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1 Goiânia, 28 de Junho de 2012 Primeiras edições são sempre, assim como todos os inícios, marcantes. São também um emaranhado de sentimentos e de sensações confusas, muitas vezes contraditórias entre si. Existe a empolgação com o novo, a expectativa de fazer diferente, de fazer melhor. Existem os desafios de se aprender a trabalhar junto, de se conviver dentro de uma equipe com visões e crenças tão distintas. Existem também as intermináveis pautas de reunião, o stress com editoriais que deveriam ter ficado prontos há duas semanas atrás... E existem, mais que qualquer outra coisa, os velhos questionamentos de tudo aquilo que se principia e ainda não se habituou ao mundo: de onde viemos? O que somos? Para onde vamos? Dizer de onde viemos não é exatamente difícil; o histórico da vetusta Academia de Direito de Goyaz é notório. É com orgulho que repetimos (quase à exaustão): somos a sexta faculdade de Direito mais antiga do país, criada em 13 de agosto de 1898. O Centro Acadêmico cuja gestão este jornal se propõe a representar data de 1933: foi o primeiro do Centro Oeste e o quarto do Brasil. Entre imponentes cadeiras altas de madeira maciça e fotografias amareladas, a história permanece como que estática, imutável. Um lembrete perpétuo de tudo o que somos, murmurado por velhas estátuas de bronze... Talvez a rebeldia típica da juventude tornasse interessante para nós o discurso de que, por esta se tratar de uma primeira edição da Gestão - por meio de seu corpo Editorial -, romperemos com o que está posto e seremos radicalmente diferentes de tudo o que já foi feito. No entanto, por agora, se tivermos de encontrar uma resposta honesta para aquela segunda pergunta e dizer quem de fato somos, ela provavelmente vai se mostrar um bocado diversa do planejado. Somos um punhado de sonhos idealistas e pedaços de papel colorido, e nada além disso. Quiçá uma dose acidental de elemento X... O mais fácil, de longe, é dizer o que pretendemos ser. Queremos ser um locus de discussão da realidade que existe dentro e fora dos muros do nosso prédio. Queremos a todos representar e abarcar, num leve acesso de megalomania... Queremos estar em compasso com o que acontece no mundo e nos afeta diretamente. Queremos ser, no presente, um retrato do hoje. Queremos ser, no futuro, algo que possa ser lembrado e, quem sabe, algo que nos encha de orgulho. A Redação . SOBRE (RE)INÍCIOS, CAMINHOS E O INCESSANTE TIQUETAQUEAR DOS RELÓGIOS Nesta Edição “João, João, cuidado com o camburão!” e ”Pedro, Pedro, não tenha medo! ” p.2- 3 “Miopia”e “Moeda de troca” p.4 “Fora Marconi” p.5-6 “Ressaca da Fantasia” p.7 “Quilombolas: de esquecidos a sujeitos de direitos” p.8 “Teoria Crítica Constitucional” p.9-10

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Jornal da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás Edição 1/2012

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Page 1: XI de Maio

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Goiânia, 28 de Junho de 2012

Primeiras edições são sempre, assim como todos os inícios, marcantes. São também um emaranhado de sentimentos e de sensações confusas, muitas vezes contraditórias entre si. Existe a empolgação com o novo, a expectativa de fazer diferente, de fazer melhor. Existem os desafios de se aprender a trabalhar junto, de se conviver dentro de uma equipe com visões e crenças tão distintas. Existem também as intermináveis pautas de reunião, o stress com editoriais que deveriam ter ficado prontos há duas semanas atrás...

E existem, mais que qualquer outra coisa, os velhos questionamentos de tudo aquilo que se principia e ainda não se habituou ao mundo: de onde viemos? O que somos? Para onde vamos?

Dizer de onde viemos não é exatamente difícil; o histórico da vetusta Academia de Direito de Goyaz é notório. É com orgulho que repetimos (quase à exaustão): somos a sexta faculdade de Direito mais antiga do país, criada em 13 de agosto de 1898. O Centro Acadêmico cuja gestão este jornal se propõe a representar data de 1933: foi o primeiro do Centro Oeste e o quarto do Brasil. Entre imponentes cadeiras altas de madeira maciça e fotografias amareladas, a história permanece como que estática, imutável. Um lembrete perpétuo de tudo o que somos, murmurado por velhas estátuas de bronze...

Talvez a rebeldia típica da juventude tornasse interessante para nós o discurso de que, por esta se tratar de uma primeira edição da Gestão - por meio de seu corpo Editorial -, romperemos com o que está posto e seremos radicalmente diferentes de tudo o que já foi feito. No entanto, por agora, se tivermos de encontrar uma resposta honesta para aquela segunda pergunta e dizer quem de fato somos, ela provavelmente vai se mostrar um bocado diversa do planejado. Somos um punhado de sonhos idealistas e pedaços de papel colorido, e nada além disso. Quiçá uma dose acidental de elemento X...

O mais fácil, de longe, é dizer o que pretendemos ser. Queremos ser um locus de discussão da realidade que existe dentro e fora dos muros do nosso prédio. Queremos a todos representar e abarcar, num leve acesso de megalomania... Queremos estar em compasso com o que acontece no mundo e nos afeta diretamente. Queremos ser, no presente, um retrato do hoje. Queremos ser, no futuro, algo que possa ser lembrado e, quem sabe, algo que nos encha de orgulho.

A Redação .

SOBRE (RE)INÍCIOS, CAMINHOS E O INCESSANTE TIQUETAQUEAR DOS RELÓGIOS

Nesta Edição

“João, João, cuidado com o camburão!” e ”Pedro, Pedro, não tenha medo! ” p.2- 3

“Miopia”e “Moeda de troca” p.4“Fora Marconi” p.5-6“Ressaca da Fantasia” p.7

“Qui lombolas: de esquecidos a sujeitos de direitos” p.8“ T e o r i a C r í t i c a Constitucional” p.9-10

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Certas obras se tornam universais porque estão sempre vivas no cotidiano e na história da humanidade, independente da cultura ou do país. É o caso do livro A Revolução dos Bichos, de George Orwell, no qual o autor mostra uma fazenda onde homens exploravam os animais. Fazendo uma revolução e tomando poder , certos animais passaram a ser mais opressivos que os seus antecessores, numa crueldade que demonstrava clara violência moral e física. Vejo com preocupação o patrulhamento ideológico que certos grupos, que se intitulam vinculados aos “Direitos Humanos” fazem a todo aquele que tem um referencia religioso, ético e moral, a partir de uma interpretação mais ortodoxa(ortodoxia=do grego: reta opinião) da Sagrada Escritura.

Quando o Deputado João Campos apresentou proposta de lei possibilitando o tratamento para o homossexualismo , extremistas viram na proposta do parlamentar uma afronta ao pensamento e aos grupos homossexuais. De outro lado não se vê qualquer afronta quando um heterossexual busca um psicólogo para lhe ajudar nos conflitos sexuais , quando este individuo quer se tornar homossexual ou ter este posicionamento na vida pessoal ou social.

Poderíamos ainda dizer que a timidez, por exemplo, não é necessariamente e uma doença, e alguém pode buscar o auxílio profissional do psicólogo para não mais ser tímido. Por quê então, o individuo que se incomoda com sua conduta ou seu sentimento homossexual , não pode buscar ajuda profissional para resolver tal problema?

Tais grupos de defesa de certos “direitos humanos”, precisam ainda de maturidade para entender que numa democracia, se buscam direitos devem também reconhecer os direitos de terceiros, que não concordam com sua orientação. A ditadura que se impõe em nome da igualdade é na maioria das vezes pior que as velhas ditaduras que já vivemos na historia, uma vez que aquelas eram explicitas, o jogo era aberto, e vivia-se a situação na qual“ manda quem pode e obedece quem tem juízo”.

Nos dias de hoje, ter fé, religião, ter um posicionamento contrário a legalização das drogas, contra a legalização da prostituição e contra projetos de lei que hoje tramitam no Congresso com este propósito, ser contra o aborto e contra a utilização deste método para fazer uma limpeza étnico-social como sugeriu recentemente o governador do Rio de Janeiro, é ser um cidadão que corre sério risco de ser linchado socialmente e ideologicamente, e se se permitir que tal ditadura avance, amanhã este cidadão estará a ocupar os cárceres do país, em razão de sua crença. Sevocê acha que estou exagerando , basta observar a proposta inicial do projeto de Lei 122/2006 no qual se sugere pena de até cinco anos de reclusão para aquele que tiver manifestação contrar ia atais condutas. Se alguém ainda duvida que a ditadura já coloca sua garras de fora basta saber o que aconteceu com Rozângela Alves Justino, psicóloga punida pelo Conselho Federal de Psicologiaporque aceitou oferecer seus serviços profissionais a quem se sentia incomodado com suas tendências homossexuais e buscava uma cura.

Evidencia-se tal patrulhamento ideológico na medida que estes grupos, recentemente, buscavam inserir na escola, vídeos e cartilhas para crianças e adolescentes colocando seu posicionamento sobre o homossexualismo, o chamado “Kit gay”, e de outro lado combatem frontalmente a idéia de que se assegure para a criança aquilo que já consta da Lei, o direito ao ensino religioso na escola publica, e que cada criança tenha o ensino de religião de acordo com a sua fé e o credo de sua família, como propõe o acordo assinado entre o Brasil e a Santa Sé. Se assim a historia continuar, sem qualquer freio da sociedade, de Delegado de Policia e respeitável Deputado Federal, João Campos poderá sair do Congresso Nacional, num futuro próximo, dentro de um camburão e em sua ficha criminal vão constar os seguintes crimes: acreditar em Deus, na Sagrada Escritura, ter idéias diferentes daquelas impostas pelo Establishment...Ao que parece, um novo Gulag se aproxima o velho

George Orwell tinha razão em suas profecias.<

João, João , cuidado com o camburão!

Pedro Sérgio dos Santos

Advogado, professor da UFG e PUC/GO. Membro daComissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de Goiânia e do CNPCP- Ministério da Justiça.

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Quando os inconf identes mine i ros escolheram, dos versos de Virgílio, o lema “liberdade, ainda que tardia”, sabiam que outros povos já conquistavam seus direitos civis e políticos, e que eles mesmos, havia muito, suportavam a contragosto, mas quietos, o governo autoritário da metrópole colonial. E há milênios, depois da proclamação repúblicas, democracias e declarações de direitos, uma categoria humana ainda vem sendo objeto de preconceito, discriminação, criminalização, retaliação psicológica e social. Instituições políticas e civis, mesmo (e principalmente) rel igiosas, garant i ram durante milênios a p e r s e g u i ç ã o d e i n d i v í d u o s h u m a n o s homossexuais. Com o desenvolvimento do Humanismo, passando pelo I luminismo, e finalmente pelas revoluções conceituais e comportamentais do pós-Segunda Guerra, os povos e Estados tem percebido quão contraditório é defender direitos humanos se existe um grupo de pessoas que é privado de direitos básicos por um único caractere pessoal: a orientação afetivo-sexual. Porém não tem sido tão fácil conseguir esses direitos e liberdades civis tão básicos.

Ao falarmos de luta por direitos civis, lembramo-nos logo de Martin Luther King, fazendo discurso pela igualdade civil dos negros com os brancos nos EUA, nos lembramos também de Nelson Mandela que, a despeito de usar até ataques terroristas para conquistar tais direitos, foi saudado pelo mundo como herói da liberdade na África do Sul. E quando Nelson chegou ao poder? Os brancos partidários do Apartheid, que disseram? “Começará uma terrível ditadura negra. Haverá retaliação e seremos massacrados”. Mas não contavam eles que há gente que pensa e age diferente, não se limitando à mesquinhez dos antigos opressores, querendo, ao contrário, garantir a todos as liberdades civis e políticas.

Mas o que são esses direitos e liberdade civis? São eles uma categoria de direitos praticáveis em relações públicas e relações privadas, relações entre pessoas da mesma comunidade, relações obrigacionais contratuais e familiares, de sucessão patrimonial, de consumo etc. São, por exemplo, direitos como poder frequentar certos lugares sem o perigo de ser agredido, física ou verbalmente, bem como o direito de que seu patrimônio seja compartilhado, assim como sua vida o foi, com a pessoa amada.

Pedro, Pedro, não tenha medoWendel Rosa Borges

Uma sociedade racional, livre e sem preconceitos. É assim que a Constituição Federal da República vê o povo que a fez. Mas não é exatamente isso o que todos os juristas desejam para o País. Fala-se, atualmente, quase em tom jocoso, de uma “ditadura gay”. É um conceito tão mal construído e tão ridículo quanto se falar em ditadura judaica na Alemanha após o Nazismo: é ver a garantia da igualdade e da liberdade ser vista como um poder ilimitado e autoritário. Isso não é científico, não é sério, não é adulto, não é cristão. E a Igreja, ao menos oficialmente, tem sido bem mais moderada em suas declarações acerca da questão dos direitos dos homossexuais. Apesar de condenar doutrinariamente, algumas condutas como a coabitação e a adoção de filhos, ela não ataca a personalidade e a dignidade dos gays. Também, claro, eu conheço, cinco seminaristas, dos quais um não é gay. Não se exija nada da Igreja, porque ela mesma silenciosamente se prepara para se abrir de dentro para fora.

Mas a questão dos leigos conservadores e que se acham bons demais é que é preocupante. Eles levantam uma bandeira anacrônica, e pregam uma cartilha absurda, de discriminação e preconceito em nome de Cristo. Mistura de Cruzada e Inquisição. Eles se esquecem Daquele que amou, dentre todas as fiéis, uma prostituta, esta que, mesmo com a mácula moral e social, O amou mais do que os probos, orgulhosos hipócritas irmãos machistas, humilhando-se, lavando os pés do Mestre com lágrimas e enxugando-os com seus cabelos. Esquecem-se também dos incuráveis leprosos, discriminados pelos judeus como pecadores castigados por Deus por seus pecados ocultos, mas amados por Jesus, que podia ver o coração, e não as roupas sujas dos doentes.

E os gays, esses “doentes” de alma, esses incuráveis seres que não têm culpa de ter o instinto amoroso voltado a pessoas do mesmo sexo; esses que, não se sabe se geneticamente ou psicologicamente são o que são e gostam do que gostam. São malditos sim, e não bastando a Igreja dizer que eles vão certamente para o Inferno, não importa o quão bons sejam em outros aspectos de suas vidas, essas vidas também devem ser tornadas infernais, pelo desamor da família, o ódio da sociedade, vergonha e deboche geral, abandono pelo Estado e pelo Direito.

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Eis o verdadeiro perigo do Ocidente: não perceber que existe fundamentalismo religioso cristão, que interfere tanto no Estado e no Direito como o islâmico. Isso sim se aproxima de uma ditadura. Para ser sincero, acho que falta coragem aos alardeadores da “ditadura gay”. Coragem sim. Os gays são mais corajosos e saem do armário. Os fundamentalistas não saem do armário, não admitem que são fascistas e defendem abertamente a discriminação social, política e jurídica. Engraçado é também o medo ao diferente, ao amor diferente, ao fazer sexo d i fe rente. “ Sexo e casamento sem f ins reprodutivos não devem ser protegidos pelo Direito”. Ótimo: façamos inclusão de um inciso nos requisitos de aptidão para casar: aprovação em teste de fertilidade. E quem tiver menos de três filhos deve ser punido com multa ou prisão por desvio de função da sociedade familiar.

Ora, uma lei que puna a “homofobia” é tão necessária social, política, jurídica, lógica e eticamente quanto uma que puna o racismo. Acontece é que o racismo não é mais doutrina religiosa, como ainda “é” a discriminação de praticantes de relação homossexual (ainda chamada sodomia). E, em vez de se exigir a probidade religiosa de seus fiéis, as igrejas querem impor seus dogmas a todos os cidadãos de um Estado laico. “No Brasil, com a proclamação da República em 1989, separou-se a Igreja do Estado”. Bem, o Supremo Tribunal Federal volta e meia tem de dar uma decisão democrática e antiteocrática.

Enfim, permita-se o amor! Permita-se esse direito fundamental de busca da felicidade. Que se aprenda a viver nesse mundo diferente que surge. É um mundo mais feliz. Um mundo mais livre: “liberdade, ainda que tardia”. Eita, senhores, criem coragem! Coragem de compreender. De verdade, penso que os veados andam mais

corajosos do que os jaguares por aí.<

Miopia

Mãe, me deixe tirar esses óculos quero ver o mundo embaçado quero ver quem está ao meu lado não quero ver longe. "Não é possível, sem estes óculos colar o olho na fechadura ver através do furo." Mas mãe, não quero ver o futuro.

Vinícius Sado Rodrigues

- Senhor, quero um pão!- Pão?- Sim, um por favor!- Se quer, lhe darei pão. Entretanto, deve saber que tudo na vida tem o seu preço. E essa situação não é exceção a regra.- Sim, como já deve ter percebido não tenho dinheiro, ando todo farroupilha para cima e para baixo. Tento ganhar “algum” pedindo no sinal de trânsito, nem sempre consigo algo.- Tudo bem! Não me enrole! Se dinheiro não tem, há que pagar. De um jeito ou de outro.- Claro! Concordo! Iria chegar a este ponto. Aceita uma troca?- Troca? Que tem a oferecer?- Como sabe dinheiro não tenho. O que tenho de maior valor é o meu coração. Está novinho, pois tenho pouca idade. Mesmo se não tivesse, com certeza estaria conservado, porque, quase não uso. Até poderia lhe oferecer meu cérebro, mas este acho que não despertaria interesse. Esse sim uso muito.- Um coração novinho, hein? Até que não é mau negócio. Ainda palpita?- Às vezes. Não por mal funcionamento, mas sim porque é uma função que uso pouco.- Aceito o negócio!- Então posso escolher qual pão pegar?- Ainda não. Deixe-me ver o coração primeiro.- Tudo bem. Aqui está, pegue com cuidado, senão pode cair e machucar.- Se acontecesse, diferença não haveria de fazer, um coração tão pouco usado, mole não fica!- Quero apenas pegar o pão e ir embora.- Claro, trato é trato. Tome, este é o pão que mereces.- Senhor este pão está duro!- Sim, porém não muito diferente da moeda de troca que usaste para findar o negócio.- Não vou discutir, nem forças tenho para isso. Irei embora.- Garoto espere! Aonde moras?- Atrás do muro.- Qual dos muros?- O muro da desigualdade.- Este não conheço.- Pois deveria, fica bem próximo do seu estabelecimento.- Pouco importa, agora vá! Tenho muito trabalho a fazer. Agora tenho dois corações para cuidar.- Dois corações bem novos, não é senhor?- Por que a pergunta?- Não pergunto, e sim afirmo, pois percebo que não

era o único a não usar o coração.<

Moeda de TrocaRafael Teixeira Nascimento

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Nestes tempos em que a descrença para com o homem público levou-nos à apatia política generalizada, é obrigação moral de todos, independentemente do posicionamento político, orgulhar-se da garra daqueles que vão às ruas com palavras de ordem: “Marconi, bicheiro, devolve meu dinheiro!”, “Hei, Goiás, Marconi nunca mais”.

O “Fora Marconi!” é uma mobilização que envereda esforços, para além de sua óbvia reivindicação, para amadurecer em um verdadeiro movimento. Sou suspeito nesse meu posicionamento – de que a convulsão social não atingiu seu ápice. Mesmo havendo participado de uma ou outra reunião, bem no começo, sequer vislumbrava que ia dar no que deu: 10 mil reunidos em marcha no dia 21 de Abril. Na primeira, do dia 14, das quase 15000 pessoas confirmadas on-line, pouco mais de 3000 compareceram!

Não que 3000 seja pouca cousa, a ponto de certos jornais (não preciso dar nome aos bois) confundirem o número real com “pouco mais de 500”. Desde que ouvi o neologismo slacktivism (junção das palavras slack, frouxo, preguiçoso, e activism, do inglês), um ativismo acomodado, típico da era digital, onde os mobilizados se preocupam mais com “curtir” uma página de rede social do que agir, não pude deixar de associá-lo ao “Fora Marconi!” e tantos outros ditos movimentos que inauguram essa era de marchas (“da Maconha”, “Slut Walk”, “Ocupy Wall Street”). Os 10 mil do dia 21, em contrapartida, agora me impossibilitam a descrença no futuro dessa causa.

Ressalto: a mobilização merece o entusiasmo dos goianos, não importa a posição quanto a Marconi. Merece o encorajamento de todos o empenho desses que traçam o perfil do jovem brasileiro, cidadão ativo que toma em suas mãos o destino da Nação. Quem discorda do pleito, que se manifeste também, ao invés de exigir que calem a boca, generalizando-os como arruaceiros, fazendo sensacionalismo em cima de um ou outro imbecil que pintou o TRE (com guache, inda por cima, crianças!) ou fez de aquarela o rosto e farda de um PM.

Quem não se orgulha de uma geração que sabe fazer valer a sua liberdade de expressão, conquistada com suor, lágrimas e sangue por seus pais e avós, não tem muito crédito em seus argumentos. O movimento estudantil não está morto, como não cansam de dizer esses mesmos pessimistas mal intencionados.

“Pessimistas”, “mal intencionados”... são, na verdade, pobres coitados que teem acesso a, no máximo, um jornal impresso e um televisivo, quase sempre ligados à mesma fonte. Se eu e meus amigos mais esclarecidos ficamos a ranger dentes ante uma patricinha pintando o milico, ou frente a meia dúzia de “punkekas” lançando paus aos ônibus, solidarizo à indignação do homo medius goiano.

Na última manifestação, desse Sábado, dia 5, quando uns poucos garotos e moças burlaram as catracas do eixão e da Praça A – sem pôr em risco o espírito de pacificidade, ressalva-se – cheguei a esboçar um sorriso de admiração: “nada como o tête à tête com o trabalhador indo bater ponto”. Logo notei quão equivocado estava eu e eles em nossa inocência. Deve-se prever o sensacionalismo e a opinião disforme do homem comum; chocar é desnecessário, e não raro traduz-se em menosprezar os valores daqueles a quem se pretende convencer: a Dona Maria, o Seu João, além de prato cheio para a imprensa marrom.

Por falar em imprensa, analisem o simbolismo desta cena: a TV Anhanguera abrindo o caminho, em meio ao trânsito pesado, para a passeata, nesse último Sábado. “A opinião pública está com o 'Fora Marconi!'”, seria a conclusão de qualquer um ao bater os olhos numa capa dessas. Não que o respaldo da mídia reflita a representatividade. Quem busca apoio popular, todavia, não pode se dar ao luxo de refutar suporte de tal aparato. Críticas cabem e sempre caberão aos meios de comunicação, tantas vezes omissos por subserviência aos poderosos. Mas qual a crítica contida nos palavrões e dedos médios erguidos de meia dúzia de punkekas, para a câmera da TV? Enquanto alguns amigos fotografavam, sem descanso, aquela imagem simbólica, tinha esses anencéfalos.

Foi, também, de ranger os dentes aquela gordinha dos infernos – a que pintou PM – com microfone em mãos, recebendo aplausos. Não estamos mais nos anos de chumbo; atitudes de tal natureza justificar-se-iam na legítima defesa, frente aos abusos do poder: Parque Oeste Industrial, Pinheirinho, em tantos Estados em que a resposta a protestos pacíficos é cães, gás lacrimogêneo, cassetetes e balas de borracha. Quem, em sã consciência, humilha um funcionário (afinal, o povo é patrão de cada policial) em devido exercício de sua função. Não que a PM mereça

Fora Marconi - uma análise imparcialHélio Lucas

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prêmio por agir conforme a lei, é sua obrigação; não obstante, provocar é dar pretexto a pancadaria, é queimar a imagem do movimento. Se vocês da marcha não querem passar por baderneiros, ponham essa filhinha de papai em seu devido lugar, com vaias.

Ainda sobre fardados, lembremo-nos deles sem farda, no meio da multidão. De meia em meia hora, alguém, no carro de som: “pessoal, alerta! Há policiais à paisana, infiltrados na manifestação”. Friso o “infiltrados”. Basta uma breve passada de infiltrado olhos para reconhecê-los: cara fechada, óculos escuros, vestidos como se, depois da passeata, fossem pra Royal – se estão “disfarçados”, a inteligência da PM precisa de repensar sua atuação. E por que “infiltrados”? São goianos como nós outros, tem todo o direito de protestar...

(Risos). Permita-me esse tico de ironia, leitor. Lá na marcha, brinquei algumas vezes, bem perto dos ditos infiltrados: “eu gostaria de agradecer o apoio dos trabalhadores da segurança pública aqui presentes. Já combatem o crime nas ruas, agora protestam contra ele se apoderando do governo”. Uma minoria de idiotas (manifestantes comuns, não policiais) não captava a ironia – fazem jus ao estereótipo negativo de jovem alienado, protestando por pura empolgação (se não captam uma ironia, são alienados). São os mesmos que, quando eu via formando a roda para baseado, ia alertar: “velho, faz isso pra lá da marcha! Se tiram foto, é queimação” – nem davam ouvidos, confundindo um mero ato recreativo com um grito por liberdade.

Enquanto uns ficam paranoicos por haver esses “infiltrados”, à paisana, batendo fotos, preocupa-me a irresponsabilidade de uns e outros. Podem me fotografar à vontade, não estou fazendo nada que colabore ao sensacionalismo. Aos irresponsáveis, meu conselho: pensem em atrair a gente do povo com a qual a passeata cruza, não apenas os seus companheiros de pastela e chorinho.

Me tira o sono esse misto de inocência e hormônios à flor da pele, pois há um híbrido de lobo e pastor que, em cima de trios elétricos ou debaixo de bandeiras tremulantes, enxerga uma multidão como potencial rebanho. Comemorei a atitude de

um minúsculo carro de som, custeado a doações individuais, diante do Golias de um partido. O boca à boca perdurou, megafone contra altofalantes, por um minuto, sem pôr em risco a coesão mínima necessária – afinal, se o fim é o mesmo, a derrocada de um governo corrupto, partidos serão bem vindos meio aos independentes, desde que não visem cooptar seguidores (que não é o caso)...

E de lembrar que o embate começou quando, sobre o verdadeiro trio elétrico, o sujeito citou sua sigla... havia aqueles que tinham a cara de pau: “esse movimento, apartidário (...)”, pondo-se no mesmo barco – é como ensinou Hegel, o aparentemente neutro é mais convincente, tem mais moral. Vi um desses no último sábado, desviando, descaradamente, o trajeto da marcha. Quando eu mais uns amigos fomos o impedir, tirando as devidas satisfações, ele alegava rumarmos para uma reunião... de quem, com que segundas intenções? Cobras criadas.

É melhor eu pular dessa pauta, senão saio do sério, e são mais úteis os conselhos que tenho para a mobilização, se se pretende a evolução para movimento. Sábado, 14 de Abril, Sábado, 21, Sábado, 5 de Maio... pra que tanto Sábado?! Numa Quarta-Feira, por exemplo, quão maior o burburim nas avenidas do centro, seria ao mesmo tempo de uma sessão na assembleia legislativa. Além de abrir os olhos do povo, o outro princípio de um movimento de tal natureza é pressionar o poder público. Adentrem as salas da Assembleia, exijam impeachment, intervenção federal.

Por fim, faço uma ressalva quanto a este artigo que encerro. Pretende-se uma análise – fortemente opinativa, não nego – a essa convulsão social autointitulada “Fora Marconi!”, não uma opinião quanto a ele ou sua gestão. Não ofereço argumentos contra, nem a favor, muito pelo contrário, como ensinou Marx, Groucho Marx. Breve estudo de caso, que não há de encerrar-se aqui, e não voz de persuasão, tampouco militância. Se você apoia, saia do conforto de sua poltrona e vá pra rua também. Se é contra, em vez de falar mal,

faça o mesmo em apoio a seu governador.<

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André Dahmer

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Nós fantasiamos e exageramos. E gostamos disso. É o que nos liga aos nossos antepassados e nós gostamos de tradição. Fotografias sobressaltadas de momentos sobressaltados entre protestantes e policiais percorrem as redes sociais (sempre elas!) e carregam em sua supressão de ação uma verdade. Longe de mim em classificar um como opressor e o outro como oprimido. Uma foto expressa um segundo de um contexto inteiro e quanto mais forte, mais tendenciosa se torna sua interpretação.

A verdade a que me refiro tem muito mais a ver com algo que meu avô dizia, ao assistir um filme comigo: "Tudo mentira! Pra que mostrar mentira na televisão?". A televisão, para vovô, era um lugar dedicado à realidade. Que deveria ficar distante da ficção, do sensacionalismo, da fantasia. Para ele, a chamada do Jornal Nacional representava essa pureza da transmissão televisiva. A partir do "Vai começar o Jornal Nacional" só se mostrava e falava do fato e do que de fato acontecia.Hoje se tem uma opinião crítica a respeito do que vovô pensava. Porque o que é velho é desinformado. E se está na era da informação, que é uma era jovem. E, de repente, acontece o contrário. Enquanto para vovô existia uma linha tênue do que era informação e do que não era, hoje tudo que pode ser acessado com um clique é entendido como tal e, pulando qualquer perspectiva crítica (que agora falta, mas sobra para julgar vovô) se entende já como verdade.

A verdade é que fazemos o mesmo, só que ainda pior do que a geração de vovô. Perdemos os filtros, que senão críticos, ou, melhor dizendo, inocentes, pelo menos existiam. A linha entre o que era ficção ou não para vovô era bem clara. Já agora essa divisão não importa mais. Manifestações dão lugar a exibicionismo para as mesmas redes sociais, em que se sorri e se posa em um momento extremamente ficcional que com uma legenda se transforma em realidade. "Eu e a galera no protesto! Fora Marconi!". Não deixando escapar um pequeno detalhe de dimensões carnavalescas: Ao fundo se tem um trio elétrico. Talvez ele esteja lá para deixar o momento mais leve, mais propício ao que deve ser um sábado de manhã com muita gente reunida. O que me leva a pensar que ouve uma falta de visão por parte dos organizadores. O segundo protesto deveria acontecer no domingo de manhã, como uma extensão da Festa da Fantasia. Tanta gente reunida, música tocando e, citando Mr. Catra (por que não?), a

putaria rolando.<

Ressaca da FantasiaRicardo Diniz

“Nas favelas, no senado, sujeira pra todo lado.

Ninguém respeita a Constituição, mas todos acreditam

no futuro da nação! Que país é este? Que país é este?”. É,

Renato Russo escreveu estas linhas há mais de 30 anos,

mas elas continuam tão atuais que chega a ser clichê

cantá-las todas as vezes que nos deparamos com mais

um escândalo político. Mas a questão é, até quando

cantaremos esta música? A letra é linda, bem pensada,

uma verdadeira obra-prima. Mas cantá-la, ao menos

para mim, é motivo de vergonha. Até quando haverá

sujeira nas favelas, no senado e em todo lado? Eu não sei

a resposta, mas acho que conheço alguns motivos para

esta sujeira não acabar.

O primeiro e fundamental motivo para a sujeira

aumentar de tamanho todos os anos é a ignorância de

grande parte da população. Não a ignorância no sentido

muito usado aqui em Goiás, de pessoas que têm a

cabeça fechada, que não aceitam novas idéias. A

ignorância a qual me refiro é aquela falta de

conhecimento mesmo, falta de educação básica. O

que vemos hoje em dia é que esses nossos

representantes (funcionários) são tratados como

estrelas por boa parte dessa população ignorante, que

pede autógrafos e tira fotos, mas esquece de perguntar

o porquê daquele posto de saúde ser tão ruim, ou da

escola publica não ser de tempo integral.

O segundo motivo (tão importante quanto o

primeiro) é a omissão da parcela da população que

não é ignorante! E agora, vou dar um relato pessoal:

Quando eu ingressei na faculdade de direito da UFG, eu

imaginava que agora sim eu estava em lugar cheio de

pessoas que sabiam ao menos o mínimo para se

revoltar quando necessário. Eu imaginei que mesmo os

que não se interessavam por política, ao menos se

interessariam em combater a corrupção. Ledo engano!

Apesar de grande parte do corpo discente da FD não

ser ignorante, a maioria absoluta é extremamente

omissa! E como li em um cartaz que uma pessoa

segurava em uma manifestação no dia 21 de abril: “O

seu silêncio e sua omissão alimentam a corrupção”.

Para o primeiro motivo de tanta sujeira, a

solução, apesar de não parecer, é fácil! Basta

elegermos a cada eleição, políticos compromissados

em investir e revolucionar a educação de nosso país,

para termos um verdadeiro salto na qualidade de

nossas escolas. Já a solução para o segundo grande

motivo de toda a sujeira só aumentar, pego

emprestado outras linhas de Renato Russo: “Quem me

dera ao menos uma vez, explicar o que ninguém

consegue entender...”<

O que ninguém consegue

entenderHumberto Pereira

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Quilombolas: de esquecidos a sujeitos de direitosRangel Donizete Franco

De qualquer forma, o argumento do DEM, no tocante à desapropriação, não leva em conta a particularidade das ocupações quilombolas que, de fato, dispensam a desapropriação, vez que, por força constitucional, se reconhece a ocupação como meio de aquis ição da propriedade, no caso quilombola (art. 68 do ADCT). Também não reconhece a invalidade ou ineficácia de títulos de propriedade ilícitos (v.g. gri lagem), omitindo a história violenta da constituição da propriedade privada da terra no Brasil, que também dispensam o uso da desapropriação. Muito menos o argumento se atenta que a desapropriação é possível, sim, ainda que residualmente (depois de reconhecidas as ocupações quilombolas ou a invalidade ou ineficácia dos títulos de terra que padeçam desses vícios), no caso de os quilombolas não ocuparem efetivamente determinado território que lhes é necessário para a reprodução física, econômica, social e cultural e, sobre esse território, haver título válido e eficaz.

A solução não é difícil, desde a perspectiva da dogmática jurídica. Basta fazer interpretação conforme à constituição do artigo 13 da Decreto n.º 4.887/03, para julgar improcedente a ação, mantendo uma base normativa mínima para o enfrentamento do problema da falta de regularização dos territórios quilombolas.

Resta saber se o STF está disposto a tanto. Espera-se que sim, vez que compete a ele a guarda da Constituição, inclusive do texto que assegura a condição de sujeito de direito proprietário das terras que ocupam àqueles historicamente descendem de escravos, os quais jamais foram vistos como sujeitos, mas autênticos objetos de direito de propriedade.

Formalmente, os quilombolas atualmente são sujeitos de direitos. Em matéria de apropriação territorial, por exemplo, o art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias lhes assegura o direito de propriedade sobre os territórios que ocupam, devendo o Estado emitir-lhe os títulos respectivos.

Porém, no real, poucas foram as titulações efetivadas até o presente momento. Os dados são estarrecedores e evidenciam uma aporia intolerável para um Estado que se afirma “democrático de direito”. Segundo dados da Coordenação-Geral de Territórios Quilombolas do INCRA “[...] na atualidade existem 120 títulos emitidos, regularizando 987.935,9873 hectares em benefício de 108 territórios, 189 comunidades e 11.918 famílias quilombolas [...]” (INCRA, 2011). Já segundo a Fundação Cultural Palmares existem mais de três mil e quinhentas comunidades quilombolas identificadas no território nacional, sendo que 1.820 foram certificadas (FCP, 2012).

Para agravar a situação, há risco concreto de ser declarada a inconstitucionalidade do Decreto Executivo Federal n.º 4.887, de 20 de novembro de 2003, que trata do procedimento para regularização dos territórios quilombolas. É que tramita no Supremo T r i b u n a l F e d e r a l a A ç ã o D i r e i t a d e Inconstitucionalidade n.º 3.239/DF, proposta pelo antigo PFL (atual Democratas), contra o citado decreto, alegando, entre outros argumentos, a inconstitucionalidade da previsão, no artigo 13, da possibilidade do uso da desapropriação para regularizar os territórios quilombolas. O ministro relator já emitiu voto pela procedência da ação no mês de abril de 2012. O julgamento encontra-se suspenso por pedido de vista.

Mestre em Direito Agrário pela Universidade Federal de Goiás. Professor Universitário. E-mail: [email protected]

Igor Zeredo Cerqueira

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O livro

A obra "Teoría Crítica Constitucional", do

professor colombiano Ricardo Sanín Restrepo - que já

proferiu conferência na Faculdade de Direito da UFG,

no ano de 2010 - é uma monografia integrante da

linha de pesquisa em direitos humanos e justiça do

grupo de pesquisa em "Justiça Social, Teoria Jurídica

Geral e Teoria Política" da Faculdade de Ciências

Jurídicas da Pontifícia Universidade Javeriana,

sediada em Bogotá, na Colômbia.

A preocupação central do livro, de acordo

com o autor, é a aniquilação sistemática da

democracia por parte do constitucionalismo liberal

contemporâneo. A partir dessa crítica, o autor intenta

oferecer uma proposta que desarticule os

pressupostos básicos do constitucionalismo liberal,

de uma maneira que este no não os possa cooptar e

reintroduzir em sua gramática. Se trata de recuperar a

imaginação política e arrebata-las das garras de

uma tradição que defende a si mesma projetando a

crença de que não há nada novo a dizer, que as

coisas não podem ser de outra maneira. Para tanto, o

autor não reclama um lugar neutro de enunciação.

Ele confessa sua posição política, faz visível seu

propósito. Combate a ilusão de impossibilidade, de

que a realidade é inexorável e não pode haver outra

fora do texto jurídico programado por um pontífice.

Com isso, ele vê na hermenêutica um instrumento

para mostrar os vazios e contradições do sistema.

O livro é composto de três partes.

A primeira parte, dividida em oito capítulos e

intitulada “La democracia en tu cara”. Essa primeira

parte tem a intenção de emancipar o sujeito político

do lugar subordinado e definido por significantes

vazios que instala o liberalismo em universais que

projetam o mundo normativo a partir do ocultamento

do seu lugar mítico e claramente ideológico. Busca

demonstrar como o esquema transcendental

kantiano, refletido na Grundnorm kelseniana, é uma

negação irreparável da democracia pois reclui o

sujeito político (poder constituinte) democrático

(povo) em um círculo vicioso controlado pela

suposição de um oráculo que contém a linguagem,

mas que não é linguagem em si, que neutraliza e

renega a política como criação democrática

através de uma megatexto jurídico que sequestra e

paralisa o demos da democracia, o normatiza e o

devolve como uma cópia de carbono do normativo.

O objeto (norma fundamental) não é criado

pelo sujeito (povo), senão que a norma define o

sujeito, o poder do constituinte se dilui atrás do

um ente objetivo chamado norma fundamental. Esta

norma fundamental repele a ideia de democracia

como pré-condição de sua existência. Esta

aberração, o autor pretende analisá-la dentro de suas

próprias proposições, as levando até suas últimas

consequências, onde as mesmas se derrubam ante

suas contradições imanentes e deixam um esqueleto

vazio e, ao enfrenta-la com o fundamento radical,

constitutivo, e incluído na literalidade liberal da

democracia, a teoria de Kelsen se verá forçada a

descolar seus sentidos até detectar-se inteiramente

como a teoria da "Grundnorm" nada tem que ver

com democracia. Trata-se de um desafio franco e

aberto aos liberais a tomarem a democracia a sério,

a perguntarem-se do que estão falando quando

invocam a democracia como condutor central de

sua ideologia, a por as cartas na mesa, a

submeterem-se aos seus mesmos extremos

filosóficos. O que move ao texto inteiro é a convicção

de que, ao separar-se a democracia de projetos

centrais do liberalismo, como a explicação

kelseniana, desaparece de um sopro sua suposição e

o espaço político-jurídico se reabre para os sujeito

político.

Na segunda parte, o autor analisa o

julgamento do caso "Marbury versus Madison",

buscando demonstrar como a decisão da Corte

Suprema dos Estados Unidos representa o momento

chave de uma agenda liberal que se moveu

sistematicamente para a cooptação estatal da

democracia e da separação cada vez mais brutal

entre constituição e povo, a partir da redução da

constituição política a uma mera norma formal e a

apropriação de um poder constituído (juiz

constitucional) do lugar do poder constituinte e que

por isso implica a arrogação do lugar de enunciação

da linguagem política. A tese forte é a de que

"Marbury v. Madison" é lugar inevitável para entender

como se destrói a democracia e o poder constituinte,

mas também oferece um horizonte de compreensão

de como a profissão de advogado foi protagonista

de uma marcha frenética rumo a uma sofisticação e

complicação tal dos conteúdos constitucionais, que

eles são um material completamente desligado da

experiência democrática, ou seja, a posição do

advogado como um pontífice (dono das chaves do

texto) que bloqueia a linguagem da constituição e

que nos força a buscar novas formas de

aproximarmos a ela.

A última parte, por sua vez, faz um percurso

maior, que dá coesão às duas primeiras partes. Parte

de uma indagação pela função ideológica do direito

na tradição ocidental. Nela se despoja o direito de

seus conteúdos liberais e sua pretensão básica e

fundamental de sistematicidade, completude e

coerência da ordem jurídica, senão antes, se

atravessam esses conteúdos para demonstrar que o

direito é o lugar do “Absoluto” “nome do pai” onde

nasce a ordem do simbólico. Ordem que cria cada

Teoría Crítica Constitucional, de Ricardo Sanín Restrepo

Vitor Sousa Freitas

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“Meu Deus do céu! Mas que

vergonha!

A passagem tá mais cara que

a maconha!”

Costa e Silva revoltadíssimo com o

aumento da passagem.

_______________________

“Lends picantis in annus

autrem Qsucos est”

Citando o sábio cantor e professor

de latim Falcão.

________________________

“Que cor?” “Que cor?”

“Que cor?”

“Que cor?”

Tirada

excelente do Rafinha

Bastos

(Pela segurança nacional,

procurem no Youtube!).

Rapidinhas

do

Costa e Silva

§ ... que, além de serem personalidades importantes do Direito

brasileiro e serem figuras inanimadas de metal, a única coisa em

comum entre os bustos do andar térreo da FD é o bigode?

§ ... que Alba decent fuscas, em latim, quer dizer “ o branco cai

bem nas morenas” e é uma frase da obra Ars Amatoria (A Arte de

Amar), de Ovídio, e não mais um dito célebre de Clodovil

Hernández?

§ ... que a máxima Draco Dormiens Nunquam Titillandus, ótimo

conselho em latim, significa “nunca faça cócegas em um

dragão adormecido” e é o lema da escola de magia e bruxaria

de Hogwarts?

Você sabia...

fantasia que vivemos como realidade, desde a fantasia

de uma sociedade transparente até a do sujeito

autônomo e universal dos direitos humanos. Se mostrará

então a capacidade absoluta do direito de nomear, de

incluir e excluir onde toda formação do ser e a

capacidade de representação do sujeito está definido

pelo direito. Não há sujeito fora do direito, não há política

fora do direito, não há linguagem fora do direito. Ante essa

aparição totalitária do jurídico, se propõe como antídoto

específico a crítica ao discurso liberal dos direitos

humanos de Costas Douzinas, alí a compreensão deste

ser jurídico absoluto permitirá ver outras formas políticas, a

democracia recobrará seu tom original popular e o sujeito

escapará da prisão do dado.

Diante disso, o autor busca: 1) restituir o sujeito

como centro necessário, mas escorregadio, da política; 2)

deslindar o nó ideológico que sustenta a estrutura jurídica

do liberalismo, como única verdade possível e

incontestável, e assim mostrar suas falácias imanentes, e;

3) assinalar um possível caminho para a emancipação do

poder constituinte do lugar subordinado e renegado a

que tem sido submetido pelo formalismo jurídico como

arma primordial dos poderes constituídos.

Estilisticamente, a composição do livro é literária,

de forma a fugir da restrição do texto canônico jurídico e

de sua lógica de convalidação e perpetuação. Segundo

o próprio autor, não se trata de uma compilação, um

tratado ou um comentário que estenda a tradição e cuja

força de repetição infinitesimal fixe alguns conteúdos

inamovíveis. Não se trata de um trabalho

analítico que parta de axiomas definidos e

inquestionáveis, e que procure um selamento

sistemático de seus dogmas, senão, antes de tudo,

desfaz esses axiomas, os desmistifica e os decompõe

até rebaixá-los a sua entidade política particular; os

reduz até que apareça sua verdadeira “presença” a qual

permite a todo sujeito político intervi-la. Se trata de

desmascarar uma ideologia precária, armada com

materiais perecíveis e sumamente frágeis.

O autor

Ricardo Sanín Restrepo é professor da Faculdade

de Ciências Jurídicas da Pontifícia Universidade

Javeriana. Doutor em Direito pela School of Law do

Birkbeck College da Universidade de Londres. Professor

de Teoria do Direito e História das Ideias Políticas,

Interpretação Jurídica, Direito Constitucional,

Epistemologia Jurídica e Inglês Legal (american

constitucional law). Autor do livro “Libertad y Justicia

Constitucional” (2004), publicado pela Academia

Colombiana de Jurisprudência. Coordenador

Acadêmico do livro “Justicia Constitucional. El rol de la

Corte Constitucional en el Estado contemporáneo”

(2006). Conferencista convidado da Universidade de

Londres, Universidade da Califórnia em Berkeley e da

Universidade de Buenos Aires (UBA) e membro da Critical

Legal Conference.<