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TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO Coordenação Central de Educação a Distância Curso de Especialização Mediação Pedagógica em EAD Rio de Janeiro Agosto de 2010 José Manuel da Silva Vozes e subvozes na EAD mediada por computador

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TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

Coordenação Central de Educação a Distância

Curso de Especialização Mediação Pedagógica em EAD

Rio de Janeiro

Agosto de 2010

José Manuel da Silva

Vozes e subvozes na EAD mediada por computador

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Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Coordenação do Curso de Especialização Mediação Pedagógica em EAD como

requisito parcial para obtenção de título de Especialista em Mediação Pedagógica.

Orientadora: Profª. Ms. Deniele Pereira Batista Coordenação Central de Educação a Distância – CCEAD/PUC-Rio

Rio de Janeiro

Agosto de 2010

José Manuel da Silva

Vozes e subvozes na EAD mediada por computador

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Dedico este trabalho a meus alunos, presenciais e virtuais, que sempre, sabedores ou não disso, me ajudam com seus elogios, críticas e sugestões.

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Agradecimentos

Gostaria de agradecer primeiramente à Deniele, minha orientadora, que foi a responsável pela motivação final que me faltava para terminar esta etapa do curso. Preciso igualmente agradecer à Stella pela paciência e pelo incentivo, sem os quais certamente eu teria ficado pelo caminho. Obrigado. De coração.

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Resumo SILVA, José Manuel da. Vozes e subvozes na EAD mediada por computador. 2010. 31p. Trabalho de conclusão de curso – Coordenação Central de Educação a Distância, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Orientadora: Deniele Pereira Batista. As trocas de mensagens em fóruns de discussão de cursos a distância podem ser analisadas, em princípio, de duas maneiras: objetivamente, considerando-se o que trazem de mais explícito em sua formulação, e subjetivamente, tentando-se identificar nas entrelinhas algo latente, mas não verbalizado explicitamente. Neste trabalho, respectivamente, ao primeiro caso chamou-se de vozes dos alunos, e ao segundo subvozes. Sugere-se no decorrer deste estudo que, além das competências já reconhecidas como necessárias ao trabalho do professor na EAD – técnicas e pedagógicas, gerenciais, socioafetivas, e tecnológicas –, seja incluída a competência de analisar o discurso dos alunos de maneira mais profunda do que normalmente acontece. A partir destas subvozes, pode-se identificar uma gama de informações que não aparecem explicitamente nas mensagens. A partir de instâncias reais recolhidas de fóruns de discussão em cursos a distância, aqui serão analisadas algumas delas: problemas técnicos, justificativas, insegurança, irritação, ausência do professor, correção de rumo e visões de mundo. Este trabalho visa lançar nova luz sobre as competências do professor de cursos a distância, sugerindo a necessidade de novos e mais aprofundados estudos nesta área do discurso escrito no gênero fórum de discussão, o que certamente terá grande impacto na afetividade, na socialização e no consequente desempenho dos alunos. Palavras-chave: EAD; fóruns de discussão; afetividade; análise do discurso; níveis de fala; sociolinguística.

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Sumário Introdução ................................................................................................ 06 Capítulo 1 – VOZES E SUBVOZES ......................................................... 11 1.1. Problemas técnicos................................................................. 12 1.2. Justificativas ........................................................................... 14 1.3. Insegurança ............................................................................ 17 1.4 Irritação .................................................................................... 21 1.5 Ausência do professor ............................................................. 22 1.6 Correção de rumo .................................................................... 24 1.7 Visões de mundo ..................................................................... 26 Considerações Finais ............................................................................... 28 Referências .............................................................................................. 30

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INTRODUÇÃO

As novas formas de tecnologia levam a “novas formas de relação com o

outro” (AZEVEDO, 2007, p. 11). Isso é particularmente importante na Educação

a Distância (EAD) mediada por computador, visto que o contato majoritário entre

professor e aluno(s) e entre aluno(s) e aluno(s) se dará de maneira assíncrona. Até

mesmo nas trocas síncronas (chat, videoconferência), que são em geral poucas em

um curso a distância, o contato entre as pessoas é singularmente diferente daquele

que se realiza presencialmente. Há, na EAD, uma distância, uma separação,

espacial e temporal, entre os participantes de um curso, que precisa ser reduzida

ao máximo possível.

Esta separação cria um “espaço psicológico e comunicacional a ser

transposto”, que é chamado por Moore (2002, p. 2) de “distância transacional”. O

conceito “descreve o universo de relações professor-aluno que se dão quando

alunos e instrutores estão separados no espaço e/ou no tempo” (MOORE, 2002, p.

2). É importante notar que o distanciamento físico/geográfico e temporal tem

consequências relacionais, afetivas e comunicacionais. Na educação presencial

também existe alguma distância transacional, mas neste caso é bem mais fácil

transpô-la por meio da fala, dos gestos e dos olhares. A rigor, pode-se afirmar que

a proximidade física em uma sala de aula tradicional pode apresentar relativa

distância transacional, e que na EAD, uma grande distância física pode apresentar

significativa proximidade relacional. Com respeito à EAD, pode-se concluir,

consoante Azevedo (2007, p. 69) que:

Em Educação a Distância foi-se destilando, ao longo dos anos,

um conjunto de técnicas e abordagens metodológicas que, com

uso de tecnologias da informação e da comunicação, podem

contribuir para a redução da distância transacional e a promoção da proximidade afetiva, relacional e comunicacional

tão necessária à aprendizagem.

Basicamente, a EAD se dá mormente por meio do texto escrito. Ainda que

se utilizem vídeos, arquivos de áudio, imagens, apresentações de slides, é nos

fóruns que o debate realmente acontece, com as trocas entre professor e aluno(s) e

entre aluno(s) e aluno(s), com vistas à construção do conhecimento, entendida a

partir de um processamento multimídico, mais livre, “com conexões mais abertas,

que passam pelo sensorial, pelo emocional e pela organização do racional; uma

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organização provisória, que se modifica com facilidade, que cria convergências e

divergências instantâneas, que precisa de processamento múltiplo instantâneo e de

resposta imediata” (Moran apud MORAN et al., 2000, p. 19).

Pode causar estranheza, em pleno século XXI, que o uso do texto ainda

seja a mola mestra da comunicação na EAD mediada por computador. Pierre Lévy

já apontava para isso – e suas observações continuam pertinentes – na década de

1990: “(...) todas as antigas tecnologias intelectuais tiveram e ainda têm um papel

fundamental no estabelecimento dos referenciais intelectuais e espaço-temporais

das sociedades humanas. Nenhum tipo de conhecimento (...) é independente do

uso de tecnologias” (LÉVY, 1993, p. 75). No entanto, é o texto a ferramenta que

neste momento mais viabiliza a comunicação nos ambientes virtuais de

aprendizagem (AVAs). Ressalte-se ainda que, “pelo fato de as pessoas

comunicarem-se, a comunicação virtual, mesmo que sob a forma textual, não

deixa de ser humana” (PALLOFF; PRATT, 2002, p. 61).

Dentre outras ferramentas, técnicas e atividades, é o texto que acaba por

promover a interação em cursos a distância. Seja textos criados pelos professores,

seja textos criados pelos alunos, a grande maioria da interação on-line se dá pela

escrita. O texto é a ferramenta que, em grande escala e em última análise, cria a

ponte que reduz a distância entre as pessoas na EAD mediada por computador,

ainda que se utilizem outras ferramentas concomitantemente.

Como bem aponta Masetto (2000, p. 170):

No uso das novas tecnologias, principalmente a distância, o

meio de que dispomos para nos comunicar é a linguagem, ou

seja, são nossas palavras e expressões. Sem poder contar com a visualização de seu interlocutor, que também não ouvirá o tom

de suas palavras, nem com as reações instantâneas de quem o

ouve, o professor deverá cuidar muito de sua expressão e comunicação para que elas sempre estejam em condições de

ajudar a aprendizagem e incentivar o aprendiz em seu trabalho.

Se a ferramenta básica é o texto, o responsável por sua aplicação é o

professor, na EAD muitas vezes chamado de mediador ou tutor; é ele quem vai

tentar ajudar os alunos a estabelecerem “uma sensação de presença on-line”

(PALLOFF; PRATT, 2002, p. 34). Entende-se a função do professor na EAD,

muito conhecida como mediação pedagógica, como “a atitude, o comportamento

do professor que se coloca como um facilitador, incentivador ou motivador da

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aprendizagem, que se apresenta com a disposição de ser uma ponte entre o

aprendiz e sua aprendizagem” (MASETTO, 2000, p. 144-145).

Alguns autores definem a função básica do tutor (ou mediador, ou

professor): “O tutor estrutura sua tarefa docente estabelecendo o contato com o

aluno por meio dos grupos de discussão, listas, correio-eletrônico e de outros

mecanismos de comunicação” (CAMPOS et al., 2007, p. 42). Note-se que a

linguagem textual é a forma de comunicação característica das ferramentas

mencionadas na citação. Ainda assim, o fórum de discussão (talvez a ferramenta

mais importante de um AVA), também de base textual, não foi citado.

Os autores tentam, além disso, definir as competências do tutor para atuar

em cursos a distância. É possível resumir aqui tais competências em técnicas e

pedagógicas, gerenciais, socioafetivas, e tecnológicas (CAMPOS et al., 2007, p.

43). Ora, se o texto, ou melhor, se o discurso escrito tem a primazia nas trocas

realizadas na EAD, aparentemente falta enumerar entre as competências do tutor a

habilidade de lidar com o texto, seja nas linhas, seja nas entrelinhas. Na verdade, a

discussão sobre esta competência passaria pela Análise do Discurso, disciplina

que tem diversas definições, tais como: “estudo do uso real da língua, pelos

locutores reais em situações realistas” (Van Dijk apud MAINGUENEAU, 2006,

p. 13); “análise conversacional, considerando o discurso como uma atividade

fundamentalmente interacional” (MAINGUENEAU, 2006, p. 13); “disciplina

que, em vez de proceder a uma análise lingüística do texto em si ou a uma análise

sociológica ou psicológica de seu „contexto‟, visa a articular sua enunciação sobre

um certo lugar social” (MAINGUENEAU, 2006, p. 13). É sob esta análise que se

podem interpretar as chamadas entrelinhas do texto escrito, que tanta diferença

fazem para o entendimento correto e preciso do discurso que se profere em uma

situação de fala/escrita.

Na interação on-line, os alunos via de regra emitem sua voz com clareza,

sem margem a dúvidas: perguntas, questionamentos, reclamações e elogios. No

entanto, muitas vezes, por razões várias, é nas entrelinhas, no que se decidiu

chamar aqui de “subvoz”, que os alunos realmente manifestam suas opiniões,

estados de espírito, sentimentos e desejos. Caberá a um professor (ou tutor, ou

mediador) interpretar corretamente o que está por trás da voz do aluno, ou seja,

atinar com a subvoz deste aluno. É nesta subvoz que está a reclamação velada, a

irritação, a solicitação não explicitada, ou até um tímido elogio. A interpretação

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desta subvoz é uma competência específica do professor no ambiente virtual, que

exige prática e “abertura”, pois muitas vezes o não dito explicitamente é uma

crítica, um ressentimento, uma reclamação. Em geral, o elogio, o pedido explícito,

o sentimento que se pode chamar de positivo normalmente aparece na voz; a

crítica, a reclamação, o sentimento que se pode chamar de negativo normalmente

aparecerá na subvoz.

É interessante observar o “não dito” na virtualidade. Um e-mail pode

deixar transparecer diversos sentimentos que não estão explicitados por palavras

(palavrões, gírias, ou expressões características); uma mensagem em um

mensageiro instantâneo ou em uma sala de bate-papo pode acusar, defender,

ofender, agredir, insinuar ou demonstrar afeto sem uma única palavra específica

destas abordagens. As pessoas que utilizam o ambiente virtual provavelmente já

passaram por esta experiência.

Este trabalho tenta demonstrar a necessidade, por parte do professor de

cursos on-line, de detectar nas mensagens escritas dos alunos suas subvozes,

respondendo convenientemente de acordo com cada contexto em particular. Em

outras palavras, tenta-se mostrar que o professor de cursos a distância precisa ter

competências de leitura que transcendem o mero entendimento da superficialidade

do texto escrito, detectando nas entrelinhas das mensagens possíveis sentimentos

não verbalizados objetivamente pelos alunos, não perdendo de vista o contexto e a

realidade dos alunos, ou seja, toda a história daquele grupo em particular e de seus

componentes.

Para tanto foram coletadas instâncias escritas de situações reais da prática

de mediação on-line do autor deste trabalho, em cursos de temática diversificada,

de graduação e pós-graduação, com alunos de faixa etária variando entre os 25

anos e os 50 anos de idade, em média. Os cursos foram conduzidos totalmente a

distância, realizados nas plataformas e-Proinfo, Teleduc e Moodle. O formato dos

cursos não é relevante para este trabalho especificamente, mas é importante

ressaltar que em todos eles os fóruns de discussão constituíram-se em ferramenta

básica de comunicação, escrita e assíncrona, embora contassem com outros canais

de interação.

Embora sejam diversas as subvozes que podem ser identificadas nos

fóruns, por se tratar de um estudo inicial, serão abordadas aqui apenas as

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seguintes: problemas técnicos, justificativas, insegurança, irritação, ausência do

professor, correção de rumo e visões de mundo.

O presente trabalho tem também como pano de fundo o reconhecimento da

relação intrínseca entre afetividade e cognição. Embora ao longo da história haja

uma tentativa de separar razão e emoção (Platão, Descartes, Kant, para ficar

somente com três pensadores e filósofos), hoje em dia parte-se do princípio de que

afetividade e cognição caminham juntas e são inseparáveis no processo ensino-

aprendizagem.

Tanto no campo da psicologia quanto no campo da neurologia,

algumas perspectivas teóricas e científicas questionam os

tradicionais dualismos do pensamento ocidental, apontando caminhos e hipóteses que prometem inovar as teorias sobre o

funcionamento psíquico humano, na direção de integrar

dialeticamente cognição e afetividade, razão e emoções (ARANTES, 2002, p. 2).

Uma vez que é preciso compensar a distância física entre o professor e os

alunos em um curso a distância, aliada às técnicas e estratégias empregadas por

uma nova pedagogia virtual está a competência de reconhecer o que subjaz nas

mensagens escritas dos alunos, na tentativa de promover a criação de uma

comunidade colaborativa eficaz para a construção do conhecimento.

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CAPÍTULO 1: VOZES E SUBVOZES

Quando os alunos conseguem ser bem objetivos em suas falas, o trabalho

do professor é bastante facilitado, pois ficam bem claras suas solicitações,

queixas, sugestões, dúvidas, necessidades e desejos. Tais manifestações podem vir

em forma afirmativa ou interrogativa; neste caso a mensagem é clara, direta e

objetiva. Neste trabalho é o que se entende por vozes dos alunos. A seguir estão

alguns exemplos.

Gostaria de tirar uma dúvida... os acessos aos fins de semana

não serão contatos como presença?

A página para eu analisar na atividade é exatamente aquela que

está no link? Não precisa explorar mais nada no site?

Por favor, alguém sabe responder? Pesquisei mas não encontrei

respostas.

A atividade final também me pareceu um pouco complicada. Poderia dar alguma sugestão ou um exemplo, talvez?

Os jogos são simples... são bons para memorizar!!! Achei uma ótima forma para praticar, só que a contagem regressiva me

deixou um pouco tensa rsrs.

Ainda não enviei o trabalho porque ainda continuo sem entender direito o que devo considerar como bloco e não quero

enviar faltando este item.

Percebi que troquei o fórum ao postar um comentário. Deveria

ter sido no fórum de apresentação. Existe alguma solução pra

esse caso?

Nota-se que as vozes acima não deixam qualquer dúvida quanto a seu teor.

Trata-se de dúvidas, perguntas diretas, comentários, informações e comunicações.

Não há entrelinhas nem sentimentos ocultos, não ditos.

A situação fica mais complexa quando o professor se depara com

ambiguidades, ironia, sarcasmo, ou simplesmente com sentimentos que estão

presentes mas de maneira disfarçada. Isso exigirá do professor profundo

conhecimento da escrita na Web, seus meandros e elementos, além da

competência para analisar o texto escrito procurando por indícios do que não está

sendo dito mas está presente. É o que o presente trabalho chama de subvozes, que

para serem detectadas exigem, além do acima exposto, interação com os alunos,

de maneira a conhecer suas características pessoais, personalidades, modo de se

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expressar, realidades, expectativas, necessidades e postura frente o curso, o

professor e os colegas.

Neste trabalho, por definição, não serão analisadas as vozes mais objetivas

dos alunos. A preocupação estará nas subvozes, na entrelinhas, no que está

subjecente a sua fala, com o objetivo de detectar problemas e realizar ações

necessárias para o bom desempenho da comunidade de aprendizagem.

1.1 Problemas técnicos

Algumas mensagens traduzem problemas técnicos que provavelmente os

alunos nem percebem que estão experimentando e que podem trazer complicações

futuras. O professor de um ambiente virtual precisa ter conhecimento técnico

mínimo que lhe permita solucionar pelos menos os problemas mais básicos por

que passem seus alunos. A competência tecnológica já faz parte do arcabouço de

recursos apontados pelos pesquisadores para os professores na EAD mediada por

computador:

Orientar os alunos sobre os procedimentos básicos do curso – a

forma de submeter trabalhos, acessar conteúdos, enviar mensagens, participar de reuniões on-line (chats);

Esclarecer questões sobre os materiais recebidos, sobre o uso da

plataforma e das ferramentas de aprendizagem ou encaminhá-

las para a equipe de suporte técnico. (CAMPOS, 2007, p. 44)

Alguns aspectos da informática, aparentemente transparentes, indicam

possíveis problemas futuros. Vejam-se os dois exemplos abaixo, de dois alunos

diferentes:

Exemplo 1:

Na minha opinião os quadrinhos sem texto são muito mais

interessantes pois levam o leitor a se comprometer mais com a leitura,

ou seja, ele deve observar as figuras com mais atenção e assim entender a mensagem que as figuras estão passando.

Exemplo 2: Olá !!! Faço Letras/Espanhol. Bom, é isso ai.

A leitura dos trechos acima não é impossível; o máximo pode levar um

curto espaço de tempo para ser decodificada. Em textos longos, entretanto, pode

causar desconforto na leitura. Os caracteres especiais podem ser devidos a

problemas de configuração do navegador e/ou incompatibilidades entre o

navegador do aluno e o AVA (ambiente virtual de aprendizagem). Podem também

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ser gerados quando se digita um texto no Word ou outro editor de texto, colando-o

posteriormente no AVA. Muitas vezes o aluno percebe que sua mensagem saiu

com os caracteres especiais, e pode falar sobre o assunto ou não. O que o

professor deve perceber é que este problema aparentemente simples pode ter

consequências futuras: links podem não aparecer na mensagem, textos podem ser

cansativos para serem decodificados, mensagens podem ser truncadas, e por tudo

isso vale a pena alertar o aluno para que tome medidas que reduzam ou eliminem

o problema. Como já foi dito, é preciso ter competência tecnológica para detectar

as razões para as ocorrências exemplificadas acima; caso contrário, o próprio

professor não atinará com suas potenciais implicações. Sugerir que as mensagens

sejam digitadas no Bloco de Notas, sugerir a troca do editor de texto, ou uma

revisão nas configurações do navegador fazem parte de possíveis

encaminhamentos, não excluindo a sugestão de consulta a um técnico mais

próximo do aluno.

Seguem mais exemplos de outra ordem.

Exemplo 3: Consegui entrar no grupo! Meu Deus como tem coisa para ler.... Tô ficando assustada! rs

Exemplo 4: Olá! Só hoje descobri como funciona o Teleduc!

Exemplo 5: Infelizmente só consegui chegar agora. Já havia visitado a

página algumas vezes, mas a Internet e a informática ainda não são o meu forte.

Os casos acima, oriundos de fóruns de apresentação, são típicos de

dificuldades técnicas nem sempre verbalizadas. Quanto à primeira parte do

exemplo 3, é importante investigar por que a aluna demorou para entrar no

ambiente pela primeira vez: pode ter sido devido a falta de tempo, mas pode ter

sido devido a problemas com o acesso à Internet ou ao manuseio das ferramentas

do AVA. A segunda parte pode indicar ou não algum excesso de material, o que

precisará ser considerado numa futura avaliação do curso, mas isso será objeto de

análise mais adiante. O exemplo 4, embora não explicitamente, indica uma

possível dificuldade do aluno em acessar o ambiente virtual. Por fim, o exemplo 5

também indica, até bem explicitamente, as dificuldades do aluno com relação à

informática de modo geral e aos ambientes virtuais. Todos estes casos devem ser

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objeto de comentários por parte do professor, especialmente em se tratando de um

fórum de apresentação, em geral criado não somente para “quebrar o gelo”, mas

também para promover um período de ambientação com o AVA. Todo e qualquer

problema durante esta fase, se não equacionado, pode trazer prejuízos futuros para

o aluno. É nesta fase que o aluno precisa se sentir acolhido, que faz parte de um

grupo, que está amparado; problemas técnicos podem fazer com que o aluno

desenvolva inseguranças que certamente irão prejudicá-lo.

1.2 Justificativas

Alguns alunos passam por problemas de ordem pessoal e/ou profissional

durante o curso. Alguns deles informam com antecedência que se afastarão, que

não poderão postar alguma atividade, mas outros simplesmente “desaparecem”

sem aviso. É praxe o professor tentar entrar em contato para saber o que está

acontecendo, mas nem sempre se obtém resposta do aluno. Seja como for, a

grande maioria dos alunos envia mensagem ao professor ou ao fórum quando

retorna de algum afastamento. Estas mensagens podem ou não exigir uma leitura

mais profunda, como discutido a partir dos exemplos apresentados a seguir.

Exemplo 6:

Olá pessoal! Acharam que eu havia desistido? Claro que não!

Olha eu aqui... Tenho acompanhado os comentários e estou

adorando...Vamos ao meus!

Exemplo 7:

Estava afastada e estou atrasada na leitura dos textos, mas pelo

que eu já li vou tentar escrever algo em resposta às questões.

Exemplo 8:

Muito obrigada e um ótimo final de semana para todos. Até

domingo.

Quando a comunidade de aprendizagem foi bem estabelecida, os alunos

sentem vontade de participar, e, quando não o conseguem, precisam justificar sua

ausência, demora na entrega das tarefas ou afastamento futuro. É bem verdade que

em diversas ocasiões a justificativa se destina, direta ou indiretamente, a alertar o

professor para o fato de o aluno não ter desistido, o que poderia excluí-lo

definitivamente do curso por razões burocráticas e/ou de não cumprimento do

mínimo de mensagens exigidas, por exemplo, por semana, ou ainda devido à não

entrega de atividades devidas. O que se sente em comunidades coesas é, no

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entanto, a necessidade de se justificar perante o professor e os colegas, por razões

afetivas, de pertencimento ao grupo.

Muitas vezes isso é feito em e-mails diretamente ao professor ou, quando o

ambiente possui a função, por correio interno (Teleduc, por exemplo). As duas

primeiras instâncias acima (exemplos 6 e 7) ilustram mensagens aparentemente

simples e diretas, mas que, a depender do contexto, podem gerar consequências

não tão simples e exigem intervenção do professor.

No exemplo 6, a aluna ficou afastada do curso por aproximadamente duas

semanas e já perdera o prazo para a entrega de uma atividade que comporia a nota

final. Foi necessário intervenção do professor para alertá-la do fato e, mediante

justificativa, oferecer novo prazo para a entrega. Caso isso não acontecesse, a

aluna provavelmente ficaria reprovada ao final, ou, no mínimo, o professor só

detectaria a falta da atividade mais à frente, o que poderia gerar acúmulo na

entrega das atividades por parte da aluna.

O exemplo 7 é um pouco mais complexo. A aluna ficou afastada por quase

três semanas e não respondeu aos e-mails e mensagens do professor, que já

informara sua possível desistência do curso. Com sua mensagem de volta, foi

necessário agir prontamente, não só sustando o pedido de desistência, mas

também oferecendo ajuda extra, pois a aluna perdera uma atividade e a quantidade

de textos foi bem grande durante o tempo em que ficou afastada, sendo que a

atividade perdida era a discussão num fórum, discussão esta de que a aluna não

participou. Tratava-se de um grupo grande (aproximadamente 25 alunos) e isto

muitas vezes faz com que determinadas mensagens sejam ignoradas pelo

professor, especialmente se os fóruns estiverem bastante concorridos.

Já o exemplo 8, com a aparentemente simples saudação de um bom final

de semana (a mensagem foi escrita numa quinta-feira), não teria grandes

consequências, não fosse o sábado a data da entrega de uma atividade para nota.

Depreende-se da mensagem que a aluna se ausentaria do ambiente daquela data

até o final de domingo, e que possivelmente não se lembrou da atividade por ser

entregue. Este tipo de mensagem é muito comum próximo a finais de semana e de

“feriados imprensados”. O ideal é que o professor se antecipe, avisando de datas

importantes que coincidam com estes dias; no entanto, ao se detectar uma

mensagem deste tipo, é mister alertar o aluno novamente, pois é possível que ele

ou ela tenha se esquecido e vai certamente deixar acumular trabalho para a volta.

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A questão da ausência é de suma importância no ensino on-line. Em uma

breve comparação com a situação presencial, Palloff e Pratt (2002, p. 64) alertam:

No meio eletrônico, as pessoas podem desaparecer mais

facilmente; sua ausência é notada, porém é algo mais fácil de se ignorar do que uma cadeira vazia. Também é fácil manter-se em

silêncio em um grupo real, porque as pessoas sabem de sua

presença mesmo quando você não fala.

Em suma, “um observador em uma sala de aula comum é notado; um

observador em uma sala de aula eletrônica é facilmente ignorado” (PALLOFF;

PRATT, 2002, p. 64). Portanto, a ausência de um determinado aluno precisa ser

reconhecida e abordada. É justificável que o professor, por vezes, demore a notar

a ausência de um aluno, e é aí que entram as mensagens apontadas acima como

exemplo, uma vez que proporcionam a oportunidade de identificar a ausência –

caso ainda não tenha sido notada – e tomar as medidas adequadas, antes que o

prejuízo seja maior. Assim, Palloff e Pratt (2002, p. 64) concluem:

É importante que os professores fiquem atentos para saber quais

alunos enviam mensagens e quais não enviam. Pelo fato de o sucesso do seminário depender da participação de todos, os

professores precisam lembrar seus alunos de que é sua

responsabilidade participar, seja pelo envio de mensagens no site do curso, seja pelo contado individual.

Falou-se aqui em aspectos burocráticos, atendimento a prazos e obrigações

por parte dos alunos (o professor também as tem, é claro). Ainda persiste em

nossos dias uma noção errônea em relação à EAD, para a qual a ideia de normas e

prazos seria estranha. A flexibilidade existe no curso on-line da mesma maneira

que existe no curso presencial; as tolerâncias idem. Pode haver diferenças em

como as exceções são administradas, mas o aluno virtual tem obrigações a

cumprir da mesma forma que o aluno presencial. O não atendimento a esta regra

contribui, sem dúvida, para o preconceito que ainda sofre a EAD em nosso país,

de cursos “fáceis”, “menos sérios” ou “menos profundos” do que os cursos

presenciais. “É extremamente importante começar a aula com diretrizes claras,

que visem a uma participação aceitável. Tais diretrizes são, em geral, apresentadas

juntamente com o plano de ensino e com o roteiro do curso, como um modo de

criar uma estrutura para ele” (PALLOFF; PRATT, 2002, p. 120). Todo bom curso

a distância que se preze precisa apresentar aos alunos, desde o primeiro acesso ao

ambiente, as chamadas “regras do jogo”: número mínimo de mensagens durante

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um determinado espaço de tempo, modo de avaliação, o que é e o que não é

permitido nas mensagens. Há espaço para negociação, mas uma vez decididas,

cabe ao professor exigir o cumprimento das regras. Por isso, a atenção a

mensagens do tipo das citadas nos exemplos acima é de grande importância para a

boa condução do curso.

Falou-se aqui também em ausência. É preciso distinguir a ausência devida

a um afastamento da ausência devida ao que se convencionou chamar de “silêncio

virtual”. Não é um dos objetivos deste trabalho enveredar por este tema, mas é

importante dizer que um aluno em curso a distância pode optar por não falar em

algumas ocasiões: por timidez, por não concordância com o que se está

discutindo, por não se achar motivado devido ao ponto em que se encontra a

discussão, ou – talvez mais importante – por estar ainda digerindo as informações

constantes do material do curso ou das mensagens do fórum (GONÇALVES,

2004). O silêncio virtual já é chamado de “silêncio fecundo” ou de “silêncio

construtivo” (GONÇALVES, 2004) e precisa ser respeitado como tal. Cabe ao

professor investigar se o silêncio decorre de uma ausência motivada por questões

de força maior ou pelo silêncio virtual. Daí a necessidade, em alguns casos, de se

analisarem as entrelinhas das mensagens, objeto de estudo deste trabalho.

1.3 Insegurança

Infelizmente, “temos baseado a educação mais no controle do que no

afeto, mais no autoritarismo do que na colaboração” (MORAN, 2007, p. 55). Na

EAD, tende-se muito – professores e alunos – a privilegiar o manuseio das novas

tecnologias, o atendimento a prazos, muitas vezes esquecendo de que há seres

humanos envolvidos. É por isso que Palloff e Pratt (2002, p. 59) falam em

“humanizar um ambiente não-humano”, e que Moran (2007, p. 38) reconhece ser

“importante humanizar as tecnologias”. Promover o sentimento de pertença ao

grupo, fazer com que o aluno virtual sinta que está amparado (embora com

autonomia), são itens essenciais na formação do professor virtual. Daí a

necessidade de desenvolver competências socioafetivas:

Estabelecer um contrato psicológico com os alunos, trabalhando

suas expectativas em relação ao curso e ao processo de aprendizagem;

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Manter-se afetivamente próximo e comunicacionalmente

presente no espaço virtual por meio de mensagens frequentes, de

preferência em tom informal, pessoal bem-humorado;

Apoiar e estimular a aprendizagem, por meio de mensagens de suporte que valorizem e encorajem a participação individual e

grupal, elucidando os desafios da educação on-line;

Respeitar as especificidades culturais, o estilo pessoal e as

disponibilidades de cada um;

Contribuir para a criação de um ambiente amigável, diminuindo conflitos e promovendo a interação e colaboração entre os

alunos. (CAMPOS, 2007, p. 44)

A questão afetiva muitas vezes está ligada ao desempenho no curso. Um

plano de curso mal projetado, atividades em demasia, pouco tempo para reflexão

nos fóruns, acúmulo de tarefas podem trazer insegurança e desmotivação aos

alunos. No entanto, dúvidas não sanadas, uma parte mais difícil do conteúdo

apresentado, ou até mesmo a ilusão de que algo é mais complexo do que

realmente parece podem contribuir para o declínio do interesse por parte do aluno.

Por vezes, o sentimento é exteriorizado abertamente; outras vezes não. É disso

que trata o próximo exemplo.

Exemplo 9:

Estou muito preocupada, pois errei muitas questões do

exercício. Eu estou muuuuuuuuuito confusa com essa questão da acentuação, acho que tem a ver com o que você citou

anteriormente, que nós não estávamos totalmente inteirados

com as regras antigas. Sinceramente, eu não estou conseguindo me entender com a gramática oficial do Acordo. O que você me

recomenda? E pensei em comprar a gramática, acho que ela em

livro vai ser mais fácil, o que você acha?

Este curso tratava do novo Acordo Ortográfico, que mexeu com hábitos já

bastante arraigados de escrever, o que causa dúvidas, incertezas e insegurança nos

alunos. O contexto do curso, no entanto, é muito importante. Embora diversos

alunos já tivessem se manifestado com mensagens que indicavam reações

negativas ao Acordo (irritação, insegurança), esta aluna em particular, desde o

início, vinha reagindo constantemente às novas regras de ortografia, chamando a

atenção do professor para a quantidade de mensagens em que expressava sua

insatisfação, sempre levando para o lado de sua “incompetência”. Embora

aparentemente a mensagem encerre uma pergunta objetiva (“O que você me

recomenda? E pensei em comprar a gramática, acho que ela em livro vai ser mais

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fácil, o que você acha?”), no fundo a questão era bem mais complexa: esta

mensagem era a culminância de um crescendo de insegurança, primeiramente em

relação às regras do novo Acordo, e, por extensão, com o decorrer do curso

(estava-se perto da metade), em relação ao curso como um todo. O tom da

mensagem fica bem explícito logo na primeira linha (“Estou muito preocupada”),

em que a aluna aponta a causa principal – e última – de seu descontentamento

(“errei muitas questões do exercício”), com a ênfase dada em “linguagem jovem

de Internet” a sua insegurança (“Eu estou muuuuuuuuuito confusa”), até a

verbalização de sua preocupação: “Sinceramente, eu não estou conseguindo me

entender com a gramática oficial do Acordo.” Qualquer professor já saberia, por

esta mensagem, que a aluna precisava de um acolhimento especial. Por outro lado,

dado o contexto mencionado acima, em que a aluna já vinha se manifestando com

altas doses de negatividade em relação ao tema tratado no curso, foi necessária

uma intervenção mais direta, objetiva e precisa para atacar o problema. Em grande

parte, foi a ênfase dada na mensagem (“muuuuuuuuuito confusa”) que mais

chamou a atenção do professor – que estava correto em sua avaliação – o que leva

a outro nível de discussão: a linguagem da Web.

Muitos professores, no afã de privilegiarem a norma culta nas trocas de

mensagens nos fóruns, limitam, coíbem ou até proíbem os famosos emoticons

[:-)], as abreviaturas (vc, eae, td bem) e os elementos característicos da linguagem

em voga nas mensagens trocadas entre os jovens na Web. Nem tanto nem tão

pouco. Algum grau de liberdade no tocante a estes elementos pode alertar o

professor para o que realmente sente o aluno naquele momento. Não podemos nos

esquecer de que “há uma nova cultura audiovisual, urbana, que se expressa de

forma dinâmica e multifacética, que responde a uma nova sensibilidade e forma

de perceber e de se expressar” (Moran, 1992, p. 40 apud SAMPAIO; LEITE,

1999, p. 39). Inibir totalmente este modo de expressão por parte dos alunos é

reduzir, em grande parte, a percepção por parte do professor do que está por trás

de mensagens que, escritas na forma convencional, não traduziriam corretamente

a tonalidade afetiva dos alunos.

Outro tipo de insegurança aparece no próximo exemplo:

Exemplo 10:

Tudo bem, eu não sou ninguém para achar alguma coisa.

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Curiosamente, trata-se de uma aluna exemplar, que, por alguma razão,

como se constata na mensagem exemplificada acima, apresenta problemas de

autoestima, seja no tocante ao curso, ao conteúdo em discussão, ou em sua vida

pessoal. A mensagem poderia passar despercebida ou ser encarada como reação a

alguma dificuldade do conteúdo em análise durante o curso, mas na verdade

traduz aspectos mais profundos. É preciso dizer que a aluna, por razões que não

vêm ao caso aqui mencioná-las, não possuía acesso fácil à Internet, o que já

dificultava o curso para ela. Com isso, ela só conseguia ler os materiais

disponibilizados e fazer comentários nos fóruns com uma grande defasagem de

tempo em relação aos demais alunos. No caso em pauta (tratava-se de um curso

sobre histórias em quadrinhos, especificamente sobre a tradução destas histórias

do inglês para o português), a aluna julgava-se “incompetente” para opinar sobre o

assunto, por não ter trabalhado ainda com tradução (ela fazia o curso de Letras-

Tradução). Deixar passar em branco uma mensagem dessas talvez corroborasse o

sentimento da aluna, qual seja o de não ter subsídios para opinar sobre o tema, o

que não procedia, pois, como já se afirmou aqui, tratava-se de uma boa aluna. Foi

importante levar em consideração este contexto de dificuldade de acesso à

Internet, de boa aluna do curso de Letras-Tradução, como pano de fundo para esta

mensagem de aparente singeleza, mas que, na verdade, traduzia profunda

insegurança em relação às competências da aluna. Atacar este problema

diretamente é essencial para não deixar dúvidas quanto à capacidade da aluna.

Devido à informalidade já existente no grupo, o professor decidiu começar a

resposta com “primeiramente, nada de se menosprezar; todos aqui estão no

mesmo nível de aprendizado”; outros grupos, com outros níveis de informalidade,

poderiam ser abordados de maneira diferente. O importante é ressaltar a

necessidade de se reconhecer algo mais profundo do que a simples aparência de

pseudonaturalidade no exemplo apontado acima.

Exemplo 11:

Bom, também errei muitas questões, mas não estou achando assim tão complicado... a questão é estudar mesmo, embora

alguns itens sejam um pouco confusos devido a estarmos

acostumados a escrever no automático.

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Exemplo 12:

Quanto a questão nº 7 do exercício de Acentuação 2 não ficou

muito claro para mim, pois não entendi o porquê do uso dos

acentos diferenciais. Peço socorro também!!!!!!!!!!!

Os exemplos 11 e 12 acima somente corroboram a necessidade de “ler nas

entrelinhas”. Se a aluna do exemplo 11 “errou muitas questões” e se a aluna do

exemplo 12 “pede socorro”, com onze exclamações (outro indício da

expressividade estilística da linguagem da Web), não se trata, certamente, de mera

dúvida; é preciso intervenção por parte do professor, não só no sentido de dirimir

as dúvidas em termos de conteúdo, mas também no sentido de reforçar a

autoestima das alunas.

1.4 Irritação No fundo, as trocas virtuais são exatamente iguais, guardadas as devidas

proporções relativas ao ambiente on-line, àquelas presencias, considerando-se que

o clicar do mouse nos dois extremos é realizado por seres humanos. Significa

dizer que um curso virtual está sujeito aos mesmos componentes emocionais de

um curso presencial, conforme ilustrado nos exemplos a seguir.

Exemplo 13:

Quanto às mensagens picotadas, interprete como vontade de participar

e não contagem para participação. Se o título da mensagem é hífen, a dúvida sobre o primeiro parágrafo é sobre o texto referente. Você pede

a nossa participação com sugestões etc. depois esculhamba!

Retome-se, primeiramente, o contexto da mensagem acima. O aluno

enviara cinco mensagens, de duas linhas cada, ao ambiente, apontando suas

dúvidas. O curso, sobre o novo Acordo Ortográfico, tratava do hífen, e uma das

mensagens do aluno, fazia alusão ao texto disponibilizado no ambiente, sem

menção à página ou ao item específico. O professor respondera indicando que,

como já fora dito antes, não se deviam utilizar diversas mensagens curtas (as

“mensagens picotadas” referenciadas na mensagem do exemplo), quando fosse

possível utilizar apenas uma, e perguntando qual a dúvida específica do aluno

com relação ao hífen. É importante ressaltar que se pode perceber nas entrelinhas

do texto acima um alto nível de agressividade, mesmo antes do trecho “Você pede

a nossa participação com sugestões etc. depois esculhamba!”, referência às

constantes instâncias do professor para a participação nos fóruns. Trata-se, em

termos de uma comunidade virtual de aprendizagem, de uma mensagem

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potencialmente bombástica, e que está diretamente relacionada com a solução de

conflitos; afinal, “há um potencial maior para que o conflito ocorra na discussão

virtual do que na discussão face a face, devido à ausência de sinais verbais, faciais

e corporais, bem como à dificuldade de expressar a emoção em um meio textual”

(PALLOFF; PRATT, 2002, p. 51). Não responder à altura a mensagem deste tipo

implica a possibilidade de disseminar o conflito em meio aos demais alunos. Na

visão do aluno em pauta, sua irritação era plenamente justificável, e, muito

importante, em princípio, não cabe ao professor julgar reações intempestivas dos

alunos – todos têm o direito de passar por problemas. O aluno em questão vinha

passando por problemas pessoais graves (separação da mulher, mudança de

emprego) e, na verdade, exteriorizava sua irritação com seu momento de vida. Por

mais que não se justifiquem agressões em qualquer ambiente, on-line ou

presencial, tudo pode – e deve – ser relativizado, não só no intuito de entender o

momento por que passa o aluno, mas também com vistas a evitar a propagação de

situações constrangedoras no ambiente virtual.

1.5 Ausência do professor

Difícil de aceitar por parte de muitos professores, especialmente aqueles

oriundos de uma formação presencial, é que “professor também erra”, e muitas

vezes os erros podem ter repercussões bastante negativas entre os alunos, como

teriam em um curso presencial, talvez potencializados pela impossibilidade de um

contato mais “humano”. Os exemplos a seguir tentam ilustrar, além do óbvio,

assunto do presente trabalho, que não basta apontar os sucessos obtidos pelo

professor no meio acadêmico, mas também seus fracassos, que servirão para

redimensionar sua postura, ou o curso propriamente dito.

Exemplo 14:

Olá [colega], se você está perguntando é porque não deve ter se atentado mesmo para a resposta que está na solicitação do

trabalho, e como tenho percebido que o professor tem custado

um pouco para responder nossas dúvidas vou te falar: está escrito

até meia-noite do dia 10 de julho.

A “indireta” da aluna é óbvia: o professor se ausentou do ambiente mais

do que o tempo “permitido”, o que causou estranheza e insegurança nos alunos.

Por um lado, a mensagem comprova que a comunidade de aprendizagem foi bem

estabelecida desde o início, visto que a troca entre os alunos pressupõe respostas a

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questões postadas por eles próprios, em claro sintoma de autonomia desenvolvida

no grupo. Por outro lado, vê-se claramente que os alunos de um curso virtual

esperam a participação do professor tanto quanto os alunos de um curso

presencial. As entrelinhas, ou subvozes, desta mensagem são claras: o professor

esteve ausente (na verdade por uma semana, sem aviso) e não deveria ter estado.

Fim.

Exemplo 15:

Também estou por aki trabalhando na parte individual enquanto

esperava a devolutiva do tutor.

O exemplo 15 reflete o que já foi dito: sem desculpas, o tutor se ausentou

mais do que o devido, sem aviso, com a consequente insegurança por parte dos

alunos.

Exemplo 16:

Me desculpem a sinceridade, mas estou de "saco cheio desse trabalho". Cada hora vem uma novidade (...) Passamos por

todos os módulos, agregamos uma série de conhecimentos,

aprendemos a gostar da tutoria e a entender toda a importância

do tutor na educação a distância e agora com... ai deixa pra lá.... Estou passando por outros problemas (pessoais) e não consigo

mais me concentrar nesse "enrola-enrola".

A despeito da possível facilidade em encarar a mensagem acima como

mera consequência dos problemas por que passava a aluna, o fato é que o

professor se ausentou do ambiente, sem aviso prévio, mais do que o devido.

Muitos professores ainda não admitem a própria “culpa” pelo mau desempenho

dos alunos, o que é lamentável. Prega-se presença constante no ambiente virtual,

respostas em 24 horas, mas o fato é que, assim como os alunos, os professores têm

problemas de ordem pessoal e profissional e incorrem nos mesmo “erros” dos

alunos. No caso do exemplo 16, a aluna fez o que deveria ter feito: reclamou. Nas

entrelinhas, percebe-se a excelente abordagem do/a professor/a anterior

(“importância do tutor”), que deve ter explicitado a importância de estar sempre

“presente” no ambienta virtual. Percebe-se também, no “ai deixa pra lá”, a postura

da aluna, ética e ao mesmo tempo amadurecida, de evitar o conflito direto com o

professor, embora o contexto esclareça que a aluna passava por problemas

pessoais e que o “enrola-enrola” dissesse respeito a decisões arbitrárias sobre o

encaminhamento do curso. Nada disso justifica a ausência do professor.

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1.6 Correção de rumo

Em geral, quando se fala em avaliação, pensa-se imediatamente na

avaliação do aluno. Sob este aspecto, “a tendência predominante na prática de

avaliação educacional tem instituído um sentido bastante reduzido para o processo

de reflexão sobre as ações desenvolvidas pelos sujeitos” (PICANÇO, 2003, p.

125). Constata-se que “o sentido da avaliação está, dinamicamente, vinculado ao

processo de ensino-aprendizagem” (PICANÇO, 2003, p. 128). Por outro lado, o

conceito de avaliação inclui também o curso como um todo, suas etapas, os

professores, o método empregado e até aspectos administrativos, burocráticos;

todos estes aspectos também precisam ser avaliados dinamicamente, com

vinculação ao durante, ao processo de ensino-aprendizagem.

Na verdade, a avaliação de um curso on-line “começa com a fase de

planejamento de um programa educacional e termina com estudos de

acompanhamento para determinar sua eficiência” (PALLOFF; PRATT, 2002, p.

184). Com isso, diversos elementos precisarão ser analisados ao final do curso,

antes de uma possível nova edição, mas é capital recolherem-se dados durante o

curso para consubstanciarem a manutenção ou a mudança de tais elementos.

“Com o tipo adequado de dados de avaliação, deve ser possível determinar

precisamente que tipo de ajuda é necessária para uma determinada pessoa”

(MOORE; KEARSLEY, 2007, p. 130). Um bom sistema de avaliação possui

basicamente três características:

● Especificação preliminar de bons objetivos de aprendizado;

● Elaboração e posteriormente o gerenciamento dos trabalhos

apresentados pelos alunos como prova do aprendizado, comumente indicados como tarefas;

● Coleta de dados e sistema de relatórios, ambos de boa

qualidade. (MOORE; KEARSLEY, 2007, p. 130-132)

Diversas “correções de rumo”, no entanto, podem ser realizadas durante o

curso, ao se detectar qualquer anomalia, sem que o professor precise aguardar o

final do curso. O mais comum é perceber efeitos de tarefas mal dimensionadas,

prazos excessivamente curtos ou longos, e grande quantidade de materiais. É na

fala dos alunos, especialmente no que se está chamando aqui de subvozes, que o

professor pode detectar potenciais problemas e agir prontamente. Vejam-se os

exemplos abaixo.

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Exemplo 17:

Em espanhol temos uma disciplina onde estudamos introdução à tradução. São apenas noções, visto que é tão vasto esse campo e

temos apenas um semestre. Acho interessante, mas ainda não fiz

essa disciplina, mas certamente será para mim mais fácil que o inglês que não sei ler.

Exemplo 18:

Consegui entrar no grupo!

Meu Deus como tem coisa para ler.... Tô ficando assustada! rs

O exemplo 18 é relativo a um curso sobre histórias em quadrinhos, e a

mensagem da aluna se refere a um módulo sobre a tradução destas histórias. Por

ser a área dominante do professor, os exemplos foram escolhidos todos em inglês,

sem que houvesse a preocupação de confirmar se todos os alunos do curso eram

do curso de Letras-Inglês e Letras-Tradução, ou se havia algum do curso de

Letras-Espanhol, como ficou evidenciado pela mensagem da aluna. A rigor, esta

pesquisa deveria ter sido feita quando do início do curso, para que só fossem

permitidos alunos que dominassem o inglês (ou pelo menos que todos fossem

alertados sobre esta peculiaridade do curso), ou para que fossem incluídos

materiais em outra(s) língua(s). Até aquele momento, todos os exemplos dados

tinham sido em português, mas a partir da mensagem acima reproduzida,

prontamente foram incluídos no material de leitura alguns exemplos em espanhol,

para contemplar as necessidades desta aluna em particular. Note-se que a aluna

não se queixa diretamente, mas deixa transparecer que (1) não tem muita

experiência com tradução (ela fazia parte do curso Letras-Espanhol, enquanto que

os demais alunos faziam parte dos cursos de Letras-Inglês e Letras-Tradução) e

(2) não fala inglês.

O exemplo 18 aponta para um possível excesso de material colocado no

curso. Estes casos precisam ser muito bem analisados, pois pode se tratar de um

caso isolado, mas também pode se tratar de uma opinião geral. Neste último caso,

medidas imediatas precisam ser tomadas, ou com a redução do material, ou com a

transformação de uma parte dele em material opcional, ou com a ampliação de

prazos para sua leitura. A situação retratada no exemplo 18 era relativa a um caso

isolado, até porque, como se pode depreender do início da fala da aluna, ela

demorou para entrar no grupo (por problemas técnicos); além disso, não havia

reclamações por parte de outros alunos com relação ao material. De qualquer

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forma, “assustada” é uma palavra forte e que precisa, no mínimo, de uma

mensagem de encorajamento à aluna, ou da flexibilização de prazos, se for

possível.

Exemplo 19:

Pena que ainda existe muito preconceito em utilizá-los em sala de

aula! E o pior é quando o professor quer trabalhar os quadrinhos com

os alunos e a escola não permite…

O exemplo 19 ilustra um fato bastante comum em fóruns de discussão,

especialmente quando o assunto discutido tem boa recepção por parte dos alunos:

a necessidade de material extra. No caso analisado aqui, não fazia parte do curso a

discussão sobre o uso de histórias em quadrinhos em sala de aula, nem da

repercussão desta prática no meio educacional. A partir desta e de outras

mensagens, achou-se por bem recomendar material específico sobre o assunto (até

porque os PCNs já recomendam o uso de quadrinhos como gênero textual), e

criou-se um novo fórum para a discussão do tema. A mensagem reproduzida

acima, no entanto, não contém pedidos ou sugestões: no entanto, as entrelinhas (e

as reticências ao final) claramente sugerem uma vontade de prosseguir na

investigação do tema, que surgira por acaso em meio a outra discussão.

1.7 Visões de mundo

Um grupo virtual de alunos não difere absolutamente de um grupo

presencial. São pessoas, com personalidades distintas, objetivos muitas vezes

opostos, e, acima de tudo, diferentes visões de mundo. Em princípio, o tratamento

dado aos alunos é o mesmo que aquele dado aos alunos presenciais, mas

determinadas opiniões ou manifestações trazem a possibilidade de conflitos, de

qualquer tipo e grau, principalmente por ser um curso on-line majoritariamente

assíncrono; em outras palavras, como a leitura de uma mensagem só vai ser lida

posteriormente a sua postagem, suas repercussões poderão gerar réplicas e

tréplicas problemáticas. Isto é muito comum com abordagens sobre política, sexo

e religião. Embora se devam respeitar as opiniões dos alunos, é preciso que o

professor perceba determinadas nuances que possam causar dificuldades futuras.

Exemplo 20:

Creio que para se ter uma estilística rica em detalhes, o autor

tem que estar inspirado por Deus, ou seja, para se fazer uma abordagem que toque as pessoas, só se sair do coração!

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O exemplo 20 se refere a uma discussão sobre estilística nas histórias em

quadrinhos. A estilística já é, por definição, uma ciência que leva muito em conta

a emoção carreada pelas palavras, o que, por sua vez, pode trazer analogias com o

sobrenatural (neste caso, Deus) e com padrões sentimentais vigentes em nossa

sociedade (neste caso, o coração). A mensagem anterior suscitou algumas outras,

não colocadas aqui para não alongar por demais o trabalho, com opiniões

inflamadas sobre religiosidade e inspiração. Se por um lado uma discussão deste

teor pode enriquecer o debate, por outro, devido às diferenças entre os alunos,

existe o risco de sérios conflitos. Foi preciso intervenção do professor para

lembrar do aspecto acadêmico do curso e da discussão que ocorria, na tentativa de

retirar a forte carga emocional que se desenvolveu.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pierre Lévy aborda com lucidez a questão do texto no contexto da

virtualidade:

Longe de destruir o texto, a virtualização parece fazê-lo coincidir

com sua essência, frequentemente revelada. Como se a virtualização contemporânea atingisse o vir-a-ser do texto. Como

se saíssemos de uma pré-história e a aventura do texto

começasse verdadeiramente. Como se viéssemos, enfim, a inventar a escrita (LÉVY, 1998, p. 49, tradução nossa).

Ao traçar um pequeno histórico da escrita, desde sua origem até a era

digital, Kenski (2003, p. 36) discorre sobre os critérios que determinam a

compreensão do texto escrito:

A partir da escrita se dá a autonomia do conhecimento. Não há

mais a necessidade presencial do comunicador, informando,

observando e orientando seus discípulos. Os conhecimentos são apreendidos não na forma como foram enunciados, mas no

contexto em que o escrito é lido e analisado. A análise do escrito,

por sua vez, distante do calor do momento em que o texto foi

produzido, é realizada basicamente por meio da compreensão racional do que está sendo apresentado. A comunicação escrita é

apreendida por meio de critérios em que predominam a razão e

os aspectos cognitivos da personalidade, pretensamente isentos de emocionalidade.

A EAD mediada por computador, além de utilizar diversas ferramentas

tecnológicas, ainda está, em grande parte, baseada no texto escrito, o que mantém

vivas ainda as palavras de Pierre Lévy acerca da relação entre virtualidade e

escrita. São, além disso, os critérios apontados acima que devem ser levados em

conta na compreensão e interpretação dos textos produzidos pelos alunos de um

curso virtual, principalmente nos fóruns de discussão, espinha dorsal desta

modalidade de ensino.

Como não poderia deixar de ser, as vozes dos alunos de um curso a

distância precisam ser ouvidas tanto quanto aquelas dos alunos de um curso

presencial. No entanto, como se está em um ambiente virtual, digitalizado, sem os

recursos de olhares, tons de voz e linguagem corporal, toda atenção ao texto

escrito deve ser empregada, em muitas situações para se tentar identificar as

entrelinhas, as subvozes destes alunos, considerando-se que muitas vezes, por

questões várias, são as entrelinhas, as subvozes de que trata este trabalho que

serão mais importantes.

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Embora poucos, já existem estudos que tentam analisar a linguagem

utilizada na Web, não só em termos linguísticos propriamente ditos, mas também

em relação a determinadas profissões, como o webwriting (escrita para a Web,

ramo vinculado mormente ao jornalismo). Estes estudos, a exemplo do que ocorre

na EAD, reconhecem que “seja o que for a cultura da Internet, ela ainda está em

grande parte baseada no texto” (Wilbur, 1996 apud CRYSTAL, 2002, p. 8,

tradução nossa).

Crystal (2002) aponta cinco elementos constituintes da linguagem escrita:

gráficos, ortográficos (ou grafológicos), gramaticais, lexicais e discursivos (“a

organização estrutural de um texto, definida em termos de fatores tais como

coerência, relevância, estrutura de parágrafos, e progressão lógica de ideias”). (p.

8, tradução nossa). Estes elementos, também identificáveis no texto digital,

carregam impressões, sentimentos e nuances emocionais. Ainda um campo pouco

estudado, a pesquisa sobre a linguagem escrita na Web pode contribuir para

melhor entendimento entre os alunos e professores de cursos virtuais, o que vai

gerar certamente melhor interação e mais elevado desempenho.

Se por um lado “a linguagem dos usuários da Internet ainda se encontra

em estado de transição” (CRYSTAL, 2002, p. 16, tradução nossa), por outro o

mundo da escrita virtual promete “grandes inovações e criatividade linguísticas”

no futuro (CRYSTAL, 2002, p. 16-17, tradução nossa). O professor de um curso

on-line precisa estar atento a estas mudanças e não adotar a postura já identificada

por pesquisadores como Jakob Nielsen, para quem “o leitor não lê, escaneia”

(Villela apud RODRIGUES, 2000). É preciso, cada vez mais, que o professor

virtual desenvolva a competência linguística, tão pouco mencionada na literatura

sobre EAD, competência esta que passa pela análise textual ou do discurso, e

pelas ciências da linguística, da sociolinguística e da estilística.

Este trabalho tentou apontar a necessidade de um novo foco à leitura das

mensagens dos alunos nos fóruns de discussão em cursos a distância mediados por

computador. Fica patente, espera-se, através dos exemplos recolhidos de situações

reais, a necessidade de estudos mais aprofundados na área, de forma a capacitar o

professor virtual a ouvir não só as vozes, mas também as subvozes de seus alunos.

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