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1 IMPACTOS DA PEC nº 241 no financiamento da Educação Paulo Sena “E no andor de nossos novos santos O sinal de velhos tempos” (Milton Nascimento – Milagre dos Peixes) A Proposta de Emenda à Constituição -PEC, nº 241, de 2016, visa alterar o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), para instituir o que denomina “Novo Regime Fiscal”. Para tanto, dispõe: “Art. 104. A partir do exercício financeiro de 2017, as aplicações mínimas de recursos a que se referem o inciso I do § 2º e o § 3º do art. 198 e o caput do art. 212, ambos da Constituição, corresponderão, em cada exercício financeiro, às aplicações mínimas referentes ao exercício anterior corrigidas na forma estabelecida pelo inciso II do § 3º e do § 5º do art. 102 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. ” Ao fazê-lo, e fixar nova forma (aplicação do ano anterior corrigida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo -IPCA) de cálculo dos mínimos constitucionais de saúde e educação, não apenas muda a regra, mas atinge e fere princípio sensível, e assim viola cláusula pétrea. Prevê a Carta Magna:

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IMPACTOS DA PEC nº 241 no financiamento da Educação

Paulo Sena

“E no andor de nossos novos santosO sinal de velhos tempos”

(Milton Nascimento – Milagre dos Peixes)

A Proposta de Emenda à Constituição -PEC, nº 241, de 2016, visa

alterar o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), para instituir

o que denomina “Novo Regime Fiscal”.

Para tanto, dispõe:

“Art. 104. A partir do exercício financeiro de 2017, as aplicações mínimas de recursos a que se referem o inciso I do § 2º e o § 3º do art. 198 e o caput do art. 212, ambos da Constituição, corresponderão, em cada exercício financeiro, às aplicações mínimas referentes ao exercício anterior corrigidas na forma estabelecida pelo inciso II do § 3º e do § 5º do art. 102 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. ”

Ao fazê-lo, e fixar nova forma (aplicação do ano anterior corrigida pelo

Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo -IPCA) de cálculo dos

mínimos constitucionais de saúde e educação, não apenas muda a regra, mas

atinge e fere princípio sensível, e assim viola cláusula pétrea.

Prevê a Carta Magna:

“Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para:[...]VII - assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais:[...]e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde”.

É a Constituição Federal que prevê que a vinculação de recursos da

receita de impostos à manutenção e desenvolvimento do ensino, estabelecida

no art. 212, não é apenas uma regra de alocação, mas é, também e

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principalmente, um princípio constitucional. Um princípio constitucional

sensível, na expressão de Pontes de Miranda.

Uma vez desrespeitado este princípio, ocorre a mais grave sanção no

Direito Constitucional: a decretação de intervenção federal. Se a própria

Federação, como forma de Estado, é objeto (art.60,§4º,I) de cláusula pétrea,

sanção da gravidade da intervenção federal não pode ter outra natureza.

Recorde-se, ainda, que a Constituição não poderá ser emendada na

vigência de intervenção federal (art. 60,§ 1º). O desrespeito ao princípio da

vinculação à manutenção e desenvolvimento do ensino (MDE) afronta cláusula

pétrea que, quando e enquanto violada, “petrifica” todo processo de alteração

da Constituição Federal. Sob intervenção federal, não podem tramitar

Propostas de Emenda à Constituição (PECs).

A constatação de que a vinculação é um princípio constitucional, que

enseja a intervenção federal (art.34, VII,“e”,CF), sob a qual sequer pode ser

apreciada qualquer emenda constitucional(art. 60,§ 1º,CF) leva à conclusão

inescapável de que se trata de cláusula pétrea. Cláusula pétrea violada pela

PEC nº 241, de 2016. Sanção tão radical (intervenção federal) justifica-se para

proteger o núcleo essencial do princípio da vinculação de recursos è educação.

Não se trata de exceção ao princípio da não-afetação, mas um princípio

autônomo, uma garantia constitucional qualificada ou de primeiro grau

(Bonavides,2016), formalmente caracterizada e que conta com a máxima

proteção de intangibilidade. Justifica-se plenamente porque a Educação é,

talvez, o setor que mais atravessa, que induz e reforça políticas públicas de

outros setores, que é de natureza mais transversal para o cumprimento dos

objetivos da República Federativa, previstos na Carta Magna:

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;II - garantir o desenvolvimento nacional;III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as

desigualdades sociais e regionais;IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem,

raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

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Todos estes objetivos têm a educação como um de seus pilares.

Como já tivemos oportunidade de afirmar (MARTINS,2008), esse

princípio constitucional foi inscrito, pela primeira vez, na Carta de 1934 (art.

156). Trata-se, talvez, de um dos mais significativos marcadores institucionais

do grau de democratização da sociedade brasileira: em todos os momentos de

fechamento político o princípio esteve sob ataque e foi retirado da Constituição.

Assim, com os golpes do Estado Novo e do regime militar, as respectivas

Cartas (1937 e 1967) derrubaram a vinculação. Ao fim do regime de exceção, a

emenda Calmon (Emenda Constitucional nº 24/83, à Constituição de 1967) foi

aprovada, restabelecendo o princípio.

Coube às Constituições que restabeleceram a democracia (1946, art.92

e 1988, art. 212) consagrar essa constante do constitucionalismo democrático

brasileiro. Esse processo não se deu sem resistências.

O impacto positivo dessa medida para a política educacional exige que

se mantenha a definição dada pelo poder constituinte originário face às

repetidas e diversificadas formas de sua relativização ou enfraquecimento.

Ao aprovar o Plano Nacional de Educação, que vigorou de 2001 a 2010,

o legislador diagnosticava (Lei nº 10.172/01, substituída pela Lei nº 13.005/14,

que aprovou o PNE 2014-2024, ora em vigor):

Embora encontre ainda alguma resistência em alguns nichos da tecnocracia econômica, mais avessos ao social, a vinculação de recursos impõe-se não só pela prioridade conferida à educação, mas também como condição de uma gestão mais eficaz. Somente a garantia de recursos e seu fluxo regular permitem o planejamento educacional.

Para Miguel Reale, a aplicação obrigatória da “renda resultante de

impostos” é uma “inovação fundamental que se incorporou a nossa tradição”

(Educação e Cultura na Constituição Brasileira. In: Revista Brasileira de

Estudos Pedagógicos, Brasília, v.65, nº 51, set/nov. 1984, p.652).

Nesta esteira, opinam Fábio Konder Comparato e Élida Graziane Pinto

(Custeio mínimo dos direitos fundamentais, sob máxima proteção constitucional

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Boletim de Notícias ConJur - 17 de dezembro de 2015):

- o comando de imutabilidade que confere máxima proteção aos direitos

fundamentais também se estende às suas garantias estatuídas

constitucionalmente;

- as garantias de financiamento contidas no próprio texto constitucional

revelam um grau máximo de proteção, para que os orçamentos públicos não

sejam omissos quanto à satisfação material daqueles direitos.

Especificamente, em relação à PEC 241, asseveram Fábio Konder

Comparato, Heleno Taveira Torres, Élida Graziane Pinto e Ingo Wolfgang

Sarlet (Revista Consultor Jurídico, 27 de julho de 2016):

Tal inversão de piso para teto desprega a despesa do comportamento da receita e faz perecer as noções de proporcionalidade e progressividade no financiamento desses direitos fundamentais. Assim, o risco é de que sejam frustradas a prevenção, a promoção e a recuperação da saúde de mais de 200 milhões de brasileiros. Ou de que seja mitigado o dever de incluir os cerca de 2,7 milhões de crianças e adolescentes, de 4 a 17 anos, que ainda hoje se encontram fora da educação básica obrigatória.

Cabe trazer à colação a aplicação da tese da proibição do retrocesso social como obstáculo constitucional à frustação e ao

inadimplemento, pelo poder público, de direitos prestacionais, nos termos de

manifestação do Ministro Celso de Mello (ARE 639337 AgR, Relator:  Min.

CELSO DE MELLO, julgado em 23/08/2011):

A cláusula que veda o retrocesso em matéria de direitos a prestações positivas do Estado (como o direito à educação, o direito à saúde ou o direito à segurança pública, v.g.) traduz, no processo de efetivação desses direitos fundamentais individuais ou coletivos, obstáculo a que os níveis de concretização de tais prerrogativas, uma vez atingidos, venham a ser ulteriormente reduzidos ou suprimidos pelo Estado.

Estabelecida a natureza de cláusula pétrea do princípio da vinculação,

cabe analisar o mérito dos impactos negativos da PEC nº 241/2016.

Em audiência pública, em 24 de agosto de 2016, o Ministro da Fazenda,

Henrique Meirelles, em sua exposição à comissão especial que analisa a PEC

nº 241/2016, socorreu-se de transparência (transparência nº26 - A PEC e os

gastos em saúde e educação) com os seguintes argumentos:

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“ - A PEC só altera a fórmula de cálculo do limite

mínimo de gastos. Não obriga qualquer redução de gastos.

- Em ambos os setores o gasto está bastante acima do mínimo, e não será cortado abruptamente. ”

Em primeiro lugar, observa-se que a segunda afirmação de certa forma

contradiz a primeira – os gastos não serão cortados abruptamente – mas,

pode-se inferir, já que estão acima do mínimo, serão cortados...

Em segundo lugar, a violação de cláusula pétrea não deve ser tratada de

forma tão ligeira (“só altera” a fórmula de cálculo do limite mínimo).

É verdade que os gastos estão acima do mínimo. Não é nenhuma

novidade.

Os patamares de aplicação da receita líquida de impostos (RLI), nos

últimos anos foram, conforme o quadro abaixo.

Ano Percentual da RLI aplicado em MDE

Fonte – relator TCU

2011 19,36% RCGR (pg. 242) José

Múcio

2012 25,61% RCGR - (pg. 291) José

Jorge

2013 22,54% RCGR- (pg. 168)

Raimundo Carreiro

2014 23,14 % RCGR– (pg. 105)

Augusto Nardes

2015 22,96% RREO – pg 08

Média 2011-2015

22,7%

Fontes: relatórios e pareceres prévios do TCU, em relação às Contas do Governo da República-RCGR (2011 a 2014) e Relatório Resumido da Execução Orçamentária da União (RREO -2015)

Além dos recursos provenientes da receita líquida de impostos, o

financiamento da educação tem como outro pilar, o salário-educação, (art.212,

§5º), contribuição social recolhida pelas empresas (2,5% da folha). Em 2015,

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segundo dados do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação- FNDE, a

arrecadação bruta foi de R$19,27 bilhões.

Então a educação já recebe muitos recursos (acima do mínimo

constitucional e da fonte do salário-educação) e a PEC não obriga a cortar

gastos?

Não é assim.

Em primeiro lugar, o mínimo está subdimensionado. A receita da União

não cresce via impostos, mas sim via contribuições não vinculadas e não

compartilhadas. Em audiência pública da Comissão Especial responsável pela

análise do Plano Nacional de Educação (PNE), na Câmara dos Deputados, em

06/07/11, o economista e especialista em finanças públicas, José Roberto

Afonso, destacou

a Educação é um setor financiado por impostos, mas os impostos ficaram para trás dentro da carga tributária, que foi crescendo pela via das contribuições sociais, não compartilhadas com os entes subnacionais e não sujeitas à vinculação à manutenção e desenvolvimento do ensino (MDE).

Nos últimos dez anos (2001-2011) a carga tributária federal subiu 4,2%do PIB, mas o gasto vinculado para a educação no âmbito federal subiu apenas 0,2% do PIB.

E, no caso dos estados, houve um encolhimento das receitas do ICMS e das advindas do IPI (fundos de participação).

Assim, não impressiona o argumento de que seria “preservado” o

patamar de dezoito por cento da receita líquida de impostos.

É necessário desfazer algumas confusões conceituais, infelizmente

reproduzidas eventualmente. A educação não tem 18% da receita do

orçamento da União e 25% da receita do orçamento de estados e municípios.

Não conta com 18% da receita tributária - já que, além dos impostos, a

receita tributária compõe-se de impostos e, majoritariamente, de

contribuições. Receitas orçamentárias, tributárias e receita líquida de impostos

são recursos diferentes, com grandezas diferentes.

Os recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação

Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) não são recursos novos para o conjunto de receitas da educação, mas apenas

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subvinculações dos recursos de MDE – os recursos provenientes da receita

líquida de impostos.

Segundo estudos da Consultoria de Orçamento e Fiscalização

Financeira da Câmara dos Deputados -Conof/CD (MENDLOVITZ,2016), se

aplicada a regra da PEC nº 214/2016 para o período de 2010 a 2016, o

comportamento dos gastos em educação seria conforme a tabela abaixo.

MDE – Piso CF X PEC 241/16 – Simulação 2010 a 2016 (tabela 8 – estudo nº 11/2016 - Conof/CD).

valores em bilhões de reaisAno Receita

líquida de impostos

(RLI)

Piso atual (18% da

RLI)(a)

Piso da PEC

(IPCA)(b)

Diferença Piso (PEC e CF/18%)(c= b – a)

Aplicação em MDE

(executado) (d)

2010 173,5 31,2 31,2 --- 33,7

2011 205,5 37,0 33,0 -4,0 39,8

2012 218,8 39,4 35,2 -4,2 56,0

2013 239,1 43,0 37,2 -5,8 53,9

2014 245,5 44,2 39,4 -4,8 56,8

2015 258,6 46,5 42,0 -4,5 59,4

2016 259,7 46,7 46,5 -0,2 59,7

Fonte: Marcos Mendlovitz - Estudo técnico nº11/2016 - Análise dos efeitos da PEC nº 241 sobre a Manutenção e Desenvolvimento do Ensino.

O autor esclarece:

Da análise da tabela acima, observa-se que com a aplicação do mecanismo da PEC 241 haveria redução dos recursos aplicados à educação de tal modo que nem a aplicação efetiva em MDE atingiria o piso constitucional de 18% estabelecido pelo caput do art. 212, exceto em 2016.

Somente diante de um cenário de queda na arrecadação de impostos com inflação alta (como está a ocorrer no exercício de 2016 em relação a 2015) é que se verificaria melhora na aplicação dos recursos em comento, ainda assim aquém do projetado em 2016 para a regra atual.

MDE – Piso CF X PEC 241/16 – Projeção 2016 a 2025 (tabela 9 - estudo Conof/CD)

valores em bilhões de reaisAno Receita

líquida de Piso atual

(18% da RLI)Piso da PEC

(IPCA)Diferença

Piso (PEC e

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impostos (RLI)

(a) (b) CF/18%)(c= b – a)

2016 259,7 46,7 46,7 ----------

2017 276,7 49,8 50,2 0,4

2018 296,4 53,3 52,9 -0,4

2019 315,9 56,9 55,6 -1,3

2020 336,7 60,6 58,1 -2,5

2021 359,8 64,8 60,7 -4,1

2022 384,4 69,2 63,4 -5,8

2023 411,8 74,1 66,3 -7,8

2024 442,1 79,6 69,2 -10,4

2025 475,9 85,7 72,4 -13,3

Fonte: Marcos Mendlovitz - Estudo técnico nº11/2016 - Análise dos efeitos da PEC nº 241 sobre a Manutenção e Desenvolvimento do Ensino.

Verifica-se a tendência de queda dos recursos da educação. Conclui o

estudo: “As projeções para avaliar o impacto da PEC nos pisos da saúde e

educação mostram que as diferenças entre os mínimos atuais e os propostos

podem se ampliar no futuro, com a retomada do crescimento econômico”.

Com o prazo de vinte anos, estabelecido no art. 101 - prazo de cinco

PPAs e dois PNEs - é inviabilizado o financiamento do PNE em vigor e do próximo PNE (2024-2034?).

Aqui cabe ressaltar a tríplice dimensão do PNE: política de Estado, regra

jurídica e pacto político.

Em primeiro lugar, trata-se de uma política de Estado, para além de

governos, assim configurada pela Emenda Constitucional nº 59, que tornou o

PNE um plano decenal e qualificou seu papel, no sentido de organizar o

sistema nacional de educação.

Em segundo lugar, é uma regra jurídica, que gera obrigações, que

podem ser exigidas judicialmente, sobretudo se atingirem o núcleo essencial do

direito à educação e, inclusive para esclarecer eventuais atrasos e

descumprimentos de metas e submeter-se a termos de ajuste de conduta. Não

é, por esse motivo, uma mera carta de intenções.

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Finalmente, o plano foi exaustivamente discutido pelo Congresso

Nacional, com um número recorde de emendas na Câmara dos Deputados -

2.916 emendas, na fase inicial, e mais 449, ao substitutivo do relator Angelo

Vanhoni. Foram diversas audiências públicas, houve ampla participação da

cidadania. O PNE representa um pacto político em prol da Educação, com

aprovação praticamente unânime das diferentes forças e posições políticas da

Câmara dos Deputados.

A PEC nº 241 não leva em consideração este papel estratégico do PNE

para o desenvolvimento da educação e, assim, do país.

Estabelece limites individualizados (art. 102), cujo valor refere-se ao

exercício imediatamente anterior, corrigido pela variação do Índice Nacional de

Preços ao Consumidor Amplo -IPCA (art. 103).

Em caso de descumprimento dos limites, veda (para o Poder ou órgão

que descumpriu o limite):

I - à concessão, a qualquer título, de vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração de servidores públicos, inclusive do previsto no inciso X do caput do art. 37 da Constituição, exceto os derivados de sentença judicial ou de determinação legal decorrente de atos anteriores à entrada em vigor da Emenda Constitucional que instituiu o Novo Regime Fiscal;

II - à criação de cargo, emprego ou função que implique aumento de despesa;

III - à alteração de estrutura de carreira que implique aumento de despesa;

IV - à admissão ou à contratação de pessoal, a qualquer título, ressalvadas as reposições de cargos de chefia e de direção que não acarretem aumento de despesa e aquelas decorrentes de vacâncias de cargos efetivos; e

V - à realização de concurso público.

Como o corte de gastos e as restrições adicionais, previstas na redação

proposta pela PEC para o art. 103 do ADCT, podem impactar algumas das

metas do PNE?

O primeiro desafio, contido no PNE, mas que o precede, uma vez que foi

inserido na Constituição Federal pela Emenda Constitucional nº 59 – é a

universalização da educação básica obrigatória – de quatro a dezessete anos.

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Não só com a universalização se preocupa a Carta Magna, mas também

com a garantia de padrão de qualidade (art.206, VII). Dispõe ainda, o texto

constitucional:

Art.212...................................................§ 3º A distribuição dos recursos públicos assegurará prioridade ao atendimento das necessidades do ensino obrigatório, no que se refere a universalização, garantia de padrão de qualidade e equidade, nos termos do plano nacional de educação.

Argumenta-se que a população de crianças e jovens na faixa da

educação obrigatória será menor e, assim, será maior o valor per capita por

estudante.

Ora, são os economistas que mais difundem a ideia de que, no período

do chamado “bônus demográfico” (no qual o país tem mais força de trabalho do

que pessoas inativas), que começa a se dissipar em 2030 – antes do fim do

período do novo regime fiscal (2036), deve-se investir em educação de ponta e inovação.

E, exatamente a população que será a população economicamente ativa

daqui a vinte anos, precisa ter acesso, agora, a mais qualificação para

sustentar uma população mais idosa e, inclusive, para ser bem-sucedida num

mercado de trabalho complexo e para contribuir com o aumento da

produtividade e competitividade do País.

Finalmente, os efeitos da desvinculação, se não trouxerem impacto

negativo (o que não nos parece), no mínimo, anularão os eventuais impactos

positivos. Se aumentar o valor per capita, devido ao movimento demográfico,

valor que é muito baixo – três vezes menos que a média da OCDE –

poderemos nos aproximar do que foi pactuado com praticamente a

unanimidade dos parlamentares em 2014, isto é, a adoção do custo-aluno

qualidade (CAQ) – decorrência dos dispositivos constitucionais e do que se

aprovou no PNE.

No relatório anual da Organização para a Cooperação e

Desenvolvimento Económico(OCDE) – Education at a Glance, de 2015, ao se

comparar o gasto anual por aluno (utilizando dólares americanos–USD –

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dólares equivalentes convertidos por paridade de poder aquisitivo ou paridade

de poder de compra -PPP), verifica-se que, de uma conjunto de 36 países, o

Brasil é o sexto pior, no que se refere ao gasto por aluno, tanto no nível

“primário”, como no “secundário” e “terciário” ( terminologia do relatório)1.

O valor aplicado por aluno dá um retrato mais preciso do esforço do país

para financiar sua educação. Frequentemente, apresenta-se, de maneira

isolada e descontextualizada, o percentual do PIB, em comparação com outros

países, sem levar em consideração o tamanho do PIB e a população que deve

ser atendida. Assim, por exemplo, a Bolívia aplicou em 2008 o equivalente a

6,4% do PIB em educação e o Canadá 5,2%. Passa-se a impressão que a

Bolívia propicia melhores condições financeiras para o setor educacional, que o

Canadá. Ocorre que o gasto por aluno no período foi de, respectivamente,

695,00 e 7.731,00 dólares (AMARAL,2011).

Selecionamos alguns países, para visualização:

1 O ensino “primário” corresponde aos anos inicias do ensino fundamental. O secundário é dividido entre “lower” (anos finais do ensino fundamental) e “upper”, correspondente ao ensino médio. O terciário é a educação superior.

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PAÍS GASTO ALUNO - NÍVEL PRIMÁRIOREINO UNIDO 10.017

FINLÂNDIA 8.316

MÉDIA OCDE 8.247

ALEMANHA 7.749

COREIA 7.395

PORTUGAL 6.105

CHILE 4.476

BRASIL 3.095

Fonte: OCDE – Education at a Glance - 2015

A garantia do direito à educação requer investimentos em seus

principais insumos: infraestrutura e pessoal (carreira, remuneração adequada,

formação – que ao final podem recuperar a atratividade da carreira). Recorde-

se o que apontou Bernardete Gatti sobre a carreira do magistério (“Professores

do Brasil: impasses e desafios”, lançado em 2011 pela Organização das

Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura - Unesco): “As

condições de trabalho, a carreira e os salários que recebem nas escolas de

educação básica não são atraentes nem recompensadores, e a sua formação

está longe de atender às suas necessidades de atuação”.

Segundo dados do MEC/Inep/Deed, organizados pelo movimento Todos

Pela Educação e inseridos no site observatório do PNE

(http://www.observatoriodopne.org.br), era o seguinte o Percentual das escolas

da Educação Básica com todos os itens de infraestrutura adequada, em 2013:

Região 2013 - %Brasil 4,19

Norte 0,45Nordeste 1,30Sudeste 8,40

Sul 8,83

Centro-Oeste 3,92

Fonte: MEC/Inep/Deed /Todos Pela Educação

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Observe-se que, em relação à rede de esgoto sanitário, esta é, segundo

as mesmas fontes, presente em apenas 35,78% das escolas.

A Meta nº 17 do PNE prevê equiparar, até o final do sexto ano de sua

vigência (2019) o rendimento médio dos profissionais do magistério das redes

públicas aos demais profissionais com escolaridade equivalente. Como atingir

a meta, com corte de gastos, proibição da adequação de remuneração e

proibição de realização de concursos públicos? Da mesma forma a qualificação

do magistério.

Segundo auditoria promovida pelo Tribunal de Contas da União (TCU),

em 2015, faltam 32,7 mil docentes com formação específica apenas no Ensino

Médio. Será preciso substituir os ocupantes de vagas temporárias por

professores concursados, além de repor o pessoal aposentado. E, neste

aspecto, recorde-se que ao longo dos próximos cinco anos, 40% dos cerca de

507 mil professores do ensino médio brasileiro atingirão as condições de idade

ou tempo de contribuição para se aposentar.

Conforme a Munic-IBGE/2014, 10,4% dos municípios afirmaram não

possuir plano de carreira do magistério – como vedar criação de cargos e

funções e alteração de estrutura de carreira?

Apenas parte dos recursos da educação não é alcançada pelos limites

impostos pelo novo regime fiscal, proposto para vigorar por vinte anos – tempo

equivalente a dois PNEs, a cinco PPAs, a cinco mandatos presidenciais.

Nos termos da redação proposta para o art.102, §6º, são excluídos do

teto, os recursos:

- do art. 212, § 6º, isto é, as transferências referentes às cotas estaduais

e municipais do salário-educação;

- do art.60, caput, V do ADCT, ou seja, a complementação da União ao

Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de

Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb).

Não são excluídas do limite de gastos:

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- os demais recursos da manutenção e desenvolvimento do ensino-

MDE (art.212,caput,CF) que estejam fora do Fundeb ;

- os recursos federais do salário-educação (art.212,§5º,CF)2, em

contraste até mesmo com o texto da PEC da DRU (PEC nº143/2015, cuja

redação proposta para o art101,§2º do ADCT exclui o salário-educação da

desvinculação), ocasião em que se prometia preservar todos os recursos do

salário-educação.

- os recursos para viabilizar a Meta 20 do PNE (7% do PIB em 2019 e

10% do PIB em 2024).

A população brasileira está envelhecendo (Cf. figura abaixo - imagem

retirada de apresentação de Remi Castione, em audiência pública na Comissão

de Direitos Humanos e Legislação Participativa-CDH, no Senado Federal sobre

a PEC nº 241).

Deixar de investir na educação nos patamares necessários, como

identificados no PNE, nos vinte anos de vigência da Emenda proposta – tempo

de dois PNEs -, é condenar as gerações que serão a população

economicamente ativa daqui vinte anos, a terem uma baixa qualificação.

Como, assim, melhorar a produtividade?

2 São recursos federais: o valor de 10% do que se arrecada pelo salário-educação, que é previamente direcionado à União, antes da divisão das cotas federal (1/3) e estadual e municipal (2/3) nos termos do art.15,§1º da Lei nº 9.424/96). Assim, a União fica com 40% dos recursos do salário-educação..

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A produtividade, aliás, foi aspecto muito mencionado na audiência

pública da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado Federal, em

16/08/2016, inicialmente pelo expositor Mansueto de Almeida, que fez

referência à diferença de produtividade entre Brasil e Alemanha (o que

permitiria que a Alemanha tenha uma alta carga tributária). Embora tenha

apresentado seus argumentos em defesa da PEC nº 241/2016, parece-me que

ao mesmo tempo, apresentou o argumento mais robusto para excepcionalizar

os investimentos em educação – a não ser que não se enfrente o desafio de

maior produtividade. Afirmou Mansueto de Almeida (grifos nossos):

Qual é o problema? O problema é que, em geral, em países em que a proporção de pessoas com mais de 65 anos de idade aumenta muito, o crescimento cai, e um número menor de pessoas têm de produzir o que antes era produzido por um número maior, exatamente o que estou falando. Isto aqui: em 2015, para cada pessoa com mais de 65 anos, o Brasil tinha oito pessoas em idade ativa, em idade de trabalhar. Daqui a 25 anos, em 2040, essa proporção vai cair pela metade. Para cada uma pessoa com 65 anos, o Brasil vai ter quatro. Daqui a 25 anos, o que aquelas oito pessoas estão produzindo hoje terá de ser produzido por aquelas quatro, o que significa que a produtividade, a capacidade de trabalho daquelas quatro tem de ser pelo menos igual ao daquelas oito.

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Também na audiência da Comissão especial da Câmara dos Deputados,

que analisa a PEC nº 241/2016, de 29/08/16, o expositor Bernardo Appy,

apresentou transparência (nº13) em que compara a produtividade alta na

Coreia e baixa no Brasil.

Fonte: Barro e Lee (2010); OECD Stat; Timmer et al. (2014). Dados organizados por Naércio Menezes. Retirado da exposição de Bernardo Appy, na Comissão Especial da PEC 241, em 29/08/16.

Dada a insuficiente produtividade, será que a contração de gastos na educação, pelo prazo de vinte anos, período em que se formará a futura população economicamente ativa de um país então envelhecido, contribuirá para aumentar a competitividade e atingir o desenvolvimento?

Não é o que parece, mesmo do ponto de vista de uma visão econômica mais ortodoxa, com a revelada, por exemplo, pelo Fórum Econômico Mundial. Em seu relatório, The Global Competitiveness Report 2015-2016, de lavra de Klaus Schwab, ao se apresentar o índice de competitividade global- GCI (Global Competitiveness Index), construído sobre doze pilares, entre os quais, saúde e educação primária (quarto pilar), educação superior e treinamento (quinto pilar) e inovação (décimo segundo pilar), registra-se (pgs. 35 e 36):

Além da saúde, este pilar leva em consideração a quantidade e qualidade da educação básica recebida pela população, que é cada vez mais importante na economia de hoje. Educação básica aumenta a eficiência de cada trabalhador individual. Além disso, geralmente

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trabalhadores que receberam pouca educação formação podem realizar apenas tarefas manuais simples e acham muito mais difícil adaptar-se à processos e técnicas mais avançados de produção e, portanto, contribuem menos para desenvolver ou executar inovações. Em outras palavras, ausência de educação básica pode se transformar em limitação para desenvolvimento de negócios, com as empresas considerando difícil aumentar o valor da cadeia a partir da produção de produtos mais sofisticados ou de valor agregado.

[...]

A qualidade da educação superior e treinamento são cruciais para as economias que querem aumentar o valor da cadeia para além de processos de produção e produtos simples. Em particular a economia globalizada de hoje requer dos países alimentar pools de trabalhadores bem-educados, capazes de realizar tarefas complexas e de se adaptar rapidamente ao seu ambiente em transformação e às necessidades emergentes do sistema de produção.

O relatório situa o Brasil, em ranking de 140 países, na 75ª posição. Indicamos alguns itens dos pilares mencionados:

item Posição do Brasil entre 140 países4.09 Qualidade da educação primária 1325.02 matrículas na educação superior 845.04 Qualidade da educação em matemática e ciências

134

5.06 acessos à Internet nas escolas 975.07 disponibilizações de serviços especializados de treinamento.

101

Fonte: The Global Competitiveness Report 2015-2016

Pode-se, eventualmente, flertar com a ideia de estas são objeções dos profissionais ligados ao setor educacional olhando apenas para seu microcosmo, sem a visão global. Como já mencionado, a política educacional é indutora de outras políticas públicas de outros setores e contribui para o atingimento dos objetivos da República Federativa, tal como definidos no art. 3º da Carta Magna.

Já foi mencionada a posição de alguns juristas.Mas talvez, ambos estes campos não enxerguem as necessidades

econômicas e políticas do País?Não é o que parece – pelo menos para alguns respeitados economistas

e cientistas políticos.Marta Arretche (professora de ciência política da USP e diretora do

Centro de Estudos da Metrópole) e Naércio Menezes Filho (professor de economia da USP e do Insper), em artigo de 24/07/2016, no Caderno Ilustríssima, da Folha de São Paulo, apontam:

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A expansão da escolaridade, por sua vez, reduziu (não eliminou) a influência da origem social sobre a educação e a oferta abundante de jovens não qualificados que chegavam todos os anos ao mercado de trabalho.Vale notar que tal inclusão favoreceu muito mais as mulheres do que os negros e pardos. Mas, o fato é que essa expansão decorreu da vinculação de recursos estabelecida pela Constituição de 1988 e que foi aprofundada com a adoção do Fundef e do Fundeb.Continuar na trajetória de redução das desigualdades de acesso à educação, estancando a oferta abundante de mão de obra não qualificada, é, portanto, uma condição essencial para dar continuidade à queda das desigualdades no mercado de trabalho brasileiro[...]A citada constitucionalização dos sistemas universais de saúde e de educação, bem como do piso dos pagamentos previdenciários, foi resultado de um grande consenso, ainda na transição para a democracia, em torno da ideia de que a democracia não seria sustentável sem políticas de inclusão. A politização da extrema pobreza e da desigualdade, vocalizada por grupos progressistas e de esquerda, inscreveu o tema na agenda política da transição democrática. Tal como Ulysses Guimarães, aquela geração parlamentar amarrou essas políticas ao mastro da Constituição para protegê-las contra maiorias ocasionais no futuro.É possível que aquele consenso esteja em processo de erosão, dada a crescente mobilização política dos grupos conversadores no Brasil. Mas nossa avaliação é de que a vinculação constitucional dos gastos em saúde e educação para os três níveis de governo ainda é a melhor proteção contra o canto das sereias.

Em 13 de Julho de 2016, em entrevista para o jornal Valor Econômico, o

economista José Roberto Afonso declarou:

Só que educação e saúde não podem estar sujeitas aos

humores cíclicos. Quando há uma recessão, tem de acontecer justamente o inverso: tenho de gastar mais com educação e saúde.[...]Rever essa vinculação não me resolve o problema fiscal na recessão, [o problema] imediato. Por quê? Mesmo que acabasse a vinculação, alguém acha que algum prefeito, governador ou presidente — neste momento — vai demitir professor ou médico? Estamos perdendo tempo, fazendo um esforço político e social monumental para discutir algo que é inócuo.

Para Joseph Stiglitz (prêmio Nobel de economia), em entrevista ao jornal

O Estado de São Paulo, de 20/01/16, o investimento em tecnologia, educação,

infraestrutura estimularia a economia. “Compraríamos mais do Brasil, o que

ajudaria vocês”, diz o economista americano. Diz ainda, que a ausência de

igual acesso à educação enfraquece a economia, além de levar a mais

desigualdade (The Atlantic - 28/04/16). Outro economista, prêmio Nobel de

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economia, Paul Krugman, afirmou recentemente (The austerity delusion – The

Guardian -29/04/15), ao resgatar Keynes, que dizia que “é no período de boom

e não na depressão, a hora certa de austeridade”:Isto é macroeconomia standard. Eu sempre encontro

pessoas, tanto na direita, como na esquerda, que imaginam que políticas de austeridade são o que os livros dizem que deveria ser feito – e que aqueles que protestam contra a virada em direção à austeridade estão se apegando a uma espécie de posição heterodoxa radical. Mas, a verdade é que isto é mainstream, os textos de economia não só justificam uma rodada inicial de estímulo pós-crise, como dizem que deveria continuar até que a economia tenha se recuperado.

O que nós temos, entretanto, é uma virada radical na opinião da elite, para além de preocupação com o desemprego, em direção do foco no corte de déficits, sobretudo com corte de gastos. Por quê?

Conservadores gostam de usar supostos perigos de dívida e déficit como porretes para bater no Estado de bem estar social e justificar cortes de benefícios.

O ajuste fiscal no momento de crise não é, portanto, uma solução

consensual entre os economistas – há seus defensores e detratores, como

revelou a audiência da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) no Senado

Federal. Mansueto de Almeida e Marcos Mendes enfatizaram a necessidade

do ajuste. Já o expositor Felipe Rezende ressaltou que Nos países em que essa tentativa de ajuste fiscal foi feita, eles falharam em promover a recuperação econômica em todos. O ajuste fiscal, onde foi implementado, não gerou recuperação econômica”. O FMI acabou de soltar um relatório fazendo mea-culpa, reconhecendo os erros das políticas implementadas na Irlanda, Portugal e Grécia, dizendo que as políticas de ajuste estrutural pioraram a situação econômica e que a recessão aprofundou o desemprego. Isso gerou uma perda social maior do que os ganhos esperados de um ajuste fiscal. São dados do próprio FMI, dados recentes de junho de 2016.

No mesmo debate, afirmou o expositor Pedro Linhares Rossi:

Se o Estado, que é um grande gastador, parar de gastar, muitos vão parar de receber. Então, quando há uma crise em que há a contenção do gasto privado, se o Estado contrair o gasto, são todos que param de receber. E aí há uma recessão.

Em conclusão, a PEC nº 241/2016 afronta cláusula pétrea, incluída na

Constituição de 1934 e nas demais Cartas promulgadas nos momentos de

restabelecimento democrático, como nossa Constituição Cidadã, de 1988. Tão

grave é a violação deste princípio, que conta com máxima proteção de

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intangibilidade, que uma vez ferido pelos estados, acarretará a sanção de

intervenção federal – situação em que sequer pode ser emendada a

Constituição.

A partir de ajuste draconiano, que não é consensual, mesmo entre os

economistas - que propõem diferentes medidas para combater a grave crise

econômica, traz como efeito a negligência quanto à qualificação das gerações

que serão a população economicamente ativa daqui a vinte anos e que

poderiam contribuir para aprimorar a produtividade e, sobretudo, a redução dos

níveis de concretização do direito à educação.

REFERÊNCIAS

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