zine re-escrita de tudo #02

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continuaçÞao da compilaçÞao de postagens do blog reescritadetudo.blogspot.com.br

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Page 1: Zine Re-Escrita de Tudo #02
Page 2: Zine Re-Escrita de Tudo #02

o zine re-escrita de tudo chega ao seu segundonúmero, resgantando as publicações feitas deoutubro de 2009 a fevereiro de 2010, do blogreescritadetudo.blogspot.com.br, nenhum créditoserá dado ao autor dessas postagens, tudo que fizfoi um jogo de recorte e cole, editei algumasimagens ao meu gosto, e se ninguém gostar, foda-se...

atenciosamente

batata sem umbigo

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um homem de meia idade, funcionário bem sucedido de uma empresa nacionalmente reconhecida. fora do trabalho, sábado/domingo, ele senta em frente de sua t.v.lcd que fez questão de comprar à prestação. "só assim se pode aproveitar tecnologia h.d.". ótima imagem, som de última geração - por isso o volume excessivamente alto, para não perder os detalhes, " para poder ouvir os graves". assistir o quê? ouvir o quê? não interessa: a técnica é um atrativo em si mesma.a escravidão do trabalho não permite que se cultive gosto algum. não há tempo livre para buscar interesses mais profundos. nossas ecolhas, portanto, restringem-se ao que é mais imediatamente oferecido pelas imagens da propaganda/cinema/novela, como se não houvesse outras opções além da variedade ilusória do mesmo, repetida incessantemente na propaganda/cinema/novela.o prazer do homem médio limita-se a meia hora semanal de ilusão - ao ato de fazer algum uso da porcaria de ilusão - ao ato de fazer algum uso da porcaria tecnológica adquirida a custo de tanto esforço. a alegria de ter, não é uma simples perversão que encobre o ser: é o processo complexo de identificar a felicidade a algo artificialmente existente na mercadoria.é a representação da mercadoria, anterior a seu consumo, que garante este engano. na propaganda a t.v.lcd é assistida por uma família branca e feliz, por um casal de belos jovens sorridentes; ela está em uma sala de estar limpa, bem arrumada e bem iluminada; de design leve e discreto, mas refinado e aconchegante; mobília moderna.o descompasso entre a representação da vida idealizada e a miséria concreta da vida cotidiana se expressa na permanência da infelicidade, apesar da aquisição do objeto que une um mundo e outro.

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1- hoje em dia a internet banda larga mudou em muito a percepção dos jovens de classe média sobre as coisas...o onanismo intensivo sobre uma mesma revista, conseguida com certos donos de banca capazes de fazer vista grossa a consumidores menores de idade, já é coisa do passado. os sites pornográficos instituem o onanismo extensivo - em oposição ao intensivo: não se tem a oportunidade de criar relações afetivas com fotos e vídeos específicos. não é necessário, há updates diários. quantidade, qualidade, variedade e facilidade de acesso: fim do softcore-sem-vergonha-insuficiente-repetido.

2- a prática generalizada do uso de celulares é mais que comodidade: é extensão da jornada de trabalho, em tempo integral. um homem de meia idade, funcionário bem sucedido de uma empresa nacionalmente reconhecida, volta para casa ao fim do expediente. a qualquer momento, entretanto, ele pode ser contatado em seu celular - como também por e-mail, cuja função é a mesma - para resolver algum eventual problema. ele não reclama: (acha que) ganha bem e deve retribuir com trabalho. concepção invertida do mundo.

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1. os miseráveis totais dividem suas funções sociais pelo critério sexual. percebi que só há mendigos homens, as mulheres no mesmo grau de miséria viram prostitutas. os mendigos se juntam em muitos debaixo do viaduto, caídos pelo chão. estar bêbado constantemente é condição para suportar a existência. para comprar álcool, eventualmente apelam à compaixão de algum cidadão passando apressado e enojado por entre eles. por ser vagabundo, bêbado e sujo, o mendigo enoja e ofende o cidadão. o mendigo, então, não é o bandido; em geral não tem condições nem para roubar. é o excluído completo. o mendigo não é também o moleque de rua, que intimida a classe média, apenas pelo jeito mal encarado, pelo linguajar inadequado. a presença do moleque de rua estraga as compras de natal de uma hipotética família recém formada. um casal feliz, a caminho do shopping, é constrangido a explicar ao filhinho, qual triste acaso produziu aquele bandido mirim que pede moedas no semáforo.2. o motorista do ônibus diz ao cobrador:- quando eu era criança, minha mãe dizia, "estuda, menino...pra não virar motorista". mas eu ia na escola só pra tomar sopa..3. émile zola mostrou a irracionalidade da exploração capitalista (o germinal): os trabalhadores da mina de carvão sofrem pelo trabalho difícil e pela miséria que sua baixa remuneração confirma.porém, o patrão, dono da mina, reflete sobre a miséria de sua vida porém, o patrão, dono da mina, reflete sobre a miséria de sua vida burguesa, cercada de privações, sentimentos reprimidos, a traição da esposa: o burguês, então, inveja a vida sofrida de seus mineiros, que apesar de tudo, tem suas diversões sexuais após o trabalho.4. louis althusser explica que a continuidade das relações de produção capitalistas se deve a inserção da ideologia burguesa em todos os níveis da vida concreta. isso explica porque os trabalhadores vivem miseravelmente e não se revoltam. porque essa ideologia garante que permaneçam na mesma condição: uma condição que não permite enxergar claramente a natureza da exploração em que vivem. a ideologia burguesa reveste a exploração, com expressões jurídicas, religiosas, políticas, etc. com isso o pobre acha que é pobre porque não fez por merecer, e acredita que a riqueza do rico justifica-se pelo argumento oposto.porém, althusser acha também que a ideologia burguesa não é uma forma com a qual a burguesia conscientemente engana os trabalhadores. a ideologia burguesa é uma forma de entender a realidade, cujos pressupostos são tidos como verdadeiros apenas pelo fato de ser a ideologia dominante. a organização do mundo a partir de uma concepção ilusória, ideológica, portanto, faz com que o próprio burguês viva uma vida sem sentido, apenas reproduzindo as condições de exploração, pela manutenção dos privilégios de sua classe e manutenção da precariedade da sobrevivência da classe trabalhadora.

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a cidade é a expressão da luta do homem contra a natureza: as casas, a luz elétrica, o traçado planejado das ruas, são a vitória do homem contra a natureza externa, ou seja, a floresta, os animais, a escuridão, a falta de alimentos, a morte precoce ou súbita. as casas, a luz elétrica, o traçado planejado das ruas, também são a vitória do homem sobre sua natureza interna, pois além do mais, é isso que dá ao homem "civilização e polidez", como diz carlos stevenson. as ruas e estradas bem pavimentadas permitem que a força de trabalho se desloque de forma mais eficiente, portanto menos dispendiosa - o mesmo quanto às mercadorias que produz. o homem é o que consome. as mercadorias - livros, dvd, alimento, drogas (cerveja, etc) - chegam em abundância e preço acessível às estantes do supermercado; a luz elétrica permite o prolongamento das atividades após o pôr do sol. é graças às casas, a luz elétrica, ao traçado planejado das ruas que o homem cria uma nova sensibilidade que das ruas que o homem cria uma nova sensibilidade que afasta de seus olhos, narizes e mãos aquilo que nele há de animal, de escuridão, de floresta.a nova sensibilidade ensina ao homem que é normal/natural chocar-se e sentir náuseas e medo diante de certas coisas. sem esgoto e água encanada, para além das dificuldades com a manutenção da saúde, o homem muda sua relação consigo mesmo: a forma como o homem moderno pensa a si mesmo depende 1- do fato de que a privada de seu banheiro leve embora, imediatamente e sem nenhum contato, todos os excretas que seu corpo produz, 2-do fato de existir papel higiênico, 3-e do hálito fresco garantido pelo hábito cotidiano de escovar os dentes usando para isso a liberdade de escolher o creme dental que mais lhe agradar; uma menina de classe média, 19 anos, universitária, não pode deixar de se sentir a pior pessoa do mundo, caso não possa tomar pelo menos dois banhos por dia.

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largar tudo e sair pelo mundo não tem nada de fácil. a sociedade é, mais ou menos intencionalmente, organizada de modo a evitar que isso aconteça. ("mais ou menos intencionalmente" porque, quem organiza a sociedade? - faz sentido a pergunta? a resposta é óbvia?). ou seja, o tipo de vida atual é continuamente reproduzido: de pai para filho, geração para geração, etc. é reproduzida a miséria, a mediocridade, certos valores, certo padrão indispensável de vida/consumo, preconceitos. o tipo de vida é reproduzido, as relações de produção são reproduzidas (não necessariamente nessa ordem, talvez).a maior parte dos rebeldezinhos filhos da classe média um dia acha seu lugar, sua função social, seus reais interesses de classe. esses rebeldezinhos, cuja rebeldia começa ouvindo nirvana ou ramones (coisas mais ou menos da minha geração. hoje em dia não tenho a menor idéia. nxzero, fresno...) depois evolui para uma tatuagem ou um piercing, mais cedo ou mais tarde largam a estética vazia da rebeldia - "quando eu era moleque fazia cada bobagem..." - e reproduzem o caminho de moleque fazia cada bobagem..." - e reproduzem o caminho de seus pais, em busca da vida estável.a vida estável... se algum dos rebeldezinhos realmente fosse um dia capaz de sair pelo mundo, sem desistir, ele ofenderia a liberdade da sociedade dos homens de vida estável. é o que jack nicholson diz a dennis hopper, em um certo momento, fumando maconha, deitados debaixo de uma árvore no meio do nada. jack nicholson representa o filho de classe média que consegue sair pelo mundo. dennis hopper, é algo como um hippie, misturado com motociclista, easy rider, junto com peterfonda. alguém capaz de viver longe das amarras do tipo de vida atual predominante - salário, seguro de vida, serviço bancário, plano de saúde, rg, cpf, carteira de motorista, título de eleitor -seria um insulto ao homem de família, de bons modos, responsabilidade, cuja dedicação garante sua felicidade. mas quem é capaz disso? certamente, assim que eu escrevi a palavra "salário" não restou leitor que ainda me levasse a sério..

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da distância da miséria egoísta de estudante de classe média, ver pela televisão e pela internet a desgraça dos haitianos: a vida cotidiana, monótona e repetitiva ganha acontecimentos na desgraça alheia, muito alheia. a morte em massa de anônimos em um lugar distante, cuja existência e aparência só conheço por fotografias e imagens de televisão, vira motivo de comentário na mesa do jantar. a morte dos haitianos, vista graças ao jornal nacional, é pretexto para que membros de uma família falida possam quebrar o silêncio e iniciar um assunto invariavelmente destinado a não mais que algumas poucas palavras.a pobreza e a desgraça no haiti, como sabemos graças aos livros didáticos, é constante, diária e existe desde sempre. se a pobreza e as condições precárias crônicas de um pequeno país feito por negros fosse diariamente mostrada pela imprensa, não seria, entretanto, motivo para que o brasileiro médio se comovesse, como não se para que o brasileiro médio se comovesse, como não se comove com a existência de favelados em sua própria cidade. os favelados são notícia apenas quando lhes caem do morro os barracos, pelo verão, devido ao aumento das chuvas. a tragédia natural de um terremoto, ou de uma enchente, é entendida como um azar, um triste acaso, ao qual não gostaríamos que ninguém estivesse sujeito. a pobreza é entendida como resultado de incapacidade para estudar, trabalhar honestamente, subir na vida, construir um país próspero. o desastre natural rende imagens espetaculares de destruição, cuja apropriação pela mídia converte-se em meio para conseguir audiência, que atrai a publicidade, que potencializa a venda dos produtos dos fabricantes que podem pagar por bons espaços de propaganda, garantindo destaque no mercado.a pobreza cotidiana é lenta e invisível.

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na verdade, a essa altura eu já não sei mais porque isso me preocupa. desconfio que esse incômodo com as coisas não seja real. às vezes acho que a incoerência entre as palavras e as ações demonstra que toda minha crítica não passa de exercício de lógica. a escolha dos objetos que eu identifico como dignos de atenção, não passa de reprodução do que é possível ao olhar academicamente domesticado. a forma como descrevo as coisas não passa de reprodução do que é possível fazer com palavras academicamente compreensíveis. então, assisto estupidificado pela t.v. uma bobagem ideológica qualquer como essa propaganda...penso em escrever. me revolta que um publicitário burguês ganhe dinheiro produzindo uma noção equivocada a respeito da divisão do trabalho, ainda mais quando sua arte serve a um banco! então escrevo. me revolta?enquanto a úlcera não perfura meu estômago e a idade não permite o derrame cerebral, vejo no intervalo do jornal nacional, o bradesco dando a resposta para um mundo nacional, o bradesco dando a resposta para um mundo melhor feito de trabalho. o café é um "ritual" na vida do trabalhador brasileiro. a trabalhadora que acorda "bem cedinho" e fica satisfeita apenas pelo elogio do café feito por ela. o brasileiro não vive sem o café. talvez seja assim mesmo. que mal tem? acorda cedo, toma o café, "nossa! que café gostoso!", "é! fui eu que fiz!" sim. é isso. minha implicância é gratuita, injustificada e deslocada de questões subjetivas.então, aprendo até o fim: a moça que serve o café para que os brasileiros consigam trabalhar, o cara que planta o café, o cara que prova o café, o cara que moe e torra o café. todos juntos, todos orgulhosos de produzir o café de melhor qualidade, o café brasileiro que se toma no mundo inteiro. salários e condições de trabalho diferente são detalhes, todos trabalham juntos e dependem um do outro. todos estão dedicados para fazer o seu melhor e conseguir...um produto competitivo no mercado.

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um mendigo dormindo em um banco de praia em santos. classifico como mendigo um certo tipo sempre sujo e bêbado que dorme na rua em pleno dia. será que ele se entende como mendigo? talvez para ele isso não seja uma questão. quero dizer, isso de classificar os tipos e a si mesmo. as coisas vão se encaixando: "a gente vê na cara quem é bandido", "esse aí só pelo jeito é vagabundo". para um pai de família de classe média, meia idade, bem sucedido profissionalmente, classificar é uma questão. mais que isso, é um instinto que preserva sua segurança e seu bom gosto. o que me autoriza a ver alguém na rua e classificar como mendigo/bandido/vagabundo? são as marcas que ele trás na cara e no jeito. por essas marcas sei se estou passando perto 1- do mendigo/bandido/vagabundo, 2-do trabalhador, simples, honesto, humilde, pobre mas inofensivo, 3- ou do meu igual. a classe média gosta do trabalhador que luta pelo pão de cada dia. ele é um exemplo de superação, exemplo de que a pobreza não justifica o crime. ele é um tipo contra o qual o pobreza não justifica o crime. ele é um tipo contra o qual o homem de classe média bem sucedido pode exercer sua superioridade tratando-o como aquele cuja obrigação é servi-lo bem, "se quiser subir na vida". já o mendigo/bandido/vagabundo é uma ameaça completa, contra o qual é preciso recorrer à polícia. o mendigo/bandido/vagabundo não ocupa nenhuma posição em que necessite servir para garantir algum privilégio: da postura humilde de quem pede esmola, passa rápido à violência do roubo.um mendigo dormindo em um banco de praia em santos. chega o policial de bicicleta, apoia o pé na ponta do banco e acorda o mendigo, "você comprou o banco?" o mendigo deixa de deitar-se e fica sentado.

(diálogo sobre o fato)- o policial não precisava fazer isso...- humm...o problema é que se deixar, não sobra nenhum banco.

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acho que se acontecesse um campeonato mundial de bolinhas de gude, seria possível conseguir audiência e produzir apaixonados pelo esporte em questão de alguns dias. bastaria a construção de um estádio específico para a prática da bola de gude, e que pudesse acomodar umas 40 mil pessoas. todas as cadeiras seriam ocupadas com a venda de ingressos custando entre 100 e 250 dólares. mas isso não importa. importa que fosse possível instalar umas 20 câmeras e alguns microfones em pontos diversos do estádio, para captar os melhores ângulos e sons. além disso, repórteres esportivos deveriam estar atentos, para entrevistar os técnicos e os jogadores durante o intervalo e o final do jogo.se apartir do campeonato mundial de bolinhas de gude começassem a existir programas para discutir os melhores lances, receber e-mail dos fãs e debater com os jogadores, o jogo de bolinhas de gude estaria a um os jogadores, o jogo de bolinhas de gude estaria a um passo de ganhar definitivamente os corações e os cérebros dos telespectadores. o jogo de bolinhas de gude seria totalmente legítimo e sério quando a mídia esportiva começasse a destacar os melhores jogadores, os gênios da bola de gude. na categoria feminina, destacaria as musas da bola de gude! então os jogadores mais destacados, entre homens e mulheres, seriam exemplo para meninos e meninas do mundo todo. teriam contrato com a nike e a adidas, e a caixa de bolas de gude da nike e da adidas custariam entre 150 e 200 reais, para serem compradas pelos filhos dos burgueses no shopping, enquanto os pobres comprariam no camelô, versões falsetas, de plástico. mas comprariam. as melhores jogadoras de bola de gude do mundo posariam em "ensaios sensuais". talvez com as bolinhas...

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