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yadccpy 00171 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA REGIONAL DA REPÚBLICA DA 1 a REGIÃO Apelação Criminal 1997 .01.00.017140-0/RR Inquérito Policial n. 078/93 Livro 05 Processo 93.0000501~4 (1a. Vara Federal de Roraima) Apelante: Ministério Público Federal Apelados: Pedro Emiliano Garcia e Outros .... 1 . ~ . ~ .. ' f,j \ .... l -·, '"'t ••• l .- : ... .., ····· _, :;.,.., :.,...1 . " :i;, ,v '; ~' , Exmo. Sr. Juiz TOURINHO NETO -Tribunal Regional Federal da 1a. R:egiã~~; ~ "--..1 (O e } e,..., ; 1 :: ... ,.,. c-·i O Ministério Público Federal, nos autos em referência, pelo Procurador Regional da República adiante assinado, vem oferecer razões de apelação criminal, o que faz nos termos que seguem: Razões de Apelação Criminal l, A acusação pública denunciou de Pedro Emiliano Garcia (Pedro Prancheta), Eliézio Monteiro Neri (Eliézer), Waldinéia Silva Almeida (Ouriçada), Juvenal Silva (Cururupu), Wilson Alves dos Santos (Neguinho), 01 em aditamento, Francisco Alves Rodrigues (Chico Ceará) e João Pereira de Morais (João Neto), o cometimento dos delitos de Geunddio, Associação para o Genocídio, Crime de Lavra Garimpeira, Contrabando, Ocultação de Cadáver, Crime de Dano e Crime de Quadrilha ou Bando. A denúncia veio assim ementada: "EMENTA: 1. GENOCf DIO. Tipifica o delito de genocidio a ação de garimpeiros que, com a intenção de destruir a comunidade indígena Yanomami dos Hwaxlmêutherl, provoca a morte violenta de mulheres, crianças e homens; causa lesão grave à integridade física de crianças e adulto; e que submete intencionalmente o grupo a condições de existência capazes de ocasionar-lhe a destruiçãoj 7 física. Lei n. 2.889/56, art.1 o., letras 'a', 'b' e .'.9-J ~ ... 1 ) -~~~·-

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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

PROCURADORIA REGIONAL DA REPÚBLICA DA 1 a REGIÃO

Apelação Criminal 1997 .01.00.017140-0/RR Inquérito Policial n. 078/93 Livro 05 Processo 93.0000501~4 (1a. Vara Federal de Roraima) Apelante: Ministério Público Federal Apelados: Pedro Emiliano Garcia e Outros

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Exmo. Sr. Juiz TOURINHO NETO -Tribunal Regional Federal da 1a. R:egiã~~; ~ "--..1

(O e } e,..., ; 1 :: ... ,.,. c-·i

O Ministério Público Federal, nos autos em referência, pelo Procurador Regional da República adiante assinado, vem oferecer razões de apelação criminal, o que faz nos termos que seguem:

Razões de Apelação Criminal

l, A acusação pública denunciou de Pedro Emiliano Garcia (Pedro Prancheta), Eliézio Monteiro Neri (Eliézer), Waldinéia Silva Almeida (Ouriçada), Juvenal Silva (Cururupu), Wilson Alves dos Santos (Neguinho), 01 em aditamento, Francisco Alves Rodrigues (Chico Ceará) e João Pereira de Morais (João Neto), o cometimento dos delitos de

Geunddio, Associação para o Genocídio, Crime de Lavra Garimpeira, Contrabando, Ocultação de Cadáver, Crime de Dano e Crime de Quadrilha ou Bando.

A denúncia veio assim ementada:

"EMENTA: 1. GENOCf DIO. Tipifica o delito de genocidio a ação de garimpeiros que, com a intenção de destruir a comunidade indígena Yanomami dos Hwaxlmêutherl, provoca a morte violenta de mulheres, crianças e homens; causa lesão grave à integridade física de crianças e adulto; e que submete intencionalmente o grupo a condições de existência capazes de ocasionar-lhe a destruiçãoj 7 física. Lei n. 2.889/56, art.1 o., letras 'a', 'b' e .'.9-J ~ ... 1

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2. Associação para o Genocídio. Delito autônomo, permanente, que acentua e evidencia a plurissubjetividade ativa para a prática genocida, especialmente presente quando cometida por particulares. Lei n. 2.889/56, art. 20.

Previsão dessas condutas como crimes hediondos, tornando seus autores insuscetíveis de obtenção de graça, indulto, fiança ou liberdade provisória. Lei n. 8.072/90, art. 1 o.

3. Crime de lavra garimpeira. A extração de substância mineral, sem permissão de lavra pelo órgão federal próprio, configura o delito previsto no art. 21, da Lei n. 7.805/89. Vedação constitucional, ademais, de garimpo em terra indígena (CF, art. 231, § ?o.).

4. Contrabando. Incide no tipo penal do art. 334, caput, do Código Penal, quem interna no país ouro extraído na Venezuela, e quem conduz para fora do território nacional armas e munições, especialmente quando destinadas à manutenção de atividades criminosas.

5. Ocultação de cadáver. O enterro de índios Yanomami, mortos em decorrência de prática genocida, configura o tipo penal previsto no art. 211 do Código Penal.

6. Crime de dano. A deliberada destruição de 2 chaponas de índios Yanomami, com emprego de violência, uso de substância inflamável, e com considerável prejuízo para as vítimas, configura o delito de dano qualificado, capitulado no art. 163 do Código Penal, incisos 1, li e IV.

7. Crime de Quadrilha ou Bando. A associação permanente de garimpeiros, objetivando o cometimento de crime de lavra garimpeira, contrabando e outras espécies delituosas se enquadra na previsão legal do art. 288 do Código Penal.

8. Competência da Justiça Federal brasileira, em razão dos sujeitos ativos do delito de genocídio serem brasileiros, e dos sujeitos passivos serem índios, quando há disputa sobre seus direitos à vida e à segurança, coletivamente »:

considerados, a União Federal, cujos bens e ( l interesses são atingidos." J ,

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Deixaram de ser denunciados outros garimpeiros participantes da chacina de Haximu , ora conhecidos apenas por seus codinomes, GOIANO DOIDO, GOIANO CABELUDO, CAPORAL, CAREQUINHA, PARANÁ ALOPRADO, CEARÁ PERDIDO, GOIANO BOIADEIRO, SILVA, JAPÃO, MARANHÃO URIÇADO, ADRIANO, BARBACENA, SOZINHO, LUIZ ROCHA, PARAZINHO, PEDÃO, BOROCA

li. Necessariamente extensa, a denúncia cuidou de apontar os antecedentes da assim chamada chacina de Haximu, na qual os denunciados vitimaram índios Yanomami Hwaximeutheri .. O aditamento da denúncia, contido a fls. 811/817, sumaria bem os fatos de que são acusados os réus:

"De Chico Cearã e João Neto eram as balsas instaladas no Rio Taboca, afluente do Orinoco, onde iniciaram suas atividades garimpeiras (fls. 2}.

João Neto e Chico Ceará é que fizeram promessas ao Tuxaua Kerrero de que lhe trariam roupas e uma rêde 1 . Chegando o avião contratado por João Neto, e pilotado por Pedrinho 2, não vieram as roupas nem a rêde, gerando no Tuxaua Kerrero irritação, o que fez com que este, juntamente com o índio que lhe fazia companhia, fosse direto ao barraco de João Neto. Não o encontrando (pois estava em Boa Vista), disparou um tiro na direção do garimpeiro Goiano Doido, não o tendo acertado.

A punição aos Hwaximêutheri, pela atitude de Kerrero, não tardaria a vir, e chegou sob a forma de primeira chacina, a 15 de junho de 1993, que vitimou os índios Geraldo (ou Bauxí), Makuama (ou Makoam), o filho de Waythereoma e Kaperiano (ou Caperiano ou Kaperão, filho de Jacó) , e da qual Reikim escapou com vida. Para isto houve a participação decisiva dos doublês de garimpeiro e pistoleiro Goiano Doido, vinculado a Chico Ceará, e Capara/, ligado a João Neto. Veja-se, a propósito, a denúncia, a tis. 11.

Os índios lanomami Hwaximeutherí, no esforço de vingar os seus irmãos índios mortos, empreenderam expedição de retaliação, da qual resultou morto o garimpeiro Fininho, e ferido o garimpeiro Neguinho e ·1 (Wilson Alves dos Santos, já denunciado). /:/, , / ,

·- 1-vv'<.,•-//_ \._ ~~~~~~~~~~~ ~',;:/ - 1Ver também depoimento de Silvânia Santos Menezes (Silvinha), fls. 214 2Ver depoimento de Pedro Prancheta, fls. 252;

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Os autos demonstram que João Neto e seu cunhado Chico Ceará, inconformados, contrataram alguns pistoleiros3, e deram início às reuniões, para definição do plano de extermínio dos Hwaximeutheri.

Chico Ceará, João Neto, Eliézer, Cururupu e Pedro Prancheta adquiriram munição e distribuíram com os garimpeiros Goiano Doido, Pedão, Neguinho, Parazinho, Ceará Perdido, Goiano Boiadeiro, Japão, Boroca, Maranhão (Uriçado), Adriano, Paraná Aloprado, Barbacena, Goiano Barbudo e Silva. 4

O grupo pernoitou no barraco de Cururupu e, no dia seguinte, Pedro Prancheta e esses garimpeiros, todos firmemente determinados a matar todos os indios, saíram em demanda de Hwaximêu.

O bando varou dois dias inteiros no mato, até alcançar a primeira maloca de Hwaximeu, já quando tinha caído a noite. Vazia. Não entendeu-se porque. Suspeitou-se que os índios estivessem todos na segunda maloca. Também vazia. Decidiu-se ocupá-la para o pernoite. Continuar-se-ia a busca quando o sol raiasse. Amanheceria 23 de julho. 5

Nos tapíris da roça velha, nem todos os Hwaximeutheri se encontravam, só estando refugiadas várias mulheres e algumas crianças. Paulo Yanomami, que já tinha conseguido escapar do primeiro massacre, e Simão Yanomami estavam entre os poucos homens do grupo que permaneceram nos tapiris, onde se encontravam quando os garimpeiros deflagraram o ataque.

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3Manoel José Santos Soares menciona, em seu depoimento (Os. 199t. Também Pedro Prancheta, Os. 252 e 277, citando: Pedão, Parazinho, Boiadeiro e Carequinha. 4Menclonados nos depoimentos de Pedro Prancheta, Os. 252; Juvenal Silva (Cuntruput Os. 222; Silvãnla Santos Menezes (Sllvlnhal fls. 214 e 270; e Maria Dalva Ellaa Pinto, Os. 273. 5Pedro Prancheta, O.s. 252; Basílio Ferreira, fia. 185; Relatório de Bruce Albert, Os. 119. Aliás, a data guarda extrema correspondência com a afirmação da testemunha Antonieta Mota Santos, quando, a Os. 182, afirma que "se não lhe falha a memória, o massacre aconteceu entre o dia 25 de julho a 5 de agosto".

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Simão Yanomami conta:

"Que ainda se encontrava deitado (buruoma), por volta de 10:00 para 11:00 hs, ocasião em que foram surpreendidos pelos ataques dos garimpeiros e o informante levou um tiro do lado direito pegando vários caroços de chumbo na costela, pescoço e trés bem próximos um dos doutros na face, perto da orelha do lado direito e os caroços de chumbo ainda nêo foram retirados, em seguida o informante correu para o mato".6

Esse depoimento guarda absoluta concordância com o prestado por Paulo Yanomami, também presente no local do ataque, e sobrevivente do mesmo:

"Que, no dia seguinte, por volta das 9:00 para 10:00 h, o informante estava deitado em uma rede de casca e no momento ouviu alguns tiros e um garimpeiro atirou em sua direção e e/e conseguiu evitar que o tiro pegasse e no momento em que o garimpeiro estava trocando o cartucho aproveitou para correr, ficando ali à distáncia escondido dentro do mato, ainda na roça velha e dali escutou gritos e muitos tiros e no fínal ouviu os garimpeiros dizendo: "Embora, Embora, Embora"; que, em seguida o informante foi procurar as mulheres, ou seja, chegou até o local onde se encontrava a maioria das mulheres e crianças que tinham safdo dos tapiris de manhã para apanhar frutos, ingás, etc. ; que após os garimpeiros terem saído o informante retornou ao local dos tapiris à procura de sua espingarda e não mais encontrou pois os garimpeiros a tinham levado e naquele momento gritou para a turma de indígenas que estava apanhando íngá, para virem até o local, tendo observado que haviam muitos mortos com marcas de tiros e cortes de terçado na maioria deles, inclusive mulheres e crianças; que entre os corpos estava o de sua filha de trés a quatro anos; .,7

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6Depoimento de fia. 156. 7Depobnento,Os. 142.

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MINISTÉRIO PÚBLICO l<'EDERAL l'ROCl IRADORIA RFUIONAL DA REl'l 1111.ICA DA J' REOL\O

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Waythereoma Hwanxima, mulher índia dos Hwaximeutheri, que se encontrava na festa na maloca do Simão (Makayuthen), e foi avisada do ataque, conta o que viu, quando chegou aos tapíris: "Que, com a notícia de que os garimpeiros atacaram os indígenas que ficaram nos tapíris onde, segundo as mesmas, haviam muitos mortos, naquela oportunidade abandonaram a festa, unicamente os Hwaximeutheri, que haviam deixado seus familiares nos tapiris , inclusive a informante e ao anoitecer chegaram próximo ao local e acamparam e não foram até o /oca/ dormir, em vista que não queriam ficar olhando seus parentes mortos; que no dia seguinte, foram até o local onde os corpos foram todos identificados e em seguida cremados em diversas fogueiras; ,e

Waythereoma Hwanxima pode constatar, ainda, que "nos corpos das vítimas havia perfurações de chumbo, balas de revólver, golpes de "terçado" (facão) e que quase todos eles estavam cortados por quase todo o corpo". 9

A narração dos fatos, pelo lado dos índios, que foram vítimas, é absolutamente fidedigna, tendo sido inteiramente confirmada a partir do depoimento dos garimpeiros.

O próprio Pedro Prancheta, que participou da chacina, revelou: "Que, no dia seguinte, saf ram por volta das 7:DD hs e só retomaram após três dias e o reinquirido conversou pessoalmente com "Japão" e este por sua vez lhe contou que salram em direção às malocas, que eram em número de duas, uma próxima da outra e lá chegando não tinha nenhum índio, tendo então eles dormido ali e no dia seguinte pela manhã saíram no rastro dos fndios e após três horas de caminhada encontraram umas barraquinhas no meio da mata e ali estavam os índios, onde haviam algumas crianças brincando, ocasiiJo em que os garimpeiros ficaram todos de um lado e atiraram por alguns minutos matando todos que ali se encontravam, tendo também sabido, através de "Japão", que "Goiano doido •• meteu a faca numa criancinha e ele só ouviu e/a gritar e logo após saíram todos correndo com medo dos outros lndíos em direção às malocas e na ocasião atearam fogo nas mesmas, antes porém deram vários tiros em panelas e em tudo que viam pela frente e em seguida retornaram aos seus barracos".1 O

8Depobnento,Os. 136. 9Jdem, Os. 136. lOoepoimento, Os. 252.

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Silvânia Santos Menezes, conhecida por Si/vinha, cozinheira do garimpeiro João Neto, confirma as palavras de Pedro Prancheta:

"Que, quando eles retornaram disseram aos demais garimpeiros, bem como à declarante que eles teriam ido primeiro na chapona e lá não haviam achado ninguém e saíram dali e encontraram os índios e segundo eles mataram uns vinte, entre homens, mulheres e crianças; que, segundo eles, quem começou a atirar foi "Goiano Boiadeiro" e depoís todos atiraram; que, gostaria de esclarecer que ouviu os garimpeiros dizerem que na chapona arrumaram as panelas, deram vários tiros e depois atearam fogo nas mesmas e de lá salram à procura dos lndios; que presenciou "Goiano Boiadeiro" dizer: "que havia uma criança deitada numa rede e ele enrolou a criança em um pano e meteu a faca de um lado para o outro"; 11

Realizada a missão de extennlnlo, e destruidas e queimadas as 2 yano ( chaponas ), retornaram os garimpeiros para os seus barracos, comunicando aos que os aguardavam o "êxito" da incursão assassina.

Os Hwaxlmeutheri retornaram da colheita de frutos e da festa na maloca do Simão, e cuidaram de identificar e chorar seus parentes mortos.

7. O conhecimento público da chacina se deu a partir do dia 18 de agosto de 1993. Quando os garimpeiros tomaram conhecimento, através da Rádio Nacíonal da Amazônia , de que o fato fora descoberto, iniciaram sua dispersão, fugindo a partir da pista clandestina Raimundo Nenen velha, e dali para a cidade de Boa Vista (RR).12 João Neto, Chico Ceará, além de Pedro Prancheta, Pedâo, e Goiano Doido, foram reconhecidos quando fugiam.

11Depolmento, fls. 214. 12Ver depoimento de Sllvõ.nia Santos l'Jlenezes (Sllvinha), Os. 214, e de Basílio Ferreira, Os. 185.

8. João Neto e Chico Cearã tiveram participação ativa em todas as práticas delituosas narradas na denúncia, e agora rapidar nente sumariadas. Donos de balsas no Rio Taboca, ma, ninharn estreita ligação com Pedro Emiliano Garcia, o Pedro Prancheta, para garantirem juntos o suprimento de mantimentos e ranchos para seus garimpas, bem assim armas e munição para ataques e defesas. <.

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Contrataram o lançamento de mantimentos, armas e munição, aguardado pelo Tuxaua Kerrero - que esperava receber sua rede -, no campo de pouso da pista Saddan Hussein, tendo Pedro Prancheta presenciado a frustração daquele, com o descumprimento da promessa.13

Dos garimpeiros que participaram do segundo massacre aos Hwaximeutheri, Goiano Doido, Pedão, Parazinho e Japão eram ligados aos mesmos, e deles receberam armas e munição. 14 São autores intelectuais da segunda seqüência de atos genocidas, e da destruição das malocas, praticando em co-autoria o crime de dano qualificado.

Além de terem concorrido com o crime de ocultação de cadãvares, praticaram ainda os crimes de contrabando, pois traziam da Venezuela ouro para o Brasil, e daqui levavam armas e munição."

Ili. A denúncia foi julgada parcialmente procedente. A sentença recorrida conclui:

"Comprovada, assim, a materialidade e autoria dos crimes de genocídio e dano qualificado, em relação a JUVENAL SILVA (VULGO CURURUPU), FRANCISCO ALVES RODRIGUES (VULGO CHICO CEARÁ), JOÃO PEREIRA DE MORAIS (VULGO JOAO NETO), ELIEZIO MONTEIRO NÉRI (VULGO ELIÉZER), PEDRO EMILIANO GARCIA, ficam os mesmos condenados nas respectivas penas, que passo a dosar."

"Assim, em vista de todo o exposto, bem como de tudo o mais que dos autos consta ABSOLVO OS ACUSADOS DOS CRIMES DE LAVRA GARIMPEIRA ILEGAL, com base no art. 386, inciso Ili do Código de Processo Penal. ABSOLVO-OS, Também DO CRIME DE CONTRABANIJO OU DESCAMINHO, com base no artigo 386, inciso li ABSOLVO, TAMBÉM OS ACUSADOS DO CRIME DE OCULTAÇÃO DE CADÁVER, com base no artigo 386, inciso IV. Ficam também os acusados ABSOL V/DOS DO CRIME DE FORMAÇÃO DE QUADRILHA OU BANDO, dada a incidência do art. 386, inciso li do Código de Processo -·- Penal. .,, -"1 ( \

---------- · ,,,j ,:te',/~-\• ) 13Ver depoimento de Pedro Prancheta, Os. 277; ··-·- · ~ - · 14Ver Nota 38, folha 12 da denúncia. ·

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Também ABSOLVO WALDINÉIA SILVA ALMEIDA E WILSON ALVES DOS SANTOS DOS CRIMES DE GENOCÍDIO, DANO E ASSOCIAÇÃO PARA O GENOCIDIO, com base no artigo 386, inciso IV do código de processo penal. Finalmente, CONDENO PEDRO EMILIANO GARCIA, a 20 (vinte) anos de reclusão, e mais 6 (seis) meses de detenção, devendo a pena ser cumprida, integralmente, em regime fechado, tendo em vista o disposto no artigo 1 ~ parágrafo único, combinado com artigo 2 ~ §§ 1 º e 2 º da Lei nº 8.072190 (lei de crimes hediondos), iniciando­ se pela pena de reclusão; ELIÉZJO MONTEIRO NERI, a 19 (dezenove) anos e 6 (seis) meses de reclusão, e mais 6 (seis) meses de detenção, devendo a pena ser cumprida, integralmente, em regime fechado, tendo em vista o disposto no artigo 1 ~ parágrafo único, combinado com artigo 2~ §§ t=e 2ºda Lei nºB.072190 (lei de crimes hediondos), iniciando-se pela pena de reclusão; JUVENAL SILVA, a 19 (dezenove) anos e 6 (seis) meses de recluslJo, e mais 6 (seis) meses de detenç§o, devendo a pena ser cumprida, integralmente, em régime fechado, tendo em vista o disposto no artigo 1 ~ parágrafo único, combinado com artigo 2 ~ §§ 1 º e 2º da Lei nº 8.072190 (lei de crimes hediondos), iniciando-se pela pena de reclusão; FRANCISCO ALVES RODRIGUES a 19 (dezenove) anos e 6 (seis) meses de reclusão, e mais 6 (seis) meses de detenção, devendo a pena ser cumprida, integralmente, em regime fechado, tendo em vista o disposto no artigo 1 ~ parágrafo único, combinado com artigo 2 ~ §§ 1 ° e 2 o da Lei n º 8. 072190 (lei de crimes hedjondos), iniciando­ se pela pena de reclusão e JOAO PEREIRA DE MORAIS a 19 (dezenove) anos e 6 (seis) meses de reclusão, e mais 6 (seis) meses de detenção, devendo a pena ser cumprida, íntegra/mente, em regime fechado, tendo em vista o disposto no artigo 1 ~ parágrafo único, combinado com artigo 2 ~ §§ 1 ° e 2 ° da Lei n ª 8.072190 (lei de crimes hediondos), iniciando­ se pela pena de reclusão. Sem custas e nem honorários. Publique-se, registre-se e intimem-se. Expeçam-se os mandados de prisão. Boa Vista, Roraima, terça-feira, 2 de setembro de 1997.

ITAGIBA CA TTA PRETA NETO Juiz Federal Substituto

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A sentença recorrida absolveu os todos os réus das acusações de associação para o genocídio, crime de lavra garimpeira, contrabando, ocultação de cadáver, e de formação de quadrilha ou bando; e absolveu WALDINEIA SILVA ALMEIDA E WILSON ALVES DOS SANTOS DOS CRIMES DE GENOCÍDIO, DANO E ASSOCIAÇÃO PARA O GENOCÍDIO.

É contra essas disposições da sentença que o Ministério Público Federal recorreu, e ora faz juntar suas razões de recurso.

Materialidade dos fatos

IV. Considerações processuais sobre a materialidade dos fatos. A regra no direito adjetivo penal brasileiro é que

quando a infração deixar vestfgios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, sendo certo que não pode supri-lo a confissão do acusado (CPP, art. 158).

Entretanto, o próprio Código de Processo Penal esclarece que, não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta. (art. 167)

O Supremo Tribunal Federal teve oportunidade de examinar tais situações em diversos julgados:

"O exame de corpo de delito indireto supre o direito, como dispõe o artigo 167 do CPP". 15

"Exame de corpo de delito. Corpo de delito indireto. Prova testemunhal. O exame de corpo de delito indireto supre o direto, como dispõe o eit. 167 do CPP."16

"Processo Penal. O ett. 158 do Código de Processo Penal exige exame de corpo de delito direto ou indireto, quando a infração deixar vestígio, mas o art. 167 lhe contempera o rigor, dizendo que, quando não for possível o exame do corpo de delito, por haverem desaparecidos os vestígios, a prova testemunhal poderia suprir-lhe a falta. Precedentes do Supremo Tribunal Federal (RTJ 8911101" 17 1

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15 RHC Recurso de Habeas Corpus 52058 MG; Relator Ministro Amõnío Ncdcr Julgamento l2 de Março de 1974 2" T.; DJ 17.5.7-l 16 RHC 56861 Relator MlnL"ltro Rafael Mayer; t-. T., Julg. 13.3.1979, Ementárlo do STF Vol. 1134, pâg. 196. 17 RHC 60270 PE Relator Ministro Alfredo Buzaid; r-. T., julg. 24.9.82, R'rJ 103/ 1040.

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E, recentemente, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça acompanhou tal entendimento:

"Habeas Corpus. Lesões corporais. Corpo de delito indireto. Desaparecidos os vestígios, é perfeitamente passivei o exame de corpo de delito, de forma índireta, através da prova testemunhal, como previsto nos artis. 158 e 167, do Código de Processo Penal' .18

GENOCIDIO (1o. Ato) e Ocultação de Cadãveres.

V. O Ministério Público chama a atenção de V. Exa. para a descrição do Genoc(dio narrado na inicial, e reiterado nas Alegações Finais (fls. 10/19 e fls.1098/111 O ).

A denúncia narra como no dia 15 de junho 19, os índios Paulo Yanomam;20 , Reikim (ou Reireia), Makuama (ou Makoam), Geraldo (ou Bauxi) e seu irmão Caperiano (Kaperiano ou Kaperão), e o filho de Waythereoma foram ao barraco de Pedro Prancheta, e como foram seguidos por 7 garimpeiros (Goiano Doido, Caporal, Carequinha - também conhecido por Careca, Goiano Cabeludo - também conhecido por Goiano Barbudo - Paraná Aloprado, Luiz Rocha e Uríçado Branco21 ). Estes aproveitaram um momento propício e um deles segurou a espingarda de Geraldo (ou Bauxi) com uma das mãos, enquanto, com a outra disparava um tiro em Geraldo, com a espingarda que ele garimpeiro portava, atingindo-o um pouco abaixo do peito.

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18 HC 1257 /92-PE, Relator Ministro José Cândido, 6•. Turma, Julg. 10.8.92. RST J 39 / 222. 19Ver depoimento de Maria Dalva Elias Pinto, Os. 273. 20Em nenhum momento os garimpeiros revelatn conhecer os índios pelos seus nomes. Esses dados foram foniecldos pelo próprio Paulo Yanomaml, em seu depoimento. Os. 139. 21 Mencionados noe depoimentos de Pedro Emiliano Garcia (Pedro Prancheta), fls. 252, Juvenal Silva (Cnrurupu), fls. 267, Sllvânia Santos Menezes (Sllvlnha), fls. 270, e Maria Da1va Elias Pinto, Os. 273.

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A prova testemunhal demonstra a veracidade dessas afirmações. É de Paulo Yanomami, que sobreviveu para contar22_ O depoimento, prestado na fase policial, foi inteiramente confirmado perante a Justiça Federal (fls.754 e 755):

" ... que os garimpeiros atacaram os índios em local de mata muito cerrada, na hora do almoço, não tendo os índios para onde escapar; ( ... ) foram mortos no tocai Makuama, Geraldo e o filho de Waetereoma além do lndio chamado Capiral, filho de Jacó que foi morto na água dentro do rio e cujo corpo não foi localizado; •

Nessa emboscada morreram os índios Geraldo (ou Bauxi), Makuama (ou Makoam), o filho de Waythereoma e Kaperiano (ou Caperiano, Kaperao, ou Capiral, filho de JacóJ. Reikim escapou com vida, e foi encontrado no dia seguinte por Paulo Yanomami e outros índios por este convocados. Estava ferido, e foi orientado a voltar à maloca.

O garimpeiro Caporal voltou para o barraco de João Neto à tarde desse dia, trazendo a notícia da morte dos índios. Os demais garimpeiros participantes da chacina cuidaram de ocultar os cadáveres. Concluído aquele trabalho, só regressaram no começo da noite. Si/vinha e Eva, cozinheiras de João Neto, e Maria Dalva, cozinheira de Chico Ceará, foram de imediato ao local, e, lá chegando, encontraram 3 índios mortos a tiros.23

É de Si/vinha o seguinte registro:

"Que presenciou Careca dizer que, quando estavam matando esses quatro índios, um deles se abaixou e colocou as mãos no rosto e disse: "Garimpeiro amigo! e Careca deu um tiro bem no rosto dele". 24

Silvinha também prestou depoimento na Justiça. A fls. 1080 dos autos é possível ler:

"que teve conhecimento de que João Neto havia prometido umas redes para os índios; que essa promessa não fora cumprida; que por causa disto os índios e os garimpeiros estavam se desentendendo; que os garimpeiros relataram à .. depoente que, com medo dos índios. haviam { , matado alguns índios". /) . \

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23Depolmentos de Sllvânla Snntos Menezes (Sllvlnha), fls. 214, Eva Alves de Souza (Evlnhal, fis. 219, e l\1arla Dalva Elias Pinto, fls. 273. 24sUvinha, fls. 214, e fls. 1080.

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Eva Alves de Souza também confirmou tudo isto em seu depoimento perante a polícia (tis. 219), posteriormente ratificando em juízo.

Maria Dalva depôs na fase do Inquérito Policial. Não foi localizada para ser ouvida na Justiça. Mas seu depoimento, prestado na presença de 2 testemunhas, e do Procurador da República que acompanhava o Inquérito, é esclarecedor: Ela narra a visita dos índios ao barraco, fala acerca do bilhete, e de como os índios foram seguidos, quando já retornavam para suas malocas. E revela:

"que t§o logo Caporal chegou ao barraco e disse que haviam matado os índios, em razão disso a declarante, juntamente com Eva e Ouriçada, foram até o local onde os f ndios estavam mortos e lá chegando viu trés lndios mortos, estando todos eles de bruços, todos mortos a tiros"; (tis. 274).

Os depoimentos prestados por Paulo lanomami, por Silvania Santos Menez,es, e também Eva Alves de Souza, indicam que, após as mortes, os garimpeiros ocultaram os cadáveres. E, entre os demais garimpeiros da região, o fato passou a ser conhecido como um dado banal. 25 Estes, entretanto, foram posteriormente localizados pelos índios, que os recuperaram, para celebração do ritual de cremação.

Genocídio (2°. Ato) e Crime de Dano.

VI. Os Hwaximéutheri realizaram expedição de retaliação, juntamente com guerreiros representantes os Homoxitheri, os Makayutheri e os Toumahíthen.26

Chegaram ao barraco de Pedro Prancheta, onde estavam os garimpeiros Neguinho (Wilson Alves dos Santos) e Fininho. Neguinho punha feijão para cozinhar e abanava o fogo, quando ouviu disparo de espingarda. Fininho, foi atingido por um tiro. Os demais garimpeiros que se encontravam no barraco fugiram: Casagrande (Dejacy Oliveira de Souza), Boroca e Fagúio. Neguinho foi atingido no ombro por novos disparos mas conseguiu esconder-se no mato, até que seus \ companheiros retornaram à noite, e o socorreram.27 ,.//~, . , 1

,~'·l c-./1 L - .J I 25 Veja~se o depoimento de Pedro Basílio perante a Justiça (fls. 957). -- ~ i 26Dos Hwvdmiiutberl pattlclparam Ueleal, Davi, Aburão, Kerrero e Paulo; dos HomOJdtherJ seguiram Macwd, Abiana (1) e Abiona (11) , o marido de Manihlkethereyoma, Sabão (ou Japãot, Rumá, Manoel, Baral; dos Maknyut.here foram Chico e Raimundo; e dos ToumabJt/Jerc, Rlhod e Kaalk.ekolta. Depoimento de Paulo Yanomaml, Os. 142. 27As informações são prestadas pelo próprio Neplnho (fls. 93/94), corroborado pelo depoimento de Casagrande (Os. 95 ), Pedro Prancheta (Os. 252).

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Neguinho foi carregado, dentro de uma rede, até a pista Raimundo Nenen velha, para apanhar um avião, para Boa Vista.28 Fininho foi enterrado ali mesmo, dentro do barraco de Pedro Prancheta.

João Neto e seu cunhado Chico Ceará contrataram alguns pistoleiros29, e deram início às reuniões, para definição do plano de extermlnio dos lndios Hwaximeutheri ..

A testemunha Manoel José Santos Soares, depondo perante a Polícia, narrou que

"a conversa que correu no garimpo é que "Chico Ceará", João Neto e Cururupu levaram uma turma para fazer a segurança deles e qualquer coisa matassem os lndios todos da maloca; que ·chico Ceará" é cunhado de João Neto; que antes do massacre viu João Neto na pista Velha de Raimundo Nenen, quando este saltou do avião, aarregando uns vinte quilos de munição entre cartuchos, balas de revólver e 765 e que o mesma as levava num 'Jamaxin" (sacola de garimpeiro)'~ (tis. 200);

Tal testemunha foi ouvida perante a Justiça, e afirmou categoricamente que "confirma inteiramente seu depoimento prestado na Policia Federal de tis. 199 e 200 que lhe foi lido neste ato" (tis. 658). E repete, de modo a corroborar o que dissera:

"que, de fato, ouviu comentários na participação do Pará ou Parazinho, Pedro Prancheta e Raimundão no massacre dos índios Yanomami; que presenciou João Neto na pista Raimundo Nenen velha descarregando de um avião munição principalmente carluchos, que se encontravam dentro de um saco;" (f/s. 658).

A franqueza e a honestidade dessa testemunha pode ser medida por sua simplicidade e sua coragem. ao afirmar em audiência "que reconhece Pedro Emiliano Garcia presente nesta audiência, era conhecido como Pedro Prancheta". (fls. 659). O réu Pedro Ernilisno ' J Garcia vinha negando até essa sua identidade! . 1

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28 Além dos depoimentos citados, o garimpeiro Aldo José- Morais Barros (Os. ' 189) dá notícl• de sua saída, nessas condições. Pedro Basílio, perante a Justiça, tambéui afirma ter visto Negulnho passando para a pista, em busca de socorro (Os. 956). 29Manoel José Santos Soares menciona, em seu depoimento de Os. 199, expressamente confirmado no depoimento judicial a fls. 658. Tunbém Pedro Prancheta, Os. 256, citando: Pedão, Pa.razinho, Boiadeiro e Carequinha.

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Há prova, portanto, r,r- ·1 mando a denúncia, de que Chico Ceará, João Neto, Eliézer, Cu 1pu e Pedro Prancheta adquiriram munição e distribuíram com os ,:,rimpeiros Goiano Doido, Pedão, Neguinho, Parazinho, Cearã Perdic'ti), C.,oiano Boiadeiro, Japão, l:loroca- Maranhlo (Uriçado), Adriano. Jaraná Aloprado, Barbacena, oo,ano Elarbudo e SUva. 30

twe1·n seguinte, Pedro Prancheta determinados a matar torln~ e .. : ..• ;~.,.

barraco de Cururupu e, no dia ga1 irnpeiros, todos firmemente

-··~iram em demanda de Hwaximlu, portando as seguintes an r

.. 'Arma

----~ Garimpeiro .. --- -------

Pedro Prancheta Espingarda 2U e Revólver 38 - . - Goiano Doido Esoinaarda 12 de 2 canos , irn Revólver 38 Pedão Esoinaarda 12 serrada Neguinho Esoinaarda 20 e Revólver 38 Parazinho Espingarda 20, Revólver 38, 2 facões Ceará Perdido Esoinoarda 20 e um facão Goiano Boiadeiro Esoínaarda 20 e uma faca Japão Esoinoarda 12 lonaa, e um Revólver 38 Boroca 2 Espingardas 20 e Revólver 38 Maranhão "Urlcado" Espingarda 20 Adriano Revólver 38 Paraná Aloprado Espinaarda 20 Barbacena Espingarda 20 e Revólver 38 Goiano Barbudo Espinaarda 20 Silva Espinoarda 20

Essas informações, aliás, foram confessadas por Pedro Prancheta, quando de seu depoimento de fls.255:

"Que, no dia anterior à saída dos garimpeiros, se reuniram à tarde não sabendo informar em que barraco e à noite dormiram no barraco de Chico Ceará que fica mais embaixo, inclusive Chico Ceará é cunllado de João Neto, tendo no dia seguinte saído os seguintes garimpeiros: "Pedão" (. . .); "Neguinho" ( .. .); "Parazinho" (. . .); "Ceará Perdido" ( .. .); "Goiano Doido" (. . .); "Boiadeiro"(. . .); "Silva" (. .. ); "Cururupu" (. . .); "Japão" (. . .); "Boroca" (. . .); "Maranhão" (. .. ); "Goiano Cabeludo" (../; ( "Paraná Aloprado"; ,, - 1 - _::~:;; t-l,·&. ;( ~- 1

- . ªºMencionados nos depoimentos de Pedro Prancheta, fls. 256; Juvenal Silva {Cururuput Os. 267; Silvânia Santos Menezes (Sllvinhat Os. 214,270, inclusive no depobnento judicial a Os. 1081; e Maria Dalva Elias Pinto, Os. 273. 31Depoimentos de Pedro Prancheta (Os. 252) e Sllvânia Santos Menezes (Silvinhat Os. 214t.

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Sobre a periculosidade de cada um, e as armas que portavam, Pedro Prancheta narra com riqueza de detalhes a folhas 259 e 260 dos autos.

O bando varou dois dias inteiros no mato, até alcançar as malocas de Hweximeu, encontrando ambas vazias. Os garimpeiros decidiram ocupá-la para o pernoite. Continuram a busca no dia seguinte, 23 de julho. 32

Simão Yanomami conta:

"Que ainda se encontrava deitado (buruoma), por volta de 10:00 para 11:00 hs, ocasião em que foram surpreendidos pelos ataques dos garimpeiros e o informante levou um tiro do lado direito pegando vários caroços de chumbo na costela, pescoço e três bem próximos um dos doutros na face, perto da orelha do lado direito e os caroços de chumbo ainda não foram retirados, em seguida o informante correu para o mato". 33

E confirma isso em seu depoimento perante a Justiça Federal (tis. 1078):

"que os garimpeiros, quando chegaram, atiraram no informante; que quando foi atingido o informante fugiu para o mato; que viu que os garimpeiros atiraram em uma criança e em uma moça; que quando fugia ouviu tiros; que os garimpeiros atiraram nas crianças com revólveres; (. .. ) que neste ataque morreram sete adultos, quatro crianças com idade próxima aos cinco anos e uma criança em fase de amamentação; que as vítimas foram mortas com tiros de revólver sendo que depois toram cortados com facão;"

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32Pedro Prancheta, Os. 257; Basillo Ferreira, fls. 185; Relatório de Bruce Albert, Os. 121. 33Depolmento de fls. 156.

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Esse depoimento guarda absoluta concordância com o prestado por Paulo Yanomami, também presente no local do ataque, e sobrevivente do mesmo:

"Que, no dia seguinte, por volta das 9:00 para 10:00 h, o informante estava deitado em uma rede de casca e no momento ouviu alguns tiros e um garimpeiro atirou em sua direção e ele conseguiu evitar que o tiro pegasse e no momento em que o garimpeiro estava trocando o cartucho aproveitou para correr, ficando ali à distância escondido dentro do mato, ainda na roça velha e dali escutou gritos e muitos tiros e no final ouviu os garimpeiros dizendo: "Embora, Embora, Embora"; que, em seguida o informante foi procurar as mulheres, ou seja, chegou até o /oca/ onde se encontrava a maioria das mulheres e crianças que tinham safdo dos taplris de manhS para apanhar frutos, lngé1s, etc. ; que após os garimpeiros terem saldo o informante retornou ao local dos tapiris à procura de sua espingarda e nao mais encontrou pois os garimpeiros a tinham levado e naquele momento gritou para a turma de indfgenas que estava apanhando ingá, para virem até o local, tendo observado que haviam muitos mortos com marcas de tiros e cortes de terçado na maioria deles, inclusive mulheres e crianças;1134

Paulo Yanomami confirma perante a Justiça seu depoimento (fls. 754 e seguintes). Ele disse:

"que estava presente no Tatui [tapiri?] onde se deu o segundo ataque dos garimpeiros; ( .. .) que os garimpeiros utilizaram espingarda e facão; que com facão cortaram crianças, rasgaram redes e outros objetos que se encontravam no caminho; (. . .) que foram mortos neste ataque três (03) filhos pequenos do informante, sendo uma menina de meses, aproximadamente (09) meses, e os outros dois (02) meninos com idade entre um (01) e três (3) anos aproximadamente";

34Depoimento? fls. 139 (144t.

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Waythereoma Hwanxima, mulher india dos Hwaximeutherí, que se encontrava na festa na maloca do Simão (Makayutheri), e foi avisada do ataque, conta o que viu, quando chegou aos ta pi ris:

"Que, com a notícia de que os garimpeiros atacaram os indígenas que ficaram nos tapirís onde, segundo as mesmas, haviam muitos morlos, naquela oporlunidade abandonaram a festa, unicamente os Hwaxímeutheri, que haviam deixado seus familiares nos tapiris , inclusive a informante e ao anoitecer chegaram próximo ao local e acamparam e não foram até o local dormir, em vista que não queriam ficar olhando seus parentes mortos; que no dia seguinte, foram até o local onde os corpos foram todos identificados e em seguida cremados em diversas fogueiras; ,,35

Waythereoma Hwanxima pode constatar, ainda, que "nos corpos das vftimas havia perfurações de chumbo, balas de revólver, golpes de "terçado" (facão) e que quase todos eles estavam cortados por quase todo o corpo11.36

Também ela confirmou perante a Justiça seu depoimento (fls. 753 e 753v.). A narrativa é dramática:

"que entre os índ;os mortos havia uma criança que levou tiros no rosto e que as crianças mortas apresentavam vários cortes de facão inclusive havendo uma partida no meio e havia também uma cabeça cortada no meio com facão; e observou também a informante cortes em braços e pernas das crianças mortas; que também três mulheres e uma criança de doze anos morreram desta ataque dos garimpeiros:" (753v.)

A narração dos fatos, pelo lado dos índios, que foram vítimas, é absolutamente fidedigna, tendo sido inteiramente confirmada a partir do depoimento dos garimpeiros.

35Depoimento, Os. 132 (135J. 36Jdem, fls. 136.

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chacina. revelou: O próprio Pedro Prancheta, que participou da

"Que, no dia seguinte, saíram por volta das 7:00 hs e só retornaram após três dias e o reinquirido conversou pessoalmente com "Japão" e este por sua vez lhe contou que safram em direção às ma/ocas, que eram em número de duas, uma próxima da outra e lá chegando não tinha nenhum fndio, tendo então eles dormido ali e no dia seguinte pela manhã salram no rastro dos lndios e após três horas de caminhada encontraram umas ba"aquinhas no meio da mata e ali estavam os lndios, onde haviam algumas crianças brincando, ocasito em que os garimpeiros ficaram todos de um lado e atiraram por alguns minutos matando todos que ali se encontravam, tendo também sabido, através de "Jap§o", que "Goiano doido" meteu a faca numa criancinha e ele só ouviu ela gritar e logo após salram todos correndo com medo dos outros lndios em direção às malocas e na ocasião atearam fogo nas mesmas, antes porém deram vários tiros em panelas e em tudo que viam pela frente e em seguida retornaram aos seus barracos". 37

Silvânia Santos Menezes, conhecida por Si/vinha, cozinheira do garimpeiro João Neto, confirma as palavras de Pedro Prancheta:

"Que, quando eles retornaram disseram aos demais garimpeiros, bem como à declarante que eles teriam ido primeiro na chapona e lá não haviam achado ninguém e saíram dali e encontraram os índios e segundo eles mataram uns vinte, entre homens, mulheres e crianças; que, segundo eles, quem começou a atirar foi "Goiano Boiadeiro" e depois todos atiraram; que, gostaria de esclarecer que ouviu os garimpeiros dizerem que na chapona arrumaram as panelas, deram vários tiros e depois atearam fogo nas mesmas e de lá saíram à procura dos índios; que presenciou "Goiano Boiadeiro" dizer: "que havia uma criança deitada numa rede e ele enrolou a criança em um pano e meteu a faca de um lado para o outro"; 38 7 .. ~, (

----------- c(" ~t,,1,L. ,'-'} 37Depolmento, fls. 257. _::.;;. 38Depolm.ento.fls.214. ·

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Silvânia Santos Menezes foi ouvida perante a Justiça (fls. 1080). Confirmou na essência seu depoimento, além de revelar que recebeu ameaças de Pedro Prancheta, porque ela "esteve falando demais e falando coisas que não sabia", enquanto ela, depoente, sustentava que "somente estava falando o que sabia11 (tis. 1082).

Perante a Justiça Silvânia disse que

"os garimpeiros relataram à depoente que. com medo dos fndios, haviam matado alguns fndios; que os relatos eram feitos entre os próprios garimpeiros; que a depoente ouvia os relatos enquanto trabalhava; que ouviu os garimpeiros relatando que tinha havido um ataque dos lndios no qual morrera um garimpeiro e outro fora ferido; que os garimpeiros combinaram ir à maloca dos índios para "resolver a situação de um jeito ou de outro"; que alguns garimpeiros foram ao acampamento de JOÃO NETO pedir munição; (. .. ) que depois daquele pedido de munição alguns garimpeiros que foram ao acampamento de JOÃO NETO comentavam que tinham morrido homens, mulheres e crianças nos ataques aos índios;" (fls. 1080).

Realizada a missão de extermínio, os garimpeiros voltaram às duas yano ( chaponas e tendo-as destruído e queimado. Destruiram utensílios. Atiraram em tudo.

Retornaram os garimpeiros para os seus barracos, comunicando aos que os aguardavam o "êxito" da incursão assassina.

Os Hweximeutnet! retornaram da colheita de frutos e da festa na maloca do Simão, e cuidaram de identificar e chorar seus parentes mortos.

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Não puderam, mais uma vez, seguir o ritual completo de tratamento dispensado aos que morrem, mas prepararam fogueiras39, e uuciararn os processos de cremação. Segundo narra Waythereoma Hwanxima

" ... foram feitas duas fogueiras na área dos tapiris e foram cremados um homem numa e uma mulher e sua filha em outra, esclarecendo que a mulher era a idosa, cega, irmão da informante; que recolheram o restante dos corpos e caminharam meia hora, aproximadamente, a pé do local onde foram mortos e lá fizeram outros tapíris, providenciaram lenha para fazer a cremação dos corpos, sendo seis fogueiras, onde foram cremadas as crianças e uma moça e outra fogueira próxima onde foi cremada uma moça mais velha, esclarecendo que nas seis fogueiras foram cremadas cinco crianças e uma moça; que, no /oca/ das duas primeiras fogueiras, onde foram cremados o homem, a velha cega e a criança, deixaram o corpo n,o cremado da fndia dos Homoxitheri, que n•o tinha parentes, entre os que ai/ se encontravam, raz4o pela qual niJo foi cremada, recordando •. se que haviam furos de balas na cabeça e cortes nos braços, barriga, peito, cabeça e pernas; havia tambám um corte profundo do lado direito da face da mesma, tendo a cabeça ficado aberta" ;40

Waythereoma Hwanxima resume, no seu depoimento perante a Justiça, que "os corpos dos índios que estavam despedaçados foram queimados" (fls. 753v.).

Os garimpeiros, comandados por Pedro Prancheta, retornaram incólumes aos barracos de onde tinham partido. E lá permaneceram sem serem importunados.

Pedro Prancheta, João Neto, Pedão, Chico Ceará, Goiano Doido foram reconhecidos quando fugiam. seguindo aquela rota.41 Mais. Apavorados, a essa altura, torçaram preferência para embarque nos aviões com vôos ilegais e clandestinos, chegando mesmo a ( < ameaçar os garimpeiros presentes na pista Raimundo Nenen velha de Que / ) os matariam, se os delatassem. ;/ f lt! '_)

~.,cµi)'---- -- . 39Davl Kopenawa Yanomcuni, dos WlíatorlketberJ, recuperou detalhes da fuga dos Hrrmdmeutbtt.rl e precisou os lugares onde foram feitas as fogueuas, tudo constando de mapa de Os. 163. 40Waythereoma, depoimento, Os. 136/ 137. 41Ver depoimentos de Antonieta Mota Santos, Os. 180; Rabnundo Moreira Silva, Os, 183; Bosillo Ferreira, fls. 185; Antônio Oliveira tCtgarriio), Os. 193; José Carlos Costa, Os. 158.

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O depoimento de Antonieta Mota Santos é bastante incriminador. Ela foi ouvida pela autoridade policial a tis. 180/181 e seguintes dos autos, e disse:

Nota: [a depoente estava no garimpo de Lobão até o dia 29/8/93, quando o deixou, e passou 3 dias na pista Raimundo Nenen, esperando um avião para voltar a Boa Vista - RR; prestou depoimento no dia 2 de Setembro de 1993]:

"que ontem pela manhã [1°. de Setembro] baixou ali uma aeronave que segundo os garimpeiros era pilotada pelo piloto lran tendo vindo com pessoal do Taboca e dois deles estavam envolvidos com o "massacre dos lndios", sendo que a declarante conhece apenas um como Pedro Prancheta e não sabe informar o nome dos demais [viajantes}; ( ... ) que conforme já foi esclarecido anteriormente, está envolvido no massacre dos fndios Pedro Prancheta que na realidade seu nome é Pedro Emiliano Garcia, tendo o mesmo vindo ontem [1°. de Setembro de 1993] com o piloto lran .. ".

O GENOCÍDIO.

VII. A sentença reconheceu a ocorrência de genocídio. Deve ser confirmada nesta particular.

A ação dos garimpeiros contra os Yanomamí de Hwaximeutheri configura o delito de genocídio. Quem usou por primeiro essa expressão foi o jurista R. Lemkin, conceituando como

" O crime de genocídio é um crime especial, consistente em destruir intencionalmente grupos humanos, raciais, religiosos ou nacionais, e, como o homicídio singular, pode ser cometido tanto em tempo de paz como em tempo de guerra .•• 42

Mas são condutas distintas o genocídio, bem assim o conluio para cometer genocídio; a incitação pública e direta ª1 r ( cometer genocídio; a tentativa de genocídio; e a cumplicidade no genocídio(/ h .

·/)' '~ .~ ; (,_C(,1. µ... 1 ----- 42R. Lemkln, Le Crime contra l'bumanlté, le gênoclde, Actas de la VIII Conferencia Internacional para la Unificaclón dei Derecho Penal, Paris, 1949, pág. 174. Citado por Meng-s, Javler Saenz Plpaon y, La Dellncuencla Política Internacional, Instituto de Criminologia, Madrid, 1973, pág. 101.

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Antonieta Mota dos Santos a tis. 180:

"que o motivo desse grupo de garimpeiros ter se reunido para matar os fndios foi em virtude eles estarem roubando as coisas que deixaram nas barracas; (. .. ) que posteriormente os fndios retornaram novamente e atiraram em um garimpeiro conhecido por Lourinho tendo acertado o tiro em uma das mãos, logo em seguida foi que organizaram um grupo grande de garimpeiros e foi quando aconteceu o massacre e segundo os próprios garimpeiros disseram que haviam ficando treze fndios mortos e em seguida eles queimaram as Chaponas ... ".

A mesma Antonieta, perante a Justiça (fls. 1084):

"que ouvia comentários, antes do massacre, sobre problemas causados pelos f ndios; que o último comentário que ouvira fora sobre um tiro que os f ndios haviam dado no NEGUINHO; que os garimpeiros falavam em vingar a morte de seus amigos causada pelos fndíos; ".

E afirmou de modo destacado:

"que não se espantou com a participação de PARAZINHO f no massacre] porque este tinha fama de matar pessoas" (fls. 1085].

Silvania Santos Menezes (tis. 214 ):

"que quando chegou para trabalhar com JOÃO NETO tomou conhecimento, atravésdos Garimpeiros que ali trabalhavam, de que os mesmos mataram quatro índios e fugiu um; (. . .) que os garimpeiros combinaram de que quando os [indios viessem àquela região de garimpo eles iriam matá-los [fls. 215]; (. .. ) que os garimpeiros já tinham saído em destina à Chapona, que fica aproximadamente quase dois dias de varação à pé, os quais tinham como objetivo matar todos os índios daquela 'chapona '; (. . .) que quando eles [ - os garimpeiros - J retornaram disseram aos demais garimpeiros, bem como à declarante que eles teriam ido primeiro na chapona e lá não haviam achado ninguém e saíram dali e encontraram os índios e segundo eles mataram uns vinte, entre homens, mulheres e crian~asJ [fls. 216];" /J / Y)

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Silvania Santos Menezes, perante a Justiça (fls. 1080 e seguintes):

"que teve conhecimento de que JOÃO NETO havia prometido umas redes para os fndios, que esta promessa não fora cumprida; que, por causa disto os índios e os garimpeiros estavam se desentendendo; que os garimpeiros relataram à depoente que, com medo dos lndios haviam matado alguns lndios; ( .. .) que ouviu os garimpeiros relatando que tinha havido um ataque dos índios no qual morrera um garimpeiro e outro fora ferido; que os garimpeiros combinaram ir à maloca para resolver a situaçlJo de um jeito ou de outro; ( ... ) que os garimpeiros comentavam que tinham morrido homens, mulheres e crianças no ataque aos lndios".

Basílio Ferreira (fls. 186} narra que

"no més de julho vários garimpeiros assassinaram um grupo de indios; (. . .) que passado mais de uma semana aproximadamente, um índio deu um tiro na mão de um garimpeiro; ( .. .) que tão logo ocorreu este fato e também os garimpeiros estavam organizando para matar os índios; (. . .) que segundo os garimpeiros mataram quase todos os índios que se encontravam nos Tapiris ... "

Perante a Justiça seu depoimento é cheio de expressões como "expedição de garimpeiros de que resultou a morte de índios"; "ataque aos índios", etc., sempre revelando impessoalidade no vitirnizar esse grupo étnico.

É bom lembrar que, para execução da chacina , o bando de garimpeiros varou a mata durante dois longos dias de caminhada, chegando na primeira chapona já de noite. Vazia. Seguiram até a chapona seguinte, distante cerca de 700 metros apenas. Também vazia. Pernoitaram.

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No dia seguinte, pela manhã, caminharam durante 3 horas, até encontrarem os tapiris. Só havia praticamente mulheres e crianças. Chega a ser dramática a narrativa feita pelo próprio Pedro Prancheta43:

" ... no dia seguinte, pela manhã, saíram no rastro dos índios e após três horas de caminhada encontraram umas barraquinhas no meio da mata e ali estavam os fndios, onde haviam algumas crianças brincando, ocasião em que os garimpeiros ficaram todos de um lado e atiraram por alguns minutos matando todos que ali se encontravam, tendo sabido, através de "Jap§o", que "Goiano Doido" meteu uma faca numa criancinha, e ele só ouviu ela gritar e logo após safram todos correndo com medo dos outros fndios em direção às malocas e na ocasião atearam fogo nas mesmas, antes porém deram vários tiros em panelas e em tudo que viam pela frente e em seguida retornaram aos seus barracos".

O líder dos garimpeiros, José Altino Machado, depôs perante a Justiça (fls. 982 e 982v), quando disse:

"que o depoente soube da chacina na área Yanomami anteriormente da divulgação dos fatos pela imprensa; (. . .) que em diferentes ocasiões em um período de três meses antes da morte do maior número de índios, quatro garimpeiros teriam sido baleados e mortos por índios do mesmo grupo daqueles que sofreram posteriormente o ataque; que também seis índios foram mortos no mesmo espaço de tempo em trocas de tiros com garimpeiros antes que ocorresse o ataque que resultou a morte de dez índios; (. . .) que os índios encontrados nos Tapiris não chegaram a trocar tiros com os garimpeiros; que os homens conseguiram correr deixando para trás mulheres e crianças que foram vítimas do ataque;(. .. ) que das crianças mortas, duas foram degoladas e uma morta a tiros tendo o tiro atravessado a mãe e penetrado na criança que estava em suas costas;"

43Depoimento. Os. 257.

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Atiraram indistintamente contra mulheres e crianças, desarmadas e indefesas. Além de colhidas de surpresa. A brutalidade atinge até mesmo uma criança de colo, de apenas um ano de idade, que é trespassada por urna faca, em um golpe desferido por Goiano Doido. Tudo isso pela só condição das vítimas serem Hwaximeutheri.

A conduta delituosa configura o crime de genocídio previsto nas hipóteses elencadas nas letras 'a', 'b' e 'e', do art. 1 o., e de associação para o genocf dio, prevista no art. 2o. da Lei n. 2.889/56.

Todos os depoimentos, que conduziram ao reconhecimento da ocorrência do delito de genocldio, devem por igual conduzir ao reconhecimento do delito de associação para o genocldio. É que este segundo delito é um delito de mera conduta, cuja tipificação se dá pela mera associação, pelo mero ato de vontade de somar-se a outros, com o objetivo de destruir o grupo. Não há que se falar em absorção deste delito por aquele outro. Associaram-se e permaneceram associados. E constituiam, nisto, uma ameaça a toda a comunidade Yanomami Hwaximeutheri.

Tais delitos, nos termos do art. 1 o. da Lei n. 8.072, de 25 de julho de 1990, são crimes hediondos, e, como tais, insusceptíveis de fiança e liberdade provisória (art. 2o., inc. li).

As vítimas do genocídio são índios Yanomami, quase sem contacto com a sociedade envolvente, e que não têm registro civil de nascimento. Ainda, que têm, como tradição e costume, realizar a cremação dos seus mortos, a pilação dos ossos, e o acondicionamento das cinzas funerárias em cabaças.

Crime de Lavra Garimpeira

VII 1. O crime de lavra garimpeira tem sua materialidade demonstrada a partir da presença de equipamentos de garimpo nas áreas de incidência do minério. No caso em exame, a atividade de garimpo ocorreu nas margens do Rio Taboca, que é um afluente do Rio Orinoco, cuja bacia hidrográfica pertence ao território Venezuelano.

Balsas mantidas por João Neto, Chico Ceará, Pedro Prancheta e Eliézer também evidenciam essa prática delituosa.

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Os garimpeiros não esconderam da Justiça essa prática. Eliézio Monteiro Neri (o Eliézer), confessou perante a Polícia e perante a Justiça:

"que reside no Estado de Roraima desde o ano de 1987, sendo oriundo do Estado do Ceará e desde que chegou aqui trabalha na regitJo de garimpo e nesses dois últimos anos trabalhou na região do Rio do Ouro e região do Baiano Formiga, todas essas duas dreas inseridas na Reserva Indígena dos Yanomami, e que no momento estava trabalhando no Rio Taboca, Território Venezua/ano, onde ali chegou a montar balsa •••

11 (fls. 328);

"que passou somente quinze (15) dias na Venezuela, na região do Rio Taboca, onde vendia rancho para garimpeiros; (. . .) que retornou para a cidade e posteriormente voltou para a Venezuela para montar uma balsa, no Rio Taboca; que chegou a montar a balsa e nesta balsa trabalhavam os individuas conhecidos como Sabiá, Paraná, Louro e Sucam" (tis. 61Bv.).

Pedro Emiliano Garcia - o Pedro Prancheta ~ também confessou:

"que desde que chegou aqui trabalha como garimpeiro tendo trabalhado na região de Parima, nas proximidades da Pista Rainha do lnajá, região norte de Surucucus, Rio de Ouro, nas proximidades de Homoxi, e atualmente está trabalhando nas proximidades da pista SADAN HUSSEIN; ( .. .) que trabalha na região na extração de mineral ouro com [extração] manual ( ... )" (fls. 225)

"que garimpava na região de homoxi, próximo da pista Sadan Hussein na Venezuela; que tinha uma balsa no Rio Taboca, além de equipamentos para garimpagem; que trabalhavam para o interrogado, os garimpeiros conhecidos por Neguinho, Ceará e Piauí, que conhece apenas pelos apelidos; que do ouro extraído 40% (quarenta por cento) ficavam com os mergulhadores e o restante ficava com o proprietário da balsa, que era o responsável pelo pagamento das despesas do garímpeo; (tis. 615v).

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Wilson Alves dos Santos, conhecido por Neguinho, e também réu no processo, perante a autoridade policial confessou que, na companhia dos garimpeiros Casa Grande, Fininho, e Boroca, explorava um "garimpo nas margens do Rio Taboca" (fls. 93).

As confissões dos denunciados são corroboradas por todos os depoimentos das testemunhas.

Silvania Santos Menezes (fls. 2141 270 e 1080: cozinheira no barraco de João Neto - também denunciado nestes autos.

"que à época dos fatos narrados na denúncia, trabalhava cozinhando no barraco do João Neto; que quando foi trabalhar no acampamento garimpeiro já tinha ocorrido a primeira chacina". (fls. 1080);

Antonieta Mota Santos (fls. 180 e 1084 ): cozinheira na pista Raimundo Nenen Velha, ponto de entrada e saída de garimpeiros para a região do Taboca.

"que conhece os acusados PEDRO PRANCHETA, ELl~Z/0, VALDINÉIA, CURURUPU, CHICO CEARA, JOÃO NETO, GOIANO DOIDO, CAPORAL, PARANA ALOPRADO, CEARÁ PERDIDO, GOIANO BOIADEIRO, JAPAO, ADRIANO, BARBACENA, PARAZINHO, E PEDÃO'~ que à época dos fatos narrados na denúncia estava na pista Velha do Nenen; que era cozinheira do barraco da pista; que teve conhecimento do massacre do Haximu à época do ocorrido por comentários dos garimpeiros que passavam varando por ali; (. . .) que Joiio Neto, Chico Ceará, Cururupu, Pedro Prancheta e Eliézer tinham balsas no garimpo; que eram os donos das balsas que levavam mantimentos para o garimpo"(fls. 1085).

Eva Alves de Sousa (tis. 219 e 822): cozinheira do garimpo de João Neto.

"que já traball1ou em várias áreas de garimpo neste Estado; (. . .) que trabalhava na condição de cozinheira com o garimpeiro conhecido por João Neto e o seu pagamento era uma grama e meia de ouro por dia, ou seja, no período de trinta dias seria quarenta e cinco gramas;" (fls. 219);

"que João Neto tinha balsa para exploração ç de ouro no Rio Taboca" (tis. 822v). ,. .· -1 '. _ 1, )/

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Basílio Ferreira (Ils. 185 e 955): também ele garimpeiro, trabalhando nas proximidades da pista Raimundo Nenen Velha:

"o ínfcío desses conflitos entre índios e garimpeíros o indivfduo conhecido por João Neto, proprietário de balsa em Taboca (. . .); (. . .)que quatro ou seis índios foram até o barraco de um proprietário de balsa conhecido por Pedro Prancheta (. .. ); (fls. 186);

"que conhece Cururupu ( ... ) sabendo que o mesmo trabalhava no garimpo na regiilo do Taboca; ( .•. ) que conheceu Eliéser e que o mesmo era dono de balsa na regilJo do Taboca; que salvo engano Chico Ceará cunhado de JoiJo Neto tinha sociedade com o mesmo em uma balsa no Rio Taboca; que conheceu Goiano Doido na Pista de Raimundo nenen passando para a região do Taboca; que ouvir falar em Goiano Cabeludo também trabalhando na região do Taboca (. . .); que conheceu Capara/ também da pista de Raimundo Nenem e que o mesmo trabalhava no garimpo do Taboca ( .. .); que conheceu Paraná Aloprado de Boa Vista e que o mesmo também trabalhou em garimpo no Taboca ( ... ) (fls. 956).

[O depoente cita, ainda expressamente, os denunciados Ouriçada, Goiano Boiadeiro, Japão, Neguinho, Acreano, Barbacena, Parazinho, Pedão como sendo pessoas com atuação não somente em garimpo, mas particularmente no garimpo na região do Taboca).

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Crime de Dano

IX. Já o delito de dano contra o patrimônio indígena tem o mais evidente corpo de delito, com a presença das duas chaponas dos Hwaximliutheri destruídas pelo fogo. Alguns troncos de escoramento não foram completamente queimados pelo fogo, em virtude de, naqueles dias, ter chovido bastante na região. 44

A fita de vídeo cassete e as fotos que instruem o processo (fls. 473/47 4) mostram muito claramente a destruição produzida pelos réus.

Contrabando

X. Os delitos de contrabando não são dos que deixam vestígios, tomando dispensável o exame pericial, podendo a prova ser indireta e testemunhal. 45 Garimpeiros brasileiros trazerem ouro da Venezuela e realizarem lançamentos de armas e munições praticam o delito capitulado no art. 334, do Código Penal.

Também com relação a este delito houve plena confissão por parte dos denunciados, sendo farta a prova testemunhal acostada aos autos.

revela: Pedro Prancheta, depondo perante a Justiça,

"que o ouro extraído da Venezuela era vendido em Boa Vista em diversos locais de compra de ouro; que a venda se fazia mediante emissão de notas fiscal e o interrogado tem em seu poder as referidas notas fiscais;" (fls. 616);

Sobre esses fatos as testemunhas disseram

Silvania Santos Menezes (fls. 1083):

"que o ouro era extraído do Rio Orinoco, situado na Venezuela; que este mesmo ouro era vendido no Brasil";

44Ver depolm.ento elo lndlo Louvelra Yanomaml, Os. 71. 45Ver a respeito decisão do STF - RE - Rei. Luiz Galottl RT 469/437; idem TFR - RHC Rei. Márcio Ribeiro, DJU 1.8. 72. Citados por Franco, Alberto Silva et alll, CP e sua Interpretação Jurisprudencial, RT, 3a. Ed., 1990,---SP7 p~. 1551/ 1552. _,,, .· . / _- '

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Antonieta Mota Santos (fls. 1085):

"que a extração de ouro era feita no Rio Taboca, em território venezuelano; que o ouro era vendido em Boa vie«,

Manoel José Santos Soares (garimpeiro) fls. 659:

"que o ouro que é extraído na região é vendido em Boa Vista, geralmente para os comerciantes conhecidos como Timbó e Pedro José'~

"que presenciou Jo;Jo Neto na pista "Raimundo nenen Velha" descarregando de um avião munlçio principalmente cartuchos,

que se encontravam dentro de um seco"; (fls. 658)

Deve ser acolhida a prova indireta, pela confissão e pelos depoimentos das testemunhas.

Quadrilha ou Bando

XI. A associação em bando, para garantir a realização da prática delituosa do genocídio, da lavra garimpeira, do contrabando, é crime autônomo e permanente, e existe e se configura como uma ameaça concreta de dano à coletividade como um todo. Também não é dos que deixa vestígios, podendo ser evidenciado por provas testemunhais. No caso dos autos, a materialidade está demonstrada fartamente, pela necessária participação plurissubjetiva nos delitos supra referidos.

decidiu: O Supremo Tribunal Federal, acerca do tema,

Habeas Corpus. Crime de Quadrilha ou Bando. Configura-se, não pela sua publicidade, notoriedade ou indeterminação de crimes, bastando organização rudimentar, capaz de levar a cabo o fim visado. 1146

46 RHC 50966/SP. Rel. Ministro Barros Monteiro. 2•. T., julg. 30.~73. ~Jl 25.5.73. ] ,

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A existência de bando ou quadrilha se fazia necessana para a consecução material dos demais delitos de que são acusados os réus. Isso porque, no dizer da Excelsa Corte, 'todos os agentes agem em concurso necessário".47

Ocultação de Cadáveres

XII. A ocultação de cadáveres se deu para esconder mesmo o assassínio dos índios. Tendo ocorrido nas proximidades do Rio Taboca, na Venezuela, se evidencia precisamente pelo resgate dos fndios mortos no 1o. ato genocida (com a subseqüente cremação de Makuama (ou Makoam), Geraldo (ou Bauxi) , e o filho de Waythereoma ), e desaparecimento do corpo de delito, desde que Kaperiano, o índio yanomami dos Hwaximeutheri , ainda hoje não pode ser localizado.

Os garimpeiros e suas cozinheiras sabiam da ocultaçllo dos cadáveres, e souberam que os indios conseguiram descobrir os lugares onde os seus parentes foram mortos, tendo os corpos sido desenterrados, para serem submetidos aos tratamentos rituais.

Leikima (ou Reikima, ou Reia) Yanomami, que estava entre os índios emboscados no 1º ato de genocidio, diz

"que o informante estava escondido dentro do rio e viu os garimpeiros enterrarem os mortos em uma vala comum; que um dos garimpeiros, desarmado, viu o informante e voltou para buscar uma arma; que, enquanto isto o informante fugiu rio abaixo; que os parentes das vítimas foram informados pelo índio Paulo e pelo informante da morte e do local onde estavam enterrados os corpos e para lá se dirigiram onde desenterraram os mortos para as cerimônias fúnebres". (fls. 1076).

Paulo Yanomami, depondo a fls. 754v., narra os mesmos fatos:

"aue os corpos foram enterrados pelos garimpeiros e que o informante viu os corpos enterrados - foram localizados três corpos de índios enterrados; (. .. ) que os corpos foram desenterrados e foram queimados".

47 STF, RHC 60557/PE Rel. Ministro Cordeiro Guerra, 2•. T.,julg. 7.12.1982. RTJ 105-3/ 1001. .\ . ·: (_ ,

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O fato, conhecido de todos os garimpeiros, foi admitido por Eliézio Monteiro Neri, em depoimento judicial (fls. 618v.):

"que soube por ouvir dizer que os lndios teriam sido enterrados próximo à picada, dentro da Venezuela, em local que não sabe precisar".

Perante a autoridade policial ele fora mais claro nas afirmações, dizendo que

"quando ela [Ouriçada] retornou, disse para o interrogado que havia visto os corpos, não sabendo informar se eram trés ou quatro, mas o certo é que ela viu os indfgenas lá; que ouviu dizer que os corpos desses indfgenas foram enterrados nesse mesmo dia, na beira do caminho, no local do massacre, o qual fica próximo ao Rio Taboca; que no dia seguinte desse fato o interrogado veio embora para Boa Vista, mas tomou conhecimento de que os fndios retomaram aquela local e desenterraram os corpos e cremaram em local que não sabe informar mas que fica no interior da selve"; (tis. 329).

Vejam-se, ainda, os depoimentos prestados pelas testemunhas Silvania Santos Menezes (Silvinha), Eva Alves de Sousa, e Maria Dalva Elias Pinto48.

DA CULPABILIDADE DOS DENUNCIADOS.

XIII. Considerações preliminares.

Crimes de autoria coletiva .. Antes de examinar a culpabilidade dos denunciados, é necessário reiterar que todos os crimes de que são acusados o são de autoria coletiva: Genocídio, Associação para o Genocfdio, Crime de Lavra Garimpeira, Contrabando, Ocultação de Cadáver, Crime de Dano e Crime de Quadrilha ou Bando.

48 Depoimentos de Sllvânla Santos Menezes fSi1vinha), fts, 214, Eva Alves de Souza &Evinha), Os. 219, e Maria Dalva Elias Pinto, fls. 273 '7 . ( I

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Em todos esses delitos há a necessidade de pluralidade subjetiva. São crimes cometidos em sociedade de delinqüentes. Acerca do tema o Colendo Supremo Tribunal Federal tem manifestado o seguinte entendimento:

"Nos casos de autoria conjunta ou coletiva, e, em especial, nos delitos praticados em sociedade, não se faz indispensável a individualização da conduta especifica de cada agente (HC 58802, RT J 100.556 e HC 59.857, RTJ 104.1002)".49

O Egrégio Superior Tribunal de Justiça vem aplicando esse entendimento, como se pode verificar dos arestas a seguir colacionados:

ªO crime de autoria coletiva não obriga a denúncia a pormenorizar o envolvimento de cada réu, bastando a narrativa genérica do delito, sem que tolha, evidentemente, o exerclcio da defesa. •'50

"Nos cnmes societários ou de autoria coletiva nllo é imprescíndfvel que a denúncia descreva a participação individual de cada acusado."51

Confissões extrajudiciais. O presente processo penal revela o penoso caminho seguido para que se faça justiça, rompendo o ciclo de impunidade que envolve a atividade dos garimpeiros, vitimando índios.

Os crimes aconteceram em local remoto - margens do Rio Taboca, Venezuela, no meio da selva amazônica, com acesso feito por aviões (para pistas clandestinas), e posteriormente por varações (caminhadas) de alguns dias pela mata. Só vieram a ser do conhecimento do grupo público ~ externo à comunidade de garimpeiros • mais de um mês após os últimos acontecimentos.

49 STF, RHC 62968/SP, ReL Mln. Octavio Gallotti, 1•. T., julg. 10.5.1985, DJ 31.5.85, p. 8509. so STJ, RESP 4615/90 RJ, 5•. T., Rei. Mln. Cid Flaquer Scartezzlni; julg. 8.5.91, RSTJ 25/367. 51 STJ, RHC 4117/94 SP, 5•. T., Rei. Mln. Edaon Vidlgal,juJg. 30.11.94, 'fjJ ( / 6.2.1995, P• 1361. I

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Mas já eram do conhecimento da comunidade de garimpeiros desde o momento em que aconteceram. Isto porque, aparentemente perdidos no meio da selva, o ponto comum de entrada e saída dos garimpos é exatamente a pista clandestina, que garante a presença de novos aventureiros, a saída de outros, e o abastecimento de todos.

Foi dando batidas policiais sobre as pistas clandestinas, no meio da selva, e em fazendas nos arredores de Boa Vista, que a Polícia Federal conseguiu identificar garimpeiros e cozinheiras de garimpeiros, que testemunharam, e narraram os fatos constantes da denúncia, que instruem o presente processo.

Houve confissões extrajudiciais dos acusados, e houve ricos depoimentos de testemunhas, durante a fase policial, alguns que tiveram modificações no curso da instrução, ou porque pressionadas pelos acusados, ou porque o próprio tempo se encarregou de retirar o brilho de suas cores.

Mas o argumento da acusação pública é que as confissões extrajudiciais devem ser levadas em consideração, no exame do conjunto probatório. Isto porque nenhum versão, veiculada pelos réus, teve consistência significante, que retirasse a verdade de suas culpabilidades.

O Supremo Tribunal Federal considerou em diversos momentos o valor das confissões extrajudiciais. E de modo extremamente significativo assentou:

"As confissões judiciais ou extrajudiciais valem pela sinceridade com que são feitas ou verdade nelas contidas, desde que corroboradas por outros elementos de prova inclusive circunstáncias. O Inquérito Polícia/ ou Militar pode conter provas, díretas ou indiretas, que, não infírmadas por elementos colhidos na instrução criminal, demonstrem procedência da acusação, justificando a convicção livre do julgador (RTJ 751 46-50)."52

"Confissão em inquérito policial, testemunhada e não contrariada por outros elementos, tem valor probante. ,,53

"Confissão na polícia que ostenta valor probante, vez que se coaduna com os demais elemen(os, do l processo". 54 // / /. ·

--------- -~/it/tt/i(.___) ~2 STF, RCR 1312/RJ, 2•. T., Rei. Min. Cordeiro Guerra, Julg. 3.10.73, RTJ 88- 3/371. es STF, HC 61486/SP, 2•. T., Rel. Min. Francisco Rezek,Julg. 7.2.84 54 STF, HC 63265/ SP, 2•. T., Min. Francisco Rezek, julg. 1.10.85, DJ 25.10.85, p. 19147.

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Pedro Emiliano Garcia, o Pedro Prancheta, teve participação ativa em todas as práticas delituosas narradas. Dono de uma balsa no Rio Taboca, mantinha estreita ligação com João Neto e Chico Ceará, para garantirem juntos o suprimento de mantimentos e ranchos para seu garimpo, bem assim armas e munição para ataques e defesas. Estava com o Tuxaua Kerrero, no campo de pouso da pista Saddan Hussein, aguardando o lançamento de Chico Ceará e João Neto. Presenciou a frustração daquele, com o descumprimento da promessa desses.

Também foi Pedro Prancheta quem mandou o bilhete para Ellézer, sendo recebido por Waldlnéia, a Ouriçada, para que acabassem com os índios, no primeiro massacre.

O segundo massacre aos Hwaximeutheri contou diretamente com a presença de Pedro Prancheta, que foi armado de espingarda 20 e revólver 38, segundo revelou Sílvinha55, e ele próprio confessou, em seu depoimento de fls. 252 e seguintes.

Dos garimpeiros que participaram do segundo massacre, Negulnho, Adriano (seu irmão), Param\ e Barbacena eram ligados ao mesmo, e dele receberam armas e munição. 56 Participou da segunda seqüência de atos genocidas, e destruição as malocas, praticando o crime de dano qualificado.

Além de ter concorrido com o crime de ocultação de cadávares. praticou ainda os crimes de contrabando, pois trazia da Venezuela ouro para o Brasil, e daqui levava armas e munição.

Deve responder por todas as condutas delituosas mencionadas na ementa da presente denúncia.

Eliézio Monteiro Neri, ou Eliézer, também é garimpeiro no Rio Taboca, Venezuela. Esse seu primeiro delito. Foi a quem Pedro Prancheta destinou o bilhete, que resultou recebido por sua companheira Waldinéia Silva Almeida, a Ouriçada. com a orientação para matar todos os índios. Dali partiu a ordem para o primeiro massacre, e resultou conivente na ocultação de cadávares.

Ainda, também Eliézer recebia armas e munição do Brasil e enviada ouro extraído da Venezuela. Aí o contrabando. 1

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sssu-vânla Santos Menezes (Sllvinha), fia. 178. =56Ver Nota 38, folha 12 da presente denúncia.

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Mas Eliézer foi um dos que armou os garimpeiros para o segundo massacre, inclusive tendo, juntamente com Pedro Prancheta, Chico Cearã e João Neto, contratado os pistoleiros perigosos. Especialmente Ceará Perdido, garimpeiro que participou no massacre dos tapiris e na destruição das chaponas, é pessoa ligada a Eliézer.

Também deve responder por todas as condutas delituosas mencionadas na ementa da denúncia.

Waldinéia Silva Almeida, a Ouriçada, deve responder pelo delito de genocldio e associação para o genocldio, porquanto foi sua a orientação para que os garimpeiros matassem os fndios, no primeiro ataque, ocorrido às margens do Rio Taboca, o que a torna cúmplice da ocultação dos cadávares. Integrando o bando de Eliézer, deve responder pelo delito de formação de quadrilha.

Juvenal Silva, dito Cururupu, em homenagem a sua cidade natal, mantinha atividade de garimpo no Rio Taboca. Como tal, cometia o delito de lavra garimpeira, e o conseqüente contrabando de ouro para o Brasil1 participando do contrabando de armas e munições para a Venezuela, para garantir seu garimpo.

Associado de João Neto, Chico Cearã, Pedro Prancheta e Eliézer para a prática do genocldio, foi um dos que armou os garimpeiros para o segundo massacre dos Hwaximeutheri. Especialmente Maranhão Uriçado - que participou do massacre, inclusive da destruição das chaponas - lhe era ligado. Deve responder por todos os delitos referidos na ementa da denúncia.

Wilson Alves dos Santos, o Neguinho, era garimpeiro vinculado a Pedro Prancheta, para quem trabalhava na atividade de extração do ouro. Deve responder pelo delito de lavra garimpeira e de formação de quadrilha. De Chico Ceará e João Neto eram as balsas instaladas no Rio Taboca, afluente do Orinoco, onde iniciaram suas atividades garimpeiras (fls. 2).

João Neto e Chico Ceará é que fizeram promessas ao Tuxaua Kerrero de que lhe trariam roupas e uma rêde57. Chegando o avião contratado por João Neto, e pilotado por Pedrinho 58, não vieram as roupas nem a rêde, gerando no Tuxaua Kerrero irritação, o que fez com que este, juntamente com o índio que lhe fazia companhia, fosse direto ao barraco de João Neto. Não o encontrando (pois estava em Boa Vista), disparou um tiro na direção do garimpeiro Goiano Doido, não o1

tendo acertado. _. -') ., v. ,. ___ :__f /,ouÁ)---...J /

S7Ver também depoimento de Sllvânia Santos Menezes (Sllvlnha), Os. 215 ssver depoimento de Pedro Prancheta, fls. 252;

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A punição aos Hwaxímeutheri, pela atitude de Kerrero, não tardaria a vir, e chegou sob a forma de primeira chacina, a 15 de junho de 1993, que vitimou os índios Geraldo (ou Bauxi), Makuama (ou Makoam), o filho de Waythereoma e Kaperiano (ou Caperiano ou Kaperão, filho de Jacó)., e da qual Reikim escapou com vida. Para isto houve a participação decisiva dos doublês de garimpeiro e pistoleiro Goiano Doido, vinculado a Chico Cearã, e Capara/, ligado a João Neto. Veja-se, a propósito, a denúncia, a fls. 11.

Os índios lanomami Hwaximeutheri, no esforço de vingar os seus irmêos índios mortos, empreenderam expediçllo de retaliação, da qual resultou morto o garimpeiro Fininho, e ferido o garimpeiro Neguinho (Wilson Alves dos Santos, já denunciado).

Os autos demonstram que João Pereira de Morais - o João Neto e seu cunhado Francisco Alves Rodrigues - o Chico Cearll, inconformados, contrataram alguns pistoleiros59, e deram início às reuniões, para definição do plano de exterminio dos Hwaximlutheri.

Chico Ceará, Joio Neto, Eliézer, Cururupu e Pedro Prancheta adquiriram munição e distribuíram com os garimpeiros Goiano Doido, Pedão, Neguinho, Parazinho, Ceará Perdido, Goiano Boiadeiro, Japão, Boroca, Maranhão (Uriçado), Adriano, Paranã Aloprado, Barbacena, Goiano Barbudo e Silva.60

O grupo pernoitou no barraco de Cururupu e, no dia seguinte, Pedro Prancheta e esses garimpeiros, todos firmemente determinados a matar todos os lndios, saíram em demanda de Hwaxímliu.

Nos tapíris da roça velha estavam refugiadas várias mulheres e algumas crianças. Veja-se o já referido depoimento de Simão Yanomami 61, de Paulo Yanomami, 62 e Waythereoma Hwanxima. 63

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S9Manoel José Santos Soares menciona, em seu depoimento (fia. 199). Também Pedro Prancheta, Os. 252 e 259, citando: Pedão, Parazlnho, Boladeho e Carequinha. 60Menclonados nos depoimentos de Pedro Prancheta, fia. 255; Juvenal Silva (Cururupu) Os. 267; Sl1vânia Santos Menezes (Sllvinhal fia. 217 e 271; e Maria Da1va EUu Pinto, Os. 275. 61Depolmento de Os. 157. 62Depohnento, Os. 144. 63Depolmeoto,fla. 136.

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MINISTÉRIO PÚIILICO FEDEltAL PRUCURAJX>RIA REOIONi\L l>A REl'l°IBI .ICJ\ D,\ I' RE<ii,\O

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O próprio Pedro Prancheta, que participou da chacina, revelou:

"Que, no dia seguinte, saíram por volta das 7:00 hs e só retornaram após três dias e o reinquirido conversou pessoalmente com "Japão" e este por sua vez lhe contou que salram em direção às malocas, que eram em número de duas, uma próxima da outra e lá chegando não tinha nenhum fndia, tenda então eles dormido ali e no dia seguinte pela manhã sai ram no rastro dos i ndios e após trés horas de caminhada encontraram umas barraquinhas no meio da mata e ali estavam os lndios, onde haviam algumas crianças brincando, ocasijo em que os garimpeiros ficaram todos de um lado e atiraram por alguns minutos matando todos que ali se encontravam, tendo também sabido, através de "Japão", que "Goiano doido" meteu a faca numa criancinha e ele só ouviu ela gritar e logo após safram todos correndo com medo dos outros índios em direção às malocas e na ocasião atearam fogo nas mesmas, antes porém deram vários tiros em panelas e em tudo que viam pela frente e em seguida retornaram aos seus barracos". 64

Silvânia Santos Menezes, conhecida por Si/vinha, cozinheira do garimpeiro João Neto, confirma as palavras de Pedro Prancheta:

"Que, quando eles retomaram disseram aos demais garimpeiros, bem como à declarante que eles teriam ido primeiro na chapona e lá não haviam achado ninguém e sai ram dali e encontraram os índios e segundo eles mataram uns vinte, entre homens, mulheres e crianças; que, segundo eles, quem começou a atirar foi "Goiano Boiadeiro" e depois todos atiraram; que, gostaria de esclarecer que ouviu os garimpeiros dizerem que na chapona arrumaram as panelas, deram vários tiros e depois atearam fogo nas mesmas e de lá saíram à procura dos lndios; que presenciou "Goiano Boiadeiro" dizer: "que havia uma criança deitada numa rede e ele enrolou a criança em um pano e meteu a faca de um lado para o outro•; -~ 65 /"\ , ,\ ,

___,b/t~:i..;l~ .. . 1 64Depohnento,Oa.257.

6Soepohnento,fls,216.

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MINISTtRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA REGIONAL DA REPÚBLICA DA i- REOIÃO

HAXIMUJ>OC

Por todo o exposto, requer o MPF seja provido a apelação e julgada procedente a denúncia, para o fim de serem os denunciados condenados nas penas dos delitos de genocldio, associação para o genocldlo. lavra garimpeira, dano qualificado, ocultação de cadáver, formação de quadrilha, e contrabando, práticas delituosas de que são acusados, e na medida de suas culpabilidades.

Termos em que pede deferimento.

Brasília, 1 º de setembro de 1997

CARLOS FREDERICO SANTOS Procurador Regiona/da República

FRÁNKLJN RODRIGUES DA COSTA Procurador Regional da Rephbllca

LUCIANO MARIZ MAIA Procurador Regional da República

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