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XV ENCONTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS DO NORTE E NORDESTE PRÉ-ALAS BRASIL 04 a 07 de setembro UFPI, Teresina - PI GT 09 SOCIEDADE, MERCADO E SUSTENTABILIDADE Governança e impactos ambientais na instalação de empreendimentos urbanos Josinês Barbosa Rabelo UFPE-PE [email protected]

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XV ENCONTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS DO NORTE E NORDESTE PRÉ-ALAS BRASIL 04 a 07 de setembro UFPI, Teresina - PI

GT 09 – SOCIEDADE, MERCADO E SUSTENTABILIDADE

Governança e impactos ambientais na instalação de empreendimentos urbanos

Josinês Barbosa Rabelo UFPE-PE

[email protected]

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Governança e impactos ambientais na instalação de empreendimentos urbanos

Josinês Barbosa Rabelo

1 Introdução

Para se pensar no desenvolvimento sustentável, a abordagem sistêmica na

tomada de decisões do uso e gestão dos recursos naturais1 é uma das

condicionantes mais importantes para o planejamento e a gestão ambiental.

Trata-se de uma abordagem em que engloba as interações socioeconômicas,

políticas e físico-ambientais.

O surgimento de questões relacionadas às formas de degradação da natureza

tem despertando o interesse do poder público e da sociedade gerando grandes

conflitos na relação entre sociedade-natureza e desenvolvimento econômico e

preservação ambiental tendo como paradigma a sustentabilidade como critério

de desenvolvimento.

Na busca da sustentabilidade, tem-se discutido a importância do envolvimento

da sociedade na resolução dos problemas ambientais. Assim, a temática da

governança, nos últimos anos, tem se constituído o objeto de vários estudos,

especialmente, no que se refere à instalação de grandes empreendimentos que

nos últimos anos tem-se assistido no Brasil.

Esses empreendimentos têm ocupado áreas geográficas naturais e são vistos

pelo poder público e pela iniciativa privada como oportunidade de

investimentos com potencial para promover o desenvolvimento local e regional.

Contudo, os empreendedores devem considerar os aspectos ambientais e

sociais na direção de adotar posturas que levem em conta a sustentabilidade

em suas várias dimensões e envolvem a necessidade de avaliar os impactos

socioambientais considerando as alterações na natureza e no cotidiano das

populações atingidas por esses empreendimentos.

1 Moraes (2007, p. 17-18) distingue duas modalidades de recursos: naturais e ambientais.

Explica que os recursos naturais “referem-se a produtos, quantidades de materiais depositados na superfície terrestre que se apresentam nos fluxos econômicos como mercadorias, passíveis de terem preços médios aferidos no mercado.” Os recursos ambientais para o autor “referem-se a condições de vida e produção, circunscrevendo fatores de difícil contabilização, como a beleza cênica ou a originalidade paisagística, por exemplo.” [grifos do autor]

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O licenciamento se constitui em um instrumento legal essencial ao

desenvolvimento sustentável, para garantir que os empreendedores

implementem práticas ambientalmente corretas como determina a Lei Nacional

de política Ambiental n. 6.938/81 e as Resoluções do CONAMA nos 001/86 e

237/97.

Nessa direção, a instalação de grandes empreendimentos urbanos exige

instrumentos de regulação ambiental e envolvem interesses de diversos atores:

do Estado, da iniciativa privada na articulação de seus interesses econômicos e

da sociedade na busca de justiça ambiental.

Os grandes empreendimentos são aqui entendidos como grandes projetos

públicos ou privados que mobilizam um grande volume de recursos e mão de

obra instalados em áreas com atributos ecológicos relevantes e que produzem

alterações nos ecossistemas e no cotidiano das populações do território2 onde

são implantados.

O objetivo deste texto é refletir o processo de governança licenciamento

ambiental na instalação de grandes empreendimentos urbanos em áreas

geográficas naturais e os impactos ambientais decorrentes. É importante

destacar que, no Brasil, a abordagem do desenvolvimento sustentável e a sua

relação com a governança ainda tem incorporado de forma marginal a

problemática ambiental, justificando nesse trabalho o uso do termo governança

ambiental, especialmente quando se trata do processo de licenciamento.

Para refletir sobre esse processo, toma-se como estudo empírico a instalação

do empreendimento imobiliário turístico Reserva do Paiva, localizado no

município do Cabo de Santo Agostinho, litoral sul de Pernambuco. Quanto aos

aspectos metodológicos, a construção deste texto considerou o conceito de

governança e a interpretação do EIA/RIMA. Nesse sentido, fez-se a opção

metodológica direcionada para o campo da abordagem qualitativa. Os dados

foram coletados através de leitura de documentos (leis e EIA/RIMA) e

entrevistas com os atores envolvidos no processo.

2 Território é aqui adotado como produto histórico do trabalho humano que resulta na

construção de uma delimitação territorial que considera aspectos os econômico, social, cultural e político permeados pelas relações de poder.

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O presente artigo está estruturado, primeiramente, com as formulações

teóricas do conceito de governança ambiental. Num segundo momento,

aborda-se sobre o processo de instalação do empreendimento Reserva do

Paiva e os impactos ambientais. Finalmente, abordam-se as análises que

focalizam a temática governança e da participação no processo de

licenciamento do empreendimento.

2 Governança ambiental

O modelo de desenvolvimento adotado pelas sociedades modernas impõe a

humanidade novos padrões de relacionamento com o meio ambiente e seus

recursos que estão relacionados com os estilos de vida, com a dinâmica e a

organização do espaço, entre outros.

A discussão sobre a governança ambiental aparece como uma nova forma de

pensar a gestão ambiental local de forma compartilhada e democrática na

direção da sustentabilidade. Nesse contexto, o tema governança ambiental se

constitui em uma categoria-chave nas reflexões sobre desenvolvimento

sustentável alinhado a outras categorias como negociação, participação,

controle social, parceria, sociedade civil, entre outras (ZHOURI, 2008). É um

termo chave na implementação de políticas públicas voltadas à questão

ambiental e representa uma possibilidade da existência de um processo

político mais amplo e justo.

O termo governança foi difundido pelo Banco Mundial que o define como “a

maneira em que o poder é exercido na gestão dos recursos econômicos e

sociais de um país visando o seu desenvolvimento”3 (WORLD BANK,1992, p.1)

e implica na forma como o Estado planeja, formula e implementa as políticas

públicas. Essa abordagem de governança está centrada no modo de operação

das políticas públicas e na relação entre demandas sociais e a capacidade do

Estado em atendê-las (SANTOS Jr., 2001).

Diniz (1997) conceitua governança como a capacidade do Estado de definir as

suas estratégias e ações. Para Melo (1995) a governança está relacionada ao

3 Texto original: “Governance is defined as the manner in which power is exercise in the

management of a country's economic and social resources for development.”

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formato político-institucional dos processos decisórios, à articulação público-

privada nas políticas, à participação e descentralização e ao financiamento das

políticas públicas.

Rosenau (2000) ressalta que para a governança funcionar é preciso que o

sistema de ordenação seja aceito pela maioria, enquanto que os governos

podem funcionar mesmo que haja oposição à sua política. Pode-se caracterizar

a governança como meio e processo capaz de produzir resultados eficazes,

bem como a participação dos atores em sua realização (GONÇALVES, 2005).

O processo de decisões políticas, antes concentrado no Estado, passou a ser

compartilhado com outros atores: ONGs, o mercado e seus agentes,

evidenciando as transformações da autoridade política que estão na base do

conceito de governança. Nesse sentido, o conceito de governança pode

também ser apreendido através das transformações na relação entre Estado e

sociedade. Dessa forma, governança tem sido identificada como uma

tendência da gestão pública e das políticas públicas visando a melhoria da

ação do poder público e democratização dos processos decisórios locais.

A governança apesar de estar associada à agenda político-econômica

neoliberal e ter sua origem nas formulações das agências multilaterais sobre

eficiência do Estado e no exercício do bom governo, quando referida às

relações da sociedade com os recursos da natureza, utiliza-se o termo

governança ambiental.

O conceito de governança ambiental está ligado à busca de solução de

problemas ambientais seja no que diz respeito ao alcance dos resultados e/ou

na forma como são executadas essas soluções. Implica como o poder é

exercido, como são definidas e pensadas as soluções desses problemas. A

sua existência pressupõe a existência do sistema democrático. Logo, a

governança ambiental se constitui em um conjunto de procedimentos que

possibilitem a construção coletiva de soluções para os problemas ambientais

com a participação dos atores sociais.

Esse processo nem sempre é fácil, haja vista que cada ator tem os seus

interesses e exerce o poder de forma diferenciada. Sendo assim, a governança

é fruto de ações e interesses de três atores: Estado, sociedade civil e mercado

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que formam um eterno triângulo (TEHRANIAN, 2002). É através da negociação

de conflitos ambientais, da discussão e formas de solução de problemas

ambientais que se pode falar em exercício do poder.

Nessa direção, a governança ambiental pode ser entendida como um conjunto

de “regras, instituições, processos e comportamentos tanto formais quanto

informais que afetam a maneira como os poderes são exercidos na esfera de

políticas ou ações ligadas às relações da sociedade com os recursos e funções

da natureza” (CAVALCANTI, 2006, p. 2). Requer vontade política e a

consciência do papel dos recursos naturais para a manutenção da vida no

planeta. Pressupõe da existência de um conjunto heterogêneo de atores

sociais envolvidos (movimentos sociais, empresas privadas, instituições

públicas, Organizações Não-Governamentais-ONGs, pesquisadores, entre

outros) na tomada de decisões das políticas públicas voltadas às questões

ambientais.

3 O empreendimento Reserva do Paiva no contexto da instalação de

grandes empreendimentos urbanos

A forma como são instalados grandes empreendimentos urbanos em um dado

território é um ponto de partida para compreender o processo de governança

ambiental. Aqui o destaque é dado para as cidades litorâneas, especialmente

em Pernambuco, na direção de compreender as relações que são

estabelecidas entre os diversos atores: poder público, empreendedores e a

população nativa, bem como a interrelação entre o empreendimento e a

sociedade local. Essas interrelações são fontes de conflitos quando interfere no

modo de vida da população e/ou a expõe à riscos ambientais decorrentes da

degradação da qualidade ambiental provocada pelas atividades desses

empreendimentos.

Pode-se dizer que o empreendimento urbano em foco está inserido no contexto

das políticas de desenvolvimento adotadas pelos estados nordestinos que

associam o turismo ao desenvolvimento da região.

A década de 1980 foi marcada pela implantação de megaempreendimentos

estimulados pelo poder público através da criação de parques hoteleiros. Na

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década seguinte, um novo cenário de competitividade global, de marketing

urbano se forma exigindo novas estratégias e redefinição do turismo que passa

a ser visto pelos gestores públicos como meio para se vislumbrar um

desenvolvimento em escala internacional (SILVA e FERREIRA, 2008).

Leal (2010) afirma que esse modelo de expansão apresenta as seguintes

características: a) construção de empreendimentos em áreas de grande valor

imobiliário; b) os projetos arquitetônicos são elaborados visando oferecer

equipamentos de lazer e segurança; c) deslocamento de áreas tradicionais

para localidades onde as restrições legais são facilitadoras no sentido de

compensar a localização desfavorável, agregando a esses empreendimentos

serviços, amenidade de vizinhança, segurança; d) as edificações criam novos

espaços e novos padrões de desigualdade e segregação urbana; e) as

edificações são construídas em áreas de beleza natural na forma de

condomínios fechados; f) o surgimento do mercado imobiliário-turístico

associado ao capital financeiro internacional.

Esse movimento está relacionado às transformações do mercado globalizado

com evidências nos Estados Unidos, Espanha, Portugal, México e República

Dominicana. O litoral nordestino aparece como uma alternativa competitiva aos

capitais europeus com o foco nas edificações de segunda residência de alto

luxo. Destarte, além do mercado residencial o turismo imobiliário está presente

na produção de equipamentos, tais como: hotéis, flats, shoppings,

restaurantes, construídos em locais privilegiados de beleza natural constituindo

o turismo imobiliário hoteleiro. Esses empreendimentos agregam a natureza-

paisagem em que a natureza passa a ser concebida como uma mercadoria, um

símbolo para os empreendimentos (RIBEIRO, 2007; LEAL, 2010).

Outro aspecto da dinâmica do setor imobiliário, no caso do estado de

Pernambuco, é identificado através do deslocamento das elites locais para

territórios afastados e privilegiados da Região Metropolitana do Recife. São

áreas de grandes proprietários de terras e de latifúndios pertencentes à

indústria açucareira, localizadas em municípios da RMR, no litoral sul do

estado e estão sendo transformadas em locais para a construção de

condomínios fechados, comunidades cercadas, enclaves fortificados de luxo.

“Esses condomínios proporcionam segurança, exclusão, homogeneidade

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social, amenidades e serviços”, os moradores desses condomínios ficam longe

do que consideram “o caos, sujeira e o perigo da cidade” (CALDEIRA 2000, p.

264-265).

Pode-se dizer que o setor imobiliário tem um forte papel na degradação

ambiental que avançando para o litoral degrada os ambientes naturais. Nesse

contexto, a natureza é tida como uma mercadoria que não tem um valor

através do que ela proporciona para o desenvolvimento sustentável, mas pela

importância que assume como título rentável nos mercados financeiros

(CAMPOS, 2007). Isso porque, a lógica de valorização das cidades litorâneas

no Brasil, tem se consolidado nos últimos anos como uma nova modalidade de

produção do espaço em que a praia é transformada em mercadoria para uma

parcela da população com poder aquisitivo superior aos habitantes nativos,

emergindo novos atores sociais nessas localidades e a produção de

empreendimentos imobiliários sejam eles para fins residenciais ou econômicos.

Nesse sentido, pode-se dizer que os segmentos do setor imobiliário turístico

vêm assumindo, nas últimas décadas, um papel de destaque na apropriação

dos espaços urbanos com características ambientais para a produção

imobiliária de habitações de segunda residência e empreendimentos turísticos.

Em Pernambuco, esse processo é verificado na zona litorânea sul, área de

grande valor ambiental e cultural e de interesse de grupos imobiliários que

associados às empresas do segmento turístico têm produzido

empreendimentos imobiliários turísticos com a presença de grupos

estrangeiros articulados ao capital financeiro local vinculado ao capital

imobiliário.

O capital financeiro internacional associado ao segmento imobiliário brasileiro

passou a disputar os nichos ecológicos embora haja uma retração do mesmo

com a crise internacional em 2008, grupos portugueses e espanhóis ainda

estão presentes na instalação de empreendimentos turísticos nos estados de

Pernambuco, Bahia, Ceará, Natal e Rio Grande do Norte, por exemplo, e que

vêm atingindo áreas antes preservadas, a despeito dos planos e da legislação

ambiental existentes, influenciando o padrão de urbanização dessas áreas.

Essa modificação ocorreu, conforme Ribeiro (2009), face às transformações

econômicas locais e internacionais em que a demanda de novos

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empreendimentos, atrelada aos segmentos turísticos (gastronômicos, lazer,

ócio, ecológico, cultural, entre outros) favoreceu a capacidade das empresas

de atrair capitais diversos. Além disso, o investimento no Brasil, tal como na

China e Índia comparando com países de economia mais consolidada,

representa para os investidores retornos mais rápidos à custa do valor mais

baixo do solo urbano, da mão de obra e da facilidade de negociação de

impostos com os setores públicos para a obtenção de licenças para a

instalação do empreendimento e de avaliação de impacto ambiental.

Nesse contexto, o setor imobiliário turístico apresenta à sociedade seus

projetos tendo como principal característica a conservação e preservação

ambiental como estratégia de marketing. Essa propaganda ambiental

representa o discurso hegemônico capitalista global em relação à emergência

das questões ambientais que indica a necessidade de implementar políticas

públicas para o estabelecimento de mais qualidade de vida nas cidades. Nessa

direção, Campos (2009, s. p.) alerta que

[...] o discurso oficial para conservação e preservação ambiental nas

cidades passa a ser símbolo de uma ordem ambiental imposta pelo

mercado capitalista, visando seduzir e incorporar uma consciência

ambiental na sociedade para neutralizar opções da luta política contra

a desigualdade de classes provenientes da hegemonia de grupos

dominantes, principalmente oriundas do setor imobiliário nas grandes

metrópoles brasileiras. As campanhas alternativas de consumo da

natureza representam também uma nova forma empreendedora de

capitalizar a consciência ambiental de indivíduos através de símbolos

ambientais.

A mercantilização da natureza é acompanhada por processos de destruição

das condições de vida das populações e dos recursos naturais cada vez mais

irreversíveis com rebatimento na qualidade de vida nas cidades, e em especial

nas zonas litorâneas onde se verifica de forma mais visível a apropriação e uso

dos recursos naturais como mercadoria através de símbolos ambientais

utilizados para consolidar os empreendimentos turísticos. A instalação de

empreendimentos turísticos privatiza espaços de ambientes naturais como

faixas de praias de uso coletivo, transformando-os em mercadoria como

processo da simbologia ambiental (selo verde). Assim, as empresas tem

realizado alto investimento no marketing ecológico que “se encarrega de

executar sua tarefa clássica, em forjar demandas e criar necessidades na

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população, onde o Mercado dialoga com a Sociedade, lançando o apelo pela

preferência ao politicamente correto consumo verde” (LAYRARGUES, 2003, p.

99). Estratégia adotada pelos empreendedores para apresentar um

posicionamento de apropriação da preservação da natureza como diferencial

de mercado, buscando aumentar seu nível de competitividade sinalizando para

uma mudança nas práticas cotidianas sem, contudo, representar um

comprometimento socioambiental efetivo. Ou seja, a valorização da

mercadoria-natureza se constitui em uma nova feitura do capitalismo que pode

ser visualizada nas atividades do setor imobiliário turístico.

No tocante a gestão, os agentes estatais buscam intervir nos conflitos de uso

ou intercedem por uma das partes envolvidas, através da criação de fóruns e

da legitimação de planos e projetos ou abrindo exceções nos próprios limites

estabelecidos. É nesse sentido que o Estado enquanto produtor de espaços e

através de seus diversos órgãos é o maior agente impactante “[...] com a

capacidade de reverter tendências de ocupação e gerar novas perspectivas de

uso, principalmente pela imobilização de áreas (através do seu tombamento) e

pela instalação de grandes equipamentos ou dotação de infra-estruturas [...]”

(MORAES, 2007, p. 27), visto que cabe ao Estado a criação de leis como

principal mecanismo de valorização da natureza através do planejamento e da

gestão do uso e ocupação do solo.

É pertinente frisar que a instalação de grandes empreendimentos turísticos nas

áreas litorâneas, conforme preconiza a Lei Federal 6.938/81 e a Resolução

CONAMA 237/1997 requer o atendimento aos procedimentos de Avaliação de

Impacto Ambiental. Esses empreendimentos utilizam os recursos naturais

como mercadoria, revelam contradições entre o desenvolvimento e a

preservação do meio ambiente que só poderão ser compreendidas no contexto

do processo de apropriação da natureza pelo capital e o seu uso através da

simbologia ambiental (CAMPOS, 2009) que ao ser considerados sustentáveis,

discurso que é incorporado pelos atores políticos e privados consolidam uma

nova linguagem. É nesse contexto em que se insere o

ecomegaempreendimento Reserva do Paiva. Nos dias atuais em função do

Complexo Industrial Portuário de Suape emergem empreendimentos com

características distintas a exemplo das Cidades Planejadas.

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O empreendimento está localizado no município do Cabo de Santo Agostinho

em uma área de grande valor ambiental e cultural, na zona estuarina dos rios

Pirapama e Jaboatão e adjacente às reservas ecológicas de Mata Atlântica da

Região Metropolitana do Recife, onde se verifica várias Unidades Conservação

estaduais nas proximidades do empreendimento. O município do Cabo de

Santo Agostinho situa-se na porção sul da Região Metropolitana do Recife

(RMR), distando 41 km da capital. Abrange uma área de 448,4km2,

correspondente a 16,28% da RMR e 0,45% do território estadual (Figura 2).

Limita-se ao Norte com os municípios de Vitória de Santo Antão, Moreno e

Jaboatão dos Guararapes, a Sul com os municípios de Escada e Ipojuca, a

Leste com o Oceano Atlântico e a Oeste com os municípios de Escada e

Vitória de Santo Antão.

Figura 2 – Mapa de localização do município do Cabo de Santo Agostinho Fonte: Assis (1999, p.02).

O Projeto Reserva do Paiva é um empreendimento imobiliário turístico. A área

do empreendimento, que era antes um loteamento da família Brennand, mede

5.50 km2 e se estende por cerca de 8.09 km do litoral. Visando dotar a Reserva

do Paiva de infraestrutura, foi estabelecido como prioridade a construção da

Via Parque e a Ponte do Paiva (Fig. 3 e Fig. 4).

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Figura 3 – Localização da Via Parque e Ponte do Paiva Disponível em: <http://orealizacoes.com.br/Novos- Destinos-Urbanos- Conceito.aspx?id=21#>. Acesso em: 20 ago. 2011.

A ponte foi construída através da concessão patrocinada entre o Estado de

Pernambuco e a Via Parque S/A numa Parceria Público-Privada4 com o

objetivo de realizar as obras de construção, operação e manutenção da Ponte

do Paiva sobre o rio Jaboatão com aproximadamente 300m de extensão

ligando os municípios de Jaboatão dos Guararapes e Cabo de Santo

Agostinho, e da Via Parque, de 6,2 km. O financiamento inicial da obra viária

proveniente do setor privado com posterior contraprestação pecuniária do setor

público. Constitui-se em um conjunto de sistema viário para facilitar o

deslocamento da população e servir de conexão com a RMR.

Esse tipo de relação remete ao que Harvey (1989) chama de

empreendedorismo urbano (urban enterpreneurialism) e aponta para mudanças

no papel do poder público no tocante à economia e ao desenvolvimento local

introduzindo uma nova forma de governança que busca assegurar vantagens

para as cidades no contexto da competitividade urbana. A cidade é vista como

um negócio e nesse contexto, o Estado tem o papel de ser o articulador de

forças nas novas formas de interação entre o poder público, mercado e

sociedade.

A construção da ponte prescindiu da supressão de vegetação e para viabilizar

a sua construção foi elaborado o Projeto de Lei Ordinária n. 1373/2009 de

autoria do governo do estado para permitir a supressão do mangue e propiciar

4 A Lei n. 11.079/2004 instituiu as parcerias público-privadas que trata da possibilidade do

poder público de estabelecer parcerias com a iniciativa privada na gestão de recursos ou sistemas públicos, mediante a formalização de um contrato de prestação de serviços com prazo e valores determinados de impacto na implantação de infraestrutura, com posterior remuneração da empresa privada e o serviço ofertado à população.

Figura 4 – Ponte do Paiva

Fonte: Google Earth, 2007.

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a execução de vários empreendimentos privados que atualmente ainda se

encontram em construção do Projeto Reserva do Paiva.

O Projeto do Paiva é constituído de estruturas residenciais, de turismo e lazer.

Tem projetado a construção de âncoras de turismo e de lazer, vila comercial,

bares, boates, restaurantes, além da construção de hotéis e condo-hotéis no

formato de bangalôs e apartamentos hoteleiros integrados à paisagem com

aproveitamento da faixa de praia. Estão previstas 7.776 unidades. As obras

foram projetadas para serem construídas em 10 etapas que se sucedem a

cada dois anos com uma estimativa populacional de 32.639 pessoas com

previsão de conclusão para 2023 (PIRES ADVOGADOS E CONSULTORES,

2005). A primeira etapa já concluída é constituída de um condomínio (Morada

da Península) com 67 casas de alto padrão (Fig. 5) voltado para a população

oriunda das camadas de maior poder aquisitivo. Com esse empreendimento o

município começa a presenciar mudanças em sua paisagem urbana.

Figura 5 – Vista aérea do Condomínio Morada da Península e perspectiva ilustrada da sua estrutura Fonte: Disponível em: < http://www.orealizacoes.com.br/Empreendimentos-Galeria-De- Imagens.aspx?id=35#>. Acesso em: 20 ago. 2011.

3 Os impactos ambientais do empreendimento Reserva do Paiva

Os impactos ambientais são as grandes mudanças que ocorrem na natureza e

na sociedade. A avaliação de impactos obedece a critérios que possibilitam

definir se determinada ação ou atividade econômica produz resultados

positivos ou negativos. A descrição dos impactos do Projeto Reserva do Paiva,

toma-se como referência o EIA/RIMA (Quadro 2).

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Impactos na fase de implantação Impactos na fase de operação

Meio físico Meio biológico

Meio antrópico Meio físico Meio biológico

Meio antrópico

- emissão de efluentes gasosos; - geração de ruídos; - processos erosivos; - impactos no solo/subsolo e recursos hídricos subterrâneos; - processo erosivo da restinga; - a instalação de marinas causará alterações no sistema estuarino e aumento do tráfego de embarcações.

- supressão de vegetação (mata atlântica e mangue) e de espécies cultivadas; - fauna que dependem do solo.

- alteração da paisagem local; - alteração na rotina da população; - os impactos na saúde causados pelos níveis de ruído e da poluição do ar; - alteração nas formas tradicionais de uso do espaço;

- geração de ruídos; - impactos referentes aos efluentes sanitários; - geração de resíduos sólidos e efluentes líquidos; - impactos no meio aquático associados às marinas e navegação recreativa.

- impactos na biota aquática em função das embarcações; - as ações de turismo e lazer trarão impactos na vegetação e fauna terrestre.

- alteração da dinâmica populacional; - alteração da dinâmica do comércio, serviços e lazer; - pressão sobre as áreas de preservação; - intensificação da circulação de veículos e poluição decorrente; - prejuízos às atividades de pesca na área do estuário devido ao tráfego aquático.

Quadro 2 – Impactos do empreendimento

Fonte: Pires Advogados e Consultores (2005).

O EIA/RIMA (PIRES ADVOGADOS E CONSULTORES, 2005, cap. 8, p.2)

apresenta as propostas para mitigar cada impacto, que segundo os consultores

que elaboraram o documento,

[...] foram identificados a avaliados através do preenchimento de matrizes em reuniões com a equipe multidisciplinar responsável pela elaboração deste estudo, de forma a se ter uma visão holística e sinérgica de cada intervenção e seus impactos.

No entanto, não fica claro como os prejuízos às atividades de pesca e as

alterações no cotidiano das comunidades serão mitigadas. Outro aspecto

observado, apesar do projeto destacar a sustentabilidade e a valorização dos

ecossistemas como diretrizes do empreendimento, não é apresentado os

cenários futuros na perspectiva de orientar políticas de sustentabilidade

visando o empreendimento em 2023, quando todo o projeto estiver em plena

operação, a exemplo dos impactos sobre as áreas de preservação, na

dinâmica populacional, entre outros.

Merece destacar que o desenvolvimento de forma sustentável não se limita às

adequações ecológicas, mas a construção de um modelo de desenvolvimento

que leve em conta a viabilidade econômica, social, cultural, espacial e a

ecológica, tendo como elemento chave desse processo a participação dos

atores sociais, implicando num formato de governança ambiental.

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Novas comunidades poderão surgir no entorno na busca de trabalho e renda

que poderá dar surgimento a favelas e potencializar a segregação

socioespacial, visto que há uma separação entre o empreendimento e as

comunidades nativas localizadas no entorno do empreendimento. Faz-se

mister destacar que a produção imobiliária do Projeto do Reserva do Paiva é

voltada para a classe média alta. Logo, há a tendência dos espaços planejados

se confrontarem com as comunidades existentes e com outros espaços que

podem se reproduzir estabelecendo uma dicotomia socioespacial.

Os impactos negativos elencados no quadro 2 são vistos como insignificantes

pelo Estado e consultoria que elaborou o EIA/RIMA valoriza os impactos

positivos. Para os empreendedores, o Programa Gerencial Ambiental composto

por onze projetos, merecendo destaque três que são voltados para a promoção

da cidadania das comunidades do entorno: o projeto de comunicação,

educação ambiental e coleta seletiva, todos coordenados pela Rede

Sustentável, órgão do empreendimento. As atividades dos projetos são cursos

e oficinas de geração de renda, a exemplo artesanato com estímulo ao

empreendedorismo.

Observa-se, como em tantos outros EIA/RIMA, que o conteúdo é insuficiente

para dar conta da realidade. Em geral, nesses documentos, a abordagem dos

aspectos socioeconômicos é feita de forma superficial. Verifica-se que cerca de

90% do diagnóstico ambiental são apresentados os dados físicos do território

onde o empreendimento vai ser instalado. Restando cerca de 10% do conteúdo

do documento para apresentar os dados socioeconômicos que são elaborados

sem a participação das comunidades. Esse dado indica a necessidade de se

pensar em outra forma de elaborar o EIA/RIMA.

O Brasil ainda caminha a passos lentos na elaboração da Avaliação Ambiental

Estratégica (AAE) que já é adotado pela comunidade europeia desde 2000 e se

constitui em uma forma de avaliação das consequências ambientais de

políticas, planos e programas no âmbito do poder público, embora possa

também ser aplicada à iniciativa privada.

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4 Governança e participação no licenciamento ambiental do Projeto

Reserva do Paiva

A governança ambiental, como dito anteriormente, é mantida por um sistema

de atores em que cuja articulação é permeada pelas relações de poder no

processo de decisão sobre o uso e gestão dos recursos naturais. É um

processo de construção de mecanismos com diferentes atores (Estado,

mercado e sociedade) e interesses na busca de resolver problemas que

transcendem as relações econômicas. Nesse contexto, coloca-se a questão do

licenciamento ambiental do empreendimento imobiliário turístico Reserva do

Paiva.

A instalação de grandes empreendimentos turísticos nas áreas litorâneas,

conforme preconizam a Lei Federal 6.938/81 e as Resoluções CONAMA

01/1986 e 237/19975 requer o atendimento aos procedimentos de Avaliação de

Impacto Ambiental. Esses empreendimentos utilizam o meio ambiente como

mercadoria e se consideram sustentáveis, discurso que é incorporado pelos

atores políticos, consolidando uma nova linguagem em se tratando dos

grandes empreendimentos do setor imobiliário turístico incidindo nos arranjos

de governança ambiental local.

O licenciamento é um instrumento importante para o desenvolvimento

sustentável na perspectiva de garantir que práticas corretas sejam

desenvolvidas, tanto nos novos empreendimentos como na renovação da

licença6 de empreendimentos existentes. Tem como finalidade controlar os

impactos ambientais provocados por atividades e empreendimentos que

utilizam os recursos naturais, ou que sejam considerados potencialmente

poluidores com riscos de causar degradação ambiental e ao bem estar da

população.

5 A Resolução CONAMA n. 01/1986 define as responsabilidades e critérios para Avaliação de

Impacto Ambiental, bem como as atividades que necessitam de Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e Relatório de Impacto Ambiental (RIMA). Já a Resolução CONAMA n. 237/97 dispõe sobre o sistema de licenciamento ambiental, a regulamentação de seus aspectos na forma da Política Nacional de Meio Ambiente e estabelece critérios para o exercício da competência para o licenciamento a que se refere o art. 10 da Lei 6.938/81 e outras providências. 6 O licenciamento ganhou força com a criação da Lei Federal n. 6.938/81 que estabelece as

diretrizes da Política Nacional de Meio Ambiente e é constituído de três fases: Licença Prévia (LP), licença de Instalação (LI) e Licença de Operação (LO).

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A participação durante as etapas do licenciamento se aplica às etapas

obrigatórias do procedimento administrativo (audiências públicas) e nas

atividades de comunicação social e educação ambiental (reuniões prévias às

audiências públicas, reuniões de negociação e outros tipos de encontros).

As audiências de participação pública definidas pelo Estado são momentos de

consultivos e não decisórios e obedecem a um ritual com normas de conduta

pré-estabelecidas como requisitos de participação. São instâncias formais

pautadas pelo regulamento oficial. É o momento em que os participantes

encaminham as suas dúvidas à Mesa Diretora composta por membros do

órgão ambiental licenciador, que no caso de Pernambuco é a Agência Estadual

de Meio Ambiente – CPRH, representantes dos empreendedores e dos

consultores responsáveis pelo EIA/RIMA.

No licenciamento do projeto Reserva do Paiva, a participação ocorreu em

reuniões prévias de audiência pública. Segundo o empreendedor e consultoria,

foram realizadas oito reuniões com o objetivo de apresentar e discutir o projeto

momento em que a equipe de consultores identificou os anseios da população

do entorno do projeto e incorporados no EIA/RIMA.

Para as organizações sociais entrevistadas, esse momento teve como principal

objetivo apresentar a proposta dos empreendedores e ressaltar os impactos

positivos do empreendimento que é a dinamização da economia com a

possibilidade da mão de obra local ser absorvida visando apresentar os

benefícios do empreendimento e desse modo, obter as licenças sem conflitos.

No processo de licenciamento do empreendimento Reserva do Paiva não foi

realizada a audiência pública. Segundo o órgão ambiental licenciador e

consultoria, esse procedimento não é ilegal. A explicação dada foi que ninguém

solicitou a sua realização. Esse fato evidencia um problema de governança,

visto que as audiências públicas se constituem em um componente importante

da governança do processo de licenciamento ambiental. Essa situação chama

também a atenção para a falha do processo participativo, para a fragilidade da

participação nos procedimentos de avaliação de impacto ambiental de grandes

empreendimentos.

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4 Considerações finais

A compreensão do processo de governança ambiental amplia o debate sobre a

participação no licenciamento ambiental. A intenção deste texto foi refletir sobre

esse processo tomando com referência o licenciamento do empreendimento

Reserva do Paiva.

Na perspectiva de seguir a trilha do sonhado desenvolvimento local sustentável

e da geração de empregos, bem como da inserção dos fluxos produtivos, o

Estado abre exceções ou encontram soluções para resolver questões dos

promotores imobiliários, incorporadores e grupos do mercado imobiliário-

turístico, referentes à legislação ambiental resultando na expansão de forma

indiscriminada das atividades do setor imobiliário turístico colocando em risco a

diversidade dos ecossistemas costeiros.

O Projeto da Reserva do Paiva, além de mudar a paisagem alterou também a

dinâmica da vida da população local que passaram a conviver com os impactos

nas fases de instalação e operação do empreendimento.

Os investimentos do Estado, bem como a instalação de equipamentos

implantados pelo mercado imobiliário turístico não beneficiam diretamente a

população local que não tem acesso a esses espaços que são privados. Não

obstante, o investimento público em determinadas áreas da cidade em

detrimento a outras, além de aprofundar a segregação socioespacial amplia

também as diferenças entre as comunidades tomadas pelo turismo equipadas

com infraestruturas como saneamento básico, comunicação e transportes,

além de maior possibilidade de acesso a empregos e as demais que não estão

no circuito do turismo, sem infraestrutura e serviços públicos. A ação do Estado

é no sentido de estimular a ação do mercado imobiliário turístico a desenvolver-

se e consolidar-se no município.

Verifica-se que o EIA/RIMA não é instrumento que democratiza os

procedimentos de avaliação de impactos ambientais. A sociedade precisa se

apropriar do conteúdo dos grandes projetos para que seja mais democrático e

efetivamente participativo. No caso analisado, as reuniões se constituíram na

instância de participação e foram realizadas no sentido de apresentar o projeto

e as decisões tomadas, não existindo a capacidade de interferência das

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comunidades no projeto podendo ser caracterizado como uma aceitação

pública sem audiência pública. Por outro lado, da parte da sociedade não

houve questionamentos sobre o empreendimento que provocasse discussões

do projeto evidenciando a fragilidade da participação por falta de acesso às

informações que é papel do Estado publicizá-las.

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