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2⁰ Simpósio Internacional de História das Religiões XV Simpósio Nacional de História das Religiões ABHR 2016 Por que o Ensino Religioso na formação escolar? Nilma Paula Combas da Silva 1 1.INTRODUÇÃO A questão do Ensino Religioso já vem há tempos e com muita discussão. Desde a relação legal com o Estado, o que faz parte do seu conteúdo curricular, quem deve estar à frente dessa disciplina, enfim, o seu histórico é longo. No texto a seguir, pretende-se falar sobre qual a necessidade e importância de se ter o Ensino Religioso como regular em todas as escolas brasileiras, e não só as públicas, mas também nas privadas, como um espaço transdisciplinar. Um local para a diversidade, em que o pluralismo religioso, de gênero, racial, cultural estejam presentes. Um espaço para a transcendência e de alteridade. Em que valores como paz, respeito, amizade, gentileza, ética possam estar presentes, afim de formar cidadãos para uma convivência pacífica e sem violência. 2.ANTROPOLOGIA DA RELIGIÃO A Antropologia é o universal no particular. Por que, apesar de sermos uma única espécie, somos tão diferentes? Onde está o outro? Quem são esses outros? 1 Mestranda em Ciência da Religião no Programa de Pós-graduação da PUC/SP. Bolsista Capes. E-mail: [email protected]

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Page 1: XV Simpósio Nacional de História das Religiões ABHR 2016 ... · pretende-se falar sobre qual a necessidade e importância de se ter o Ensino Religioso como regular em todas as

2⁰ Simpósio Internacional de História das Religiões

XV Simpósio Nacional de História das Religiões

ABHR 2016

Por que o Ensino Religioso na formação escolar?

Nilma Paula Combas da Silva1

1.INTRODUÇÃO

A questão do Ensino Religioso já vem há tempos e com muita discussão. Desde

a relação legal com o Estado, o que faz parte do seu conteúdo curricular, quem deve

estar à frente dessa disciplina, enfim, o seu histórico é longo. No texto a seguir,

pretende-se falar sobre qual a necessidade e importância de se ter o Ensino Religioso

como regular em todas as escolas brasileiras, e não só as públicas, mas também nas

privadas, como um espaço transdisciplinar.

Um local para a diversidade, em que o pluralismo religioso, de gênero, racial,

cultural estejam presentes. Um espaço para a transcendência e de alteridade. Em que

valores como paz, respeito, amizade, gentileza, ética possam estar presentes, afim

de formar cidadãos para uma convivência pacífica e sem violência.

2.ANTROPOLOGIA DA RELIGIÃO

A Antropologia é o universal no particular.

Por que, apesar de sermos uma única espécie, somos tão diferentes? Onde

está o outro? Quem são esses outros?

1 Mestranda em Ciência da Religião no Programa de Pós-graduação da PUC/SP. Bolsista Capes. E-mail: [email protected]

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A Antropologia caracteriza-se pelo estudo do outro, do contato com a

alteridade. Por isso, entender quem é o outro é tão importante. O outro pensa diferente

e crê diferente. E, apesar de diferente, é semelhante.

Na época da colonização (séc. XVI), perguntavam-se se os índios eram

humanos? Se tinham alma? A catequese era realizada para que eles tivessem uma

alma.

O contato com o outro nunca foi tranquilo. E nos séculos seguintes XVII e XVIII,

com o racionalismo, a razão dizia que não eram humanos, pois para existir tinham que

“pensar”. Depois, com o Iluminismo, a comprovação dessa ideia. E somente no séc.

XIX, com o surgimento da Biologia, todos puderam ser reconhecidos como humanos.

Mas mesmo assim, uma diferença nas unidades psíquicas das raças e, só a religião

olhava o “universal humano”.

Para esses estudos, foi feita uma divisão em:

Antropologia Evolutiva, Física e Biológica. E nesse momento, percebe-se

que todos viemos de um único grupo africano muito recente, que tinha sua

capacidade simbólica diferenciada. Apenas os Homo sapiens desenvolveram

a religião! E, ainda, apresentavam uma fluidez cognitiva que lhes permitia a

memória, ou seja, o conhecimento cumulativo. Por isso, sua sobrevivência e

permanência.

Antropologia e Arqueologia, para o estudo dos vestígios.

Antropologia e Linguística, para olharem as letras, ou seja, os povos se

dividem em línguas e simbolismos também. Usar uma “coisa” no lugar de

“outra” (ganho adaptativo). Além dos mitos, que são muito fortes para manter

os conhecimentos através da ancestralidade.

Antropologia Social e Cultural, que olha os comportamentos, as tradições,

as relações.

Dentro desse século ainda, observavam-se estágios diferentes de evolução, do

Etnocentrismo ao Evolucionismo. Sendo estes:

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P (primitivismo) – animismo, a crença que os animais, as plantas, os rios, as

montanhas, o sol, a lua e as estrelas tivessem espíritos.

B (barbárie) – politeísmo, crença em diversos deuses.

C (civilizado) – monoteísmo, crença num só deus, sendo esses os europeus

britânicos e os brancos.

A virada do séc. XX traz como dogma o Relativismo Cultural quebrando o

Etnocentrismo e, assim, aparecem as críticas. Nessa ocasião, voltam-se para os

“particulares”, deixando de lado o universal. Olhando para as religiões e suas

características específicas, como objeto dentro da Antropologia. Não existe cultura

melhor ou pior, e sim, diferentes!

E, como disciplina auxiliar da Ciência da Religião, colabora com a dimensão

sociocultural do fenômeno religioso. Afinal, não existe nenhum povo que não tenha

algum tipo ou sistema de crenças religiosas ou religião (transcendência).

O método comparativo está na base dos estudos religiosos. No séc. XX

separou-se muito o “homem” (ser humano) da natureza. Pois a ideia era, 'não adianta

dar escola aos pobres, eles não aprendem por natureza'; 'as mulheres são inferiores',

e assim por diante. E haviam também, o determinismo biológico e o geográfico, o que

na verdade era o determinismo cultural. Mas, quanto de biologia e de cultura nós

somos? O que há de universal nas culturas?

Como já vimos, há a capacidade criativa, simbólica do ser humano que

desenvolveu a religiosidade e sistemas de crenças, de mitologias, sendo possível uma

comparação intercultural na universalidade da religião, presente em todas as culturas.

Mas, o que é religião? A religião promove a solidariedade, o sonhar “alto”, a

segurança, a coesão e a ordem social. Religião, segundo Geertz (1989), é um sistema

de símbolos que atua para estabelecer poderosas, penetrantes e duradouras

disposições e motivações nos homens através da formulação de conceitos de uma

ordem de existência geral e vestindo essas concepções com tal aura de factualidade

que as disposições e motivações pareçam singularmente realistas. E ela serve tanto

para 'religião' como para as espiritualidades difusas.

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Dessa forma, a religião aparece desde os primórdios entre os humanos, mesmo

que o próprio grupo não reconheça ter uma religião específica, mas sim fazendo parte

de uma tradição em que a religião/religiosidade já está inserida: no seu

comportamento, nas suas atitudes, nos seus hábitos, na sua forma de pensar e agir.

Então, como não estudar esses fenômenos, seu histórico, as suas diferenças

e diferentes formas de existir? Como não pesquisar, para conhecer e tentar entender

suas origens, suas práticas, seus rituais, seus símbolos etc?

Todos os seres humanos vivem em sociedade, portanto, estão interligados e

conectados, precisando uns dos outros para viver.

Mesmo que nem sempre percebam isso.

3.HISTÓRICO DO ENSINO RELIGIOSO NO BRASIL

Desde a colonização, há a intenção de se ensinar sobre religião e, inicialmente,

catequisar para uma educação cristã católica. Religião que desembarcou no Brasil

com os portugueses.

No decorrer dos anos, a educação passa para o Estado, tornando-se de caráter

elitista. O ensino religioso desenvolve-se como o ensino da religião Católica,

disciplinador e evangelizador dos índios, escravos negros e do povo em geral. Mas,

como no dia a dia o ensino religioso era mais de caráter doméstico do que institucional,

em que cada família era responsável por ensinar sua religião, há uma separação entre

educação e religião.

No país muitas discussões foram levantadas sobre essa questão. Num

momento, em 1824, Rui Barbosa diz que nas escolas não se poderia impor uma

crença. Na chegada da República, as chamadas tendências secularizantes ajudam

na defesa de uma escola leiga, gratuita, obrigatória e pública. Em 1934, admite-se o

Ensino Religioso nas escolas, mas de caráter facultativo, de acordo com a crença do

aluno, como disciplina nas escolas públicas.

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Desta maneira, inicia-se um processo de busca por um objeto do Ensino

Religioso, ou seja, uma identidade. Pois não havia clareza quanto ao seu papel no

âmbito escolar.

Joana Zylbersztajn (2012), em sua tese de doutorado2, diz que é usual

ouvirmos que o Brasil é um Estado laico: imprensa, círculos acadêmicos, políticos,

movimentos sociais, todos afirmam que o país é laico. Essa declaração, no entanto,

não está explícita na Constituição Federal de 19883.

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,

garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade

do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos

seguintes:

VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre

exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de

cultos e a suas liturgias;

VII – é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas

entidades civis e militares de internação coletiva;

VIII – ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de

convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal

a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei.

E o debate sobre o Ensino Religioso talvez seja o mais amplo dentro da

discussão sobre a laicidade e a relação entre Estado e Igreja.

O ensino religioso é previsto na Constituição Federal4 no:

Art.210 . Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira

a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos,

nacionais e regionais;

§1º O ER, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das

escolas públicas de ensino fundamental.

2 "O Princípio da Laicidade na Constituição Federal de 1988". 3 República Federativa do Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. 4 República Federativa do Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988.

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O que coloca em evidência o pluralismo religioso.

No âmbito federal, oito anos após a promulgação da Constituição, o tema é

regulamentado pelo art. 33 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional5,

denominada também de “Lei Darcy Ribeiro”. Diante de pressões religiosas no

Congresso Nacional, em um primeiro momento a LDB-EN dispôs sobre o assunto nos

seguintes termos:

Art. 33. O ensino religioso, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos

horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, sendo oferecido, sem

ônus para os cofres públicos, de acordo com as preferências manifestadas pelos

alunos ou por seus responsáveis, em caráter:

I - confessional, de acordo com a opção religiosa do aluno ou do seu responsável,

ministrado por professores ou orientadores religiosos preparados e credenciados

pelas respectivas igrejas ou entidades religiosas;

II - interconfessional, resultante de acordo entre as diversas entidades religiosas,

que se responsabilizarão pela elaboração do respectivo programa6.

Por manterem relação de dependência entre o Estado e as organizações

religiosas, entendeu-se que esta forma de ensino religioso contrariava o próprio ideal

constitucional pluralista.

Para corrigir tal situação, foi promulgada a Lei n° 9.475/97, justamente para

alterar o Art. 33 da LDB-EN, que passou a vigorar com a seguinte redação:

Art. 33. O ER, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação

básica do cidadão e constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas

de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do

Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo.

§1° Os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a definição dos

conteúdos do ER e estabelecerão as normas para a habilitação e admissão dos

professores.

5 LDB-EN - Lei n° 9.394/96 6 Ministério da Educação e Desporto. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei 9.394/96. Rio de Janeiro: Qualitymark, 1997. n. 33.

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§2° Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída pelas diferentes

denominações religiosas, para a definição dos conteúdos do ER7.

Optou-se então, por criar um parâmetro de ensino religioso de caráter social e

filosófico, e não confessional. Ou seja, as religiões teriam lugar no ensino público

enquanto tratadas sob a perspectiva fenomenológica e antropológica, a partir do

ensino objetivo das religiões como fenômeno histórico cultural das sociedades. Além

disso, a lei vedou expressamente o proselitismo nas salas de aulas das escolas

públicas.

Essa alteração da legislação foi consequência de um significativo movimento

articulador promovido pelo Fórum Nacional Permanente de Ensino Religioso

(FONAPER).

A nova redação do Art. 33 focaliza o ER como disciplina escolar, entendendo-

o como uma área do conhecimento, com a finalidade de reler e compreender o

fenômeno religioso, colocando-o como objeto da disciplina. Isso foi formalizado

através da confirmação do CNE (Conselho Nacional de Educação) por meio da

Resolução 02/98 sobre as Diretrizes Curriculares do Ensino Fundamental.

Desde 1974, Encontros Nacionais de Ensino Religioso (ENER) têm sido

realizados para reflexões sobre esse papel. Além de se pensar nos conteúdos

disciplinares específicos, no como ensinar e quem estaria habilitado a ensinar. As

ideias sobre pluralismo, diversidade, construção de uma sociedade justa e

democrática através de aprendizados que estimulassem a atuação transformadora

dos cidadãos, estavam sempre presentes. Dessa forma, demonstrando que o Estado,

através da educação, tinha (e tem) o dever de se preocupar com a formação em todas

as dimensões do ser humano, inclusive o transcendente, a alteridade e a

solidariedade. Ampliando esse campo também para a compreensão do fenômeno

religioso e o conhecimento dessas manifestações em diferentes denominações

religiosas.

7 República Federativa do Brasil. Lei 9.475 [22 de julho de 1997, que dá nova redação ao art. 33 da Lei (9.394/96) de Diretrizes e Bases da Educação Nacional]. In: Fórum Nacional Permanente do Ensino Religioso. Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Religioso. 3. ed. São Paulo: Ave Maria, 1998, p.66.

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Em 1997, em consequência de um importante movimento nacional, organizado

pelo FONAPER8, instalado no dia 26 de setembro de 1995, em Florianópolis – SC, foi

aprovado no Senado da República o novo texto legislativo sobre o Ensino Religioso,

garantindo o seu espaço pedagógico nas escolas, centrado no direito ao

conhecimento do Transcendente e, de que maneira, está presente nas diferentes

manifestações religiosas.

Neste momento, a Ciência da Religião, área transdisciplinar que abrange todos

os estudos sobre religião em parceria a diversas abordagens ou sub-disciplinas como

a sociologia, psicologia, educação e ensino, economia, arqueologia, antropologia etc,

se conecta ao Ensino Religioso no que diz respeito ao estudo e reflexão das

manifestações religiosas, do sagrado, da fé, das crenças etc, para colaborar na

constituição dos seus fundamentos e orientação para definição de seus componentes

como disciplina escolar. Além de colaborar também para o desenvolvimento de uma

cultura de paz, ou seja, que cada educando possa se empenhar para um convívio

pacífico entre as culturas. Já que para se respeitar é necessário conhecer.

Junqueira (2013), indica os princípios estruturais estabelecidos para o Ensino

Religioso: parte integrante da formação básica do cidadão, ou seja, esta disciplina se

alicerça nos princípios da cidadania, do entendimento do outro enquanto outro, na

formação integral do educando. Mesmo que muitas pessoas neguem ser religiosos,

existe um dado histórico que toda pessoa é preparada para ser religiosa, do mesmo

modo que é preparada para falar determinada língua, gostar disso ou daquilo, do

modo de vestir, acreditar ou não, pois o ser religioso é um dado antropológico, cultural.

Portanto, o Ensino Religioso não se restringe em ensinar sobre uma religião

específica, mas sim poder conversar e refletir sobre os valores existenciais do ser

humano, sua religiosidade e transcendência.

E, Junqueira (2013) complementa que o objetivo do ensino religioso escolar é

proporcionar ao estudante experiências, informações e reflexões que o ajudem a

cultivar uma atitude dinâmica de abertura ao sentido mais profundo de sua existência

8 Fórum Nacional Permanente do Ensino Religioso.

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em comunidade, a organização responsável do seu projeto de vida, acreditando que

esta disciplina ajudará a vivenciar práticas transformadoras, removendo eventuais

obstáculos à fé; dessa forma, ficam compreendidas as diversas expressões religiosas.

Para tal, é importante valorizar a própria crença, assim como respeitar a dos outros,

proporcionar ao estudante as oportunas experiências, informações e reflexões ligadas

à dimensão religiosa da vida, que ajudem a cultivar uma atitude dinâmica de abertura

ao sentido radical da sua existência em comunidade, e a preparar-se, assim, para

uma opção responsável do seu projeto de vida. Ou seja, ajudar o estudante a formular

em profundidade o questionamento religioso e a dar sua resposta devidamente

informada, responsável e engajada.

4.POR QUE O ENSINO RELIGIOSO NA FORMAÇÃO ESCOLAR?

Hoje, no séc. XXI, percebemos claramente que a religião tem um papel muito

importante e significativo na vida social e política do planeta. É difícil termos uma

compreensão adequada da política internacional sem que se esteja consciente do

fator religião. Além de ser útil num mundo que se torna cada vez mais multicultural e

globalizado.

O respeito pela escolha religiosa dos outros, por suas opiniões e pontos de

vista, é um pré-requisito para a coexistência humana. Por isso, buscar um olhar amplo

sobre a natureza humana tanto no aspecto biológico como no cultural, é importante

para que esse conviver cotidiano possa acontecer de modo pacífico. E o entendimento

a respeito de como é que somos como somos enquanto seres humanos e seres vivos

é imprescindível.

Maturana (2009), diz que como seres biológico-culturais somos geradores dos

“mundos” em que vivemos. Então, se podemos ensinar a odiar, podemos ensinar a

amar, tudo são escolhas. E como ele mesmo trouxe para o ambiente acadêmico o

verbo “amar”, propondo que a Ciência ultrapasse as limitações impostas pelo

pensamento cartesiano, o Ensino Religioso vem como um caminho, um meio de se

ensinar, no conviver humano, a não discriminação e o caminho do amar. O Ensino

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Religioso como um “liberador” de caminhos. Apenas pelos ‘sentires’ e não pela

opressão, submissão ou medo.

Jesus não era cristão, Buda não era budista, ou seja, não havia religião, essas

pessoas pregavam o amor, o convívio pacífico entre as culturas, entre as pessoas.

Soares (2010)9, faz um levantamento histórico da discussão sobre o termo

"religião", e concluiu que este termo tem múltiplos, e até contraditórios significados,

portanto não servindo como um conceito ou uma definição única. Então, como usá-lo

para dar nome a uma área da Ciência como Ciência da Religião? Greschat (2005) traz

uma "luz" para essa explicação. Em sua opinião, felizmente, uma palavra, nome ou

conceito não é idêntico ao objeto a ser nomeado ou definido. O fato de não possuirmos

uma definição universal de religião é um defeito, mas não uma catástrofe, uma vez

que o objeto permanece e a qualidade de palavras inventadas ou a ser inventadas

atinge o objeto apenas marginalmente.

Por isso, não podemos deixar, que nos dias de hoje, exista grupos

discriminadores como fator de segregação entre pessoas ou povos.

E como isso é possível? Como isso acontece? No aprender. E o aprender se

dá na presença do outro, na relação. A aprendizagem é uma transformação coerente

com as circunstâncias no fluir das interações, e isto ocorre espontaneamente, sem

esforço. A aprendizagem não é um saber ou uma habilidade. Somos sistemas

cognitivos e o viver é o processo da cognição.

A escola, que é o local coletivo, ainda é o lugar da aprendizagem e, portanto, o

lugar da cognição orientada e da relação com o outro. O lugar em que os estudantes

podem se perceber cidadãos participantes da sociedade e que têm responsabilidades

sobre o futuro que querem construir.

O Ensino Religioso pode ser esse lugar para fora do enquadramento fechado,

um lugar da transdisciplinaridade, um lugar em que os temas gerais das disciplinas

podem se encontrar, se relacionar para organizar os saberes e produzir

9 Capítulo 1 do livro Religião & Educação: da Ciência da Religião ao Ensino Religioso.

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conhecimento, para o respeito por exemplo. Além do entendimento da espiritualidade

e religiosidade do outro e a sua própria. Essa disciplina, ER10, traz consigo o estudo

e reflexão das manifestações religiosas, do sagrado, da fé, das crenças e, também,

dos valores, ética, diversidade, direitos humanos, ecologia, construindo fundamentos

e orientação para a definição de seus componentes como disciplina escolar. E, desta

maneira, colabora também para o desenvolvimento de uma cultura de paz, ou seja,

que cada educando possa se empenhar para um convívio pacífico entre as culturas e

o “diferente”. Já que para se respeitar é necessário conhecer!

Junqueira (2013), indica os princípios estruturais estabelecidos para o Ensino

Religioso:

parte integrante da formação básica do cidadão, ou seja, esta disciplina se alicerça

nos princípios da cidadania, do entendimento do outro enquanto outro, na formação

integral do educando. Mesmo que muitas pessoas neguem ser religiosos, existe um

dado histórico que toda pessoa é preparada para ser religiosa, do mesmo modo que

é preparada para falar determinada língua, gostar disso ou daquilo, do modo de

vestir, acreditar ou não, pois o ser religioso é um dado antropológico, cultural.

CONCLUSÃO

Portanto, o Ensino Religioso não se restringe em ensinar sobre uma religião

específica, mas sim poder conversar e refletir sobre os valores existenciais do ser

humano, sua religiosidade e transcendência.

Não pressupõe que o aluno se identifique com algum credo ou religião, mas se

baseia nas categorias antropológicas de transcendência e alteridade. Essa

abordagem dialoga reiteradamente com a Antropologia Cultural, a Psicologia da

Religião, a Fenomenologia da Religião e a Sociologia da Religião, para as quais tanto

o sentimento religioso, quanto a sua institucionalização, são expressão e

sistematização das necessidades de grupos humanos, concepções de sagrado e

10 Ensino Religioso.

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percepção de mundo, em determinadas épocas e contextos históricos (DANTAS,

2004, p. 117).

O Ensino Religioso, como disciplina escolar, vem então na direção de uma

formação integral dos alunos. O que, consequentemente, é o caminho para que esses

alunos se tornem cidadãos preparados e conscientes das necessidades de um

convívio pacífico e respeitoso entre todos os seres humanos.

REFERÊNCIAS

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