xirley anne vale dos santos negros do rosÁrio mirim: uma mudanÇa na … · 2016-06-10 ·...
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO SERIDÓ
CAMPUS DE CAICÓ – DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA DO CERES
ESPECIALIZAÇÃO EM HISTÓRIA E CULTURA AFRICANA E AFRO-BRASILEIRA
XIRLEY ANNE VALE DOS SANTOS
NEGROS DO ROSÁRIO MIRIM:
UMA MUDANÇA NA TRADIÇÃO
CAICÓ
2016
XIRLEY ANNE VALE DOS SANTOS
NEGROS DO ROSÁRIO MIRIM:
UMA MUDANÇA NA TRADIÇÃO
Trabalho de Conclusão de Curso, na
modalidade Artigo, apresentado ao Curso de
Especialização em História e Cultura Africana
e Afro-Brasileira, da Universidade Federal do
Rio Grande do Norte, Centro de Ensino
Superior do Seridó, Campus de Caicó,
Departamento de História, como requisito
parcial para obtenção do grau de Especialista,
sob orientação do Prof. Dr. Muirakytan
Kennedy de Macêdo.
CAICÓ
2016
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO 05
2. As Irmandades do Rosário: origens 06
3. Irmandades e suas primeiras estruturas no Brasil 08
4. A Irmandade dos Negros do Rosário de Caicó 11
5. A formação do grupo de negros do Rosário Mirim 15
6. Associação Cultural dos homens pretos de Caicó, um novo olhar 20
CONCLUSÃO 26
FONTES E REFERÊNCIAS 26
4
NEGROS DO ROSÁRIO MIRIM: UMA MUDANÇA NA TRADIÇÃO
Xirley Anne Vale dos Santos1
Muirakytan Kennedy Macêdo. – Orientador2
RESUMO
Este artigo científico baseia-se em pesquisa sobre o grupo dos Negros do Rosário Mirim de
Caicó-Rn. O grupo foi formado através do desdobramento de atividades de membros adultos
antigos da Irmandade dos Negros do Rosário de Caicó, que tem tradição multissecular e
atuação na Igreja católica em celebração religiosa nos quais se destacam a dança do espontão
e produção de instrumentos artesanais para o grupo: caixas e pífanos. O grupo de crianças
surgiu com o fim de renovar os quadros do grupo mais antigo. Usaremos como recorte
temporal o período de surgimento desse último grupo entre 2013 e 2015, buscando
compreender o contexto, as motivações da criação do grupo, assim como sua atuação.
Utilizamos com fontes documentais os arquivos da Irmandade dos Negros do Rosário de
Caicó e depoimentos orais.
PALAVRAS-CHAVE: Irmandade dos Negros do Rosário. Grupo dos Negros do Rosário
Mirim. Patrimônio Cultural do Seridó.
ABSTRACT
This scientific paper is based on research on the group of Negros do Rosário Mirim - Caicó -
RN. The this group was formed through the breakdown of activities of older adult members of
the Irmandade dos Negros do Rosário de Caicó, which has centuries-old tradition and acting
in the Catholic Church in religious celebration in which we highlight the Dança do Espontão
and production of handmade instruments for group : boxes and fifes . The group of children
came in order to renew the cadres of the older group . We will use as time cutting the
emergence period of the latter group between 2013 and 2015 , trying to understand the
context, the motivations of the group's creation, as well as its performance . Use with sources
document the Irmandade of files of Irmandade dos Negros do Rosário de Caicó and oral
testimony .
KEYWORDS: Irmandade dos Negros do Rosário. Group of Negros do Rosário Mirim.
Cultural Heritage of Seridó.
1 Discente do Curso de Especialização em História e Cultura Africana e Afro-Brasileira – Universidade Federal
do Rio Grande do Norte (UFRN), Centro de Ensino Superior do Seridó (CERES), Campus de Caicó,
Departamento de História (DHC). Graduado em Pedagogia pela Faculdade Integrada do Brasil, Campus de
Caicó. Professora da Rede Privada de Ensino, no Centro de Aprendizagem e Projetos Educacionais-CAPE
(Caicó-RN), onde ministra a disciplina de Pedagogia. E-mail: [email protected] 2 Professor do DHC, CERES, UFRN. E-mail: [email protected]
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1. INTRODUÇÃO
Este artigo científico é resultado de uma pesquisa acadêmica o mesmo foi
elaborado para atender a um dos requisitos para a conclusão do curso de Pós-graduação em
História e Cultura Africana e Afro-brasileira oferecido pela Universidade Federal do Rio
Grande do Norte- Campus - CERES – Caicó/RN. Nossa proposta foi realizar uma pesquisa
sobre “Os Negros do Rosário Mirim: Uma mudança na tradição”. O grupo Negro do Rosário
Mirim foi formado através do desdobramento de atividades de membros antigos do grupo dos
Negros do Rosário de Caicó na Irmandade de mesma denominação. Este último tem tradição
multissecular e tem atuação na Igreja católica em eventos de celebração religiosa nos quais se
destacavam a dança do espontão e produção de instrumentos musicais artesanais para o grupo
como caixas e pífanos. O grupo de crianças surgiu com a finalidade de renovar os quadros do
grupo mais antigo. Para realização da pesquisa em tela utilizou-se como recorte temporal o
período de surgimento desse último grupo estabelecido entre 2013 e 2015, buscando
compreender o contexto, as motivações da criação do grupo, assim como sua atuação.
Desde o ano de 2007 a Irmandade do Rosário se fez presente em nossas vidas com
maior frequência. Meu cônjuge, o atual Juiz-presidente da irmandade de Caicó Vital
Marcelino, pagou uma promessa a Nossa Senhora do Rosário por uma graça alcançada, sendo
em decorrência desse ato de fé que o mesmo passou a ser o rei da irmandade em 2007. Vital
Marcelino é neto de Manoel Dantas, um dos fundadores da irmandade do rosário de Jardim do
Seridó. Tendo uma história ligada à devoção de Nossa Senhora do Rosário, Vital se dispôs a
aceitar a proposta de Monsenhor Tércio em ocupar o cargo de Juiz-presidente da confraria de
Caicó no ano de 2008. Pedido aceito, desde então a Irmandade do Rosário esta sobre as
orientações de Vital Marcelino juntamente com irmãos e componentes do grupo.
Por outro lado, como responsável da igreja católica pela orientação dessa irmandade,
monsenhor Ausônio Tércio de Araújo concluiu junto com a mesa diretora do grupo, que a
confraria necessitava se renovar. Sendo assim, fez a proposta ao Juiz e irmãos de criar
condições para esta renovação com a formação de um grupo mirim, de maneira que esta
tradição também atingisse faixas etárias jovens e atuasse não somente em período de Festa do
Rosário mas também durante todo o ano dependendo das solicitações de apresentações por
parte de entidades de diversas áreas sociais. Da mesma forma, com o novo grupo, foi possível
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para estas crianças e adolescentes um olhar de valorização de seu patrimônio cultural com
relação à historicidade de suas matrizes africanas.
Como toda esta ação se tratava de um fenômeno de reinvenção da tradição cultural,
resolvemos analisa-la de maneira que sua memória e história ficassem disponíveis para
estudiosos presentes e futuros. Para realização desta pesquisa foi necessário a análise
historiográfica baseada tanto em obras de recorte nacional Maia (2001) quanto obras clássicas
da historiografia regional, Cascudo (2001); como também estudos contemporâneos
antropológicos e históricos Cavignac (2007); Macêdo (2014); Gois (2014); Costa (2008);
Morais (2015) Silva (2012) entre outros.
As fontes utilizadas na investigação foram: Documentos iconográficos (fotografias
analógicas e digitais, vídeos); fontes orais com monsenhor Ausônio Tércio de Araújo (diretor
espiritual); Vital Marcelino Dantas (Juiz Presidente da Irmandade do Rosário de Caicó);Pedro
Pereira Cavalcanti e João Brás, (membros definidores da Irmandade do Rosário de Caicó),
mães e crianças do grupo novo e fontes impressas como: (Projeto e relatório do curso de
extensão oferecido pelo Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Rio Grande do
Norte - IFRN).
Os procedimentos metodológicos utilizados neste recorte foram à pesquisa
bibliográfica; levantamento e catalogação de fotos e vídeos; realização de entrevistas de
membros da confraria; análise dos dados e por fim redação do artigo.
O trabalho escrito tem a principio a introdução com um esboço do contexto do
trabalho em sua totalidade após analisamos o contexto histórico de surgimento da confraria na
Europa e Brasil (“As Irmandades do Rosário: origens” e “Irmandades e suas primeiras
estruturas”); dedicamos a entender ainda a história da irmandade no Seridó (“A Irmandade
dos Negros do Rosário de Caicó”) e as ações para a sua renovação (“A formação do grupo de
negros do Rosário Mirim”); por fim, concluímos com o registro histórico da forma
institucional leiga em que hoje se encontra o grupo (“Associação Cultural dos homens pretos
de Caicó, um novo olhar”).
2. As Irmandades do Rosário: origens
Na Igreja católica as irmandades são instituições de natureza religiosas compostas
por leigos e que ainda têm como objetivo, além da prática espiritual, promover o auxílio
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mútuo da comunidade que a compõe. Como tal, as irmandades obedecem às regras
sancionadas pela Igreja católica e tem as suas contas verificadas anualmente por um dignitário
(tesoureiro) religioso.
Como era costume católico, confrarias e irmandades existiam para animar a vida
eclesial. Porém, em uma sociedade europeia extremamente segregadora, nem todos podiam
participar. Sendo assim, na sociedade que se formaram no início da era moderna nos trópicos
coloniais, os negros escravos, livres ou libertos eram proibidos de frequentar as “irmandades
dos brancos". Porém, em uma realidade de tensões raciais e havendo necessidade de maior
integração desses indivíduos ao catolicismo, surgem às irmandades dedicadas exclusivamente
aos negros, instituições cujo primeiro desenho nesses moldes foi constituído pelo mundo
católico a partir da Europa. Podemos verificar a citação de Antônio Brásio:
A primeira irmandade de negros de Lisboa nasceu na Igreja do Convento de
São Domingos. Neste convento havia uma irmandade de N.S. do Rosário
instituída por pessoas brancas, provavelmente no final do século XV, mas a
partir do século XVI, paulatinamente, os negros foram ocupando espaço na
instituição (1944, p. 76). Em 1551, a Confraria do Rosário do Convento de
São Domingos estava "repartida em duas, uma de pessoas honradas, e outra
dos pretos forros e escravos de Lisboa”.
Surgindo desse meio a primeira irmandade negra do Rosário. A associação entre
negros africanos, festas, movimentos confrarial e o Rosário só tenderia a crescer.
Na América portuguesa as irmandades negras desse tipo foram incentivadas tanto pelo
estado, quanto pela Igreja católica. Nessas irmandades, escravos, alforriados e libertos se
reuniam para venerar um santo de cor como Santo Elesbão, Santa Efigênia, Santo Antônio de
Cartagena e Santo Benedito de Palermo.
A propagação das irmandades entre os escravos, em tese, cristianizada inicialmente
baseou-se no desejo desses de se beneficiarem de alguns serviços católicos, como missa,
sacramentos, festas religiosas e sepultura cristã. O fato de pertencerem a uma irmandade
afastava a possibilidade de que seus cadáveres fossem jogados anônimos em valas comuns no
exterior da igreja. Geralmente a irmandade de negros, ou tinha uma campa (sepultura) paga
pela confraria, ou patrocinavam eles próprios uma igreja inteira, como as Igrejas do Rosário,
por exemplo. Mesmo porque essas práticas funerárias custavam dinheiro, que escravos e
negros livres pobres não tinham condições de arcar. A partir da contribuição anual de cada
irmão, e com um caixa comum, quando morria um irmão ou irmã, a confraria tinha como
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custear as despesas para que fossem rezadas missas e terços, com cortejo fúnebre apropriado
onde os demais irmãos usavam opas e insígnias, e acompanhavam o morto até a sepultura
patrocinada pela irmandade no interior das ermidas. Quanto mais alto o lugar ocupado pelo
morto entre irmãos, mais cheios de regalias era o serviço funerário.
3. Irmandades e suas primeiras estruturas no Brasil
Em Lisboa, a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário, ligada aos Dominicanos,
acolhia, desde 1460, os africanos livres ou escravos. Como desejo de criar no Rio de Janeiro
em 1640 uma irmandade com o mesmo nome, funcionou como sede desse grupo, por muitos
anos, na Igreja de São Sebastião no morro do Castelo.
No Rio de Janeiro dos séculos XVII e XVIII, os principais centros de fé residiam no
morro do Castelo elevado pelo Convento de Santo Antônio; que até os dias atuais abriga a
igreja e o Convento de Santo Antônio; e o morro de São Bento onde existe o Mosteiro
Beneditino. Ao redor do clero secular e religioso, estavam, portanto as Irmandades e ordens
terceiras. As ordens terceiras dependiam das ordens regulares (Ordens Religiosas) e atraiam
as elites da sociedade colonial. As irmandades, mais autônomas, para existir, além de ter que
comprovar um número significativo de devotos ao mesmo santo, devia ser regulado por um
documento estatutário chamado de Compromisso, cujas regras deveriam ser analisadas pelo
bispo e pelo rei de Portugal.
Para se integrarem à irmandade algumas qualidades básicas eram exigidas dos
membros que interessassem fazer parte da mesa diretora das confrarias. De acordo com os
termos de compromissos comuns em 1820, por exemplo, era imprescindível que o irmão
fosse uma pessoa virtuosa. Ressaltava que pessoas "sujeitas" poderiam exercer os cargos de
mordomo da festa, desde que pudessem cumprir suas obrigações e satisfazerem as exigências
econômicas de costume, assim como, ser irmãos da mesa desde que tivessem bom
procedimento.
Os membros da mesa do Rosário dos Pretos (espécie de diretoria) deveriam,
principalmente, ter boa conduta e ser reconhecidos socialmente, a fim de assegurar a
confiança entre os demais integrantes da confraria. Além dessas qualidades, os confrades
deveriam possuir boas condições econômicas, pois eram, sobretudo, através das contribuições
materiais dos seus membros que as irmandades realizavam seus rituais fúnebres e festivos,
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ornamentavam sua capela garantindo a ascensão social e econômica da irmandade e de seus
membros.
As irmandades negras se propagavam pelo mundo. No século XVIII, existiu no Rio de
Janeiro, por exemplo, uma dúzia de associações negras que exerciam suas atividades na
periferia da cidade, ao redor da Igreja da Gloriosa Santana. Nessas “cidades negras” com
maioria populacional de cor, eram necessárias estratégias estatais e mecanismos sociais para
amortecer os conflitos, porém sempre criando espaços de protagonismo por parte dos negros,
pois Mariza de Carvalho Soares afirma:
Os indivíduos procedentes de determinada localidade passam a construir
não apenas grupos, no sentido demográfico, mas grupos sociais compostos
por integrantes que se reconhecem enquanto tais e interagem em várias
esferas da vida urbana, criando formas de sociabilidade que – com base
numa procedência comum – lhes possibilitam compartilhar diversas
modalidades de organização, entre elas as irmandades (Soares, 1998,
p.113).
Para os escravos, os alforriados e os mestiços, tais permissões para funcionamento desses
agrupamentos autorizados pelo estado, representavam uma das raras ocasiões lícitas para que
pudessem se reunir e constituírem o lugar privilegiado na construção de suas identidades.
Célia Borges cita 1998:
Entrar para a irmandade terá sido o sonho de muitos negros. Agruparem-se
para cantar e dançar era uma forma de reconstruir sociabilidades e resgatar a
soberania do seu corpo, gestos e voz, expressão limitada de uma precária
liberdade. Através da linguagem corporal estabelecia-se a comunicação entre
os grupos. Nos dias de festividade, as roupas eram outras, a comida
abundante. Era a grande festa da comunidade negra, legalmente constituída,
onde era possível ao homem negro participar de um teatro, poder desfrutar
de uma experiência religiosa e dar um novo sentido à sua vida. (p. 1231)
Levando em consideração a citação de Célia Borges (2001), os negros projetavam na
irmandade o desejo, consciente ou inconsciente, de recriar laços afetivos, construir uma
identidade dentro desse grupo de irmãos, assim como buscavam proteção com a segurança
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que o grupo poderia dar. Especialmente se este grupo for organizado e tem meios lícitos de
gestão, daí a importância da estrutura “burocrática” desses grupos.
As irmandades lutaram por sua autonomia, pelo direito dos seus membros a uma vida e uma
morte dignas. Assim, em busca de sepultamentos dignos, muitos escravos se associavam as
irmandades procurando nestas a fuga do enterramento no interior das igrejas. Antônia
Aparecida Quintão explica:
Uma das atribuições mais lembradas nos capítulos dos estatutos ou
compromissos das irmandades refere-se à garantia de um enterro para
os escravos, frequentemente abandonados por seus senhores nas
portas das igrejas ou nas praias para que fossem levados pela maré da
tarde. (2000, p.164)
Como Contextualiza Quintão um marco legal desses grupos, os estatutos ou
compromissos definiam as diferentes funções que regiam a irmandade. Geralmente à frente da
organização havia um cargo denominado de juiz, chamado também de provedor, que era
assistido por um escrivão, um tesoureiro e um procurador, todos os cargos eleitos pelos
próprios irmãos. Algumas irmandades buscavam pessoas que não estavam entre seus
membros, o que muitas vezes contribuía para pacificar as divergências internas e atrair
alianças. Estes cargos só podiam ser atribuídos a pessoas que possuíam bens, contribuindo
assim com a possibilidade de melhor financiamento da irmandade. A receita era incrementada
também com as doações dos devotos e as esmolas que determinados irmãos eram autorizados
a pedir nas ruas. Era possível pertencer a mais de uma irmandade ao mesmo tempo e estas
nasciam consoantes às necessidades da comunidade, pois não havia restrições sobre o número
de irmandade Os irmãos recebiam não só assistência quando estavam doentes ou no leito de
morte também podiam contar com ajuda na obtenção da carta de alforria.
Escolhido por ocasião das comemorações conhecidas no Rio de Janeiro pelo nome de
“Folia”, o reino ou império, auxiliado pela sua corte, e também pela direção da irmandade,
tinha a missão de organizar os aspectos profanos das festas da irmandade. Era sobretudo
durante a festa anual, no dia em que a igreja celebrava o padroeiro, que a folia exibia com
máximo de orgulho os estandartes, as coroas, as vestimentas entre outros ornamentos da
realeza. Eis alguns registros de Irmandades fundadas no Brasil:
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1640 – Rio de Janeiro
1708-São João Del- Rei- Minas Gerais
1711- Cidade de São Paulo
1713-Cachoeira dos Campos
1715- Ouro Preto
1754-Viamão Rio Grande do Sul
1771 – Caicó, Rio grande do Norte
1774- Rio Pardo, Rio Grande do Sul
1796 – Salvador, Bahia
1782 – Paracatu, Minas Gerais
Dado à sua antiguidade e longevidade, formadas a quase três séculos de
existência, as Irmandades do Rosário dos Homens Pretos se tornaram um ícone para
movimentos de consciência negra, apresentando uma tradição religiosa que se remete aos
tempos dos primeiros escravos aqui em nosso país. No Brasil colonial no século XVII os
festejos a nossa Senhora do Rosário ficaram conhecidos. As representações deste reinado
eram para todos os negros motivos de respeito, momento de enobrecimento. De qualquer
forma essas manifestações sociorreligiosas possibilitaram a formação de outras identidades:
A festa do Rosário significou, antes de tudo, a personificação de uma
identidade de grupo, cuja dinâmica funcionou como uma espécie de
catalisador pelo qual foi possível limar ou atenuar divergências internas. Se
as diferenças étnicas dos vários grupos foram muitas vezes fatores de
conflito, a vivência ritual permitiu a superação dessas querelas e a sua
dramatização nos dias de jubileu. Sem dúvida que a integração dos negros na
nova sociedade colonial lhes permitiu adquirir elementos e valores da
tradição cultural dos grupos dominantes europeus, mas também – e
sobretudo – a reformular as suas representações coletivas de origem.
(BORGES, 1998, p. 1231).
Ainda segundo Célia Borges, embora fosse um espaço de ritualização religiosa e
festejo, não era um espaço sem conflito. Sendo assim, o desconforto sempre se fez presente
entre negros, Igreja e governo civil, exigindo sempre algumas mudanças no folguedo.
Interessante que até os dias de hoje, estes conflitos se fazem presentes dentro da própria
irmandade.
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4. A Irmandade dos Negros do Rosário de Caicó
A cidade de Caicó fica localizada no Seridó, estado do Rio Grande do Norte. A
história de Caicó está marcada pela colonização através de criadores de gados esuas famílias.
Católicos, os colonizadores trouxeram suas devoções, dentre as quais a crença fervorosa em
Maria, em sua representação de Nossa Senhora do Rosário.
Nessa região a Irmandade dos Negros do Rosário foi criada por homens pretos,
escravos, livres e libertos, conforme o Capítulo I do Estatuto da Irmandade do Rosário de
Caicó: “Servirão nesta Irmandade, todos os homens e mulheres pretos, moradores desta
freguesia da Senhora Sant’Ana, quer sejam forros, quer sejam cativos, e pagarão de anual uma
pataca.” (ESTATUTO da Irmandade do Rosário dos Homens Pretos de Caicó, s/d, p., s/d, p.
13) 3. Este grupo foi registrado em 11 de junho de 1771, sobre a orientação do padre José
Inácio Xavier Correia, segundo o historiador e clérigo Dom José Adelino Dantas.
No mês de setembro do corrente ano foi enviado a Portugal o estatuto da
Irmandade dos Negros do Rosário. Após ser avaliado pelas instituições
portuguesas estatuto foi sancionado por Dom José Primeiro, rei de Portugal,
recebendo assim o selo real, legalizando assim sua existência. Em 27 de
dezembro de 1773 chega a Caicó a aprovação do estatuto. (COSTA, 2008, p.
21-22).
Ainda em fins do século XIX surgiram outros grupos de Negros do Rosário em
outras cidades do Seridó (Acari, Currais Novos, Jardim de Piranhas, Serra-Negra) e na
vizinha Paraíba (Pombal e Santa Luzia).
Na colônia ou império, as irmandades negras serviam como espaço de sociabilidade,
solidariedade e assistência entre os seus membros escravizados e forros. Segundo Julie
Cavignac:
No Seridó encontramos o primeiro registro da festa (de Nossa senhora do
Rosário dos Homens Pretos) a partir de 1771 e da fundação da Irmandade de
Caicó, em 1773, e no decorrer do século XIX, nas outras cidades [...].
Podemos pensar que as irmandades negras se desenvolveram, sobretudo no
século XIX, com a cultura do algodão, pois essa atividade requereu um
número maior de mão de obra escrava. (2007, p. 104)
3 Não tivemos acesso ao Compromisso original da irmandade, no entanto consultamos sua cópia publicada
recentemente em folheto (sem data), em uma ação conjunta da Diocese de Caicó e Irmandade dos Negros do
Rosário de Caicó.
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A instituição em Caicó passou a ser composta por 34 membros, todos eram negros. A
primeira composição foi de rei e rainha; juiz e juíza; escrivão e escrivã; tesoureiro, sendo este
último cargo ocupado por um branco. É importante destacar que nesta época a mulher era
figura participativa, visto que ela ocupava cargos importantes como o de rainha e juíza,
segundo pode perceber na lista abaixo da primeira formação:
Sebastião Pereira- Rei dos Congos
Maria José Neves- Rainha de Congos
Afonso Pereira- Juiz
Luíza Gomes- Escrivã
José Gomes Vilela
Manoel Fernandes Jorge
João Alves dos Santos
Joaquim Pereira da Silva
João Gomes Vilela
Antônio Fernandes de Souza
Manoel Alves dos Santos
Miguel flores
João Gonçalves Melo
Paulo Fernandes
Manoel Pereira- Procurador
Ana Maria das Neves
Manoel Gonçalves Ferreira
Francisco Xavier dos Santos- Procurador
Manoel Gonçalves de Melo- tesoureiro (ESTATUTO da Irmandade do Rosário dos Homens Pretos de Caicó, s/d, p.
12)
A irmandade era dividida entre irmãos de mesa e cadernistas. Os primeiros eram
escravos de senhores de maior poder aquisitivo e por sua vez, davam contribuição maior para
a irmandade. Os cadernistas representando o segundo grupo, escravos de senhores menos
abastados, contribuindo com uma menor quantia. (COSTA, 2008, p. 22). O grau de
independência das confrarias dependia do nível de organização e do vigor financeiro das
associações. (MACÊDO, 2014, p.332)
Durante os festejos da irmandade ocorria o cortejo, quando a corte de rei, rainha e
demais membros participavam da procissão de encerramento da festa de Nossa Senhora do
Rosário e se vestiam com mantos rebordados com miçangas e galões dourados. Na cabeça, a
realeza usava coroa de papelão enfeitada com latão, cacos de espelhos, areia brilhante e o
cetro real eram feitos de madeira torneada simbolizando a realeza. O juiz e a juíza se vestiam
com roupas brancas e usavam luvas para dar destaque à pena de pavão que conduziam, objeto
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que representava o poder da justiça. O escrivão e a escrivã usavam roupas brancas e
transportavam consigo o livro da irmandade.
A primeira irmandade do Seridó arregimentou negros das comunidades do entorno,
os lugares de procedência foram chamadas genericamente de “quarteirões”. A partir destes
grupos, outros foram agregando-se à Irmandade do Rosário de Caicó. Havia rotatividade da
gestão da irmandade, de quatro em quatro ano o reinado ainda é coordenado por um
quarteirão destas comunidades para nomeação dos reinados: atualmente quatro reinados
compõem a Irmandade do Rosário de Caicó: Samanaú, São João do Sabugi, Rio do Peixe e
Riacho de Fora. “Um sistema de rodízio anual determina qual desses reinados irá indicar reis
e juízes”. (BORGES apud MACÊDO, 2014, p. 337).
As festividades da irmandade eram compostas pela parte religiosa (citação, terços,
ladainhas e novena, dentre outros). Valorizava-se também a parte social, onde os eventos
eram animados com danças no exterior da igreja no meio dos devotos, ocasião em que os
expectadores sob instigação dos dançarinos podiam dar pequenas contribuições financeiras ao
grupo, costume frequente em todo Brasil:
Os “peditórios” em Minas Gerais, por exemplo, quando liberados pela coroa,
eram realizados pelos irmãos de mesa e juízes. Estes camposteiros
percorriam as vilas envergando a opa da irmandade e uma caixa com a
imagem de Nossa Senhora do Rosário. Alfaias que legitimavam a esmola e a
satisfação do cristão que via ali sua doação direta a santa (BORGES, 2005,
pág.33) No Seridó as irmandades arrecadavam donativos dos cidadãos antes
e durante a festa (MACÊDO, 2014, p. 332-333)
Muito provavelmente, no período de festa do Rosário, em épocas mais outrora, os
negros cessavam seus trabalhos e reservava este período festivo para angariar dinheiro para
complementar sua subsistência durante as festividades, saindo em grupo pelo comércio ou
mesmo pelas ruas da cidade batucando e dançando.
A coreografia da dança realizada pelos negros membros da confraria era bastante
rica, pois simbolizava uma batalha entre Mouros e Cristãos. Daí a razão de todo integrante
portar uma lança (também chamada de espontão) que representava a armado combate. A
indumentária usada pelos negros que faziam as apresentações e cortejavam os reis da
irmandade, era composta por camisas brancas e calças de cor azul, com riscas brancas de
lado. Os espontões ou lanças eram enfeitados com fitas de seda fina, representando a
hierarquia interna do grupo.
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A Festa do Rosário, antes celebrada em dezembro, passou a ser celebrada em Caicó
durante o mês de outubro a partir da década de 1950, acrescentando em suas festividades
novenários, leilões entre outras atividades realizadas com bastante brilhantismo. De acordo
com alguns estudos, essas características da festa só foram implantadas após a realização de
várias reuniões entre os membros da irmandade e através do Padre Sinval Laurentino, recém-
ordenado padre na época.
A presença e longevidade da irmandade conseguem provar a importância que teve a
escravidão negra nas atividades econômicas e sociais do Seridó, a despeito do que afirma a
historiografia regional:
Na região do Seridó do Rio Grande do Norte, essas irmandades tiveram uma
visibilidade confiável ao contrário da população no geral, tida como quase
ausente na região. É verdade que antes da cultura do algodão tomar força, o
gado exigia pouca mão-de–obra escrava. O que acontece, é que esse dado
histórico foi interpretado pelos historiadores do estado como uma quase
ausência de negros no Seridó. Tal discurso pode ser encontrado nos escritos
de vários intelectuais como, por exemplo, CASCUDO (1955: 52, 520) e
Veríssimo Melo (1977; 9-10), subestimavam a presença de negros no Seridó
e afirmavam na colonização predominantemente de brancos portugueses
pela região. (GOULART, 2014, p. 2014)
Embora de tradição perene, mudanças ocorreram nas formações e apresentações
públicas dos Negros do Rosário de Caicó. Em razão do cenário religioso e social em mutação,
o grupo de adultos que representavam os irmãos dançarinos também sofreu profundas
transformações, até chegar a ser quase extinto. Como reação a essa realidade a irmandade
reagiu com algumas medidas, dentre as quais a criação de um grupo mirim inspirado na
irmandade de adultos.
5. A formação do grupo de negros do Rosário Mirim
O grupo de Negros do Rosário de Caicó passava por diversos conflitos: alcoolismo,
divergências internas, entre outros. Levando em conta que medidas precisavam ser tomadas
para que a irmandade fosse revitalizada, algumas mudanças foram realizadas no grupo dos
Negros do Rosário de Caicó. Diante desses obstáculos, monsenhor Ausônio Tércio de Araújo
(diretor espiritual da irmandade), ferrenho defensor da importância de manter vivo este grupo,
para enriquecimento das práticas culturais de África no Seridó, propôs algumas providências
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em comum acordo com Vital Marcelino Dantas (atual Juiz-presidente da Irmandade do
Rosário de Caicó e Definidores4da irmandade). Nessas medidas estavam as estratégias de
rejuvenescimento do grupo, como forma de preservação do mesmo. Então, juntos,
concordaram com a criação de um grupo mirim. A Escola Municipal do Bairro Walfredo
Gurgel em Caicó-Rn foi o ponto de partida para este novo desafio, reavivando a cultura negra
da cidade, uma vez que esta confraria passa por bastantes dificuldades em manter o grupo
unido.
A ideia para rejuvenescer o grupo a principio era reunir um grupo jovem. Assim
foram listadas vinte e três crianças que espontaneamente desejavam participar. As famílias
foram convocadas para uma reunião junto aos irmãos e firmaram acordo de participação neste
novo grupo, que merecia uma atenção bem maior, por se tratar de crianças a partir de 6 (seis)
anos de idade e adolescentes, que necessitavam de um cuidado especial e acompanhamento
dos pais durante as suas apresentações dentro e fora da cidade. Precisam também de subsídios
como: transporte, água, alimentação, participação efetiva de seus responsáveis entre outras
necessidades e em contra partida as necessidades materiais do grupo que devem ser custeadas
pelo órgão convidativo.
Foto1: Encontro de socialização entre membros da Irmandade e responsáveis pelas crianças. Evento
realizado na própria Escola Municipal Walfredo Gurgel - Caicó (2013)
4 “Definidores” é um termo usado pelos membros da irmandade para se referirem aos irmãos que compõem a
mesa legislativa do grupo.
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Fonte: Xirley Anne Vale dos Santos
O desafio da irmandade era passar o conhecimento dos membros antigos do grupo
para os jovens. Contando com apoio dos irmãos antigos iniciaram os ensaios na mesma escola
do bairro. Nesse sentido foi convocado o lanceiro Antônio, filho de “Seu Dedé” (membro da
irmandade) para ensinar a dança do espontão aos novos integrantes. E assim se iniciaram os
trabalhos coletivos de treinamento do grupo jovem. Nosso autor regional Luís da Câmara
cascudo cita significado de espontão em seu Dicionário sobre folclore brasileiro:
Denominação de uma dança guerreira, que acompanhava a procissão e festa
de Nossa senhora do Rosário no Nordeste do Brasil. A Dança do Espontão
ainda existe nos municípios de Jardim do Seridó e Caicó, no Rio Grande do
Norte. Desde a madrugada de 31 de dezembro um grupo de negros com
espontões, uma lança e uma bandeira branca percorre as ruas, ao som de três
tambores trovejantes. O chefe é o portador da lança e os espontões, em
acenos guerreiros, saltos e recuos defensivos. Não há canto. É dança de
guerra, ao som de tambor marcial (2001, p.216)
O apoio e compromisso dos membros da irmandade fez com que esta cultura Afro-
brasileira não se perdesse no tempo. A consciência entre participantes antigos em manter viva
a cultura afrodescendente motivou a ação e mobilizou os novatos a apropriarem-se de seu
pertencimento de grupo. Como exemplo dessa sensibilidade, temos o papel de “Seu Dedé”,
caixeiro (percussionista), membro assíduo do grupo, que continua trazendo há anos seus
filhos e hoje seus netos para as novas atividades (ver Figura 2). De maneira que são três
gerações enraizadas nos Negros do Rosário de Caicó.
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Foto 2: Apresentação do grupo mirim/adulto em frente à Igreja do rosário em Caicó RN. (Na foto: Seu
Dedé, seu filho Francisco, Roni, Josean e Renan, os últimos novatos). Fonte: Xirley Anne Vale dos
Santos(2015)
Os negros mirins foram treinados por membros antigos e logo desenvolveram a ágil
habilidade na dança das lanças. Se nas formações antigas as mulheres participavam da corte,
agora na formação mirim as meninas participam também da dança do espontão.
Foto 3: Crianças realizando a coreografia.
Fonte: Xirley Anne Vale dos Santos (2015)
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Foto 4: Crianças dançando durante a Festa do Rosário em Caicó (2015)
Fonte: Xirley Anne Vale dos Santos
Os Negros do Rosário Mirim iniciaram suas atividades antes da festa por motivo dos
ensaios coreográficos. Participaram da primeira apresentação junto à Festa do Rosário no ano
de 2013, incluindo a abertura da festa, novenários, jantar, missa solene e encerramento com a
tradicional procissão onde todo o cortejo saiu pelas ruas da cidade de Caicó acompanhando a
Corte Real. Nas noites de novena, o grupo se reúne em frente à casa do atual juiz-presidente
de onde saem em transporte locado pela confraria e chegam ao pátio do Mercado Público de
Caicó. Dali o grupo e o séquito em procissão caminham festivamente até a igreja do Rosário
atraindo olhares de Caicoenses e visitantes.
As festividades não cessam por aí. Depois do mês de outubro várias apresentações
continuam a ocorrer dentro e fora da cidade de Caicó em eventos proporcionados por escolas,
universidades, feiras culturais e religiosas, para onde o grupo mirim é sistematicamente
requisitado.
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Foto 5: Apresentação nas Aldeias SESC\Seridó(2015)
Fonte: Xirley Anne Vale dos Santos
Junto com a irmandade, o grupo mirim participou da primeira apresentação fora da
cidade, visitando em 2013 a cidade de Santa Luzia/PB fortalecendo o vínculo com aquela
organização coirmã. O grupo se fez presente em eventos também em outras cidades como:
Serra-Negra do Norte, Jardim-de-Piranhas, Timbaúba dos Batistas e Jardim-do Seridó. Lá os
seus membros puderam demonstrar ensinamentos recebidos e louvarem não somente com
orações, mas com toda gestualidade que o corpo proporciona a Nossa Senhora do Rosário.
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Foto 6: Negros do Rosário de Caicó participam da Festa do Rosário em Jardim de Piranhas (2016).
Fonte: Xirley Anne Vale dos Santos
A participação do grupo mirim em eventos religiosos, socioculturais e pedagógicos
segue algumas exigências. Depois de o convite ser feito, o pedido é comunicado aos membros
da confraria. O convite só é aceito se for possível a participação de membros do grupo e seus
responsáveis.
O atual presidente da irmandade luta junto com os definidores e irmãos, conseguir
em constantemente a promoção do grupo envolvendo outros parceiros, promovendo a
valorização do grupo não somente em época de festividades como Festa do Rosário, mas
buscando valorizar a autoestima, identidade e pertencimento à confraria. Em paralelo buscam
juntos caminhos para desenvolvimento visando o apoio social, pedagógico e financeiro para
os membros junto à sociedade norte-rio-grandense. Como exemplo da atuação da irmandade,
a Secretaria de Educação de Caicó, deve incluir os Negros do Rosário como tema transversal
no currículo escolar das escolas caicoenses como forma de ensino/aprendizagem da cultura
local.
6. Associação Cultural dos homens pretos de Caicó: um novo olhar.
A confraria de Caicó não podia ser diferente de outras seculares irmandades. E como
organismo cultural também passa por um processo de transformação para manter-se viva a
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cultura. Em Caicó também precisou ser modernizada. Além do grupo de Negros do Rosário
Mirim e sua diversidade, precisou construir dentro da irmandade uma organização titulada
como: Associação Comunitária e Cultural dos amigos dos Homens Pretos do Rosário de
Caicó. Esta associação visa melhorias ao grupo buscando apoio logístico para cursos e
suporte econômico, desejando uma irmandade independente de ajudas da comunidade e
comércio locais. Tenta construir um novo olhar prestigioso entre os irmãos, valorizando todo
legado cultural e religioso da organização.
A fundação da Associação teve o seu estatuto social aprovado em 16 de junho de
2013.Intitulada Associação Comunitária e Cultural dos amigos dos Homens Pretos do Rosário
de Caicó - RN, este grupo tem sede na mesma cidade à rua Prof. Manoel Fernandes Jorge, n.
56, bairro João XXIII. Esta associação, segundo o estatuto, pode ser beneficiada por recursos
públicos. Até o momento não houve arrecadação financeira concreta obtida pela associação,
mas a partir dela advieram vários projetos. Um deles um curso de inclusão digital para os
membros do grupo e seus responsáveis ofertados pelo Instituto Federal de Educação Ciência e
Tecnologia do Rio Grande do Norte; outro curso ofertado foi o de flauta doce (este não obteve
participação assídua, somente um componente do grupo persistiu, os demais julgaram ser um
curso difícil) ofertado também pelo IFRN e fabricação de sabão com óleo de comida usado.
A irmandade negra agora passa por momento de transição, a busca de melhoria para
a coletividade, dando um respaldo maior à confraria. Exemplo disso é a atuação do grupo de
negros mirim que, sob a cobertura da Associação, participa de cursos de extensão ofertados
pelo Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte. A parceria
nasceu através do “Dia do Cooperar” também conhecido como o “Dia C” promovido em
conjunto pela SEESCOP, IFRN, NEABI e a Prefeitura Municipal de Caicó.
5
5 SEESCOP- Serviço Nacional de Aprendizagem ao Cooperativismo no Rio Grande do norte
NEABI-Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas.
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Foto 7: Grupo dos negros do Rosário no IFRN, participando do encerramento do curso de Inclusão
digital (2015). Fonte: IFRN
Os projetos tiveram dentre seus objetivos promoverem a inclusão social e digital
beneficiando crianças, jovens e adultos da comunidade dos Negros do Rosário, contribuindo
para o desenvolvimento social e educacional por meio do acesso tecnológico. Estas ações
ocorreram no ano de 2014. A prefeitura disponibilizou o transporte para locomoção dos
membros da confraria onde enviara o transporte com saída e retorno do bairro Walfredo
Gurgel. Algumas vezes o Instituto Federal do Rio Grande do Norte - IFRN disponibilizou
também o seu transporte oficial para locomoção.
A Associação também proporcionou um curso de fabricação de instrumentos
musicais, especialmente, caixas e pífanos, materiais fundamentais para acompanhamento do
grupo na dança do espontão. Como se tratava de um saber/fazer de cunho tradicional foi
convidado para ministrar a oficina, um antigo membro antigo do grupo. O ministrante foi
Possidônio Silva, mestre da dança do espontão e membro, desde jovem, da Irmandade do
Rosário de Caicó, além de ser artista de múltiplas habilidades: arte visual, dança, música e
poesia. É um dos poucos da irmandade que dominam a arte de confeccionar e afinar tambores
e pífanos, ao modo de seus antepassados. Possidônio passou a ser também peça fundamental
na transmissão de ensinamentos valiosos aos pequenos membros. Abaixo podemos visualizar
a referida oficina em processo.
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Foto 8: Possidônio instrui o corte da madeira para fabricação de caixas
Fonte: Xirley Anne Vale dos Santos (2015)
Foto 9 – Possidônio instrui o acabamento de caixas
Fonte: Xirley Anne Vale dos Santos (2015)
Outro parceiro que muito beneficiou o grupo foi a Loja Maçônica Severina Abigail
que proporcionou um curso às mães das crianças do grupo mirim, um curso de artesanato com
materiais reutilizáveis. Curso este que poderia contribuir para o incremento da renda familiar
das referidas cursistas. Obteve durabilidade de três meses e as aulas foram ofertadas a cada
quinze dias, em parceria com a Escola Municipal Walfredo Gurgel. Quando por motivo
relevante não podia usar o espaço da escola, foi usada a casa do Juiz presidente da confraria,
próxima à escola. O curso foi ofertado através do apoio da Associação Comunitária e Cultural
dos amigos dos Homens Pretos do Rosário de Caicó – RN.
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Foto 10: Mães no curso de artesanato oferecido pela Loja Maçônica
Fonte: Xirley Anne Vale dos Santos (2015)
Paralelo a estas atividades, todos os anos a Loja Maçônica Severina Abigail de
Caicó, oferta no mês de dezembro, um Natal diferente para crianças de comunidades carentes.
No ano de 2015 os Negros do Rosário Mirim foram contemplados com uma festa onde
desfrutaram de guloseimas e brincadeiras, além de receberem presentes.
Foto 11: Negros do Rosário Mirim em confraternização na Loja Maçônica em Caicó RN
Fonte: Xirley Anne Vale dos Santos (2015)
A sede dos negros do Rosário recebe frequentemente visitas de estudantes de
diversas escolas e universidades. Dependendo do horário das visitas escolares a Sede dos
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Negros, o grupo mirim firma compromisso em se fazer presente e apresentar a dança do
espontão, desde que não acarrete qualquer prejuízo escolar, pois a maioria estuda pela manhã.
Quanto à programação religiosa do grupo, todo terceiro domingo do mês é celebrada
uma missa na Sede dos negros do Rosário. O padre Messias, recém-chegado do Rio de
Janeiro, responsabilizou-se em celebrar a missa, contando com a presença de vários membros
do grupo e da confraria.
Foto 12: Missa na Sede dos Negros no bairro João XXIII, (2015). (Juiz Vital Marcelino; Definidores:
Cícero Gomes, Manoel, Pedro Xambaril. Tesoureira Fátima. Reinado 2016: Antônio Neves e Jarlene.
Padre: Messias, irmãos e parte do Grupo Mirim e mães). Fonte: Xirley Anne Vale dos Santos
Foto 13: Depois da missa os negros dançam um Baião. (2015)
Fonte: Xirley Anne Vale dos Santos
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CONCLUSÃO
Na experiência de relacionar algumas considerações sobre as festividades, procissões e
demais atividades realizadas por crianças do grupo Negros do Rosário Mirim, homens e
mulheres de origem africana na Irmandade de Nossa Senhora do Rosário, esperamos ter
contribuído na problematização destas manifestações organizadas como forma de
reavivamento destes irmãos devotos da fé. O trabalho de pesquisa mostrou que as irmandades
religiosas do tipo que estudamos, surgiram sob o patrocínio da Igreja congregando irmãos
negros, escravos, livres ou libertos. Porém, os negros não foram passivos nesse processo de
inclusão e tiveram expressiva participação na construção do Brasil. As confrarias negras
tornou-se de fundamental importância para existência da cultura de África em nossa região,
atestante a isso, são os Negros do Rosário Mirim fortalecendo a cultura de raiz africana, não
somente em tempos de Festa do Rosário, mas pelo significado de resistência identitária que a
irmandade possui para estes afrodescendentes e a sociedade Seridoense . Entidade secular, a
Irmandade tem demonstrado vitalidade e resistência ao, diante de problemas sérios,
reinventar-se imensamente, reestruturando-se em torno de um grupo jovem que poderá além
de manter a expressão religiosa e cultural, transformá-la e seguir adiante.
FONTES E REFERÊNCIAS
FONTES ORAIS
Entrevistas concedidas por João Braz de Araújo, advogado e organizador do Estatuto da
Associação Comunitária e Cultural dos Amigos da Irmandade do Rosário dos Homens Pretos
do Rosário de Caicó, RN em 2015.
Entrevistas concedidas por Pedro Pereira Cavalcanti (Xambaril), presidente da Associação
Comunitária e Cultural dos Amigos da Irmandade do Rosário dos Homens Pretos do Rosário
de Caicó/ RN, e também definidor da Irmandade do Rosário de Caicóem 2015.
Entrevistas concedidas por Monsenhor Ausônio Tércio de Araújo, diretor espiritual da
Irmandade do Rosário de Caicó em 2016.
Entrevista concedida por Vital Marcelino Dantas, juiz- presidente da Irmandade do Rosário de
Caicó/RN em 2015.
FONTES ESCRITAS
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ESTATUTO da Irmandade dos Homens Pretos do Rosário de Caicó/ RN. Livreto S/D.
(Cedido pelo diretor espiritual monsenhor Ausônio Tércio de Araújo em 2015)
ESTATUTO Social da Associação Comunitária e Cultural dos Amigos da Irmandade do
Rosário dos Homens Pretos do Rosário de Caicó,RN. Aprovado em 16.06.13 e registrado em
23.10.13. (Cedido pelo presidente da associação Pedro Pereira /Xambaril em 2015).
OLIVEIRA, Randerson. Re: Definidores [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por
[email protected]. Em 10 de março de 2016
REFERÊNCIAS
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diferenças. 2001.Trabalho apresentado no III Congresso Internacional del Barroco
Americano: Território, Arte, Espacio y Sociedad. Sevilla: Universidad Pablo de Olavide.
Disponível em:
http://www.upo.es/depa/webdhuma/areas/arte/actas/3cibi/documentos/097f.pdf. Acesso em:
10 de março de 2016.
CAVIGNAC, Julie Antoinette. Relatório antropológico da comunidade quilombola de
Boa Vista (RN): complementação. Natal: UFRN/ INCRA- RN 2007.
CASCUDO, Luís da Câmara., 1898- 1986. Dicionário do folclore brasileiro/ Luís da
Câmara Cascudo – 11.d.- edição ilustrada- São Paulo: Global, 2001.
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Natal, s/e, 2008.
GOIS, Diego Marinho de. Irmandade de Nossa Senhora do Rosário de Jardim do Seridó-
RN: entre histórias e memórias.Departamento de História, UFOPA. 2014
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MACÊDO, Muirakytan Kennedy de. Majestades negras: irmandades de Nossa Senhora do
Rosário no Seridó. In: CAVIGNAC, Julie e MACÊDO, Muirakytan Kennedy de. (org.).
Tronco, ramos e raízes! História e patrimônio cultural do Seridó negro. Brasília: ABA;
Natal: Flor do Sal, 2014.
______A Penúltima Versão do Seridó: uma história do regionalismo seridoense. Natal:
Sebo Vermelho, 2005.
MORAIS, Fabio de Melo. A Irmandade do Rosário de Acari/RN: memória e história,
(graduação).Universidade Federal do Rio Grande do Norte. 2015.
QUINTÃO, Antônia Aparecida, Lá vem o meu parente: as irmandades de pretos e pardos
no Rio de Janeiro e em Pernambuco (século XVIII), São Paulo: Annablume: FAPESP,
2002.
SILVA, Bruno Goulart Machado. “Nego véio é um sofrer” uma etnografia do subalterno
numa irmandade do Rosário. 2012. Dissertação (mestrado) Universidade Federal do Rio
29
Grande do Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de Pós- graduação
em Antropologia Social.
SOARES, Mariza de Carvalho. Devotos da cor. Identidade étnica, religiosa e escravidão no
Rio de Janeiro, século XVIII, Ed. Civilização Brasileira, 2001.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus por adquirir paciência e sabedoria em concluir esta etapa da minha vida tão
difícil em conciliar trabalho, família, estudo e pesquisa acadêmica.
Infinitamente agradeço a minha família por sempre ser meu porto seguro em horas exaustivas
me sustentou e sustenta em momentos conflituosos de grande aprendizado, em especial minha
querida mãe, onde sempre mostrou que não seria fácil, mas não impossível.
A Universidade Federal do Rio Grande do norte pela opção em proporcionar-me uma Pós-
graduação riquíssima e aprofundar meu saber com a Lei 10.639 e provocar-me o
entendimento o quão a mesma é importante, não somente na comunidade escolar mas,
desconstruindo informações erronia e buscando sempre uma cidadania justa e igualitária.
Aos professores discentes do curso, aprendi muito com a sabedoria de cada um de vocês!
Como foi bom o conhecimento mútuo adquirido e proporcionado por esta especialização. Que
cada cursista possa disseminar por onde passar o verdadeiro significado em nosso país da
História e Cultura Africana e Afro-brasileira.
Ao monsenhor Ausônio Tércio de Araújo agradeço pelas manhãs dedicadas ao
abrilhantamento do meu trabalho com seu apreço inigualável pela Irmandade do Rosário de
Caicó e por sua preocupação em repassar as verdadeiras informações desta Confraria.
As amigas: Roxana silva, Elisângela Medeiros e Edineide Moreira pelas normas e
ajustamentos feitos para com meu trabalho de pesquisa.
Aos membros da confraria ao qual tiraram um tempinho para acolher-me em suas casas ou
mesmo em local de trabalho e repassar informações valiosíssimas.
Ao professor Muirakytan Kennedy de Macêdo com seu cabedal de conhecimento, como
poucos, aprimorou minha ideia fortalecendo o meu saber, voltado a meu objeto de pesquisa.
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Em especial ao meu esposo Vital Marcelino ao qual me fez enxergar e colocar em prática o
quanto podemos contribuir enquanto discentes ou cidadão de boa vontade, com o grupo de
Negros do Rosário Mirim, para que esta cultura permaneça fervorosa e nunca seja esquecida
pelo tempo. Sem esquecer os meus filhos que dançam e pulam ao som de tambores pelas ruas
da nossa cidade como identidade viva da cultura de seus antepassados. Obrigada a todos
vocês.