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RELATO CONVERSA INDIVIDUAL 06/11/2011 No 06
Residência CarlinhosRua Flor de Maio, 713, Vila Nossa Senhora de Fátima – Aglomerado da Serra, BH
EntrevistadoCarlinhos, 22 anos, locutor da loja Eskala, no centro de BH.
Contato3281-0592 (telefone de sua tia, Luciana)
Como chegou até o moradorIndicação de Nilberto, marido de sua tia [ver relato da conversa com Nilberto].
AcessoDe carro, seguir pela Via do Cardoso até os prédios. Quando a via entre os predinhos terminar (longo trecho em “zig-zag”), subir a rua imediatamente à frente. O ponto de referência é o “castelinho” do Seu Francisco. A casa de Carlinhos, compartilhada com seus tios Luciana e Nilberto, fica poucos metros abaixo do “castelinho”. De ônibus, pegar o 102 – Cardoso na esquina das ruas Guaxupé com Capivari, no Bairro Serra, esperar ele dar a volta (quase turística!) pelo Aglomerado e pedir pra descer na Praça do Cardoso (ou Praça Bandonion). Subir a rua menos íngreme, à esquerda. São cerca de 3km até a casa de Carlinhos, poucos metros abaixo do “castelinho” do Seu Francisco.
PesquisadoresBárbara Alves Olyntho, [email protected], 8812-3214Leonardo Polizzi, [email protected], 8211-1913
Relato:Bárbara OlynthoLéo Polizzi
Materiais complementares:fotos + áudio
localização
FIGURA 01 – Foto aérea indicando o acesso à casa do Carlinhos/NilbertoFonte: Google Maps, 2011. Montagem: Grupo MOM.
FIGURA 02 – Zoom da localização da casa de Carlinhos/NilbertoFonte: Google Maps, 2011. Montagem: Grupo MOM.
levantamento
FIGURA 03 – Corte das construções no lote de Nilberto, destacando a casa de CarlinhosFonte: Grupo MOM, 2011.
FIGURA 04 – Planta da casa de CarlinhosFonte: Grupo MOM, 2011.
primeiras impressõesA conversa com Carlinhos ocorreu em um domingo de manhã. A expectativa era de aproveitar o
dia para convidar mais pessoas para nossas conversas, já que, em princípio, domingo é o dia
em que os moradores podem se dedicar mais à construção – como observado na primeira visita
a Vila Nossa Senhora de Fátima, realizada em um feriado. Curiosamente, pegamos o ônibus
errado (102/Cardoso ao invés do 102/Flor de Lis), que nos levou por um “passeio” – quase
turístico! – por todo o Aglomerado. O motorista nos deixou na Praça do Cardoso para que
subíssemos cerca de 3km até a casa de Carlinhos (FIG. 05).
FIGURA 05 – Imagem da vista da casa de Carlinhos, ao nível da ruaFonte: Google Maps/Street view, 2011.
Contudo, tanto durante o longo percurso do ônibus quanto durante a caminhada até nosso
destino, vimos pouquíssimas pessoas mexendo com construção. O máximo que vimos foram
duas ou três casas onde as pessoas arrumavam o telhado. Percebemos, em contrapartida, um
comércio extremamente ativo: loja de roupas, supermercado, bar, feira de alimentos na rua,
carro vendendo frutas e verduras (um “sacolão ambulante”), lan houses etc. Havia muitas
pessoas de todas as idades circulando pelas ruas. Ouvimos música vindo de muitas casas. Além
disso, foi comum ver carros, ônibus e pedestres disputando o estreito espaço das vias.
históricoCarlinhos tem 22 anos e nasceu em Sardoá, mesma cidade de sua tia Luciana. Lá, trabalhou
com locução durante quatro anos. Carlinhos contou que há pouca oferta de trabalho e que os
salários são muito baixos na sua cidade e então, em busca de mais e melhores opções de
emprego, ele resolveu vir para Belo Horizonte [0:19]. Aqui, conseguiu trabalho na construção de
um edifício de 8 andares no bairro Grajaú. Foi contratado como servente de pedreiro e durante
os nove meses que durou a obra, ele dormiu no alojamento. Carlinhos relatou que por não ter se
adaptado muito bem a “essa área” (da construção civil), ele recusou a oferta de continuar
trabalhando com construtora que o contratou e acabou retornando para Sardoá. Ele contou que,
depois de alguns dias de descanso em sua cidade, voltou para BH. Faz apenas dois meses que
ele está morando na Vila, em uma casa construída especialmente para ele no lote de seus tios.
Carlinhos é um jovem tímido, que fala pouco e que mora há pouquíssimo tempo na Serra. Sua
entrevista, portanto, acabou não “rendendo” tanto quanto desejado.
articulação entre moradias e moradoresCarlinhos foi morar na Serra a convite dos tios Nilberto e Luciana, que construíram uma pequena
casa de cerca de 25m² especialmente para o sobrinho. O acesso a ambas as casas se dá por
uma escada bastante precária, de terra batida (FIG. 06).
FIGURA 06 – Foto do acesso compartilhado por Carlinhos e seus tiosFonte: Grupo MOM, 2011.
Além do acesso, pode-se dizer que Carlinhos também compartilha a cozinha com os tios. Ele
contou que dá para a tia a cesta básica que ganha da loja e, em troca, Luciana cozinha para o
sobrinho [10:02].
O relacionamento com seus tios é bom, ele disse que “dá tudo certo com Nilberto”, pois cada um
cuida do seu espaço [6:02]. Disse que, se houvesse algum problema, de qualquer natureza,
seria Nilberto quem ele chamaria, mas não teve nenhum problema ainda.
Carlinhos disse (a já clássica frase): “é um ajudando o outro”, explicando que é comum na favela
ver as pessoas se ajudarem. Quando perguntado sobre como ele ajuda o tio, ele revelou que
costuma ajudá-lo fora do seu horário de trabalho, em situações em que Nilberto precisa de
alguém, por exemplo, para bater uma laje (a necessidade mais recorrente) [7:47].
Em relação às negociações entre vizinhos, ajudamos Carlinhos citando o exemplo de cortes no
terreno, tão comuns nas favelas (como fez o vizinho logo abaixo da casa de seu tio). Ele disse
que nem sempre as pessoas se preocupam em conversar com o vizinho que será afetado com
as alterações, e isso ocorre por falta de conhecimento. Carlinhos disse que é preciso checar se
“o terreno é adaptado para o tipo de construção” [32:30].
uso do espaço da casaOs comentários de Carlinhos sobre sua casa foram bem genéricos. Ele acha a casa boa, e que
tem espaço até demais [4:53]. A casa tem quatro cômodos (área de tanque, cozinha, quarto e
banheiro), mas ele contou que só usa mesmo o quarto e o banheiro. A cozinha é hoje uma
espécie de “quartinho de despejo” de Nilberto (FIG. 07) e a área de tanque não é utilizada
porque sua tia provavelmente lava suas roupas. Carlinhos só tem uma cama e uma geladeira,
que fica em frente à cama e ao lado da entrada do banheiro. Como ele é solteiro, ele sente que
não precisa mais que isso. Contudo, disse que quer comprar um fogão pra “aproveitar melhor o espaço”.
Quando perguntado sobre o que está bom e o que está ruim na casa, Carlinhos disse que “ o bom é que gosto, né, tá bom” [27:28]. Ele não desenvolveu muito e, ao darmos alguns exemplos
do que queríamos saber, ele disse que a ventilação boa, que não acha a casa quente, que não
tem infiltração, e que sente que a casa é segura. O que apontou, de cara, como um aspecto ruim
foi o aluguel. Mas, no geral, ele afirmou que nada o incomoda, que não sente dificuldade com
nada, nem mesmo com a escada de acesso.
FIGURA 07 – Foto da cozinha de Carlinhos, hoje um “quartinho de despejo” de NilbertoFonte: Grupo MOM, 2011.
FIGURA 08 – Foto da entrada da casa de Carlinhos, onde a base do pilar foi aumentada, formando um assentoFonte: Grupo MOM, 2011.
dificuldades durante a construçãoNo âmbito da construção, Carlinhos “rendeu” mais. Ele nos contou sobre sua experiência na
obra do edifício no Grajaú, ressaltando como ponto positivo o fato de poder ter conhecido como
funciona uma obra, conhecido o que é necessário para fazer uma obra [2:40]. Entretanto, sua
impressão geral é de que, como já dito, o ramo da construção não é bom. Trabalhar e morar
nove meses em um mesmo local não é fácil. O que Carlinhos ressaltou como o principal ponto
negativo da construção é a “danada da mão-de-obra, muito pesada”. Ele contou que carregava
massa e materiais o dia todo e que chegava a ajudar três pedreiros ao mesmo tempo. Tudo era
muito corrido. Ainda sobre sua experiência com a construção formal, Carlinhos nos contou sobre
a maneira como as informações eram passadas na obra: o engenheiro mostrava o desenho para
o encarregado e o encarregado, por sua vez, passava verbalmente a informação para os
pedreiros, indicando as metragens das coisas. Quando perguntamos se ele acha que existe
alguma semelhança entre a maneira como as informações foram transmitidas e decisões foram
tomadas na obra e na favela, ele disse que acha bem parecida “a questão da estrutura na Vila”:
quando se “quer fazer dois andares, já pega a estrutura pra fazer os dois andares” [19:07]. Ou
seja, ele viu na estrutura de concreto o ponto em comum entre as duas lógicas (formal e
informal) de construção.
Carlinhos nos contou também o pouco que sabe a respeito da construção de sua casa. Nilberto
a construiu pensando na vinda do sobrinho, pois já sabia que Carlinhos estava insatisfeito com a
obra [13:28]. O tio avisou que “tem um andar que pretendo deixar pra você” e, apesar das várias
pessoas interessadas que apareceram, Nilberto reservou o cômodo pra Carlinhos.
Tentamos saber mais sobre o “fenômeno do aluguel de casas” na favela e o que ele disse é que
há, sim, muita construção pra alugar e que tem muita gente querendo. O “mercado” está
disputado! O que leva as pessoas a construir para alugar, segundo ele, é a possibilidade de
“faturar um pouquinho”, aproveitando o terreno que já se tem [14:34].
De acordo com Carlinhos, Nilberto construiu uma estrutura “bem forte”, e ele, por isso, não tem
medo da casa cair [29:15]. Ele também nunca ouvir falar de nenhuma casa que caiu nem de
nenhum outro acidente. Outra informação fornecida sobre as obras na Vila foi que os materiais
de construção vêm do depósito na rua de baixo, que entrega a encomenda na porta da casa.
desejos e planos futuros para a casaA experiência de Carlinhos com a construção formal foi traumática. Ele desenvolveu uma
aversão por construção e não tem planos de reformar ou aumentar a pequena casa onde mora.
Por enquanto, quer continuar onde está, mas o que realmente deseja é comprar, num futuro não
muito distante, “uma casa já pronta”, em BH [16:44]. Disse ainda que se precisar fazer alguma
reforma nessa casa própria pronta, é só contratar uma mão-de-obra experiente pra fazer o
serviço.
espaços públicos cotidianos (o dia-a-dia de fora da casa)Carlinhos mais uma vez foi bastante reticente e genérico em suas observações. Para ele, tudo é
tranqüilo, tudo está bom: infra-estrutura, transporte e espaços para o lazer. Sobre os espaços
públicos cotidianos, não fez nenhum comentário relevante. Reafirmou a ideia de que os vizinhos
colaboram entre si, cada um fazendo a sua parte na limpeza e manutenção dos espaços do dia-
a-dia fora de casa. Carlinhos disse que seria legal ter uma praça na região mais alta do
Aglomerado da Serra, mais perto de sua casa [37:24].
Ele contou que, na Serra, a lan house da Vila, vai à casa de amigos bater bapo, vê TV, vai a
Praça do Cardoso ou lê sua apostila de locutor em seus momentos de lazer [10:37]. Fora da
Serra, ele costuma passear no centro de BH, vai ao Shopping Cidade comprar roupas ou vai ao
Parque Municipal. Disse que não conhece outras regiões da cidade, exceto a Pampulha, onde foi
uma vez e o Parque das Mangabeiras, onde costuma ir com pouca frequencia [40:21].
saneamento, serviços públicos e arranjos coletivosSegundo Carlinhos, “o pessoal colabora bastante”. Disse que quando surge necessidade de
alguma reforma em casa, os moradores geralmente contratam alguém que entende. Mas é difícil
achar alguém – eletricista, bombeiro etc. – que entende do problema. [23:54]
Quando o problema é na rua (um cano que estourou, por exemplo), os moradores geralmente
recorrem à Prefeitura; as pessoas vêem a Prefeitura como o meio de resolver problemas nos
espaços públicos [25:30]. De acordo com Carlinhos, a PBH, apesar da demora costumeira,
atende às reivindicações das pessoas ligam para reclamar de algum problema.
Carlinhos sai para trabalhar por volta das 10 da manhã e se refere ao sistema de transporte com
certo descontentamento, dizendo que tem que descer até a praça (do Cardoso) pra pegar
ônibus, “é uma caminhada danada” [30:20]. Disse ainda que quando chega do trabalho, por volta
das oito da noite, a iluminação é boa.
Quando perguntamos sobre a existência de problemas de saneamento, disse que só presenciou
chuvas leves e que não viu nenhum problema com drenagem, mas que já ouviu falar que aqui
em BH chove muito.
intervenções (passadas, em andamento e futuras)Carlinhos contou que tem acompanhado as remoções e as obras dos predinhos, e as acha boas,
pois muita gente morava em área de risco e agora “o pessoal fica mais confortável” [11:39]. Seus
amigos também acham positiva a atuação da Prefeitura e ele só ouve comentários elogiando as
obras. Ele ainda confessou que não acharia ruim ir para os predinhos, contudo não acharia que
seria uma situação melhor da que está hoje.
comentários sobre instrumentos, cartilhas e manuais mostrados
Mostramos a ele o Manual Práctico de Construcción, revistas Obra? com fotos de passo-a-passo
e alguns panfletos com dicas de construção do MOM. Carlinhos disse que o melhor jeito de
passar a informação é combinando um pouquinho de cada coisa, desenho e escrito, pois um
ajuda o outro. Ele sentiu falta de ter a metragem dos componentes, dos espaçamentos entre as
peças, enfim, de mais detalhes nos tamanhos das coisas que estão sendo mostradas [22:22].