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2⁰ Simpósio Internacional de História das Religiões
XV Simpósio Nacional de História das Religiões
ABHR 2016
Por que o Ensino Religioso na formação escolar?
Nilma Paula Combas da Silva1
1.INTRODUÇÃO
A questão do Ensino Religioso já vem há tempos e com muita discussão. Desde
a relação legal com o Estado, o que faz parte do seu conteúdo curricular, quem deve
estar à frente dessa disciplina, enfim, o seu histórico é longo. No texto a seguir,
pretende-se falar sobre qual a necessidade e importância de se ter o Ensino Religioso
como regular em todas as escolas brasileiras, e não só as públicas, mas também nas
privadas, como um espaço transdisciplinar.
Um local para a diversidade, em que o pluralismo religioso, de gênero, racial,
cultural estejam presentes. Um espaço para a transcendência e de alteridade. Em que
valores como paz, respeito, amizade, gentileza, ética possam estar presentes, afim
de formar cidadãos para uma convivência pacífica e sem violência.
2.ANTROPOLOGIA DA RELIGIÃO
A Antropologia é o universal no particular.
Por que, apesar de sermos uma única espécie, somos tão diferentes? Onde
está o outro? Quem são esses outros?
1 Mestranda em Ciência da Religião no Programa de Pós-graduação da PUC/SP. Bolsista Capes. E-mail: [email protected]
A Antropologia caracteriza-se pelo estudo do outro, do contato com a
alteridade. Por isso, entender quem é o outro é tão importante. O outro pensa diferente
e crê diferente. E, apesar de diferente, é semelhante.
Na época da colonização (séc. XVI), perguntavam-se se os índios eram
humanos? Se tinham alma? A catequese era realizada para que eles tivessem uma
alma.
O contato com o outro nunca foi tranquilo. E nos séculos seguintes XVII e XVIII,
com o racionalismo, a razão dizia que não eram humanos, pois para existir tinham que
“pensar”. Depois, com o Iluminismo, a comprovação dessa ideia. E somente no séc.
XIX, com o surgimento da Biologia, todos puderam ser reconhecidos como humanos.
Mas mesmo assim, uma diferença nas unidades psíquicas das raças e, só a religião
olhava o “universal humano”.
Para esses estudos, foi feita uma divisão em:
Antropologia Evolutiva, Física e Biológica. E nesse momento, percebe-se
que todos viemos de um único grupo africano muito recente, que tinha sua
capacidade simbólica diferenciada. Apenas os Homo sapiens desenvolveram
a religião! E, ainda, apresentavam uma fluidez cognitiva que lhes permitia a
memória, ou seja, o conhecimento cumulativo. Por isso, sua sobrevivência e
permanência.
Antropologia e Arqueologia, para o estudo dos vestígios.
Antropologia e Linguística, para olharem as letras, ou seja, os povos se
dividem em línguas e simbolismos também. Usar uma “coisa” no lugar de
“outra” (ganho adaptativo). Além dos mitos, que são muito fortes para manter
os conhecimentos através da ancestralidade.
Antropologia Social e Cultural, que olha os comportamentos, as tradições,
as relações.
Dentro desse século ainda, observavam-se estágios diferentes de evolução, do
Etnocentrismo ao Evolucionismo. Sendo estes:
P (primitivismo) – animismo, a crença que os animais, as plantas, os rios, as
montanhas, o sol, a lua e as estrelas tivessem espíritos.
B (barbárie) – politeísmo, crença em diversos deuses.
C (civilizado) – monoteísmo, crença num só deus, sendo esses os europeus
britânicos e os brancos.
A virada do séc. XX traz como dogma o Relativismo Cultural quebrando o
Etnocentrismo e, assim, aparecem as críticas. Nessa ocasião, voltam-se para os
“particulares”, deixando de lado o universal. Olhando para as religiões e suas
características específicas, como objeto dentro da Antropologia. Não existe cultura
melhor ou pior, e sim, diferentes!
E, como disciplina auxiliar da Ciência da Religião, colabora com a dimensão
sociocultural do fenômeno religioso. Afinal, não existe nenhum povo que não tenha
algum tipo ou sistema de crenças religiosas ou religião (transcendência).
O método comparativo está na base dos estudos religiosos. No séc. XX
separou-se muito o “homem” (ser humano) da natureza. Pois a ideia era, 'não adianta
dar escola aos pobres, eles não aprendem por natureza'; 'as mulheres são inferiores',
e assim por diante. E haviam também, o determinismo biológico e o geográfico, o que
na verdade era o determinismo cultural. Mas, quanto de biologia e de cultura nós
somos? O que há de universal nas culturas?
Como já vimos, há a capacidade criativa, simbólica do ser humano que
desenvolveu a religiosidade e sistemas de crenças, de mitologias, sendo possível uma
comparação intercultural na universalidade da religião, presente em todas as culturas.
Mas, o que é religião? A religião promove a solidariedade, o sonhar “alto”, a
segurança, a coesão e a ordem social. Religião, segundo Geertz (1989), é um sistema
de símbolos que atua para estabelecer poderosas, penetrantes e duradouras
disposições e motivações nos homens através da formulação de conceitos de uma
ordem de existência geral e vestindo essas concepções com tal aura de factualidade
que as disposições e motivações pareçam singularmente realistas. E ela serve tanto
para 'religião' como para as espiritualidades difusas.
Dessa forma, a religião aparece desde os primórdios entre os humanos, mesmo
que o próprio grupo não reconheça ter uma religião específica, mas sim fazendo parte
de uma tradição em que a religião/religiosidade já está inserida: no seu
comportamento, nas suas atitudes, nos seus hábitos, na sua forma de pensar e agir.
Então, como não estudar esses fenômenos, seu histórico, as suas diferenças
e diferentes formas de existir? Como não pesquisar, para conhecer e tentar entender
suas origens, suas práticas, seus rituais, seus símbolos etc?
Todos os seres humanos vivem em sociedade, portanto, estão interligados e
conectados, precisando uns dos outros para viver.
Mesmo que nem sempre percebam isso.
3.HISTÓRICO DO ENSINO RELIGIOSO NO BRASIL
Desde a colonização, há a intenção de se ensinar sobre religião e, inicialmente,
catequisar para uma educação cristã católica. Religião que desembarcou no Brasil
com os portugueses.
No decorrer dos anos, a educação passa para o Estado, tornando-se de caráter
elitista. O ensino religioso desenvolve-se como o ensino da religião Católica,
disciplinador e evangelizador dos índios, escravos negros e do povo em geral. Mas,
como no dia a dia o ensino religioso era mais de caráter doméstico do que institucional,
em que cada família era responsável por ensinar sua religião, há uma separação entre
educação e religião.
No país muitas discussões foram levantadas sobre essa questão. Num
momento, em 1824, Rui Barbosa diz que nas escolas não se poderia impor uma
crença. Na chegada da República, as chamadas tendências secularizantes ajudam
na defesa de uma escola leiga, gratuita, obrigatória e pública. Em 1934, admite-se o
Ensino Religioso nas escolas, mas de caráter facultativo, de acordo com a crença do
aluno, como disciplina nas escolas públicas.
Desta maneira, inicia-se um processo de busca por um objeto do Ensino
Religioso, ou seja, uma identidade. Pois não havia clareza quanto ao seu papel no
âmbito escolar.
Joana Zylbersztajn (2012), em sua tese de doutorado2, diz que é usual
ouvirmos que o Brasil é um Estado laico: imprensa, círculos acadêmicos, políticos,
movimentos sociais, todos afirmam que o país é laico. Essa declaração, no entanto,
não está explícita na Constituição Federal de 19883.
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade
do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes:
VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre
exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de
cultos e a suas liturgias;
VII – é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas
entidades civis e militares de internação coletiva;
VIII – ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de
convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal
a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei.
E o debate sobre o Ensino Religioso talvez seja o mais amplo dentro da
discussão sobre a laicidade e a relação entre Estado e Igreja.
O ensino religioso é previsto na Constituição Federal4 no:
Art.210 . Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira
a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos,
nacionais e regionais;
§1º O ER, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das
escolas públicas de ensino fundamental.
2 "O Princípio da Laicidade na Constituição Federal de 1988". 3 República Federativa do Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. 4 República Federativa do Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988.
O que coloca em evidência o pluralismo religioso.
No âmbito federal, oito anos após a promulgação da Constituição, o tema é
regulamentado pelo art. 33 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional5,
denominada também de “Lei Darcy Ribeiro”. Diante de pressões religiosas no
Congresso Nacional, em um primeiro momento a LDB-EN dispôs sobre o assunto nos
seguintes termos:
Art. 33. O ensino religioso, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos
horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, sendo oferecido, sem
ônus para os cofres públicos, de acordo com as preferências manifestadas pelos
alunos ou por seus responsáveis, em caráter:
I - confessional, de acordo com a opção religiosa do aluno ou do seu responsável,
ministrado por professores ou orientadores religiosos preparados e credenciados
pelas respectivas igrejas ou entidades religiosas;
II - interconfessional, resultante de acordo entre as diversas entidades religiosas,
que se responsabilizarão pela elaboração do respectivo programa6.
Por manterem relação de dependência entre o Estado e as organizações
religiosas, entendeu-se que esta forma de ensino religioso contrariava o próprio ideal
constitucional pluralista.
Para corrigir tal situação, foi promulgada a Lei n° 9.475/97, justamente para
alterar o Art. 33 da LDB-EN, que passou a vigorar com a seguinte redação:
Art. 33. O ER, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação
básica do cidadão e constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas
de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do
Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo.
§1° Os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a definição dos
conteúdos do ER e estabelecerão as normas para a habilitação e admissão dos
professores.
5 LDB-EN - Lei n° 9.394/96 6 Ministério da Educação e Desporto. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei 9.394/96. Rio de Janeiro: Qualitymark, 1997. n. 33.
§2° Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída pelas diferentes
denominações religiosas, para a definição dos conteúdos do ER7.
Optou-se então, por criar um parâmetro de ensino religioso de caráter social e
filosófico, e não confessional. Ou seja, as religiões teriam lugar no ensino público
enquanto tratadas sob a perspectiva fenomenológica e antropológica, a partir do
ensino objetivo das religiões como fenômeno histórico cultural das sociedades. Além
disso, a lei vedou expressamente o proselitismo nas salas de aulas das escolas
públicas.
Essa alteração da legislação foi consequência de um significativo movimento
articulador promovido pelo Fórum Nacional Permanente de Ensino Religioso
(FONAPER).
A nova redação do Art. 33 focaliza o ER como disciplina escolar, entendendo-
o como uma área do conhecimento, com a finalidade de reler e compreender o
fenômeno religioso, colocando-o como objeto da disciplina. Isso foi formalizado
através da confirmação do CNE (Conselho Nacional de Educação) por meio da
Resolução 02/98 sobre as Diretrizes Curriculares do Ensino Fundamental.
Desde 1974, Encontros Nacionais de Ensino Religioso (ENER) têm sido
realizados para reflexões sobre esse papel. Além de se pensar nos conteúdos
disciplinares específicos, no como ensinar e quem estaria habilitado a ensinar. As
ideias sobre pluralismo, diversidade, construção de uma sociedade justa e
democrática através de aprendizados que estimulassem a atuação transformadora
dos cidadãos, estavam sempre presentes. Dessa forma, demonstrando que o Estado,
através da educação, tinha (e tem) o dever de se preocupar com a formação em todas
as dimensões do ser humano, inclusive o transcendente, a alteridade e a
solidariedade. Ampliando esse campo também para a compreensão do fenômeno
religioso e o conhecimento dessas manifestações em diferentes denominações
religiosas.
7 República Federativa do Brasil. Lei 9.475 [22 de julho de 1997, que dá nova redação ao art. 33 da Lei (9.394/96) de Diretrizes e Bases da Educação Nacional]. In: Fórum Nacional Permanente do Ensino Religioso. Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Religioso. 3. ed. São Paulo: Ave Maria, 1998, p.66.
Em 1997, em consequência de um importante movimento nacional, organizado
pelo FONAPER8, instalado no dia 26 de setembro de 1995, em Florianópolis – SC, foi
aprovado no Senado da República o novo texto legislativo sobre o Ensino Religioso,
garantindo o seu espaço pedagógico nas escolas, centrado no direito ao
conhecimento do Transcendente e, de que maneira, está presente nas diferentes
manifestações religiosas.
Neste momento, a Ciência da Religião, área transdisciplinar que abrange todos
os estudos sobre religião em parceria a diversas abordagens ou sub-disciplinas como
a sociologia, psicologia, educação e ensino, economia, arqueologia, antropologia etc,
se conecta ao Ensino Religioso no que diz respeito ao estudo e reflexão das
manifestações religiosas, do sagrado, da fé, das crenças etc, para colaborar na
constituição dos seus fundamentos e orientação para definição de seus componentes
como disciplina escolar. Além de colaborar também para o desenvolvimento de uma
cultura de paz, ou seja, que cada educando possa se empenhar para um convívio
pacífico entre as culturas. Já que para se respeitar é necessário conhecer.
Junqueira (2013), indica os princípios estruturais estabelecidos para o Ensino
Religioso: parte integrante da formação básica do cidadão, ou seja, esta disciplina se
alicerça nos princípios da cidadania, do entendimento do outro enquanto outro, na
formação integral do educando. Mesmo que muitas pessoas neguem ser religiosos,
existe um dado histórico que toda pessoa é preparada para ser religiosa, do mesmo
modo que é preparada para falar determinada língua, gostar disso ou daquilo, do
modo de vestir, acreditar ou não, pois o ser religioso é um dado antropológico, cultural.
Portanto, o Ensino Religioso não se restringe em ensinar sobre uma religião
específica, mas sim poder conversar e refletir sobre os valores existenciais do ser
humano, sua religiosidade e transcendência.
E, Junqueira (2013) complementa que o objetivo do ensino religioso escolar é
proporcionar ao estudante experiências, informações e reflexões que o ajudem a
cultivar uma atitude dinâmica de abertura ao sentido mais profundo de sua existência
8 Fórum Nacional Permanente do Ensino Religioso.
em comunidade, a organização responsável do seu projeto de vida, acreditando que
esta disciplina ajudará a vivenciar práticas transformadoras, removendo eventuais
obstáculos à fé; dessa forma, ficam compreendidas as diversas expressões religiosas.
Para tal, é importante valorizar a própria crença, assim como respeitar a dos outros,
proporcionar ao estudante as oportunas experiências, informações e reflexões ligadas
à dimensão religiosa da vida, que ajudem a cultivar uma atitude dinâmica de abertura
ao sentido radical da sua existência em comunidade, e a preparar-se, assim, para
uma opção responsável do seu projeto de vida. Ou seja, ajudar o estudante a formular
em profundidade o questionamento religioso e a dar sua resposta devidamente
informada, responsável e engajada.
4.POR QUE O ENSINO RELIGIOSO NA FORMAÇÃO ESCOLAR?
Hoje, no séc. XXI, percebemos claramente que a religião tem um papel muito
importante e significativo na vida social e política do planeta. É difícil termos uma
compreensão adequada da política internacional sem que se esteja consciente do
fator religião. Além de ser útil num mundo que se torna cada vez mais multicultural e
globalizado.
O respeito pela escolha religiosa dos outros, por suas opiniões e pontos de
vista, é um pré-requisito para a coexistência humana. Por isso, buscar um olhar amplo
sobre a natureza humana tanto no aspecto biológico como no cultural, é importante
para que esse conviver cotidiano possa acontecer de modo pacífico. E o entendimento
a respeito de como é que somos como somos enquanto seres humanos e seres vivos
é imprescindível.
Maturana (2009), diz que como seres biológico-culturais somos geradores dos
“mundos” em que vivemos. Então, se podemos ensinar a odiar, podemos ensinar a
amar, tudo são escolhas. E como ele mesmo trouxe para o ambiente acadêmico o
verbo “amar”, propondo que a Ciência ultrapasse as limitações impostas pelo
pensamento cartesiano, o Ensino Religioso vem como um caminho, um meio de se
ensinar, no conviver humano, a não discriminação e o caminho do amar. O Ensino
Religioso como um “liberador” de caminhos. Apenas pelos ‘sentires’ e não pela
opressão, submissão ou medo.
Jesus não era cristão, Buda não era budista, ou seja, não havia religião, essas
pessoas pregavam o amor, o convívio pacífico entre as culturas, entre as pessoas.
Soares (2010)9, faz um levantamento histórico da discussão sobre o termo
"religião", e concluiu que este termo tem múltiplos, e até contraditórios significados,
portanto não servindo como um conceito ou uma definição única. Então, como usá-lo
para dar nome a uma área da Ciência como Ciência da Religião? Greschat (2005) traz
uma "luz" para essa explicação. Em sua opinião, felizmente, uma palavra, nome ou
conceito não é idêntico ao objeto a ser nomeado ou definido. O fato de não possuirmos
uma definição universal de religião é um defeito, mas não uma catástrofe, uma vez
que o objeto permanece e a qualidade de palavras inventadas ou a ser inventadas
atinge o objeto apenas marginalmente.
Por isso, não podemos deixar, que nos dias de hoje, exista grupos
discriminadores como fator de segregação entre pessoas ou povos.
E como isso é possível? Como isso acontece? No aprender. E o aprender se
dá na presença do outro, na relação. A aprendizagem é uma transformação coerente
com as circunstâncias no fluir das interações, e isto ocorre espontaneamente, sem
esforço. A aprendizagem não é um saber ou uma habilidade. Somos sistemas
cognitivos e o viver é o processo da cognição.
A escola, que é o local coletivo, ainda é o lugar da aprendizagem e, portanto, o
lugar da cognição orientada e da relação com o outro. O lugar em que os estudantes
podem se perceber cidadãos participantes da sociedade e que têm responsabilidades
sobre o futuro que querem construir.
O Ensino Religioso pode ser esse lugar para fora do enquadramento fechado,
um lugar da transdisciplinaridade, um lugar em que os temas gerais das disciplinas
podem se encontrar, se relacionar para organizar os saberes e produzir
9 Capítulo 1 do livro Religião & Educação: da Ciência da Religião ao Ensino Religioso.
conhecimento, para o respeito por exemplo. Além do entendimento da espiritualidade
e religiosidade do outro e a sua própria. Essa disciplina, ER10, traz consigo o estudo
e reflexão das manifestações religiosas, do sagrado, da fé, das crenças e, também,
dos valores, ética, diversidade, direitos humanos, ecologia, construindo fundamentos
e orientação para a definição de seus componentes como disciplina escolar. E, desta
maneira, colabora também para o desenvolvimento de uma cultura de paz, ou seja,
que cada educando possa se empenhar para um convívio pacífico entre as culturas e
o “diferente”. Já que para se respeitar é necessário conhecer!
Junqueira (2013), indica os princípios estruturais estabelecidos para o Ensino
Religioso:
parte integrante da formação básica do cidadão, ou seja, esta disciplina se alicerça
nos princípios da cidadania, do entendimento do outro enquanto outro, na formação
integral do educando. Mesmo que muitas pessoas neguem ser religiosos, existe um
dado histórico que toda pessoa é preparada para ser religiosa, do mesmo modo que
é preparada para falar determinada língua, gostar disso ou daquilo, do modo de
vestir, acreditar ou não, pois o ser religioso é um dado antropológico, cultural.
CONCLUSÃO
Portanto, o Ensino Religioso não se restringe em ensinar sobre uma religião
específica, mas sim poder conversar e refletir sobre os valores existenciais do ser
humano, sua religiosidade e transcendência.
Não pressupõe que o aluno se identifique com algum credo ou religião, mas se
baseia nas categorias antropológicas de transcendência e alteridade. Essa
abordagem dialoga reiteradamente com a Antropologia Cultural, a Psicologia da
Religião, a Fenomenologia da Religião e a Sociologia da Religião, para as quais tanto
o sentimento religioso, quanto a sua institucionalização, são expressão e
sistematização das necessidades de grupos humanos, concepções de sagrado e
10 Ensino Religioso.
percepção de mundo, em determinadas épocas e contextos históricos (DANTAS,
2004, p. 117).
O Ensino Religioso, como disciplina escolar, vem então na direção de uma
formação integral dos alunos. O que, consequentemente, é o caminho para que esses
alunos se tornem cidadãos preparados e conscientes das necessidades de um
convívio pacífico e respeitoso entre todos os seres humanos.
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