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CONFIGURAÇÕES DO FRACASSO ESCOLAR NA ESCOLA PÚBLICA: UM ESTUDO A PARTIR DO DISCURSO DO PROFESSOR DA EDUCAÇÃO BÁSICA
Resumo O presente trabalho trata do levantamento e discussão das principais características do fracasso escolar de acordo com professores da Educação Básica da rede pública de ensino do Paraná, para conhecer como este fenômeno vem se configurando na atualidade. Realizou‐se a pesquisa a partir da aplicação de questionários e entrevistas abertas com professores da rede. Os profissionais que responderam as questões foram majoritários ao afirmar que houve um aumento no número de alunos que vivenciam o fracasso escolar na rede estadual e que há uma necessidade de mudança no sistema educacional para diminuir ou acabar com esta queda vertiginosa no desempenho acadêmico, ou, mais especificamente, na apropriação dos saberes escolares dos estudantes da Educação Básica. Para fins de esclarecimento metodológico nos apropriamos do conceito de fracasso escolar a partir da dificuldade estudantil de internalizar os conteúdos trabalhados em sala, revelados por meio de avaliações formais. Palavras‐chave: racasso escolar, meritocracia, democratização do ensino, escola pública
Tatiana Pires Escobar
Universidade Federal de Santa Catarina [email protected]
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INTRODUÇÃO
Ao longo da História a humanidade transforma, cria e recria conceitos, significações e
estruturas políticas, econômicas, sociais e culturais, adaptando‐se às novas realidades
materiais por ela mesma engendradas. Assim o foi na Antiguidade, na época Medieval, na
Modernidade e na Contemporaneidade. Estruturas, valores, crenças e racionalidades
foram destruídas, recriadas, divinizadas junto a formas inéditas e variadas de produzir,
pensar e agir.
A Era do capitalismo global, traz consigo uma infinidade de processos, fenômenos nunca
imaginados pelo homem, a não ser no terreno da ficção científica. Com a emergência e
consolidação da denominada Terceira Revolução Industrial, que a tudo e a todos atinge,
com igual intensidade. A evolução tecnológica não encontra precedentes na História, seja
pela sua dinâmica, seja pela amplitude de seu alcance e seus múltiplos usos. A evolução
nas comunicações e nos transportes, tornando‐os mais ágeis, eficientes e oferecedores
de inúmeras possibilidades, acarreta uma intercomunicação em escala global – via
Internet, por exemplo – e uma compressão dos espaços territoriais e do tempo
radicalmente nova, em função principalmente da velocidade. A circulação de capitais,
informações, pessoas, culturas e tecnologias tornam‐se uma constante no processo de
globalização. Junto com estes avanços encontra‐se uma série de problemas sociais
tornados, agora, globais. Pode‐se citar como exemplo claro desta política o aumento da
desigualdade social. Sobre isso IANNI (2008, p.145) nos diz que:
Acontece que a globalização em curso produz e reproduz desigualdades e antagonismos, nos quais polarizam‐se grupos, classes, etnias, minorias e outros setores das sociedades nacionais e da sociedade global. Na forma pela qual está se realizando, a globalização do mundo ao mesmo tempo que integra e articula, desagrega e tensiona, reproduzindo e acentuando desigualdades em todos os quadrantes.
O processo de globalização trouxe falsa esperança de desenvolvimento, emprego, renda,
ascensão social. Sobressaiu‐se com um discurso ilusório de que o acesso aos bens
dependeria apenas do esforço pessoal (princípio meritocrático), porém estas esperanças
aos poucos foram sendo diluídas com o aumento das disparidades sociais. A falta de
trabalho para absorver toda mão de obra, a não expansão econômica e a falta de renda
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fizeram com que a classe média se aproximasse dos setores mais pobres e estes “viram
sua própria pobreza se converter em dado natural, incontornável. As sociedades
declinaram em termos sociais, urbanos, cívicos e políticos” (NOGUEIRA, 2004, p.48).
Contudo a presença do discurso meritocrático continuou permeando nossas crenças e
valores, se fazendo presente em nossa legislação e fortalecida no interior de nossas
escolas.
A concepção meritocrática ganha novo fôlego com a entrada1 de determinadas
categorias sociais no jogo escolar, categorias estas que até então se consideravam ou
estavam praticamente excluídas da escola. Intensificou‐se a concorrência e aumentou o
crescimento dos investimentos educativos entre aqueles que já usavam o sistema
educacional para a manutenção de seus status ou para a elevação dos mesmos.
(BORDIEU, 1980a).
BORDIEU (1980) aponta que inicialmente a entrada maciça das classes populares no
sistema de ensino foi percebido como uma oportunidade de mudança da condição social
e econômica. Contudo, progressivamente, os novos beneficiários compreenderam que
elevar seus anos de escolaridade não garantiria acesso às posições sociais que antes da
“democratização do ensino” poderia ser alcançada com a conquista dos títulos
escolares.
A compreensão desta nova configuração social e escolar leva ao questionamento sobre
os fatores sociais do êxito e do fracasso escolar:
com efeito, apesar de retornar, muitas vezes, aos princípios de visão e divisão mais profundamente escondidos, a vulgata pedagógica e todo seu arsenal de vagas noções sociologizantes ‐ “handicap social”, “obstáculos culturais” ou “insuficiências pedagógicas”‐ difundiu a ideia de que o fracasso escolar não é mais ou, não unicamente, imputável às deficiências pessoais , ou seja, naturais, dos excluídos. A lógica da responsabilidade coletiva tende, assim pouco a pouco, a suplantar, nas mentes, a lógica da responsabilidade individual que leva a “repreender a vítima”, as causas de aparência natural, como o dom ou o gosto, cedem o lugar a fatores sociais mal definidos, como a insuficiência dos meios utilizados pela Escola, ou a incapacidade e a incompetência dos
1 Entrada esta que, no caso brasileiro, ocorreu devido a obrigatoriedade do Ensino Fundamental e a
necessidade do mercado de mão de obra qualificada.
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professores ou mesmo, mais confusamente ainda, a lógica de um sistema globalmente deficiente que é preciso reformar. (Bourdieu 1980 a, p.220)
Na colocação acima percebe‐se mudanças sobre as reflexões em torno do fracasso
escolar, contudo os dados do Índice do Desenvolvimento da Educação Básica e outros
mecanismos nacionais de avaliação de desempenho acadêmico apontam que ainda são
os indivíduos provindos de estratos sociais inferiores, matriculados na rede pública
(municipal/estadual) os que mais vivenciam o fracasso escolar e nossas políticas
educacionais e cultura escolar indicam que ainda foca‐se no sujeito a responsabilidade de
seu sucesso ou fracasso social/escolar.
A partir das reflexões acima, nos propomos a conhecer as configurações do fracasso
escolar na atualidade, dentro da realidade da rede estadual de ensino do Paraná, para
desta forma conseguirmos analisar as problemáticas que o envolvem e (re) pensar este
fenômeno diante dos princípios políticos e filosóficos que regem nosso sistema
educacional2 Para alcançar o objetivo exposto acima adotamos alguns procedimentos
metodológico, explicitados a seguir.
METODOLOGIA
Na organização desse tópico sobre a metodologia de pesquisa, estabelecemos um
diálogo inspirador com o livro: “Itinerário de pesquisa – perspectivas qualitativas em
Sociologia da Educação” de Nadir Zago. A leitura contribuiu muito na busca de um
caminho que pudesse estabelecer um norte para a pesquisa na área da educação. Ver os
fios que devem tecer os objetos, fatos e tempos nessa arquitetura de pesquisa. A
metodologia é sempre um espaço de possibilidades, “representa um procedimento
necessário para permitir que outros possam acompanhar e entender como e em que base o
pesquisador chegou – ou pretende chegar – às suas conclusões” (ZAGO, 2003, p.9). Não há
caminhos certeiros, mas sem eles, é impossível estabelecer um projeto de pesquisa, um
2 Neste contexto trabalhamos mais especificamente com princípio como justiça escolar, democratização
do ensino, meritocracia e equidade social
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lugar onde se idealize chegar. Essa construção teórica que é a arquitetura de pesquisa,
não pode se reduzir a um amontoado de ideias recheadas de citações.
Trata‐se, sim, de um procedimento e esforço intelectual no sentido de arquitetar, de montar o objeto de estudo, recortando‐o, constituindo‐o, construindo‐o, deslindando suas dimensões, trazendo à luz e à reflexão os aspectos e processos que lhe dão conteúdo, forma e movimento (ZAGO, 2003, p. 83).
Desta forma iniciamos a exposição da proposta metodológica afirmando que trata‐se de
uma pesquisa de cunho qualitativo, mas com dados quantitativos que orientam nossas
leituras e análises.
Optamos por realizar a pesquisa a partir de dois pontos. Primeiramente realizamos
entrevistas abertas sobre o fracasso escolar com 15 professores que atuam na Escola
Estadual X que atende anos finais do Ensino Fundamental, EJA e Ensino Médio Noturno,
após estas entrevistas construímos categorias de análise para a elaboração do segundo
momento de nossas coletas de dados: um questionário online referente às características
atuais do fracasso escolar. Este questionário fora respondido por 62 professores que
atuam na Educação Básica do Estado do Paraná e a partir das respostas dos docentes
levantamos algumas discussões no que se refere as características do fracasso escolar na
atualidade, no intuito de refletirmos sua relação com os conceitos de justiça escolar e
princípio meritocrático que permeiam nosso sistema educacional
Ressaltamos que este trabalho parte do princípio de que o conceito de fracasso escolar
abrange um alto número de possibilidades, estando interligado com questões como
evasão escolar, baixo desempenho acadêmico, indisciplina, dispedagogia entre outros.
No entanto para fins de esclarecimento metodológico trabalhamos este conceito a partir
da dificuldade de apropriação dos conteúdos trabalhados em sala, revelados por meio de
avaliações formais e maquiado por estratégias diversas que fazem o aluno aumentar sua
nota sem realmente ter se apropriado do conhecimento escolar (informação esta colhida
com a análise e discurso do/sobre processo avaliativo dos docentes entrevistados). Os
professores que responderam o questionário foram informados sobre a perspectiva que
esta pesquisa trabalha.
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Por fim os dados coletados foram analisados sobre perspectiva relacional e dialógica,
com o intuito de compreender sua atual configuração no Estado do Paraná, diante dos
princípios políticos e filosóficos que regem a educação brasileira.
TEORIAS DO FRACASSO ESCOLAR: A PRESENÇA HISTÓRICA DA CONCEPÇÃO
MERITOCRÁTICA E INATISTA
Na discussão histórica sobre as diferenças sociais, Sócrates afirmava que os cidadãos da
República deveriam ser educados e depois classificados, de acordo com seus méritos, em
três classes: governantes, auxiliares e artesãos. Na busca por justificar seu
posicionamento, forjou o mito de que Deus criou homens de ouro, outros de prata e
ainda os de latão e ferro, separando‐os na sociedade de acordo com seus valores
mercadológicos. O filósofo duvidava de que alguém pudesse crer em sua fábula, mas seu
discípulo Glauco afirmou que se não acreditassem por ora, mais tarde as futuras gerações
viriam a crer (A Falsa Medida do Homem – Stephen Jay Gould).
Ao aprofundarmos na literatura sobre as teorias de base que buscaram explicar por que
alguns alcançam estratos sociais superiores e outros são rebaixados ou não conseguem
superar sua própria condição social, percebemos que estas variam de acordo com o
momento na História e características da sociedade. Em determinado momento histórico
os metais apontados por Sócrates para explicar as desigualdades sociais/escolares dão
espaço para explicações que envolvem o genes, diferenciações culturais, superioridades
étnicas entre outros.
Durante a Idade Moderna, por exemplo, a ascensão da ciência, do pensamento racional e
da centralização/valorização humana (antropocentrismo) já não permitiam a crença de
explicações divinizadas, contudo a presença do inatismo ainda era muito presente.
Mesmo não sendo feito de metais diferenciados, os homens carregavam em si diferenças
substanciais que explicavam a dissonância intelectual entre eles. Duas fontes principais
baseavam a explicação científica para essa tese: a craniometria e certos tipos de testes
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psicológicos. Contudo era alarmante a relação direta encontrada entre baixo QI e ou
medida de crânio inadequada entre os grupos dissociado da grande elite: negros ,
pobres, e, em alguns momentos, as mulheres. (GOULD, 1999 – PATTO, 2000)
Desta forma, de acordo com GOULD (1999), o determinismo biológico fora de grande
utilidade para os detentores do poder, pois esta base teórica
tem se associado a ideologias conservadoras e até mesmo reacionárias. Durante sua longa hegemonia, a tendência tem sido aceitar a inquestionável causalidade biológica e admitir as explicações sociais somente nos casos em que as provas eram tão fortes que não havia outra saída...ou como dizia Condorcet de maneira mais suscinta: elas fazem da própria natureza um cúmplice do crime da desigualdade política. (GOULD, 1999, p. 5)
No século XX o determinismo biológico para explicar as diferenças intelectuais dera
espaço para teorias de cunho social. A deficiência cultural fora a mais utilizada e, mais
uma vez a ciência serviu aos interesses de um determinado grupo, detentor do poder
econômico, cultural, intelectual e político.
E não é pertinente perder de vista que a entrada da grande massa dentro das escolas se
dera por uma imposição da economia do país. O crescimento das indústrias e do êxodo
rural criou a necessidade de alfabetizar seus trabalhadores e, por conseguinte, seus
filhos. Sem contar que a escola governamental sempre estivera a serviço do Estado, como
instituição capaz de controlar e formar (colocar na fôrma) para o mercado (restrito) de
trabalho os pequenos jovens pertencentes aos estratos sociais inferiores(LEONEL, 1994).
Contudo, a maior parte destes jovens não conseguiam seguir os ditames escolares (não
conseguiam apreender os conteúdos escolares) e abandonavam a instituição durante o
processo de alfabetização. Com o fracasso escolar generalizado dentro deste grupo
social, a ciência viera dar novas justificativas e, como já mencionado, a deficiência cultural
destes sujeitos ganhou destaque para explicar o fenômeno do fracasso dentro das
instituições acadêmicas.
De acordo com os estudos de PATTO (2000) estas teorias apontavam que as crianças não
aprendiam pois não tinham sido estimuladas adequadamente antes da entrada à vida
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escolar. Não conseguiam se apropriar dos saberes escolares por serem culturalmente
pobres. A desnutrição infantil, a família desestruturada também vinham a compor as
principais justificativas para o fracasso escolar até meados do século XX.
Até o presente momento percebemos que a mesma base que justificou a fábula dos
metais de Sócrates ainda servia para a argumentação das distinções intelectuais: o
determinismo, o sujeito nasce com uma marca de nascença (genética ou econômica) e
isto determina seu destino social.
Somente na década de 1960 (no Brasil mais fortemente no final de 1970 e início dos anos
80) que a questão do fracasso escolar comum em determinados estratos sociais ganha
outros fundamentos que não seja a culpabilização inata do indivíduo . A teoria da
Reprodução de Pierre Bourdieu e Passeron (1975) abriu uma nova perspectiva, colocando
a escola, até então considerada neutra e até mesmo equalizadora das diferenças sociais,
como principal responsável do fracasso escolar. Com diferentes mecanismos a escola,
segundo estes autores, reproduziria a ordem social e excluía do sistema escolar aqueles
alunos que não atendiam suas exigências: os ditos fracassados. Daí a relação direta entre
a quantidade de anos frequentados no sistema escolar e a classe social: quanto mais alta
a classe, maior o tempo escolarizado3.
Em uma tentativa de modificar esta realidade e dar a todos os mesmos direitos à
educação formal, em 1988 foi promulgada a Carta Magna onde a obrigatoriedade do
Ensino Fundamental fora sancionada e pais que não cumprissem a lei estariam sujeitos às
penalidades previstas na Constituição Federal. Desde então a o número de crianças
matriculados em nossas escolas só fez aumentar e atualmente chegamos com mais de
98% dos brasileiros em idade escolar frequentando o Ensino Fundamental. Este avanço
tem se mostrado positivo na medida que possibilita o acesso de maior parte dos cidadãos
aos bancos escolares, contudo as facilidades deste acesso tem levado ao crescimento da
concepção meritocrática, pela qual responsabiliza‐se o indivíduo pelo seu sucesso ou
fracasso social já que agora todos, supostamente, tem as mesmas condições para superar
as desigualdades.
3 Vide http://ideb.inep.gov.br/
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A meritocracia em seu plano ideal leva a todos alcançarem melhores posições sociais
devido sua própria conquista/esforço, contudo no plano real em uma sociedade desigual
este princípio é cruel, pois nem todos saem do mesmo lugar social, alguns entram nesta
corrida com mais vantagens que outros‐ DUBET (2003, 2004) BOURDIEU (1980, 1980a).
Com a obrigatoriedade do ensino surgiram outros problemas que até então não
estavam previstas na reforma educacional, problemas estruturais como o excesso de
alunos por sala, escolas em péssimas condições materiais, professores despreparados
para lidar com uma diversidade cultural cada vez maior. Junto a isso enfrentamos as
consequências de ter o mesmo molde escolar para uma nova configuração de
estudantes. A escola ainda está estruturada de forma departamentalizada e uniformizada,
isto é, pronta para atender o aluno ideal e excluir aqueles que não se encaixam. Mas com
a obrigatoriedade da educação formal, não é mais possível “excluir” abertamente os
estudantes que não se enquadram. Estes tem passado cada vez mais anos nas escolas,
contudo, nem todos alcançam o conhecimento compatível aos seus anos de
escolarização (de acordo com os professores entrevistados, aqueles que alcançam ainda
são a minoria) e muitos mecanismos são criados para que estes completem o período
escolar sem grandes exigências intelectuais, o próprio processo avaliativo vem sendo
maquiado nas escolas para que os estudantes avancem em seus anos escolares e não
necessariamente para evoluírem intelecto e cognitivamente. Estamos vivendo uma nova
onda de fracassados escolares, um número assustador de crianças estão tendo seu direito
a verdadeira educação negados e saindo da escola sem terem o conhecimento condizente
com seus anos de estudo4
Desta forma a ciência precisa adentrar nesta realidade para conhecer as características
que permeiam este fracasso escolar tão evidente e visto mais fortemente nas escolas
públicas. Quais as explicações hoje dado pelos agentes educacionais para explicar o
grande número de alunos que não se apropriam adequadamente dos saberes escolares?
Quais as mudanças destas justificativas em relação aquelas vistas no início deste capítulo?
4 Vide pesquisas sobre Letramento de Ferraro (2002) e Ribeiro (2006) referenciados no final deste trabalho.
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De que forma as características atuais do fracasso escolar se relacionam com os princípios
de meritocracia e justiça escolar?
Em uma tentativa de expressar minimamente a opinião dos professores que vivenciam
este dito fracasso no dia a dia de seu trabalho, faremos a seguir a análise do questionário
respondido pelos mesmos e, para finalizar a discussão deste artigo faremos uma breve
reflexão das questões ali apresentadas sob a luz de princípios tais quais: meritocracia,
justiça escolar e equidade social.
O QUE PENSA O PROFESSOR DA REDE PÚBLICA DO PARANÁ SOBRE O FRACASSO ESCOLAR NA ATUALIDADE.
Neste ponto do nosso trabalho apresentaremos os dados da pesquisa online realizado
com 62 docentes. Primeiramente traçaremos um perfil dos participantes e na sequência
analisaremos os pontos relacionados à proposta nuclear deste artigo que é conhecer, de
acordo com a opinião dos educadores, como se caracteriza o fracasso escolar na
atualidade. Como forma de enriquecimento dos dados da pesquisa faremos referências às
entrevistas abertas realizadas com os 15 professores da Escola Estadual X que nos
auxiliaram na elaboração do questionário.
Desta forma, a primeira questão que propomos via online aos docentes fora conhecer seu
nível de escolaridade, quase 80% dos professores que participaram da pesquisa possuem
escolaridade mínima de pós‐graduação, em sua maioria dentro da área educacional. Este
fato indica uma necessidade de ampliação dos conhecimentos e preocupação com a
formação continuada. Não e possível negar que estes números vem ao encontro da teoria
de PIERRE BOURDIEU (1980) , onde o autor afirma que quanto mais pessoas tem acesso a
educação formal, mais acirrada fica a disputa por um lugar no mercado e o caminho de
acúmulos de diplomas se torna chave essencial para alcançar este objetivo.
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Independente dos motivos que levaram os professores a procurarem ampliar seus
estudos para além da graduação, sabemos com este dado que as pessoas que
responderam nosso questionário são profissionais que vivenciam e refletem sobre as
questões que permeiam a educação deste país.
Outro ponto que achamos conveniente tratar neste trabalho é o tempo que estes
docentes atuam no magistério. De acordo com os dados levantados 70% dos
participantes estão há mais de cinco anos na área, portanto são capazes de perceber as
mudanças recentes no que se refere a aprendizagem dos estudantes.
A união entre a teoria e prática dos professores que responderam ao questionário
tornam nossa pesquisa bastante relevante, pois suas percepções estão além do olhar do
senso comum e desprovidos do encanto habitual aos docentes recém saídos das
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faculdades. Estes professores já se depararam com a realidade escolar e perceberam os
limites das teorias dentro destes espaços e a continuidade em busca pela formação
demonstra que não estão totalmente descrentes de seu papel social dentro da instituição
educativa.
Após o levantamento do perfil dos questionados, apresentamos as questões
referentes ao fracasso escolar na atualidade.
De acordo com a pesquisa 75% dos professores perceberam aumento no número
de alunos com dificuldade para aprender nos últimos cinco anos. Esta mesma impressão
fora levantada pelos 15 professores participantes das entrevistas abertas. Eles, de modo
geral, afirmam que estamos vivendo uma crise na educação, como se os alunos realmente
não conseguissem aprender.
“Eu não sei mais o que fazer, chego a dar a resposta minutos antes da prova e mesmo assim eles tiram notas horríveis”‐ Professora R‐ Inglês “Eu falo mil vezes a mesma coisa, chega na hora de fazerem eles não têm ideia do que eu estou pedindo” Professora S‐ Língua Portuguesa “Às vezes eu chego a pensar que o problema está comigo, mas estas crianças tem dificuldade até para somar e diminuir, não sei como chegaram ao nono ano”‐ Professor M.A. ‐ Matemática. “Se a gente fosse ver de verdade, mais da metade da turma tinha que estar em sala de recursos ou com psicopedagogo, ninguém consegue aprender, são raras as excessões”‐ Professora I. ‐ Geografia
A próxima questão que trazemos para os docentes foi sobre o principal fato que
leva os alunos não aprenderem dentro do ritmo esperado.
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O desinteresse pela educação formal, motivado pelo fato de não ver sentido em
aprender os conteúdos escolares foi apresentado como a principal razão da dificuldade
para aprender. Este ponto nos traz alguns questionamentos inevitáveis: sendo a criança
um ser curioso por natureza, como explicar a falta de motivação para aprender? Na era da
internet, da geração 144 caracteres5, da informação ágil e excesso de motivações visuais,
auditivas e cinestésicas o que tem feito a escola se tornar um espaço tão pouco
motivador? O que faz alguns estudantes se apropriarem mais ou menos dos conteúdos
escolares já que não apresentam desordens genéticas, distúrbios e transtornos que as
diferenciem? Seriam as condições econômicas, sociais e culturais? Mas pensar assim não
seria um retrocesso ao tentar relacionar determinada classe social com defasagem
acadêmica?
As questões acima não encontrarão respostas neste trabalho, contudo elas
permeiam a discussão em torno do fracasso escolar e abrem espaços para futuras
pesquisas no campo educacional. No entanto o que se pode afirmar até este momento é
que, de acordo com nosso estudo, percebemos que as escolas públicas estão sofrendo
uma grande crise de identidade, cada dia mais exigências lhe são feitas e maior perda de
autonomia ela vem tendo. A rotatividade de professores é alta, fato este que contribui
para a construção de uma não identidade escolar, cada um trabalha de acordo com o que
acredita ou como consegue, sem ter direcionamento e nem regras claras6. Toda criança
5 Alusão ao Twiter, rede social em que o participante tem que dar sua mensagem utilizando no máximo
144 caracteres, sem perda de tempo e sem aprofundamento argumentativo. 6 As afirmações deste parágrafo são frutos das entrevistas abertas realizadas com os professores da rede
estadual, assim como observações da dinâmica escolar.
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em idade escolar reconhece as regras de comportamento exigidos nos espaços públicos,
mas na escola os limites são cada vez mais flexíveis e muitas linguagens são faladas,
deixando os alunos perdidos e se portando de acordo com o perfil do professor. Quanto a
aprendizagem acadêmica, se não há regras claras nem espaço e nem material para tornar
a escola um local atraente, de pesquisa e descobertas pouco ou nada haverá para os
alunos se motivarem e, por conseguinte, pouco ou nada haverá para este professor se
motivar também.
A família pouco presente na vida escolar dos filhos foi o segundo principal motivo
apontado pela aprendizagem fora do ritmo esperado. Para além da presença da família,
os professores entrevistados apontaram a falta de apoio da família à escola, afirmando
que muitos pais se fazem presente mas super protegem seus filhos, discutem com os
professores e tiram toda a autoridade do profissional, que já tem, segundo os
entrevistados, pouca autonomia no processo ensino/aprendizagem.
De qualquer forma não podemos deixar de questionar aqui de que família estamos
falando e de qual papel os profissionais da educação esperam que esta desempenhe na
aprendizagem de seus filhos. De acordo com SINGLY (2007) as últimas décadas trouxe
para o Ocidente a aceitação geral do divórcio, do declínio da instituição do casamento e
da queda da fecundidade, com isso surgiram discussões sobre o enfraquecimento da
família e mais recentemente sobre a formação de novas configurações familiares,
caracterizada por sua vez pelas mudanças das relações entre sexos, entrada massiva da
mulher no mercado de trabalho, questionamento da autoridade dos pais entre outras.
Todas estas mudanças no seio familiar são reflexões das transformações da sociedade
moderna. O autor afirma que o espaço familiar é o espaço reservado para a privacidade,
contudo esta instituição sofre intervenção direta do Estado, tendo sua própria
privacidade modelada pelas exigências estatais. A obrigatoriedade do ensino é uma
destas exigências, travestida como direito à educação.
A reflexão que fazemos é qual modelo de família nossos professores abarcam quando
falam que as mesmas estão pouco presentes na educação dos filhos? E qual papel esta família
espera que a escola exerça? Pontos como estes exigem pesquisas mais profundas no interior
de cada colégio para que o diálogo aberto e franco possa ocorrer, e que as funções de cada
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uma destas instituições se torne clara para todas as partes envolvidas. O embate família x
escola não é novidade no setor educacional, em outros momentos a família fora culpabilizada
pela não aprendizagem de seus filhos e é perceptível que com as atuais configurações
familiares talvez os papéis no interior desta instituição não sejam tão inflexíveis como até a
década de 1950 (SINGLY, 2007). Contudo, ARIÈS (1981) aborda de que a preocupação com o
crescimento social do grupo familiar é uma característica da família moderna, considerando
que a escola tem papel crucial neste crescimento é possível traçar um diálogo entre estes
grupos em prol de uma educação de maior qualidade aos seus filhos, melhorando, desta
forma, a aprendizagem dos mesmos.
Outra questão abrangida pelo nosso estudo fora sobre os pontos em que os
alunos com defasagem escolar apresentam maior dificuldade. Elencamos as bases
referentes a uma alfabetização plena por percebermos nos discursos dos professores
entrevistados uma constante angústia sobre a qualidade deste período educacional.
Observamos que majoritariamente os participantes da pesquisa apontam que o
problema é generalizado, isto é, os estudantes tem apresentado dificuldade em todos os
itens apresentados.
Apesar de não existir um padrões e definições universais sobre a alfabetização, ao
analisarmos sobre a perspectiva da conquista desta competência dentro do período
esperado para a faixa etária, observamos que o nosso país, apesar dos grandes avanços
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industriais e em termos de políticas educacionais, amarga a colocação de 95°, ficando
muito abaixo do esperado para quantidade de riqueza produzida no país7,
Ao pesquisarmos os critérios para indicar o nível de letramento do brasileiro,
observamos que indivíduos que conseguem escrever e compreender um bilhete simples
com apenas um ano de escolaridade já é considerado letrado, contudo a medida que os
anos de estudos crescem pesquisas apontam que cai consideravelmente o número de
sujeitos letrados, pois o critério se expande para o mínimo operacional8. Em pesquisa
baseada no Censo Demográfico, FERRARO (2002) aponta que aproximadamente 65% das
pessoas com menos de 10 anos de idade não são letradas, apesar de já terem ou estarem
concluindo o período de alfabetização, entre os sujeitos com 15 anos ou mais que tenham
completado o Ensino Fundamental este número sobe para 67%.
Os dados não são recentes, contudo a percepção dos professores participantes da
pesquisa corroboram com o apontado por FERRARO (2002), indicando não ser este um
problema isolado, mas que abrange o Brasil como um todo.
Ainda questionando sobre as configurações do fracasso escolar na atualidade, os
professores que responderam a questão sobre a principal característica deste nos últimos
cinco anos se dividiram entre dois pontos centrais que vem ao encontro das outras
discussões sociais e econômicas que vem sendo discutido ao longo deste trabalho.
7 Dado retirado do site Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento(PNUD): http://www.pnud.org.br/ 8 Entendido como a competência mínima para operar, na vida cotidiana, com a leitura, a escrita e o cálculo, mesmo antes do ingresso no mercado de trabalho e independentemente da função que cada um(a) nele venha a exercer
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Primeiramente o aumento no número de laudos, maquiando um problema que
envolve família, políticas públicas e formação de professores, indica que os professores
estão descrentes dos laudos que chegam até eles. São tantos alunos com transtornos
variados e com avaliações psicológicas, psicopedagógicas e médicas que acaba sendo
bastante viável a desconfiança da seriedade dos mesmo. Ressaltamos que apenas 3
professores mostraram acreditar que são realmente os distúrbios que levam à
dificuldade.
A questão dos laudos e medicamentalização escolar em número crescente tem
surtido muitas discussões em diferentes áreas do conhecimento, FREITAS resume que:
Quando nos perguntamos por que há um excesso de diagnósticos,
surge uma variedade de razões. Por um lado, existe toda esta tendência à biologização por parte
dos médicos. Por outro, uma tendência das escolas em encontrar explicações rápidas sobre o que
não entendem. A escola, muitas vezes, busca “diagnosticar patologias” nos alunos, quando estes
não aprendem ou têm problemas de conduta. Não mais se questionam métodos educacionais,
condições de ensinagem ou de aprendizagem, mas se busca na criança, em seu cérebro, seu
comportamento, as causas das dificuldades. (Freitas, 2013, p.11)
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As colocações da autora nos levam a pensar sobre as teorias biologizantes, que
visavam explicar as dificuldades de aprendizagem e que discutimos no capítulo anterior.
Será este excesso de laudos um indicativo de retorno à visão que acreditávamos ter
superado? Não propomos neste artigo discutir a veracidade dos laudos, por ser um tema
bastante complexo e que foge de nossa alçada, nosso trabalho propõe conhecer a
opinião dos professores sobre as configurações do fracasso escolar na atualidade para
desta forma (re) pensarmos as concepções como meritocracia e justiça escolar que
permeiam os objetivos da Educação Básica nacional. Dito isto a outra característica
apontada do fracasso fora a queda da autonomia do professor para reprovar os alunos,
gerando desta forma alunos cada vez mais fracos para as próximas séries/anos escolares.
Este ponto indica que a escola continua trabalhando sobre os mesmos moldes do
início do século XX, como também fora discutido no início deste trabalho, métodos
tradicionais, focados no conteúdo e na lógica de aprovação/reprovação superando a
preocupação com a aprendizagem plena.
Contudo a avaliação que ontem fazia alunos reféns do sistema escolar, faz na
atualidade os professores se sentirem lesados, pois o instrumento avaliativo deixara de
cumprir sua função de diagnosticar para (re)planejar o trabalho docente e torna‐se cada
vez mais apenas uma parte do processo ensino x aprendizagem utilizada/manobrada
para melhorar os índices do governo no que tange a “qualidade” educacional9
Instrumentos avaliativos estatais são necessários para dar luz a alguns problemas
da educação brasileira e colaboram na elaboração das futuras políticas educacionais, no
entanto escutar como esses estão sendo recebidos e utilizados em nossas escolas é
necessário para melhorar seus critérios e fortalecer ações que promovam
verdadeiramente a qualidade educacional.
Por fim, nossa última questão refere‐se como o professor se coloca frente a
questão do aumento da dificuldade de apropriação dos conhecimentos escolares
apresentada pelos estudantes das escolas públicas.
9 Colocação recorrente nas entrevistas abertas realizadas com os professores, a aprovação escolar é um
dos critérios para melhorar a nota do IDEB de cada escola
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Observamos a forte distinção entre dois grupos: aqueles que se colocam como
protagonistas do processo de ensino x aprendizagem , quando afirmam estarem sempre
em busca de melhorar sua formação para atender diferentes demandas de estudantes e
um outro grupo que responsabiliza diretamente o sistema educacional, não acreditando
que possa haver qualquer transformação na aprendizagem das crianças se não houver
mudança no sistema.
Esta dicotomia parece fazer parte do corpo educacional tendo em vista a
complexidade que o tema aqui trabalhado suscita, contudo é importante ressaltar que as
questões cernes de nosso questionário apontaram que grande parte dos professores tem
vivenciado as mesmas impressões e sentido as mesmas angústias em relação a
aprendizagem de seus alunos. A partir deste contexto e sobre a perspectiva de alguns
dos pontos aqui levantados realizaremos algumas considerações sobre a problemática
do fracasso escolar na atualidade e sua relação com alguns princípios que regem nosso
projeto de democratização do ensino
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CONSIDERAÇÕES FINAIS POSSÍVEIS
O presente estudo apresentou algumas reflexões sobre o fracasso escolar na
atualidade de acordo com a opinião de professores da rede estadual de ensino do Paraná.
Em suas falas percebe‐se que a escola pública vem enfrentando uma série de problemas
estruturais, muitos deles diretamente relacionados com o constante aumento do número
de alunos matriculados e toda a complexa diversidade cultural que os mesmos
representam e que, nem sempre, vem ao encontro dos moldes e exigências escolares em
que estão inseridos. Ao afirmarem que a maior parte dos alunos não estão aprendendo
conforme a intencionalidade dos objetivos escolares, os professores nos indicam uma
séria crise na instituição educativa, na qual a escola já não tem mais clara sua função
central e assume não estar dando conta das exigências surgidas com o processo de
massificação escolar.
Contudo, não houve nenhuma fala ou colocação dos docentes entrevistados que
indicassem a descrença no direito de educação para todos. Suas manifestações estavam
fortemente permeadas por questões pontuais (família, medicamentalização,
analfabetismo funcional), desta forma o questionamento do projeto de democratização
escolar não aparecera em seus discursos. É possível com isto inferir que há uma crença
no poder da função social da escola, porém fica evidente que a percepção do poder do
professor no cumprimento desta função encontra‐se atrelado a fatores que fogem a sua
alçada. Neste sentido a classe professoral sente‐se desmobilizada para arcar com o papel
social que lhe é compelido a partir de políticas e diretrizes da educação nacional.
A justiça social por meio do acesso a escola parece uma realidade longe de ser
atingida, já que o fato de estar na escola não tem levado aos alunos a terem pleno acesso
aos bens escolares. Ao apontarem que há um problema generalizado no que tange a
letramento dos estudantes das escolas públicas estaduais, os professores nos levam a
refletir sobre o futuro destes jovens quando entrarem na acirrada disputa do mercado de
empregos mais qualificados. O acesso ao mesmo nível de escolaridade garantirá
equidade na disputa entre estudantes provindos das escolas públicas menos preparadas
e aqueles que tiveram uma educação básica mais elitizada? DUBET (2004) afirma que
esta equidade é ilusória tendo em vista que as diferenças existentes entre escolas,
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(algumas (mal)estruturadas para atender estratos sociais inferiores e outras organizadas
para atender a classe mais abastada) levam a uma exclusão social mais cruel, pois
culpabiliza o sujeito pelo seu insucesso, pois já que todos estão tendo oportunidade de
qualificar‐se por meio da escola, só não “sobe na vida quem não quer”.
Esta falácia da meritocracia é bastante recorrente no discurso dos professores ao
pensarem as configurações do fracasso escolar na atualidade. Mesmo reconhecendo as
limitações da instituição educacional, ainda o que mais fortemente aparece nas falas dos
professores não é a estrutura escolar, mas sim o grupo familiar ao qual este aluno provém
e o desinteresse individual do estudante pelos estudos. Estes ambos pontos se
relacionam diretamente com os princípios meritocráticos.
Contudo, apesar de percebermos a força do discurso meritocrático nas
concepções dos professores sobre o fracasso escolar na atualidade, também observamos
que a maior parte dos participantes da pesquisa desenvolveram um olhar mais crítico
sobre o tema, e estão compreendendo este fenômeno como consequência da
estruturação do sistema social e educacional que foge da competência escolar. Esta visão
entra, em alguns aspectos, em contradição com os apontamentos sobre a família e
interesse do aluno em relação a aprendizagem, contradições estas características em
temas com alto grau de complexidade como é a questão do fracasso escolar.
No entanto, apesar das contradições expostas acima, está velado no discurso
docente a ideia de neutralidade escolar. Todos os problemas apontados que levam ao
fracasso escolar são provindas do exterior da escola (família, desinteresse por aprender,
sistema educacional, laudos indicando problemas de aprendizagem), não houve na fala
docente nenhum mecanismos escolar que levasse ao processo de exclusão do jogo
acadêmico.
Por fim, quando se trata de analisar as configurações do fracasso escolar na
atualidade de acordo com os professores da rede estadual do Paraná, é possível afirmar
que a base das diferenças entre os metais apontadas por Sócrates ainda se faz presente
nestes discursos. Segundo estes há diferenças inatas aos indivíduos que levam ao sucesso
ou ao insucesso acadêmico, este inatismo pode vir de questões biologizantes (como o
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crescente número de laudos, indicando um aumento em “doenças” da aprendizagem10)
ou questões culturais (a família em que o sujeito nasce). No entanto diferentemente da
fala de Sócrates e de alguns teorias de base supostamente científicas que tentaram
explicar a (não)aprendizagem escolar por questões étnicas, de gênero ou constituição
física, atualmente não é possível pensar o fracasso escolar sobre um prisma único, é
preciso um olhar mais amplo que considere as diferentes áreas do conhecimento
humano, mas sobretudo perceba que o fracasso, como um fenômeno social e
generalizado da não apreensão de conteúdos/saberes escolares por jovens da rede
pública, é uma consequência da forma de organização histórica das instituições e, como
fenômeno histórico, fora engendrado pelos homens, portanto, pelos homens pode ser
modificado.
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10 Mesmo maior parte dos professores não acreditando na veracidade destes laudos de saúde, indicando
transtornos e déficits, não é possível negar seu crescimento na última década, relacionando o problema do fracasso com aspectos biológicos.
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