winock, michel. as idéias políticas - resumo
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Resumo do capítulo "as ideias politicas"TRANSCRIPT
WINOCK, Michel. As idéias políticas in: RÉMOND, René. Por uma história política:Rio de
Janeiro: Ed. UFRJ/Ed. FGV, 1996.
Qual o papel das idéias no campo político dos Estados contemporâneos? Qual o lugar das
idéias na sociedade? Existe um conjunto de idéias que seja o verdadeiro? Idéias são
instrumentos de poder? As idéias devem estar a serviço de uma unidade ou uma pluralidade?
Quando surgiu a história da idéias políticas? Surgiu para quê? Quais as obras estudadas, por
que estas? Quais os tipos de abordagem? O que é uma história de pináculos? O que é uma
história pelos ‘faróis’? Existe uma nova abordagem na História das idéias políticas? O que é
uma história das mentalidades políticas? Qual a caracterização singular do trabalho do
historiador diante da expansão do campo da história das idéias políticas?
A primeira questão trabalhada por Winock diz respeito às idéias para a análise do campo
político. Situa que historicamente se constituíram duas visões excludentes entre sim. A
primeira que remonta ao século das luzes em que as idéias desempenhariam um papel
fundamental na direção do progresso. E uma segunda crítica que derivaria dos escritos de
Marx em a Ideologia Alemã, para que as idéias não passariam de reflexo dos interesses de
classe. Segundo Winock citando Marx: ‘ Era preciso, ao contrário, partir dos homens ‘ na sua
atividade real’: ‘Não é a consciência que determina a vida, mas a vida que determina a
consciência. E Marx opunha a análise científica da realidade (a teoria) à ideologia, ou seja, a
um pensamento que se engana a si próprio quanto à sua autonomia (‘a falsa consciência’, e
que não passa na realidade de um sistema de justificação das relações sociais em benefício da
classe dominante.[1] Estas oposições se estabeleceram no que ficou conhecido entre o
idealismo filosófico e o materialismo dialético que trariam a problemática do lugar das idéias
na sociedade.
Situando no contexto francês o autor mostra como o ideal de pluralismo com relação às idéias
saiu vitorioso a projetos que definiam uma única visão de mundo comum. Segundo o autor:
‘No feudo marxista, a função da ideologia foi reavaliada na práxis revolucionária e na
instauração de um Estado socialista. Lênin reatribuiu assim à ideologia uma virtude positiva:
ela é instrumento de combate; ela se torna um instrumento de poder. (Winock, 1996, p.272)
Deste processo se instituiu uma visão de que a ‘unidade de vontade’ deve decorrer do
pensamento único, e daí viria a critica ao marxismo-leninismo que aceita o papel das idéias,
mas para transformá-las em propaganda a serviço de uma causa. Isto resulta, segundo
Winock, certo desdém ao pluralismo das idéias e tendeu a tornar insignificante a produção
intelectual de Estados Liberais além de uma democratização das idéias que tende a nivelá-las
por baixo, no sentido de atingir uma uniformidade do pensamento.
O autor procede então a uma breve história da história das idéias políticas na França citando o
nome de autores como Jean-Jacques Chevallier, Albert Thibaudet, Daniel Mornet e André
Lichtenberger. Para afirmar que foi André Siegfried que a transformou em uma disciplina
acadêmica. O fato importante destacado pelo autor é que o estatuto de obras sobre política
era atrelado a atributos literários e que houve uma transformação institucional que foi
responsável por formalizar o estudo de obras sobre políticas ou de idéias políticas como o
objetivo de formar uma ‘cultura política’ para estudantes de ciência políticas no caso citado da
‘ Sciences Po’.
O autor não chega a formular que os livros sobre idéias políticas eram estudados de
perspectiva histórica para orientar a teoria política contemporânea, mas tal fato é implícito ao
mostrar como que para Jean Jacques Chevallier era importante o estudo de grandes obras, e
estas grandes obras são justamente estas que tem algum sentido para aquele período, cita
fora desta relação o caso do livro de Cournot.[2]
Segundo Winock esta história das idéias tal como apresentada por Chevalier estava ligada
antes de tudo a uma organização que marcava uma finalidade pedagógica: Segundo o autor:
‘Chevallier estava menos preocupado em estudar a genealogia das grandes idéias políticas, sua
difusão e sua função nas diversas sociedades onde nasciam que em oferecer um capital
cultural a jovens que se destinavam a servir ao Estado ou a assumir funções de
direção.[3] (Winock, 1996, p.275)
Penso eu que esta primeira abordagem é o que poderíamos entender como o historicismo na
história das idéias. Um movimento de recuperação das idéias em seu contexto passado com
objetivo deliberado de ênfase deste no lugar do segundo movimento que se preocupa mais do
que com a ‘recuperação’ das idéias tal como concebidas se preocupa mais com o que estas
idéias trazem para a interpretação do presente ou de uma determinada teoria.
Este último movimento diz respeito a cientistas como os economistas, politologos, educadores
ou qualquer outra área do saber que constitui a produção de teorias a partir de uma
explicação histórica. Entendo por explicação histórica o recurso do passado para anunciar
proposições. O movimento da História das Idéias é outro embora seja encarnado neste próprio
movimento. Mas trata-se de uma ênfase na constituição, na formação das idéias em um
determinado contexto. Sendo este o objetivo final.
Segundo Winock com relação à história das idéias políticas, o que ele chama desta História de
pináculos – historia das grandes obras – possui pelo menos três tipos de abordagens, a
primeira ele descreve como neste campo de formação de uma cultura política para análises da
teoria política em que ‘ o historiador muitas vezes cede lugar ao filosofo ou ensaísta, mais
afeito a esse debate intelectual face a face, do qual extrai uma visão pessoal e com freqüência
atualizada dos problemas políticos.[4] (Winock, 1996, p.275)
A outra abordagem apresentada por Winock são as biografias intelectuais que segundo o autor
contribuíram de forma indispensável para uma leitura atualizada de clássicos, cita, por
conseguinte, exemplo de obras neste estilo na historiografia francesa.
A última abordagem citada pelo autor diz respeito à história das correntes de pensamento,
elegendo temas, no lugar de um pensador, uma corrente de pensamento como o liberalismo,
o conservadorismo, o comunismo entre outros. A estes modelos de histórias das idéias
políticas o autor chama de história pelos ‘faróis’. Uma preocupação mais marcada em
recolocar a análise das obras no contexto móvel de sua época e de verificar os efeitos destes
sobre as cenas políticas’ (Winock, p. 277) É o que eu me referi como o sentido da história das
idéias ligadas ao historicismo, onde poderiam colocar-se a abordagem da escola anglo-saxã
dos estudos de Quentin Skinner e Pocock. A grande questão desta abordagem são seus limites
de não conseguir assimilar que o historiador nunca é estranho à história que vive nesse
sentido sempre há interpretação. Esta questão a qual Winock menciona está também em
Gadamer e a questão da consciência histórica.
Contudo, em outro momento analisei esta questão dizendo que entre a abordagem historicista
de Skinner, a história pelos ‘faróis’ como se referiu Winock e uma história mais presentista
aquela que contribui para a teoria, eu entendo que a diferença são os objetivos, o que se
busca deliberadamente. A primeira como já afirmou Skinner fornece uma cultura histórica
para se pensar a própria teoria. A segunda se aproxima mais da teoria política quando lê o
passado para objetivar, exemplificar uma tese presente.
O autor prossegue então para uma apresentação de novos temas na história das idéias
políticas que não seja a história das grandes idéias, mas começa a mostrar outras ênfases
como as expressões corriqueiras, as idéias prontas, os preconceitos, as crenças coletivas, os
mitos, as palavras de ordem, os slogans. O que aproximaria a historia das idéias políticas com a
história das opiniões políticas e a história da propaganda. (Winock, 1996, 278)
É neste eixo que se define uma renovação do corpus, estudando as idéias políticas em todos os
setores da sociedade não somente nas grandes obras. Exemplifica assim alguns trabalhos
como o de Jean Touchard que sucedera Jean-Jacques Chevallier no IEP. Esta renovação
também teve por objetivo o estudo de autores que caíram no esquecimento além de estudas a
mediação das idéias a partir dos mediadores e não só os ‘pensadores’. Segundo o autor: ‘
Dedicar-se às mediações e aos mediadores, tanto quanto aos ‘pensadores, resulta da
necessidade metodológica, quando o historiador quer avaliar o trabalho das idéias na
sociedade tanto quanto o reflexo dos problemas sociais no momento da expressão jornalística.
O repertorio das dissertações de mestrado e de DEA, a lista dos temas de teses, defendidas ou
não, mostram esse deslocamento da curiosidade do qualitativo para o quantitativo, dos
grandes autores para os fabricantes do pensamento cotidiano semanal. (…) O historiador, por
seu lado, não pode se deixar dissuadir por juízos de valor: o homem comum lhe interessa tanto
quanto a pequena elite dos leitores de obras filosóficas’. (Winock, p. 282).
O grande diagnostico do autor esta em fixar a mudança da história das idéias políticas
distanciado-se de uma historia da literatura ou uma historia da filosofia para se aproximar de
uma história das mentalidades políticas, das culturas políticas, ou seja, tentar entender a
circulação e a produção das idéias políticas. Fazendo uma associam ao que Foucault se referiu
a uma filosofia espontânea daqueles que não filosofam.
Por fim, termina seu ensaio a propor algumas curiosidades e outras abordagens para a história
das idéias. A última frase do autor também destaca o problema de uma análise historicista e
ou não. Quando o autor afirma que: ‘ A finalidade da história das idéias políticas não é mais
oferecer elementos quase intemporais de uma ‘cultura política’, e sim conhecer melhor os
sistemas de representações das sociedades, o estudo destes sistemas tornou-se inseparável da
dos aparelhos de produção e de mediação: não é apenas a idéia que age, é também o lugar de
onde ela vem’. (Winock, 1996, p.285) percebe-se, pois, que a primeira fazia referencia a uma
teoria política e a segunda está mais preocupada com a compreensão das lógicas de circulação
das idéias políticas, de como as sociedades forjam sua ‘cultura política’. Nesse sentido ela
quase que se fixa em uma sociologia das idéias políticas a meu ver. Cita então as idéias de
Bourdieu a partir da noção das estratégias individuais.
Com um diagnostico da pluralidade de perspectiva Winock finaliza seu ensaio afirmando que o
historiador deve-se utilizar de todas essas variantes, mas não deve deixar de ser o elemento de
síntese ao inserir os resultados em uma perspectiva de longa duração. Acaba que defende a
abordagem historicista ao mencionar que o historiador deve ‘estabelecer as continuidades e
os inícios de mudança, inscrever os termos no universo material das coisas, a recuperação dos
antecedentes, das filiações, das fusões, toda essa hidrologia das correntes de pensamento
continua sendo de sua competência’. (Winock, 1996, p.290) ‘Definindo que a finalidade da
História Política é dar novamente sentido ao passado e tornar, por isso mesmo, o presente
mais inteligível, para a qual a história das idéias traz, pelo ajuste de seus instrumentos e a
multiplicação de suas matérias, uma contribuição indispensável’.
Conclui-se, portanto, que a despeito das novidades no campo da história das idéias políticas o
autor defende que o papel do historiador está assegurado no movimento de captar as
mudanças e o de sempre colocar a perspectiva da longa duração.
Algumas outras referências
BRANDÃO, Gildo M. “Linhagens do Pensamento Político Brasileiro”, in. Dados – Revista de
Ciências Sociais. Rio de Janeiro, Vol. 48, nº2, 2005, pp: 231-269.
FREDERICO, Celso. A sociologia da literatura de Lucien Goldmann. 19 (54): 429-46.
JASMIN, Marcelo Gantus. História dos conceitos e teoria política e social: referências
preliminares. Rev. bras. Ci. Soc. [online]. 2005, vol.20, n.57, pp. 27-38.
KOSELLECK, Reinhart. Futuro Passado: contribuição à semântica dos tempos
históricos. Rio de Janeiro:Contraponto, Ed. PUC-Rio, 2006. 366p.
POCOCK, J. G. A. (2003), Linguagens do ideário político. Tradução de Fábio Fernandez. São
Paulo, Edusp.
SKINNER, Quentin. (1969), “Meaning and understanding in the history of ideas”.History and
Theory, 8 (1): 3-53.
[1] Conforme mostrou Winock as obras políticas eram tomadas como próximas da literatura.
Assim para o estudo de idéias políticas alguns usam as propostas metodológicas para análise
das idéias a partir de uma história das visões de mundo, tal como propôs o marxista
estruturalista-genético Lucien Goldman. Para este autor dever-se-ia fazer uma história da
cultura, ou seja, das ideologias, a fim de traduzir a visão de mundo dos autores que com
correlação ao materialismo dialético expressaria em uma obra prima o ‘máximo de consciência
possível’ de um grupo social. Celso Frederico afirma que: ‘O objetivo de uma sociologia da
literatura é, portanto, a busca das homologias, o estudo das estruturas significativaspresentes
nos grupos sociais – o substrato social que confere unidade à obra literária. O projeto de
Goldmann procura transpor para a literatura dois movimentos: o estudo da compreensão, isto
é, da estrutura significativa imanenteda obra e a explicação, a “inserção dessa estrutura,
enquanto elemento constitutivo e funcional, numa estrutura imediatamente englobante [para]
tornar inteligível a gênese da obra que se estuda”
[2] A História das idéias políticas de matriz anglo-saxã e de Koselleck privilegiam uma relação
das idéias com o social a partir da análise do tempo de transformação dos conceitos para
captar as mudanças sociais, partindo de alguns pressupostos como este que exemplifica a
demora de assimilação das mudanças do mundo. A outra perspectiva, principalmente, a de
Skinner leva em conta a reconstituição do passado a partir do estudo dos discursos como atos
de fala, ou seja, a idéias expressam um realidade que só pode ser concebida se estudas em seu
contexto, levando a possibilidade de entendimento de seus contextos de enunciação que
dariam a perspectiva de seus reais sentidos.
[3] A História do pináculo apresentada por Winock para o caso francês e a formação de uma
cultura política lembra a proposta de Brandão para o estudo do pensamento social brasileiro, a
partir de abordagens similares a apresentada por Winock no sentido de formação de fortuna
crítica a guisa de se pensar a teoria política contemporânea.
[4] Este tipo de pesquisa constituiu o que ficou caracterizado tanto para teoria política como
para a teoria sociológica ao estudo a partir da categoria de nação a um campo de investigação
conhecido como pensamento social brasileiro. Recentemente Brandão, propôs uma
perspectiva de como a abordagem histórica auxiliaria a teoria política em seu ‘linhagens do
pensamento político brasileiro’, onde o autor faz um grande panorama das principais matrizes
de idéias políticas que constituíram o pensamento político brasileiro no século passado a partir
da leitura de clássicos nacionais.