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1 RELAÇÕES INTERNACIONAIS WILLIAMS GONÇALVES Professor dos PPGs. Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e da Universidade Federal Fluminense 1 Introdução A análise das relações internacionais passou a ter sua importância reconhecida no início do século XX. Até a eclosão da Primeira Guerra Mundial, o estudo das relações internacionais estivera a cargo de diplomatas, historiadores e juristas. A partir dessa data a situação mudou: notáveis esforços passaram a ser realizados no sentido de fazer, das Relações Internacionais, um campo de estudo específico e autônomo. Na prática, isso tem se traduzido no trabalho de definir, com alguma precisão, os limites da realidade das relações internacionais, bem como de produzir um dispositivo conceptual que resulte em análises integradas, as quais, por sua vez, possam permitir ir além das análises parciais produzidas pela Economia Internacional, pelo Direito Internacional, pela História Diplomática e pela Política Internacional. É cada vez maior o reconhecimento que as relações internacionais são extremamente complexas e abrangentes para serem submetidas às estreitas medidas estabelecidas por essas disciplinas. Ainda que cada uma delas possa iluminar aspectos relevantes da realidade, somente uma análise que combine, de modo articulado, conceitos elaborados por esses campos específicos poderá compreender sua extensão e sua densidade. Em outras palavras, o grande desafio enfrentado pelas Relações Internacionais é o de assumir sua indispensável multidisciplinaridade. Pode-se dizer, no entanto, que esse desafio tem sido enfrentado e vencido, exclusivamente, pelos acadêmicos do mundo anglo -saxão. Não obstante o conhecimento das Relações Internacionais interessar, em toda parte, àqueles que, de alguma forma, participam das relações internacionais (nomeadamente estadistas, diplomatas, militares e acadêmicos), o fato é que a produção acadêmica do mundo anglo-saxão neste campo, é

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RELAÇÕES INTERNACIONAIS

WILLIAMS GONÇALVES Professor dos PPGs. Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do

Sul e da Universidade Federal Fluminense

1 Introdução

A análise das relações internacionais passou a ter sua importância reconhecida no

início do século XX. Até a eclosão da Primeira Guerra Mundial, o estudo das relações

internacionais estivera a cargo de diplomatas, historiadores e juristas. A partir dessa data a

situação mudou: notáveis esforços passaram a ser realizados no sentido de fazer, das

Relações Internacionais, um campo de estudo específico e autônomo. Na prática, isso tem

se traduzido no trabalho de definir, com alguma precisão, os limites da realidade das

relações internacionais, bem como de produzir um dispositivo conceptual que resulte em

análises integradas, as quais, por sua vez, possam permitir ir além das análises parciais

produzidas pela Economia Internacional, pelo Direito Internacional, pela História

Diplomática e pela Política Internacional. É cada vez maior o reconhecimento que as

relações internacionais são extremamente complexas e abrangentes para serem submetidas

às estreitas medidas estabelecidas por essas disciplinas. Ainda que cada uma delas possa

iluminar aspectos relevantes da realidade, somente uma análise que combine, de modo

articulado, conceitos elaborados por esses campos específicos poderá compreender sua

extensão e sua densidade. Em outras palavras, o grande desafio enfrentado pelas Relações

Internacionais é o de assumir sua indispensável multidisciplinaridade.

Pode-se dizer, no entanto, que esse desafio tem sido enfrentado e vencido,

exclusivamente, pelos acadêmicos do mundo anglo -saxão. Não obstante o conhecimento

das Relações Internacionais interessar, em toda parte, àqueles que, de alguma forma,

participam das relações internacionais (nomeadamente estadistas, diplomatas, militares e

acadêmicos), o fato é que a produção acadêmica do mundo anglo-saxão neste campo, é

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esmagadoramente superior à produção dos demais centros acadêmicos do mundo, juntos,

incluindo os países nos quais há tradição de pesquisa universitário -acadêmica na área das

Ciências Sociais.

As razões determinantes dessa primazia anglo-saxônica no domínio dos estudos de

Relações Internacionais são largamente conhecidas e podem ser decompostas, para fins

analíticos, em três ordens, a saber: econômicas, acadêmicas e de poder.

Inicialmente, as instituições dos Estados Unidos e da Inglaterra nunca pouparam

recursos para apoiar a pesquisa e o ensino das Relações Internacionais. A primeira cátedra

universitária dedicada a este campo de estudo, a Woodrow Wilson, financiada pelo cidadão

inglês David Davies, foi criada em 1919, na Universidade de Gales. Mais tarde, logo após a

Segunda Guerra Mundial, o Estado norte-americano, por meio de suas diversas agências

governamentais, destinou somas fabulosas à pesquisa sobre os mais diversos aspectos das

relações internacionais. Isso fez com que um grande número de acadêmicos talentosos se

sentissem motivados a trilhar o caminho do estudo das Relações Internacionais.

Em segundo lugar, apesar das diferenças existentes entre os mundos acadêmicos

norte-americano e inglês, ambos assumiram o desafio tanto de definir o objeto específico

das Relações Internacionais, como o de trabalhá-lo cientificamente. Nos Estados Unidos, a

ciência das Relações Internacionais nasceu a partir dos estudos de Ciência Política; isso

significa dizer que ela assumiu, desde o seu nascimento, um caráter eminentemente prático.

Em sintonia com a tradição acadêmica desse país, na área da Ciência Política, as Relações

Internacionais foram pensadas para resolver problemas concretos enfrentados pelo Estado,

em detrimento da especulação puramente teórica.

Na Inglaterra, por seu turno, o percurso foi diferente. Lá, as Relações Internac ionais

nasceram da cooperação acadêmica entre os diferentes segmentos universitários e a

diplomacia. Dessa experiência, formou-se uma tradição de estudo das Relações

Internacionais que, muito antes de se resumir à defesa dos interesses nacionais britânicos,

atribuiu significativa importância aos fatores culturais como relevantes aspectos

componentes das Relações Internacionais.

Em terceiro e último lugar, estão as razões de poder. Não é por mero acaso que as

Relações Internacionais tenham se desenvolvido como estudo moderno tanto na Inglaterra

(potência que exerceu o papel hegemônico durante o século XIX e início do século XX),

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como nos Estados Unidos, que despontaram como a grande potência no início do século

XX, vindo a se transformar em superpotência logo depois da Segunda Guerra Mundial.

Pelo contrário, o estudo moderno das Relações Internacionais afigurou-se, às elites norte-

americanas e inglesas, como tarefa indispensável ao entendimento do mundo em mudança

e, desse modo, à manutenção do poder que detinham. Essa conclusão de que o mundo havia

mudado, fazendo-se necessário conhecê- lo melhor para continuar a exercer o poder e

realizar seus respectivos interesses nacionais, levou as delegações diplomáticas dos Estados

Unidos e da Inglaterra, presentes na Conferência de Paz de Paris, a assumirem a

responsabilidade de criar centros de pesquisa neste campo. Tal compromisso foi honrado

logo no ano seguinte (1920): foram criados, na Inglaterra, o Royal Institute of International

Affairs, e, nos Estados Unidos, o Council of Foreign Relations.

Dessa primazia anglo-saxã, nas Relações Internacionais , decorrem alguns efeitos

acadêmicos e políticos extraordinariamente importantes, que podem ser sintetizados nas

idéias de acúmulo de poder e de luta pela conservação da posição hegemônica. Ao se

dedicar, com grande afinco, ao estudo das Relações Internacionais, os anglo-saxãos

elaboraram hipóteses, formularam teorias e definiram os conceitos que se universalizaram,

tais como aqueles que lhe são específicos, ou seja, criaram o léxico das Relações

Internacionais. Qualquer pessoa que se interesse por este campo de estudo, em qualquer

parte do mundo, deve, obrigatoriamente, exercer algum domínio sobre esse léxico ; caso

contrário, não conseguirá estabelecer diálogo com os que se dedicam à pesquisa nessa área.

Por assim dizer, o conhecimento tanto da língua inglesa, como da produção acadêmica

norte-americana e inglesa nas Relações Internacionais constitui condição indispensáve l

para iniciar toda espécie de debate acadêmico. Por outro lado, justamente por terem criado

o léxico das Relações Internacionais e por reunirem o maior número de centros de pesquisa,

os acadêmicos anglo-saxãos definem o nível de excelência da análise e impõem os termos

do debate. Isso significa, enfim, que não dispõem unicamente do poder político para

satisfazer seus respectivos interesses nacionais, como também, do poder sobre o próprio

discurso das Relações Internacionais.

Esse poder de determinar o que é relevante e, assim, impor a direção a ser dada à

pesquisa, torna-se muito mais visível nos momentos nos quais ocorrem grandes mudanças

no sistema internacional, tal como aconteceu no início da década de noventa, quando

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terminou a Guerra Fria e o sistema internacional, de bipolar, passou a ser unipolar. A

vitória estratégica dos Estados Unidos sobre a União Soviética (e sobre o mundo por ela

comandado) levou não apenas à mudança da “agenda política internacional”, como

também, correlativamente, à mudança de enfoque do mundo acadêmico sobre as questões

internacionais. Imediatamente, por não se ter previsto as grandes modificações ocorridas no

sistema internacional, passou-se a considerar a teoria Realista como imprestável para a

análise. Segundo o novo enfoque dominante, para empreender análises válidas, era

necessário recuperar o instrumental liberal, com ênfase no livre-comércio, na generalização

dos princípios liberal-democráticos e no esvaziamento do Estado-providência. Além da

óbvia idéia de obsolescência do projeto socialista, passou-se, também, a entender que as

questões de defesa da soberania e de segurança haviam dado lugar às questões econômicas

globais ; isto é, a problemática geopolítica teria sido substituída pela problemática

geoeconômica. Considerou-se, igualmente, que o problema das relações econômicas

assimétricas entre as grandes potências capitalistas e os pequenos Estados, bem como o

fenômeno da dependência econômica, na verdade, não tinham existência real, uma vez que

se constituíam em mera manifestação ideológica do tempo da Guerra Fria. Desse modo, por

considerar que o fim dessa guerra havia apagado todas as diferenças entre os Estados que

comp unham o sistema internacional, decidiu-se que não havia mais porque falar de

Terceiro Mundo, de luta pelo desenvolvimento, tampouco de reforma das instituições

econômicas internacionais. Enfim, em consonância com os novos interesses demonstrados

pelas grandes potências, especialmente pelos Estados Unidos, o mundo acadêmico desses

Estados redirecionou a curiosidade intelectual, com vistas a melhor servir a esses novos

interesses. Ao mesmo tempo, pelo efeito hegemônico, passou a pautar as linhas de pesquisa

do restante do mundo, especialmente dos países da periferia.

Isso posto, conscientes dos interesses que cercam o estudo das Relações

Internacionais, obje tivamos, neste texto, introduzir algumas questões que possam, de

alguma maneira, contribuir para o melhor entendimento da questão. Pretendemos, pois,

apresentar a origem e a evolução das Relações Internacionais, o perfil das suas correntes

teóricas mais importantes, além de discutir os conceitos mais correntes na bibliografia

especializada.

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2 Definição

Recorrer às definições, não é a melhor forma de apresentar uma disciplina. Além de

ser difícil encontrar uma que seja capaz de exprimir o conteúdo da disciplina com a

objetividade e a abrangência necessárias, qualquer uma das definições que venha a ser

escolhida será, inevitavelmente, alvo das mais diversas contestações. Isso porque as

definições não são (e jamais poderão ser) neutras. Quem se propõe a definir, o faz à luz de

alguma teoria. O resultado, desse modo, sempre deverá exprimir uma determinada

concepção teórica, mesmo que não a explicite. Apesar disso, não se pode deixar de

apresentá- las, mesmo que seja somente para contestá-las mais adiante. Nesse sentido, o

objetivo a cumprir, com as definições, a seguir transcritas, não é exatamente o de dizer o

que são as Relações Internacionais na verdade, mas sim, o de tentar desfazer algumas

dúvidas que surgem com certa freqüência, quando o assunto envolve questões

internacionais. Por essa razão, buscar-se-á distinguir Relações Internacionais das outras

disciplinas que apresentam uma dimensão internacional, tais como a Política Internacional

e a Política Externa.

Para iniciar, serão apresentadas determinadas definições, cujos autores são

conhecidos estudiosos das Relações Internacionais.

Iniciamos com Phillipe Braillard e Mohamma-Reza Djalili, que afirma que “as

relações internacionais podem ser definidas como o conjunto de relações e comunicações

que os grupos sociais estabelecem através das fronteiras.”1

Para Michael Nicholson,

amplamente, relações internacionais concerne a relacionamentos e interações que não podem ser observados exclusivamente no contexto de um Estado tal como Inglaterra ou China. Estritamente, relações internacionais estuda interações sociais em contextos onde não existe

1 BRAILLARD, Philippe; DJALILI , Mohammad-Reza. Relations Internationales : Que sais -je? Paris : PUF, 1988. p. 5.

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poder soberano para intrometer-se ou mediar e que está fora de qualquer jurisdição governamental.2

Daniel Colard, por sua vez, afirma que “o estudo das relações internacionais

engloba as relações pacíficas ou belicosas entre Estados, o papel das organizações

internacionais, a influência das forças transnacionais e o conjunto das trocas ou das

atividades que cruzam as fronteiras dos Estados.”3

Joshua Goldstein, por fim, diz que,

estritamente definido, o campo das relações internacionais concerne aos relacionamentos entre aqueles governos do mundo, que são Estados-membro da ONU. Mas esses relacionamentos não podem ser entendidos isoladamente. Eles estão fortemente conectados com outros atores (como as organizações internacionais, corporações multinacionais, e indivíduos); com outras estruturas sociais (incluindo economia, cultura e política doméstica); e com as influências históricas e geográficas.4

Pode-se constatar que as definições diferem umas das outras; e, justamente por esse

motivo nem todas contêm os mesmos elementos. Alguns aspectos presentes em uma

definição já não aparecem em outras. Contudo, é possível perceber que todas têm o mesmo

sentido o qual é conferido pela idéia de relacionamentos múltiplos. Todos os autores

citados, de um modo ou de outro, transmitem a idéia de que as relações internacionais

envolvem numerosos e variados atores atuando em todo o mundo. Vistas dessa forma, as

Relações Internacionais supõe o estudo do conjunto de interações. É evidente que a melhor

maneira de decompor o conjunto para proceder à análise, é tarefa que depende do

instrumental teórico a serviço do analista. A cada dispositivo teórico corresponde uma

diferente maneira de perceber as relações internacionais. É aqui que reside a importância

da teoria, qual seja: distinguir o principal do acessório, revelando o que é significativo para,

assim, conduzir o analista a mais correta interpretação, mediante tal procedimento, produzir

o esperado conhecimento da realidade das relações internacionais.

No entanto, antes de seguir adiante, com a apresentação das definições oriundas

dessas disciplinas aparentadas, seria interessante desfazer, o quanto antes, uma certa

ambigüidade que, não raro, confunde quem se inicia no estudo das Relações Internacionais.

2 NICHOLSON, Michael. International Relations: A Concise Introduction. London: MacMillan Press, 1998. p. 2. 3 COLARD, Daniel. Les Relations Internationales de 1945 à nos jours . Paris : Armand Colin, 1999. p. 5. 4 GOLDSTEIN, Joshua S. International Relations . New York: Longman, 1999. p. 3.

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A ambigüidade é que as Relações Internacionais estudam as relações internacionais. Isto é,

a disciplina e a realidade que essa disciplina busca conhecer têm o mesmo nome. Para

contornar essa ambigüidade e, dessa forma, possibilitar o entendimento do discurso, os

estudiosos convencionaram diferenciar o nome da disciplina do nome do objeto mediante o

uso de iniciais maiúsculas para a primeira (Relações Internacionais) e de iniciais

minúsculas para o objeto do conhecimento (relações internacionais).

No próximo passo, para a definição de Política Internacional, surgem problemas de

outro tipo: verifica-se, neste caso, a existência de evidentes imprecisões.

Em primeiro lugar, é possível considerar a Política Internacional como o estudo da

estrutura e funcionamento dos sistemas políticos estrangeiros. Pode-se citar, como

exemplo , o caso do cientista político brasileiro que se dedica ao estudo da estrutura e do

funcionamento do sistema político dos Estados Unidos ou, conforme o interesse, de

qualquer outro país. Segundo essa idéia a respeito do que é Política Internacional, os

exemplos podem se multiplicar; porém, o sentido será sempre o mesmo, qual seja, como

agem e reagem politicamente outros povos diante dos novos desafios que a realidade vai

apresentando.

A segunda possibilidade de definição de Política Internacional, abre-se no sentido

de entendê- la como o estudo da lógica interna e da prática das ideologias políticas. Neste

caso, podem servir de exemplo os estudos que se fazem sobre formações ideológicas como

socialismo, neoliberalismo, terceira via, populismo e a aplicação prática dessas ideologias

sob a forma de programas políticos e regimes políticos em todos os Estados do mundo.

Desse tipo de estudo de Política Internacional, derivam os estudos comparados, que

propiciam, ao pesquisador, a oportunidade de refletir sobre a coerência e os efeitos

produzidos pela prática política.

As duas definições acima, na verdade, não oferecem problemas de entendimento.

Os problemas surgem quando determinados autores passam a falar de Política

Internacional, atribuindo, a esses estudos, o sentido de Relações Internacionais. Essa

assimilação de uma definição pela outra costuma ser feita, na maior parte das vezes, por

autores que se apóiam na teoria Realista para analisar as relações internacionais. Tal

confusão é comum entre esses autores, porque, na concepção deles, o que de fato interessa

conhecer sobre o meio internacional são as relações políticas que os Estados entretêm. Para

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eles, embora as relações entre os Estados comportem interesses muito diversificados

(econômicos, sociais e culturais), a linguagem que exprime os interesses do Estado é

sempre a política. Isto é, a política é a linguagem própria do Estado. Conquanto sempre

esteja se manifestando a respeito dos seus interesses econômicos, sociais e culturais, o

Estado o faz mediante o uso de políticas orientadas para cada um desses interesses. Nesse

sentido, todos os interesses estão embutidos nas relações políticas que o Estado sustenta

com os demais. Assim, de acordo com essa interpretação, Política Internacional nada mais é

do que as próprias Relações Internacionais.

Por fim, resta definir Política Externa, a qual, para P. A. Reynolds, pode ser definida

“como o conjunto de ações de um Estado em suas relações com outras entidades que

também atuam no cenário internacional, com o objetivo, a princípio, de promover o

interesse nacional.”5

Para Marcel Merle, “a Política Externa é [...] a parte da atividade do Estado que é

voltada para fora, isto é, que trata, em oposição à política interna, dos problemas que

existem além das fronteiras.”6

Como o próprio nome indica, de maneira inequívoca, a Política Externa constitui

um dos fatores que compõem as relações internacionais. É mediante a sua formulação, que

o Estado define as prioridades, expectativas e alianças para atuar no quadro das relações

internacionais.

Ainda que não seja propósito deste texto entrar na discussão sobre o conceito de

Política Externa, vale assinalar que as definições acima contêm duas questões polêmicas. A

primeira delas, formulada por P. A. Reynolds, diz respeito à idéia de interesse nacional.

Esse conceito, exaustivamente examinado por Joseph Frankel7, ocupa posição central na

teoria Realista de Hans J. Morgenthau8. De maneira simplificada, pode-se dizer que a mais

séria objeção a esse conceito é a de que as decisões de política externa , tomadas pelos

governantes, são resultado de um processo decisório do qual participam diversos grupos, os

quais, por sua vez, procuram fazer com que a sua visão particular dos problemas se

5 REYNOLDS, P. A. Introduccion al Estudio de las Relaciones Internacionales. Madrid : Tecnos, 1977. p. 46. 6 MERLE, Marcel. La Politique Étrangère. Paris: Presses Universitaire de France, 1984. p. 7. 7 FRANKEL, Joseph. National Interest. London: Pall Mall Press, 1970. 8 MORGENTHAU, Hans J. Politics Among Nations : The Struggle for Power and Peace. New York: Alfred A. Knopf, 1985.

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sobreponha à dos demais grupos que competem no processo de formulação de políticas.

Isso significa dizer que há rejeição à idéia realista, segundo a qual o Estado funciona no

meio externo conforme uma racionalidade situada acima das contradições que agitam a

nação.

A segunda questão polêmica, contida na definição de Marcel Merle, refere-se à relação

externo/interno. Neste caso, a discussão gira em torno do tema relativ o à existência de dois

campos distintos, ou seja, as políticas interna e externa têm autonomia uma face à outra, ou

uma constitui a simples extensão da outra? Resta, ainda, o questionamento acerca da

predominância de uma sobre a outra, ou seja, a política externa determina a política interna,

ou é por ela determinada? 9

3 Relações internacionais como objeto de estudo

Como ocorre em todas as demais Ciências Sociais, parte dos estudiosos das

Relações Internacionais está permanentemente envolvida na reflexão epistemológica sobre

a definição do seu objeto de estudo, num exercício absolutamente necessário , uma vez que

a realidade está em permanente mutação.

A dinâmica das relações internacionais, constantemente determinando o surgimento de

novos atores e a abertura da discussão de novas questões internacionais, representa

contínuo desafio à capacidade analítica das teorias estabelecidas. Daí a razão porque se

apresenta, como absolutamente necessária, a tarefa de rever os pressupostos e os

instrumentos conceituais da disciplina, pois, do êxito de la, depende o avanço da ciência e a

conseqüente elevação do nível de conhecimento sobre a realidade estudada. E o principal

desafio que se oferece àqueles que se dedicam a esse trabalho, é justamente responder, com

precisão, à seguinte pergunta: o que é a realidade das relações internacionais?

Todos aqueles que têm investido nessa reflexão sabem o quanto uma resposta

categórica e definitiva a essa pergunta é difícil. Difícil, antes de tudo, em virtude da

imaterialidade do objeto que se deseja conhecer. Ao contrário do que é comum no âmbito

das ciências naturais, as relações internacionais não tem existência física; elas são, por

assim dizer, uma abstração; uma vez que só existe como produto do pensamento. Desse

9 MERLE, op. cit.

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modo, por não constituírem uma realidade sensível, sua definição acaba por ser arbitrária,

tendo em vista que, cada qual se julga capaz de determinar, com maior correção, os

contornos das relações internacionais como objeto de conhecimento.

Convém, no entanto, ter cautela. Afirmar que a definição de relações internacionais,

como objeto de conhecimento, é arbitrária, não significa dizer que ela é aleatória. A

definição é arbitrária, porque o objeto não se auto-evidencia. Ele requer que se o destaque e

o separe de tudo o mais que o cerca e possa, com ele, se confundir. Nesse aspecto, a

situação do estudioso das relações internacionais não é confortável como a do biólogo

dedicado ao estudo dos seres marinhos: este não precisa dispender muito esforço para

apresentar o peixe como seu objeto de conhecimento. Porque, apesar dessa denominação

ter- lhe sido atribuída pelos homens e não por eles próprios, os peixes são imediatamente

reconhecidos, sem suscitar controvérsias. Por mais que o tamanho, a forma e a cor possam

variar, o fato é que as características básicas identificadoras do animal como peixe , estão

sempre evidentes.

Por outro lado, a definição das relações internacionais como objeto de estudo não é

aleatória porque, independentemente da orientação seguida, alguns elementos

característicos impõem-se como obrigatórios a qualquer uma das definições que venha a ser

elaborada. Por essa razão, elas guardam muitas semelhanças entre si e, no mais das vezes,

apresentam distinções sutis. Por exemplo, por mais ampla e inclusivamente que se queira

definir o objeto das relações internacionais, não há como deixar de considerar as relações

políticas entre os Estados como seu componente importante. Entretanto, a afirmação que o

cidadão comum, não investido de qualquer função oficial de seu Estado, possa ser ator das

relações internacionais, já não goza mais da mesma aceitação entre as linhas teóricas que

compõem o universo da disciplina.

Essas variadas definições da realidade das relações internacionais podem ser

sintetizadas em dois grandes grupos: o primeiro deles é aquele cujas definições

compreendem os fenômenos paz e guerra; armas nucleares e desarmamento; imperialismo e

nacionalismo; as relações assimétricas entre sociedades ricas e sociedades pobres;

preservação do meio ambiente; combate ao narcotráfico; combate ao terrorismo

internacional; defesa dos direitos humanos; influência das instituições religiosas;

organizações internacionais, processos de integração regional; formação e fragmentação

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dos Estados; comércio e ação das corporações multinacionais; raça e gênero em todo o

mundo; desenvolvimento e transferência de tecnologia; globalização.

O segundo grupo apresenta as relações internacionais como o resultado das relações

entre os Estados. Enquanto, no primeiro grupo de definições, a realidade das relações

internacionais é apresentada como extremamente ampla, incluindo fenômenos que dizem

respeito a diversos domínios da vida em sociedade e relativos a situações tanto de conflito

como de cooperação, no segundo grupo, essa realidade é apresentada como,

fundamentalmente, constituída por conflitos entre os interesses respectivos a cada Estado.

No primeiro grupo, qualquer um dos fenômenos citados pode assumir a condição de objeto

de análise das Relações Internacionais; no segundo, por sua vez, tais fenômenos são

concebidos como produto das relações diplomáticas, militares e estratégicas que os Estados

(China, Bélgica, Venezuela, Alemanha, Japão, Estados Unidos, p. e.) estabelecem entre si.

As disparidades apresentadas por esses conjuntos das possíveis características das

definições possíveis de relações internacionais são, contudo, mais aparentes do que reais. E

o que faz com que as diferenças sejam apenas aparentes é a idéia de anarquia – a qual, de

fato, passa a ser o elemento unificador de todas as variadas concepções da realidade das

relações internacionais. Para esse efeito, anarquia significa a inexistência de uma

autoridade central, com legitimidade para criar leis e dispor de poder para fazer com que

essas leis sejam obedecidas. Em virtude dessa ausência de algo como um governo mundial,

que centralize as decisões, as relações e interações internacionais assumem uma

importância fundamental para o conhecimento da realidade internacional. Embora, como

será visto mais adiante, haja dive rgências entre as correntes teóricas, o aspecto mais

importante é que as principais delas encaram a figura jurídico-política do Estado como a

referência principal. A ausência de um poder que desempenhe, em escala internacional, o

papel que o Estado desempenha em escala nacional constitui, para as diversas orientações

teóricas, a pedra angular das Relações Internacionais. Essa característica específica permite

afirmar não só a existência do objeto de conhecimento denominado relações internacionais,

mas, também, que esse objeto não se confunde com outros objetos de conhecimento que

contêm algumas características iguais.

As possibilidades de uso de diversas definições da realidade das relações

internacionais, entretanto, não se apresentam, para o estudioso da matéria, como mera

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questão de conveniência. Pelo contrário, a opção por qualquer uma das definições

determina um correspondente conjunto de conseqüências, as quais, vale dizer, são de ordem

teórica e metodológica, pois a maneira como definimos a realidade é a mesma maneira

como a entendemos, de tal modo que, entre a realidade e sua definição, encontra-se sempre

presente a teoria.

4 Relações Internacionais como disciplina

A disciplina Relações Internacionais é jovem, tendo em vista que o seu nascimento

se deu logo após a Primeira Guerra Mundial,** um acontecimento que constituiu a razão

fundamental para o seu surgimento. Em virtude do novo caráter industrial e tecnológico,

que a revestia, a Primeira Guerra Mundial foi a primeira guerra total, onde já não distinguia

mais, com clareza, frente e retaguarda, combatentes e civis. Ao findar, deixou um rastro de

devastação sem precedentes. Enquanto todas as guerras européias, entre 1802 e 1913,

haviam produzido o total de 4,5 milhões de mortos, a Primeira Guerra Mundial, sozinha, foi

responsável por cerca de 10 milhões de homens mortos, a maioria com menos de 40 anos

de idade; 10 milhões de refugiados; 5 milhões de viúvas; e 9 milhões de órfãos. Somente na

famosa batalha do Somme, franceses, ingleses e alemães perderam, juntos, quase um

milhão de homens. No plano material, a destruição resultou, em 1920, numa significativa

redução da produção industrial (de 1/4 ), em relação a 1913.10 Por essa razão, quando o

conflito chegou ao fim, os líderes das potências vencedoras foram fortemente pressionados,

pela opinião pública de seus respectivos países, para punir, duramente, os responsáveis pela

guerra e, também, para tomar as providências necessárias a fim de que outra guerra como

aquela não voltasse a acontecer. Assim, em função da enorme capacidade bélica decorrente

das conquistas tecnológicas do capitalismo oligopolista, como também o alcance

geográfico mundial do conflito, percebeu-se a necessidade de ser promovido o

** Essa data de nascimento é contestada por Brian C. Schmidt (The Political Discourse of Anarchy: A Disciplinary History of International Relations. Albany: State University of New York Press, 1998), Esse autor considera que a disciplina nasceu bem antes da Primeira Guerra, como derivação da discussão acadêmica dos cientistas políticos norte-americanos sobre a Teoria do Estado. 10 LOWE, Norman.Guía Ilustrada de la Historia Moderna.Mexico: Fondo de Cultura Económica, 1995. p. 44.

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conhecimento da realidade das relações internacionais, particularmente dos mecanismos

que engendram as guerras.

Para cumprir essa finalidade, como já foi dito nas linhas iniciais do presente texto,

foi criada, em 1919, na Universidade de Gales (Aberyswyth), a Cátedra Woodrow Wilson

de Política Internacional, a primeira cátedra de Relações Internacionais do mundo, a qual

foi financiada pelo filantropo David Davies e ocupada por Alfred Zimmern (1879 – 1957)

e, mais tarde, em 1936, por Edward Hallett Carr (1892 – 1982). No ano seguinte (1920),

cumprindo compromisso assumido pelas duas delegações presentes à Conferência de Paz

de Paris de “levar a efeito o estudo sistemático das relações internacionais”, foram criados,

na Inglaterra, o Royal Institute of International Affairs e, nos Estados Unidos, o Council of

Foreign Relations.11

As relações internacionais, na verdade, sempre foram estudadas. Melhor dizendo,

desde que o sistema europeu de Estados formou-se, a partir da Paz de Westphalia (1648),

estadistas e intelectuais em geral passaram a se dedicar à reflexão sobre os fenômenos da

paz e da guerra entre os Estados.

Pensadores da estatura intelectual de Nicolau Maquiavel, Immanuel Kant, Jean-Jacques

Rousseau, como tantos outros mais, demonstraram a grande importância desses fenômenos

para a definição das instit uições políticas. Portanto, o fato para o qual se procura, aqui,

chamar a atenção, é o de que a decisão das elites intelectuais européia e norte-americana de

fazer, ao fim da Primeira Guerra Mundial, das relações internacionais, um objeto de

ciência, não constituiu algo rigorosamente inovador. O que se considera digno de registro é

a nova maneira como estudiosos e estadistas passaram a encarar o estudo das relações

internacionais. Antes da guerra, as respostas para os problemas internacionais eram

elaboradas segundo a ótica do Direito Internacional, da Diplomacia e da História

Diplomática. A Primeira Guerra Mundial, em virtude de sua abrangência, serviu para

mostrar que essas abordagens estavam inteiramente superadas, uma vez que já não eram

mais capazes de produzir respostas satisfatórias. Para dar conta dos novos problemas

internacionais, suscitados pela expansão da rede de trocas e de fluxos de capitais da

economia internacional, bem como pelo surgimento de novas potências, fora do perímetro

europeu, com ambições de virem a desempenhar papel de destaque no cenário

11 BROWN, Chris . Understanding International Relations . London: MacMillan Press, 1997. p. 24.

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internacional, fazia-se, então, necessária a criação de nova disciplina, a qual deveria, por

assim dizer, exprimir, em sua abordagem, a amplitude que passara a caracterizar a nova

realidade das re lações internacionais.

Desde que o projeto de construção da disciplina de Relações Internacionais foi

lançado, os estudiosos têm procurado definir, com o maior rigor possível, os limites de seu

objeto de estudo. Além disso, têm procurado elaborar os instrumentos teórico-conceituais

que tornem possível a análise desse mesmo objeto. Não há dúvida de que a grande

dificuldade enfrentada nessa tarefa de configuração da nova disciplina é assegurar- lhe o

indispensável caráter interdisciplinar. Ou seja, definir os contornos de uma disciplina capaz

de produzir uma visão integrada do meio internacional; uma disciplina cujo alcance vá

além das visões parciais da Economia Internacional, do Direito Internacional, da História

Internacional e da Política Internacional. Es se desafio, vale assinalar, tem se renovado à

medida que as relações internacionais têm evoluído, tornando-se a cada dia mais

complexas. Assim o foi, depois da Segunda Guerra Mundial, ocasião em que os estudiosos

tiveram que passar a levar em conta o advento das armas nucleares e a luta iniciada pelos

povos colonizados em favor de sua independência face às metrópoles européias. Assim tem

sido, a partir da última década do século XX, com os estudiosos tentando elucidar a nova

estrutura do sistema internacional e, ao mesmo tempo, decifrar o fenômeno da globalização

e de seus surpreendentes efeitos gerais.

Essa procura do perfil teórico-conceitual ideal das Relações Internacionais, com

vistas à obtenção das mais confiáveis análises da realidade, tem ocasionado grande disputa

intelectual que, por sua vez, tem levado o campo teórico da disciplina à situação de

fragmentação. Tantas são as propostas teóricas que vêm sendo apresentadas, que se torna

até difícil classificá-las. A maneira que aqueles dedicados ao estudo da evolução teórica da

disciplina, encontraram para mapear esse campo teórico, foi utilizar o conceito de

paradigma. Tomado de empréstimo do filósofo da ciência Thomas Kuhn12, esse conceito

tem servido para classificar as teorias segundo seu vínculo a determinados modos de

perceber a constituição e a dinâmica do meio internacional.***

12 KUHN, Thomas S . A Estrutura das Revoluções Científicas . São Paulo: Perspectiva, 1982. *** Barry Buzan, p. e., assim define paradigma: “Paradigmas são escolas de pensamento que têm sido constituídas mediante abordagens no estudo das relações internacionais que exploram alguns níveis, setores e normas em detrimento de outros. Cada paradigma é um tipo de lente compósita, que possibilita uma visão

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15

Apesar das dúvidas a respeito da adequação do conceito à realidade teórica das

Relações Internacionais, uma vez que foi elaborado em função de outra realidade científica,

seu uso, segundo alguns autores13, estaria plenamente justificado face à

incomensurabilidade de cada uma das diferentes correntes teóricas. Isto é, se cada corrente

teórica delimita o objeto ‘relações internacionais ’ de maneira a valorizar certos

componentes, os quais, por seu turno, são desvalorizados por outra corrente, que dá

prioridade a outros componentes, as análises resultantes do uso dessas teorias serão

diferentes uma das outras e, enfim, não haverá como compará-las em sua validade, tendo

em vista o fato de os focos da análise não terem sido os mesmos. Para simplificar:

diferentes teorias produzem diferentes análises e, como não existe linguagem neutra para

julgar a superioridade de uma teoria sobre a outra, a escolha da melhor só pode ser

determinada pelo livre arbítrio do analista. Assim, conquanto Thomas Kuhn tenha

formulado o conceito paradigma para explicar a ascensão e queda das grandes formulações

teóricas, seu uso, no âmbito das Relações Internacionais, estaria justificado em função

dessa realidade de fragmentada constituição.

O uso do conceito paradigma não é suficiente, contudo, para resolver a questão do

mapeamento do campo teórico das Relações Internacionais: se, de um lado, o conceito

ajuda, ao agrupar as teorias assemelhadas, de outro, cria algumas dificuldades, à medida

que há muitas divergências quanto aos próprios paradigmas. Por exemplo, Ole Waever14

considera a existência de três paradigmas: Realismo, Pluralismo/Interdependência e

Marxismo/Radicalismo. Graham Evans e Jeffrey Newham15 consideram os sete paradigmas

seguintes: Realismo, Behaviorismo, Neorealismo, Neoliberalismo, Teoria do Sistema

Mundial, Teoria Crítica e Pós-Modernismo. Charles W. Kegley, Jr. e Eugene R. Wittkopf16

enumeram seis paradigmas: História Imediata (Current History), Liberal Idealismo,

Realismo, Behaviorismo, Neorealismo e Neoliberalismo. Robert Jackson e Georg

seletiva das relações internacionais. Igual a qualquer outra lente, a leitura através dela permite que determinadas características apareçam mais fortemente, enquanto outras características quase desapareçam”. 13 WAEVER, Ole . The rise and fall of the inter-paradigm debate. In: SMITH, Steve; BOOTH, Ken; ZALEWSKI, Marysia (Eds.).Interntional theory: positivism & beyond. Cambridge: Cambridge University Press, 1996. p. 149-185. 14 Ibidem. 15 EVANS, Graham ; NEWHAM, Jeffrey.The Penguin Dictionary of International Relations .London: Penguin Books, 1998. p. 275. 16 KEGLEY, Charles W. ; WITTKOPF, Eugene R. World Politics : Trend and Transformation. New York: St. Martin’s Press, 1997. p. 18.

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16

Sorensen17 destacam quatro paradigmas: Realismo, Liberalismo, Sociedade Internacional e

Economia Política Internacional. E, por último, Hedley Bull18 indica apenas três

paradigmas: Hobbesiano ou Realista, Kantiano ou Universalista e Grotiano ou

Internacionalista.

Como a classificação desses autores deixa transparecer, há paradigmas cuja

nomeação é unânime, como é o caso do Realismo; há outros que recebem nomes diferentes,

tais como Liberalismo/Liberal Idealismo/Pluralismo/Interdependência; e, ainda, há aqueles

que só aparecem em uma classificação, como são os casos de Teoria do Sistema Mundial,

de Sociedade Internacional e de Economia Política Internacional. Vale observar, enfim, que

essa lista poderia ser aumentada e tornada ainda mais confusa, se outros autores fossem

arrolados.

Ainda que haja um interesse crescente, por toda a parte, em relação às Relações

Internacionais, a discussão teórica, tal como o quadro acima revela, permanece como uma

discussão entre acadêmicos norte-americanos e ingleses, confirmando as palavras de

Stanley Hoffmann, no sentido de que Relações Internacionais é uma disciplina norte-

americana .19

Como já foi visto, esse interesse dedicado, pela academia norte-americana, às

Relações Internacionais deve-se, em grande medida, aos esforços iniciados depois da

Primeira Guerra Mundial e, sobretudo, ao assombroso investimento realizado pelo Governo

dos EUA em pesquisas, publicações e viagens, logo depois da Segunda Guerra Mundial.20

Na ocasião, aquele governo buscou estimular a formação de especialistas em todas as áreas

(conhecimento de regiões, de países e de questões internacionais), de modo que o

conhecimento, por eles produzido, se configurasse na base para a ação externa e,

naturalmente, para a execução do projeto hegemônico do Estado. Nesse sentido, a

discussão teórica na qual estão envolvidos os estudiosos norte-americanos não deve ser

17 JACKSON , Robert; SORENSEN, Georg. Introduction to International Relations .Oxford: Oxford University Press, 1999. p. 34. 18 BULL, Hedley. The Anarchical Society: A Study of Order in World Politics. London: MacMillan Press, 1977. p. 24. 19 HOFFMANN, Stanley. An American Social Science: International Relations. In: DER DERIAN, James (Eds.). International Theory: Critical Investigations. London: MacMillan Press, 1995. p. 212-241. 20 PLATIG, E. Raymond. International Relations as a Field of Inquiry. In: ROSENAU, James N. (Ed.). International Politics and Foreign Policy: a reader in research and theory. New York: The Free Press, 1969. p. 6-19. Neste artigo, o autor apresenta o volume de recursos investidos e discrimina as áreas de pesquisa beneficiadas.

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17

interpretada como mera disputa de preferências pessoais e de rivalidades de grupos

universitários. Essa contenda, na verdade, tem um pano-de-fundo político: o trabalho de

preservação do status quo internacional. Subjacente à polêmica sobre os paradigmas e

sobre a validade do uso de conceitos como equilíbrio de poder, governabilidade

internacional e globalização, encontra-se a questão fundamental, relativa ao substantivo

apoio da Academia à luta pela conservação da posição hegemônica por parte do Estado

norte-americano.

Por tais motivos, a primazia norte-americana , no estudo das Relações

Internacionais, faz com que a história da disciplina coincida com sua história no ambiente

acadêmico norte-americano.

5 A evolução teórica das Relações Internacionais

A evolução teórica das Relações Internacionais tem sido marcada por “Grandes

Debates”21 – os quais registram o confronto das teorias emergentes com as teorias

dominantes. Não por coincidência, o confronto entre novas e antigas teorias tem se seguido

a mudanças significativas na estrutura e no funcionamento do sistema internacional. Por

entender que a teoria dominante não é capaz de dar conta de elementos novos, que se

destacam no curso das relações internacionais, os pesquisadores buscam aprofundar suas

reflexões com a finalidade de obter formulações teóricas mais ricas, que abram o caminho

para o conhecimento mais verdadeiro da realidade das relações internacionais.

O primeiro desses “Grandes Debates” aconteceu ao longo da década de 1930,

opondo a corrente dominante Liberal- idealista à corrente emergente do Realismo. A

primeira corrente acredita na perfectibilidade humana, no Direito Internacional e nas

possibilidades de haver paz entre os Estados. Para os Idealistas, a realização desses ideais

depende do aperfeiçoamento das instituições internacionais, o qual, por sua vez, deve

resultar da cooperação entre os estadistas. Para a corrente Realista, por outro lado, as

21 GROOM, A. J. R.; LIGHT, Margot. Contemporary International Relations : A Guide of Theory. London: Pinter Publishers, 1994. DEL ARENAL, Celestino. Introducción a las Relaciones Internacionales . Madrid: Tecnos, 1990. MERLE, Marcel. Sociologia das Relações Internacionais . Brasilia, UNB, 1981. BRAILLARD, Philippe. Teoria das Relações Internacionais . Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1990.

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18

relações internacionais são determinadas pelas relações de poder. Os Realistas desdenham

do Direito Internacional, por considerarem que o direito prevalece somente enquanto não

colidir com os interesses daqueles Estados que dispõem de recursos para impor seus

interesses aos demais. Na realidade, acreditam que o direito e a ordem internacional

decorrem diretamente, da correlação de forças entre aqueles que detêm maior poder.

As mudanças ocorridas na estrutura do sistema internacional após a Segunda Guerra

Mundial pareciam, assim, confirmar a validade dessas teses realistas. A formação dos dois

blocos de poder antagônicos e a rivalidade das duas superpotências (norte-americana e

soviética), hegemônicas em seus respectivos blocos, ameaçando, a qualquer pretexto,

iniciar uma guerra atômica, não davam margem a dúvidas de que as possibilidades de se

alcançar a paz mundial, tal como o pensavam os Idea listas, não passavam de uma grande

ilusão.****

O segundo “Grande Debate” aconteceu no final dos anos 1950, numa polêmica que

marcou a maior participação do mundo acadêmico norte-americano na discussão teórica

das Relações Internacionais. O conteúdo desse debate foi, fundamentalmente, de ordem

metodológica, opondo Behavioristas a Tradicionalistas. O interesse dos críticos

Behavioristas não era demonstrar a ineficácia da teoria Realista, mas sim, elevar sua

credibilidade, por meio da introdução de metodologias científicas.

Para os críticos, a teoria Realista, tal como desenvolvida por estudiosos como Hans

Morgenthau, principalmente, formava-se por conceitos excessivamente gerais, os quais

eram apresentados, equivocadamente como leis universais da política. Os Behavioristas não

duvidavam da possibilidade de prever o comportamento dos Estados. Porém, consideravam

que isso somente poderia ser feito mediante o uso de metodologias adequadas, tais como os

modelos matemáticos. De acordo com a nova metodologia proposta, os dados considerados

importantes para a formação do poder do Estado deviam ser mensurados. A partir daí, as

****“The Great Illusion” foi o título dado por Norman Angell a seu livro, publicado em 1909 (London, Weidenfeld & Nicolson) . Nele, o autor defendeu a tese segundo a qual não havia possibilidades de guerra no mundo. No seu entendimento, o capitalismo internacionalizara -se de tal modo que a guerra seria uma demonstração de desvairada irracionalidade. Acreditava Angell, que os grandes grupos econômicos não permitiriam a destruição de seu capital físico, espalhado pelos diferentes países da Europa, nem tampouco das redes de comercialização de mercadorias e investimentos. Contudo, a guerra aconteceu. Como observa Chris Brown ( Understanding International Relations), a racionalização do processo realizada por N. Angell procedia. O problema, no entanto, é que N. Angell acreditava no comportamento humano pautado exclusivamente pela razão.

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19

variações e as simulações de variações constituiriam o material da análise do especialista.22

Em sua perspectiva, era essa incorporação de conceitos e modelos, advindos de outras

ciências, que garantiria, às Relações Internacionais, seu caráter científico.

Ao invés, portanto, de procurar formular teorias que pudessem dar conta das

relações internacionais em toda sua abrangência, tal como o faziam os Realistas

Tradicionalistas, os Behavioristas defendiam a tese segundo a qual seria a partir de modelos

explicativos limitados (tais como a Teoria dos Jogos e o Modelo de Comunicação) que

seria possível, chegar das partes, ao todo e, consequentemente, a uma visão mais precisa

das relações internacionais.23

No contexto desse mesmo “Segundo Debate”, ao lado da corrente Behaviorista, veio

à tona o Modelo Sistêmico. Diretamente inspirada no modelo formulado por David Easton,

cujo objetivo era analisar a vida política interna dos Estados,24 a denominada corrente

Funcionalista introduziu e consolidou o uso do conceito de sistema nas Relações

Internacionais. Embora, em sua concepção original, a idéia de sistema esteja voltada para a

análise de ambientes políticos restritos, dada a necessidade de controlar as variáveis

passíveis de influenciar o comportamento dos atores e do sistema como um todo,

estudiosos, como Morton Kaplan, deram, ao conceito de sistema internacional, caráter

heurístico, o qual deveria conduzir o analista, mediante o uso de sistemas possíveis, ao

conhecimento geral da realidade das relações internacionais.25

O terceiro “Grande Debate”, conhecido como o “Debate dos Paradigmas”,

transcorreu ao longo dos anos 1970. Os estudiosos norte-americanos Robert Keohane e

Joseph Nye foram seus principais protagonistas. Contra as teses centrais da corrente

Realista, ambos co-editaram as duas principais obras em defesa das teses da

22 Para se obter uma visão geral sobre a intervenção teórica dos Behavioristas, ver: Merle, Marcel. Sociologia das Relações internacionais. Brasília: UNB, 1981. 23 RAPOPORT, Anatol. Lutas, Jogos e Debates . Brasília, UNB, 1980. FRANKEL, Joseph. Contemporary International Theory and the Behaviour of States . Oxford: Oxford University Press, 1973. DEUTSCH, Karl. Análise das Relações Internacionais . Brasília: UNB, 1978. HOFFMANN, Stanley . Teorias Contemporaneas sobre las Relaciones Internacionales . Madrid: Tecnos, 1963. 24 EASTON, David . Uma Teoria de Análise Política. Rio de Janeiro: Zahar, 1968. 25 KAPLAN, Morton. System and Process in International Politics . New York: J. Wiley, 1964. Os sistemas internacionais possíveis, propostos pelo autor, são os seguintes: 1) Sistema de Equilíbrio; 2) Sistema Bipolar Flexível; 3) Sistema Bipolar Rígido; 4) Sistema Internacional Universal; 5) Sistema Internacional Hierárquico; 6) Sistema Unit Veto.

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20

Interdependência Complexa, Transnational Relations and World Politics (1971) e Power

and Interdependence: World Politics in Transition (1977).26

As reflexões desses autores tinham, como base empírica, algumas significativas mudanças,

que ocorriam no sistema internacional, dentre as quais, destacavam-se o abandono do

padrão-ouro de Bretton Woods ; o primeiro choque do petróleo; o fim da Guerra do Vietnã;

e o início das tensões comerciais entre os Estados Unidos e o Japão. Devido ao impacto

produzido por esses acontecimentos, denotadores da perda relativa do poder dos Estados

Unidos e, simultaneamente, da importância crescente dos fatores econômicos nas relações

internacionais, ambos argumentavam que já não era mais possível pensar o sistema

internacional exclusivamente do ângulo da segurança, como o faziam os Realistas. A

economia internacional havia evoluído para uma etapa em que o poder passava a ser

exercido mediante o uso exclusivo dos mecanismos financeiros e comerciais, sem haver a

necessidade do uso ostensivo da força militar. Tornava-se necessário , então, diziam esses

Pluralistas, reformular a teoria das Relações Internacionais, de modo a absorver esses novos

fatores de mudança da realidade.

Assim, em oposição ao Realismo, os Pluralistas afirmavam que o Estado não podia

mais ser considerado como o único ator válido das relações internacionais; era hora de se

reconhecer a existência e a influência de outros importantes atores, tais como as próprias

diferentes instâncias do aparato burocrático estatal, como também as organizações não-

governamentais, especialmente representadas pela corporação multinacional.

Afirmavam, igualmente, a crescente importância das relações de cooperação, as

quais tendiam a sobrepujar as relações de poder entre os Estados. Finalmente, contra a tese

Realista da hierarquia das questões internacionais encimada pelas questões de segurança,

insistiam na importância relativa das questões internacionais, cuja proeminência variava

segundo a conjuntura e os diferentes foros de atuação dos atores.

A crítica Pluralista ao Realismo, vale dizer, produziu reação da parte da corrente

Realista, da mesma forma que levou os Pluralistas a se situarem melhor no contexto da

polêmica por eles criada. E o resultado desse processo acabou por desenhar o quadro das

26 KEOHANE, Robert; NYE, Joseph. Transnational Relations and World Politics . Cambridge: Harvard University Press, 1971. ______. Power and Interdependence: World Politics in Transition. Boston: Little Brown, 1977.

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21

opções teóricas atuais. Isso porque, de um lado, o Realismo, ao promover alguns ajustes em

seu corpo teórico, se fez neo-realismo. De outro lado, o Pluralismo, para responder às

críticas dos teóricos da Dependência (os quais não podiam admitir a idéia de

interdependência complexa com assimetria ), assumiu seu caráter abertamente liberal,

convertendo-se, então, em Neoliberal.

A visão panorâmica das Relações Internacionais ficaria incompleta, no entanto, se

não fosse feita referência à “Escola Inglesa” e ao “Debate Pós-Positivista”.

Também conhecida como corrente teórica da “Sociedade Internacional”, a “Escola

Inglesa” é uma das poucas correntes de grande prestígio , que se desenvolveu fora do

ambiente acadêmico norte americano. A essa corrente, pertencem nomes expressivos como

Martin Wight,27 Adam Watson,28 Terry Nardin ,29 John Vincent,30 Michael Walzer31 e

James Mayall.32 Todavia, o nome mais conhecido é o do australiano Hedley Bull (1932 –

1985), que desenvolveu a carreira acadêmica na London School of Economics, e em

Oxford.

A particularidade da “Escola Inglesa” está no fato de ter proposto a análise das

Relações Internacionais a partir do marco filosófico fixado por Hugo Grotius 33 (1583 –

1645), nascido na Holanda e conhecido por muitos juristas como o “pai do Direito

Internacional”. Em Do Direito da Guerra e da Paz (1625), esse hola ndês defendia a

necessidade de se estabelecer normas de comportamento para os Estados da Europa,

27 WIGHT, Martin . Systems of States . London: Leicester University Press, 1977; ______. A Política do Poder. Brasilia: UNB, 1978. ______. International Theory: The Three Traditions. London: Leicester University Press, 1991. 28 BULL, Hedley; WATSON, Adam (Ed s.). The Expansion of International Society. Oxford: Clarendon Press, 1984. WATSON , Adam. The Evolution of International Society. London: Routledge, 1992. 29 NARDIM, Terry . Law, Morality and the Relations of States. New Jersey: Princeton University Press, 1983. NARDIM, Terry; MAPEL, David R. (Eds.). Traditions of Internati onal Ethics. Cambridge: Cambridge University Press, 1993. 30 VINCENT, John. Nonintervention and International Order. New Jersey: Princeton University Press, 1974. ______. Human Rights and International Relations. Cambridge: Cambridge University Press, 1986. 31 WALZER, Michael. Just and Unjust Wars: A Moral Argument with Historical Illustrations. New York: Basic Books, 1992 . ______.Thick and Thin: Moral Argument at Home and Abroad. Notre Dame : University of Notre Dame Press, 1984. 32 MAYALL, James. Nationalism and International Society . Cambridge: Cambridge University press, 1989. ______. The New Interventionism: 1991 – 1994. Cambridge: Cambridge University Press, 1996. 33 GROCIO, Hugo . Del Derecho de la Guerra y de la Paz. Madrid : Editorial Reus, 1925.

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22

mesmo sob condições de guerra. Para ele, o fato de os Estados europeus pertencerem à

mesma civilização cristã, estando todos submetidos ao mesmo direito natural, distinguia-os

como partes integrantes da sociedade internacional. Por isso, os príncipes europeus deviam,

quando em guerra, respeitar tanto os direitos dos neutros, quanto respeitar o direito ao livre

uso dos mares, e não se conduzir tal como estivessem em guerra contra não-cristãos, uma

circunstância na qual tudo era permitido. De certa forma, esses princípios defendidos por

Grotius acabaram por formar a substância dos Tratados de Westphalia (1648), os quais

foram assinados horas depois da sua morte e encerraram as Guerras de Religião.34

Ao seguir o caminho apontado por Grotius, Hedley Bull argumentou em favor da

existência da “sociedade internacional”, um conceito que, pode-se dizer, forma o eixo

central da “Escola Inglesa”. O uso desse conceito preenche o espaço que separa, segundo

Martin Wight,35 a tradição Hobbesiana da tradição Kantiana. Para Bull, o fato de, no meio

internacional, não existir governo central com capacidade de fazer respeitar as leis, não

impede de se falar da existência da sociedade internacional. Apenas pondera que tal

sociedade é de tipo diferente das sociedades nacionais, sendo a sua principal diferença, o

caráter anárquico da sociedade internacional. Contra a posição dos Realistas, que não

admitem a idéia de sociedade internacional justamente devido à inexistência de governo

central, Bull chama a atenção para o fato de as relações internacionais não se resumirem às

decisões que dizem respeito à segurança do Estado, mas sim, por formarem uma densa teia

de relações que supõem alta dosagem de cooperação e, também, a partilha de valores

culturais comuns. Uma partilha que se tornou historicamente possível em virtude da

ocidentalização do mundo promovida pelos povos europeus, a partir da idade Moderna.

Por fim, chegamos ao derradeiro Grande Debate, que é, também, o mais difícil de

ser resumido, tendo em vista sua amplitude e a ambigüidade conceptual que o cerca. O alvo

da crítica é o Realismo, ou melhor, são o Positivismo e o Empirismo, que constituiriam a

base da formulação teórica Realista.

As posições críticas, por sua vez, têm por origem a “Teoria Crítica”, o “Pós-Modernismo” e

o “Feminismo”, este não deixando de ser, também, parte do “Pós-Modernismo.”36

34 BULL, Hedley; KINGSBURY, Benedict; ROBERTS, Adam (Eds.). Hugo Grotius and International Relations . Oxford : Clarendon Press, 1992. 35 WIGHT, M. International Theory: The Three Tradiditions, Leicester: Leicester University Press, 1991. 36 HALLIDAY, Fred. Rethinking International Relations. London: MacMillan Press, 1994.

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23

Ainda que os críticos em geral identifiquem os mesmos problemas quanto à

composição teórica do Realismo, aqueles integrados à perspectiva da Teoria Crítica

conferem maior importância à dimensão política da questão. Avançando pelo caminho

aberto pela Escola de Frankfurt e, mais particularmente, pelo filósofo Jurgen Habermas,37

os críticos trabalham imbuídos do ideal Iluminista, segundo o qual a teoria deve servir,

primordialmente, à finalidade racional de promover a liberdade e a emancipação contra a

dominação e a tutela. Essa linha teórica trabalha no sentido de recuperar a teoria Marxista

como ponto de apoio da reflexão. Esta é a razão das críticas dessa corrente estarem

dirigidas contra três postulados principais do Realismo: a existência de uma realidade

externa objetiva; a formal distinção entre sujeito e objeto; e a convicção da existência de

uma ciência livre de valores.

A Teoria Crítica rejeita a idéia realista da existência do sistema de Estados, que

funciona segundo leis imutáveis e universais. Para essa escola teórica, a tese realista não

passa de um discurso formulado pelas grandes potências para eternizar a dominação que

exercem em nível mundial. O que os Realistas denominam sistema internacional, para os

críticos, na verdade, constitui uma construção histórica dirigida pelas grandes potências e

determinada pelo desenvolvimento do capitalismo. Como não admitem que a ciência seja

livre de valores, por conseguinte, afirmam que toda a teoria deve, não apenas produzir

análises, como também funcionar como alavanca para a mudança das relações sociais em

todo o mundo, liberando os homens das estruturas opressivas criadas pelo capitalismo e

mantidas pelas grandes potências.

A chamada crítica Pós-Modernista, por sua vez, caracteriza-se por um radicalismo

filosófico que não poupa nenhuma das teorias das Relações Internacionais, por considerá-

BOOTH, Ken; SMITH, Steve (Eds.). International Relations Theory Today. Pennsylvania: The Pennsylvania State University Press, 1995. GRIFFITHS, Martin. Realismo, Idealism & In ternational Politics: a reinterpretation. London: Routledge, 1992. NICHOLSON, Michael. International Relations : A Concise Introduction. London : MacMillan Press, 1998. SPEGELE Roger D. Political Realism in International Theory. Cambridge: Cambridge University Press, 1996. 37 HABERMAS, Jurgem. Knowledge and Human Interests . Boston: Beacon Press, 1972 . ______. Communication and the Evolution of Society. London: Heinemann, 1979. ______. Theory of Communicative Action. Boston: Veacon Press, 1984. v.1. ______. Theory of Communicative Action. Boston: Beacon Press, 1988. v.2. ______. La lógica de las ciencias sociales . Madrid, Tecnos, 1990.

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24

las, todas, partes da mesma metanarrativa. Para os críticos pós-modernos, as teorias das

Relações Internacionais, assim como todas as demais teorias sociais e a literatura, são

prisioneiras das mesmas armadilhas filosóficas Iluministas, segundo as quais a ciência tem

um superior e inigualável lugar na ordem do saber, por proporcionar conhecimento

objetivo, e a modernização conduzir ao progresso e ao maior bem estar para todos.

Não há teoria das Relações Internacionais que escape de tão abrangente arco crítico;

todavia, por ser a teoria mais influente no campo das Relações Internacionais, a Teoria

Realista é a mais visada pelos críticos pós-modernos.38 Para Jim George 39 e., mesmo em

sua forma mais sofisticada, o Realismo representa um anacrônico resíduo do Iluminismo

europeu, totalmente incompatível com a realidade do mundo pós-moderno. A idéia desse

autor, tanto quanto de outros críticos da mesma linha, é a de que não é possível existir

ciência das Relações Internacionais, mesmo porque não há realidade internacional objetiva.

O que se denomina ciência das Relações Internacionais é apenas uma narrativa, que se

impôs sobre todas as demais possíveis, em virtude do poder detido por aqueles que a

elaboraram. Nesse sentido, a ciência das Relações Internacionais é tão-somente a expressão

discursiva dos que exercem o poder.

A ação crítica dos pós-modernistas trabalha com vistas a promover a

“desconstrução” da narrativa Realista. Seu alvo central é o conceito de Estado como ator

fundamental das relações internaciona is, que age de modo racional para realizar seus

interesses e maximizar seu poder. Para os pós-modernistas, o Estado, como realidade

objetiva, simplesmente não existe ; trata-se de mera ficção construída por acadêmicos e

cidadãos, com a finalidade de dar significado as ações sociais que empreendem entre si.

Desse modo, a ação do Estado, no sistema internacional de Estados, não passa de uma

forma de construir uma narrativa sobre a relação entre indivíduos: uma história que, na

38 WENDT, Alexander. Anarchy is What States Make of it: The Social Construction of Power Politics. In: DER DERIAN, James. (Ed.). International Theory: Critical Investigations. London: MacMillan Press, 1995. p. 129 -177. CAMPBELL, David. Politics Without Principle: Sovereignty, Ethics, and the Narratives of the Gulf War. Boulder: Lynne Rienner, 1993. ASHLEY, Richard K. The Poverty of Neorealism. In: KEOHANE, Robert (Ed.). Neorealism and its Critics . New York: Columbia University Press, 1986. p. 255 -300. ______.The Pwers of Anarchy: Theory, Sovereignty, and the Domestication of Global Life . In: DER DERIAN, James. (Ed.). International Theory: Critical Investigations. London: MacMillan Press, 1995. p. 94-128. 39 GEORGE, Jim. Discourses of Global Politics: A Critical (Re)Introduction to International Relations. Colorado:Lynne Rienner Publishers, 1994. p. 12.

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25

verdade, pode ser criada e contada de várias outras formas, as quais dependerão, sempre, da

posição e dos interesses do indivíduo ou dos grupos que se proponham a construí- la.

Para finalizar este mapeamento dos Debates na área das Relações Internacionais, é

necessário trazer algumas palavras a respeito da questão do Gênero.

Por incrível que pareça, o questionamento das Ciências Sociais, a partir do ângulo

do Gênero, é um processo que data dos últimos vinte anos. No âmbito das Relações

Internacionais, no entanto, o processo é muito mais recente. Tal desinteresse pelas Relações

Internacionais, por parte dessa linha crítica seria decorrente, segundo Margot Light e Fred

Halliday,40 em primeiro lugar, da idéia de que as Relações Internacionais não têm limites

precisos, configurando-se apenas em uma extensão das questões nacionais. Em segundo

lugar, de que as Relações Internacionais tratam de questões de “alta política”, tais como

problemas de segurança e de diplomacia; ao passo que as questões de Gênero estariam

diretamente relacionadas à “baixa política”, como o são as políticas públicas.

Nas Relações Internacionais, a questão do Gênero pode apresentar-se de duas

maneiras, denominadas, pelos acima citados autores, como “mulher como categoria” e

“gênero como epistemologia”: Michael Nicholson41 denomina “empírica” e “teórica”. A

primeira forma de apresentar a questão é a daqueles que elaboram a narrativa das Relações

Internacionais que reclama da omissão do relato dos papéis desempenhados pelas mulheres

no processo histórico. Assim, mesmo tendo cumprido papéis altamente relevantes em

processos de luta pela independência, em movimentos de libertação nacional, em guerras e

em outras conjunturas marcadas pela tensão e pela tomada de decisões nos planos social e

nacional, as mulheres são praticamente ignoradas pelos homens, quando chega o momento

de elaborar a história de tais processos. Na segunda forma de apresentar a questão do

Gênero, a crítica destaca o fato de as teorias das Relações Internacionais serem elaboradas a

partir de um ponto de vista exclusivamente masculino. Tomando o Realismo como a

principal teoria das Relações Internacionais, argumenta que a definição do Estado, como

ator central, bem como a luta pelo poder, representando a grande motivação e a guerra, a

40 LIGHT, Margot; HALLIDA Y, Fred. Gender and International Relations. In: GROOM, A . J. R.; LIGHT, Margot (Eds.). Contemporary International Relations: A Guide of Theory. London: Pinter Publishers, 1994. p. 45-55. 41 NICHOLSON, Michael. International Relations : A Concise Introduction. London: MacMillan Press, 1998. p. 113.

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ocasião para a definição de um novo sistema internacional de poder exprimem tão-somente

o universo dos valores masculinos e jamais a verdade das relações internacionais; daí, pois,

a necessidade de se empreender uma abordagem que subverta tal situação e dê conta do

papel exercido pelas mulheres, como também a percepção que elas têm da realidade das

relações internacionais.

6 O Liberal Internacionalismo

A disciplina Relações Internacionais nasceu, na década de 1920, sob o signo

político- ideológico do Liberalismo. Isso significa que as teses centrais do pensamento

liberal, tal como as formularam John Locke,42 Montresquieu,43 Adam Smith44 e Immanuel

Kant,45 passaram a constituir as vigas mestras da teoria das Relações Internacionais.

Os teóricos liberais, por nutrir total confiança na capacidade normativa de seus

postulados, acreditavam que as idéias de livre-comércio, democracia e regulação jurídica

seriam suficientemente capazes de garantir a prosperidade e a paz no mundo.

O livre-comércio produziria esses efeitos pelo fato de aproximar os indivíduos

integrados a meios culturais diferentes. O comércio, nessa ótica, faria com que os povos se

tornassem mais flexíveis e compreensivos para com os usos e os costumes dos outros

povos. Além disso, o comércio cria ria inter-relacionamentos econômicos entre os Estados,

comprometendo-os na busca de vantagens mútuas que, enfim, leva riam à prosperidade

geral, restando remotas, as possibilidades de guerra.

Governos democráticos, por sua vez, têm inclinação natural para a cooperação e

repudiam a guerra como recurso para a solução de controvérsias. Nos governos autoritários,

em que poucos decidem em nome de todos, existe uma tendência natural para as soluções

de força; por seu turno, nos governos nos quais muitos participam das decisões, tende a

predominar a prudência e a solução via diálogo e negociação.

42 LOCKE, John. Dois Tratados Sobre o Governo (1690). São Paulo: Martins Fontes, 1998. 43 MONTESQUIEU. Do Espírito das Leis (1748). São Paulo: Abril Cultural, 1979. (Os Pensadores). 44 SMITH, Adam. A Riqueza das Nações (1776). São Paulo: Abril Cultural, 1983. (Os Economistas). 45 KANT, Immanuel. A Paz Perpétua: u m pojeto filosófico (1795/1796). In: KANT, Immanuel. A Paz Perpétua e Outros Opúsculos . Lisboa: Edições 70, 1988.

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27

O respeito ao Direito Internacional complementa essas idéias, porque o Direito age

no sentido de proporcionar alguma ordem na natural anarquia internacional. Por meio das

organizações internacionais, os liberais crêem ser possível estabelecer algum equilíbrio

entre os Estados e, assim, garantir segurança para os Estados mais fracos.

Essas idéias, profundamente enraizadas na cultura anglo-americana, foram

fortalecidas, ao fim da Primeira Guerra Mundial, em virtude, sobretudo, da intervenção do

Presidente norte-americano, Woodrow Wilson (1856-1923) na política internacional. Para

os governantes franceses e ingleses, a aquela Guerra havia resultado de alguma falha

existente no tradicional sistema de equilíbrio de poder, que regulava as relações entre as

grandes potências. Na concepção de Wilson, porém, o próprio sistema (fundado em

Westphalia), é que era incapaz de produzir paz durável, a qual, para ser alcançada, exigia,

segundo Wilson, uma intervenção enérgica, que fosse além do simples reajuste do sistema

de equilíbrio de poder. Ele considerava necessário , assim inaugurar um novo modo de

pensar as relações internacionais.

Essa sua intervenção aconteceu mediante a apresentação, em 8 de janeiro de 1918,

do documento que se tornou conhecido como os ‘Quatorze Pontos de Wilson’. Inicialmente

apresentado aos alemães como ponto de partida para a negociação do fim da guerra, esse

documento devia cumprir a finalidade de orientar o trabalho diplomático na Conferência de

Versalhes, sinalizando novos rumos para as relações entre os Estados. Em seus seis pontos

doutrinários, Wilson preconizava:

1) Convenções de paz abertas, abertamente concluídas, sem acordos secretos ulteriores;

2) Liberdade de navegação fora das águas territoriais;

3) Remoção de todas as barreiras comerciais;

4) Redução dos armamentos nacionais ao mínimo necessário à segurança dos Estados;

5) Atendimento das reivindicações de independência nacional das colônias; e

[...]

14) Formação de uma associação geral de nações, de acordo com convenções específicas,

com vistas a dar garantias mútuas de independência política e de integridade territorial aos

grandes e pequenos Estados46.

46 MOREIRA, Adriano; BUGALLO, Alejandro; ALBUQUERQUE, Celso (Coords.) Legado Político do Ocidente : o homem e o Estado. Rio de Janeiro: DIFEL, 1978. p. 212-213.

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28

Ao se assinalar a importância da intervenção de Woodrow Wilson para a criação da

disciplina Relações Internacionais, não se deve perder de vista que ela teve caráter

marcadamente normativo e, por outro lado, muito pouco científico. Como afirma Edward

Carr,47 é comum que a ciência, em seus inícios, esteja muito mais voltada para solucionar

os problemas próprios ao seu objeto, do que para o lento e difícil trabalho de lapidação

conceptual e de definição metodológica. Por seguir esse padrão, típico de toda ciência em

fase inicial, as Relações Internacionais sucumbiram à tentação utópica de promover a paz

mundial antes de conseguir formar um corpo teórico sólido, capaz de contribuir para a

produção de conhecimento confiável sobre a realidade internacional. Esse caráter utópico

evidencia-se nos títulos das obras publicadas. Em sua grande maioria, os livros apresentam,

em seus títulos, as palavras “paz” e “direito,” como se a vontade (por si só), pudesse mudar

a realidade.48

Esse estilo de comportamento acadêmico correspondeu a igual estilo de

comportamento diplomático. Na diplomacia, preponderou a idéia de que os conflitos

poderiam ser evitados recorrendo-se aos processos jurídicos de mediação e arbitragem.

Nesse sentido, são bem representativas as Conferências navais de Washington, mediante as

quais os Estados Unidos, o Reino Unido e o Japão tentaram exercer controle sobre o uso de

armamentos no Oceano Pacífico. Também foram representativas, a criação da Corte

Internacional de Justiça, em 1921, e a assinatura do Pacto Briand-Kellogg, em 1928, pelo

qual os signatários comprometiam-se a apelar para a arbitragem da Sociedade das Nações

como forma de resolver eventuais pendências, renunciando, portanto, ao emprego da força.

Enfim, seja no plano diplomático, seja no acadêmico, a visão liberal está sempre assentada

nas idéias de que a natureza humana é essencialmente boa e que o mau comportamento dos

homens decorre dos defeitos das instituições. Por essa razão, para os liberais, a reforma das

47 CARR, Edward H. Vinte Anos de Crise: 1919 – 1939. Brasília: UNB, 1981. p. 17. 48 Segue-se alguns importantes títulos como exemplos: ZIMMERN, Alfred E. The League of Nations and the Rule of Law 1918-35. London: Macmillan, 1936. SUTTNER, B. von. Lay Down Your Arms!. New YorK: Longmans, Green, 1914. EAGLETON, C. International Government . New York: Ronald Press, 1932. YORK, E. Leagues of Nations . New York:, Swarthmore University Press, 1919. LAUTERPACHT, H. The Function of Law in International Community. New York : Oxford University Press, 1933. SCOTT J. B. The Proceedings of the Hague Peace Conference. New York:Oxford Universwity Press, 1920. L. F. L. Oppenheim. International Law. London: Longmans, Green, 1937. BRIERLY, L. J. The Law of Nations . New York: Oxford University Press, 1928.

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29

instituições pode, perfeitamente, resultar na prevalência da cooperação e na redução dos

conflitos.*****

A crise dos anos 1930, a Segunda Guerra Mundial e a subsequente bipolarização do

sistema internacional em torno dos dispositivos nucleares dos Estados Unidos e da União

Soviética desacreditaram essas teses liberais das Relações Internacionais. A

desconsideração dos liberais para com a luta pelo poder teria demonstrado a enorme

distância existente entre o desejo de paz e prosperidade e a realidade conflituosa das

relações internacionais. Consequentemente, ao longo dos anos marcados pela Guerra Fria, a

Teoria Realista foi considerada pela maioria dos analistas, como a única capaz de exprimir,

com fidelidade, os aspectos fundamentais que davam sentido às relações internacionais em

todas suas dimensões.

No entanto, o fim da Guerra Fria levou a comunidade acadêmica à retomada das

teses liberais. O surgimento de temas que, para sua solução ou para seu equacionamento,

exigem a cooperação dos atores estatais e incluem atores não-governamentais (como o

combate ao narcotráfico, a defesa do meio ambiente, o combate ao terrorismo

internacional), bem como a maior internacionalização do capital, a globalização financeira

e, principalmente, a incapacidade, da Teoria Realista, de prever o colapso da União

Soviética e a dissolução do campo socialista constituem as razões freqüentemente

apontadas para explicar o seu desprestígio e a recuperação da Teoria Liberal, com vistas a

dar conta das relações internacionais contemporâneas.

***** Kegley Jr. e Wittkopf afirmam que as idéias e as ações diplomáticas liberal-idealistas da década de 1920 estavam baseadas nos seguintes pressupostos: a) a natureza humana é essencialmente “boa” ou altruística e as pessoas são, portanto, capazes de se ajudar e

colaborar mutuamente; b) a fundamental preocupação humana com o bem-estar dos outros torna o progresso possível (isto é, a fé

Iluminista na possibilidade de aperfeiçoamento da civilização foi reafirmado); c) o mau comportamento do homem, tal como a violência, não é resultante de sua natureza defeituosa, mas,

sim, do mau funcionamento das instituições, que o leva a agir egoisticamente em detrimento dos demais; d) a guerra não é inevitável e sua freqüência pode ser reduzida mediante a eliminação dos arranjos

institucionais que a estimulam; e) a guerra é um problema internacional que requer esforços coletivos ou multilaterais, mais do que

nacionais, para controlá-la; f) a sociedade internacional deve reorganizar-se a fim de eliminar as instituições que possibilitam as

guerras, e as nações devem reformar seus sistemas políticos de modo que a auto-determinação e o governo democrático possam ajudar pacificar as relações entre os Estados.

(KEGLEY, Charles; W. WITTKOPF, Eugene R. World Politics : Trend and Transformation. New York: St. Martin’s Press, 1997. p. 20).

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A retomada das teses liberais, na esfera das Relações Internacionais, por outras

palavras, o Neoliberalismo nas Relações Internacionais, tem, como um de seus principais

aspectos, o redescobrimento da personalidade de Woodrow Wilson49. Para muitos liberais,

Wilson foi um visionário. A rejeição de suas propostas e o colapso de algumas de suas

idéias levadas à prática não indicariam, para os liberais de hoje, falhas na concepção, mas

sim, inadequação do mundo ao seu projeto. De outra forma, pode-se dizer que o mundo não

estava preparado para as idéias de Wilson. As grandes mudanças, pelas quais ele passou

nos últimos anos, teriam, no entanto, feito com que as idéias propostas por Wilson (nos

anos vinte) voltassem a ter plena atualidade. Após as fracassadas experiências de vias

alternativas, o mundo se encontraria finalmente maduro para assimilar os postulados

liberais enunciados por Woodrow Wilson.

7 O Realismo nas Relações Internacionais

Algumas vezes denominado Realpolitik ou, então, Power Politics , o realismo nas

Relações Internacionais inscreve-se numa antiga tradição de pensamento. Costuma-se

lembrar a importância, para o desenvolvimento dessa escola de pensamento de

personalidades como o indiano Kautilya,50 o chinês Sun Tzu,51 o grego Tucídides,52 o

florentino Nicolau Maquiavel53 e o prussiano Carl von Clausewitz.54 Todos concordam,

contudo, que o filósofo inglês Thomas Hobbes55 é quem estabelece u as diretrizes para a

análise Realista das relações internacionais contemporâneas. Hedley Bull, p. e., ao se referir

à corrente Realista, prefere a denominação Paradigma Hobbesiano, por considerá-la mais

ajustada aos princípios orientadores da análise realista.

Na concepção hobbesiana, os Estados vivem em estado de natureza, isto é, apesar

de conviverem e de se relacionarem, entre si, todo o tempo, nem por isso formam uma

sociedade de Estados. Vivem, na perspectiva de Hobbes, em estado de anarquia, pois, na

49 KEGLEY, Charles W., (Ed.). Controversies in International Relations Theory : Realism and the Neoliberal Challenge. New York:, St. Martin’s Press, 1995. 50 BATH, Sergio. Arthashastra/Kautilya o Maquiavel da Índia. Brasília: UNB, 1994. 51 SUN TZU . A Arte da Guerra. Rio de Janeiro: Record, 2000. 52 TUCÍDIDES. História da Guerra do peloponeso. Brasília: UNB, 1982. 53 MAQUIAVEL, N . O Príncipe . Rio de Janeiro: Ediouro, 2000. 54 CLAUSEWITZ, Carl von. Da Guerra. São Paulo: Martins Fontes, 1996. 55 HOBBES, Thomas. Leaviatã. São Paulo: Abril Cultural, 1979. (Os Pensadores).

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ausência de um poder soberano, com sua inerente capacidade de fazer com que todos

respeitem as leis por ele instituídas, cada Estado busca maximizar o poder de intimidar os

mais fracos e, simultaneamente, não ser intimidado pelos mais fortes. Conforme Hobbes,

essa é uma situação da qual os Estados não podem escapar, sendo usualmente definida,

pelos estudiosos, como o dilema da segurança. Isso porque, o homem, para livrar-se do

medo da morte violenta a que está sujeito, no estado de natureza, firma o pacto social e

entra em estado de sociedade, submetendo-se ao poder de Estado, ao Leviatã. Todavia, por

não ser factível um pacto que erga um poder soberano que submeta os Estados à sua lei, o

homem vive, permanentemente, sob a ameaça da guerra entre os Estados. Desse modo o

homem escapa da guerra de todos contra todos instituindo a sociedade. No entanto, não

consegue livrar-se da permanente possibilidade de haver guerra entre os Estados.

A partir desse núcleo de idéias de Thomas Hobbes, os Realistas contemporâneos

desenharam um mapa teórico, com os seguintes pontos determinantes da análise:

1) A leitura da história ensina que os homens são, por natureza, egoístas e eticamente defeituosos, e não podem se libertar dessas deficiências;

2) De todas as maldades de que o homem é capaz, nenhuma é mais inexorável ou perigosa do que sua instintiva luta pelo poder e seu desejo de dominar os demais;

3) A possibilidade de erradicar a instintiva luta pelo poder é uma aspiração utópica;

4) Sob tais condições, a política internacional é a luta pelo poder, ‘uma guerra de todos contra todos’;

5) A obrigação básica de todo Estado – objetivo ao qual os outros objetivos nacionais devem estar subordinados – é promover o ‘interesse nacional’, definido como aquisição de poder;

6) A natureza do sistema internacional determina que os Estados persigam a capacitação militar para deter o ataque dos inimigos potenciais;

7) A economia é menos relevante do que o poder militar para a segurança nacional; a economia é importante como meio de obter poder e prestígio;

8) Os aliados devem aumentar a capacidade de defesa do Estado, mas sua lealdade e confiabilidade não devem ser anunciadas;

9) Os Estados nunca devem confiar sua proteção a organizações internacionais ou ao direito internacional e devem resistir aos esforços para regular a conduta internacional;

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10) Se todos os Estados buscam maximizar seu poder, a estabilidade resultará da administração da balança de poder, lubrificada pelo sistema de alianças.56

O primeiro importante passo rumo à instauração do Realismo , como visão

dominante nas Relações Internacionais, foi dado por Reinhold Niebuhr (1892 – 1971), que

se converteu, nas palavras de George Kennan, no “pai dos Realistas norte-americanos.”57

Em sua obra Moral Man and Immoral Society (1932),58 o filósofo político e teólogo

protestante Niebuhr trava diálogo com os liberais religiosos e laicos, especialmente com o

filósofo Immanuel Kant, argumentando que não se deve esperar comportamento ditado por

regras morais da parte de grupos como raças, classes e nações.59 De acordo com Niebuhr,

tal expectativa deve ser reservada, exclusivamente ao indivíduo. Grupos humanos, tais

como as nações (o mais abrangente e egoísta deles), agem sempre aspirando a obter mais

poder e maior prestígio. Nessa ótica, esse autor, considera hipócrita e contraproducente a

política externa que se executa a partir de princípios morais universais. Ele defende a tese

segundo a qual, em meio ao ambiente naturalmente conflituoso das relações internacionais,

a paz só poderá resultar do entendimento entre Estados que exprimam, com clareza, seus

mais caros interesses nacionais.

Ainda que a impressão causada pela intervenção de Niebuhr tenha sido profunda,

muitos concordam que foi Edward Carr quem formulou a mais contundente crítica ao

liberal- idealismo nas Relações Internacionais. Publicado em 1939, seu livro The Twenty

Years Crisis 1919 – 1939 tornou-se um clássico da literatura das Relações Internacionais ao

confrontar as teses Idealistas e as Realistas. Mediante a complexa combinação de reflexão

filosófica, análise histórica e análise dos fatos da conjuntura, Carr, sem se apresentar

explicitamente como Realista, demonstra que as teses Idealistas faziam parte da infância da

ciência das Relações Internacionais, representando uma fase do processo científico na qual

as teorias tendem, naturalmente, à prescrição em detrimento da análise propriamente dita.

Nesse sentido, a grande contribuição de Carr foi ter chamado a atenção para o fato de os

56 KEGLEY, Charles W.; WITTKOPF, Eugene R. World Politics : Trend and Transformation. New York: St. Martin’s Press, 1997. p. 23 -24. 57 THOMPSON, Kenneth W. Masters of International Thought: Major Twentieth-Century Theorists and the World Crisis . Baton Rouge: Louisiana State University Press, 1990. p. 31. 58 NIEBUHR,Reinhold. Moral Man and Immoral Society. New York: Charles Scribner’s Sons, 1960. 59 Profunda e erudita discussão sobre a atualidade do pensamento de Kant no âmbito das Relações Internacionais encontra -se em: ROHDEN, Valério (Coord.) . Kant e a instituição da paz. Porto Alegre: UFRGS, Goethe-Institut/ICBA, 1997.

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liberais terem fracassado nas Relações Internacionais justamente por não terem levado em

consideração a fundamental dimensão da luta pelo poder.

O desfecho da Segunda Guerra Mundial, evidentemente, corroborou a tese Realista

de Edward Carr. Encerradas as hostilidades no campo de batalha, verificou-se que o

sistema internacional havia sofrido profunda transformação. O sistema de estrutura

multipolar estabelecido pelo Congresso de Viena (que a Paz de Versalhes havia tentado

recuperar, após o impacto da Primeira Guerra Mundial), havia sido substituído por um

sistema bipolar, cujos pólos eram os Estados Unidos e a União Soviética. Devido à guerra

iniciada pelos próprios europeus, a Europa achava -se prostrada, dividida e ocupada, física e

economicamente, pelas duas grandes potências vencedoras. A luta pelo poder levara os

Estados europeus a uma situação de crise e à guerra, determinando radical transformação

no mundo.

No que diz respeito à percepção da evolução do sistema internacional, a situação,

nos Estados Unidos, também mudara significativamente. Até o início da Segunda Guerra,

prevaleceu o consenso isolacionista. Isto é, a política externa norte-americana fora

orientada pelos princípios legados pelos “Pais Fundadores da República”, segundo os quais,

os Estados Unidos não deviam se envolver com os assuntos políticos europeus, tampouco

fazer alianças com os países do velho continente. Esse foi o consenso que derrotou a

proposta universalista de Woodrow Wilson, recusando inclusive , a participação do país na

Sociedade das Nações.

A guerra comercial ocorrida no início dos anos trinta; a subseqüente radicalização

do quadro político internacional; e, enfim, a guerra propriamente dita produziram a

formação do novo consenso universalista. Por outras palavras, a perspectiva Liberal das

relações internacionais foi substituída pela perspectiva Realista. Conforme o novo

consenso, a política internacional dos Estados Unidos devia ser de molde a defender os

interesses norte-americanos onde quer que eles estivessem. Na prática, isso representou o

total envolvimento com os problemas do mundo, desde as questões internacionais mais

gerais até aos problemas nacionais dos demais Estados que compõem o sistema

internacional.

No mesmo contexto, foi reformulado o conceito de segurança nacional. Uma vez

eliminado o inimigo nazista, passava-se a combater o comunismo soviético. Por achar que

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o mundo estava ameaçado pela vontade expansionista soviética, as elites norte-americanas

acreditavam ser seu dever pôr todo o poderio do Estado a serviço do denominado “mundo

livre”. Daí por diante, os formuladores norte-americanos passaram a perceber o mundo

como um grande tabuleiro de xadrez, no qual as peças de cor igual à sua deviam estar todas

subordinadas ao seu grande objetivo de cercar, isolar e destruir o Estado soviético.

No plano intelectual, a escola Realista estava, em boa medida, representada por

intelectuais de origem européia, que emigraram para os Estados Unidos, levando, consigo,

a herança teórica da Razão de Estado. Dentre eles, destacam-se nomes como Nicholas J.

Spykman,60 Arnold Wolfers,61 John H. Herz,62 Karl Deutsch,63 Stanley Hoffmann,64

George Liska65 e Henry Kissinger.66

O teórico mais influente dentre todos, porém, é Hans J. Morgenthau, que, como os

demais, saiu da Alemanha para os Estados Unidos, tendo passado, antes, pela Espanha, em

virtude das perseguições nazistas aos judeus. Uma vez nos Estados Unidos, Morgenthau

escreveu extensa obra, cujo livro principal é Politics Among Nations, consagrado como o

clássico do Realismo contemporâneo.67 Nele, o autor apresenta os seis princípios a partir

dos quais se torna possível chegar ao conhecimento das relações internacionais:

60 SPYKMAN, Nicholas J. America’s Strategy in World Politics . New York: Harcourt, Brace, 1942. 61 WOLFERS Arnold . Alliance Policy in the Cold War . Baltimore : John Hopkins University Press, 1959. 62 HERZ, John H. Political Realism and Political Idealism: A Study in Theories and Realities. Chicago: University of Chicago Press, 1951. ______. The Nation-State and the Crisis of World Politics : Essays on International Politics in the 20th Century. New York: David McKay, 1976. 63 DEUTSCH, Karl Wolfgang . Análise das Relações Internacionais . Brasília : UNB, 1978. 64 HOFFMANN, Stanley. Gulliver’s Troubles: Or, the Setting of American Foreign Policy. New York: McGraw-Hill, 1968. ______. Janus and Minerva: Essays in the Theory and Practice of International Relations. Colorado: Westview Press, 1987. ______. World Disorders. Oxford: Rowman Littlefield, 1998. 65 LISKA, George . Nações em Aliança. Rio de Janeiro:, Zahar Ed., 1965. ______. Alliances and the Third World. Baltimore : John Hopkisn University Press, 1968. ______. The Ways of Power: Patterns and Meanings in World Politics. Oxford: Basil Blackwell, 1990. 66 KISSINGER, Henry. Nuclear Weapons and Foreign Policy. New York: Harper, 1957. ______. A World Restored: Metternich, Castlereagh and the Problems of Peace 1812-1822. London: Weidenfeld & Nicolson, 1957. ______. Diplomacia. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1999. 67 MORGENTHAU, Hans. Politics Among Nations : The Sttrugle for Power and Peace. New York: Alfred Knopf, 1948 . ______. Scientific Man vs. Power Politics. Chicago: University of Chicago Press, 1946. ______. Defense of the Nationsl Interest. New York: Alfred Knopf, 1951. ______. Principles and Problems of International Politics . New York: Alfred Knopf, 1951. ______ . Dilemmas of Politics . Chicago: University of Chicago Press, 1958. ______ . The Purpose of American Politics . New York: Alfred Knopf, 1960.

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1) O Realismo acredita na objetividade das leis da política, que são determinadas pela

natureza humana, que, por sua vez, não sofre as variações de tempo e de lugar. Em

qualquer tempo e lugar, o comportamento político é sempre orientado pela busca da

realização dos interesses;

2) O “interesse definido em termos de poder” constitui o conceito fundamental da política

internacional. Esse conceito distingue a política da economia, da ética, da estética e da

religião, além de permitir a análise racional do comportamento político dos governantes;

3) Os interesses variam segundo o tempo e o lugar. Eles exprimem o contexto político e

cultural a partir do qual são formulados. A transformação do mundo resulta da manipulação

política dos interesses;

4) A política internacional possui suas próprias leis morais, que não se confundem com

aquelas que regem o comportamento do cidadão. A ética política do governante não deve

ser avaliada conforme as leis abstratas universais, mas sim, a partir das responsabilidades

que o governante tem para com o povo que representa;

5) O Realismo recusa a idéia de que uma determinada nação possa revestir suas próprias

aspirações e ações com fins morais e universais. A idéia messiânica que “Deus está

conosco” é perigosa por conduzir às guerras. A paz só pode existir como resultado da

negociação dos diferentes interesses dos Estados;

6) A grande virtude do Realismo está no reconhecimento de que a esfera política é

independente das demais esferas que compõem a vida do homem em sociedade. Ao abordar

a política, nos seus próprios termos, o Realismo cria as condições para o correto

entendimento da política.

Fora dos Estados Unidos, o Realismo, nas Relações Internacionais, foi enriquecido,

a partir de 1962, com a obra de Raymond Aron (1905 – 1983), Paz e Guerra entre as

Nações.68 No texto intitulado Que é uma Teoria das Relações Internacionais?,69 publicado,

______. Politics in the Twentieth Century. Chicago:Chicago University Press, 1962. ______. Vietnam and the United States . Washington: D. C., Public Affairs Press, 1965. ______. A New Foreign Policy for the United States . New York: F. ª Praeger, for the Council on Foreign Relations, 1969. ______. Truth and Power. New York: F. ª Praeger, 1970 . ______. Science: Servant or Matter? New York: New American Library, 1972. ______. Truth and Tragedy : A Tribute to Hans Morgenthau. Washington : Kenneth W. Thompson and Robert J. Myers, 1977. 68 ARON, Raymond. Paz e Guerra entre as Nações. Brasília: UNB, 1979. 69 ______. Ensaios Políticos. Brasília: UNB, 1980. p. 317-335.

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inicialmente, em inglês, no Journal of International Affairs, em 1967, ao defender a “Paz e

Guerra entre as Nações”, dirige críticas diretas à obra de Hans Morgenthau. Para Aron, as

idéias de que os Estados perseguem seus respectivos interesses nacionais e de que as

relações internacionais explicam-se pela luta pelo poder, de fato, nada explicam. Na

realidade, Aron desconsidera a possibilidade de formulação de uma teoria geral das

Relações Internacionais. Para ele, a análise só é possível mediante o procedimento

histórico-sociológico aplicado a cada caso particular, a partir daquilo que ele considera

como a especificidade das relações internacionais ou entre os Estados: “a legitimidade e a

legalidade do recurso à força armada por parte dos atores”, [uma vez que] “nas civilizações

superiores essas relações parecem ser as únicas, dentre todas as relações sociais, que

admitem o caráter normal da violência.”70 A questão mais significativa das relações

internacionais, ao redor da qual tudo o mais gira, é, portanto, a possibilidade de o Estado

ver-se envolvido em guerras. Essa, por assim dizer, constitui a marca da influência exercida

por Clausewitz, em sua reflexão sobre as relações internacionais.71

Em livro póstumo, publicado em 1984, contendo o reexame das teses apresentadas

em Paz e Guerra entre as Nações à luz das críticas formuladas pelos Transnacionalistas,

Aron novamente defende a idéia do papel central que a possibilidade de guerra tem para a

análise das relações internacionais. Contudo, flexibilizando um pouco mais suas posições,

admitiu, “por razões de comodidade” o uso do conceito de “sociedade internacional ou

sociedade mundial, que englobaria o sistema interestatal, a economia mundial (ou o

mercado mundial ou o sistema econômico mundial), os fenômenos transnacionais e

supranacionais.”72

Em resposta aos ataques que sofrera dos Transnacionalistas ao longo da década de

1970 e, também, motivada pelo recrudescimento da Guerra Fria ainda no final da mesma

década, a corrente Realista anglo-saxã procurou-se renovar, reformulando alguns pontos de

seu corpo teórico. Nesse contexto, despontaram novos e importantes teóricos, dentre os

quais se destacam nomes como Robert Gilpin,73 Stephen Krasner 74 e Susan Strange.75

70 Ibid., p. 321. 71 ARON, Raymond. Pensar a Guerra, Clausewitz .Brasília: UNB, 1986. 72 ______. Les dernières années du siècle. Paris : Julliar, 1984. p. 25. 73 GILPIN, Robert War and Change in World Politics . Cambridge: Cambridge University Press, 1981. ______. The Political Economy of International Relations . Princeton: Princeton University Press, 1987.

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Coube, porém, a Kenneth Waltz, que já se havia projetado com a publicação de Man, the

State and War 76(1959), a condição de líder do Neorealismo, por ter publicado a obra que

serviu de manifesto dessa corrente teórica: Theory of International Politics.77

O trabalho de revisão do Realismo ao qual se lançou Kenneth Waltz, tem, por

objetivo, conferir, à teoria, caráter mais positivo e menos normativo. Comparando sua

proposta Realista com a teoria desenvolvida por Morgenthau, sobressai sua preocupação

em garantir estatuto científico à análise do sistema político internacional, ao contrário de

Morgenthau, que tentou fundamentar sua teoria no caráter imutável da natureza humana. E

é nos modelos de análise econômica de comportamento dos atores no mercado que Waltz

buscou inspiração para dar lastro científico ao Realismo nas Relações Internacionais.

O núcleo central da teoria Realista de Waltz é a estrutura do sistema internacional.

Para esse autor, essa estrutura é formada por unidades autônomas (os Estados) e iguais, o

que implica

abstrair os atributos das unidades [ ou seja ] deixar de lado questões acerca das classes de líderes políticos, instituições econômicas e sociais e compromissos ideológicos que os países possam ter. Abstrair as relações significa deixar de lado as questões acerca das interações culturais, econômicas, políticas e militares dos Estados.78

Em outras palavras, se todos os Estados são iguais, tendo em vista as abstrações realizadas,

o que conta, para a análise da política internacional, é a desigual distribuição de poder entre

essas unidades do sistema internacional.

A teoria de Waltz é, também, conhecida como Realismo Estrutural, porque em sua

concepção, o sistema possui uma dinâmica própria. Diferentemente de Morgenthau (para

quem o Estado age com vistas a, sempre, aumentar seu poder), Waltz sustenta que o

objetivo do Estado consiste tão-somente em sobreviver, razão pela qual procura maximizar

sua segurança. Numa estrutura descentralizada de comportamento anárquico da parte das

74 KRASNER, Stephen . Structural Conflict: The Third World Against Global Liberalism. Berkeley: University of California Press, 1996. 75 STRANGE, Susan. Casino Capitalism. Oxford : Oxford University Press, 1986. ______.The Retreat of the State : the diffusion of power in the world economy . Cambridge: Cambridge University Press, 1996. 76 WALTZ, Kenneth. Man, the State and War : A Theoretical Analysis. New York: Columbia University Press, 1959. 77 WALTZ, Kenneth. Theory of International Politics . New York: McGraw-Hill, 1979. 78 Ibidem.

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unidades, a dinâmica do sistema depende, portanto, do número e das ações levadas a efeito

pelas grandes potênc ias. São elas, pois, que determinam a maior ou menor estabilidade do

sistema. Waltz defende que o sistema bipolar, por reunir menor número de grandes

potências, é bem mais estável do que o sistema multipolar, no qual existe um maior número

de potências. Concluindo, pode-se afirmar que no enfoque proposto por Kenneth Waltz o

fio condutor da análise das relações internacionais é a gangorra da ascensão e queda das

grandes potências.

8 Conclusão

Ao chegarmos ao término desse nosso estudo, reafirmamos as palavras contidas na

Introdução, indicativas de nossa intenção de tão-somente apresentar, concisamente,

algumas questões relativas ao debate teórico das Relações Internacionais.

Como esse debate é travado em terrenos distantes da nossa realidade acadêmica e,

também, em função de a maior parte da bibliografia que o contém ser de difícil acesso,

procuramos apresentá- lo com uma roupagem bem simples, sem deixar de ser o mais

esclarecedora possível.

Esperamos ter alcançado algum sucesso nesta empreitada, significando uma

contribuição para todos aqueles que têm interesse no melhor entendimento das questões

vinculadas às Relações Internacionais.