xirley anne vale dos santos negros do rosÁrio mirim: uma mudanÇa na … · 2016-06-10 ·...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO SERIDÓ CAMPUS DE CAICÓ DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA DO CERES ESPECIALIZAÇÃO EM HISTÓRIA E CULTURA AFRICANA E AFRO-BRASILEIRA XIRLEY ANNE VALE DOS SANTOS NEGROS DO ROSÁRIO MIRIM: UMA MUDANÇA NA TRADIÇÃO CAICÓ 2016

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO SERIDÓ

CAMPUS DE CAICÓ – DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA DO CERES

ESPECIALIZAÇÃO EM HISTÓRIA E CULTURA AFRICANA E AFRO-BRASILEIRA

XIRLEY ANNE VALE DOS SANTOS

NEGROS DO ROSÁRIO MIRIM:

UMA MUDANÇA NA TRADIÇÃO

CAICÓ

2016

XIRLEY ANNE VALE DOS SANTOS

NEGROS DO ROSÁRIO MIRIM:

UMA MUDANÇA NA TRADIÇÃO

Trabalho de Conclusão de Curso, na

modalidade Artigo, apresentado ao Curso de

Especialização em História e Cultura Africana

e Afro-Brasileira, da Universidade Federal do

Rio Grande do Norte, Centro de Ensino

Superior do Seridó, Campus de Caicó,

Departamento de História, como requisito

parcial para obtenção do grau de Especialista,

sob orientação do Prof. Dr. Muirakytan

Kennedy de Macêdo.

CAICÓ

2016

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO 05

2. As Irmandades do Rosário: origens 06

3. Irmandades e suas primeiras estruturas no Brasil 08

4. A Irmandade dos Negros do Rosário de Caicó 11

5. A formação do grupo de negros do Rosário Mirim 15

6. Associação Cultural dos homens pretos de Caicó, um novo olhar 20

CONCLUSÃO 26

FONTES E REFERÊNCIAS 26

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NEGROS DO ROSÁRIO MIRIM: UMA MUDANÇA NA TRADIÇÃO

Xirley Anne Vale dos Santos1

Muirakytan Kennedy Macêdo. – Orientador2

RESUMO

Este artigo científico baseia-se em pesquisa sobre o grupo dos Negros do Rosário Mirim de

Caicó-Rn. O grupo foi formado através do desdobramento de atividades de membros adultos

antigos da Irmandade dos Negros do Rosário de Caicó, que tem tradição multissecular e

atuação na Igreja católica em celebração religiosa nos quais se destacam a dança do espontão

e produção de instrumentos artesanais para o grupo: caixas e pífanos. O grupo de crianças

surgiu com o fim de renovar os quadros do grupo mais antigo. Usaremos como recorte

temporal o período de surgimento desse último grupo entre 2013 e 2015, buscando

compreender o contexto, as motivações da criação do grupo, assim como sua atuação.

Utilizamos com fontes documentais os arquivos da Irmandade dos Negros do Rosário de

Caicó e depoimentos orais.

PALAVRAS-CHAVE: Irmandade dos Negros do Rosário. Grupo dos Negros do Rosário

Mirim. Patrimônio Cultural do Seridó.

ABSTRACT

This scientific paper is based on research on the group of Negros do Rosário Mirim - Caicó -

RN. The this group was formed through the breakdown of activities of older adult members of

the Irmandade dos Negros do Rosário de Caicó, which has centuries-old tradition and acting

in the Catholic Church in religious celebration in which we highlight the Dança do Espontão

and production of handmade instruments for group : boxes and fifes . The group of children

came in order to renew the cadres of the older group . We will use as time cutting the

emergence period of the latter group between 2013 and 2015 , trying to understand the

context, the motivations of the group's creation, as well as its performance . Use with sources

document the Irmandade of files of Irmandade dos Negros do Rosário de Caicó and oral

testimony .

KEYWORDS: Irmandade dos Negros do Rosário. Group of Negros do Rosário Mirim.

Cultural Heritage of Seridó.

1 Discente do Curso de Especialização em História e Cultura Africana e Afro-Brasileira – Universidade Federal

do Rio Grande do Norte (UFRN), Centro de Ensino Superior do Seridó (CERES), Campus de Caicó,

Departamento de História (DHC). Graduado em Pedagogia pela Faculdade Integrada do Brasil, Campus de

Caicó. Professora da Rede Privada de Ensino, no Centro de Aprendizagem e Projetos Educacionais-CAPE

(Caicó-RN), onde ministra a disciplina de Pedagogia. E-mail: [email protected] 2 Professor do DHC, CERES, UFRN. E-mail: [email protected]

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1. INTRODUÇÃO

Este artigo científico é resultado de uma pesquisa acadêmica o mesmo foi

elaborado para atender a um dos requisitos para a conclusão do curso de Pós-graduação em

História e Cultura Africana e Afro-brasileira oferecido pela Universidade Federal do Rio

Grande do Norte- Campus - CERES – Caicó/RN. Nossa proposta foi realizar uma pesquisa

sobre “Os Negros do Rosário Mirim: Uma mudança na tradição”. O grupo Negro do Rosário

Mirim foi formado através do desdobramento de atividades de membros antigos do grupo dos

Negros do Rosário de Caicó na Irmandade de mesma denominação. Este último tem tradição

multissecular e tem atuação na Igreja católica em eventos de celebração religiosa nos quais se

destacavam a dança do espontão e produção de instrumentos musicais artesanais para o grupo

como caixas e pífanos. O grupo de crianças surgiu com a finalidade de renovar os quadros do

grupo mais antigo. Para realização da pesquisa em tela utilizou-se como recorte temporal o

período de surgimento desse último grupo estabelecido entre 2013 e 2015, buscando

compreender o contexto, as motivações da criação do grupo, assim como sua atuação.

Desde o ano de 2007 a Irmandade do Rosário se fez presente em nossas vidas com

maior frequência. Meu cônjuge, o atual Juiz-presidente da irmandade de Caicó Vital

Marcelino, pagou uma promessa a Nossa Senhora do Rosário por uma graça alcançada, sendo

em decorrência desse ato de fé que o mesmo passou a ser o rei da irmandade em 2007. Vital

Marcelino é neto de Manoel Dantas, um dos fundadores da irmandade do rosário de Jardim do

Seridó. Tendo uma história ligada à devoção de Nossa Senhora do Rosário, Vital se dispôs a

aceitar a proposta de Monsenhor Tércio em ocupar o cargo de Juiz-presidente da confraria de

Caicó no ano de 2008. Pedido aceito, desde então a Irmandade do Rosário esta sobre as

orientações de Vital Marcelino juntamente com irmãos e componentes do grupo.

Por outro lado, como responsável da igreja católica pela orientação dessa irmandade,

monsenhor Ausônio Tércio de Araújo concluiu junto com a mesa diretora do grupo, que a

confraria necessitava se renovar. Sendo assim, fez a proposta ao Juiz e irmãos de criar

condições para esta renovação com a formação de um grupo mirim, de maneira que esta

tradição também atingisse faixas etárias jovens e atuasse não somente em período de Festa do

Rosário mas também durante todo o ano dependendo das solicitações de apresentações por

parte de entidades de diversas áreas sociais. Da mesma forma, com o novo grupo, foi possível

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para estas crianças e adolescentes um olhar de valorização de seu patrimônio cultural com

relação à historicidade de suas matrizes africanas.

Como toda esta ação se tratava de um fenômeno de reinvenção da tradição cultural,

resolvemos analisa-la de maneira que sua memória e história ficassem disponíveis para

estudiosos presentes e futuros. Para realização desta pesquisa foi necessário a análise

historiográfica baseada tanto em obras de recorte nacional Maia (2001) quanto obras clássicas

da historiografia regional, Cascudo (2001); como também estudos contemporâneos

antropológicos e históricos Cavignac (2007); Macêdo (2014); Gois (2014); Costa (2008);

Morais (2015) Silva (2012) entre outros.

As fontes utilizadas na investigação foram: Documentos iconográficos (fotografias

analógicas e digitais, vídeos); fontes orais com monsenhor Ausônio Tércio de Araújo (diretor

espiritual); Vital Marcelino Dantas (Juiz Presidente da Irmandade do Rosário de Caicó);Pedro

Pereira Cavalcanti e João Brás, (membros definidores da Irmandade do Rosário de Caicó),

mães e crianças do grupo novo e fontes impressas como: (Projeto e relatório do curso de

extensão oferecido pelo Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Rio Grande do

Norte - IFRN).

Os procedimentos metodológicos utilizados neste recorte foram à pesquisa

bibliográfica; levantamento e catalogação de fotos e vídeos; realização de entrevistas de

membros da confraria; análise dos dados e por fim redação do artigo.

O trabalho escrito tem a principio a introdução com um esboço do contexto do

trabalho em sua totalidade após analisamos o contexto histórico de surgimento da confraria na

Europa e Brasil (“As Irmandades do Rosário: origens” e “Irmandades e suas primeiras

estruturas”); dedicamos a entender ainda a história da irmandade no Seridó (“A Irmandade

dos Negros do Rosário de Caicó”) e as ações para a sua renovação (“A formação do grupo de

negros do Rosário Mirim”); por fim, concluímos com o registro histórico da forma

institucional leiga em que hoje se encontra o grupo (“Associação Cultural dos homens pretos

de Caicó, um novo olhar”).

2. As Irmandades do Rosário: origens

Na Igreja católica as irmandades são instituições de natureza religiosas compostas

por leigos e que ainda têm como objetivo, além da prática espiritual, promover o auxílio

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mútuo da comunidade que a compõe. Como tal, as irmandades obedecem às regras

sancionadas pela Igreja católica e tem as suas contas verificadas anualmente por um dignitário

(tesoureiro) religioso.

Como era costume católico, confrarias e irmandades existiam para animar a vida

eclesial. Porém, em uma sociedade europeia extremamente segregadora, nem todos podiam

participar. Sendo assim, na sociedade que se formaram no início da era moderna nos trópicos

coloniais, os negros escravos, livres ou libertos eram proibidos de frequentar as “irmandades

dos brancos". Porém, em uma realidade de tensões raciais e havendo necessidade de maior

integração desses indivíduos ao catolicismo, surgem às irmandades dedicadas exclusivamente

aos negros, instituições cujo primeiro desenho nesses moldes foi constituído pelo mundo

católico a partir da Europa. Podemos verificar a citação de Antônio Brásio:

A primeira irmandade de negros de Lisboa nasceu na Igreja do Convento de

São Domingos. Neste convento havia uma irmandade de N.S. do Rosário

instituída por pessoas brancas, provavelmente no final do século XV, mas a

partir do século XVI, paulatinamente, os negros foram ocupando espaço na

instituição (1944, p. 76). Em 1551, a Confraria do Rosário do Convento de

São Domingos estava "repartida em duas, uma de pessoas honradas, e outra

dos pretos forros e escravos de Lisboa”.

Surgindo desse meio a primeira irmandade negra do Rosário. A associação entre

negros africanos, festas, movimentos confrarial e o Rosário só tenderia a crescer.

Na América portuguesa as irmandades negras desse tipo foram incentivadas tanto pelo

estado, quanto pela Igreja católica. Nessas irmandades, escravos, alforriados e libertos se

reuniam para venerar um santo de cor como Santo Elesbão, Santa Efigênia, Santo Antônio de

Cartagena e Santo Benedito de Palermo.

A propagação das irmandades entre os escravos, em tese, cristianizada inicialmente

baseou-se no desejo desses de se beneficiarem de alguns serviços católicos, como missa,

sacramentos, festas religiosas e sepultura cristã. O fato de pertencerem a uma irmandade

afastava a possibilidade de que seus cadáveres fossem jogados anônimos em valas comuns no

exterior da igreja. Geralmente a irmandade de negros, ou tinha uma campa (sepultura) paga

pela confraria, ou patrocinavam eles próprios uma igreja inteira, como as Igrejas do Rosário,

por exemplo. Mesmo porque essas práticas funerárias custavam dinheiro, que escravos e

negros livres pobres não tinham condições de arcar. A partir da contribuição anual de cada

irmão, e com um caixa comum, quando morria um irmão ou irmã, a confraria tinha como

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custear as despesas para que fossem rezadas missas e terços, com cortejo fúnebre apropriado

onde os demais irmãos usavam opas e insígnias, e acompanhavam o morto até a sepultura

patrocinada pela irmandade no interior das ermidas. Quanto mais alto o lugar ocupado pelo

morto entre irmãos, mais cheios de regalias era o serviço funerário.

3. Irmandades e suas primeiras estruturas no Brasil

Em Lisboa, a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário, ligada aos Dominicanos,

acolhia, desde 1460, os africanos livres ou escravos. Como desejo de criar no Rio de Janeiro

em 1640 uma irmandade com o mesmo nome, funcionou como sede desse grupo, por muitos

anos, na Igreja de São Sebastião no morro do Castelo.

No Rio de Janeiro dos séculos XVII e XVIII, os principais centros de fé residiam no

morro do Castelo elevado pelo Convento de Santo Antônio; que até os dias atuais abriga a

igreja e o Convento de Santo Antônio; e o morro de São Bento onde existe o Mosteiro

Beneditino. Ao redor do clero secular e religioso, estavam, portanto as Irmandades e ordens

terceiras. As ordens terceiras dependiam das ordens regulares (Ordens Religiosas) e atraiam

as elites da sociedade colonial. As irmandades, mais autônomas, para existir, além de ter que

comprovar um número significativo de devotos ao mesmo santo, devia ser regulado por um

documento estatutário chamado de Compromisso, cujas regras deveriam ser analisadas pelo

bispo e pelo rei de Portugal.

Para se integrarem à irmandade algumas qualidades básicas eram exigidas dos

membros que interessassem fazer parte da mesa diretora das confrarias. De acordo com os

termos de compromissos comuns em 1820, por exemplo, era imprescindível que o irmão

fosse uma pessoa virtuosa. Ressaltava que pessoas "sujeitas" poderiam exercer os cargos de

mordomo da festa, desde que pudessem cumprir suas obrigações e satisfazerem as exigências

econômicas de costume, assim como, ser irmãos da mesa desde que tivessem bom

procedimento.

Os membros da mesa do Rosário dos Pretos (espécie de diretoria) deveriam,

principalmente, ter boa conduta e ser reconhecidos socialmente, a fim de assegurar a

confiança entre os demais integrantes da confraria. Além dessas qualidades, os confrades

deveriam possuir boas condições econômicas, pois eram, sobretudo, através das contribuições

materiais dos seus membros que as irmandades realizavam seus rituais fúnebres e festivos,

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ornamentavam sua capela garantindo a ascensão social e econômica da irmandade e de seus

membros.

As irmandades negras se propagavam pelo mundo. No século XVIII, existiu no Rio de

Janeiro, por exemplo, uma dúzia de associações negras que exerciam suas atividades na

periferia da cidade, ao redor da Igreja da Gloriosa Santana. Nessas “cidades negras” com

maioria populacional de cor, eram necessárias estratégias estatais e mecanismos sociais para

amortecer os conflitos, porém sempre criando espaços de protagonismo por parte dos negros,

pois Mariza de Carvalho Soares afirma:

Os indivíduos procedentes de determinada localidade passam a construir

não apenas grupos, no sentido demográfico, mas grupos sociais compostos

por integrantes que se reconhecem enquanto tais e interagem em várias

esferas da vida urbana, criando formas de sociabilidade que – com base

numa procedência comum – lhes possibilitam compartilhar diversas

modalidades de organização, entre elas as irmandades (Soares, 1998,

p.113).

Para os escravos, os alforriados e os mestiços, tais permissões para funcionamento desses

agrupamentos autorizados pelo estado, representavam uma das raras ocasiões lícitas para que

pudessem se reunir e constituírem o lugar privilegiado na construção de suas identidades.

Célia Borges cita 1998:

Entrar para a irmandade terá sido o sonho de muitos negros. Agruparem-se

para cantar e dançar era uma forma de reconstruir sociabilidades e resgatar a

soberania do seu corpo, gestos e voz, expressão limitada de uma precária

liberdade. Através da linguagem corporal estabelecia-se a comunicação entre

os grupos. Nos dias de festividade, as roupas eram outras, a comida

abundante. Era a grande festa da comunidade negra, legalmente constituída,

onde era possível ao homem negro participar de um teatro, poder desfrutar

de uma experiência religiosa e dar um novo sentido à sua vida. (p. 1231)

Levando em consideração a citação de Célia Borges (2001), os negros projetavam na

irmandade o desejo, consciente ou inconsciente, de recriar laços afetivos, construir uma

identidade dentro desse grupo de irmãos, assim como buscavam proteção com a segurança

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que o grupo poderia dar. Especialmente se este grupo for organizado e tem meios lícitos de

gestão, daí a importância da estrutura “burocrática” desses grupos.

As irmandades lutaram por sua autonomia, pelo direito dos seus membros a uma vida e uma

morte dignas. Assim, em busca de sepultamentos dignos, muitos escravos se associavam as

irmandades procurando nestas a fuga do enterramento no interior das igrejas. Antônia

Aparecida Quintão explica:

Uma das atribuições mais lembradas nos capítulos dos estatutos ou

compromissos das irmandades refere-se à garantia de um enterro para

os escravos, frequentemente abandonados por seus senhores nas

portas das igrejas ou nas praias para que fossem levados pela maré da

tarde. (2000, p.164)

Como Contextualiza Quintão um marco legal desses grupos, os estatutos ou

compromissos definiam as diferentes funções que regiam a irmandade. Geralmente à frente da

organização havia um cargo denominado de juiz, chamado também de provedor, que era

assistido por um escrivão, um tesoureiro e um procurador, todos os cargos eleitos pelos

próprios irmãos. Algumas irmandades buscavam pessoas que não estavam entre seus

membros, o que muitas vezes contribuía para pacificar as divergências internas e atrair

alianças. Estes cargos só podiam ser atribuídos a pessoas que possuíam bens, contribuindo

assim com a possibilidade de melhor financiamento da irmandade. A receita era incrementada

também com as doações dos devotos e as esmolas que determinados irmãos eram autorizados

a pedir nas ruas. Era possível pertencer a mais de uma irmandade ao mesmo tempo e estas

nasciam consoantes às necessidades da comunidade, pois não havia restrições sobre o número

de irmandade Os irmãos recebiam não só assistência quando estavam doentes ou no leito de

morte também podiam contar com ajuda na obtenção da carta de alforria.

Escolhido por ocasião das comemorações conhecidas no Rio de Janeiro pelo nome de

“Folia”, o reino ou império, auxiliado pela sua corte, e também pela direção da irmandade,

tinha a missão de organizar os aspectos profanos das festas da irmandade. Era sobretudo

durante a festa anual, no dia em que a igreja celebrava o padroeiro, que a folia exibia com

máximo de orgulho os estandartes, as coroas, as vestimentas entre outros ornamentos da

realeza. Eis alguns registros de Irmandades fundadas no Brasil:

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1640 – Rio de Janeiro

1708-São João Del- Rei- Minas Gerais

1711- Cidade de São Paulo

1713-Cachoeira dos Campos

1715- Ouro Preto

1754-Viamão Rio Grande do Sul

1771 – Caicó, Rio grande do Norte

1774- Rio Pardo, Rio Grande do Sul

1796 – Salvador, Bahia

1782 – Paracatu, Minas Gerais

Dado à sua antiguidade e longevidade, formadas a quase três séculos de

existência, as Irmandades do Rosário dos Homens Pretos se tornaram um ícone para

movimentos de consciência negra, apresentando uma tradição religiosa que se remete aos

tempos dos primeiros escravos aqui em nosso país. No Brasil colonial no século XVII os

festejos a nossa Senhora do Rosário ficaram conhecidos. As representações deste reinado

eram para todos os negros motivos de respeito, momento de enobrecimento. De qualquer

forma essas manifestações sociorreligiosas possibilitaram a formação de outras identidades:

A festa do Rosário significou, antes de tudo, a personificação de uma

identidade de grupo, cuja dinâmica funcionou como uma espécie de

catalisador pelo qual foi possível limar ou atenuar divergências internas. Se

as diferenças étnicas dos vários grupos foram muitas vezes fatores de

conflito, a vivência ritual permitiu a superação dessas querelas e a sua

dramatização nos dias de jubileu. Sem dúvida que a integração dos negros na

nova sociedade colonial lhes permitiu adquirir elementos e valores da

tradição cultural dos grupos dominantes europeus, mas também – e

sobretudo – a reformular as suas representações coletivas de origem.

(BORGES, 1998, p. 1231).

Ainda segundo Célia Borges, embora fosse um espaço de ritualização religiosa e

festejo, não era um espaço sem conflito. Sendo assim, o desconforto sempre se fez presente

entre negros, Igreja e governo civil, exigindo sempre algumas mudanças no folguedo.

Interessante que até os dias de hoje, estes conflitos se fazem presentes dentro da própria

irmandade.

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4. A Irmandade dos Negros do Rosário de Caicó

A cidade de Caicó fica localizada no Seridó, estado do Rio Grande do Norte. A

história de Caicó está marcada pela colonização através de criadores de gados esuas famílias.

Católicos, os colonizadores trouxeram suas devoções, dentre as quais a crença fervorosa em

Maria, em sua representação de Nossa Senhora do Rosário.

Nessa região a Irmandade dos Negros do Rosário foi criada por homens pretos,

escravos, livres e libertos, conforme o Capítulo I do Estatuto da Irmandade do Rosário de

Caicó: “Servirão nesta Irmandade, todos os homens e mulheres pretos, moradores desta

freguesia da Senhora Sant’Ana, quer sejam forros, quer sejam cativos, e pagarão de anual uma

pataca.” (ESTATUTO da Irmandade do Rosário dos Homens Pretos de Caicó, s/d, p., s/d, p.

13) 3. Este grupo foi registrado em 11 de junho de 1771, sobre a orientação do padre José

Inácio Xavier Correia, segundo o historiador e clérigo Dom José Adelino Dantas.

No mês de setembro do corrente ano foi enviado a Portugal o estatuto da

Irmandade dos Negros do Rosário. Após ser avaliado pelas instituições

portuguesas estatuto foi sancionado por Dom José Primeiro, rei de Portugal,

recebendo assim o selo real, legalizando assim sua existência. Em 27 de

dezembro de 1773 chega a Caicó a aprovação do estatuto. (COSTA, 2008, p.

21-22).

Ainda em fins do século XIX surgiram outros grupos de Negros do Rosário em

outras cidades do Seridó (Acari, Currais Novos, Jardim de Piranhas, Serra-Negra) e na

vizinha Paraíba (Pombal e Santa Luzia).

Na colônia ou império, as irmandades negras serviam como espaço de sociabilidade,

solidariedade e assistência entre os seus membros escravizados e forros. Segundo Julie

Cavignac:

No Seridó encontramos o primeiro registro da festa (de Nossa senhora do

Rosário dos Homens Pretos) a partir de 1771 e da fundação da Irmandade de

Caicó, em 1773, e no decorrer do século XIX, nas outras cidades [...].

Podemos pensar que as irmandades negras se desenvolveram, sobretudo no

século XIX, com a cultura do algodão, pois essa atividade requereu um

número maior de mão de obra escrava. (2007, p. 104)

3 Não tivemos acesso ao Compromisso original da irmandade, no entanto consultamos sua cópia publicada

recentemente em folheto (sem data), em uma ação conjunta da Diocese de Caicó e Irmandade dos Negros do

Rosário de Caicó.

13

A instituição em Caicó passou a ser composta por 34 membros, todos eram negros. A

primeira composição foi de rei e rainha; juiz e juíza; escrivão e escrivã; tesoureiro, sendo este

último cargo ocupado por um branco. É importante destacar que nesta época a mulher era

figura participativa, visto que ela ocupava cargos importantes como o de rainha e juíza,

segundo pode perceber na lista abaixo da primeira formação:

Sebastião Pereira- Rei dos Congos

Maria José Neves- Rainha de Congos

Afonso Pereira- Juiz

Luíza Gomes- Escrivã

José Gomes Vilela

Manoel Fernandes Jorge

João Alves dos Santos

Joaquim Pereira da Silva

João Gomes Vilela

Antônio Fernandes de Souza

Manoel Alves dos Santos

Miguel flores

João Gonçalves Melo

Paulo Fernandes

Manoel Pereira- Procurador

Ana Maria das Neves

Manoel Gonçalves Ferreira

Francisco Xavier dos Santos- Procurador

Manoel Gonçalves de Melo- tesoureiro (ESTATUTO da Irmandade do Rosário dos Homens Pretos de Caicó, s/d, p.

12)

A irmandade era dividida entre irmãos de mesa e cadernistas. Os primeiros eram

escravos de senhores de maior poder aquisitivo e por sua vez, davam contribuição maior para

a irmandade. Os cadernistas representando o segundo grupo, escravos de senhores menos

abastados, contribuindo com uma menor quantia. (COSTA, 2008, p. 22). O grau de

independência das confrarias dependia do nível de organização e do vigor financeiro das

associações. (MACÊDO, 2014, p.332)

Durante os festejos da irmandade ocorria o cortejo, quando a corte de rei, rainha e

demais membros participavam da procissão de encerramento da festa de Nossa Senhora do

Rosário e se vestiam com mantos rebordados com miçangas e galões dourados. Na cabeça, a

realeza usava coroa de papelão enfeitada com latão, cacos de espelhos, areia brilhante e o

cetro real eram feitos de madeira torneada simbolizando a realeza. O juiz e a juíza se vestiam

com roupas brancas e usavam luvas para dar destaque à pena de pavão que conduziam, objeto

14

que representava o poder da justiça. O escrivão e a escrivã usavam roupas brancas e

transportavam consigo o livro da irmandade.

A primeira irmandade do Seridó arregimentou negros das comunidades do entorno,

os lugares de procedência foram chamadas genericamente de “quarteirões”. A partir destes

grupos, outros foram agregando-se à Irmandade do Rosário de Caicó. Havia rotatividade da

gestão da irmandade, de quatro em quatro ano o reinado ainda é coordenado por um

quarteirão destas comunidades para nomeação dos reinados: atualmente quatro reinados

compõem a Irmandade do Rosário de Caicó: Samanaú, São João do Sabugi, Rio do Peixe e

Riacho de Fora. “Um sistema de rodízio anual determina qual desses reinados irá indicar reis

e juízes”. (BORGES apud MACÊDO, 2014, p. 337).

As festividades da irmandade eram compostas pela parte religiosa (citação, terços,

ladainhas e novena, dentre outros). Valorizava-se também a parte social, onde os eventos

eram animados com danças no exterior da igreja no meio dos devotos, ocasião em que os

expectadores sob instigação dos dançarinos podiam dar pequenas contribuições financeiras ao

grupo, costume frequente em todo Brasil:

Os “peditórios” em Minas Gerais, por exemplo, quando liberados pela coroa,

eram realizados pelos irmãos de mesa e juízes. Estes camposteiros

percorriam as vilas envergando a opa da irmandade e uma caixa com a

imagem de Nossa Senhora do Rosário. Alfaias que legitimavam a esmola e a

satisfação do cristão que via ali sua doação direta a santa (BORGES, 2005,

pág.33) No Seridó as irmandades arrecadavam donativos dos cidadãos antes

e durante a festa (MACÊDO, 2014, p. 332-333)

Muito provavelmente, no período de festa do Rosário, em épocas mais outrora, os

negros cessavam seus trabalhos e reservava este período festivo para angariar dinheiro para

complementar sua subsistência durante as festividades, saindo em grupo pelo comércio ou

mesmo pelas ruas da cidade batucando e dançando.

A coreografia da dança realizada pelos negros membros da confraria era bastante

rica, pois simbolizava uma batalha entre Mouros e Cristãos. Daí a razão de todo integrante

portar uma lança (também chamada de espontão) que representava a armado combate. A

indumentária usada pelos negros que faziam as apresentações e cortejavam os reis da

irmandade, era composta por camisas brancas e calças de cor azul, com riscas brancas de

lado. Os espontões ou lanças eram enfeitados com fitas de seda fina, representando a

hierarquia interna do grupo.

15

A Festa do Rosário, antes celebrada em dezembro, passou a ser celebrada em Caicó

durante o mês de outubro a partir da década de 1950, acrescentando em suas festividades

novenários, leilões entre outras atividades realizadas com bastante brilhantismo. De acordo

com alguns estudos, essas características da festa só foram implantadas após a realização de

várias reuniões entre os membros da irmandade e através do Padre Sinval Laurentino, recém-

ordenado padre na época.

A presença e longevidade da irmandade conseguem provar a importância que teve a

escravidão negra nas atividades econômicas e sociais do Seridó, a despeito do que afirma a

historiografia regional:

Na região do Seridó do Rio Grande do Norte, essas irmandades tiveram uma

visibilidade confiável ao contrário da população no geral, tida como quase

ausente na região. É verdade que antes da cultura do algodão tomar força, o

gado exigia pouca mão-de–obra escrava. O que acontece, é que esse dado

histórico foi interpretado pelos historiadores do estado como uma quase

ausência de negros no Seridó. Tal discurso pode ser encontrado nos escritos

de vários intelectuais como, por exemplo, CASCUDO (1955: 52, 520) e

Veríssimo Melo (1977; 9-10), subestimavam a presença de negros no Seridó

e afirmavam na colonização predominantemente de brancos portugueses

pela região. (GOULART, 2014, p. 2014)

Embora de tradição perene, mudanças ocorreram nas formações e apresentações

públicas dos Negros do Rosário de Caicó. Em razão do cenário religioso e social em mutação,

o grupo de adultos que representavam os irmãos dançarinos também sofreu profundas

transformações, até chegar a ser quase extinto. Como reação a essa realidade a irmandade

reagiu com algumas medidas, dentre as quais a criação de um grupo mirim inspirado na

irmandade de adultos.

5. A formação do grupo de negros do Rosário Mirim

O grupo de Negros do Rosário de Caicó passava por diversos conflitos: alcoolismo,

divergências internas, entre outros. Levando em conta que medidas precisavam ser tomadas

para que a irmandade fosse revitalizada, algumas mudanças foram realizadas no grupo dos

Negros do Rosário de Caicó. Diante desses obstáculos, monsenhor Ausônio Tércio de Araújo

(diretor espiritual da irmandade), ferrenho defensor da importância de manter vivo este grupo,

para enriquecimento das práticas culturais de África no Seridó, propôs algumas providências

16

em comum acordo com Vital Marcelino Dantas (atual Juiz-presidente da Irmandade do

Rosário de Caicó e Definidores4da irmandade). Nessas medidas estavam as estratégias de

rejuvenescimento do grupo, como forma de preservação do mesmo. Então, juntos,

concordaram com a criação de um grupo mirim. A Escola Municipal do Bairro Walfredo

Gurgel em Caicó-Rn foi o ponto de partida para este novo desafio, reavivando a cultura negra

da cidade, uma vez que esta confraria passa por bastantes dificuldades em manter o grupo

unido.

A ideia para rejuvenescer o grupo a principio era reunir um grupo jovem. Assim

foram listadas vinte e três crianças que espontaneamente desejavam participar. As famílias

foram convocadas para uma reunião junto aos irmãos e firmaram acordo de participação neste

novo grupo, que merecia uma atenção bem maior, por se tratar de crianças a partir de 6 (seis)

anos de idade e adolescentes, que necessitavam de um cuidado especial e acompanhamento

dos pais durante as suas apresentações dentro e fora da cidade. Precisam também de subsídios

como: transporte, água, alimentação, participação efetiva de seus responsáveis entre outras

necessidades e em contra partida as necessidades materiais do grupo que devem ser custeadas

pelo órgão convidativo.

Foto1: Encontro de socialização entre membros da Irmandade e responsáveis pelas crianças. Evento

realizado na própria Escola Municipal Walfredo Gurgel - Caicó (2013)

4 “Definidores” é um termo usado pelos membros da irmandade para se referirem aos irmãos que compõem a

mesa legislativa do grupo.

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Fonte: Xirley Anne Vale dos Santos

O desafio da irmandade era passar o conhecimento dos membros antigos do grupo

para os jovens. Contando com apoio dos irmãos antigos iniciaram os ensaios na mesma escola

do bairro. Nesse sentido foi convocado o lanceiro Antônio, filho de “Seu Dedé” (membro da

irmandade) para ensinar a dança do espontão aos novos integrantes. E assim se iniciaram os

trabalhos coletivos de treinamento do grupo jovem. Nosso autor regional Luís da Câmara

cascudo cita significado de espontão em seu Dicionário sobre folclore brasileiro:

Denominação de uma dança guerreira, que acompanhava a procissão e festa

de Nossa senhora do Rosário no Nordeste do Brasil. A Dança do Espontão

ainda existe nos municípios de Jardim do Seridó e Caicó, no Rio Grande do

Norte. Desde a madrugada de 31 de dezembro um grupo de negros com

espontões, uma lança e uma bandeira branca percorre as ruas, ao som de três

tambores trovejantes. O chefe é o portador da lança e os espontões, em

acenos guerreiros, saltos e recuos defensivos. Não há canto. É dança de

guerra, ao som de tambor marcial (2001, p.216)

O apoio e compromisso dos membros da irmandade fez com que esta cultura Afro-

brasileira não se perdesse no tempo. A consciência entre participantes antigos em manter viva

a cultura afrodescendente motivou a ação e mobilizou os novatos a apropriarem-se de seu

pertencimento de grupo. Como exemplo dessa sensibilidade, temos o papel de “Seu Dedé”,

caixeiro (percussionista), membro assíduo do grupo, que continua trazendo há anos seus

filhos e hoje seus netos para as novas atividades (ver Figura 2). De maneira que são três

gerações enraizadas nos Negros do Rosário de Caicó.

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Foto 2: Apresentação do grupo mirim/adulto em frente à Igreja do rosário em Caicó RN. (Na foto: Seu

Dedé, seu filho Francisco, Roni, Josean e Renan, os últimos novatos). Fonte: Xirley Anne Vale dos

Santos(2015)

Os negros mirins foram treinados por membros antigos e logo desenvolveram a ágil

habilidade na dança das lanças. Se nas formações antigas as mulheres participavam da corte,

agora na formação mirim as meninas participam também da dança do espontão.

Foto 3: Crianças realizando a coreografia.

Fonte: Xirley Anne Vale dos Santos (2015)

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Foto 4: Crianças dançando durante a Festa do Rosário em Caicó (2015)

Fonte: Xirley Anne Vale dos Santos

Os Negros do Rosário Mirim iniciaram suas atividades antes da festa por motivo dos

ensaios coreográficos. Participaram da primeira apresentação junto à Festa do Rosário no ano

de 2013, incluindo a abertura da festa, novenários, jantar, missa solene e encerramento com a

tradicional procissão onde todo o cortejo saiu pelas ruas da cidade de Caicó acompanhando a

Corte Real. Nas noites de novena, o grupo se reúne em frente à casa do atual juiz-presidente

de onde saem em transporte locado pela confraria e chegam ao pátio do Mercado Público de

Caicó. Dali o grupo e o séquito em procissão caminham festivamente até a igreja do Rosário

atraindo olhares de Caicoenses e visitantes.

As festividades não cessam por aí. Depois do mês de outubro várias apresentações

continuam a ocorrer dentro e fora da cidade de Caicó em eventos proporcionados por escolas,

universidades, feiras culturais e religiosas, para onde o grupo mirim é sistematicamente

requisitado.

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Foto 5: Apresentação nas Aldeias SESC\Seridó(2015)

Fonte: Xirley Anne Vale dos Santos

Junto com a irmandade, o grupo mirim participou da primeira apresentação fora da

cidade, visitando em 2013 a cidade de Santa Luzia/PB fortalecendo o vínculo com aquela

organização coirmã. O grupo se fez presente em eventos também em outras cidades como:

Serra-Negra do Norte, Jardim-de-Piranhas, Timbaúba dos Batistas e Jardim-do Seridó. Lá os

seus membros puderam demonstrar ensinamentos recebidos e louvarem não somente com

orações, mas com toda gestualidade que o corpo proporciona a Nossa Senhora do Rosário.

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Foto 6: Negros do Rosário de Caicó participam da Festa do Rosário em Jardim de Piranhas (2016).

Fonte: Xirley Anne Vale dos Santos

A participação do grupo mirim em eventos religiosos, socioculturais e pedagógicos

segue algumas exigências. Depois de o convite ser feito, o pedido é comunicado aos membros

da confraria. O convite só é aceito se for possível a participação de membros do grupo e seus

responsáveis.

O atual presidente da irmandade luta junto com os definidores e irmãos, conseguir

em constantemente a promoção do grupo envolvendo outros parceiros, promovendo a

valorização do grupo não somente em época de festividades como Festa do Rosário, mas

buscando valorizar a autoestima, identidade e pertencimento à confraria. Em paralelo buscam

juntos caminhos para desenvolvimento visando o apoio social, pedagógico e financeiro para

os membros junto à sociedade norte-rio-grandense. Como exemplo da atuação da irmandade,

a Secretaria de Educação de Caicó, deve incluir os Negros do Rosário como tema transversal

no currículo escolar das escolas caicoenses como forma de ensino/aprendizagem da cultura

local.

6. Associação Cultural dos homens pretos de Caicó: um novo olhar.

A confraria de Caicó não podia ser diferente de outras seculares irmandades. E como

organismo cultural também passa por um processo de transformação para manter-se viva a

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cultura. Em Caicó também precisou ser modernizada. Além do grupo de Negros do Rosário

Mirim e sua diversidade, precisou construir dentro da irmandade uma organização titulada

como: Associação Comunitária e Cultural dos amigos dos Homens Pretos do Rosário de

Caicó. Esta associação visa melhorias ao grupo buscando apoio logístico para cursos e

suporte econômico, desejando uma irmandade independente de ajudas da comunidade e

comércio locais. Tenta construir um novo olhar prestigioso entre os irmãos, valorizando todo

legado cultural e religioso da organização.

A fundação da Associação teve o seu estatuto social aprovado em 16 de junho de

2013.Intitulada Associação Comunitária e Cultural dos amigos dos Homens Pretos do Rosário

de Caicó - RN, este grupo tem sede na mesma cidade à rua Prof. Manoel Fernandes Jorge, n.

56, bairro João XXIII. Esta associação, segundo o estatuto, pode ser beneficiada por recursos

públicos. Até o momento não houve arrecadação financeira concreta obtida pela associação,

mas a partir dela advieram vários projetos. Um deles um curso de inclusão digital para os

membros do grupo e seus responsáveis ofertados pelo Instituto Federal de Educação Ciência e

Tecnologia do Rio Grande do Norte; outro curso ofertado foi o de flauta doce (este não obteve

participação assídua, somente um componente do grupo persistiu, os demais julgaram ser um

curso difícil) ofertado também pelo IFRN e fabricação de sabão com óleo de comida usado.

A irmandade negra agora passa por momento de transição, a busca de melhoria para

a coletividade, dando um respaldo maior à confraria. Exemplo disso é a atuação do grupo de

negros mirim que, sob a cobertura da Associação, participa de cursos de extensão ofertados

pelo Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte. A parceria

nasceu através do “Dia do Cooperar” também conhecido como o “Dia C” promovido em

conjunto pela SEESCOP, IFRN, NEABI e a Prefeitura Municipal de Caicó.

5

5 SEESCOP- Serviço Nacional de Aprendizagem ao Cooperativismo no Rio Grande do norte

NEABI-Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas.

23

Foto 7: Grupo dos negros do Rosário no IFRN, participando do encerramento do curso de Inclusão

digital (2015). Fonte: IFRN

Os projetos tiveram dentre seus objetivos promoverem a inclusão social e digital

beneficiando crianças, jovens e adultos da comunidade dos Negros do Rosário, contribuindo

para o desenvolvimento social e educacional por meio do acesso tecnológico. Estas ações

ocorreram no ano de 2014. A prefeitura disponibilizou o transporte para locomoção dos

membros da confraria onde enviara o transporte com saída e retorno do bairro Walfredo

Gurgel. Algumas vezes o Instituto Federal do Rio Grande do Norte - IFRN disponibilizou

também o seu transporte oficial para locomoção.

A Associação também proporcionou um curso de fabricação de instrumentos

musicais, especialmente, caixas e pífanos, materiais fundamentais para acompanhamento do

grupo na dança do espontão. Como se tratava de um saber/fazer de cunho tradicional foi

convidado para ministrar a oficina, um antigo membro antigo do grupo. O ministrante foi

Possidônio Silva, mestre da dança do espontão e membro, desde jovem, da Irmandade do

Rosário de Caicó, além de ser artista de múltiplas habilidades: arte visual, dança, música e

poesia. É um dos poucos da irmandade que dominam a arte de confeccionar e afinar tambores

e pífanos, ao modo de seus antepassados. Possidônio passou a ser também peça fundamental

na transmissão de ensinamentos valiosos aos pequenos membros. Abaixo podemos visualizar

a referida oficina em processo.

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Foto 8: Possidônio instrui o corte da madeira para fabricação de caixas

Fonte: Xirley Anne Vale dos Santos (2015)

Foto 9 – Possidônio instrui o acabamento de caixas

Fonte: Xirley Anne Vale dos Santos (2015)

Outro parceiro que muito beneficiou o grupo foi a Loja Maçônica Severina Abigail

que proporcionou um curso às mães das crianças do grupo mirim, um curso de artesanato com

materiais reutilizáveis. Curso este que poderia contribuir para o incremento da renda familiar

das referidas cursistas. Obteve durabilidade de três meses e as aulas foram ofertadas a cada

quinze dias, em parceria com a Escola Municipal Walfredo Gurgel. Quando por motivo

relevante não podia usar o espaço da escola, foi usada a casa do Juiz presidente da confraria,

próxima à escola. O curso foi ofertado através do apoio da Associação Comunitária e Cultural

dos amigos dos Homens Pretos do Rosário de Caicó – RN.

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Foto 10: Mães no curso de artesanato oferecido pela Loja Maçônica

Fonte: Xirley Anne Vale dos Santos (2015)

Paralelo a estas atividades, todos os anos a Loja Maçônica Severina Abigail de

Caicó, oferta no mês de dezembro, um Natal diferente para crianças de comunidades carentes.

No ano de 2015 os Negros do Rosário Mirim foram contemplados com uma festa onde

desfrutaram de guloseimas e brincadeiras, além de receberem presentes.

Foto 11: Negros do Rosário Mirim em confraternização na Loja Maçônica em Caicó RN

Fonte: Xirley Anne Vale dos Santos (2015)

A sede dos negros do Rosário recebe frequentemente visitas de estudantes de

diversas escolas e universidades. Dependendo do horário das visitas escolares a Sede dos

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Negros, o grupo mirim firma compromisso em se fazer presente e apresentar a dança do

espontão, desde que não acarrete qualquer prejuízo escolar, pois a maioria estuda pela manhã.

Quanto à programação religiosa do grupo, todo terceiro domingo do mês é celebrada

uma missa na Sede dos negros do Rosário. O padre Messias, recém-chegado do Rio de

Janeiro, responsabilizou-se em celebrar a missa, contando com a presença de vários membros

do grupo e da confraria.

Foto 12: Missa na Sede dos Negros no bairro João XXIII, (2015). (Juiz Vital Marcelino; Definidores:

Cícero Gomes, Manoel, Pedro Xambaril. Tesoureira Fátima. Reinado 2016: Antônio Neves e Jarlene.

Padre: Messias, irmãos e parte do Grupo Mirim e mães). Fonte: Xirley Anne Vale dos Santos

Foto 13: Depois da missa os negros dançam um Baião. (2015)

Fonte: Xirley Anne Vale dos Santos

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CONCLUSÃO

Na experiência de relacionar algumas considerações sobre as festividades, procissões e

demais atividades realizadas por crianças do grupo Negros do Rosário Mirim, homens e

mulheres de origem africana na Irmandade de Nossa Senhora do Rosário, esperamos ter

contribuído na problematização destas manifestações organizadas como forma de

reavivamento destes irmãos devotos da fé. O trabalho de pesquisa mostrou que as irmandades

religiosas do tipo que estudamos, surgiram sob o patrocínio da Igreja congregando irmãos

negros, escravos, livres ou libertos. Porém, os negros não foram passivos nesse processo de

inclusão e tiveram expressiva participação na construção do Brasil. As confrarias negras

tornou-se de fundamental importância para existência da cultura de África em nossa região,

atestante a isso, são os Negros do Rosário Mirim fortalecendo a cultura de raiz africana, não

somente em tempos de Festa do Rosário, mas pelo significado de resistência identitária que a

irmandade possui para estes afrodescendentes e a sociedade Seridoense . Entidade secular, a

Irmandade tem demonstrado vitalidade e resistência ao, diante de problemas sérios,

reinventar-se imensamente, reestruturando-se em torno de um grupo jovem que poderá além

de manter a expressão religiosa e cultural, transformá-la e seguir adiante.

FONTES E REFERÊNCIAS

FONTES ORAIS

Entrevistas concedidas por João Braz de Araújo, advogado e organizador do Estatuto da

Associação Comunitária e Cultural dos Amigos da Irmandade do Rosário dos Homens Pretos

do Rosário de Caicó, RN em 2015.

Entrevistas concedidas por Pedro Pereira Cavalcanti (Xambaril), presidente da Associação

Comunitária e Cultural dos Amigos da Irmandade do Rosário dos Homens Pretos do Rosário

de Caicó/ RN, e também definidor da Irmandade do Rosário de Caicóem 2015.

Entrevistas concedidas por Monsenhor Ausônio Tércio de Araújo, diretor espiritual da

Irmandade do Rosário de Caicó em 2016.

Entrevista concedida por Vital Marcelino Dantas, juiz- presidente da Irmandade do Rosário de

Caicó/RN em 2015.

FONTES ESCRITAS

28

ESTATUTO da Irmandade dos Homens Pretos do Rosário de Caicó/ RN. Livreto S/D.

(Cedido pelo diretor espiritual monsenhor Ausônio Tércio de Araújo em 2015)

ESTATUTO Social da Associação Comunitária e Cultural dos Amigos da Irmandade do

Rosário dos Homens Pretos do Rosário de Caicó,RN. Aprovado em 16.06.13 e registrado em

23.10.13. (Cedido pelo presidente da associação Pedro Pereira /Xambaril em 2015).

OLIVEIRA, Randerson. Re: Definidores [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por

[email protected]. Em 10 de março de 2016

REFERÊNCIAS

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diferenças. 2001.Trabalho apresentado no III Congresso Internacional del Barroco

Americano: Território, Arte, Espacio y Sociedad. Sevilla: Universidad Pablo de Olavide.

Disponível em:

http://www.upo.es/depa/webdhuma/areas/arte/actas/3cibi/documentos/097f.pdf. Acesso em:

10 de março de 2016.

CAVIGNAC, Julie Antoinette. Relatório antropológico da comunidade quilombola de

Boa Vista (RN): complementação. Natal: UFRN/ INCRA- RN 2007.

CASCUDO, Luís da Câmara., 1898- 1986. Dicionário do folclore brasileiro/ Luís da

Câmara Cascudo – 11.d.- edição ilustrada- São Paulo: Global, 2001.

COSTA, Maria do Céo. Tradição, cultura e religiosidade dos Negros do Rosário de Caicó.

Natal, s/e, 2008.

GOIS, Diego Marinho de. Irmandade de Nossa Senhora do Rosário de Jardim do Seridó-

RN: entre histórias e memórias.Departamento de História, UFOPA. 2014

.

MACÊDO, Muirakytan Kennedy de. Majestades negras: irmandades de Nossa Senhora do

Rosário no Seridó. In: CAVIGNAC, Julie e MACÊDO, Muirakytan Kennedy de. (org.).

Tronco, ramos e raízes! História e patrimônio cultural do Seridó negro. Brasília: ABA;

Natal: Flor do Sal, 2014.

______A Penúltima Versão do Seridó: uma história do regionalismo seridoense. Natal:

Sebo Vermelho, 2005.

MORAIS, Fabio de Melo. A Irmandade do Rosário de Acari/RN: memória e história,

(graduação).Universidade Federal do Rio Grande do Norte. 2015.

QUINTÃO, Antônia Aparecida, Lá vem o meu parente: as irmandades de pretos e pardos

no Rio de Janeiro e em Pernambuco (século XVIII), São Paulo: Annablume: FAPESP,

2002.

SILVA, Bruno Goulart Machado. “Nego véio é um sofrer” uma etnografia do subalterno

numa irmandade do Rosário. 2012. Dissertação (mestrado) Universidade Federal do Rio

29

Grande do Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de Pós- graduação

em Antropologia Social.

SOARES, Mariza de Carvalho. Devotos da cor. Identidade étnica, religiosa e escravidão no

Rio de Janeiro, século XVIII, Ed. Civilização Brasileira, 2001.

AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus por adquirir paciência e sabedoria em concluir esta etapa da minha vida tão

difícil em conciliar trabalho, família, estudo e pesquisa acadêmica.

Infinitamente agradeço a minha família por sempre ser meu porto seguro em horas exaustivas

me sustentou e sustenta em momentos conflituosos de grande aprendizado, em especial minha

querida mãe, onde sempre mostrou que não seria fácil, mas não impossível.

A Universidade Federal do Rio Grande do norte pela opção em proporcionar-me uma Pós-

graduação riquíssima e aprofundar meu saber com a Lei 10.639 e provocar-me o

entendimento o quão a mesma é importante, não somente na comunidade escolar mas,

desconstruindo informações erronia e buscando sempre uma cidadania justa e igualitária.

Aos professores discentes do curso, aprendi muito com a sabedoria de cada um de vocês!

Como foi bom o conhecimento mútuo adquirido e proporcionado por esta especialização. Que

cada cursista possa disseminar por onde passar o verdadeiro significado em nosso país da

História e Cultura Africana e Afro-brasileira.

Ao monsenhor Ausônio Tércio de Araújo agradeço pelas manhãs dedicadas ao

abrilhantamento do meu trabalho com seu apreço inigualável pela Irmandade do Rosário de

Caicó e por sua preocupação em repassar as verdadeiras informações desta Confraria.

As amigas: Roxana silva, Elisângela Medeiros e Edineide Moreira pelas normas e

ajustamentos feitos para com meu trabalho de pesquisa.

Aos membros da confraria ao qual tiraram um tempinho para acolher-me em suas casas ou

mesmo em local de trabalho e repassar informações valiosíssimas.

Ao professor Muirakytan Kennedy de Macêdo com seu cabedal de conhecimento, como

poucos, aprimorou minha ideia fortalecendo o meu saber, voltado a meu objeto de pesquisa.

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Em especial ao meu esposo Vital Marcelino ao qual me fez enxergar e colocar em prática o

quanto podemos contribuir enquanto discentes ou cidadão de boa vontade, com o grupo de

Negros do Rosário Mirim, para que esta cultura permaneça fervorosa e nunca seja esquecida

pelo tempo. Sem esquecer os meus filhos que dançam e pulam ao som de tambores pelas ruas

da nossa cidade como identidade viva da cultura de seus antepassados. Obrigada a todos

vocês.