weber. intro [gerth e mills]

Upload: flavia-brites

Post on 08-Mar-2016

240 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

introdução a Weber

TRANSCRIPT

  • II

    III. Orienta~es Intelecluais

    A SITUA~O INTELECTUAL na Alemanha durant.e a vida de W_e-ber foi singularmente desfavorvel ao desenvolvlJ:nento da. S~lO-logia acadmica. A historiografia estava dominada principal-mente pelas tradices de Hegel e Ranke, e o pensamentoconservador era extremamente forte, dificultando qualquerdesenvolvimento da teoria nas Ciencias Sociais. Isso ocorriaespecialmente na Economia, setor em que a escola histric~desestimulava a teoria sistemtica, opondo-lhe um tesouro maci-~o de detalhes histricos, fatos jurdicos e descrico institucional.

    O liberalismo, por sua vez, havia sido desenvolvi/d~ por urnazntelligentsia independente de q~alque: cla~se media. empre-sarial. Em comparaco com os paises ocidentais, dos qUalS foramtomados os modelos de pensamento do liberalismo alemo, tudona Alemanha parecia nebuloso. ?s lun~ers a~rr~os e se~sseguidores clamavam por ~dam Smith e o hvre-ca~blO, ou seja,pelas exportaces de cereais para a Inglaterra, ao invs de. ven-das as nascentes cidades industriais da Alemanha. O liberalFriedrich List defenda as tarifas protetoras. Bismarck e osprncipes alernes, e na~ as classes sociais, haviam feito do povoalerno um Estado nacional,

    A intelligentsia acadmica liberal mal se havia rec~peradodo choque de 1848 e a rea~ao a ele, quando Lassalle cnO? umPartido Socialista que dentro em pouco se tornava marxista eatraa um brilhante grupo de jornalistas e organizadores, his-toriadores e socilogos. Esses homens orgulhavam-se de seudesligamento em relaco as fidelidades nacionais. E, na Alema-nha, o marxismo pde estabelecer urna tradico que tentou trazerpara a sua rbita a histria social e poltica de todas as pocas,

    ..ORIENTAltES lNTELECTUAl& 63

    a interpretaco da Literatura e Filosofia, bem como o desenvol-vimento da teoria econmica e social.

    Em 1848, os liberais haviam temido os trabalhadores itine-rantes barbados; com Bismarck, eles passaram a temer Bebel eLiebknecht. Mesmo cm 1878 o liberal doutrinrio EugenRichter aconselhava seus adeptos a votar em favor dos conserva-dores, e nao dos sociais-democratas, caso sua escolha ficasse li-mitada a esses dois.1 E dez anos depois, quando FerdinandTnnies publicou sua Gemeinschaft und Gesellscbajt, obra justa-mente considerada bsica da Sociologia moderna alern, tornou-seum estranho, sern esperan~a, para a sociedade "respeitvel", poisa Sociologia cheirava a socialismo. At mesmo um espiritoesclarecido como Ludwig Barnberger falou da "afinidade internado militarismo e socialismo". 2 Assim, as tradices intelectuaisda Alemanha foram canalizadas para os modos de pensar conser-vador, liberal e socialista.

    Os partidos polticos alemes, nao tendo oportunidade deconquistar o poder, continuaram como partidos doutrinrios deviso mundial fundamentada em princpios, cada qual rigorosa-mente orientado para determinadas classes e grupos de status.Os conservadores agrrios estavam em coalizo com a ortodoxialuterana, os comerciantes urbanos e banqueiros com os homensde profisso liberal, os trabalhadores assalariados socialistas comurna intelligentsia simples que desenvolvia um marxismo dealto nvel intelectual. A atmosfera do novo industrialismo, aembriaguez do poder experimentada pelo paruenu depois de1870, o espirito filisteu dos burgueses, socialmente arrivistas, pro-curando ingressar nas associaces de duelo, conseguir ttulos debaro e chegar ao pesto de oficial - tudo isso alirnentava aapatia poltica e o medo da presso ascendente do trabalho. Elevou a urna ampla acornodaco poltica corn o poder dos [unliers.

    Dentro do contexto das classes, partidos e correntes intelec-tuais em conflito, Max Weber desenvolveu as suas orientacesintelectuais, Pretenda a amplitude de um terreno comum. E aele chegou, apesar da departamentalizaco intelectual de visesdo mundo diametralmente opostas. Refletindo sobre algumas desuas concepces analticas e amplas perspectivas mundiais, pode-remos indicar como os elementos do pensarnento conservador,liberal e socialista forarn assimilados, transformados e integradosno complexo padro de sua obra. Como liberal Iutando contrao pensamento conservador e o marxista, Max Weber abriu-se acertas influencias de cada um de seus adversrios.

  • II

    64 ENSAIOS DE SOCIOLOGIA ORlENTA~ES lNTEl.ECTUAlS 65

    1. MARX E WUDos meios de produco no caso de Marx importante para acornpreenso das estruturas economicas.

    ~n~uanto Marx ~enos cuidadoso na distinco entre podereconormco e ~der poltico, Weber, como liberal, ernpenha-seem manter tais esferas claramente diferenciadas. Assim suacrtica a maior parte das contribuices marxistas que ela~ naodistinguem entre o que rigorosamente "econmico", o que "eco~omicamente determinado" e o que simplesmente "eco-normcarnente relevante". As peregrinaces a Roma sao semdvida, relevantes para o mercado monetrio, mas isto nio fazdelas empresas econmicas. A importaco das idias religiosas,ou polticas, pelas instituices econmicas, nao as transforma

    . f" 'com ISSO, em atores economicos: a questo se relaciona com asua "relevancia econmica".

    Tendo focalizado a luta pelos meios de domnio poltico,Weber ve a histria poltica europia, desde o perodo feudal,como um desfile complicado de governantes, cada qua! ten-tan~o apropriar-se dos meios financeiros e militares que nasociedad e feudal esto relativamente dispersos. De fato, Weberformula o conceito mesrno de "Estado" ern termos de um "mo-noplio" do uso da forca legtima sobre um determinado terri-trio, O aspecto territorial participa da concepco do Estadopelo fato de que Weber distingue Estados Iitorneos e Estadosinteriores, Estados que dispem de grandes rios e Estados dasplancies. O fator geogrfico tambm parece ter urna influen-cia dispositiva pelo fato de oferecerem os Estados litorneos eportanto martimos, oportunidade a democracia urbana aos i~-, . , . 'penos manamos; ao passo que o Estado das plancies - aRssia e os Estados Unidos, por exemplo - parecem favorecera esquernatizaco e burocracia, embora certamen te essa tenden-cia tenha exceces,

    Weber partilha, com Marx, de urna tentativa de colocar osfenmenos "ideolgicos" nalguma correlaco com os interesses"rnateriais" das ordens econmica e poltica. Weber tem umolho agud.o p~ra as "racionalizaces", ou seja, para as "superes-truturas flc~Clas"_ e para as incongruencias entre a afirrnacoverbal e a .1Dten~0 =! Combateu a bombasticidade imperiale burocrtica, e especialmente as frases dos pangermanistas

    Ao assumir a direco do Archio Fr Sozialwi.9.smschaft undSozialpolitik, Weber props, sistematicamente, dedicar atencoas questes suscitadas pelos marxistas. Grande parte de sua pr6-pria obra , decerto, enfermada pela hbil aplicaco do mtodohistrico de Marx. Weber, porrn, usou tal mtodo como um"principio heurstico". Como viso da histria mundial, o mar-xismo lhe parecia urna teoria monocausal insustentvel e, comisso, prejudicial a urna reconstruco adequada das conexes so-ciais e histricas. Sentia que Marx, como economista, haviacometido o mesmo erro que, durante a poca de Weber, aAntropologia estava cometendo: dando a urna perspectiva par-cial urna importancia exagerada e reduzindo a multiplicidadede fatores causais a um teorema de fator nico.

    Weber nao se ope diretamente ao materialismo hist6ricocomo totalmente errado; nega-lhe simplesmente a pretenso deestabelecer urna seqncia causal nica e universal. A parteo problema de se. ele "compreendia" ou nao o pensamentodialtico em sua reduco a urna proposico causal, tal aborda-gem foi eminentemente frutfera.

    Parte da obra de Weber pode ser considerada, dessa forma,como urna tentativa de "completar" o materialismo econmicode Marx com um materialismo poltico e militar. A aborda-gem weberiana da estrutura poltica aproxima-se da aborda-gem marxista das estruturas econmicas. Marx construiu pero-dos econmicos e localizou neles as principais classes econ-micas; relacionou os vrios fatores sociais e polticos com osmeios de produco, Em questes polticas, Weber encara ocontrole sobre as armas e sobre os meios de administraco.

    O feudalismo, por exemplo, caracterizado por Weber emtermos da propriedade privada dos meios de violencia militar(exrcitos auto-equipados) e na apropriaco, corporativa, dosmeios de administraco. O "governante" nao poda mono-polizar a adrninistraco e a guerra porque tinha de delegar osimplementos exigidos por esse monop6lio aos vrios grupos pri-vilegiados. Com o ternpo, estes se tornarn os "donas", corndireitos prprios. Essa preocupaco com o controle dos meiosmateriais de poder poltico to fundamental para a compre-enso dos tipos de estrutura poltica quanto a preocupaco com V~r, nes.te volume: "A Politica como Vocaeo", "Burocracia"

    e "A Psicologa Social das Religies Mundiais".

  • r66 ENSAIOS DE SOCIOLOGIA

    e ou literati revolucionrios com urna ira comparvel a cam-panha de Marx contra a linguagem vitoriana.

    A tcnica de crtica pela qual as afirrnaces ideolgicassao mostradas como falsos mantos para interesses menos res-peitveis evidente no ataque de Weber a esquerda revolucio-nria de 1918. Afirmou ele ento, expressamente, que o mar-xismo nao urna carroca que se possa deter a vontade; Weberqueria estender a crtica das ideologias at incluir o "interesseproletario", e procurou estreit-lo at Iaz-lo das proporces dosinteresses dos literatos, dos polticos e dos guardas revolucion-rios pelos "despojos da vitria", A sua crtica das aspiracessocialistas tambm est bvia nas suas reflexes sobre o impe-rialismo. Ele aceita, evidentemente, as unidades nacionais comoresultados histricos finais que jamais podem ser integradosem todos mais amplos e harmoniosos. Na melhor das hip-teses, haver forres Estados-naces socialistas, explorando ener-gicamente Estados mais fracos. a conceito de naco e de in-teresse nacional , assim, o limite da perspectiva poltica deWeber e ao mesrno tempo constitui seu valor final. Nao obs-tante, caracterstico de sua incansvel anlise o fato de queele decompe o "sentimento nacional" numa srie de vrios sen-timentos e atitudes comunais.

    Alm dessa atenco para com os "interesses" e "ideologias",a Sociologia de Weber est relacionada com o pensamento mar-xista na tentativa comum de perceber as inter-relaces em todasas orden s institucionais que constituern a estrutura social. Naobra de Weber, os sistemas institucionais militar, religioso, po-ltico e jurdico esto funcionalmente relacionados com a ordemeconmica de vrias formas. Nao obstante, os julgamentos eavaliaces polticos em questo diferem totalmente dos existentesem Marx. Para este, a econornia moderna basicamente irra-cional, e essa irracionalidade do capitalismo resulta de urna COIl-tradico entre o progresso tecnolgico racional das Iorcas pro-dutivas e as cadeias da propriedade privada, lucro privado, con-correncia de mercado nao-controlada. a sistema caracterizadopela "anarqua da produco".

    Para Weber, por sua vez, o capitalismo moderno nao "irracional"; suas instituices lhe parece m, na verdade, como amarerializaco mesma da racionalidade. Como um tipo de bu-rocracia, a grande empresa s encontra rival na burocracia es-tatal, na prornoco da eficiencia racional, continuidade de opera-~ao, rapidez, preciso e clculo dos resultados. Tudo isso se

    ORJENT,"C:OES INTELECTUAIS 67desenrola dentro de instituices administradas racionalmente enas quai~ funces combinadas e especializadas ocupam o centroda aten~~o. Toda a estrutura dinmica, e pela sua anonimi-~ade obnga"o h~m.em ~oderno a tornar-se um perito especia-lizado, um pr~flSS!Onal preparado para urna carreira especialdentro de canal s preestabelecidos, O homern est, assirn, pre-parado para a sua absorco pelo barulhento processo da m-quina burocrtica.

    C? conceito de burocracia racional contra pasto ao conceitomAar~lst~ de luta de classes. acorre com o "materialismo eco-n~mICo o mesmo que acontece com a "luta de classes": Webernao ne?,a as lutas de classes e sua parte na histria mas naoas considera con:o .a d~namica c~ntral. Nem nega ~ pos.sibili-dade de urna .~la~lza~ao dos me ros de produco. Simplesmenterelega essa exigencia a um futuro bem distante e refuta qualquerespera de "socialismo em nossa poca". Nao ve nada de atraen-te no socialism~. .Aos seus o.l?os, ele simplesmente completariana ordern econorruca o que Ja acontecera na esfera dos meiospolticos: Os ,e~tamentos f:u?ais haviarn s.ido ~xpropriados deseus meros polticos e substituidos pelo Iuncionalismo assalariadodo moderno Estado burocrtico. O Estado tinha "nacionalizado"a posse. de armas e dos rneios administrativos. A socializacod~s ~elo~ de pro~u~o simplesmente sujeitaria urna vida eco-~omlca ainda relativamente autnoma a adrninistraco burocr-dtlcadObEstado: Este se tornaria realmente total, e Weber, odian-o a ur?cr.acla como. um .est~rvo rara o ~iberal, era de opinio

    que o socialismo levara assim a maior servido. "No momento"escreveu ele, "a ditadura do funcionrio e nao a do trabalhador.est a caminho". a '

    .Assi~, Weber viu-se defendendo opinies paradoxais. Naopoda deixar de reconhecer a inevitabilidade do controle buro-c.rtico na ad~ini~tra~o p.~li~a, nas .grandes empresas capita-listas e nas maquinas partidrias polticamente eficientes. Du-rante a guerra ele criticou a ignorancia dos burocratas de Berlime. nao ob~tante em sua exposico clssica da burocracia distan~cla-se muito do vered~c~o de John Stuart Mill contra a "pedan-toc~acia" .. Pelo contrano, para Weber nada mais eficiente emais preCISO do que o controle burocrtico. Outrossim, no seuor~ulho pela burocracia "apesar de rudo", podemos discernir urnaatlt~d~ comparv:_l a admira~~o ,de Marx pelas realizaces docapitalismo burgues, quando eliminou os rernanescentes feudaisa "idiotice" da vida rural e vrios fantasmas da mente. '

  • r1,ENSAIOS DE SOCIOLOCIA

    A nfase de Marx no trabalhador assalariado como "sepa-rado" dos meios de produco torna-se, na perspectiva de Weber,apenas um caso especial dentro de urna tendencia universal.O soldado moderno est igualmente "separado" dos meios deviolencia; o cientista, dos meios de indagaco; o servidor pblico,dos meios da administraco. Weber procura, assim, relativizara obra de Marx, colocando-a dentro de um contexto mais gene-ralizado e mostrando que as concluses de Marx se baseiarn emobservaces tomadas de um "caso especial" dramatizado, que melhor ver como um caso numa ampla srie de casos seme-lhantes. A srie como um todo exemplifica a tendencia geralsubjacente de burocratizaco. As lutas de classes socialistas saosimplesmente um veculo que implementa essa tendencia.

    Weber identifica, assim, a burocracia com a racionalidade,e o processo de racionalizaco com o mecanismo, despersonaliza-~ao e retina opressiva. A racionalidade, nesse contexto, vistacomo contrria a liberdade pessoal. Assim, Weber um liberalnostlgico, sentindo-se na defensiva. Deplora o tipo de hornemque a mecanizaco e a rotina da burocracia selecionam e for-mamo O profissional limitado, certificado e examinado publica-mente, e pronto para um posta e carreira. Seu anseio de se-guranca equilibrado pelas suas arnbices moderadas e ele recompensado pela honra do status oficial. Esse tipo de homem deplorado por Weber como urna criatura de retina limitada,carente de herosmo, espontaneidade humana e inventividade:"O puritano queria ser o homem vocacional que ternos de ser".

    2. BUROCR s:CIA E C....RISMA: UMA FILOSOFIA DA HIST6RIA

    O princpio da racionalizaco o elemento mais geral naFilosofia da Histria de Weber. A ascenso e queda das estru-turas institucionais, os altos e baixos das classes, partidos egovernantes implernentam a tendencia geral da racionalizacosecular. Aa reletir sobre a mudanca nas atitudes e mentalida-des humanas ocasionada por esse processo, Weber gostava decitar a frase de Friedrich Schiller, o "desencantamento do mun-do". As proporces e direco da "racionalizaco" sao, assim,medidas negativamente em termos do grau em que os elementosmgicos do pensamento sao deslocados, ou positivamente pelasproporces nas quais as idias ganham coerncia sistemtica econsistencia naturalstica.

    ORIENTAyES INTELECTUAIS 69

    A tendencia no sentido dessa interpretaco ampla e sigui-ficava do universo atribuida a grupos de inrelectuais, a profetase professores religiosos, a sbios e filsofos, a juristas e artistasexperimentais e, finalmente, ao cientista emprico. A "raciona-lizaco", diferenciada social e historicamente, passa a ter, assim,urna variedade de significados. Quanto a isso, Weber traz urnamagistral contribuico ao que j se tornou aceito como "50-ciologia do conhecimento";"

    A opinio de Weber sobre o "desencantamento" encerra umelemento do liberalismo e da filosofia iluminista que construiua historia do hornern como um "progresso" unilinear na direcoda perfeico moral (sublimaco), ou no sentido da racionaliza-~ao tecnolgica cumulativa. No obstante, a sua averso cticaa qualquer elemento "filosfico" na ciencia emprica excluiuqualquer construco explcita do tempo histrico em termos de"ciclos" ou evoluco "unilinear". "At agora, o continuo dodesenvolvimento da cultura europia nao conheceu movimentoscclicos completos nem um "desenvolvimento unilinear" orien-tado sem ambigidades"." Nao obstante, sentirno-nos justi-ficados em afirmar que uma construco unilinear est clara-mente implcita na idia que Weber faz da tendencia burocr-tica. At mesmo urna rea de experiencia tao "interiorizada" eaparentemente subjetiva como a da msica se presta a um tra-tarnento sociolgico sob o conceito de "racionalizaco" de Weber.A fixaco de padres de acordes, atravs de urna notaco maisconcisa, e o estabelecimento da escala bem temperada; a msicatonal "harrnoniosa" e a padronizaco do quarteto de sopro edos instrumentos de corda como o ncleo da orquestra sinfnica,Tais fatos sao vistos como "racionalizaces" progressivas. Ossistemas musicais da sia, as tribos indgenas pr-letradas, daAntigidade, e do Oriente Mdio, sao comparveis no que serelaciona com seu ambito e grau de "racionalizaco". O mesmoenfoque comparado , decerto, usado na explicaco dos sistemasreligiosos, como se pode ver no esboce psicolgico encerradoem "A Psicologia Social das Religies Mundiais'',

    Esse processo de racionalizaco est pontilhado, porrn, decertas descontin uidades na Histria. Estruturas institucionaisconsolidadas podem, assim, desintegrar-se e as formas rotineirasde vida podem mostrar-se insuficientes para dominar um estado

    Incluimos um capitulo do estudo de Weber sobre a Chinapara colocar o leitor em contato com esse aspecto de sua obra.

  • r-I

    70 ENSAIOS DE SOCIOLOGIA

    crescente de tenses, presso ou sofrimento. em crises dessasque Weber adota urna concepco equilibradora da burocracia:o conceito de "carisma".

    Weber reproduziu esse conceito de Rudolf Sohm, historiadorda Igreja e jurista de Estrasburgo. O carisma, significando li-teralmente "dom da graca", usado por Weber para caracterizaro lder auto-indicado, seguido pelos que esto em desgraca eseguern-no por acreditarern ser de extraordinariamente dotado.Os fundadores das religies mundiai.s e os profetas, bem comoos heris militares e polticos, sao os arqutipos do lder carism-tico. Milagres e revelaces, fetos hericos de valor e hitossurpreendentes sao marcas caractersticas de sua estatura. Ofracasso a sua ruina.

    Embora Weber tenha consciencia do fato de que a dinmicasocial resulta de muitas forcas sociais, nao obstante atribui gran-de nfase a ascenso do lder carismtico. Seus movimentos saoentusisticos, e nesses entusiasmos por vezes as barreiras declasse e status do lugar a fraternizaco e aos sentimentos decomunidade exuberantes. o Os heris e profetas carismticossao, assim, vistos como forcas realmente revolucionrias na his-t6ria. e

    A burocracia e outras instituices, especialmente as da fa-mlia, sao consideradas como rotinas da vida cotidiana de tra-balho; o carisma se ope a todas as rotinas institucionais, as datradico e as sujeitas ao controle racional. Isso vlido tambmpara a ordem econmica : Weber caracteriza os conquistadorese os bares ladres como figuras carismticas. Quando usadode forma rigorosamente tcnica, o conceito de carisma est livrede todas as avaliaces, Stefan George e Jeremias, Napoleo eJesus Cristo, um guerreiro da Arbia e um fundador do mormo-nismo - todos sao tipos de lderes carismticos, pois tm emcomum o fato de que as pessoas lhes obedecem devido a crencaem suas qualidades pessoais extraordinrias.

    Urna situaco autnticamente carismtica di reta e interpes-50a1. No contraste entre a vida cotidiana das instituices e anatureza personalizada e espontnea da lideranca carismtica,podemos discernir facilmente o legado do liberalismo que sempreenfrentou dicotomias semelhantes: massa versus personalidade,a "retina" versus empresrio criador, as convences das pessoascomuns versus a liberdade interior do pioneiro e do homemexcepcional, as regras institucionais versus o indivduo espontneo,

    ORIENT A'rES INTELECTO AIS 71

    a monotonia e o tdio da existencia ordinria versus o vOoimaginativo do genio. Apesar 00 nominalismo cuidadoso deseu mtodo, a concepco que Weber: tem do lder carismtico a continuaco de urna "Filosofia da Histria" que, depois deHeroes and Hero Worship de Carlyle, influenciou boa parte dosescritos histricos do sculo XIX. Nessa nfase, o indivduomonumentalizado torna-se o soberano da Histria.

    A concepco do lder carismtico, evidenciada por W eher,mantm a continuidade do conceito de "genio" aplicado desdeo Renascimento aos lderes artsticos e intelectuais. Dentro dosconfin s da histria "moral", W. E. H. Lecky ampliou-o de modoa aplic-Io aos lderes da conduta humana, e nao simplesmenteaos criadores de smbolos. Nao s os homens de idias, masOs homens ideais passaram assim a ser objetos de atenco, comomostra o trecho seguinte:

    Surgem, de tempos em tempos, homens que tm para com acondeo moral de sua poca mais ou menos as mesmas re-la~es que os homens de genio tm para com a sua condcointelectual. Antecipam o padro moral de urna poca pos-terior, Ianeam conceitos de virtude desinteressada, de filan-tropa, desprendmento, que parecem no ter relaco com oespirito de sua poca, inculcam deveres e sugerem motivosde aco que parecem a maiora dos homens completamentequimricos. No obstante, o magnetismo de suas perfecesinflui poderosamente sobre os seus contemporneos. Acen-de-se o entusiasmo, urn grupo de partdros se forma e mutosse emancipam das condces morais de sua poca. Noobstante, os plenos efeitos desse movimento so transtrios.O primero entusiasmo esmorece, as crcunstncas ambientesretomam a sua ascendencia, a f pura materializada, incrus-tada com concepees estranhas a sua natureza, deslocadas edeformadas, at que as suas caractersticas iniciais quase desa-parecam. O ensinamento moral, sendo inadequado a sua poca,torna-se inoperante at que sua cvilzaco adequada tenhaalvorecido; ou, na melhor das hip6teses, a f se filtra tenuee imperceptivelmente atravs de um acmulo de dogmas, ecom isso acelera, de certo modo, o nascimento da condcoque exige. T

    evidente que Lecky se interessava pelo genio como hornernextraordinrio que transcende os limites da rotina cotidiana; enisso, sua declaraco prenuncia urna das teorias chaves de Weber:a rotinizaco do carisma.

    Como Lecky, Weber ve que a situaco carismtica autenticad lugar, rpidamente, as instituices incipientes, que surgem do

  • 72 ENSAIOS DE SOCIOLOGIA

    resfriamento dos estados de devoco e fervor extraordinrios.A medida que as doutrinas originais sao democratizadas, ajus-tarn-se intelectualmente as necessidades da camada que se tornao principal veculo da mensagern do lder. Se essas idias naoforern adaptveis nesse processo, ento, a despeito de seu mritointrnseco, a mensagem deixar de influenciar a conduta da vidacotidiana, ou as pessoas que sofrerern sua influencia permanece-ro encerradas num modo de vida especial e alheio ao corposocial maior. As religies da ndia, segundo Weber, freqen-temen te terminaram como doutrinas dessas aristocracias da sal-va~ao.

    A enfase sobre a "soberana do hornern carismtico" naominimiza a mecnica das instituices; pelo contrrio, acompa-nhando a rotinizaco do carisma, Weber pode atribuir umacentuado peso causal as rotinas institucionais. Assim, ele con-serva um determinismo social ressaltando a rotinizaco do ca-risma. A forma pela qual trata esse problema testemunha seuempenho em manter um pluralismo causal e colocar a ordem eco-nmica em equilibrio.

    Em geral, a construco que Weber faz da dinmica his-trica em termos do carisma e rotinizaco urna tentativa deresponder ao paradoxo das conseqncias no-intencionais, Ocarisma da prirneira hora pode incitar os seguidores de umheri guerreiro ou profeta a esquecer a conveniencia em favordos valores finis. Mas, durante a rotinizaco do carisma, osinteresses materiais de um squito em crescimento constituemo fator mais forte.

    Um rnovimento carismtico pode ser rotinizado no tradi-cionalismo ou na burocratizaco. A direco a ser seguida de-pende principalmente das intences subjetivas dos seguidoresou do lder; depende da estrutura institucional do movimentoe especialmente da ordem econmica, "A rotinizaco do caris-ma, sob aspectos essenciais, idhtica a adaptaco as condicesda economa, ou seja, as retinas continuamente efetivas da vidade trabalho diria. Nisso a economia leva, ao invs de ser le-vada." 8 Tal como nesse contexto particular um papel de lide-ran~a dado a economia, assim o faz tambm o ttulo do seu

    Ver captulo XI, itA Psicologa Social das Religies Mundiais".

    ORIENTAr;ES INTELECTUAIS 73

    trabalho chave, Economia e Sociedade, revela a consciencia dopeso determinante das bases econmicas,

    O elemento "filosfico" na construco da histria por Weber esse equilbrio antinmico dos movimentos carismticos (lde-res e idias) com a rotinizaco racional (instituices duradourase interesses materiais). A espontaneidade e a liberdade do ho-mern sao colocadas no lado dos entusiasmos heroicos, e assimh urna enfase aristocrtica sobre as elites ("virtuosos"!) Essaen fase est intimamente associada a atitude de Weber para coma democracia moderna, que j indicamos.

    Nao obstante, Weber ve no conceito de "personalidade"urna noco muito explorada relativa a um centro de criativi-dade profundamente irracional, um centro perante o qual aindagaco analtica suspensa. E combate esse elemento poeti-zado e romntico, 9 Seu nominalismo conceptual e sua perspec-tiva pragmtica se opern a toda concretizaco dos processos"no-analisados". A unidade final de anlise, para ele, sao asmotivaces compreensveis do indivduo isolado. Seus concei-tos sao instrumentos analticos com os quais reconstri vriosmecanismos. Nao sao categorias descritivas, com as quais seprocure "provar" a cor e compreender a imagem superficial do"espirito da poca". Nao sao conceitos que visem as supostassubstancias dos grandes homens e pocas. Na verdade, apesarda enfase de Weber quanto ao carisma, ele nao enfoca "as gran-des figuras da Historia", Napoleo, Calvino e Cromwell,Washington e Lincoln s de passagem surgem em seus textos.Ele procura apreender o que se conservou do trabalho dsseshomens nas ordens institucionais e continuidades da Historia.Nao [lio Csar, mas o cesarismo; nao Calvino, mas o calvi-nismo, a preocupaco de Weber. A fim de compreender per-feitarnente sua posico, ternos de compreender tambm os seusinstrumentos conceptuais: o tipo construdo, as sries tipolgicas,o mtodo comparado.

    3. MTODOS DA CIENCIA SOCIAL

    As reflexes metodolgicas de Weber tm dvidas claraspara com a filosofia do iluminismo. Seu ponto de partida ea unidade final de sua anlise a pessoa individual:

  • 74 ENSAIOS DE SOCIOLOGIAA Sociologia interpretativa considera o individuo [Einzel-

    individuum] e seu ato como a unidade bsica, como seu"tomo" - se nos permitirem pelo menos urna vez a com-paraco discutvel. Nessa abordagem, o individuo tambmo limite superior e o nico portador de conduta significa-tiva... Em geral, para a Sociologia, conceitos como "Estado","assocaco ", "feudalismo" e outros semelhantes designamcertas categorias de interaco humana. Da ser tarefa daSociologia reduzir esses conceitos a aco "compreensvel", isto, sem exceco, aos atos dos individuos participantes. 10

    A "abordagem tipo Robinson Crusoe" dos economistas cls-sicos e dos filsofos racionalistas do contrato encontra eco nessanfase sobre o indivduo. Mas, no pensamento de Weber, anfase se ope a tradico de Hegel e Ranke.

    Esta ltima tradico tenta "interpretar" a pessoa individual,a instituico, o ato ou o estilo de trabalho vendo-o como um"documento", "manifestaco", ou "expresso" de uma unidademorfolgica maior, subjacente a determinado dado. A "inter-pretaco" consiste, assim, na cornpreenso da unio da totalidad emais ampla com sua parte. O aspecto participa da qualidadedo todo. Assim Sombart, escrevendo um livro sobre Os [udeuse a Vida Econmica, procura mostrar a contribuico e a signifi-caco destacada dos judeus para a ascenso e o funcionamentodo capitalismo moderno, "compreendendo" os judeus e o capi-talismo como portadores do mesmo "espirito", Essa forma de"cornpreender" o particular vendo-o como um documento de umtodo subjacente tem razes no pensamento romntico e conserva-dor alerno - um estilo desenvolvido detalhadamente e comsurpreendente sutileza e proveito por Wilhelm Dilthey.

    Max Weber incorporou o problema da cornpreenso em suaabordagem sociolgica que, como ressaltava, era um tipo de So-ciologia, entre outros tipos possveis. Portanto, chamou sua pers-pectiva de Sociologia "interpretativa" ou "compreensiva". f:caracterstico de sua posico racional e positivista o fato de terele transformado o conceito de compreenso, que continuou sen-da para Weber urna abordagem excepcional das Ciencias Moraisou Culturais que tratam do homem, e nao dos outros animaisou da natureza inanimada. O homem pode "cornpreender" ouprocurar "cornpreender" suas prprias intences pela introspecco,ou pode interpretar os motivos da conduta de outros hornensem termos de suas intences professadas ou atribudas.

    ,.ORIENT AC;ES INTELECTU AIS 75

    Weber distingue diferentes "tipos" de aces motivados. Con-sidera, caractersticamente, como do tipo mais "cornprcensivo"as aces que esto na natureza da adequaco racional, e dosquais a conduta do "homern econmico" constitui exemplo des-tacado.

    As aces menos racionais sao exemplificadas por Weberem termos da busca de "fins absolutos", fluindo de sentimentosafetivos ou dos elementos "tradicionais". Como os fins absolu-tos devem ser tomados pelo socilogo como elementos "dados",uma aco pode ser racional em relaco aos rneios empregados,mas irracional em relaco aos fins visados. A aco "afetiva",que nasce puramente do sentimento, um tipo de conduta me-nos racional. E finalmente. aproximando-se do nvel "instintivo",h a conduta "tradicional": irrefletido e habitual, esse tipo sancionado porque "sempre foi feito assim", sendo portanto con-siderado como a conduta adequada. Tais tipos de "aces" saoconstrudos operacionalmente em termos de urna escala de racio-nalidade e irracionalidade. Um recurso tipolgico, e nao uma"psicologia" da motivaco, assim descrito. Essa abordagemnominalista, com sua enfase sobre as relaces racionais de finse meios como a forma mais "compreensvel" de conduta, distin-gue a obra de Weber do pensamento conservador e sua "com-preenso" documental, assimilando a singularidade de um objetoa um todo espiritualizado. Nao obstante, dando destaque a in-compreensibilidade da conduta humana, em oposico a simplesexplicaco causal dos "fatos sociais" como ocorre na Ciencia Na-tural, W eber traca uma linha entre sua Sociologia interpretativae a physique sociale na tradico de Condorcet, que Cornte cha-mou de sociologie 11 e Durkheim desenvolveu de modo tao des-tacado. J se observou acertadamente que os tipos bsicos deestrutura social usados por Weber - "sociedade", "associaco"e "comunidade" - correspondem ntimamente aos seus "tipos deaco" - o "racionalmente adequado", o "afetivo", e o "tradicio-nalista";"

    Se aceitssemos as reflexes metodolgicas que Weber fazsobre seu prprio trabalho pelo valor aparente que encerram,nao encontraramos nelas uma justificaco sistemtica de suaanlise de fenmenos como a estratificaco ou o capitalismo. To-mado literalmente, o "mtodo de compreenso" difcilmente lhepermitiria o uso de explicaces estruturais, poi s elas tentam [us-

    FlaviaHighlight

  • 76 ENSAIOS DE SOCIOLOGIA

    tificar a motivaco dos sistemas de aco pelas suas funces comoestruturas funcionais e nao pelas intences subjetivas dos indi-vduos que as praticam.

    Segundo o mtodo de cornpreenso de Weber, devemos es-perar que ele siga urna teoria subjetiva de estratificaco, masisso nao ocorre. Da mesma forma, podemos assinalar a refuta-~o, por Weber, de um lugar-comum alemo sobre os EstadosUnidos como urna naco de "individuos atomizados": "No pas-sado e at o presente, foi urna caracterstica precisamente dademocracia especficamente americana o fato de niio constituirela um monte informe de indivduos, mas um animado com-plexo de associaces rigorosamente exclusivas, embora volun-trias", Weber ve a tendencia para a democracia ateniensecomo sendo determinada pela modificaco na organizacomilitar: a democracia surgiu quando o exrcito dos hopli-tas, mais antigo, deu lugar ao navalismo. Explicaces estru-turais semelhantes sao reveladas na forma pela qual ele liga adifuso das burocracias a tarefa de administra: grandes impriosinteriores como Roma e China, Rssia e os Estados Unidos.

    Ao usar o princpio de explicaco estrutural, Weber aproxi-ma-se do processo analtico do pensamento marxista, que, deurna forma "desespiritualizada'', utiliza o modo de pensar origi-nalmente hegeliano e conservador.

    Na sua nase metodolgica sobre a compreenso do indivduocomo a unidade final de explicaco, Weber polemiza contra opensamento organicista dos conservadores, e tambm com o usomarxista de significados objetivos de a~ao social, a despeito daconsciencia do agente.

    Como Hegel e Adam Smith, Marx atribuiu significados aoprocesso de interaces sociais. A "mo invisivel" de Adam Smithe a "astcia da idia" de Hegel surgem no sistema de Marxcomo urna lgica objetiva das instituices dinmicas que sedesenvolvem as costas dos agentes. Na medida em que oshomens sabem o que fazem, compreendem as orcas cegas dasociedade. Embora tais forcas sejam obra dos homens, elaspermanecem simples mente, na expresso de Veblen, "opacas".Assim, Marx mede as noces subjetivas dos agentes do sistemaem comparaco com o significado objetivo, revelado pelo estudocientfico. E na comparaco e na incongruencia tpica entreo que os homens pensam que fazem e as funces sociais obje-tivas de seus atos, Marx localiza a natureza ideolgica da "falsaconsciencia" .

    ORJENTArs:OES INl'ELECTUAIS nEm seus escritos sobre o mtodo, Weber rejeita a suposico

    de qualquer "significado objetivo". Quis ele limitar a compre-enso e interpretaco do significado as intences subjetivas doagente. Nao obstante, ern sua obra real, ele nao tern menosconsciencia do que Marx em relaco ao fato paradoxal de queos resultados das interaces nao sao, de modo algum, sempreidnticos com o que o agente pretendia fazer. Assim, os puri-tanos queriarn servir a Deus, mas ajudaram a criar o capitalismomoderno. Isso se evidencia tambm no trecho seguinte, sobreo capitalismo e o indivduo:

    Essa escravido sem senhor na qual o capitalismo mergulha otrabalhador ou o devedor s discutvel eticamente comonsttueo. Em principio a conduta pessoal daqueles quepartcpam, de qualquer dos lados, seja dos governantes oudos governados, no moral dscutvel, pois essa conduta essencialmente prescrita pelas situaces objetivas. Se nose conformam, so ameacados de bancarrota econmica, queseria, sob qualquer aspecto, intil. 13

    Poderamos acumular, facilmente, afirrnaces extradas daobra de Weber, que reforcariarn esse ponto, como as traducesincludas no presente volume deixam claro. compreensvelque Weber julgasse tao errado considerar seu trabalho como urnainterpretaco idealista da Histria quanto consider-lo como umcaso de materialismo histrico.

    O nominalismo do mtodo de Weber pode ser compreen-dido em termos de sua tentativa de evitar a nfase filosficasobre os fatores materiais ou ideais, ou sobre os principios estru-turais ou individuais de explicaco. Seu apego -ao pensamentopositivista ocidental evidencia-se em seu desprezo por quaisquerelementos "filosficos" ou "metafsicos" nas Ciencias Sociais. De-seja ele dar a essas ciencias a mesma abordagem prtica cornque as Ciencias Naturais se aproximam da natureza.

    O mtodo quantitativo acompanha de perro tal concepco ecoloca-se em oposico a urna perspectiva na qual todos os feno-menos sao vistos como entidades qualitativamente nicas. ParaWeber, a singularidade histrica e social resulta de combinacesespecficas de Iatores gerais, que, se isolados, sao quantificveis.Assim, os "mesrnos" elementos podem ser vistos numa srie deoutras cornbinaces singulares. " ... Decerto, em ltima anlise,todos os contrastes qualitativos, em realidade, podem ser corn-preendidos, de alguma forma, como dierencas exclusivamente

  • i8 ENSAIOS DE SOCIOLOGIA

    quantitativas, feitas de combinaces de vrios fatores isolados". HEle nao diz que a qualidade pode ser "reduzida" a quantidade;na verdade, como nominalista, Weber bem sensvel a singula-ridade qualitativa da realidade cultural e as diferencas qualita-tivas que resultam de rnudancas quantitativas. Por exemplo:"De nosso ponto de vista especial, quando o maior medo domundo levou a urna fuga as atividades ocupacionais na economaprivada, o pietismo nao s6 se transforma em algo diferente degrau, mas tambm num elemento que difere em qualidade". a

    O discutido "tipo ideal", expresso-chave na discusso me-todolgica de Weber, refere-se a construco de cerros elementosda realidade numa concepco logicamente precisa. A palav::a"ideal" nada tem com quaisquer espcies de avaliaces. Comfinalidades analticas, podemos construir tipos ideais de prosti-tuico ou lderes religiosos. A expresso nao significa que pro-fetas ou prostitutas sejam exemplares ou devam ser imitadoscomo representantes de um modo de vida ideal.

    Usando essa expresso, Weber nao queria introduzir umnovo instrumento conceptual. Pretendia, simplesmente, dar ple-na consciencia ao que os cientistas sociais e historiadores vinhamfazendo quando usavam palavras como "o hornem econmico","feudalismo", "arquitetura gtica versus romntica" ou "reinado".Sentia que os cientistas sociais tiveram a escolha de usar concep-~es logicamente controladas e no-arnbguas, que, por isso,esto mais afastadas da realidade histrica, ou usar conceitosmenos precisos, mais ligados ao mundo emprico. O interessede Weber em comparaces mundiais levou-o a considerar ex-tremos e "casos puros". Tais casos tornararn-se "exernplos cru-ciais" e controlaram o nvel de abstraco que ele usou em re-laco a qualquer problema particular. A verdadeira essnciada histria situa-se, habitualmente, entre esses tipos extremos;da Weber ter-se aproximado da multiplicidade de situaces his-tricas fazendo que vrios conceitos tipos influssern sobre o casoespecfico que examinava.

    A abordagem quantitativa de constelaces culturais excep-cionais e a concepco dos tipos ideais esto intimamente ligadasao mtodo comparado, que implica que duas constelaces sao com-parveis em termos de alguma caracterstica comum a ambas.Urna afirrnaco dessas caractersticas comuns implica o uso deconceitos gerais. A forma pela qual Weber constri as religiesmundiais como interpretaces variantes do "sofi imento sem sen-

    ORIENT A

  • 80 ENSAIOSDE SOCIOLOGIA ORIENTAyES lNTIU.ECTUAIS 81

    favorveis para o seu aparecimento. Com essa anlise comparadadas seqncias causais, Weber tentou encontrar nao s as con-dices necessrias, mas as condices suficientes do capitalismo.Sornen te no Ocidente - particularmente quando o ascetismontimo-profano produziu um tipo de personalidade especfico - ascondices suficientes estavam presentes. Em seu pluralismo, elenaturalmente nao considera esse tipo de personalidade como onico fator envolvido na origem do capitalismo; simplesmente de-sejava inclu-lo entre as condices do capitalismo.

    4. A SOCJOLOGIADASIDIASE INTEREssEs

    Weber procura incorporar os pontos de vista tanto de Marxcomo de Nietzsche em sua anlise. Com Marx, partilha aabordagern sociolgica das idias: sao impotentes na Histria, a me-nos que sejarn fundidas aos interesses materiais; e com Nietzschede se interessa profundamente pela importancia das idias paraas reaces psquicas. *

    Nao obstante, em contraste com Nietzsche e Marx, Weberrecusa-se a conceber idias como sendo "meros" reflexos dein teresses psquicos ou SOClalS. Todas as esferas - intelectuais,psquicas, polticas, econmicas, religiosas - seguem, at cerroponto, uma evoluco prpria. Onde Marx e Nietzsche vernfacilmente urna correspondencia entre idias e interesses, Weberse mostra ansioso em identificar as possveis tenses entre idiase interesses, entre urna esfera e outra, ou entre estados internose exigencias exteriores. Assim, analisando as profecias hebrai-cas, ele busca equilibrar as influencias psicolgicas e histricas:

    A discusso das instituices burocrticas e dos lderes pessoais,das rotinas de trabalho cotidiano e dos aspectos extraordinrios,encontra paralelo na concepco que Weber tem das rela-~es entre idias e interesses. Tanto Marx como Nietzschecontriburam para uma teoria da funco e contedo das idias;ambos desviaram a en fase tradicional do contedo das idiaspara a nase sobre a conexo pragmtica das idias com osseus resultados. Desenvolveram tcnicas para interpretaco dasidias em termos de seu servico, e nao em termos de seu valoraparente.

    Marx via as idias em termos de sua funco pblica naslutas de classes e partidos. Nietzsche abordava as idias em ter-mos de seu servico psicolgico ao pensador individual, ou pelomenos quando falava do contexto pblico, seus instrumentossociolgicos eram tao toscos que somente os mecanismos psicol-gicos foram empregados, proveitosamente, em sua anlise. Se paraMarx as idias de importancia prtica se tornaram ideologiascomo armas nas lutas de grupos, para Nietzsche se fizeramracionalizaces de indivduos, ou, na melhor das hip teses, de"senhores e escravos". Marx comento u que as idias se tornamforcas materiais tao logo se apossam das massas; ele aproximoua validade histrica das idias de seu papel na justificaco dosinteresses econmicos, Nietzsche modifica a afirrnaco de Ma-teus, "quern se humilha ser exaltado", fazendo dela "quem sehumilha deseja ser exaltado". Assim, ele atribuiu volices aoorador, que estavam abaixo do contedo de suas idias.

    "- Eu fiz isso - diz minha memria -, eu nao poderiater feito aquilo - diz rneu orgulho e permanece inexorvel.Finalmente - a memria cede." 16

    De qualquer modo, ser difcil supor que urna determnacopsquica, sem ambigidades, da "hipocondria poltca" tenhasido a fonte da posco dos profetas. A profecia do [uzo finaltem de ser deduzida, em grande parte, da dsposco psquicados profetas, determinada pelos dotes constitucionais e ex pe-rincias pessoas. No obstante, no menos certo que osdestinos histricos de Israel deram realmente as profecas do[uzo final seu lugar no desenvolvimento religioso. E iS80ocorre no apenas no sentido de que a tradico preservou,decerto, os orculos dos profetas que foram confirmados pelosfatos, que parecem ter sido confirmados, ou cujo adventoanda poda ser esperado. O crescente prestigio inabalvel daprofecia em geral baseou-se nalguns poucos casos que foramterrvelmente mpressonantes para os contemporneos dosprofetas, e nos quais ests, pelo seu xito, estavam inespe-radamente certos. 17

    o conceito decisivo pelo qual Weber relaciona as idias einteresses o da "afinidade eletiva", e nao da "corresponden-cia", "reflexo" ou "expresso", Para Marx, as idias, "exprs-sam" interesses; assim, o Deus oculto dos puritanos expressaa irracionalidade e anonimidade do mercado. Para Nietzsche,o cristianismo asctico "reflete" o ressentimento dos escravos,que assim "expressam" sua "revolta na moral". Para Weber,

    Uma rpida anlse da teora do ressentimento de Nietzsche f-eita no capitulo XI, "A Psicologa Social das Religies Mundiaits",e no capitulo Vil, "Classe, Estamento, Partido".

    6

    FlaviaHighlight

    FlaviaHighlightTodas as esferas

    FlaviaUnderline

    FlaviaUnderline

    FlaviaUnderline

    FlaviaUnderline

  • 82 ENSAIOS DE SOCIOLOGIAnao h liga~ao ntima entre os interesses ou a origem socialdo sujeito e seu squito e o contedo da idia, em seu incio.Os antigos profetas hebreus, os lderes da Reforma, ou a van-guarda revolucionria dos modernos movimentos de classe naoeram necessariamente recrutados das camadas que, no devidotempo, se tornaram os principais portadores de suas respectivasidias. Somente durante o processo de rotinizaco os seguido-res "elegem" as caractersticas da idia com que tem alguma"afinidade", um "ponto de coincidencia" ou "convergencia".

    Nao h correspondencia preestabelecida entre o contedode urna idia e os interesses dos que a seguem desde a pri-meira hora. Mas, com o ternpo, as idias sao desacreditadasem face da Histria, a menos que apontem o caminho de con-duta favorvel aos vrios interesses. As idias, selecionadas ereinterpretadas da doutrina original, ganham uma afinidad ecom os intersses de certos membros de camadas especiais; senao conseguirem tal afinidade, sao abandonadas. Assirn, dis-tinguindo as fases da origem pessoal e carismtica das idias esua rotinizaco e impacto social, Weher pode levar em contavrios graus de complexidade, que se reletem nas variacesde nuan~as do significado. Tanto as idias quanto seus p-blicos sao vistos independentemente; por um processo seletivo,elementos em ambas encontram suas afinidades.

    Durante toda a sua vida, Max Weber empenhou-se numaproveitosa batalha com o materialismo histrico. Seu ltimocurso de conferencias em Munique, a poca da Revoluco, foiapresentado sob o ttulo "Urna Crtica Positiva do MaterialismoHistrico". H, porm, em sua biografia intelectual, uma clarainclinaco no sentido de Marx.

    Ao escrever A tica Protestante, Weber estava ansioso porressaltar o papel autnomo das idias na origem do capitalismomoderno - embora nao, claro, no sentido de Hegel. Sentiaele que o capitalismo moderno, em seu incio, exigiu certotipo de personalidade. Esse tipo, por sua vez, era psicolgica-mente construdo em conseqncia da crenca num corpo deidias que resultavam, involuntariamente, no desenvolvimentodos traeos de personalidade especficos teis ao comportamentocapitalista. Assim, ao cerecer "urna construco espiritualista"do pano-de-fundo do capitalismo moderno, W eber corneca comconcepces religiosas. Em seus ltimos ensaios, porm, comecasua anlise da China, por exemplo, com captulos sobre asbases econmicas, Quanto mais irritado ficava com a poltica

    ORIENTA~OES lNTELECTUAIS 83

    alem, tanto mais apreciava o peso dos interesses rnatenais nasidias de xito, por mais alienados que fossem o seu contedo eintenco, Assim, escreveu durante a guerra: "Nao as idias,mas os interesses materiais e ideais governam diretamente aconduta do homem. Muito freqentemente, porm, as 'ima-gens mundiais' que foram criadas pelas 'idias' determinaram,como manobreiros, as linhas ao longo das quais a a~ao foi im-pulsionada pela dinmica dos interesses", ,.

    Esses trechos nos lembram as metforas mecnicas de Marx,com as suas revoluces como as "locornotivas da historia", oude Trotski com seus "manobreiros intelectuais".'ij A imagsticamecnica, desse tipo, parece opor-se as metforas orgnicas decrescimento e desenvolvimento preferidas pelos autores mais con-servadores. Quando as imagens de natureza orgnica sao utili-zadas, nao se relacionam com o gradualismo e o crescimentovegetativo, mas com a incubaco e o nascimento.

    No trato das idias especficas, podemos discernir em We-ber nveis diferentes de interpretaco sociolgica. De formaimpetuosa, ele localiza "imagens mundiais" inteiras como cons-truces simblicas, associadas as condices sociais de camadasespecficas. Assim, percebe ele urna conexo entre a concepcoreligiosa de um Ser quietista e passivo e os estudos msticos etcnicas contemplativas dos intelectuais refinados e literrios,especialmente na India e China. Procura estabelecer urna rela-~ao ntima entre a natureza de um estado psicolgico predomi-nante, a estrutura de um ato de percepco e o significado deum objeto. Todos os tres aspectos, por sua vez, sao facilitadospela situaco scio-histrica dos intelectuais dentro da estruturasocial, e com ela tm urna afinidade. Essa estrutura histrica,por si mesma, nao determina a direco na qual as camadasde intelectuais podem desenvolver as suas concepces; permiteou bloqueia, antes, a tentativa - caracterstica dos intelectuais- de atacar a insensatez do sofrimento e do mundo. NoOcidente, os intelectuais tambm fizeram experiencias no sen-tido da conternplaco mstica, mas tais experiencias, segundoWeber, Iorarn repetidamente frustradas. Urna busca mais voli-tiva e mais ativa de significado tornou-se predominante no Oci-dente.

    Os interesses ativos dos intelectuais ocidentais em dominaros acontecimentos polticos estiverarn ligados a imagem volitiva eantropomrfica de um Deus irado e ao mesmo tempo bondoso.

    FlaviaHighlight

  • 84 ENS....lOS DE SOCOLOGIA ORIENTA~ES INTELECTUAIS 85

    A corrente principal do cristianismo , assim, vista como umacontinuidade da profecia hebraica. Os profetas do judasmo an-tigo so caracterizados como demagogos ativos, que pelo poderda palavra visavam ao domnio do curso dos acontecimentos his-tricos. O clero nao era bastante forte para eliminar efetivamenteesses demagogos religiosos indicados por si mesmos.

    Weber, em sua Sociologia do conhecimento, nao se inters-sava exclusivamente por essas imagens mundiais. Interessava-setambrn por muitas ideologias particulares, que considerava comonoces capazes de justificar e motivar camadas materialmenteinteressadas.

    Eis alguns exemplos: a aceitaco da propaganda religiosadas Cruzadas est ligada as aspiraces imperialistas dos senhoresfeudais, que se interessavam em assegurar feudos para os seusdescendentes. Outras camadas, decerto, evidenciavam outros mo-tivos. O aparecimento e diuso da ordem dos monges mendi-cantes, ou franciscanos, esto ligados aos interesses dos lderesdo poder secular em explorar-lhes as habilidades como professoresnao-remunerados ou como demagogos urbanos que, durante ascrises, podiam domesticar as massas urbanas. Se esses mongesmendicantes teriam, ou nao, sobrevivido contra a oposico doPapa e do clero, se nao dispusessem de tais habilidades, ques-tao aberta. A mesma situaco se aplica a ordem jesuita, depoisque o Papa a colocou fora da lei e Frederico o Grande lheproporcionou asilo na Prssia. A defesa do valor intrnseco deurna determinada linguagem est, freqentemente, associada aosinteresses materiais dos editores pelo nacionalismo. As ordensdas burocracias modernas assumem a forma de "regras gerais",ao invs de "decretos particulares", como se pode ver em conexocom sua tendencia racionalizante geral. Quando Weber tratados problemas polticos, parece usar este modo de interpretacode idias como simples justificaces, Quando trata de problemasreligiosos, mais provvel que ressalte o conceito de "afinidadeeletiva".

    alem e que, no pensamento conservador, serviram como instru-mentos de interpretaco, Constri a dinmica social em termosde urna anlise pluralista dos fatores, que podem ser isolados emedidos em termos de seus respectivos pesos causais. Assim ofaz pela anlise comparada de unidades comparveis, que se en-contram em diferentes ambientes culturais.

    Isto nao significa que ele nao tenha concepces totais dasestruturas sociais. Pelo contrrio, quanto mais Weber se apro-xima da anlise da era contempornea, tanto mais pronto semostra a falar do capitalismo como urna unidade. A unidade vista como urna configuraco de instituices, que pela lgica desuas prprias exigencias limita cada vez mais o alcance das esco-lhas efetivas abertas aos homens.

    Para Weber, urna unidade, como o capitalismo, no umtodo indistinto a ser equiparado a "um instinto aquisitivo" oua. "sociedade pecuniria". antes, tal como para Marx e Sorel,urna escala de tipos, cada qual corn caractersticas institucionaispeculiares. Quanto mais Weber recua historicamente, tanto maisse inclina a ver o capitalismo como urna caracterstica de urnasituaco histrica; quanto mais se aproxima do moderno capita-lismo industrial, tanto mais se dispe a ve-lo como um elementopenetrante e unificador. O alto capitalismo absorve outras ins-rituices em sua prpria imagem, e o padro institucional entre-cruzado d lugar a um quadro de forcas paralelas que seguernno mesmo sentido, ou seja, para a racionalizaco de todas asesferas de vida. Numa construco cada vez mais unilinear daHistria, podemos discernir urna concepco sublimada da nocoliberal de "progresso",

    De conformidade com o pensamento liberal, que se interessapor separar a Poltica e a Economia, Weber distingue entre doistipos bsicos de capitalismo: "capitalismo poltico" e "capitalismoindustrial moderno", ou "burgues". O capitalismo, decerto,s6 pode aparecer quando no mnimo o inicio de uma economiamonetria existe.

    5. ESTRUTURAS SOCIAIS E TIPOS DE CAPITALISMO

    A viso pragmtica das idias, que Max Weber partilha comKarl Marx e John Dewey, est associada a refutaco da tradicohegeliana. Weber rejeita, assim, concepces como "carter na-cional" e "esprito popular" que impregnaram a historiografia

    "Em minha opinio Sombart caracterzou, sob aspectos impor-tantes, o que devemos compreender como poca do capitalismoinicial. No h conceitos histricos "definitivos". No partilhoda vaidade de autores contemporneos que se comportam, frente aurna terminologa usada por terceiros, como se ela fosse urna escovade dentes do autor." Archiv fr Sozialwissen.schaft und Sozialpolitik,1906, p, 348.

    FlaviaHighlight

  • 86 ENSAIOS DE SOCIOLOGIANo capitalismo poltico, as oportunidades de lucro dependern

    do preparo e exploraco da guerra, conquista e do poder prer-rogativo da adrninistraco poltica. Dentro desse tipo se classi-ficam o capitalismo imperialista. o colonial. aventureiro ou pre-datrio, e o fiscal. Alm disso, para localizar a situaco marginalpeculiar dos grupos comerciantes, Weber fala do capitalismodos prias. Esse conceito aplicado aos judeus ocidentais, desdea Antigidade remota at o presente, e aos parses, na India.Embora funcionalmente indispensvel por motivos de forrnacotnica e religiosa, essas camadas so socialmente segregadas ereduzidas ao status de prias, Por capitalismo imperialista,Weber se refere a urna situaco na qual os interesses de lucroso os que determinam o ritmo, ou so os beneficirios, da ex-panso poltica. Os maiores exemplos sao os Imprios Romanoe Britnico, e o imperialismo competitivo da poca presente.O capitalismo colonial, intimamente ligado ao imperialismo po-ltico, refere-se aos capitalismos que lucram com a exploracocomercial de prerrogativas polticas sobre os territrios conquis-tados. Tais prerrogativas incluem monoplios comerciais, asse-gurados politicamente, privilgios de transporte, a aquisico ea exploraco de terras, polticamente deteminadas, bem como otrabalho compulsrio. O capitalismo auentureiro refere-se a in-curses carismaticamente realizadas contra pases estrangeiros,cm busca de tesouros, que podiam ser arrancados dos templos,tmulos, minas, ou dos cofres dos prncipes conquistados, oupodiam ser obtidos como tributos sobre ornamentos e jias dapopulaco. O perodo herico da conquista do Hemisfrio Oci-'dental pelos espanhis, as empresas de alm-mar das cidades--Estados italianas durante a Idade Mdia, a Liga Hansetica e osaventureiros mercadores da Inglaterra sao exemplos histricosdestacados. Embora o capitalismo aventureiro ressalte a natu-reza espordica e carismtica dessas operaces, a expresso capi-talismo predatrio ressalta os objetivos buscados.

    Em certos contextos, Weber ernpenha-se em distinguir ocapitalista extraordinrio das atividades rotineiras do ernpresriocotidiano; no primeiro caso, ele fala dos capitalistas carismticoscomo "super-homens econmicos". Tais figuras surgiram emmuitos contextos histricos: no novo imprio do Egito antigo,na velha China, India, na Antigidade ocidental, no apagarda Idade Mdia, bem como na Amrica do sculo XIX. OsFugger e Rockefeller, Mellon e Cecil Rhodes sao exemplos. A

    ORIENTA~OES INTELECTUAIS 87

    dierenca entre esses capitalistas carismticos e os capitalistas"burgueses sbrios" tem sido freqentemente ignorada nas con-trovrsias sobre o problema da tica protestante e sua relevanciacausal para a aseen sao do "capitalismo moderno". 20

    O capitalismo [iscal, tal como Weber o entende, refere-sea certas oportunidades de lucro proporcionadas pela exploracodas prerrogativas polticas. O fenmeno mais importante dessetipo a atribuico da coleta de impostos a empresas privadas,comum na Roma antiga e no ancien rgime na Franca. Aliberaco da venda de indulgencia aos mercadores italianos comocompensaces pelos seus emprstimos ao Vaticano; a organizacoempresarial das forcas militares e navais pelos condottieri; a li-beraco do direito de cunhar moeda aos ernpresrios privados,como Jacob Fugger, so outros exemplos.

    Esses tipos analticos de capitalismo servem para ressaltardiferentes aspectos de situaces histricas, elas mesmas bastantefluidas. A singularidade do capitalismo industrial modernoconsiste no fato de que urna estrutura especfica de producosurge e ampliada a expensas de unidades de produco pr--capitalista. Essa estrutura de produco tem suas precondiceslegais, polticas e ideolgicas, mas no obstante historicamentesingular. Baseia-se na organizaco do trabalho, anteriormentelivre, e na organizaco da fbrica fixa. O dono da fbricaopera com risco prprio e produz mercadorias para mercadoscompetitivos e annimos. Suas operaces so habitualmente con-troladas racionalmente por um constante equilbrio de custos erendimentos. Todos os elementos, inclusive seus prprios ser-vices empresariais, so contabilizados como itens no equilbriode suas contas.

    Como Marx, insiste em localizar a unidade institucional b-sica do moderno capitalismo na produco, ao invs de localiz-lano comrcio ou financas. Um sistema de capitalismo crescedessas unidades de produco e atravessa vrias fases histricas;em sua etapa mais elevada, caracteriza-se pela separaco dapropriedade e adrninistraco e o financiamento de empresas pelasvendas, ao pblico, de quotas nos possveis lucros das operacesfuturas. Weber aceita, para essa fase final do capitalismo, aexpresso de Sombart, "Alto Capitalismo".

    Ao contrrio de Marx, porm, Weber nao se interessa eminvestigar os problemas da dinmica capitalista. O problemado ciclo econmico e da crise capitalista, essenciais a caracteriza-

  • 88 ENSAIOS DE SOCIOLOGIA ORIENTA~OES INTELECTUAIS 89

    ~ao que Marx faz do capitalismo como "urna anarquia da pro-duco", pouca importancia tem na anlise de Weber. Essaomisso influi na concepco da racionalidade na sociedade mo-derna, tal como Weber a formula. Para Marx, os elementosracionais da sociedade eram os meios que serviam a elementosincontrolados e irracionais, aos quais, porm, se opunha cada vezmais, Para Weber, o capitalismo a forma mais elevada deoperaces racionais, implementada, nao obstante, por duas irra-cionalidades: os resqucios de urna atitude de fundamento reli-gioso" o impulso irracional pelo trabalho contnuo; e o socialismomoderno, visto como a "utopia" daqueles que nao podem to-lerar o que lhes parece ser a injustica insensata de urna ordemeconmica que os torna dependente.s dos empresrios possuido-res de propriedades. Consciente das presses institucionais docapitalismo moderno, Weber, a essa altura, est pronto a utili-zar a categoria das totalidades sociais como "estruturas operantes".Urna vez na sela, o capitalismo deixa de precisar de motivosreligiosos.

    Na teoria sociol6gica, urna teoria "subjetiva" da estratifi-ca~ao do capitalismo ops-se, com freqncia, a teoria "obje-tiva". Os economistas clssicos ingleses, destacadamente Ri-cardo, bem como Marx, representavam a teoria objetiva, defi-nindo "classe" em termos de rendas tipicamente repetidas: ar-rendamento, lucro, saIrio. Assim, para eles, o dono de terras,o empresrio e o trabalhador constituem a estrutura de classes.Nao importa se esses agentes se consideram bretes, monta-nheses, ou qualquer outra coisa; suas posices de classe saorigorosamente localizadas pelo seu lugar e funco dentro daordem econmica objetiva. Marx, aderindo a essa tradico,acrescentou um aspecto histrico ressaltando a natureza espe-cficarnente moderna das classes burguesas e proletrias.

    As teorias subjetivas de classe, por sua vez, deram grandeen fase aos traeos psiquitricos dos "membros das classes". Osdefensores dessa teoria subjetiva mostraram-se ansiosos ern falardo "quarto estado" como se este surgisse lado a lado com osestados mais antigos. Concepces de respeitabilidade e honrasocial, elementos descritivos de opinies polticas e religiosas,e sentimentos ligados aos modos de vida local e regional subs-tituern a abordagem rigorosamente terica dos economistas.Coube a MoeIler van den Bruck, autor de O Terceiro Reich,levar a teoria subjetiva de classes ao absurdo: "Ele um pro-letrio que deseja considerar-se como proletrio. A consciencia

    proletria faz do homem um proletrio, nao a mquina, naoa mecanizaco do trabalho, nao a dependencia salarial do modocapitalista de produco", 21

    Max Weber nao se inclina a permitir que o homem superedesti~o e~onomico difc~ pela ac~obacia da vontade de poder.As situacoes de classe sao determinadas pelas relaces do mer-cado; em lti~a anlise, remontam as diferencas entre os quepossuem propnedades e os que nao as possuem. Concordaassim, corn a escola objetiva na nfase sobre a ordem econmicae a distinco rigorosa entre posices caracterizadas objetivamentee u~a variedade de atitudes, inconstantes e subjetivas que podemrelacionar-se com essas posices,

    Ao localizar o problema da classe no mercado e nos fluxosde, renda e propriedade, Weber se volta para a produco e suaunidade moderna, a empresa capitalista. Dispe-se a reconhecero que deve a Marx pela sua percepco da natureza hist6rica damoderna estrutura de classes. Somente quando opinies subjeti-vas podem ser atribudas a homens numa situaco objetiva de'classe, fala Weber da "consciencia de classe"; e quando focalizaproblemas de "convences", "estilos de vida", de atitudes ocupa-cionais, prefere falar de prestgios ou de "grupos de status",Esses ltimos problemas, decerto, relacionam-se com o consumoque, na verdade, depende da renda derivada da produco ouda propriedade, mas que vai alm dessa esfera. Estabelecendourna distinco clara entre classe e status, e diferenciando entreti~s de classe e tipos de grupos de status, Weber pode tornarrnais claros os problemas de estratificaco, em proporces queat agora nao foram superadas.

    6. As CoNDI~OES DE LIBERDADE E A IMAGEM DO HOMEM

    O h?ito_ da moderna, in telligentsia poltica de disfar-~ar as aspiracoes de seus partidos sob a necessidade hist6rica ede apresentar tais forrnulaces com a dramaticidade da "ne~es-sidade frrea", caracterstica do conservantismo como tambmdo marxi.smo. Em ambos os casos o conceito de liberdade se-gue-se ao "Fata nolentem trahunt, oolentcm ducunt", (Os fadosarrastam os que nao querern e levam os que querem) de Hegel.

    Ver capitulo vn, "Classe, Estamento, Partido", para a suaanlse,

  • 90 ENS.\IOS DE SOCJOLOGIA

    Na direita poltica, o profeta do juzo final destacado foi 05-wald Spengler, cuja construco morfolgica dos ciclos culturaisfoi criticada por Weber como intuices arbitrrias que explorama literatura cientfica corn finalidades nao-cientficas.

    O legado e o impulso liberais de Weber impedirarn-node tomar urna posico determinista. Ele julgava que a liber-dade consiste nao em realizar supostas necessidades histricas,mas em escolhas deliberadas entre alternativas abertas. O futuro, assim, um campo de estratgia e nao urna simples repeticoou desdobramento do passado. Nao obstante, as possibilidades dofuturo nao sao infinitas, nern sao como o barro as mos dohomem de vontade.

    Weber viu a vida social como um politesmo de valores emcombate mtuo, sendo possvel a opco entre esses valores. *O indivduo que toma deciso, que moralmente responsvel ,naturalmente, um tipo de personalidad e especifica mente modernae ocidental. Esse homem pode ser mais do que urna simplesroda na sua engrenagem ocupacional. Se for responsvel, terde tomar decises informadas. Para Weber, o conhecimentosociolgico de um tipo que a complexidade da civilizacomoderna exige de quem toma posices inteligentes em questespblicas. Essas decises responsveis esto tao afastadas do fa-natismo emocional dos seguidores dos demagogos quanto da 50-fisticaco cnica do esnobe ou a pretensiosidade blas do filisteu.

    Como nao se dispunha a ver os burocratas como precursoresde liberdade, Weber sen tia que o campo de liberdade respons-vel se estava reduzindo. Viu-se, quanto a isso, como um liberalantiquado, sem temer cair na defensiva ou nadar contra a cor-rente. O trecho seguinte, que reproduzimos na totalidade, tal-vez ilustre os receios de Weber, bem como a sua afirmaco dascondices da liberdade moderna. Foi escrito em 1906:

    As oportunidades de democracia e individualismo parece-riam hoje muito ms se tivssemos de confiar nos efeltoscertos dos interesses materiais para o seu desenvolvimento.Pos o desenvolvimento dos interesses materias aponta, o maisclaramente possvel, na dreco oposta: no "feudalismo be-nvolo" americano, nas chamadas "institui;es de bern-estarsocial" da Alemanha, na constitueo fabril da Rssia ... em

    Ver o capitulo V, HA Ciencia como Vocaco ", e o capitulo XIII."Rejei~es Reltgosas do Mundo e Suas Direces".

    ORIENTA~ES INTELECTU AIS 91

    toda parte est pronta a casa para urna nova servido. Es-pera, apenas, que o ritmo do "progresso " econmico tcnicose reduza e que o arrendamento triunfe sbre o lucro. Essaltima vitria, juntamente com a exausto do que resta de sololivre e de mercado lvre, tornar "dceis" as massas. Ohornem se mudar para a casa da servido. E, ao mesmo tern-po, acrescente complexidade da economa, a governamentali-zaeo parcial das atividades econmicas, a expanso territorialda populaco - esses processos criam um trabalho semprenovo para os servidores, urna especializaco sempre nova defunces, e o preparo e administraco vocacional especializa-dos. Tudo sso significa casta.

    Os trabalhadores americanos que foram contra a "Reformado Servco Pblico" sabiam o que estavam fazendo. Preferiamser governados pelos parvenus de moral duvidosa do que porurna casta de mandarins. Mas seu protesto foi em vo.

    Frente a tudo isso, os que temem constantemente que nomundo do futuro democracia e individualismo em demasiapossam existir, e muito pouca autoridad e, aristocracia. estimapelo cargo, ou coisas semelhantes, devem acalmar-se. J setomaram muitas medidas para fazer que as rvores do indi-vidualismo democrtico no subam at o cu. De acordocom a experiencia, a Histria faz renascer, incessantemente,as aristocracias e autoridades; e quem as considere necess-ras, para si, ou para "o povo", pode apegar-se a elas. Seapenas as condees materiais e as constelaces de interessedireta ou indiretamente criadas por elas tvessem importancia,ento qualquer reflexo sbria nos convenceria de que todosos indicios econmicos apontam na direco da maior servido.

    totalmente ridculo ver qualquer Igaco entre o altocapitalismo de hoje - como esta sendo importado pela Rsslae como existe na Amrica - e a democracia ou a liberdade.em qualquer sentido dessas palavras. No obstante, tal capi-talismo urn resultado inevitvel do nosso desenvolvimentoeconomice. A questo : como so possveis a liberdade e ademocracia, a longo prazo, sob o domnio de um capitalismoaltamente desenvolvido? A liberdade e a democracia s sopossves quando a vontade resoluta de urna naco, de MOpermitir que a governem como carneiros, surge prematura-mente. Somos "individualistas" e partidrios das nsttuees"democrticas", "contra a corrente" das constelaces mate-riais. Quem desejar acompanhar urna tendencia evolutivadeve abrir mo desses ideais antiquados o mais depressapossvel. A origem histrica da liberdade moderna teve eertascondees preliminares excepconas que jamais voltaro a re-petir-se. Vamos enumerar as rnas importantes:

    Primeira, as expanses de alm-mar, Nos exrcitos deCromwell, na assemblia constituinte francesa, na totalidad ede nossa vida econmica, ainda hoje, essa brisa que vem dooutro lado do mar sentida. .. mas no h nenhurn continente

    FlaviaHighlight

    FlaviaUnderline

  • 92 ENSAIOS DE SOCIOLOGIAnovo a nossa dsposlcq. Irresistivelmente, o ponto de gra-vidade da populaco da cvlizaco ocidental avanea no sentidodas grandes reas interiores do continente norte-americano,de um lado, e da Bssia, de outro. Isto j aconteceu antes,em fins da Antigidade. As montonas planicies da Rssiae dos Estados Unidos facilitarn o esquematismo.

    Segundo, a singularidade da estrutura econmica e socialdo inicio da poca capitalista na Europa ocdental,

    Terceira, a conquista da vida pela ciencia, "a auto-rea-Izaco do espirito". A construco racional da vida institucio-nal, sem dvida depois de ter destruido numerosos "valores",hoje, pelo menos em princpio, cumpriu sua tarefa, Na esteirada padronzaco da produco, tornou uniforme o modo de vidaexterior. Nas atuais condices da economa, o impacto dessapadronzaco universal. Hoje, a ciencia j no cria perso-nalidades universais.

    Finalmente, certas concepces dos valores ideais. surgidasde um mundo de Idias religiosas definidas, marcara m apeculiaridade tica e os valores culturais do homem moderno.E o fizeram trabalhando com numerosas constelaces polticas,excepcionais em si. e com as precondices materiais do inciodo capitalismo. Basta-nos perguntar se qualquer evolucomaterial ou mesmo qualquer evolueo do alto capitalismo dehoje poderia manter, ou criar novamente, essas condces his-tricas singulares de liberdade e democracia a fim de conhecera resposta, Nenhuma sombra de probabilidade fala em favordo fato de que urna "social izaco " econmica, como tal, deveabrigar em seu seio o desenvolvimento de personalidades in-teriormente "livres" ou deais "altruistas". 22

    o pessimismo defensivo quanto ao futuro da liberdade, evi-denciado neste trecho e que constitui um dos temas principaisda obra de Weber, reforcado pelo destino que ele ve para ocarisma no mundo moderno. Embora apresente urna definicobastante nominalista do carisma, claro que o conceito lhe servede veiculo metafsico da liberdade do homem na histria, Que aliberdade encerrada no carisma est condenada evidente nasua observaco nostalgica sobre a Revoluco Francesa. Depoisde estabelecer e classificar as liberdades modernas, Weber indicaque tais liberdades encontram sua justificaco final no conceitodo direito natural da razo; e ento: "A glorificaco carismticada 'razo' encontrou sua expresso caracterstica na apoteose deRobespierre. a ltima forma assumida pelo carisma em sualonga existencia de destinos variados e ricos". 28 A preocupacode Weber com a liberdade nao foi apenas histrica - influen-ciou sua imagem do homem contemporneo como individuo.

    ORIENT.-I.c;:OES iNTELECTUAIS 93

    Ele concebia o homem individual como um campo sto decaractersticas gerais, derivadas das instituices sociais; o indi-vduo como um ator de papis sociais. Isto, porrn, s vlidopara os homens na medida ern que nao transcendem as rotinasdas instituices cotidianas. O conceito de carisma serve parasublinhar a opinio de Weber de que os homens em toda partenao devem ser vistos apenas como produtos sociais.

    Assim como para George H. Mead o "Eu" est habitual-mente ern tenso com os papis sociais oriundos das expectativasde terceiros, assim para Weber a qualidade potencialmente caris-mtica do hornern permanece em tenso com as exigencias ex-teriores da vida institucional. Para Mead, a tenso entre o eue as exigencias dos papis resolvida pela reaco criadora dogenio. Para Weber, a reaco do lder carismtico a desgracaunifica as exigencias exteriores e os impulsos interiores. Numsentido amplo, podemos dizer que a exterioridade se identificacom o constrangimento, e o carisma com a liberdade. A concep-erao que Weber tem da liberdade humana partilha, assim, datradico humanista do liberalismo, que se interessa pela liber-dad e do indivduo como criador de instituices livres. Tendoincorporado a crtica marxista do capitalismo, ele ve o sistemaeconmico como um aparato compulsivo, e nao como a sededa liberdade.

    Para Weber, o capitalismo a materializaco da impessoa-lidade racional; a busca de liberdade identifica-se com o senti-mento irracional e os aspectos privados. A liberdade , na me-lhor das hipteses, um estmulo ao amor da camaradagem e aexperiencia catrtica da arte como urna fuga, dentro deste mesmomundo, das rotinas institucionais. privilgio das classes abas-tadas e educadas: a liberdade sem igualdade.

    Nessa concepco da liberdade como um fenmeno desen-volvido historicamente, hoje na defensiva contra o capitalismoe a burocracia, Weber representa o liberalismo humanista e culturalde preferencia ao liberalismo econmico. A tradico humanistana qual Schiller escreve que "Der Mensch tst freigeschaffen, ist[rei, und wrd' er in ketten geboren", se evidencia na preocupa-erao de Weber para com o declnio do homem culto como per-sonalidade completa, em favor do especialista tcnico, que, doponto de vista humano, um aleijado. A prpria obra de

    Ver o captulo VIII. "Burocracia".