Estado de intervir nas relações de

trabalho e salvaguardar um estilo de vida nacional caracterizado pela hierarquia e pela

escravidão, mas também pelo patriarcalismo e pela organicidade. Ao invés de uma

aristocracia feudal insubmissa e exclusivista, a grande propriedade era agora apresentada

como o reduto por excelência de virtudes nacionais, como o solidarismo, a lealdade, o

cristianismo e o trabalho, frutos dos laços de deveres e compromissos recíprocos que atavam

o senhor/patrão ao escravo/trabalhador. Depois do saquaremismo coimbrão de Eusébio e

Uruguai, vinha à tona um saquaremismo brasiliense, de base agrária, tradicionalmente

representado na trindade saquarema por Itaboraí, mas que só agora emergia polemicamente no

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debate público, para combater a abolição. Esse saquaremismo agrário era descrito por um de

seus arautos, o Conselheiro Paulino, como “uma espécie de feudalismo patriarcal” (ASI,

13/05/1888). Segundo ele e Alencar, o modo nacional brasileiro era o de uma comunidade

tradicional, orgânica e solidária, moralmente superior às dos países industrializados onde,

vítima da selvageria desagregadora do individualismo, o operário padecia à míngua nas

fábricas de seus inescrupulosos patrões. Mais poderosos, os senhores de terras protegiam os

escravos de sua própria inferioridade e fraqueza, amparando-os em seus engenhos e fazendas,

fornecendo-lhes alimento, vestuário e valores cristãos, ao passo que, agradecidos, os escravos

e dependentes serviam lealmente aos seus benfeitores, lavrando o campo.

Ou seja, quem deveria tutelar os escravos e os pobres não era o Estado, trazendo-os à

esfera pública para se livrarem da opressão privada, e sim os próprios senhores, para protegê-

los da miséria, da doença e da morte que adviriam da ruptura de seus vínculos com o

feudalismo patriarcal. Com isso, a bancada ruralista respondia ao argumento monarquiano de

que representavam uma facção ou um interesse privado. Era o que explicava Martinho

Campos: “Não quero (...) entregar esses pobres coitados a todos os vícios e à cachaça... Sei

quanto são bons, dóceis, mas também precisam de proteção e tutela... É uma raça que os

filantropos abolicionistas querem fazer desaparecer do Brasil, extinguir de vez... Uma

hecatombe que preparam de inconscientes vítimas” (In: TAUNAY, 1924: 37). Era a essência

da sociedade brasileira que estava ameaçada pelas reformas sociais modernizadoras

promovidas pelo governo: destruindo a base da solidariedade nacional, a abolição destruiria o

tecido da nacionalidade, lançando o país na desordem, na bancarrota, no ódio racial e na luta

de classes. Começava aí, contrapondo-se ao saquaremismo monarquiano do Império, um

saquaremismo agrícola culturalista, expressamente defensor de uma democracia aristocrática

fundada na herança patriarcal do campo, cujo maior expoente, no século vinte, seria Gilberto

Freire (1900-1987).

De tudo isto se extrai, portanto, que o emprego do Poder Moderador e do discurso

monarquiano como agentes de reforma social os deslegitimou, no início da década de 1870,

perante os setores hegemônicos da sociedade brasileira, que eram a aristocracia rural e o alto

comércio urbano. Esses dois setores verificaram então a incapacidade de seus representantes

de controlar a agenda reformista ditada pela Coroa, que até a véspera consideravam a avalista

do status agrário e escravista. Eis porque, daqueles anos em diante, o discurso monarquiano e

o modelo saquarema passaram a ser hostilizados pelas novas gerações conservadoras que, ao

exemplo das liberais, começaram a reivindicar também uma relação de transparência da

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sociedade civil no Estado. Entrementes, morriam as últimas figuras de proa do partido, ainda

vinculadas à orientação estatizante, unitarista e monarquiana dos coimbrões. Aos olhos do

velho Caxias, sobrevivente da geração de 1800, a radicalização ideológica dos liberais, o

racha conservador e os crescentes ataques à Coroa prenunciavam o desmantelamento do país

e a inanidade, portanto, de todos os esforços que envidara até então. Era o que, desolado, o

duque escrevia a Firmino Rodrigues da Silva:

“Não sei, meu amigo, o que será do nosso país, se as coisas políticas continuarem

como vão. Não há só indiferentismo para as coisas públicas; há mesmo muito más

disposições, e o espírito público está pervertido, e caminha para a anarquia a

passos largos. No dia em que aqui cheguei, a primeira notícia que recebi foi a da

morte do nosso bom amigo Itaboraí! Meu sentimento foi imenso, pois estimava

muito esse homem, como um dos melhores caracteres do nosso país. Quem o

substituirá? Não sei, nem vejo. Parece que Deus quer separar os bons dos maus,

chamando os primeiros para si.... Seu vácuo não será preenchido, como já não foi,

o de Eusébio, Paraná, Uruguai, e Manuel Felizardo, e muitos outros que nos

ajudaram a sustentar esta Igrejinha, desmoronada ou quase desmoronada em 7 de

abril de 1831. Cada vez, meu Firmino, me sinto mais aborrecido dos homens e das

coisas deste mundo de enganos, e desejoso que chegue o meu dia de descanso

eterno; mas será quando Deus quiser...” (In: MASCARENHAS, 1961:243).

5.3. O fim do modelo político saquarema: a campanha da lavoura pela eleição direta e o

advento do parlamentarismo aristocrático (1878-1881).

Apesar de toda a grita, a bancada ruralista não conseguiu derrubar Rio Branco. Além

da Lei do Ventre Livre, seu gabinete promoveu outras reformas liberais, que reduziram a

força eleitoral do Poder Executivo – como a separação da atividade judicante do inquérito

policial em nível local, decretada pela lei regressista de 3 de dezembro de 1841, e a

constituição de obstáculos ao emprego da Guarda Nacional e do recrutamento forçado como

técnicas de compressão do eleitorado. No intuito de incrementar o processo de burocratização

da administração pública, Rio Branco reformou os currículos das escolas superiores,

reorganizou carreiras civis e militares, alterou leis processuais, ergueu novas escolas públicas,

introduziu o sistema métrico decimal, urbanizou logradouros públicos e investiu maciçamente

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em estradas de ferro. Combinando discurso monarquiano e programa liberal, o reformismo do

gabinete agradava tanto ao Imperador quanto a uma parcela significativa das elites urbanas,

ansiosa pela modernização do país. Houve, porém, um ponto específico das demandas liberais

que o gabinete se recusou a atender – o da substituição da eleição em dois graus pela eleição

direta, pedra de toque da plataforma liberal depois que Rio Branco esgotou seu programa de

1869. No entendimento abalizado de Zacarias e Góis e Vasconcelos, a eleição direta era “o

único e verdadeiro remédio para o nosso mal, porque nosso mal é o abatimento do espírito

público, é a nenhuma intervenção do povo nos negócios do país, e para que se de essa

intervenção, não há outro meio possível senão a eleição direta” (GOIS E VASCONCELOS,

1979: 466).

O que os luzias esperavam, é que a eleição direta reduzisse as fraudes, erradicasse a

influência da burocracia e deixasse transparecer os interesses dos eleitores. Os próprios chefes

liberais ressalvavam que o “absolutismo” não era um vício congênito do sistema nem

resultava da ação deliberada da Coroa, e sim dos maus costumes políticos e leis eleitorais que,

impedindo o monarca de conhecer a vontade da Nação, o obrigavam a intervir na política

partidária como seu substituto processual. O liberal Ferreira de Moura, por exemplo,

destacava na Câmara “o imenso perigo que correm as instituições pelo completo falseamento

do sistema representativo, ao ponto de não existir mais uma medida certa e exata pela qual

possa o Poder Moderador verificar a verdade da opinião para com acerto mudar as situações,

revezando os partidos no poder” (ACD, 22/04/1880). Esse reconhecimento de que o

disfuncionamento do sistema era devido às fraudes e não às instituições era extensivo ao

Senado vitalício: num contexto em que a oposição ficava arredada da Câmara por conta da

fraude eleitoral, era natural que os chefes dos partidos se refugiassem na câmara alta, o que

explicava que os Presidentes do Conselho fossem retirados dela; além disso, a vitaliciedade

do mandato senatorial sempre assegurava a representação parlamentar da oposição,

independentemente da situação política. Era o que lembrava o Senador José Antônio Saraiva:

“O Senado, enquanto durar este modo de eleição, é o abrigo das oposições, tem

sido e será a âncora de salvação dos partidos que são expelidos do poder e que não

podem voltar a ele por influência do governo. Mas quando o Brasil tiver uma

Câmara dos Deputados que regularmente represente a opinião pública, o Senado

será inofensivo. Poderão torná-lo temporário ou deixá-lo vitalício, isto não

influirá. Ele será inofensivo, porque todo o mundo compreende que não há

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Senado vitalício que resista à opinião da Câmara dos Deputados, quando esta

tenha após si a grande maioria do país” (SARAIVA, 1978:516).

Para os liberais, portanto, a autonomia das instituições monarquianas, perpetuada pela

fraude, seria resolvidos com a reforma eleitoral da eleição direta, que eliminaria a

manipulação dos resultados eleitorais. Conhecida a vontade da Nação, os gabinetes seriam

formados pelo partido que verdadeiramente dispusesse do apoio da opinião pública, na forma

de uma maioria na Câmara dos Deputados; desse modo, a Constituição poderia enfim rodar

governar conforme as normas do parlamentarismo britânico. O Senado deixaria de ser o

centro político do país, ficando o Imperador circunscrito à função de árbitro dos conflitos

entre os poderes. Neutralizadas as instituições monarquianas da Constituição, ninguém mais

haveria de, daí por diante, responsabilizá-las ou ao regime monárquico por seus fracassos

políticos ou eleitorais. A esperança de que essa reforma se realizasse tornou-a uma autêntica

cláusula suspensiva contra a adesão dos liberais ao Partido Republicano, que atingiu então o

seu ponto de mais completo esvaziamento (BOEHRER, 1956).

Como se pode imaginar, os principais adversários da reforma eleitoral que instituiria a

eleição direta eram o Imperador e a ala burocrática ou cortesã do Partido Conservador85. A

primeira objeção à reforma residia na inconstitucionalidade da proposta: o art. 178 da Carta

enunciava que só eram materialmente constitucionais as disposições referentes aos direitos

individuais e à atribuição dos poderes políticos, cujas alterações exigiam um procedimento

especial de revisão. Ele consistia na fixação dos pontos dignos de revisão pela legislatura

ordinária, que deveriam ser discutidos posteriormente por uma câmara especialmente eleita

para este fim. Era o procedimento seguido em 1834, quando da confecção do Ato Adicional.

O problema consistia justamente em resolver se a reforma era material ou apenas formalmente

constitucional, caso este em que bastaria uma lei ordinária para operá-la. Como não havia

tribunal político que decidisse a matéria, ela se tornava necessariamente objeto de

controvérsia política e parlamentar. Embora as disposições referentes ao sistema eleitoral não

constituíssem matéria substantivamente constitucional, o procedimento de revisão se impunha

85 Quando São Vicente assumiu o governo, o Imperador endereçou-lhe um documento contendo sua opinião: “Oponho-me na atualidade a qualquer reforma da Constituição, e portanto sou contrário aos projetos eleitoral e municipal apresentados pelo ex-ministro do Império. As eleições, como elas se fazem no Brasil, são a origem de todos os nossos males políticos, mas para melhorá-las, entendo que bastam as seguintes reformas”. E as enumerava: judiciária, separando a polícia da magistratura; a abolição ou reforma da guarda nacional; reforma da lei do recrutamento, reforma eleitoral, lei do ventre livre. Ou seja, era quase o programa liberal, a ser cumprido por Rio Branco. No entanto, insistia na velha idéia de criar uma carreira administrativa para os presidentes de província, retirando sua escolha das mãos da política (NABUCO, 1997: 1.150). Não por acaso, Rio Branco conseguiu realizá-las todas, tendo êxito onde São Vicente falhara.

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desde que, pela elevação do censo pecuniário, a eleição direta atingiria os direitos políticos

dos votantes, isto é, dos eleitores de primeiro grau. Ainda que limitada a discutir pontos

previamente fixados pela legislatura ordinária, a convocação de uma câmara revisora era

temerária para os governistas, porque dava aos radicais um pretexto para convertê-la, no grito,

em assembléia constituinte; o que reabriria a luta sobre a primazia da representação nacional e

abalaria os alicerces da ordem monarquiana saquarema. Embora o governo entendesse que,

nesse caso, invocando a salvação do Estado, o Imperador também poderia dissolver a Câmara

revisora (ACD, 7/11/1878), o fato é que o risco político era imenso e ninguém estava disposto

a corrê-lo.

A segunda objeção do Imperador e de Rio Branco à eleição direta era de ordem

substantiva: ao exemplo de velhos saquaremas, como Eusébio, Paraná e Uruguai, o Chefe do

Estado e o Presidente do Conselho pensavam que, por conta da pouca ou nenhuma

escolaridade do eleitorado e de sua sujeição aos senhores de terra, a intervenção generalizada

do povo no processo político no Brasil não tinha como se realizar sem um filtro. Esse filtro

era justamente a eleição indireta, necessária para que, sobre a universalidade da votação

popular no primeiro grau, prevalecesse a escolha de homens esclarecidos, conciliando a

quantidade à qualidade, o número à razão. Daí que ambos se opunham à eleição direta,

postulando que ela não atendia nem à exigência da quantidade – porque excluiria o povo da

vida política, inviabilizando seu aprendizado constitucional -, nem à de qualidade, já que

somente traria à Câmara “representantes do campanário, homens de idéias estreitas, de curtos

horizontes”; incapazes de fornecer “as maiorias parlamentares ilustradas e inteligentes, que

são indispensáveis ao jogo do sistema” (ALENCAR, 1977: 473). A eleição direta só poderia

ser admitida depois de um investimento maciço na instrução primária, tal como na França de

Littré e na Argentina de Sarmiento. O Imperador era de idêntica opinião:

“Instam alguns pelas diretas, com maior ou menor franqueza; porém nada há mais

grave do que uma reforma constitucional, sem a qual não se poderá fazer essa

mudança do sistema das eleições, embora conservem os eleitores indiretos a par

dos diretos. Nada há contudo imutável entre os homens, e a Constituição previu

sabiamente a possibilidade de reforma de algumas de suas disposições. Além

disso, sem bastante educação popular não haverá eleições como todos - e

sobretudo o Imperador, primeiro representante da Nação, e por isso, primeiro

interessado em que ela seja legitimamente representada - devemos querer. Não

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convém arriscar uma reforma, por assim dizer definitiva, à influência tão deletéria

da falta de educação popular” (PEDRO II, 1958:29).

À conta desses motivos, ao invés de ceder à eleição direta pleiteada pelos liberais, Rio

Branco agiu como verdadeiro saquarema: manteve a eleição indireta; revogou a fórmula dos

círculos – para o horror da bancada ruralista -; e restabeleceu o sistema eleitoral vigente antes

da Conciliação, que tinha a província como distrito único. Era um sistema que, segundo um

governista, favorecia “a eleição dos homens superiores, de nomeada geral, como os círculos

facilitam a eleição de pessoas menos conhecidas sob a proteção das influências locais, cujos

interesses especiais serão depois atendidos acima de tudo” (ASI, 28/07/1875). As novidades

ficavam por conta da criação do título de eleitor, do maior rigor na comprovação dos

requisitos do direito de sufrágio; da instituição do voto secreto e, finalmente, do critério de

representação de minorias advogado nas Considerações sobre o Governo Representativo.

Cada eleitor deveria votar em tantos nomes quanto correspondessem aos dois terços do

número total de vagas de deputados assinalados à província, reservando-se o terço restante à

representação da oposição. Como as correntes majoritárias votariam em um número menor do

que os cargos em disputa, as possibilidades de êxito da minoria deveriam aumentar

(NICOLAU, 2004:21). O governo esperava assim que a Lei do Terço aperfeiçoasse o sistema

eleitoral, reduzisse a grita dos liberais e mantivesse elevada a participação popular nos pleitos

– e tudo isso, sem mexer na Constituição.

No entanto, é preciso examinar os principais projetos de reforma eleitoral, então

apresentados pela oposição, para compreender a evolução política que, levando à eleição

direta e ao parlamentarismo aristocrático, pôs fim ao modelo político saquarema. O primeiro

projeto de reforma foi apresentado por Nabuco de Araújo em 1869, juntamente com o

programa do novo Partido Liberal. Dos membros da trindade luzia, era ele o mais próximo da

reflexão saquarema, que absorvera durante sua formação política. Seu objetivo era o de

fortalecer as camadas médias urbanas, público-alvo do liberalismo na Europa, mas que,

prensadas entre a compressão governamental e os potentados rurais, tinham pouca expressão

no Brasil. Como o enfraquecimento da máquina eleitoral governamental e a moralização das

eleições duplicariam o poder político da grande propriedade rural, o senador Nabuco propôs

limitar a eleição direta aos grandes centros urbanos: premida entre os senhores e escravos, as

camadas intermediárias do campo eram completamente dependentes da aristocracia rural.

“Ora”, perguntava, “como confiar a eleição direta no interior do país a essa classe intermédia,

sem condição de independência e liberdade, a qual (...) se compõe de servos da gleba? Tenho

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medo de que o senhor da terra, com seus capangas, designe imediatamente o deputado” (In:

NABUCO, 1997:996). Adaptando o sistema inglês, Nabuco de Araújo propunha que

votassem diretamente para as eleições legislativas todos aqueles que tivessem casa própria ou

alugada, no valor mínimo de 240 mil-réis anuais na Corte e a metade disso nas províncias86.

No entanto, por pressão da bancada ruralista, a diferenciação proposta por Nabuco de Araújo

não vingou. Ele mesmo acabou dela desistindo, para adotar a idéia de uniformização da

medida87.

Surgiu então um segundo projeto, Reforma Eleitoral, encaminhado por Tavares Bastos

em 1873. Ao contrário do senador Nabuco, que estava preocupado com os potentados rurais,

o deputado alagoano continuava obcecado pelo peso e a autonomia do Estado e pela

necessidade de fazer transparecer na esfera pública, pelo parlamentarismo, os interesses

econômicos da sociedade. A preocupação de Nabuco de Araújo lhe parecia ociosa na medida

em que o abatimento do povo resultaria mais da falta de dinamismo econômico do que da

opressão do regime fundiário. A principal medida para regenerar o sistema representativo era,

portanto, política: introduzir a eleição direta para incluir no eleitorado todos os “homens que

trabalham e vivem do seu trabalho”, “a multidão, em suma, que paga o imposto e contribui

com o sangue”. Mas o conceito de multidão era bastante relativo para Tavares Bastos. Nela

não estavam incluídas “as classes mais rudes da população, essas hordas barbarizadas que se

desvivem no vício e no crime, e que a falta de estradas e de escolas abandonou inermes ao

embrutecedor fanatismo dos bonzos errantes”. Equiparadas aos aborígines, essas “hordas”

deveriam ser excluídas pela reforma do direito de voto (TAVARES BASTOS, 1976:147). O

problema era como fazê-lo: desde que a democratização política na França, na Inglaterra e nos

Estados Unidos se fazia pelo amortecimento ou pelo fim das restrições pecuniárias ao direito

de voto, a elevação deste censo no Brasil era uma medida incompatível com o democrata

sincero que Tavares Bastos julgava ser.

O autor de A Província pensou então que o censo pecuniário poderia ser substituído

com vantagem por outro, na moda graças ao viés democrático, mas elitista, da obra de Stuart

86 Rezava o primeiro artigo do projeto: “Eleição direta na Corte, capitais de províncias e cidades que tiverem mais de dez mil almas, as quais constituirão distritos eleitorais por si sós e com as freguesias que dentro dela se compreendem. Os distritos eleitorais que tiverem mais de dez mil almas darão um deputado, os que contiverem trinta mil almas dois deputados, os que tiverem sessenta mil, três deputados, e daí por diante um deputado por cada cinqüenta mil almas” (NABUCO DE ARAÚJO, 1979:107). 87 Explicava ele em carta a um colega mais novo: “A idéia da eleição direta nas cidades e indireta no interior é do nosso programa de 1869, e eu a sustentei na sessão de 1871 como idéia nossa; ao depois, e com o desenvolvimento da opinião em favor da eleição direta, sentimo-nos fortes e autorizados para generalizar o que antes queríamos parcialmente e como por ensaio: assim que o programa foi alterado e eu acompanhei e segui a alteração” (In: NABUCO, 1997:997).

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Mill - um censo literário. Tavares Bastos era peremptório: independentemente da omissão

constitucional sobre a matéria, que até então lhes permitira votar, a exclusão dos analfabetos

constituía um imperativo de moralização política. Sendo “impossível que bem exerça os

direitos e desempenhe os deveres de eleitor o que não sabe ler e escrever”, a exclusão dos

iletrados era “essencial, da natureza das coisas”. Por isso, a omissão da Carta acerca do tema

não deveria ser interpretada como uma permissão, mas como uma autorização para que o

legislador ordinário regulasse o assunto conforme seu discernimento. Íntimo de Saraiva e

Martinho Campos88, Tavares Bastos acreditava que tal bastaria para facilitar a vida dos

fazendeiros, obrigando os pobres a trabalhar na lavoura e resolvendo o problema da carência

de mão-de-obra. É que, se nas zonas urbanas, o número de eleitores analfabetos orçava em

torno de um quarto da população, nas zonas rurais ela era mais do que o dobro (NICOLAU,

2004:11). Nas cidades, por suas vezes, o alvitre bastaria para excluir da participação política

“o capanga, o capoeira, o vagabundo, em geral analfabetos” (TAVARES BASTOS, 1976:147,

143,186).

Como se vê, é enganosa a análise que se deixa levar pelo apelo democrático da

campanha pela eleição direta. Nessa luta quase permanente entre ideais coimbrões e

brasilienses em torno da interpretação da Constituição, vazados em discursos atualizados às

sucessivas teorias que informavam o paradigma legítimo de Estado de direito, quase todas as

campanhas ditas democráticas traduziam, na verdade, um movimento da aristocracia rural

provincial de apropriação do espaço decisório detido pela Coroa e pela burocracia da Corte. O

que ocorria na década de 1870 era uma radicalização desse movimento, ocasionado, entre

outros motivos, pela melhoria das comunicações, pelo telégrafo, pelo cabo submarino e pela

estrada de ferro, permitindo aos grupos políticos – no caso, da aristocracia rural – melhor se

articular para formar grupos de pressão e organizar seus interesses. Daí que esse processo de

crescente apropriação do Estado pelo ruralismo das oligarquias provinciais contra a

monarquia, mas também contra a democracia, constituiu uma verdadeira reação ruralista ou

aristocrática, que por isso mesmo pode ser caracterizada como uma fronda do campo

(MENDONÇA, 1997:13). Sua gota d’água foi a Fala do Trono de 1867, com que a Coroa

acenava com o fim próximo do regime escravocrata e a transição para o trabalho assalariado.

88 Escrevendo da Europa a um amigo, Tavares Bastos elogiava a ala agrária do partido, que se opusera à Lei do Ventre Livre e bancara um projeto de reforma eleitoral destinado a excluir o pobre do direito de voto. Saraiva era “um dos últimos homens sérios que tem o Brasil. Vi-o na Bahia, e cada vez o amo mais”. Ele e Martinho Campos, parlamentarista e escravocrata, eram “os caracteres mais leais, mais dignos, mais altivos; não há no partido liberal quem os possa dispensar, e não se pode perder toda a esperança enquanto eles viverem. Haja uma tormenta; são os homens de confiança a que o país pode se entregar” (In: OTÁVIO, 1944: 132 e 134).

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Se em curto prazo a perspectiva da abolição agravava os problemas da lavoura

pertinentes à obtenção de mão-de-obra e ao aporte de recursos para a modernização agrícola,

em longo ela impunha repensar a própria concepção aristocrática de Nação que, por outros

meios, havia dado seqüência à concepção estamental do Antigo Regime; uma concepção na

qual a representação da cidadania era restrita ao mundo dos patrões, ficando o do trabalho ou

da mão-de-obra destituído na prática de direitos – especialmente no campo. Nesse contexto, a

concessão de direitos civis aos trabalhadores agrícolas deveria se fazer ao preço de sua

exclusão política e de sua submissão a um severo regime policial, que os obrigasse, agora

como prestadores de serviços, a continuar trabalhando por baixos salários para os ex-

senhores. Como a abolição da escravatura já estava no horizonte, “o medo de um aumento

crescente de trabalhadores livres, que pudessem utilizar mal seus direitos de voto, obscurecia

as possíveis vantagens que anteriormente haviam justificado um amplo eleitorado”

(GRAHAM, 1997:242).

Assim, o projeto eleitoral que seduziu o grosso do Partido Liberal não foi o de Nabuco

de Araújo nem o de Tavares Bastos, demasiado tímidos pela aristocracia rural - a salvação da

lavoura veio da ala agrícola do Partido Conservador. De fato, ela vinha ensaiando uma

reforma alternativa desde que, com o anúncio abolicionista da Coroa em 1867, o Barão de

Cotegipe decidira publicamente repudiar o modelo político saquarema. Recém-chegado de

seu engenho na Bahia, João Maurício Wanderley concluíra que a autonomia da Coroa era a

principal causa do crescente divórcio entre as instituições políticas e sua base natural de

sustentação, a aristocracia rural. Na medida em que a autonomia da Coroa já cumprira seu

papel de garante da ordem pública, era preciso agora neutralizá-la para garantir a adesão dos

senhores de terra às instituições – ou seja, era preciso resistir ao Rei para melhor servi-lo.

Substituir a fonte de legitimidade política, pondo o Parlamento acima do Imperador, era

fundamental para controlar o processo de abolição da escravatura em benefício dos

proprietários, sem comprometer as instituições monárquicas. No entanto, haja vista que as

eleições eram sempre fraudadas, era indispensável uma reforma eleitoral que, eliminando a

compressão exercida pelo governo geral, restaurasse a credibilidade da Câmara dos

Deputados, estreitando os vínculos entre o poder político e a opinião pública (isto é, a

aristocracia rural). Esse estreitamento pressupunha a substituição da eleição indireta pela

direta, o que só ocorreria se houvesse uma campanha para substituir o paradigma de governo

representativo como governo misto pela democracia. Ocorre que, na prática, não era desejável

que, de fato, todos os votantes fossem convertidos em eleitores: os votantes eram cerca de um

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milhão de pessoas - dez por cento da população do país; índice elevadíssimo para a época

(CARVALHO, 1995: 25).

Como se percebe, a intenção de Cotegipe era a de criar uma democracia esclarecida

ou bem entendida, na qual o espaço cívico ficasse formalmente restrito às elites da sociedade -

isto é, os proprietários de terras, os grandes negociantes, os banqueiros, o alto funcionalismo

público, os rentistas e os profissionais liberais, deixando de fora os escravos libertos, os

pobres e os imigrantes. Era, numa palavra, a democracia para o povo de senhores

(LOSURDO, 2006:136). A perspectiva de incluir o mundo do trabalho no âmbito do direito

privado exigia sua prévia exclusão do direito político. Daí que era preciso substituir os filtros

eleitorais existentes - o duplo grau de eleição e o controle do governo sobre os resultados

eleitorais - por outros, mais modernos e eficazes para a aristocracia rural. Depois de cogitar

acerca desses novos filtros, Cotegipe concluiu que a elevação simultânea do censo pecuniário

e a exclusão do eleitorado analfabeto, sugerida por Tavares Bastos, poderiam dar cabo dessa

tarefa. Era o que escrevia a Rio Branco, ao tentar convencê-lo a apoiar as diretas:

“Respeito a opinião e os escrúpulos dos que entendem que a Constituição se opõe

a medidas mais radicais (...). Cego é quem não vê que a Monarquia nesse andar

corre perigo. (...) Digam o que quiserem, a opinião pública, a nação, não tem

confiança nos seus representantes. Se há mal pior do que este no nossos sistema,

eu não conheço. (...).Não me arreceio como alguns, de que o Partido Conservador

perca sua importância com semelhante reforma. Quando assim sucedesse, eu não

vacilaria, porque entendo que o país deve ser governado conforme quer e não

como nós queremos. É um erro acreditar-se que os partidos podem manter-se por

meios artificiais” (In: NABUCO, 1997:1.158).

Com a ajuda do Conselheiro Paulino, Cotegipe lançou a semente de uma reforma que,

aproveitando o discurso democrático em voga, deveria por fim ao modelo político saquarema

para inaugurar o do parlamentarismo aristocrático. Marcada pela ascensão conservadora e

pela trégua imposta pela guerra à questão social, a conjuntura política de 1868 pareceu-lhes a

chance de ouro de se antecipar ao abolicionismo imperial e de propor uma reforma eleitoral

que, a esta altura, já era reivindicada por todos os liberais. Reunido o Conselho de Ministros

para deliberar sobre o projeto, que tinha o apoio de Cotegipe, Paulino Filho e Itaboraí, ele

sofreu, porém, a inesperada oposição de Alencar e de Muritiba. Entendendo que a reforma era

inconstitucional, eles preferiram manter a eleição indireta (ALENCAR, 1977:422).

Engavetada por Itaboraí para preservar a unidade do governo, o Conselheiro Paulino

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apresentou o projeto de lei a Câmara na qualidade de deputado individual e não como

ministro do Império. O projeto Paulino criava o alistamento permanente de eleitores,

introduzia a eleição direta, adotava o censo literário e elevava o pecuniário a um patamar

quatro vezes superior ao do projeto de Nabuco de Araújo. Para ele, nenhuma reforma

conseguiria acabar com a manipulação do governo, caso não organizasse um eleitorado seleto

e independente, livre da “turba multa, ignorante, desconhecida e dependente” (SOARES DE

SOUSA, 1979).

A estruturação dos argumentos apresentados pelos defensores do projeto deixa

entrever claramente o cavalo de Tróia: se as justificativas primeiras, de caráter geral,

radicavam na necessidade de democratizar o sistema político, reduzindo a influência da Coroa

em prol da Nação, as justificativas segundas, de caráter particular, mostravam o seu fundo

aristocrático. O primo Belisário explicava: “Numa sociedade política bem constituída, a

opinião pública dirige o governo; mas nem o governo deve ser o joguete das paixões

populares, inflamáveis, irrefletidas e muitas vezes brutais, nem a Nação deve ser humilhada e

cabisbaixa só mover-se ao aceno do governo” (SOARES DE SOUSA, 1979:21). Isto

significava que a opinião pública que deveria orientar o governo, isto é, a Nação, não se

localizava, nem no próprio Estado, onde a burocracia tinha assento, nem no povo, com as suas

paixões. Ela se achava, por conseguinte, entre um e outro, espaço este que só poderia ser o das

elites sociais e econômicas, à primeira das quais era naturalmente a grande propriedade rural.

Perspectiva idêntica se achava no parecer favorável lavrado pela Comissão de Constituição e

Justiça da Câmara dos Deputados. Ela entendera que a proposta era duplamente vantajosa

para a Nação: primeiro, porque reduzia o eleitorado às classes sociais “onde predomina a

ilustração, que por si só constitui um patrimônio”; segundo, porque, suprimindo-lhes o direito

de sufrágio, os pobres se veriam livres da opressão exercida pelo governo em época eleitoral.

Assim, não apenas as limitações aos direitos civis do povo vinham antes do Estado que dos

senhores, como a liberdade pessoal compensaria largamente a perda da função cívica que, de

qualquer maneira, ele era incapaz de exercer (In: PINTO, 1983: 319/322).

Em suma, sob a roupagem de um parlamentarismo democrático inglês, a aristocracia

rural reapresentava o velho projeto brasiliense de monarquia republicana, que em seu

exclusivo benefício conciliava “a virtude das repúblicas, com a honra das monarquias”. Por

isso mesmo, essa foi a proposta que atraiu a deputação luzia chefiada por Martinho Campos

que, por seu caráter adiantado, liberal e democrático, afirmava cada vez mais admirar “essa

parte do Partido Conservador”. Contra a autonomia do Estado e a reforma social patrocinada

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pelo modelo político saquarema, selava-se uma poderosa aliança suprapartidária, que

assegurasse à aristocracia rural a perpetuidade de sua hegemonia política e social. Adversários

do retrógrado Visconde do Rio Branco, conservadores e liberais do campo organizaram em

setembro de 1874 um banquete em homenagem a Paulino Filho durante o qual, em nome da

“prosperidade pública pela grandeza de um povo livre”, lançaram um manifesto “pela verdade

do sistema representativo, que só se pode esperar da decretação da eleição direta” (SOARES

DE SOUSA, 1923: 176,177). Travou-se então na Câmara dos Deputados uma verdadeira

batalha conceitual em torno do quê ou quem fosse o povo e/ou a nação. Enquanto a oposição

agrária suprapartidária reivindicava a eleição direta e acusava Rio Branco de pretender, com a

lei do terço, manter “o monopólio do governo sobre as eleições”, os governistas liderados

pelo ministro do Império, o deputado pernambucano João Alfredo Correia de Oliveira (1835-

1919), acusavam a oposição de pretender “o governo da burguesia” com seu projeto eleitoral

(ACD, 01/06/1875). Coerente com seu novo conservadorismo, José de Alencar apoiava Rio

Branco neste ponto. Ele temia o “partido aristocrático” que, em proveito de uma “burguesia

caricata”, queria fazer do Brasil uma monarquia aristocrática, reagindo furibundo à distinção

entre povo e multidão, estabelecida por Belisário para justificar a restrição do eleitorado:

“Não admito que, em um país democrático, se diga que a multidão não é povo. A

multidão é povo, como o é todo cidadão brasileiro, todo aquele que tem o direito

político. E o nobre deputado não o diz senão porque, pela sua posição, se acha

colocado em esfera superior e não tem sofrido as privações por que passa essa

multidão, que ele repele do grêmio político. O que entendem esses oradores por

Nação brasileira? Que Nação brasileira é esta? Para quem apelam, a quem

invocam, e a cuja sombra colocam sua reforma?” (ALENCAR, 1977: 416, 445,

519,432).

Retirando-se Rio Branco depois de quatro anos de governo, o Imperador apelou em

1875 ao Duque de Caxias, único chefe saquarema que, com sua autoridade e moderação,

poderia reconciliar as duas alas do partido89. Todavia, por conta da avançada idade do duque,

89 Caxias era um dos ministros prediletos do Imperador, que o julgava seu amigo por ser alheio à política partidária e ter sido quem mais servira à Nação. Por essas qualidades, Dom Pedro II entendeu também ser ele a pessoa necessária para suceder a Rio Branco e reunificar o Partido Conservador cindido. A necessidade de o duque assumir a Presidência do Conselho está clara na carta que remeteu à esposa, contando as condições tragicômicas do convite de Pedro II: “Quando me meti na sege para ir a São Cristóvão, a chamado do Imperador, ia firme em não aceitar; mas Ele, assim que me viu, me abraçou e me disse que não me largava sem que eu lhe dissesse que aceitava o cargo de ministro, e que se me negasse a fazer-lhe esse serviço, ele chamava os liberais e que havia de dizer a todos que eu era o responsável pelas conseqüências que daí resultassem. Ponderei-lhe as minhas circunstâncias, a minha idade, a incapacidade, a nada cedeu. Para me poder libertar dele era preciso empurrá-lo, e isso eu não devia fazer; abaixei a cabeça e disse que fizesse o que quisesse, pois eu tinha

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foi Cotegipe quem na verdade chefiou o ministério. O barão não poupou esforços para trazer

segmentos sociais tradicionais, como a Igreja e a aristocracia rural, que haviam sido

atropelados por Rio Branco em sua pela jornada reformista, de volta à base de sustentação do

regime. No entanto, na medida em que o projeto da eleição direta voltaria a dividir o partido

saquarema, Cotegipe achou melhor pô-lo temporariamente de lado e prosseguir com o projeto

do terço elaborado por Rio Branco. Recriminado pela trindade luzia – composta pelos

senadores Zacarias, Saraiva e Nabuco - Cotegipe respondeu-lhes maneiroso que, embora a

defendesse pessoalmente, a eleição direta ainda não era consenso entre os conservadores: “Eu

não posso, portanto, traçar o programa do meu partido; o mais que posso fazer é dar o meu

voto e apelo, quando os nobres senadores resolverem fazê-lo” (ASI, 28/05/1875). Aprovada a

Lei do Terço, a eleição seguinte deu dezesseis cadeiras aos liberais, que acharam pouco. Três

grandes críticas foram endereçadas à nova legislação: primeiro, o sistema não se aplicava nas

províncias que davam menos de três deputados; segundo, naquelas cujo número de deputados

era par, ele funcionava apenas em parte; terceiro, a nova lei preestabelecera que a minoria

haveria necessariamente de ser composta do terço do eleitorado (PORTO, 2002: 95/99).

De fato, as críticas revelavam que o intuito da lei não era o de espelhar o eleitorado na

representação, e sim o de dar à minoria um cala-boca; que o governo deveria permanecer

autônomo, e sua agenda, sujeita às recomendações do Imperador, primeiro representante da

Nação. Reivindicando, ao contrário, o retorno dos distritos eleitorais e elogiando a vida do

campo, Martinho Campos e os liberais da Câmara continuaram a clamar contra “o poder

absoluto que nos avassala”; “a onipotência imperial”; contra o príncipe “surdo às reclamações

de toda a Nação” (ACD, 24/09/1875). Este era um comportamento que, para Rio Branco,

comprovava a tese saquarema de que os liberais ignoravam o interesse público: “A oposição

liberal nunca viu tanta fortuna”, escrevia ele a um discípulo, “mas é fidalga que tudo julga vir-

lhe do pur sang e se deleita em exagerar os lances felizes, como prodígios de sua força

popular contra a pesada clava da tirania conservadora. Terão uns vinte representantes na

futura Câmara, mas blasfemam contra a lei e negam tudo quanto devem a esta e às outras

reformas políticas do nosso tempo. A verdade, porém, sobrenada a essas torrentes da paixão

partidária e dos interesses individuais” (In: TAUNAY, 1930:33). Embora não o

acompanhasse nas críticas ao monarca, o Conselheiro Paulino glosava seu “ilustre amigo”

consciência de que Ele se havia de arrepender, porque eu não seria ministro por muito tempo, porque morreria de trabalho e desgostos; mas a nada atendeu, e disse-me que só fizesse o que pudesse, mas que o não abandonasse, porque então Ele também nos abandonaria e se iria embora! Que fazer, minha querida Anicota?” (In: VIANA FILHO, 1967:78).

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Martinho Campos: da derrota na questão do terço, extraía forças redobradas para continuar a

lutar pelas eleições diretas (ACD, 24/09/1875).

Desgastado o gabinete Caxias-Cotegipe em 1878 e vencido - mas não convencido -

pela gritaria do campo, Pedro II cedeu à eleição direta: “Como os dois partidos a julgam

necessária, é preciso que ela se faça” (In: PORTO, 2002:99). A aproveitar a ala ruralista dos

conservadores, chefiada por Cotegipe e pelos dois Soares de Sousa (Paulino Filho e

Belisário), o monarca preferiu inverter a situação política para chamar os liberais. Havia boas

razões: os luzias haviam pugnado primeiro pela reforma e estavam unidos em torno dela;

além disso, seu ostracismo já durava dez anos. Nem por isso o Imperador deixou de, como

guardião da Constituição, determinar a forma como a reforma deveria ser efetuada,

declarando ao novo Presidente do Conselho, João Lins Vieira Cansanção de Sinimbu (1810-

1906), visconde deste nome, que o procedimento de revisão constitucional era indispensável

na medida em que atingiria os direitos políticos dos votantes. Desta vez, foram os liberais que

defenderam a iniciativa da Coroa, dela queixando-se os conservadores do campo. Enquanto o

Barão de Cotegipe confirmava no Senado que “a preponderância da Coroa sobre os demais

poderes, chamem-na como quiserem – poder pessoal, poder ditatorial, prerrogativa real –

existe, com efeito” (In: FIALHO, 1886 :22), o liberal Silveira Martins declarava à Câmara

que a inversão se dera “muito regularmente, em homenagem ao princípio de soberania da

opinião, que nem sempre é fielmente representada pela maioria da Câmara” (ACD,

20/12/1878). Já Sinimbu, claro, fez a defesa do Poder Moderador, declarando que, com a

transparência da vontade nacional no Parlamento, proporcionada pelo parlamentarismo,

cessariam os injustos ataques à monarquia.

“Senhor Presidente, tenho ouvido muitas vezes falar contra a onipotência da

Coroa, do Poder Moderador. Tem-se exagerado as atribuições deste poder,

despertando assim injustas prevenções (...). Em vez de restringir as atribuições do

Poder Moderador, o que devemos é elevar os poderes que se tem abatido. (...) Em

vez de abater o Poder Moderador, penso que a sua ação deve ser contrastada por

meio de câmaras livres e indispensáveis, que perante ele possam apresentar-se

como poder igualmente respeitável. Isso, senhores, só podemos conseguir por

meio de um bom sistema eleitoral” (ASI, 28/05/1879).

No final da década de 1870, a morte ceifava a geração de políticos liberais que

assumira o poder na época da Conciliação. Numa de suas colheitas, ela levou dois dos

principais chefes luzias, que eram os velhos Zacarias de Góis e Vasconcelos (1877) e José

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Tomás Nabuco de Araújo (1878). Um dos resultados da renovação no comando do partido foi

o reforço do poder rural: ao contrário de Zacarias e Nabuco de Araújo, que haviam sido

magistrados conservadores na juventude, Sinimbu era um grande senhor de engenho do

Norte, tanto quanto seu colega José Antônio Saraiva e o conservador Barão de Cotegipe;

como eles, o novo Presidente do Conselho estava empenhado até os cabelos com os interesses

da lavoura, cujo apoio queria para o seu governo e para a monarquia. Para que não restasse

dúvida a este respeito, sua primeira iniciativa na Presidência do Conselho foi a convocação de

um congresso agrícola no Rio de Janeiro, verdadeiro marco da reação aristocrática que

desaguaria na Primeira República. Ao abrir-lhe os trabalhos, perante a grande aristocracia

rural do sul do Brasil, o Visconde de Sinimbu se comprometeu basicamente a atingir duas

metas em seu governo: “consolidar a liberdade política” pela reforma da eleição direta e

“evitar a decadência da lavoura” com auxílios financeiros (ACA, 1878:127). Escolhidos por

seus pares em assembléias municipais e investidos de mandatos imperativos, sem atenção ao

credo partidário, os delegados da aristocracia rural do Rio de Janeiro, de Minas Gerais e de

São Paulo deliberaram em seguida sobre seus interesses e definiram melhores estratégias para

reduzir a autonomia do Estado imperial. Algumas reivindicações eram unânimes:

descentralização político-administrativa; eliminação ou redução de impostos que oneravam a

produção; bancos regionais com poderes de emissão de moeda; melhoria da infra-estrutura;

crédito agrícola e facilitação das garantias aos empréstimos. Os senhores de terra também

insistiam em acabar com a colonização de povoamento, a fim de canalizar os imigrantes para

os latifúndios e operar a mudança do regime escravocrata para o livre sem solução de

continuidade, mantendo a margem de lucro e a abundância de mão-de-obra. Muitos deles –

Sinimbu incluso – acreditavam que o chinês era o imigrante ideal, pois “só braços baratos,

sóbrios e dóceis convém à grande lavoura de gêneros tropicais” (ACA, 1878:64).

Há aspectos fortemente indicativos da reação aristocrática contra o povo e a

monarquia que se depreendem das atas do Congresso Agrícola do Rio de Janeiro. O primeiro

consiste na freqüente reiteração, pelos delegados, de seu etos aristocrático, em detrimento das

demais classes sociais. A lavoura era “a classe mais nobre do país, onde está a base de seu

engrandecimento futuro”; “aristocracia da inteligência” sobre a qual repousava “senão toda a

riqueza, pelo menos a única segurança deste país”. Por seu turno, a cidade e principalmente a

Corte era um lugar marcado por “hábitos de luxo e de ociosidade”; nela, o filho do fazendeiro

se juntava “ao burguês ocioso e pretensioso para engrossar a turba de pretendentes aos cargos

públicos, que importuna o governo e flagela o país”. O funcionalismo sugava “a seiva de

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nossas poucas classes trabalhadoras sem a compensação de melhor andamento dos negócios

públicos” (ACA, 1878: 136, 220, 190, 56, 55). Mais do que nunca, a perspectiva do fim da

escravidão e de assimilação dos libertos levava a aristocracia rural a reservar o conceito de

Nação para designar a si mesma, deixando o de povo para aludir genericamente aos setores

inferiores da sociedade. Ao prestigiar a lavoura, Sinimbu revelara ser um secretário de Estado

que não vivia “só nas alturas” (ou seja, junto do Imperador); ele era considerado “um ministro

da Nação” (isto é, da aristocracia rural). Já o povo era outra coisa e designava a parcela pobre

e livre da população. Na opinião da maioria dos congressistas, o povo era “de natural

indolente e não se presta ao serviço da agricultura”. Os negros, por sua vez, eram “máquinas

de trabalho”, cuja falta de discernimento e disciplina os impossibilitava de produzir fora do

regime escravista; eles faziam parte de uma “raça degradada”. Embora preferíveis aos

trabalhadores nacionais para o trabalho livre no campo, a opinião dos senhores sobre os

imigrantes europeus não eram muito melhores, considerados que eram “mendigos,

vagabundos e criminosos despedidos das prisões” (ACA, 1878: 205, 155, 39,49). Em síntese,

reputando-se a aristocracia do país, os donos de terra tinham a burocracia na conta de parasita,

e o povo, de escória.

O segundo aspecto a ser destacado do Congresso é o espantoso número de

manifestações de desagrado com a autonomia das instituições estatais e a expansão da sua

capacidade reguladora das relações sociais. Segundo os congressistas, sempre que davam

razão ao escravo, a interferência dos juízes nas relações de trabalho desmoralizava a

autoridade do senhor; por isso, o governo deveria se abster de novas medidas que

perturbassem a lavoura. Ao conferir direitos aos trabalhadores de origem africana, a lei do

Ventre Livre desferira um “golpe terrível” sobre a lavoura, armando “o braço escravo contra o

seu senhor” e pondo em risco “a vida dos desventurosos agricultores”. A centralização

política e administrativa, que impedia a almejada conversão do Estado imperial em Estado de

classe, também não era poupada pelos senhores inconformados: tratava-se da “cadeia

centralizadora, que oprime e neutraliza as forças ativas das províncias”; “deplorável

espoliação de direitos”. “Todo o esforço será baldado”, explicava um fazendeiro, “sem uma

descentralização franca, deixando que cada paróquia trate das necessidades que só lhe dizem

respeito”. Entretanto, se por um lado a ação tutelar do governo parecia prejudicial aos

senhores de terras e escravos, por outro, ela pecava pela sua injustificável omissão. Se os

agricultores invocavam o liberalismo econômico para rejeitar a intervenção do Estado no

mundo do trabalho, eles exigiam sua presença, todavia, para auxiliá-los com empréstimos e

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imigração subsidiada. Na opinião de um dos congressistas, o Estado deveria “rodear o

lavrador do prestígio e proteção a que tem direito, por meio de leis apropriadas (...), e que se

lhe garanta a vida e a propriedade expostas hoje a contínuos ataques e atentados (...), não só

por parte dos escravos, como dos inúmeros vadios e vagabundos que percorrem as estradas”

(ACA, 1878: 47, 53, 47, 72, 62, 54). Ou seja, o Estado deveria agir seletivamente em

benefício da aristocracia rural: em nome da liberdade nacional, ele deveria se omitir para

preservar o mando dos senhores sobre a população em nível local; em nome da riqueza

nacional, ele deveria agir positivamente, mantendo o livre cambismo e pondo o Tesouro à

disposição da lavoura para que ela satisfizesse sua carência de mão-de-obra barata e de

empréstimos a custo reduzido.

O terceiro aspecto sintomático da fronda do campo foi o debate sobre as formas por

que os escravos haveriam de ser incorporados ao mundo da cidadania formal. Desde a Lei do

Ventre Livre, dizia-se, o país vivia uma “época de transição” durante a qual era preciso “atrair

gente moralizada que venha interpor-se entre nós e os indivíduos que hão de deixar o serviço,

sequiosos de liberdade” (ACA, 1878:52). Dois pontos eram aqui reputados estratégicos para

aristocracia rural: primeiro, garantir que a emancipação gradual da escravidão não

comprometesse a sua margem de lucro, exigindo-se do governo uma política de imigração

que assegurasse mão-de-obra abundante e, por conseguinte, barata; segundo, assegurar a

perpetuidade da sua hegemonia social e econômica, vedando-se o acesso à terra e às linhas de

crédito aos escravos libertos e aos imigrantes assalariados europeus. Neste aspecto, duas

soluções foram vistas pela grande lavoura com particular simpatia. Devido ao grande número

de agregados e desocupados tolerados pelos proprietários em suas fazendas, por precisarem de

sua força eleitoral à época das eleições, o governo deveria o quanto antes passar uma lei que

lhes cassasse o direito de voto. Um fazendeiro explicava: “A eleição direta com censo alto

desobrigará o lavrador de manter em suas terras vadios ou parasitas, que se entendem com

direito de ser sustentados em troca do voto que vão dar; e esses se tornarão trabalhadores”

(ACA, 1878:142). Alegando que a qualidade da representação despencaria, caso os eleitores

(eleitores de segundo grau) fossem nivelados com os votantes (eleitores de primeiro grau),

alguns fazendeiros protestaram contra a reforma proposta por Sinimbu; todavia, esses mesmos

protestos se desfizeram, assim que foram informados de que ela se faria pela exclusão dos

votantes. Ou seja, se reafirmava a tese de que só os patrões podiam ser cidadãos e que,

associadas ao trabalho manual, a cor de pele e/ou a pobreza condenavam o indivíduo à

marginalidade. Em síntese, matavam-se dois coelhos numa única cajadada: “a liberdade

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política” da Nação seria restaurada excluindo das urnas “a escória do povo”, isto é, “a massa

ignorante que tem concorrido para falsear a representação nacional”; ao passo que, destituído

do trunfo que lhes permitia barganhar, o povo se veria obrigado a trabalhar na lavoura, sob

pena de expulsão da terra (ACA, 1878: 186, 48, 196,32).

Mas isso não era tudo. A aristocratização do eleitorado deveria ser complementada

com medidas de repressão à vadiagem e uma draconiana lei de locação de serviços. A razão

do controle social era lembrada por um fazendeiro: “Se a sociedade democrática, que chama o

povo a intervir nos negócios públicos, não pode permitir-lhe a ignorância de seus direitos e

deveres, também não pode, não deve permitir a ociosidade, justamente estigmatizada pela

moral como a mãe dos vícios”. Ou seja, não bastava excluir do voto o pobre, para obrigá-lo a

trabalhar; era preciso “melhorar a nossa legislação penal relativa aos ociosos, vagabundos e

menores abandonados, estabelecendo penas mais severas e criando para essa gente colônias

com regime disciplinar, capaz de obrigá-la a adquirir hábitos de trabalho”. Por ter se

intrometido no mundo do trabalho para incorporar os escravos ao mundo do Direito, a

aristocracia rural cobrava do Estado que, assim que libertos, se limitasse a conceder-lhes

direitos formais, privando-os e aos demais pobres da participação política e obrigando-os com

medidas policiais a continuarem a trabalhar como mão-de-obra barata, submissa e obediente.

Acreditava-se que, “havendo uma lei do trabalho, a papeleta (a lei), sendo severamente

punido o vadio, sendo recolhido à prisão o vagabundo, e obrigado a trabalhar pela polícia

correcional, começaremos a moralizar o nosso bom povo que está habituado a desrespeitar a

lei, menoscabar todos os princípios de direito natural e religioso” (ACD, 1878: 58; 67; 197).

Para os fazendeiros, a Constituição não levantava qualquer óbice a essa pretensão. “Assim

como a Constituição do Império sabiamente privou de direitos políticos a certos indivíduos

por causa da dependência em que vivem, assim também se poderia excluir do direito de voto

aos locatários de serviços”, ou seja, os trabalhadores assalariados (ACA, 1878:196).

Não faltaram sugestões de como empregar a polícia para forçar a população rural a

trabalhar para a lavoura. Uns sugeriam “a internação da escravatura”, isto é, impor tributos

crescentes sobre os escravos urbanos para que todos acabassem se transferindo maciçamente

para o campo, onde ficariam trabalhando depois da abolição. Outros raciocinavam que,

havendo “muitos escravos por comprar, muitos trabalhadores livres, e muitos caboclos, que

vagam aí pelas matas e que podem ser aproveitados”, cumpria ao governo tomar “algumas

providências que tenham por fim acabar com a vadiação. Nos povoados do interior, em cada

porta de venda, encontram-se quatro, cinco, seis e mais libertos ou emancipados, que não

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querem trabalhar; pois bem, o governo promova uma medida correcional ou policial, que os

obrigue a prestarem o serviço da lavoura. O mesmo se pratique em relação às mulheres, que

são alforriadas e vão para os cortiços entregar-se à vadiação, ao vício. É preciso corrigi-las,

obrigá-las ao trabalho. Gente como esta não falta à lavoura”. Bem policiados, os libertos

poderiam ser mais úteis que os colonos estrangeiros. Houve até quem quisesse obrigá-la a

escolher entre o Exército e a lavoura (In: NABUCO, 1988 a: 133). Um aristocrata mais lúcido

resumiu o pleito de seus pares: “A maioria dos lavradores deseja que a lei de locação de

serviços seja modificada no sentido apenas de melhor garantir a propriedade do patrão, sem

importar-se com a miséria do trabalhador, chegando alguns a pedir que o governo faça passar

regulamentos à chinesa, com casas fortes, etc., etc., para obrigar os colonos a trabalharem”

(ACA, 1878:152, 182, 48, 44). Obrigar, forçar, compelir – dez anos antes da abolição total e

onze da república, nada deixa entrever qualquer mudança no etos aristocrático ou escravista

da grande propriedade rural. Muito pelo contrário: a emergência do povo reforçava a

conveniência dos proprietários de dele se distinguir.

Todos esses são sinais consistentes de que o retorno dos liberais em 1878 se deu no

contexto de uma reação aristocrática, isto é, de crescente mobilização suprapartidária dos

diversos setores da propriedade rural, em clubes e associações, para tomar o Estado de assalto

e fazer dele um instrumento de classe. Essa institucionalização da defesa de seus interesses

correspondia a uma evidente “reação da classe proprietária rural à inevitável redefinição do

papel da agricultura” posta pela perspectiva da abolição da escravatura (MENDONÇA,

1997:31). Até então indiferente aos negócios públicos, quando “grande parte da população do

campo, a população preponderante do Império, sob uma forma ou outra, está sujeita aos

grandes lavradores”, a aristocracia rural já se cansara “de tantas e tão improfícuas discussões

parlamentares”. Estava na hora de ocupar politicamente “o seu lugar” contra a autonomia da

Coroa ou dos representantes parlamentares. A convocação do congresso agrícola fora “a

primeira prova de atenção que a classe dos lavradores recebe dos poderes públicos neste

país”; dali por diante, “a Nação” teria os olhos fitos no governo. Não à toa, um republicano

paulista propôs a convocação de um novo Congresso Agrícola, que reunisse os representantes

da grande propriedade não apenas do sul, mas também do norte (ACA, 1878: 146, 5, 231,

190, 179) 90. Ou a monarquia satisfazia a carência de “capital e braços” da aristocracia rural,

90 No norte do Brasil, também era grande a insatisfação dos senhores. Num opúsculo, Henrique Augusto Millet atribuía a revolta dos Quebra-Quilos à decadência dos engenhos de açúcar e à penúria dos camponeses, e clamava para que o governo deixasse o laissez faire de lado para auxiliá-la. Ele criticava a Lei do Ventre Livre como prematura, atacava a centralização político-administrativa e a burocracia do Estado, para ao final elogiar rasgadamente a atuação de Martinho Campos na Câmara dos Deputados (MILLET, 1987). Não causa assim

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ou sofreria sua hostilidade por intermédio de seus órgãos de pressão (SCHULZ, 1996:58).

Enquanto se articulava, portanto, a reação aristocrática nos dois partidos, pela

radicalização das posições liberais e pelo ataque da nova geração saquarema da década de

1830 contra o domínio dos senadores da ala burocrática, a composição da vanguarda do

Partido Liberal também começou a sofrer alterações. Já nos referimos a elas na primeira seção

deste capítulo, ao pontuar a diferença entre os liberais históricos, depois radicais e

republicanos, nascidos geralmente na década de 1830, para os liberais radicais, cerca de dez

anos mais novos, que chegariam à Câmara dos Deputados em 1878/1879. A melhoria das

comunicações com exterior; o incremento do processo de urbanização - a população da Corte,

por exemplo, dobrou entre 1872 para 1885 -; o maior número de profissionais liberais, como

bacharéis e jornalistas, alargando um pouco a mirrada esfera pública; a imigração estrangeira

e a escassez de escravos nas cidades, levados para o trabalho da lavoura no interior – todos

esses fatores trouxeram à vanguarda luzia uma parte da geração nascida na década de 1840, a

do liberalismo radical, que deu, pela primeira vez, visibilidade consistente e durável a uma

esfera pública exclusivamente urbana no Brasil. Não eram mais altos burocratas pleiteando

uma reforma social pelo alto, nem aristocratas rurais exigindo liberdade para a Nação; mas

jornalistas e profissionais liberais que, independentemente da origem social, não tinham

garantida a sua inserção social (ALONSO, 2002). Ao contrário, eles apresentavam um perfil

similar àqueles que na mesma época portavam os valores democráticos na Europa,

principalmente em Portugal.

Entre os três partidos, saindo da faculdade onde assimilavam o credo progressista ou

mudancista do dia, a maioria dos rapazes acabava se dirigindo ao grêmio luzia. Além de os

liberais estarem na oposição, o télos da história na época radicava no ideal de uma democracia

e o partido encarregado de promovê-lo não era o da ordem e da autoridade, mas o do

progresso e da liberdade. Não por acaso, ao bacharelar-se na Faculdade do Recife, Tobias

Barreto justificara sua adesão aos liberais com o fato de que “o verdadeiro solar do

liberalismo é a democracia” (In: LIMA, 1962:38). Diante do atraente programa político de

1869, nada mais natural que a maior parte dos moços confluísse para o Partido Liberal e

imputasse todos os problemas do país aos sucessivos governos conservadores. Eles pensavam

que, quando os liberais subissem, eles ajudariam a realizar o programa do partido, cujas

reformas tirariam o país do atraso em que se achava; nesse quadro, eles também acreditavam

estranheza que o congresso do Rio tenha sido seguido imediatamente de outro, reunido pelos senhores de engenho no Recife (MELLO, 1999).

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que a primeira de todas as reformas era a eleitoral, porque abriria a porta para as outras,

principalmente as sociais. Eliminando o anacrônico poder pessoal e democratizando o sistema

político pelo parlamentarismo à inglesa, o povo se autogovernaria e procederia a todas as

demais reformas de que o Brasil carecia para reduzir o seu atraso e equiparar-se às nações

mais civilizadas. Só quando Sinimbu apresentou seu projeto de revisão constitucional à

Câmara dos Deputados é que os liberais urbanos puderam perceber que, valendo-se do

discurso democrático, a intenção do governo era a de oligarquizar o sistema político em

proveito da lavoura para, mais adiante, obstruir o processo de extinção da escravatura no país.

Formou-se imediatamente uma liga de oposição a Sinimbu nas duas casas do

Parlamento. Na Câmara, Sinimbu foi enfrentado por José Bonifácio o Moço, ídolo da nova

geração, e por Joaquim Nabuco, expoente dela e filho do falecido senador Nabuco de Araújo,

que acusaram o governo de trair os ideais liberais e democráticos do partido. Eles não

contaram com a palavra vigorosa de José de Alencar, que morrera às vésperas de realizar o

sonho de ser escolhido senador pelo Ceará pelo Imperador, em 1877. Por isso mesmo, quando

o governo apresentou seu projeto, deputados como José Bonifácio o Moço e Joaquim Nabuco

se deram conta de que, sob as vestes do discurso parlamentarista, a intenção era a de

oligarquizar o sistema político para obstruir o movimento abolicionista. Eles romperam então

com o gabinete Sinimbu e o acusaram de trair os ideais democráticos por querer, segundo

Nabuco, “não alargar o voto, não reformar a Constituição no sentido liberal, mas no sentido

reacionário, tirando dos seus alicerces a primeira pedra das nossas liberdades. E para quê?

Para constituir-se uma aristocracia!” (NABUCO, 1983:108). “Ao passo que em todo o mundo

civilizado a democracia celebra as suas festas populares pelo alargamento do voto, que tende

a tornar-se universal”, protestava José Bonifácio, “queremos celebrar as nossas, condenando

ao ilotismo político a máxima parte da população de um país livre” (ANDRADA E SILVA,

1978:68). No entanto, estreante na Câmara e dependente do ministério, o próprio Rui Barbosa

esforçou-se para defender o projeto, alegando ser preciso dar “margem ao patriotismo, à

ilustração, à independência, à fortuna, à experiência” (In: PORTO, 2002:100). Líder do

governo, o deputado baiano escreveu um discurso de cento e vinte páginas para convencer a

oposição de que o novo censo pecuniário excluiria apenas os indigentes e mendigos e que a

eliminação dos analfabetos era um imperativo do sistema representativo, que precisava deixar

de ser uma “democracia selvagem” para se tornar uma “democracia racional”. E concluía: “A

soberania da consciência, a soberania do discernimento (que outra não é a do projeto), vale,

seja como for, um pouco mais que a soberania analfabeta, a soberania néscia do inconsciente”

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(ACD, 10/07/1879). Nabuco voltou à tribuna para sustentar que não podia ser democrático um

projeto reduzia que o eleitorado ao invés de alargá-lo; o que levou Rui a contestar “o

irrefletido liberalismo dos nossos antagonistas” e defender novamente o governo, sob a

alegação de que a redução do eleitorado seria compensada pela melhoria da qualidade do voto

(BARBOSA, 1952:116). Reduzidos em número, os democratas não conseguiram brecar o rolo

compressor da bancada ruralista, que aprovou na Câmara o projeto de reforma constitucional

por ampla vantagem.

Enquanto isso, quem no Senado comandava a oposição à eleição direta era o Visconde

do Rio Branco, último dos velhos chefes saquaremas da ala burocrática. Já então haviam

morrido, ou estavam inutilizados, todos os outros chefes que haviam nascido nas décadas de

1800 e 1810: Paraná (1856), Uruguai (1866), Eusébio (1868), Inhomirim (1876), São Vicente

(1878) e Caxias (1880). O prestigioso ex-presidente do Conselho, que ali era senador pelo

Mato Grosso, soube explorar com habilidade a má vontade de seus pares com Sinimbu, que

pretendia deixar o Senado de fora da revisão constitucional, repetindo o duvidoso precedente

de 1834. Paranhos sustentava que o propósito de Sinimbu contrariava o art. 11 da

Constituição, que consagrava como o governo misto teorizado por Caravelas ao declarar que

o Senado e a Coroa representavam a Nação soberana tanto quanto a Câmara de Deputados, a

quem o então Presidente do Conselho pretendia dar exclusividade. Na medida em que seus

membros também eram eleitos pelo povo, o Senado tinha legitimidade democrática quanto o

outro ramo do Poder Legislativo. Ademais, a Câmara Alta se renovava conforme morriam

seus componentes, não se podendo afirmar que ela não acompanhava a opinião pública.

Glosando Caravelas e Uruguai, Rio Branco declarava sem rebuços que a resistência dos

senadores aos projetos dos deputados não só era mais benéfica como mais útil ao Brasil,

porque impedia que se efetuassem reformas prematuras ou mal estudadas. A superioridade do

Senado estava no fato de que a Câmara dos Deputados estava “sujeita a todas as flutuações

políticas e mais ou menos dominada pelos ministérios, que invocam o espírito de partido

sempre que se vêem em circunstâncias apertadas” (ASI, 4/11/1879). Rio Branco concluiu sua

fé de ofício monarquiana ao reiterar sua concepção do Poder Moderador no quadro das

instituições brasileiras. Num país que ainda não dispunha de opinião pública organizada,

somente o ascendente do Chefe da Nação poderia evitar que o espaço político acabasse

encapsulado pelos interesses privados – no caso vertente, o pseudo-reformismo da bancada

ruralista do Parlamento.

“Eu quisera que questões como estas despertassem o espírito público e as opiniões

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se apresentassem mostrando o maior interesse pela melhor solução - e isto por

cidadãos de todas as classes, porque todos estão interessados no bom governo

deste país. Mas o que estamos vendo? Somente os homens que se dedicam à

carreira política, por via de regra, são os que tomam interesse por estes negócios

do Estado; em torno deles tudo é indiferença ou frieza. E eis aqui por que o povo

brasileiro não tem força para lutar contra a autoridade; eis por que não vemos

entre nós essas vitórias brilhantes do povo em outros países, em que governos

compostos de cidadãos ilustres e ricos de talentos - porque não têm ao seu lado a

opinião pública - de um momento para outro caem diante das urnas. No Brasil não

se pode ver esse resultado; é o poder que está na cúpula social (isto é, o

Moderador) quem forçosamente tem de constituir-se árbitro das situações

políticas. E eu dou testemunho de que não é por que o exercício desse arbítrio lhe

seja agradável, mas por uma necessidade imperiosa de nossas circunstâncias

atuais” (ASI, 04/11/1879).

Com sua habilidade e prestígio, Rio Branco capitaneou uma maioria senatorial que

derrotou o aristocrático projeto de reforma constitucional de modo acachapante.

Inconformado com a resistência do Senado, cuja dissolução não era possível, Sinimbu

requereu ao Poder Moderador que determinasse a dissolução da Câmara dos Deputados e a

realização de novas eleições. A providência parecia esdrúxula, já que o gabinete divergira do

Senado e não da Câmara. Reunido o Conselho de Estado para opinar sobre o pedido de

dissolução, Sinimbu explicou seu raciocínio. O Partido Liberal subira ao poder para realizar a

reforma constitucional, aspiração nacional recusada injustamente pelo Senado. No entanto, a

Constituição de 1824 não dera ao Poder Executivo meios de dobrar a resistência do Senado.

“A nossa Constituição é a única que, criando uma câmara vitalícia, limitou o número de seus

membros, colocando-a em suas deliberações acima da ação de qualquer poder”, explicava o

Presidente do Conselho. A dissolução da Câmara pelo Poder Moderador e a subseqüente

convocação de novas eleições para deputados gerais serviriam para apelar à Nação: caso as

urnas novamente dessem maioria ao gabinete na Câmara, ficaria evidente que a maioria do

país queria a reforma e o Senado teria de ceder. “Se, como em outras nações, a Coroa tivesse

o direito de alterar o número de senadores, é claro que esse seria o alvitre lembrado”,

prosseguia Sinimbu. “Mas, na carência desse recurso, outro não vejo senão o apelo por meio

da dissolução” (ACE, 28/02/1880). A situação era, assim, muito semelhante à de 1832,

quando o Senado coimbrão recusara o projeto de reforma constitucional enviado pelos

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moderados da Câmara – com a diferença de que, na época, o Poder Moderador estava

inoperante. Era a validade do princípio do governo misto que estava sendo questionada em

nome da democracia.

Mais uma vez, desta vez no Conselho de Estado, o Visconde do Rio Branco comandou

a resistência à pretensão de Sinimbu. Além de discordar do alvitre para resolver a questão

entre o gabinete e o Senado, Paranhos lembrou expressamente que, na prática brasileira, as

câmaras eram sempre criaturas do gabinete, que as fabricava nas eleições. Como a nova

câmara não possuiria mais autoridade moral que a anterior, não tinha força o argumento da

vontade nacional empregado para intimidar o Senado. “É levar a ficção muito longe, e isto é

tanto mais notável quanto se pretende, ao mesmo tempo, que, sem uma reforma radical, as

eleições, no Brasil, serão em sua maioria o voto, para não dizer a designação do governo”.

Assim como defendera a prerrogativa da Coroa quando da discussão da Lei do Ventre Livre,

oito anos antes, Rio Branco defendia agora as prerrogativas do Senado contra as pretensões

absorventes da Câmara dos Deputados, amparando-se na interpretação monarquiana da

Constituição como governo misto. A Carta de 1824 pusera os senadores em pé de igualdade

com a Câmara para que, conforme seu juízo, pudessem livremente resistir às pretensões que

julgassem inoportunas ou irrefletidas dos deputados. Fora o que fizera a maioria do Senado,

ao rejeitar o precedente do Ato Adicional, que não passara de “fato consumado”. Para ele,

como para Uruguai e Caravelas, o Senado continuava a prestar mais serviços ao Brasil do que

a Câmara dos Deputados; e, “a não admitir que o Senado possa pensar diversamente do

governo e da maioria da Câmara temporária - nem mesmo em matéria como a de que se trata

presentemente -, então fora, com efeito, conveniente não só reformá-lo, mas ainda até acabar

com esse embaraço de uma segunda câmara” (ACE, 28/02/1880). Já abalado pelos excessos

cometidos na repressão a uma revolta contra o aumento das passagens de bondes (a Revolta

do Vintém), a derrota de Sinimbu no Conselho de Estado, chancelada pelo Imperador,

obrigou o gabinete a pedir sua retirada.

Mas essa crise política e constitucional teve uma conseqüência importante: convenceu

Dom Pedro II de que o desgaste de suas instituições seria reduzido, caso ele abrisse mão de

sua posição e admitisse a interpretação de que o voto individual não consistia num direito do

cidadão, mas uma função pública que lhe era outorgada pelo Estado. Nesse caso, de acordo

com o art. 178 da Carta, a matéria da reforma eleitoral poderia ser promovida por lei ordinária

e o Senado se sentiria desafrontado pelo projeto de reforma constitucional.

Para substituir Sinimbu, o Imperador convidou para a Presidência o sobrevivente da

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trindade luzia, o senador José Antônio Saraiva (1823-1895). Saraiva decidiu reformular o

projeto de lei e reduziu à metade o censo pecuniário exigido por seu antecessor. Não obstante,

ele não apenas manteve a exclusão dos iletrados como criou, a título de combater a fraude,

rigorosíssimas exigências para a comprovação da renda do eleitor, que o obrigariam a

apresentar perante a junta eleitoral documentos como certidões cartoriais, faturas,

contracheques e recibos de pagamentos. Deste modo, o pobre que vivia na informalidade

ficava sem qualquer possibilidade, condição ou desejo de comparecer às urnas (GRAHAM,

1997:260). Na Câmara dos Deputados, opondo à reforma política a reforma social, Nabuco

continuava a combater o censo literário e apresentara, em seu lugar, um projeto que estipulava

prazo para extinguir a escravidão. Saraiva lhe respondia que não estava nos planos do

gabinete resolver o problema da escravidão; quanto à reforma eleitoral, o analfabeto não

poderia votar “enquanto não faz o que todo o cidadão deve fazer: aprender alguma coisa para

ser digno membro de uma sociedade política”. E expôs o que entendia por governo

democrático: “A democracia não consiste em dar-se votos a todo o mundo e há escritores

liberais que dizem que o voto a toda gente não pode produzir a verdadeira democracia, senão

a demagogia ou o absolutismo” (ACD, 7/6/1880). No Senado, Saraiva teve de defrontar-se

com Rio Branco, o maior adversário da reforma: “Se o projeto não tivesse de encontrar-se

com a oposição do nobre senador, eu o consideraria desembaraçado de seu maior obstáculo,

podendo nutrir a esperança de vê-lo breve convertido em lei” (SARAIVA, 1978:539). Ocorre

que o visconde morreu dali a semanas, vencido por um câncer na boca – para a consternação

do povo e dos liberais urbanos, que começavam a vê-lo como um líder abolicionista e

democrático. Delirando em seus estertores, o visconde morrera pensando que estava no

Senado, combatendo a reforma eleitoral e pedindo aos colegas que não pusessem obstáculos

ao abolicionismo91.

91 É o testemunho algo romântico deixado por seu primeiro biógrafo e discípulo, Alfredo d’Esgragnolle Taunay: “Com os olhos cerrados, pálido como cera, a calva alinda iluminada pelas cintilações do gênio e tentando de quando em quando erguer o braço no gesto que lhe era familiar, murmurava num subdelírio constante frases seguidas. De súbito, distintamente se lhe ouviram estas palavras: - ‘Peço, Sr. Presidente, licença para falar com muita pausa, em vista de meu melindroso estado de saúde...’. Depois, por largo tempo . – ‘É preciso’, disse, alteando de novo a voz, ‘obedecer lealmente aos compromissos tomados’. Longo espaço decorreu sem que nada se percebesse da admirável perca oratória que estava pronunciando no leito de morte. – ‘Sem dúvida’, afirmou, em certo ponto com mais clareza, ‘fareis a reforma, mas tereis arrancado o voto a muitos cidadãos’. Depois, mal se ouviu aquele mesmo sussurro que ligava as frases soltas. E as horas caíam, pesadas, solenes.... Os lábios, contudo, continuavam a mover-se e ainda se agitavam, no imenso cérebro do legislador, todas as grandes questões da Pátria. Nada lhe escapava ao olhar de águia, embora já empanado pelas sombras eternas. –‘Não perturbem’, proferiu com moroso esforço, ‘a marcha do elemento servil’. Depois de longo silêncio e respondendo naturalmente ao aparte de algum senador, replicou com a força de que podia dispor: ‘Confirmarei diante de Deus tudo quanto houver afirmado aos homens’. A pausa que se seguiu foi aterradora. Aproximava-se o instante supremo. O exangue e sublime orador quis de repente falar: estremeceu ligeiramente e abriu a meio os

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Desimpedido o caminho pela morte do último saquarema coimbrão, o projeto da

eleição direta foi afinal aprovado no Senado e foi batizada com o nome de seu autor: era a Lei

Saraiva. Dissolvida a Câmara, foram convocadas eleições para testar a nova lei. Saraiva

assumiu uma postura inédita para um Presidente do Conselho: negou-se a influir no pleito

com a força do governo em favor de quem fosse. Do lado conservador, apreensivo com a

tentativa dos abolicionistas de ameaçar “os importantíssimos interesses da lavoura”, o

Conselheiro Paulino informava aos fazendeiros de suas bases eleitorais que a nova lei

constituía uma importante aliada eleitoral, já que oferecia “garantias à realidade da influência

local”. Todos os donos de terras e escravos deveriam, portanto, cuidar “vigilantemente da

organização do eleitorado” para obter “os meios de se assegurarem defensores aos interesses

ameaçados e expostos a graves perturbações” (In: SOARES DE SOUSA, 1923: 221).

Realizado o pleito sob a égide da nova lei, as expectativas da bancada ruralista na

Assembléia Geral foram plenamente satisfeitas. Em primeiro lugar, as eleições realizadas sob

a nova lei foram as mais honestas e elitistas que o Brasil teria até 1933. Enquanto a oposição

conservadora abiscoitou um terço das cadeiras da Câmara, o eleitorado fora reduzido a um

décimo do que era antes, passando de um milhão para apenas cento e quarenta mil pessoas –

oito décimos da população total (CARVALHO, 1995:30). Em segundo lugar, a lei varrera da

Câmara quase toda a burocracia do Estado. Se, no auge do modelo político saquarema, ela

compusera metade da deputação, ela agora não passava de um décimo (CARVALHO, 1996).

Para completar, foram eleitos dois republicanos da aristocracia rural paulista e derrotados

dezessete dos dezoito deputados abolicionistas - inclusive o próprio Nabuco, que lucidamente

acusou a Lei Saraiva de ter feito da Câmara dos Deputados um congresso agrícola

(NABUCO, 1988: b: 32). Até o senador José Inácio Silveira da Mota (1811-1893), que era

liberal, reconheceu que a reforma da eleição direta fora “a coisa mais aristocrática que se

poderia fazer no Brasil” (ASI, 28/08/1885). Em sua obra Oito Anos de Parlamento,

verdadeira crônica do parlamentarismo aristocrático então implantado, o ex-deputado liberal

Afonso Celso Filho lembraria vinte anos depois como passou a ser a relação de seus colegas

com os aristocratas rurais:

“Submetiam-se incondicionalmente aos chefes eleitorais, receosos de desgostá-

los, executando-lhes as encomendas, satisfazendo-lhes as exigências,

importunando as autoridades por causa deles, tudo pelo receio da não reeleição. E

quando vinha ao Rio um desses chefes sertanejos!... Oh! Cumpria obsequiá-lo,

olhos, e sem convulsão exalou tranqüilo, quase risonho, o último suspiro” (TAUNAY, 1930:142/143).

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apresentá-lo às sumidades, proporcionar ensejo de assistir às sessões, ajudá-lo em

seus negócios, de modo que o homem levasse e comunicasse, aos conterrâneos,

impressões agradáveis, prestando testemunho da boa vontade e importância de seu

representante” (AFONSO CELSO, 1929: 115).

De fato, com o triunfo generalizado do voto de campanário, a bancada ruralista

realizou o velho sonho de fazer da Câmara o “espelho fiel da vontade da Nação”; sonho que,

por trinta anos, havia sido o pesadelo de todos os saquaremas monarquianos. Batidos os

abolicionistas, substituídos os burocratas pelos bacharéis, os novos deputados eram

maciçamente comprometidos com a aristocracia rural e, por conseguinte, escravocratas até a

medula. A figura emblemática do novo modelo político era o próprio Martinho Campos,

abastado fazendeiro que, depois que Saraiva se retirou, assumiu a Presidência do Conselho

conforme as regras do parlamentarismo92. Com uma carreira política marcada pelo

oposicionismo crônico e por virulentas condenações ao poder pessoal, dentre todos os chefes

liberais, Martinho era admirador entusiástico do liberalismo econômico e do parlamentarismo

inglês. No entanto, essa adesão apaixonada ao que havia de mais avançado em matéria

institucional não o impediu de declarar que a “obediência absoluta e cega à lei” era o único

dogma de seu liberalismo; e que, em matéria de relações de trabalho, ele era positivamente

“escravocrata da gema” (In: FREIRE, 1958:29). Daí a correção com que um saquarema

abolicionista, discípulo de Rio Branco – Alfredo d’Esgragnolle Taunay, Visconde de Taunay

(1843-1899) -, descrevesse Martinho Campos, em suas memórias, como “no fundo e por

índole, conservador quase que de quatro costados, emperrado até; na forma, porém, no rótulo,

liberal dos mais adiantados, a pender por pouco para o republicanismo” (TAUNAY, 1924: 1).

Com efeito, assim que nomeado pelo Imperador em São Cristóvão, Martinho atravessou toda

a cidade até a casa do Conselheiro Paulino, no Flamengo, onde os chefes dos dois partidos

celebraram a vitória da lavoura: “É verdade, Sr. Paulino, o Imperador entregou-me o penacho

(risadas) e a minha primeira visita é esta: vim receber as ordens de meu chefe (grandes

risadas, abraços)” (In: SOARES DE SOUSA, 1923: 117). Mais tarde, ao apresentar o

gabinete à nova legislatura, Martinho confessou seu estado de satisfação com o “estado de

conciliação” dos novos deputados que, por estarem comprometidos com os interesses da

aristocracia rural, tinham “os mesmos ares de família” (ACD, 24/01/1882). A Lei Saraiva

92 Na verdade, o Imperador queria que Saraiva continuasse no governo, porque demonstrara nas eleições a característica que mais apreciava num político - a capacidade de não se deixar levar exclusivamente pelo interesse partidário. Desejoso de que tal política tivesse seguimento, o Poder Moderador chamou para formar o gabinete seguinte o Marquês de Paranaguá, amigo da Família Imperial; diante de sua recusa, foi sugerido o nome de Martinho (ACD, 24/01/1882). .

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havia sido a “verdadeira revolução política” que permitira “à Nação governar-se como quiser

e como entender” (In: JAVARI, 1962: 191/198). Naquele janeiro de 1882, sepultando o

modelo político saquarema, a aristocracia rural brasileira julgava triunfar sobre a herança

coimbrã, corrigindo os desvios de 1824 e 1837 e recolocando o país na direção impressa em

1831.

* * *

Este foi, porém, mais uma vez, um julgamento precipitado. Tantas vezes dado como

morto, o discurso monarquiano seria reformulado por políticos inspirados pelo exemplo de

Rio Branco, como Taunay, Nabuco e Rebouças, como forma de superar a fraqueza política do

movimento abolicionista e viabilizar as reformas sociais pelo alto. Exasperada pela aliança da

Coroa com o abolicionismo, que burlava o parlamentarismo, a aristocracia rural teve de aderir

à república para conseguir extinguir as instituições monarquianas. No entanto, às voltas com

as atas falsas, as eleições a bico de pena e as duplicatas de assembléias estaduais do Estado

republicano, em poucos anos já haveria chefes republicanos, como o senador e fazendeiro

paulista Francisco Glicério (1846-1916), propondo o restabelecimento da Lei Saraiva

(GLICÉRIO, 1982:318/339). É que a descompostura eleitoral do novo regime maculava a

utopia brasiliense de um governo moderno, restrito às elites, mas honesto; de uma democracia

que não fosse conspurcada, nem pela fraude, nem pelo povo. Daí a nostalgia do breve, mas

não esquecido, tempo do parlamentarismo aristocrático93.

93 Para a República, vale a anotação de Richard Graham: “No geral, os membros do Congresso atuavam como clientes de chefões locais, ou como porta-vozes de seus próprios parentes mais ricos (...). Com certeza, o verdadeiro sucesso de um político (...) significava no Brasil – como na maioria dos lugares – um histórico de evitar medidas que ameaçassem alterar radicalmente o sistema social” (GRAHAM, 1997:235).

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Conclusão.

O intuito desta obra foi o de fornecer um panorama do pensamento político

produzido no Império em perspectiva sincrônica e diacrônica, desde a época da independência

até a promulgação da lei Saraiva, em 1881.. Para tanto, recorri previamente à teoria política

clássica para compreender como e por que aquele conceito emergiu na Europa ocidental no

período anterior, as linguagens políticas em que foi gestado e como ocorreu sua recepção no

Brasil. Depois, acompanhei as sucessivas recepções e reformulações do conceito de Poder

Moderador junto aos escritores e políticos do período, pela análise contextual dos textos e

discursos produzidos pelos políticos brasileiros. Gostaria de concluir, retomando alguns dos

pontos abordados num esforço de síntese e de esclarecimento para, em seguida, apontar para

possíveis desdobramentos em pesquisas ulteriores das questões aqui ventiladas relativas ao

pensamento político brasileiro.

* * *

No âmbito da teoria política, a matriz do debate em tela reside na tensão constitutiva

da organização do Estado como entidade política legítima, derivada das oposições entre os

dois conceitos políticos em torno dos quais ele foi estruturado – o de soberania, monárquica,

nacional ou popular, e o de governo misto, ou rule of law, governo constitucional ou Estado

de direito. O primeiro pressupõe a existência de um poder uno, indivisível e absoluto, isto é,

discricionário, reunido por aquele que detém legitimamente o direito de governar, a fim de

preservar a ordem e da segurança da comunidade; ao passo que o segundo conceito, em

sentido inverso, exprime a divisão eqüitativa do poder entre as forças da comunidade e sua

limitação por leis que assegurem sua perpetuidade e a liberdade ou autonomia das

corporações ou dos indivíduos que a compõem. Os princípios começaram a ser conciliados

pela doutrina ou teoria do poder constituinte, para a qual só é legítima a organização

institucional e a limitação do político por uma constituição fixada pela vontade do soberano.

Ou seja, que a soberania só é exercida em sua plenitude no momento constituinte, deixando de

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ser ordinariamente exercido quando da entrada em vigência da constituição que deverá

orientar o Estado de direito ou o governo constitucional.

Disse ordinariamente, porque a manifestação da potência soberana não desapareceu

de todo, depois do advento da ordem constitucional; ela foi canalizada por três institutos

encarregados pela própria constituição de regular o seu emprego quando nas hipóteses de

razão de Estado, isto é, ocasiões mais ou menos extraordinárias ou excepcionais de ameaça à

sua existência, à sua estrutura política ou à sua integridade normativa. Exercendo sucessivos

tipos de controle constitucional, portanto, conforme os diferentes graus e espécies de ameaça

à ordem, se acham respectivamente os institutos do estado de exceção, do poder moderador e

da jurisdição constitucional. Todos eles versam sobre a possibilidade de emprego

discricionário da força pública, desgarrada em maior ou menor grau dos limites

ordinariamente impostos pelo Estado de direito. O exercício desses institutos é distribuído

eqüitativamente, conforme um critério de relevância, pelos poderes políticos em que a

constituição organizou a comunidade política. Assim, coube ao Poder Legislativo a

declaração de vigência do primeiro e mais grave desses institutos, destinado a suspender a

constituição no todo ou em parte para salvá-la, nas suas diversas espécies ou designações: de

guerra, de sítio, de defesa ou de emergência. O segundo instituto, destinado ao controle das

estruturas políticas que subjazem à normatividade constitucional, ou seja, ao equilíbrio entre

os poderes políticos, foi conferido nos países parlamentares ao chefe do Estado, com as

designações de moderador, neutro, régio, preservador ou arbitral. Por fim, encarregada de

preservar a incolumidade da constituição contra as leis, projetos de lei ou atos normativos

editados pelos poderes públicos que contrariem seus dispositivos normativos, a jurisdição

constitucional foi entregue a um tribunal de natureza e procedimento judiciários, que exerce

controles de diversas espécies, como o difuso ou concentrado, o abstrato ou concreto, o

preventivo ou repressivo. Como essa minha teoria já foi esboçada de maneira mais extensa

noutro lugar (LYNCH, 2005); circunscrevo-me aqui a salientar que, pela natureza de suas

funções e o grau de discricionariedade que lhe é conferido, o poder moderador se situa num

ponto médio entre aqueles outros dois institutos, a meio caminho entre o estado de exceção e a

jurisdição constitucional.

Ajudando a manter, como os demais institutos, a representação da unidade soberana,

no interior do Estado de direito, o poder moderador historicamente se revelou um instrumento

indispensável o seu equilíbrio. Sem um árbitro último entre os interesses individuais

representados pelos poderes eletivos, os conflitos privatísticos instalados tendem a degenerar

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em convulsões que, extrapolando os limites constitucionais do Estado, resvalavam para o

golpe e a ditadura de alguns daqueles interesses sobre os demais. A neutralização de um poder

arbitral representado pelo Presidente da República ou pelo monarca na cúspide do Estado,

colocando-o acima dos interesses contingentes da política contra as possíveis usurpações que

cometidas pelos demais representantes, mantém as expectativas de exercício delegado e

ocasional da soberania por um símbolo da unidade e da permanência da Nação. Elaborada

pelos monarquianos, que aspiravam a um poder monárquico que garantisse o predomínio do

público sobre o privado na nova conjuntura do governo constitucional, essa reflexão foi

retomada pouco adiante pelo liberalismo doutrinário para, numa chave algo diversa, garantir

que os entrechoques dos próprios interesses particulares pudessem correr livremente, sem

ameaçar as instituições que garantiam a expressão do pluralismo.

Compreendida, assim, a problemática da discricionariedade regulada no debate da

teoria política clássica, voltei-me para a recepção daquele conceito e daquelas duas

linguagens, a monarquiana e a liberal doutrinária, quando da crise da independência brasileira.

Os chamados coimbrões, que integravam a alta cúpula de burocracia monárquica, perceberam

a possibilidade de proceder a uma importação juridicamente fiel do conceito de poder neutro,

atraente pela sua modernidade e pela ênfase conferida à inviolabilidade do Imperador;

combinando, porém, artigos cujos enunciados pudessem legitimar o governo pessoal da

Coroa. A teoria de Constant foi incorporada ao debate parlamentar e ao conteúdo da

Constituição para legitimar um projeto, na verdade, de corte monarquiano, mais realista e

conforme as necessidades de um país novo, inorgânico; que para deixar o estatuto colonial e

se tornar um poderoso Império constitucional, na ausência de uma sociedade estruturada,

precisava ser construído em torno da pessoa do monarca. Daí resultou um texto constitucional

que autorizava duas diferentes interpretações – a monarquiana e a liberal - e, por conseguinte,

duas maneiras distintas de desempenho da Coroa enquanto agência pública. Dela seria lícito

esperar, tanto um funcionamento conforme pretendido pelos liberais doutrinários, em que o

monarca fosse o gerente neutro do governo representativo, quanto um regime monarquiano,

onde ele se afirmasse como o eixo da representação nacional contra o facciosismo da

assembléia.

A primeira dessas interpretações, adaptada no correr dos tempos, seria adotada em

nome da liberdade e do progresso da Nação pela esquerda brasileira da época, em suas

designações sucessivas de brasiliense, luzia, moderada, progressista, histórica ou liberal. Sua

Intenção era a de livrar a classe proprietária rural da tutela do Imperador para garantir o

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exercício manso e pacífico do poder oligárquico e o predomínio do econômico sobre o

político. Já a interpretação monarquiana foi sustentada pela direita brasileira, designada

sucessivamente como coimbrã, realista, saquarema ou conservadora. Ela exprimiu os

esforços da burocracia monárquica de preservar seu poder político e viabilizar o projeto

político imperial, apontando o poder moderador do Imperador como o garante da ordem

representativa constitucional e da supremacia do interesse público representado pelo Estado

unitário. Frente a uma sociedade atrasada e amorfa, a autonomia do Estado lhes parecia

essencial para assegurar a consolidação do Estado nacional e seu ulterior progresso. A

oposição entre os projetos nacionais dos liberais e dos conservadores e a disputa em torno da

interpretação correta da Constituição e do exercício do Poder Moderador. Essas duas linhas

gerais de oposição político-partidária, justificadas pelos diferentes projetos políticos e suas

interpretações constitucionais, foram discutidas por dez gerações de políticos, que as

adaptaram s novas formas de pensar o poder, elaboradas ou recepcionadas ao longo dos

sessenta anos seguintes.

.

Tabela 1: Mudanças na interpretação constitucional brasileira no decorrer do século

dezenove.

Tempo I

(1824-1837) Tempo II

(1837-1868/1871) Tempo III

(1868/1871-1882) Paradigma de

Estado de direito na Europa ocidental

Governo constitucional e

representativo

Governo parlamentar

Parlamentarismo

Teorias subjacentes ao

paradigma

Governo misto, separação

de poderes.

Governo misto, separação de poderes mitigada pela dupla

confiança.

Democracia, absorção do executivo pelo

legislativo.

Interpretação conservadora

brasileira (coimbrões,

realistas, saquaremas)

Modelo monarquiano:

governo pessoal, primazia do Imperador,

Estado unitário.

Modelo monarquiano saquarema: governo

parlamentar unitário e tutelado pelo monarca

Retoricamente, modelo

monarquiano saquarema; na prática,

parlamentarismo aristocrático.

Interpretação liberal brasileira

(brasilienses, moderados,

luzias)

Modelo liberal vintista: regime de assembléia,

federalismo.

Governo parlamentar,

descentralização moderada.

Retoricamente, parlamentarismo democrático, na

prática, aristocrático. Federalismo.

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A primeira tabela ilustra as diferentes formas como a Constituição do Império foi

ideologicamente interpretada, tanto do ponto de vista sincrônico (espectro partidário) como

diacrônico (ao longo do tempo). A segunda distribui as gerações de políticos do Império de

acordo com a época em que chegaram à vida adulta e o estilo ideológico dominante. A

tendência era que sempre houvesse três gerações atuando na política.

Tabela 2: Gerações de políticos brasileiros do Império e ideologias dominantes na sua

primeira maturidade.

Geração e o estilo dominante ideológico

Década de nascimento

Chegada à vida adulta

Políticos brasileiros

1ª. Reformismo ilustrado/

Monarquianismo

1760

1790/1800

João VI, Barata, Inhambupe, Bonifácio, Cachoeira, Baependi, Caravelas, Queluz, Silvestre Ferreira, F. Carneiro de Campos.

2ª. Constitucionalismo

1770

1800/1810

Custódio Dias, Barbacena, A. Carlos, Hipólito, Vergueiro, M. Francisco, Frei Caneca.

3ª. Vintismo

1780

1810/1820

Januário, Ledo, Feijó, H. de Resende, J. B. Ferreira de Melo, J. Clemente, Olinda.

4ª. Liberalismo doutrinário

1790

1820/1830

Pedro I, Paula Sousa, Vasconcelos, Monte Alegre, Abaeté, Rebouças, Evaristo, Jequitinhonha, Alencar Pai.

5ª. Conservadorismo

doutrinário

1800

1830/1840

Sepetiba, Ezequiel, Paraná, Itaboraí, Caxias, Cônego Marinho, São Vicente, Sousa Franco, Santo Ângelo, Uruguai, Otoni.

6ª. Conciliação

1810

1840/1850

Sinimbu, Eusébio, Francisco Lisboa, Justiniano, Inhomirim, Nabuco de Araújo, Firmino, Cotegipe, Zacarias, Martinho, Rio Branco.

7ª. Progressismo

1820

1850/1860

Pedro II, J. A. Saraiva, Brás Florentino, Otaviano, Bonifácio o Moço, Alencar Filho, Tito Franco, 2º. Paranaguá.

8ª. Liberalismo anglófilo

1830

1860/1870

Dantas, Silveira Martins, Paulino Filho, Lafaiete, Ferreira Viana, João Alfredo, Ouro Preto, Quintino, Rebouças Filho, Tavares Bastos, Tobias Barreto.

9ª. Liberalismo radical

1840

1870/1880

Princesa Isabel, Campos Sales, Taunay, Rio Branco Filho, Glicério, João Barbalho, A. Pena, Rodrigues Alves, Murtinho, J. Nabuco, Rui Barbosa, Amaro Cavalcanti.

10ª Liberalismo cientista

1850

1880/1890

Anfilófio, S. Romero, Pinheiro Machado, M. Lemos, J. Patrocínio, Teixeira Mendes, Assis Brasil, Alberto Sales, Lauro Sodré, Felisbelo, Serzedelo, P. Lessa, A. Falcão.

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372

De resto, gostaria de fazer alguns comentários sobre alguns temas dessas tabelas. O

primeiro concerne à velha discussão sobre a natureza das idéias “importadas” da Europa (o

“centro”) e sua funcionalidade no Brasil (a “periferia”), travada à luz das teorias da

modernização que reforçavam o clichê de que a nossa inferioridade intelectual era um fato

decorrente do “subdesenvolvimento”. Prisioneiras de uma filosofia da história linear e

eurocêntrica, essas teorias desprezavam a produção intelectual dos países “atrasados” como

ideologias, cópias de idéias importadas ou idealismos. No centro, haveria teorias produzidas

por um espírito abstrato, universal, moderno; na periferia, por força dos limites impostos pela

sua singularidade, pelo seu descentramento, pelo seu atraso, haveria, na melhor das hipóteses,

pensamentos.

Essas categorias de centro e de periferia precisam ser revistas, pelo que tem de vago

e de ideológico. No período estudado nesta obra, apenas a Inglaterra e a França – os Estados

Unidos atrás – poderiam ser consideradas aos olhos brasileiros como constituindo o centro de

qualquer coisa que merecesse ser imitada. Além disso, objetivamente falando, também eram

politicamente periféricos à Inglaterra e a França todos os outros países da Europa: Espanha,

Portugal, Bélgica, os países alemães, escandinavos, italianos; todos importavam suas

linguagens e conceitos políticos tanto quanto nós. O que varia de um lugar para o outro são o

idioma, o grau de distância geográfica e de assimilação cultural, conforme a sociedade esteja

estruturada em cada lugar. Idéias estrangeiras em contexto diverso adquirem sempre sentidos

diversos, o contexto cultural, a circunstância pessoal e a intenção estratégica condicionam o

significado que o leitor extrairá dos conceitos e linguagens do autor nacional ou estrangeiro.

Por isso mesmo, o que aqui se fez - estudo da recepção das ideologias - é feito também em

todos os países do mundo, sejam eles centrais ou periféricos. Os espanhóis estudam recepção

do liberalismo doutrinário francês na Espanha; os italianos estudam recepção de Hegel no

Piemonte. Os franceses estudam recepção de Bolingbroke na França; os norte-americanos

estudam recepção de Locke e Sidney nos Estados Unidos. Os mexicanos e argentinos estudam

recepção do liberalismo espanhol no México e na Argentina. Ao estudarmos pensamento

político brasileiro, nós estamos, portanto, no mesmo movimento do mundo, que é o

movimento das idéias.

Se não há pensamento político desvinculado de ação concreta e estratégica orientada

para determinados fins; se os conceitos e as linguagens consistem decorrem de atos de fala

estrategicamente produzidos por determinados personagens que disputam o poder numa

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373

determinada época e lugar a fim de legitimar publicamente suas pretensões políticas, não tem

sentido sustentar que sua recepção sofre variação qualitativa fora de seu ambiente original. É

por isso condenável toda a concepção filosófica que, tomando as idéias políticas como

universais desencarnados de gente, lugar ou tempo, as julgue a partir de qualquer critério de

“fidedignidade”, fora do qual se tornam “deturpações”, “falsificações” ou “simulacros” –

especialmente quando atravessam as fronteiras. Pela mesma razão, não tem sentido, do prisma

científico, desqualificar qualquer tipo de pensamento político como mimetismo, cópia de

idéias importadas, tampouco declarar que em tal país o liberalismo, longamente praticado nas

instituições, teria falhado por ausência de solo fértil. Por esta ótica, a própria distinção entre

teoria política e pensamento política se torna arbitrária: a mais das vezes, a teoria não passa de

pensamento produzido nos países mais bem sucedidos e vistos como tais pelas nações que se

acreditam culturalmente dependentes.

Não quero com isso afirmar que a díade centro-periferia deve ser pura e

simplesmente abandonada. Posta de lado como objetividade ou realidade, ela deve ser

considerada, porém, no plano das representações históricas de seus agentes. Verdadeira ou

falsa no que respeita à qualidade da produção intelectual, a crença de que existia um lugar de

onde provinham as idéias superiores de civilização, artes e progresso – França, Inglaterra,

Estados Unidos -, desempenhou um papel fundamental na legitimação retórica das

instituições políticas dos países que julgavam patinar no atraso da periferia. Essa percepção

da diversidade foi um componente relevante para que os atores históricos ibero-americanos

percebessem que os conceitos ou linguagens oriundos da França ou da Inglaterra podiam

exercer uma funcionalidade diferente na América Ibérica, induzindo a mudança ou

disfarçando o atraso, reagindo conforme suas intenções ou daqueles que representavam.

Nunca é demais repetir a importância do exame da recepção das idéias pelos autores/atores

locais e entendê-las a partir da dinâmica do processo político-partidário e da conformação

social dos locais de recepção, levantando-se previamente os dados históricos disponíveis. É

este o procedimento que permite atestar, por exemplo, que a coexistência de discursos de

modernização democrática simultâneos na Europa ocidental e no Brasil não implica

correspondência de processos simultâneos de democratização; que, para além da diminuta

esfera pública urbana, composta seus profissionais liberais, jornais e revistas, a campanha pela

democratização servia, voluntária ou involuntariamente, para encobrir o movimento de

aristocratização da política que havia sido deflagrado pela aristocracia rural depois de

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1868/187194. Em síntese, a díade centro-periferia permanece útil, ao meu entender, no plano

das representações subjetivas dos próprios atores e autores históricos, especialmente por se

erigir em critério que distinguia, no debate político da época, os conceitos ou discursos

julgados legítimos daqueles que não os eram.

Em terceiro lugar, gostaria de refinar a análise presente de forma simplificada na

segunda tabela. Recordo que cada ideologia partidária, consideradas em sentido lato, se

compunha de outras linguagens específicas. Do lado conservador, identificamos

sucessivamente os discursos monarquiano, burkeano ou tory e o conservador doutrinário; do

lado liberal, o republicanismo clássico vintista, o liberalismo doutrinário e o liberalismo

radical. Esses discursos conviviam de modo estável, empregados em ocasiões distintas,

conforme o objetivo momentâneo de cada partido, por todos os seus membros ou somente

parte deles, adaptando-se conforme as novas teorias que orientavam o paradigma de governo

monárquico representativo. Além disso, as agremiações políticas brasileiras, a conservadora e

a liberal, também interpretavam os fatos políticos do passado e os mobilizavam na luta

política, legitimando suas ações pela tradição, elaborando cada qual uma proto-historiografia

ou proto-interpretação do Brasil. Suas maneiras de compreender a formação colonial do país,

os acontecimentos políticos desde a independência e as razões de seu antagonismo sob o

Império – construção da ordem, fundação da liberdade, combate ao despotismo do Estado, ou

criação de uma sociedade nacional - deram origem às tradições historiográficas nacionais

consolidadas sob a república e às interpretações da formação brasileira. Assim, a vertente

luzia frutificaria em Euclides da Cunha, Sílvio Romero, Manuel Bonfim, Sérgio Buarque,

Raimundo Faoro, Bolívar Lamounier; ao passo que a vertente saquarema fecundaria Joaquim

Nabuco, Oliveira Lima, Pandiá Calógeras, Oliveira Viana, Guerreiro Ramos, Wanderley

Guilherme. Os debates historiográficos e acadêmicos, sociológicos ou políticos, que todos

esses autores depois travaram, projetam e prolongam sobre a vida presente as polêmicas entre

Caravelas e Feijó, Otoni e Paraná, Uruguai e Tavares Bastos, Silva Jardim e Joaquim Nabuco.

Por isso mesmo, tanto o conceito de poder moderador como diversos topoi da linguagem

94 Mesmo nas cidades, era muito tímido o reformismo da seção urbana da chamada geração de 1870 (nascida na década de 1840); reformismo que, a despeito de seu propalado abolicionismo, não chegava a vislumbrar o reconhecimento dos negros ou dos pobres como substantivamente iguais. A transferência de uma concepção aristocrática da sociedade rural para os meios urbanos, que contamina a classe média brasileira, geralmente descendente de senhores rurais falidos, ainda hoje fornece a chave para compreender os limites ideológicos de suas concepções igualitárias de democracia. Assim, em matéria de reforma social, enquanto Antero de Quental, Teófilo Braga e Oliveira Martins punham Proudhon e Marx na agenda reformista de Portugal, o que fizeram Aníbal Falcão, Júlio de Castilhos e Silva Jardim, com foi barulhentamente brandir, como foros de novidade revolucionária, a mais conservadora de todas as propostas de renovação social da Europa oitocentista - o hierárquico positivismo comteano.

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monarquiana sobreviveram ao modelo saquarema, desempenhando relevantes papéis na

conclusão do processo de abolição da escravatura. Gostaria assim de concluir esta tese

explicando, em apertada síntese, de que forma ocorreu tal processo na década de 1880,

conjeturando ainda sobre a recepção de seu legado na República Velha e o Estado Novo. As

páginas que se seguem constituem assim apontamentos provisórios para uma futura

continuidade desta obra.

* * *

Como já insinuado, o recém-instalado parlamentarismo aristocrático foi subvertido

por uma aliança entre a Coroa e os setores abolicionistas da sociedade brasileira. Embora a

preferência ideológica do Imperador pelos conservadores monarquianos não importasse

favorecê-los na disputa dos partidos, ele encampava o papel que lhe era concedido pelo

modelo político saquarema e incentivava iniciativas que expandissem a capacidade reguladora

do Estado. No entanto, grande distância havia entre as coisas que ele queria fazer e as que ele

conseguia, obrigando-o a mover-se entre a necessidade de fazer uso de suas prerrogativas para

operar reformas e o respeito às aparências do sistema parlamentar. Conforme foi se

cristalizando a idéia democrática de que o monarca deveria ter cerceada a discricionariedade

de seu poder, esse aproveitamento das brechas e das penumbras do sistema parlamentar pelo

Imperador passou a ser cada vez mais visto como ilegítimo. Além disso, ele não percebia a

contradição embutida na sua política de “morde-e-assopra”, ou seja, de conciliar, na sua ação,

os elementos “orgânicos” e os elementos “utópicos” de sua visão política: ao promover “pelo

alto” as reformas sociais e políticas que julgava pertinentes contra os interesses das elites

políticas, apoiando põem as demandas liberalizantes por elas exigidas para compensá-las, que

resultavam na crescente representatividade das oligarquias, ele aprofundava a contradição do

sistema, cavando um fosso entre o trono e a nobreza da terra.

Mais que um movimento de extinção de uma forma de trabalho, o movimento

abolicionista visava à reforma social, dirigindo-se explicitamente contra o poder de uma

aristocracia rural cada vez mais aborrecida da monarquia. Sob o influxo das transformações

reivindicadas pelo chamado novo liberalismo na Grã Bretanha, o grupo brasileiro mais radical

era o dos liberais monarquistas chefiados por Joaquim Nabuco, e integrado, entre outros, por

André Rebouças, Rui Barbosa, Rodolfo Dantas (1854-1901), Joaquim Serra (1838-1888),

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Gusmão Lobo (1838-1900), Barros Pimentel (1849-1924) e José Mariano (1850-1912). O

novo liberalismo inglês adotava uma concepção mais positiva do Estado para enfrentar os

desafios colocados pela inarredável democratização da sociedade e pela insatisfação com a

desigualdade social. Cabia ao governo remover os obstáculos ao aperfeiçoamento humano

mediante reformas que, fomentando uma sociedade de pequenos proprietários, possibilitassem

a um maior número de indivíduos fruírem das liberdades sociais. A incorporação do novo

liberalismo ao ambiente brasileiro requeria, porém, algumas adaptações, a primeira das quais

se referia ao público-alvo: na ausência de uma classe operária, os novos liberais se voltaram

para os escravos, propondo uma incorporação dos negros que os inserisse socialmente e os

incorporasse à nacionalidade. Para tanto, era preciso enfrentar a questão social, isto é, da

exploração do trabalho, e por via reflexa, a questão fundiária, que passava pela implantação,

paralela ao latifúndio, do regime de pequena propriedade rural, onde deveriam ser assentados

libertos e imigrantes. Era um projeto de inclusão social contrário ao da aristocracia rural, que

queria inseri-los mantendo, o quanto possível, sua condição de subalternidade social e política

forjada sob a escravidão.

A segunda adaptação do novo liberalismo ao Brasil, por seu turno, passava pelo

plano da estratégia. Num ambiente onde ainda não havia o espectro do socialismo e o

mercado estava entregue, pela pequenez da classe média, ao setor agroexportador, os novos

liberais teriam uma base social muito pequena. Daí que sua estratégia política passasse

principalmente por dois pontos. O primeiro era a denúncia do movimento da reação

aristocrática, que fizera da Câmara dos Deputados uma trincheira do latifúndio e da

escravidão. O segundo era o apelo à intervenção da Coroa como forma de superar a fraqueza

política do movimento e viabilizar as reformas sociais. Os abolicionistas se convenceram da

impossibilidade de êxito apenas pela mobilização da opinião pública e pela pressão sobre o

Parlamento. Tendo em vista que a aristocracia rural passara a controlar a maioria dos

deputados e a opinião pública ainda era inconsistente, Nabuco reconheceu que a colaboração

do Imperador era fundamental para o êxito do abolicionismo – ou seja, a intervenção de um

poder superior que não representasse apenas o particularismo das oligarquias, e sim a

sociedade brasileira de forma global. Foi por aí que a dimensão reformista do discurso

monarquiano, posta em relevo pelo Visconde do Rio Branco, foi apropriada pela esquerda

liberal radical para construir a Nação contra e resistência dos fazendeiros e senhores de

engenho.

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Por outro lado, as reformas sociais pleiteadas pelos abolicionistas também eram

defendidas pelo Imperador, que apenas queria um andamento mais lento para que elas não

abalassem demasiado os aristocratas rurais. Deveriam ainda ser tomadas providências

suplementares às de abolição: o assentamento dos imigrantes em terras devolutas e próximas

de estradas, para viverem em regime de pequena propriedade rural; o estabelecimento de um

imposto territorial rural sobre a propriedade improdutiva, a liberdade de cultos e o casamento

civil. Como seu avô e seu pai, a Princesa Isabel (1846-1921) também era contrária à

escravidão. É preciso lembrar que Leão XIII começara a virada que levaria a Igreja a

abandonar sua postura ultramontana para defender os direitos sociais dos trabalhadores. Por

isso, o mesmo catolicismo severo que levava os republicanos a atacarem a futura Imperatriz

como retrógrada reforçava sua sensibilidade em relação à desigualdade social e racial. Aqui se

revelam, portanto, as afinidades entre o reformismo saquarema da Coroa e o liberalismo

democrático dos abolicionistas, que tornaram possível recolocar a questão social na agenda

política quando da apresentação do gabinete Dantas. Derrubado este por voto de desconfiança

parlamentar, o Imperador afrontou os dogmas do parlamentarismo aristocrático ao preferir

decretar a dissolução da Câmara a desfazer-se de Dantas. No começo de 1888, foi Isabel

quem pressionou o gabinete Cotegipe, opondo, às objeções parlamentaristas, o argumento de

que não havia neutralidade possível em certas questões morais. Poucas semanas depois, ela

obrigou o ministério a se exonerar e, quebrando novamente o protocolo, indicou pessoalmente

o novo Presidente do Conselho e o fez incluir, na Fala do Trono, a necessidade de se

desapropriarem terras das fazendas limítrofes às estradas de ferro para assentar os colonos e

os libertos. Da tribuna da Câmara, Nabuco defendeu o procedimento ditatorial da Coroa e

começou a organizar com seus amigos uma frente suprapartidária em favor da reforma social

e contra o republicanismo agrário, contava com o Visconde de Taunay (1843-1899), o Barão

do Rio Branco (1845-1912) e Eduardo Prado (1860-1901), todos conservadores.

Era um prenúncio do que poderia vir ser o Terceiro Reinado. A insubordinação do

Poder Moderador ao parlamentarismo aristocrático, por isso mesmo, levantou praticamente

toda a aristocracia territorial do sudeste contra as instituições. A esperança de que a Lei

Saraiva fosse capaz de regenerar o sistema representativo monárquico pela via do

parlamentarismo havia se frustrado e, com ela a expectativa de uma evolução consuetudinária

à inglesa que neutralizasse as instituições monarquianas. A queda dos liberais em 1885 teve o

poder de frustrar profundamente tanto os liberais do campo e da cidade – os primeiros, porque

o partido não resistira ao abolicionismo; os segundos, porque julgavam a lei inócua. A Coroa

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voltara a exercer a vocação inicial da ideologia monarquiana no momento em que ela havia

entrado em decadência, por força das mudanças ideológicas e por efeito de sua própria ação

reformista. No momento de emergência de uma nova teoria de governo – o do

parlamentarismo democrático –, a responsabilidade pelo reformismo deixou de ser imputado

ao partido situacionista para recair sobre a própria Coroa que, de garante da ordem pública,

passou a ser vista como agente da própria desordem. A conseqüência mais importante do

desencanto de liberais com a capacidade de regeneração da monarquia pelo parlamentarismo

foi o crescimento do Partido Republicano, cujo desempenho até então havia sido desprezível.

Os republicanos sabiam que a pedra de toque da monarquia constitucional era a teoria do

governo misto e por isso buscaram vulnerá-la em nome da democracia pura e do progresso,

apresentando-a como uma solução espúria de compromisso entre o absolutismo e a

democracia, que não poderia mais ser tolerada. Além disso, a república era uma forma de

governo mais adiantada, necessária ao progresso do país. De caso pensado, os republicanos

não tocavam na questão social, limitando-se a advogar uma república democrática e um

governo responsável. Por fim, propuseram o federalismo como única possibilidade de se

preservar a unidade nacional e enfrentar o crescente intervencionismo estatal sobre o campo.

Embora houvesse federalistas monárquicos, os republicanos insistiam na incompatibilidade da

república com a federação das províncias, que só seria possível dentro do modelo norte-

americano.

A crise de legitimidade que atingiu o Partido Liberal em 1885 estendeu-se quatro

anos depois ao Conservador, esfacelado pela inversão política que levou o partido de volta ao

ostracismo. A perspectiva do Terceiro Reinado era a de que Isabel não se curvaria ao

parlamentarismo agrícola e, apoiada pelo povo que aparecera na cena pública desde o 13 de

Maio e apoiava maciçamente a monarquia, ascenderia ao trono com seus amigos

abolicionistas, como Nabuco, Rebouças e Taunay. Temerosa da reforma fundiária, os

principais líderes conservadores, como os fazendeiros Paulino Filho e Antônio Prado,

começaram então a fomentar a queda da monarquia, passando o republicanismo a constituir o

novo reduto do conservadorismo. A matriz do republicanismo conservador era São Paulo,

cujo principal teórico, Alberto Sales, juntava a filosofia da história positivista com a ontologia

darwinista social de Spencer para aplicá-los ao Brasil. O darwinismo liberal aplicava à

organização social o ideal de uma perfeita concorrência entre os produtores econômicos,

cobrando do Estado uma completa abstenção. O desemprego e a pobreza eram resultados da

inaptidão dos mais fracos no êxito pela vida; por conseguinte, a ajuda aos pobres preconizada

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pelo novo liberalismo dos abolicionistas não melhoraria a condição dos menos aptos, apenas

prolongando sua condição de imprevidência e aumentando a burocracia do Estado em

detrimento da liberdade individual. Essa naturalização das desigualdades por conta de

sobrevalorização do individualismo os levava assim, naturalmente, a condenar a legislação

social, o socialismo, o direito de greve e a sindicalização. Mantido o requisito formal de

igualdade perante a lei como condição para a perfeita concorrência, soterrada pelos

determinismos geográficos, étnicos ou hereditários, desaparecia a noção de igualdade natural

ou potencial entre os indivíduos.

Daí que o conteúdo aparentemente democrático da proposta republicana da

aristocracia paulista tomasse contornos autoritários e excludentes, em perfeita sintonia com as

diretrizes gerais adotadas pela lavoura do Sul no Congresso Agrícola de 1878. As

conseqüências políticas da adoção do darwinismo social pelo republicanismo paulista eram

claras. Primeiro, por meio do federalismo, da retirada do Estado da cena econômica e social,

da separação entre a Igreja e o Estado, da liberdade de ensino e da mais absoluta liberdade

comercial e industrial, a completa emancipação do interesse econômico frente à chamada

inspeção tutelar do Estado, de forma a deixar a questão social por conta das leis do mercado.

Em segundo lugar, emergia o direito da aristocracia cafeeira de São Paulo ao controle da

política nacional. A Coroa hereditária e o Conselho de Estado e o Senado vitalícios eram

instituições esclerosadas, porque postas à margem da seleção de capacidades pela

concorrência. A centralização era abominada em particular porque era o instrumento de que o

centro se valia para pear o livre desenvolvimento das forças individuais de São Paulo, isto é, a

autogestão do poder local pela aristocracia agrária, que só seria possível pela república e pelo

federalismo. Além disso, devido à sua formação racial inferior, as elites nordestinas e

fluminenses eram representativas de províncias e segmentos sociais decadentes,

gerencialmente incompetentes, e que deveriam por isso renunciar à pretensão de continuar a

exercer um papel de relevo no cenário nacional.

A oposição ou indiferença dos republicanos a respeito da questão social é central

para compreender sua oposição ao Poder Moderador, à monarquia, bem como o caráter

oligárquico e reacionário da República Velha. É que o âmbito da república democrática

defendida pelo republicanismo paulista coincidia com aquele da “nação” da aristocracia rural

- um espaço público restrito aos proprietários de terras, aos profissionais liberais e aos altos

funcionários do Estado – ou seja, aos patrões; ficando fora dela todo o restante da população,

isto é, a força de trabalho que os abolicionistas monárquicos queriam elevar à categoria de

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plenos cidadãos. O discurso republicano se credenciou então como a linguagem por

excelência da reação aristocrática. Como o movimento do Sete de Abril de 1831, o objetivo

da esquerda liberal não era expandir o espaço público, mas, pura e simplesmente, eliminar de

vez a autonomia das instituições monarquianas e suas veleidades reformistas. Vista por esse

ângulo, a república representou a consolidação do poder oligárquico contra as ameaças à sua

hegemonia vindas da Coroa e de sua capacidade de mobilizar a burocracia; é a história da

aristocracia rural e dos demais setores produtivos da sociedade, dominados por um etos

aristocrático e patronal, contra a autonomia do Estado amparado pela burocracia e sua

capacidade de promover políticas em benefício dos setores socialmente excluídos.

Nesse quadro, fica mais fácil compreender por que foi o Brasil o único país do

mundo, quando da queda de sua monarquia, a substituir o sistema parlamentar pelo

presidencial. Esse fato se explica para além da necessidade, apontada por Rui Barbosa, de

compensar a tendência centrífuga do federalismo. É verdade que a minoria positivista sempre

rejeitara o parlamentarismo, vendo nele o governo burguesocrático metafísico que impedia a

passagem ao regime positivo. Mas o que dizer dos antigos conservadores e liberais do campo

que o haviam apoiado em 1880, já que vinte por cento da antiga deputação monárquica estava

assentada uma década depois, na qualidade de adesista, na Constituinte republicana? Para

além de um súbito reencantamento pelas teorias do governo misto e da separação de poderes,

o modelo americano foi apoiado pela lavoura pelo mesmo motivo por que parte dela o fizera

em 1834 – pela crença de que um chefe de Estado forte a ampararia contra a desordem social.

O problema é que nem Pedro I, nem Pedro II, nem Isabel, haviam se revelado, ao fim e ao

cabo, dispostos a abandonar uma agenda própria, levando a aristocracia rural a contragosto a

brandir o discurso parlamentarista. Além disso, o povo carioca se revelara particularmente

passível de ser mobilizado contra o Parlamento por campanhas democráticas como a

abolicionista. Nada mais natural, nesse contexto, que a nova ordem não dispensasse a figura

de um chefe de Estado forte, escolhido pela própria aristocracia rural; aí, a teoria da separação

dos poderes e a tecnocrática aversão às paixões serviriam para desvincular o governo

republicano das pressões da rua. Essas mesmas razões levaram a nova Constituinte a reunir-se

longe do centro do Rio, no bucólico arrabalde de São Cristóvão, bem como a decisão de no

futuro transferir a capital do país para um local ermo e seguro – o planalto goiano.

No que tange ao problema da discricionariedade regulada, foi Rui Barbosa quem fez

introduzir no projeto de Constituição a jurisdição constitucional, isto é, o controle normativo

da constitucionalidade, extraído da experiência dos Estados Unidos. Sua expectativa era a de

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que, na qualidade de um poder neutro, o Judiciário pudesse representar uma barreira às

inevitáveis tentativas de expansão do poder pessoal dos governantes. Não por acaso, Rui

decretou que as leis, doutrinas e precedentes do direito norte-americano passassem a servir de

fonte subsidiária ao nosso direito público, marcando a adesão do Brasil à linhagem dos países

de cultura anglo-saxã. Como nos Estados Unidos, o Supremo Tribunal deveria fazer as vezes

de um poder moderador normativo, armado com os poderes para declarar incidentalmente a

nulidade dos atos e leis do governo e do Congresso, e de julgar os conflitos federativos. A

Constituinte republicana de 1890 aprovou a emenda de Rui ao projeto sem qualquer

discussão, não tendo compreendido o alcance da novidade – e foi assim, silenciosamente, que

se introduziu o controle jurisdicional de constitucionalidade no Brasil. Do mesmo modo,

passaram sem discussão os institutos do estado de sítio e a intervenção federal, destinado o

primeiro a garantir a segurança da República em caso de invasão estrangeira ou comoção

intestina; e o segundo, a repelir invasão de um Estado em outro, manter a forma republicana

federativa; restabelecer a ordem nos Estados e assegurar a execução das leis e sentenças

federais.

No entanto, a prática do regime demonstrou a ineficácia da jurisdição constitucional

como mecanismo de estabilização institucional. O exercício do poder político na República

Velha foi caracterizado por uma prática distante do liberalismo democrático norte-americano.

A autonomia e a estabilidade do Estado imperial cederam lugar a um quadro em que as

instituições foram tomadas de assalto pelas aristocracias rurais estaduais – as oligarquias.

Fraudado o sistema representativo por todo o período de quarenta anos, durante o qual se

tentou uma única reforma eleitoral, a instabilidade política foi grande marca da Primeira

República. Em praticamente todos os Estados, quando não se resolvia pela fraude, a violência

da luta oligárquica assumia foros de conflitos feudais ou renascentistas, com entrechoques

armados entre milícias privadas ou privatizadas marcados por massacres de autoridades pelas

mãos inimigas, muitas vezes com a conivência das forças federais ou mesmo de bombardeios

às capitais. Revoltas monárquicas de caráter místico e popular, como Canudos e o Contestado,

foram dizimadas pelo Exército em campanhas de guerra. No início da década de 1920,

rebeliões civis e militares deflagradas pelos setores marginalizados, irrompendo em todas as

regiões do país, voltaram a ser reprimidos em espasmos autoritários cada vez mais

prolongados. Nessa conjuntura, o Judiciário se revelava incapaz de cumprir o papel que lhe

havia sido atribuído, enfrentando a resistência dos outros poderes à jurisdição constitucional.

Além disso, a nomeação dos juízes decorria de retribuição de favores ou de alianças entre

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oligarquias estaduais, o que os levava a votar de acordo com as facções a que eram ligados.

Por fim, não havendo efeito vinculante em seus julgados, a eles não podia o Supremo vincular

os juízes e tribunais inferiores, motivo pelo qual nenhum órgão público se entendia obrigado a

rever os próprios atos.

Na ausência de um poder moderador que estabilizasse as instituições, estas se

escoraram no estado de exceção, descrevendo o regime uma verdadeira escalada autoritária,

cujo ápice foi um estado de sítio de praticamente quatro anos, na década de 1920. O

situacionismo fez sempre uma interpretação maximizadora do estado de exceção, considerado

verdadeiro interregno constitucional em que o governo estava livre para agir de forma

plenamente discricionária, ignorando imunidades parlamentares para prender os

oposicionistas e desterrá-los. Essa latitude extrema do poder excepcional era justificada pelos

conservadores com o argumento de que, legalmente responsável pela ordem pública, era o

Executivo quem melhor poderia conhecer da conveniência e oportunidade da sua decretação.

O Congresso não somente deveria anuir ao pedido de sítio, mas também aos de prorrogação

dos prazos máximos de trinta dias fixados pela constituição, à vontade do governo. O mesmo

raciocínio de primazia do Executivo na manutenção da ordem levava o Congresso a também

admitir a figura inédita do estado de sítio preventivo, destinado a combater, não a comoção

intestina, mas a simples hipótese de sua ameaça, a juízo da autoridade policial. Além disso, o

Judiciário ficava proibido de conceder habeas corpus a quem fosse detido durante e mesmo

depois do sítio, cujos efeitos se protrairiam no tempo. Leis inconstitucionais que pretendiam

subtrair ao judiciário a apreciação da legalidade dos atos do governo foram corriqueiras

durante o regime; da mesma forma, a intervenção federal se tornou um instrumento

casuisticamente aplicado para permitir ao governo federal instaurar nos governos estaduais as

oligarquias fiéis.

Esse quadro político e institucional diz muito das ideologias políticas que vão

permear a Primeira República, especialmente depois que as aristocracias rurais estaduais

começaram a exercer o domínio longamente reclamado desde o tempo dos brasilienses.

Veiculado por Campos Sales e pela maioria dos partidos republicanos estaduais, apoiados

pelo castilhismo gaúcho, haverá um conservadorismo oligárquico republicano que,

ardorosamente defensor do presidencialismo, ressuscitará alguns topoi monarquianos – como

a do governante acima da política - pondo-o, porém, a serviço exclusivo da ordem

oligárquica. Excluídos sucessivamente os militares, os monarquistas e os jacobinos do cenário

político; marginalizados os parlamentaristas e subalternizados os democratas, o preço pago

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pelo chefe do Estado para conseguir a estabilização do regime pelo estado de sítio foi,

justamente, a impossibilidade de ser visto pelo conjunto da Nação como um árbitro neutro. É

que, para conseguir estabilidade, a Política dos Governadores preferiu sacrificar o pluralismo,

restringindo a ordem política ao diminuto espaço onde ela poderia gozar de unanimidade – ou

seja, à parcela das oligarquias estaduais que estivessem no poder. Acabou assim cristalizada

uma ordem política que, ao contrário do Império, era marcada, tanto em nível federal ou

estadual, pela mais absoluta falta de legitimidade, não importa de que espécie fosse; pela falta

de qualquer representação de minorias. Enquanto expediente de rotinização do governo

Campos Sales, a restrição da esfera pública tinha ainda o agravante de condená-la em longo

prazo, desde que se convertesse em instrumento ordinário de todos os governos seguintes. Por

mais que lançasse mão de argumentos monarquianos, estava claro que o chefe da Nação não

passava de cacique das oligarquias situacionistas. Não admira que, no conjunto de uma ordem

institucional julgada ilegítima, contra os ataques dos setores populares ou oligárquicos

marginalizados, a defesa da legalidade passasse forçosamente pelo recurso às intervenções

federais, às fraudes eleitorais e aos estados de sítio.

A hegemonia esmagadora do conservadorismo oligárquico da lavoura sobre o

liberalismo democrático das classes urbanas explicará a decepção desta com o novo regime,

que não era - como se dizia - o dos seus sonhos. Podado o movimento ascensional que

descrevera no Império, o liberalismo urbano seguirá emasculado na república; limitado a

carimbar a política aristocrática, quando a ela acomodado, ou a espasmodicamente servir de

veículo ideológico das oligarquias excluídas ou insatisfeitas, quando impossível o

congraçamento aristocrático. No entanto, generalizado em 1909 graças ao liberalismo radical

redivivo por Rui Barbosa, o apelo judiciarista dos civilistas contra o sistema apodrecido e

corrupto da República, pela reforma da Constituição, constituiria o primeiro pólo consistente

de oposição ao regime. Para além do civilismo, que mobilizava as contra-oligarquias e setores

liberais urbanos, resultará numa fórmula explosiva a confluência do discurso nacionalista de

Alberto Torres, espécie de monarquianismo coimbrão aggiornado e inconfesso, com a

historiografia monarquiana saquarema produzida por Nabuco, Oliveira Lima e Afonso Celso.

Formulada por Oliveira Viana e encampada pelos tenentes, chefiados por Juarez Távora, esse

neo-saquaremismo monarquiano pregava o retorno do Estado forte e a restauração do

Conselho de Estado como novo poder moderador.

Unidos em 1930 para derrubar o regime oligárquico, o bloco burocrático militar e as

contra-oligarquias logo em seguida se entrechocariam ideologicamente, fazendo da Carta de

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1934 uma frágil solução de compromisso. Será o medo do comunismo que forjará entre

oligarquias e burocracia uma nova coalizão, que permitirá superar as resistências liberais para

implantar o Estado Novo. Com efeito, o regime de Vargas (1882-1954) será sustentado por

um arco ideológico que incluirá o conservadorismo autoritário de Francisco Campos (1891-

1968); o protofascismo de Góis Monteiro (1891-1963), o neo-saquaremismo corporativo de

Oliveira Viana e o castilhismo gaúcho, na versão tradicional de Monte Arrais (1882-1965) e

modernizadora de Azevedo Amaral (1881-1942). Enquanto o regime incorporava as massas

pela via da tutela de seus direitos sociais, tais autores celebravam o poder pessoal do chefe de

Estado que, representando a Nação acima da política ordinária, exercia o papel de guardião da

sua unidade política. De certa forma, era o Império que contra-atacava.

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Referências Bibliográficas

Arquivos:

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ACD - Anais da Câmara dos Deputados.

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