voto n.º 165/2017 – fgp - tcm.rj.gov.br · fatura. determinaÇÃo. reforma estrutural....
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MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO
Gabinete do Conselheiro Felipe Galvão Puccioni
Processo: 40/005674/2010 Data: 18/10/2010 Rubrica: Fls:
VOTO n.º 165/2017 – FGP
Interessado (a): Arte do Frio Refrigeração Ltda.
Natureza: Representação/Denúncia
SUMÁRIO: DIREITO ADMINISTRATIVO.
DIREITO FINANCEIRO. DIREITO DAS
OBRIGAÇÕES. CONTRATO
ADMINISTRATIVO. REPRESENTAÇÃO.
PODER-DEVER DO TRIBUNAL DE CONTAS.
ARTIGOS 70 E 71 DA CRFB/88. ART. 113 DA
LEI 8.666/93. DEVER JURÍDICO DA
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.
CONHECIMENTO. PRECLUSÃO. BOA-FÉ
OBJETIVA. ADIMPLEMENTO CONTRATUAL,
LIQUIDAÇÃO E PAGAMENTO. ORDEM
CRONOLÓGICA DE PAGAMENTO.
EXIGIBILIDADE. FATURA. DETERMINAÇÃO.
REFORMA ESTRUTURAL.
RELATÓRIO
Trata-se de Representação da empresa Arte do Frio Refrigeração Ltda. referente à
omissão do Poder Público em cumprir sua obrigação. A empresa alega descumprimento
contratual por parte da Administração Pública. O objeto do contrato avençado entre a empresa
e o Município foi fornecimento e instalação de 5 aparelhos de ar condicionado.
Em virtude da extensa cadeia de acontecimentos relacionados à Representação em
análise, discorrer-se-á sobre cada um dos estágios pelos quais o processo passou até o
presente momento: 1ª diligência; 1ª determinação e 1º sobrestamento; 2ª determinação; 3ª
determinação; 4ª determinação; 5ª determinação e 1ª audiência; e Estágio Atual.
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I. 1ª DILIGÊNCIA
No dia 18/10/2010, a empresa Arte do Frio Refrigeração LTDA., por meio de seu
representante, apresentou fatos e motivos sobre possível descumprimento de obrigação
contratual por parte da Administração Pública, requerendo que fossem tomadas as medidas
cabíveis por esta Corte de Contas para a solução do impasse apresentado (fls. 2/18), o que deu
origem ao presente processo.
A 4ª IGE, após a devida análise (fls. 20/21), opinou pela baixa em diligência do
presente processo para manifestação do órgão em virtude dos fatos relatados pela empresa
supra, sendo essa posição ratificada pela Secretaria Geral de Controle Externo – SGCE. Em
seguida, a Procuradoria Especial emitiu opinião no mesmo sentido (fls. 22).
O Plenário decidiu pela baixa dos autos em diligência, nos termos do Voto nº
032/2011 ACFM, fixando o prazo de 30 dias para que a SMSDC se pronunciasse sobre as
alegações da representante.
II. 1ª DETERMINAÇÃO E 1º SOBRESTAMENTO
Em resposta à 1ª Diligência, a Jurisdicionada enviou, em 26/04/20111 (excedendo em
38 dias o prazo estipulado por esta Corte - 19/03/2011), o Ofício nº 1040/2011/SMSDC,
acompanhado de cópias comprovando a instauração de sindicância visando à apuração da
origem das obrigações a pagar de exercícios anteriores.
A Especializada (fls. 34) opinou pela remessa dos autos ao Exmo. Sr. Conselheiro-
Relator para ciência, sugerindo o sobrestamento do p.p. e o envio de ofício apartado ao órgão
solicitando cópia da conclusão da sindicância quando finalizada, sendo essa posição ratificada
pela Secretaria Geral de Controle Externo – SGCE. Em seguida, a Procuradoria Especial
opinou pelo sobrestamento do p.p. enquanto perdurassem os motivos que impossibilitavam a
instrução da matéria (fls. 35).
O Tribunal decidiu pelo sobrestamento dos autos na 4ª IGE e pela abertura de prazo
de 30 dias para que a SMSDC enviasse cópia da conclusão da sindicância instaurada nos
termos do Voto nº 330/2011 ACFM de 06/07/2011.
1 A Jurisdicionada tomou ciência do teor da decisão em 17/02/2011.
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III. 2ª DETERMINAÇÃO
Em resposta à decisão contida no Voto nº 330/2011 ACFM, a Jurisdicionada enviou,
em 12/09/2011 (não atendendo, portanto, ao prazo estipulado por esta Corte), o Ofício
SMSDC nº 2757/2011, acompanhado de cópia do processo administrativo referente aos
trabalhos da comissão de sindicância sem o resultado definitivo, autuado neste TCM sob o
processo nº 40/005656/2011, de 19/10/2011, em apenso.
A 4ª IGE (fls. 41/42v.) opinou pela manutenção da Diligência para que a
Jurisdicionada apresentasse o resultado definitivo da sindicância e as medidas adotadas, além
da conclusão no que se relaciona ao débito com a empresa, sendo essa posição ratificada pela
Secretaria Geral de Controle Externo – SGCE. Em seguida, a Procuradoria Especial opinou
pela manutenção da diligência, na forma proposta pela Especializada, e pela emissão de alerta
à Jurisdicionada quanto ao atendimento das diligências e suas possíveis penalidades em caso
de descumprimento (fls. 43).
O TCMRJ decidiu manter o processo em diligência para que, em 30 dias, a SMSDC
enviasse o resultado definitivo da sindicância instaurada e as medidas adotadas, sem prejuízo
de alerta quanto ao atendimento às decisões da Corte, conforme Voto nº 96/2012 ACFM.
IV. 3ª DETERMINAÇÃO
Em resposta à decisão contida no Voto nº 96/2012 ACFM, a Jurisdicionada enviou,
em 03/05/2012, o Ofício A/SCI nº 023, acompanhado de cópia do Relatório Conclusivo da
Quarta Comissão Permanente de Inquérito Administrativo (fls. 57/63v.).
A 4ª IGE (fls. 55/55v.) conclui que “[...] não havendo autoria identificada, bem como
estando ausente qualquer dano ao erário, entendemos, s.m.j., exaurida a competência desta
Corte”, sendo essa posição ratificada pela Secretaria Geral de Controle Externo – SGCE (fls.
64).
A Procuradoria Especial elaborou o Parecer JRP nº 1423/2012 (fls. 65/67), em que
discordou da conclusão do Corpo Instrutivo, opinando pela procedência da pretensão
veiculada na Representação e, consequentemente, pela determinação à SMSDC para que
apresentasse medidas concretas para efetuar o pagamento à empresa contratada, em prazo a
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ser fixado pelo Plenário. Sem prejuízo da emissão de alerta à Jurisdicionada quanto ao
atendimento das diligências e suas possíveis penalidades em caso de descumprimento.
O Plenário decidiu pela diligência por cópia do presente processo para que, no prazo
de 120 dias, a Jurisdicionada comprovasse a quitação da despesa. Decidiu, ainda, sobrestar o
processo na 4ª IGE.
V. 4ª DETERMINAÇÃO
Decorrido o prazo de 120 dias concedido à SMSDC, findo em 20/09/20132, sem a
devida comprovação de pagamento da despesa e sem manifestação alguma por parte da
Secretaria sobre o assunto, a 4ª IGE, em 16/10/2013, às fls. 77, deu prosseguimento ao
processo, submetendo a situação ao crivo do Exmo. Conselheiro-Relator, sendo essa posição
ratificada pela Secretaria Geral de Controle Externo – SGCE (fls. 77v.).
Em seguida, a Procuradoria Especial opinou pela reiteração da determinação
anterior, pela audiência da autoridade responsável pela Jurisdicionada, sob pena de revelia, e
pela emissão de alerta a todos os intimados quanto à decretação de revelia ou ao não
acolhimento das razões de justificativa e sua possível imposição de multa (fls. 80/81).
O Exmo. Conselheiro-Relator emitiu despacho, já em janeiro de 2014 (8 meses após
a decisão desta Corte), às fls. 81v., no qual solicita expedição de ofício dando novo prazo de
30 dias para o cumprimento da determinação contida no Voto nº 229/2013 de sua lavra. O
Exmo. Conselheiro-Presidente Thiers Vianna Montebello enviou o Ofício nº
TCM/GPA/SCP/00 054/2014, no qual concede prazo de 30 dias para o cumprimento dessa
determinação, contado a partir de 23/01/2014.
VI. 5ª DETERMINAÇÃO E 1ª AUDIÊNCIA
Decorrido o novo prazo de 30 dias concedido à SMSDC sem a devida comprovação
de pagamento da despesa e sem manifestação alguma por parte dessa Secretaria sobre o
assunto, a 4ª IGE, em 21/03/2014, excedidos 27 dias do novo prazo ainda sem qualquer
resposta, às fls. 83/83v., deu prosseguimento ao processo, submetendo-o à Consideração
Superior, sendo essa posição ratificada pela Secretaria Geral de Controle Externo – SGCE
(fls. 83v.). 2 A Jurisdicionada tomou ciência do teor da decisão em 23/05/2013.
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Em seguida, a Procuradoria Especial chama atenção para o desprestígio das decisões
desta Corte em virtude do reincidente desatendimento por parte da Jurisdicionada e opina pela
Audiência do Secretário Municipal de Saúde, à época, Sr. Hans Fernando Rocha Dohmann,
para que justifique o reiterado descumprimento das determinações desta Corte de Contas; e
pela determinação ao Secretário Municipal de Saúde, sucessor do Sr. Hans, Sr. Daniel
Ricardo Soranz Pinto, para que este atenda ao que foi decidido nos termos do Voto nº
229/2013 de fls. 68/73. Decidiu, ainda, pela emissão de alerta às autoridades indicadas quanto
à decretação de revelia ou ao não acolhimento das razões de justificativa e sua possível
imposição de multa (fls. 86/90).
Os Conselheiros, em Sessão Plenária de 26/03/2015, decidiram por nova diligência,
com remessa de cópia, para designar audiência do Sr. Hans Fernando Rocha Dohmann e para
determinar ao Secretário, Sr. Daniel Ricardo Soranz Pinto, a liquidação e o pagamento do
débito, além de alerta, tudo no prazo de 30 dias, nos termos do Voto nº 98/2015 ACFM.
VII. ESTÁGIO ATUAL
Em 12/05/2015, foi protocolado neste Tribunal (fls.100) pedido de prorrogação de
prazo pelo Ex-Secretário Municipal de Saúde, Sr. Hans Fernando Rocha Dohmann, sob a
justificativa de necessidade de colheita de informações junto à SMSDC e sujeição a prazos
em virtude de não integrar mais a Administração. Sendo-lhe concedida a referida prorrogação
de 30 dias, contados a partir de 13/05/2015 (fls. 100v./101).
Na data de 17/06/2015 (excedendo em 5 dias o prazo estipulado por esta Corte -
12/06/2015), a representante legalmente constituída – Dra. Vanusa Vidal (fls. 104) – do Ex-
Secretário requereu a devolução do prazo em virtude de dificuldades para reunião das
informações e documentos junto à Secretaria, dado que o Sr. Hans Dohmann foi exonerado do
cargo de Secretário Municipal de Saúde em 08/07/2014, solicitando, assim, a prorrogação do
prazo por mais 60 dias. O Exmo. Conselheiro-Relator emitiu despacho, às fls. 102v., no qual
autoriza novo prazo de 60 dias para a apresentação de razões e justificativas para o não
atendimento às determinações contidas no Voto nº 229/2013.
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Assim, em 06/08/2015, a representante legal do Sr. Hans apresentou as referidas
razões e justificativas (fls. 119/120) objetivando o atendimento ao determinado no Voto nº
98/2015 ACFM. Segue trecho do documento em questão:
[...] 2 – Ao tomar conhecimento do caso, o requerente, que somente foi nomeado como Secretário Municipal de Saúde em 01/09/2009, adotou as medidas legais e cabíveis para atestar a legalidade do débito, determinando a instauração de sindicância, na medida em que se tratava de despesa efetuada no exercício anterior a sua posse. 3 – Concluída a sindicância, a fatura ficou aguardando disponibilidade financeira para sua quitação, contudo, com a exoneração do cargo em julho de 2014, por óbvio, o ora peticionário não mais teve ingerência sobre os assuntos referentes ao cargo que ocupava, pelo que restou impossibilitado de cumprir qualquer deliberação deste Egrégio Tribunal, sobretudo no que diz respeito ao cumprimento de obrigações financeiras do Município. 4 – Todavia, ainda que não mais ocupe o cargo mencionado, o ora notificado buscou junto à Secretaria Municipal de Saúde informações a respeito do caso e foi comunicado de que o procedimento referente ao ofício em destaque foi encaminhado à Secretaria Municipal da Casa Civil para pronunciamento em 15/06/2015, não tendo sido ofertada qualquer resposta daquele órgão até o presente momento. [...] [sic]
Em relação ao sucessor do Sr. Hans Dohmann, o Sr. Daniel Ricardo Soranz Pinto,
nomeado no cargo de Secretário Municipal de Saúde em 09/07/2014, conforme publicação no
D.O. RIO, constata-se a manutenção da prática de desrespeito às decisões desta Corte. Além
de o Sr. Daniel Pinto não cumprir determinação exarada por este Tribunal em 26/03/2015,
sequer ofereceu qualquer justificativa para tal conduta. Ou seja, passaram-se mais de 2 anos
da decisão até sua saída da Secretaria de Saúde e não houve qualquer esclarecimento a esta
Corte.
A 4ª IGE, em Instrução acostada às fls. 122/123, relacionada à análise da
documentação supra, assinala que:
As alegações do Sr. Ex-Secretário, ao nosso ver, não justificam o não pagamento da aquisição de cinco aparelhos de ar condicionado, entregues e instalados em órgãos da SMS – segundo informações do Assessor da Subsecretaria de Gestão da SMS – fato extraído da Sindicância realizada em 31 de janeiro de 2012, fls. 155/156, do presente processo.
A Unidade Técnica em comento também concluiu que, até então, a Secretaria
Municipal de Saúde não havia apresentado qualquer prova de quitação da despesa objeto
desta representação. Pelas condutas do Sr. Hans Fernando Rocha Dohmann e do Sr. Daniel
Ricardo Soranz Pinto (sucessor do Sr. Hans à frente da SMSDC), a 4ª IGE sugeriu que fosse
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aplicado o disposto no inciso IV do art. 3º da Lei Municipal nº 3.714 pelo flagrante
desrespeito ao Voto nº 98/2015 do Exmo. Sr. Conselheiro-Relator Antônio Carlos Flores de
Moraes, submetendo o presente processo à Consideração Superior, sendo essa posição
ratificada pela Secretaria Geral de Controle Externo – SGCE (fls. 123v.).
A Procuradoria Especial, em 19/10/2016, elaborou o Parecer JRP nº 1496/2016 (fls.
124/128), em que opinou pela aplicação de multa e por nova audiência, nos seguintes termos:
a) Pela aplicação da MULTA, na gradação entre 5% (cinco por cento) e 50% (ciquenta por cento) de R$ 40.224,96 (quarenta mil, duzentos e vinte e quatro reais e noventa e seis centavos), ao Sr. Hans Fernando Rocha Dohmann, então Secretário Municipal de Saúde, diante da fragilidade das razões de suas justificativas, haja vista que, na vigência da sua gestão, teve ciência da Decisão deste Tribunal, e não envidou os esforços que lhe competia fazer, para liquidar e pagar o que era devido à Empresa Art do Frio Refrigeração Ltda, infrigindo, desse modo, o disposto no §1º e Inciso IV, do art. 3º, da Lei municipal nº 3714/2003 c/c art. 239, Inciso IV, do RITCMRJ (Delib. Nº 183/2011);
b) Pela aplicação da MULTA, na gradação entre 5% (cinco por cento) e 50% (ciquenta por cento) de R$ 40.224,96 (quarenta mil, duzentos e vinte e quatro reais e noventa e seis centavos), ao Sr. Daniel Ricardo Soranz Pinto, atual Secretário Municipal de Saúde, que, apesar de ser advertido nos termos do Voto nº 98/2015-ACFM, à fl. 95, manteve-se inerte em relação à determinação desta Corte de Contas, a fim de que liquidasse e pagasse o débito principal de R$ 27.500,00 à Empresa Art do Frio Refrigeração Ltda., infringindo, desse modo, o disposto no §1º e Inciso IV, do art. 3º, da Lei municipal nº 3714/2003 c/c art. 239, In
c) ciso IV, do RITCMRJ (Delib. Nº 183/2011);
d) Por NOVA AUDIÊNCIA do Sr. Daniel Ricardo Soranz Pinto, para que providencie a liquidação e pagamento do que é devido à Empresa Art do Frio Refrigeração Ltda, sob pena de lhe ser imputada NOVA MULTA, acrescida, desta vez, de até 1/3 (um terço), em caso de REINCIDÊNCIA, segundo preconiza o §1º, do art. 239 do RITCMRJ (Delib. Nº 183/2011).
Na 9ª Sessão Ordinária do Plenário, ocorrida em 21/02/2017, o Excelentíssimo
Senhor Conselheiro-Substituto Igor dos Reis Fernandes requereu vista do presente processo,
retirando-o da pauta (fls. 129).
Já na 24ª Sessão Ordinária, ocorrida em 27/04/2017, o Excelentíssimo Senhor
Conselheiro Nestor Guimarães Martins da Rocha requereu vista do presente processo,
retirando-o novamente da pauta.
É o Relatório.
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VOTO
Preliminarmente, cabe destacar que o processo ora em análise envolve assuntos
complexos, diante disso, opta-se por discorrer de forma isolada sobre cada assunto importante
para o entendimento do processo. Assim, o Voto está estruturado da seguinte forma: Capítulo
I: Proibição a “venire contra factum proprium”, Capítulo II: Admissibilidade da
Representação, Capítulo III: Dano ao Erário e Ação Judicial e Capítulo IV: Conclusão.
I. PROIBIÇÃO A “VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM”
Impende discorrer sobre pontos importantes abordados no Voto 04/2017 do Exmo.
Conselheiro-Substituto Igor dos Reis Fernandes, quais sejam, o não conhecimento da
Representação por esta Corte de Contas e as determinações nele contidas. Em seu Voto, o
eminente Conselheiro-Substituto decide nos seguintes termos:
37.1. não conhecer da presente representação, na forma do art. 199, § 1º, do RITCM, uma vez que não preenchidos os pressupostos de admissibilidade previstos no caput do mesmo dispositivo (matéria de competência desta Corte de Contas), dando-se ciência à empresa Arte do Frio Refrigeração Ltda; [...] 37.6 determinar ao órgão setorial da Secretaria Municipal de Fazenda – SMF que, no prazo de seis meses, regulamente, no âmbito deste Município, o art. 5º, caput, da Lei 8.666/1993, mediante a expedição de norma com vistas à observância da ordem cronológica de pagamento de obrigações decorrentes de fornecimento de bens, locações, realização de obras e prestação de serviços, atentando, especialmente, para os seguintes pontos:
37.6.1 ocasião em que o credor deverá ser inserido na sequência de pagamentos, considerando:
37.6.1.1 a demonstração, para o ingresso na fila, do adimplemento da parcela contratual mediante a apresentação de fatura ou documento equivalente pelo contratado;
37.6.1.2o cumprimento das demais condições legais e contratuais exigíveis, esclarecido que, no caso de ausência de comprovação da regularidade trabalhista, inclusive salários e demais verbas trabalhistas, previdência social e FGTS, cabe o ingresso na fila e a correspondente retenção do valor devido no momento do pagamento;
37.6.1.3 as situações que poderão vir a constituir, ainda que não de forma taxativa, relevantes razões de interesse público, a permitir excepcionar a regra da ordem cronológica, a propósito do que estabelece a parte final do art. 5º, caput, da Lei 8.666/1993;
37.7 determinar à Secretaria Geral de Controle Externo que monitore o cumprimento da determinação supra;
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Convém lembrar que esta Corte, instada a atuar, manifestou-se por 7 anos neste
processo, proferindo nada menos que 6 decisões sobre o mérito dos autos. Esse histórico é
extremamente relevante porque, a partir dele, pode-se verificar, data máxima vênia ao
eminente colega, uma afronta por parte de seu Voto à proibição de “venire contra factum
proprium”.
I.1. PRECLUSÃO LÓGICA
Diante da posição firme desta Corte durante os 7 anos de trâmite deste processo,
proferindo 6 decisões sobre o mérito dos autos, sempre por unanimidade, é pressuposto
o conhecimento da Representação. É princípio basilar do direito a vedação a “venire contra
factum proprium”. Princípio garantidor da segurança jurídica. Seria extremamente
contraditório, após um histórico de sete anos de decisões unânimes abordando o mérito,
desconsiderar a atuação de nossa Corte e simplesmente deixar de conhecer o processo como
se, durante 7 anos, nada tivesse ocorrido.
Por essa razão, mister se faz concluir com os ensinamentos de Fredie Didier Jr.3
Importante que se perceba que a preclusão lógica está intimamente ligada à vedação ao venire contra factum proprium (regra que proíbe o comportamento contraditório), inerente à cláusula geral de proteção da boa-fé. Considera-se ilícito o comportamento contraditório por ofender o princípio da boa-fé processual. Ao adotar um comportamento que contrarie comportamento anterior, a parte ou o juiz atua de forma desleal, frustrando expectativas legítimas de outros sujeitos processuais. Comportando-se em um sentido, o sujeito cria, em outro sujeito processual, fundada confiança – confiança essa a ser averiguada segundo as circunstâncias, os usos aceitos pelo comércio jurídico, a boa-fé ou o fim econômico-social -, não podendo, depois, adotar um comportamento totalmente contraditório, o que quebra a confiança gerada e revela ardil, deslealdade, evasão. [grifo nosso]
I.2. PRECLUSÃO CONSUMATIVA
Outro corolário da vedação ao comportamento contraditório é o instituto da
preclusão consumativa, que é a impossibilidade de um sujeito praticar determinado ato
decorrente da circunstância de haver ele praticado ato anterior que esgotou os efeitos do ato
que ele quer praticar.
3 Curso de Direito Processual Civil – Introdução ao Direito Processual Civil, Parte Geral e Processo de Conhecimento -, 18ª edição, 2016, pág. 431.
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O Voto do Conselheiro-Substituto Igor tem sua fundamentação baseada na
impossibilidade de conhecer o processo, balizando-se em tese jurídica importada do TCU,
entretanto, apesar de votar pelo não conhecimento dos autos, emite diversas
determinações sobre o mérito do processo. Ora, se o voto é pelo não conhecimento,
pressupõe-se findo o processo sem qualquer análise do mérito. Consumado está o
processo. Não pode o juiz, após não conhecer o processo, adotar decisões que versem
sobre o mérito ou estará tendo comportamento contraditório, proibido pelo direito.
II. ADMISSIBILIDADE DA REPRESENTAÇÃO
De forma a compreender a caracterização jurídica do documento que deu início ao
processo ora em análise (fls. 2/18), necessário se torna analisá-lo à luz do ordenamento
jurídico pátrio (Carta Magna, Leis, Deliberações do TCMRJ, Jurisprudência etc.), além da
doutrina concernente ao assunto.
De início, deve-se ter em mente que a esta Corte se aplicam, no que couber, as
normas estabelecidas na Seção IX da Constituição Federal de 1988 (CRFB/88), conforme
inteligência de um de seus artigos: “Art. 75. As normas estabelecidas nesta seção aplicam-se,
no que couber, à organização, composição e fiscalização dos Tribunais de Contas dos Estados
e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais e Conselhos de Contas dos Municípios.”.
Relevante se mostra analisar, ainda, o § 2º do art. 74 da Carta Magna c/c o § 1º do
art. 113 da Lei nº 8.666/93 (Lei de Licitações) e art. 3º, inciso XIII, da Lei Municipal nº
289/81 (LOTCMRJ):
Art. 74. [...] § 2º Qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte legítima para, na forma da lei, denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas da União. [CRFB/88] Art. 113. O controle das despesas decorrentes dos contratos e demais instrumentos regidos por esta Lei será feito pelo Tribunal de Contas competente, na forma da legislação pertinente, ficando os órgãos interessados da Administração responsáveis pela demonstração da legalidade e regularidade da despesa e execução, nos termos da Constituição e sem prejuízo do sistema de controle interno nela previsto. § 1o Qualquer licitante, contratado ou pessoa física ou jurídica poderá representar ao Tribunal de Contas ou aos órgãos integrantes do sistema de controle interno contra irregularidades na aplicação desta Lei, para os fins do disposto neste artigo. [Lei de Licitações] [grifos nossos]
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Art. 3° Ao Tribunal de Contas do Município do Rio de Janeiro, órgão constitucional de controle externo, no exercício da fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, compete: [...] XIII – decidir sobre representação que lhe seja enviada por qualquer licitante, contratado ou pessoa física ou jurídica, contra irregularidades na aplicação da lei pertinente às licitações e contratos da Administração Pública; [LOTCMRJ]
Tais dispositivos, quando interpretados em conjunto, permitem concluir que qualquer
contratado pela Administração Pública tem legitimidade ativa para representar perante o
TCMRJ no que tange a possíveis irregularidades na aplicação da lei relacionada às licitações e
contratos dos quais façam parte. Já no Regimento Interno do Tribunal de Contas do Município
do Rio de Janeiro – RITCMRJ, a representação está disciplinada no art. 201:
Art. 201 – Têm legitimidade para representar ao Tribunal: [...] V – outros órgãos, entidades ou pessoas que detenham essa prerrogativa por força de lei específica. Parágrafo único – Aplicam-se às representações, no que couber, os dispositivos constantes da Subseção III – Denúncia.
Dando continuidade à interpretação das normas concernentes à ferramenta da
representação no âmbito do controle externo exercido por esta Corte, percebe-se que o artigo
supramencionado não só reafirma a legitimidade ativa do contratado, em seu inciso V, como
especifica quais regras são aplicáveis a esse instrumento jurídico, em seu parágrafo único.
Assim, para definir os requisitos de admissibilidade da representação, conforme parágrafo
único supratranscrito, necessário se mostra observar os ditames do art. 199, caput e §1º do
RITCMRJ:
Art. 199 – A denúncia sobre matéria de competência do Tribunal deverá referir-se a administrador ou responsável sujeito à sua jurisdição, ser redigida em linguagem clara e objetiva, conter o nome legível do denunciante, sua qualificação e endereço, e estar acompanhada de indício concernente à irregularidade ou ilegalidade denunciada. [grifo nosso] § 1° – O Tribunal não conhecerá de denúncia que não observe os requisitos e formalidades prescritas no caput, devendo o respectivo processo ser arquivado após comunicação ao denunciante.
Assim, em se tratando de representação (fls. 02/18) formulada por contratado da
Secretaria Municipal de Saúde, referindo-se a seus administradores, tendo sido redigida em
linguagem clara e objetiva, contendo o nome legível do representante, com qualificação e
endereço, pode-se afirmar que a maior parte dos requisitos de admissibilidade contidos no art.
199 supramencionado está, de forma evidente, atendida.
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Restam, no entanto, dois requisitos importantes de serem mais bem explicitados para
que não paire qualquer dúvida sobre o atendimento desses parâmetros no presente caso: 1)
conter indício relativo à irregularidade ou ilegalidade e 2) dispor sobre matéria de
competência do Tribunal.
II.1. INDÍCIOS RELATIVOS À IRREGULARIDADE OU ILEGALIDADE
Pela documentação acostada aos autos pela representante, constata-se que há indícios
claros de irregularidades e ilegalidades cometidas pela SMSDC, conforme se demonstra a
seguir.
I I . 1 . 1 D E S C U M P R I M E N T O D E D I V E R S O S P R I N C Í P I O S
P E L O S G E S T O R E S P Ú B L I C O S
A demora injustificada da Administração em cumprir sua obrigação é uma afronta ao
princípio da impessoalidade. A empresa Arte do Frio Refrigeração adimpliu sua obrigação em
setembro de 2008 e, sem qualquer razão, até a presente decisão, não recebeu sua parte do
avençado. O que se discute aqui é a conduta da Administração Pública em não cumprir
sua obrigação frente ao contratado de boa-fé e que cumpre com sua obrigação para com
a Administração. Descumprimento que perdura por quase 9 anos. Mais ainda, a
Administração Pública não pode pagar alguns e deixar de pagar outros ferindo de morte
a impessoalidade. É certo que, em 9 anos, outros contratados da SMSDC receberam
pagamento por seus produtos entregues ou serviços prestados. É competência desta Corte
atuar de forma firme para que o princípio da impessoalidade e o art.5º da Lei 8666/93
sejam cumpridos nos casos concretos.
Essa conduta da Administração Pública infringe o princípio da moralidade (art. 37
da CRFB/884) e seus corolários: lealdade, honestidade, além dos insculpidos no art. 422
do CC/025, que são o da probidade e da boa-fé objetiva. Quando uma pessoa física ou
jurídica acorda com a Administração Pública, espera receber por seus esforços. Não é
razoável nem justo exigir que o contratado cumpra sua obrigação sob penas duras do
4 Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência [...] 5 Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.
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regime administrativista, e o gestor público que não cumpra seu dever jurídico de
cumprir os contratos acordados fique livre de qualquer exigência de ação. O princípio da
boa-fé objetiva visa a criar um ambiente propício às boas relações entre as pessoas, sejam
públicas ou privadas. É princípio totalmente estabelecido na esfera privada e que ainda
engatinha quando se trata das relações jurídicas envolvendo a Administração Pública. Não é
um comportamento aceitável que Secretários de pasta tão importante como a da Saúde -
agentes políticos que giram bilhões de reais – deixem de quitar dívida de R$ 27.500,00 (vinte
e sete mil e quinhentos reais) por anos sem qualquer justificativa. Cabe a esta Corte exigir
do administrador público conduta proba, moral, honesta e de boa-fé.
Ainda sobre o princípio da moralidade na Administração Pública, importante trazer à
baila lição de José dos Santos Carvalho Filho6:
O princípio da moralidade impõe que o administrador público não dispense os preceitos éticos que devem estar presentes em sua conduta. Deve não só averiguar os critérios de conveniência, oportunidade e justiça em suas ações, mas também distinguir o que é honesto do que é desonesto. Acrescentamos que tal forma de conduta deve existir não somente nas relações entre a Administração e os administrados em geral, como também internamente, ou seja, na relação entre a Administração e os agentes públicos que a integram. [...] Aliás, o princípio da moralidade está indissociavelmente ligado à noção do bom administrador, que não somente deve ser conhecedor da lei como dos princípios éticos regentes da função administrativa. A Constituição referiu-se expressamente ao princípio da moralidade no art. 37, caput. Embora o conteúdo da moralidade seja diverso do da legalidade, o fato é que aquele está normalmente associado a este. Em algumas ocasiões, a imoralidade consistirá na ofensa direta à lei e aí violará, ipso facto, o princípio da legalidade. Em outras, residirá no tratamento discriminatório, positivo ou negativo, dispensado ao administrado; nesse caso, vulnerado estará também o princípio da impessoalidade, requisito, em última análise, da legalidade da conduta administrativa. [grifos nossos]
Deve ser dada especial atenção para o trecho acima destacado que se refere ao
tratamento discriminatório, que viola também o princípio da impessoalidade, isso porque o
descumprimento da ordem cronológica de pagamento sinaliza justamente esse tratamento
casuístico, subjetivo e que deve ser abolido da gestão pública.
Já em relação ao princípio da boa-fé objetiva, importante se mostra explicitar os
ensinamentos do eminente civilista Sérgio Cavalieri Filho7:
6 José dos Santos Carvalho Filho, Manual de Direito Administrativo, 26ª ed., 2013, pág. 21/22.
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A boa-fé a que o Código se refere no art. 187 não é a subjetiva - posição psicológica, intenção pura e destituída de má-fé, crença ou ignorância de uma pessoa -, mas sim a boa-fé objetiva ou normativa, assim entendida a conduta adequada, correta, leal e honesta que as pessoas devem empregar em todas as relações sociais. [...] Três são as funções da boa-fé objetiva no atual Código Civil: a) função interpretativa -, regra de interpretação dos negócios jurídicos (art. 113); b) função integrativa - fonte de deveres anexos dos contratos (art. 422); c) função de controle - limite ao exercício dos direitos subjetivos (art. 187). Em sua função de controle, que aqui nos interessa, a boa-fé representa o padrão ético de confiança e lealdade indispensável para a convivência social. As partes devem agir com lealdade e confiança recíprocas. Essa expectativa de um comportamento adequado por parte do outro é um componente indispensável na vida de relação. Conforme já destacado, a boa-fé, em sua função de controle, estabelece um limite a ser respeitado no exercício de todo e qualquer direito subjetivo. E assim é porque a boa-fé é o princípio cardeal do Código de 2002, que permeia toda a estrutura do ordenamento jurídico, enquanto forma regulamentadora das relações humanas. Considera-se violado o princípio da boa-fé sempre que o titular de um direito, ao exercê-lo, não atua com a lealdade e a confiança esperáveis. Antigos institutos jurídicos, qualificados por locuções latinas - venire contra factum proprio, a supressio, a surrectio -, já apontavam para essa função de controle da boa-fé, que passou a ter extrema relevância no Código Civil de 2002.
A relação de boa-fé envolve a parte contratante e a contratada, assim, a lealdade e
confiança são esperadas de ambas. Diante disso, é notório que o não pagamento de serviços
já realizados ou produtos já entregues há 9 anos, havendo possibilidade de fazê-lo, e sem
qualquer justificativa para o atraso, além do pagamento de outros credores que
posteriormente adimpliram suas obrigações, é afronta à legítima expectativa do
contratado.
Deve-se ter em mente que as normas e princípios vigentes no nosso ordenamento
jurídico possuem certos propósitos, sempre objetivando conduzir ou até corrigir o
comportamento dos indivíduos para que o benefício social seja sempre o maior possível.
Os princípios supracitados estão diretamente relacionados à manutenção de um ambiente
propício às negociações e contratações de serviços por parte da Administração Pública, o que
implica maior segurança jurídica, fomento da economia, menores riscos e custos para ambas
as partes.
7 Sergio Cavalieri Filho, Programa de Responsabilidade Civil, 10ª ed., 2012, pág. 183/184
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É certo que o atraso da Administração em pagar o que deve gera danos ao Erário
público e atenta contra o princípio da economicidade. No presente caso, há sentença judicial
determinando ao Município do Rio de Janeiro o pagamento do valor contratado mais
juros e honorários do advogado conforme determina o artigo 395 do Código Civil de
2002 (em capítulo específico desse Voto haverá maiores detalhes sobre a ação). Mais uma
vez é necessária a atuação desta Corte de forma rápida e eficaz, compelindo a
Administração Pública a cumprir seus deveres de forma impessoal, sempre fazendo
cumprir as leis, em especial, a ordem cronológica de pagamento, e evitando que a
atuação ilegal e ilegítima dos gestores cause prejuízos ao Estado.
I I . 1 . 2 O R DE M C RO NOLÓ GI CA DOS PA GA M E NTOS
A Lei de Licitações estabelece que cada unidade da Administração, no pagamento de
suas obrigações, deve obedecer, para cada fonte de recursos, a estrita ordem cronológica da
data de suas exigibilidades, salvo quando presentes relevantes razões de interesse público e
mediante prévia justificativa da autoridade competente, devidamente publicada, conforme se
depreende de seu art. 5º, transcrito abaixo:
Art. 5º Todos os valores, preços e custos utilizados nas licitações terão como expressão monetária a moeda corrente nacional, ressalvado o disposto no art. 42 desta Lei, devendo cada unidade da Administração, no pagamento das obrigações relativas ao fornecimento de bens, locações, realização de obras e prestação de serviços, obedecer, para cada fonte diferenciada de recursos, a estrita ordem cronológica das datas de suas exigibilidades, salvo quando presentes relevantes razões de interesse público e mediante prévia justificativa da autoridade competente, devidamente publicada.
Pensando no caso concreto, em que a empresa cumpriu com seus encargos
contratuais há mais de oito anos, é impossível não ter ocorrido a quebra na ordem
cronológica de pagamento. Por absurdo, se se supõe o contrário, que essa ordem está
sendo cumprida, então a Secretaria de Saúde não pagou mais nenhum contratado que
prestou serviços desde setembro de 2008.
A ilegalidade advinda desse descumprimento não se restringe à esfera administrativa,
pois a própria Lei nº 8.666/93, em seu artigo 92, define como crime o pagamento de fatura
com preterição na ordem cronológica de sua exigibilidade:
Art. 92. Admitir, possibilitar ou dar causa a qualquer modificação ou vantagem, inclusive prorrogação contratual, em favor do adjudicatário, durante a execução dos contratos celebrados com o Poder Público, sem
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autorização em lei, no ato convocatório da licitação ou nos respectivos instrumentos contratuais, ou, ainda, pagar fatura com preterição da ordem cronológica de sua exigibilidade, observado o disposto no art. 121 desta Lei: Pena - detenção, de dois a quatro anos, e multa. [grifos nossos] Parágrafo único. Incide na mesma pena o contratado que, tendo comprovadamente concorrido para a consumação da ilegalidade, obtém vantagem indevida ou se beneficia, injustamente, das modificações ou prorrogações contratuais.
Convém lembrar que somente as infrações mais gravosas possuem implicações no
campo penal, ou seja, o legislador optou por dar muita relevância ao cumprimento da ordem
cronológica de pagamentos pela Administração segundo a exigibilidade, buscando evitar a
pessoalidade e a parcialidade na definição do momento de pagamento de seus contratados.
Por fim, no que tange à ordem cronológica dos pagamentos assentada no art. 5º da
Lei de Licitações, mister se mostra discorrer ainda sobre o conceito de exigibilidade.
Justamente porque esse conceito influencia sobremaneira o momento da composição da fila
de pagamentos da Administração Pública.
II.1.2.1 EXIGIBILIDADE
O ingresso de determinado fornecedor na fila que compõe a ordem de pagamento de
serviços prestados ou produtos entregues deve ser regrado por parâmetros objetivos e que
reflitam os princípios que regem a Administração Pública como a igualdade, a impessoalidade
e a moralidade. Cabe ressaltar que a obediência à ordem cronológica segundo a exigibilidade
dos débitos é imposição legal e, por isso mesmo, é matéria vinculada, não podendo o gestor
determiná-la conforme sua conveniência. A partir da entrega do bem ou do serviço pelo
contratado nasce a exigibilidade do crédito, e assim, segundo o art. 5º da Lei 8.666/93,
surge também a fila para pagamento segundo a data de exigibilidade.
Para a compreensão dos procedimentos atualmente utilizados pela municipalidade,
relevante se faz analisar o processo 40/006066/2015 deste TCM, cujo teor versa sobre a
verificação da ordem cronológica de pagamentos no sistema de liquidação da CGM e no
sistema de pagamentos da SMF. Tal verificação foi objeto, inclusive, de Relatório elaborado
pela 1ª Inspetoria Geral de Controle Externo – IGE, o qual compôs o processo supracitado.
Um dos pontos mais importantes para o assunto aqui discutido está explicitado nas
Conclusões do Relatório supramencionado, as quais transcrevo a seguir um de seus trechos:
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- A exigibilidade do pagamento ao fornecedor / contratado somente se concretiza com a liquidação contábil da despesa, sendo este o evento determinante a ser considerado pela Administração para o sequenciamento da ordem cronológica de pagamento. Por esta razão, cabe à Gerência de Tesouraria - SMF, ao receber os registros das Ordens de Pagamento (OPs), garantir que sua efetivação ocorra segundo as normas e procedimentos estabelecidos pela PCRJ quanto à Ordem Cronológica de Pagamentos. - Em regra, as datas de pagamento das obrigações financeiras do Município são definidas após sua liquidação pela Coordenadoria de Exames da Liquidação - CGM, levando-se em consideração a data de transferência do registro da Ordem de Pagamento para a Gerência de Tesouraria - SMF, via FINCON. A definição da data de pagamento deve, então, obedecer o calendário de pagamentos determinado pela Resolução SMF n.º 2.838/2015, excluídas as despesas compulsórias: [...]
Percebe-se que, na prática, a data da exigibilidade das obrigações, no Município do
Rio de Janeiro, é definida de acordo com a liquidação, mais especificamente a liquidação
contábil, formando assim a ordem cronológica a ser obedecida. De acordo com o art. 63 da
Lei 4.320/64:
Art. 63. A liquidação da despesa consiste na verificação do direito adquirido pelo credor tendo por base os títulos e documentos comprobatórios do respectivo crédito. § 1° Essa verificação tem por fim apurar: I - a origem e o objeto do que se deve pagar; II - a importância exata a pagar; III - a quem se deve pagar a importância, para extinguir a obrigação. [grifo nosso]
Nota-se que a liquidação é um procedimento que depende da vontade do gestor.
Assim, mesmo que o contratado tenha cumprido todos seus deveres (realização do
serviço, apresentação de regularidade trabalhista, previdenciária e fiscal, apresentação
de nota fiscal do serviço etc.) visando ao recebimento do que lhe é devido, caso o gestor
assim queira, basta não efetuar os procedimentos de liquidação para que o credor, que
cumpriu sua obrigação, não entre na fila de pagamentos da Prefeitura.
A liquidação, portanto, verifica um direito adquirido pelo credor, não o
constitui, não sendo assim o momento em que nasce para a Administração o dever
jurídico de cumprir sua prestação pecuniária. O direito a receber do Poder Público
pagamento nasce com o cumprimento, por quem contrata com o Estado, de sua
obrigação. Nesse momento, o pagamento é exigível da Administração Pública,
independentemente do procedimento de verificação realizado pelo Poder Público
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chamado liquidação. Tanto é assim que a própria Lei 4.320/64, em seu art. 37, dispõe que as
despesas de exercícios anteriores que não se processaram em época própria (liquidação e
pagamento) poderão ser pagas à conta de dotação específica, obedecida, sempre que possível,
a ordem cronológica. A própria lei prevê o dever jurídico de a Administração cumprir sua
obrigação sem o processamento (liquidação) da despesa.
Em se tratando de interpretação a ser dada às normas vigentes, esta Corte deve
utilizar-se das melhores técnicas da hermenêutica jurídica para orientar seus jurisdicionados.
No presente caso, é importante trazer à baila a interpretação teleológica por meio de trecho
selecionado da obra de Paulo Nader8:
Na moderna hermenêutica o elemento teleológico assume papel de primeira grandeza. Tudo o que o homem faz e elabora é em função de um fim a ser atingido. A lei é obra humana e assim contém uma idéia de fim a ser alcançado. Na fixação do conceito e alcance da lei, sobreleva de importância o estudo teleológico, isto é, o estudo dos fins colimados pela lei. Enquanto que a occasio legis ocupa-se dos fatos históricos que projetaram a lei, o fator teleológico investiga os fins que a lei visa a atingir. Quando o legislador elabora uma lei, parte da idéia do fim a ser alcançado. Os interesses sociais que pretende proteger, inspiram a formação dos documentos legislativos. Assim, é natural que no ato da interpretação se procure avivar os fins que motivaram a criação da lei; pois nessa descoberta estará a revelação da mens legis. Como se revela o elemento teleológico? Os fins da lei se revelam através dos diferentes elementos de interpretação. A idéia do fim não é imutável. O fim não é aquele pensado pelo legislador, é o fim que está implícito na mensagem da lei. Como esta deve acompanhar as necessidades sociais, cumpre ao intérprete revelar os novos fins que a lei tem por missão garantir. Esta evolução de finalidade não significa ação discricionária do intérprete. Este, no afã de compatibilizar o texto com as exigências atuais, apenas atualiza o que está implícito nos princípios legais. O intérprete não age contra legem, nem subjetivamente. De um lado tem as coordenadas da lei e, de outro, o novo quadro social e o seu trabalho se desenvolve no sentido de harmonizar os velhos princípios aos novos fatos.
A finalidade clara do artigo 5º da Lei de Licitações é impedir que o gestor tenha
discricionariedade de pagar fornecedores ou contratados em geral sem levar em
consideração a data do cumprimento da obrigação pelos contratados. É finalidade da
norma estabelecer critério objetivo, vedando ao gestor a utilização de critérios outrem.
Visa, principalmente, a garantir segurança jurídica aos que contratam com a Administração e
a vedar ações pessoais e imorais pelo Poder Público.
8 Paulo Nader, Introdução ao Estudo do Direito, 32ª ed., 2010, pág. 279/280.
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Processo: 40/005674/2010 Data: 18/10/2010 Rubrica: Fls:
Hoje, em nosso Município, entre a entrega da prestação pelo contratado (momento
em que surge seu direito – nasce a exigibilidade) e a liquidação há grande margem de
liberdade para o gestor. O que, na prática, leva a situações esdrúxulas e imorais,
violadoras do princípio da boa-fé objetiva, como a do presente processo, em que a
empresa cumpriu sua obrigação em 2009 e até hoje, 2017, não houve liquidação da
despesa e muito menos pagamento.
Portanto, é importante a esta Corte rever o posicionamento adotado no processo
nº 40/006066/2015, e determinar aos Jurisdicionados que regulamentem o art. 5º da Lei
8.666/93, definindo a lista da ordem cronológica de pagamento segundo o cumprimento
da obrigação pelo contratado e não segundo o momento da liquidação.
Para corroborar tal posição, transcrevo trecho do Anexo Único da Resolução
ATRICON nº 8/2014 elaborado pela Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do
Brasil:
8 O principal conceito a ser adotado como referência para a aplicação destas diretrizes é o seguinte: a) Ordem cronológica: instituto previsto em lei e que vincula a administração pública a efetuar pagamento aos fornecedores de bens e serviços em conformidade com a exigibilidade dos créditos que se apresentem ao pagamento. 9 Os Tribunais de Contas do Brasil, no âmbito de suas competências constitucionais, fiscalizarão o cumprimento da ordem cronológica de exigibilidade dos pagamentos pela administração pública, conforme previsto no artigo 5º da Lei 8.666/93, observando para tanto, no que couber, as diretrizes indicadas nos itens seguintes. 10 Editar e divulgar ato normativo com o fim de compelir e orientar os jurisdicionados a observar os parâmetros mínimos a serem atendidos pela administração para o cumprimento do artigo 5º da Lei 8.666/93. 11 Promover ações perante os jurisdicionados visando à edição de lei local e/ou decreto que regulamente o cumprimento do artigo 5º da Lei 8.666/93, contemplando, no mínimo: a) A ocasião em que o credor deverá ser inserido na respectiva sequência, considerando (i) a demonstração, para o ingresso na fila, do adimplemento da parcela contratual mediante a apresentação de fatura ou documento equivalente pelo contratado, a ser confirmada na liquidação da despesa e (ii) o cumprimento das demais condições legais e contratuais exigíveis, como a regularidade fiscal, trabalhista e com a seguridade social, entre outras, também a serem confirmadas na liquidação da despesa; b) As hipóteses de suspensão da inscrição do crédito na ordem cronológica de pagamento, em razão da ausência de demonstração do cumprimento das condições legais e contratuais pelo contratado; c) A fixação de prazo máximo para a realização da liquidação e para o efetivo pagamento, a contar do ingresso na linha de preferência, ou para
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a rejeição dos serviços prestados ou bens fornecidos, por desatendimento das exigências legais ou contratuais; d) As situações que poderão vir a constituir, ainda que não de forma taxativa, relevantes razões de interesse público, a permitir excepcionar a regra da ordem cronológica, a propósito do que estabelece a parte final do artigo 5º, caput, da Lei 8.666/93. 12 Definir como obrigatória a implementação, pela administração pública, de sistema informatizado que possibilite a divulgação em tempo real, na rede mundial de computadores, das diversas ordens cronológicas e das respectivas listas de credores, com ampla acessibilidade a qualquer cidadão, em atenção ao prescrito na Lei 12.527/11 (Lei da Transparência). 13 Regulamentar e divulgar prazos e regras para o envio de documentos e informações pelos jurisdicionados, comprobatórios do cumprimento da ordem cronológica nos pagamentos, preferencialmente por meio eletrônico. 14 Implementar processo eletrônico para recebimento, processamento e análise de documentos e informações recebidas dos jurisdicionados relativos às contratações públicas. 15 Assegurar capacitação permanente às equipes técnicas do Tribunal de Contas para a efetiva fiscalização do disposto no artigo 5º da Lei 8.666/93. 16 Realizar, por meio da Escola de Contas, eventos de capacitação destinados aos servidores dos entes jurisdicionados sobre a correta aplicação do artigo 5º da Lei 8.666/93 e lhes disponibilizar orientação permanente. 17 Fixar a matéria como item de verificação no controle externo, com a explicitação das conclusões da equipe em documentação de auditoria, de modo a impactar o julgamento das correspondentes contas anuais, se for o caso. 18 Realizar auditorias com o fim de aferir, a partir de exame amostral dos procedimentos administrativos, o efetivo cumprimento da ordem cronológica de exigibilidade nos pagamentos. 19 Atuar cooperativamente com outras instituições de controle, dentro de suas competências institucionais, promovendo o intercâmbio de informações e documentos, a troca de experiências, a identificação e a divulgação de casos exitosos e o apoio técnico, visando ao cumprimento do artigo 5º da Lei 8.666/93. 20 Representar ao Ministério Público se apurado indício da consumação do crime previsto no artigo 92 da Lei 8.666/93. 21 Produzir, a partir das informações recebidas e das análises realizadas, indicadores de resultado acerca do cumprimento do disposto no artigo 5º da Lei 8.666/93, dando-lhes ampla divulgação e transparência. 22 Realizar campanhas de esclarecimento sobre a matéria perante a opinião pública local, com ampla divulgação destas diretrizes, informando que irregularidades detectadas pelos cidadãos podem ser noticiadas na ouvidoria do tribunal. 23 Apoiar e participar de campanha nacional “Ordem nos Pagamentos Públicos”, promovida pela Atricon e por seus parceiros. 24 Regulamentar e implementar ações voltadas ao cumprimento da ordem cronológica nos pagamentos realizados pelo Tribunal de Contas. [grifo nosso]
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Essa Resolução tem como objetivo primordial “Disponibilizar referencial para que os
Tribunais de Contas aprimorem seus regulamentos, procedimentos e práticas de controle
externo relativas à observância da ordem cronológica nos pagamentos públicos.” Tendo em
vista isso e, em especial, as partes destacadas acima, mostra-se urgente que a Corte de Contas
carioca se posicione no sentido de dar maior efetividade ao artigo 5º da Lei 8.666/93, que
disciplina a obediência à ordem cronológica dos pagamentos para proibir situações como a
desta representação.
II.2. MATÉRIA DE COMPETÊNCIA DO TCM-RJ
O último requisito para a efetiva admissibilidade da representação é que ela disponha
sobre matéria de competência do TCM-RJ. Para esse entendimento, deve-se levar em
consideração o contexto de atuação desta Corte, o histórico dos fatos, as irregularidades
apontadas e suas relações com os normativos que atribuem competências a esta Corte de
Contas.
Inicialmente, deve-se atentar para os artigos 31, 70 e 71, incisos VIII e IX, da Carta
Maior, além do art. 113, caput e §1º da Lei de Licitações, abaixo transcritos:
Art. 31. A fiscalização do Município será exercida pelo Poder Legislativo Municipal, mediante controle externo, e pelos sistemas de controle interno do Poder Executivo Municipal, na forma da lei. § 1º O controle externo da Câmara Municipal será exercido com o auxílio dos Tribunais de Contas dos Estados ou do Município ou dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios, onde houver. [...] Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder. [...] Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete: [...] VIII - aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado ao erário; IX - assinar prazo para que o órgão ou entidade adote as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, se verificada ilegalidade; [CRFB/88] [grifos nossos] Art. 113. O controle das despesas decorrentes dos contratos e demais instrumentos regidos por esta Lei será feito pelo Tribunal de Contas
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competente, na forma da legislação pertinente, ficando os órgãos interessados da Administração responsáveis pela demonstração da legalidade e regularidade da despesa e execução, nos termos da Constituição e sem prejuízo do sistema de controle interno nela previsto. § 1o Qualquer licitante, contratado ou pessoa física ou jurídica poderá representar ao Tribunal de Contas ou aos órgãos integrantes do sistema de controle interno contra irregularidades na aplicação desta Lei, para os fins do disposto neste artigo. [Lei nº 8.666/93] [grifos nossos]
O controle exercido pelos Tribunais de Contas alcança a fiscalização contábil e
financeira quanto à legalidade, legitimidade e economicidade segundo o “caput” do art. 70 c/c
o “caput” do art. 71 da CRFB.
Ainda, a Carta Magna estabelece que os Tribunais de Contas, além de competência
para aplicar sanções aos responsáveis por ilegalidades da despesa, também deve
determinar a correção de ilegalidades visando ao exato cumprimento da lei. O art. 113
apenas reforça o poder-dever das Cortes de Contas em fiscalizar as despesas em todas as
suas fases: fixação, empenho, liquidação e pagamento
A conduta da Administração em não cumprir com suas obrigações ou as cumprir de
forma casuística gera danos ao ordenamento jurídico e à Fazenda Pública. A representação
expõe o descumprimento, pela Administração Pública, de diversas normas legais e princípios.
Traz a esta Corte importante debate sobre a discricionariedade do gestor, no Município
do Rio, durante a fase de execução da despesa, que aqui não teria chegado sem o
impulso da representante.
Os referidos danos incluem o aumento dos riscos e custos inerentes às contratações
pela Administração Pública. Engana-se o administrador público que compartilha da opinião
de que o não pagamento de contratos regularmente cumpridos acarreta economia para o erário
público. Isso não ocorre em virtude dos mecanismos de ajuste de preços do mercado, os quais
embutem, nos preços, os custos de possíveis atrasos e “calotes”. Assim, a conduta do gestor
público em não cumprir suas obrigações para com os contratados gera prejuízos ao
Estado visto que os preços para a Administração Pública serão maiores tanto quanto
maior for o risco dos contratados em não receber ou receber com atraso.
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Quando o Estado recebe serviços ou produtos e não paga por eles, está se
enriquecendo sem causa, o que é vedado pelo ordenamento jurídico, segundo a doutrina e a
jurisprudência, além da violação aos artigos 884, 885 e 886 do Código Civil de 20029.
Ao não cumprir com seu dever jurídico de prestar determinado comportamento
aferível economicamente (obrigação) conforme firmado, o Estado (devedor) responderá pelos
juros de mora, atualização monetária, perdas e danos, além de honorários advocatícios
conforme artigo 395 do CC/02, a seguir transcrito: “Art. 395. Responde o devedor pelos
prejuízos a que sua mora der causa, mais juros, atualização dos valores monetários
segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.” Sem
dúvida, sem justificativa plausível, deve o gestor ser responsabilizado pelos danos
causados por sua inércia, por sua mora à Administração Pública.
Data máxima vênia à posição do eminente Conselheiro-Substituto, trazer tese
jurídica do TCU para o TCMRJ é deveras frágil sem atentar para as realidades e
especificidades que subjazem às atuações das duas Cortes.
Deve-se ter em mente que o TCU fiscaliza um orçamento de R$ 1,5 trilhão, cerca
de 50 vezes maior que o fiscalizado pelo TCMRJ, fato do mundo real que influencia bastante
as decisões daquela Corte. Seria natural esperar que o TCU necessitasse de mecanismo
que restringisse ou dificultasse a chegada de centenas de milhares de denúncias e
representações à Corte todo ano, o que poderia inviabilizar o funcionamento regular do
órgão.
O panorama é bem diferente para o TCMRJ, que não necessita, neste momento,
de qualquer jurisprudência restringindo ou dificultando a chegada de denúncias e
representações à Corte. A contrario sensu, as denúncias e representações devem ser
incentivadas conforme ampla legislação que impõe aos Tribunais de Contas o poder-
dever de atuar quando acionados. 9 Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários. Parágrafo único. Se o enriquecimento tiver por objeto coisa determinada, quem a recebeu é obrigado a restituí-la, e, se a coisa não mais subsistir, a restituição se fará pelo valor do bem na época em que foi exigido. Art. 885. A restituição é devida, não só quando não tenha havido causa que justifique o enriquecimento, mas também se esta deixou de existir. Art. 886. Não caberá a restituição por enriquecimento, se a lei conferir ao lesado outros meios para se ressarcir do prejuízo sofrido.
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Processo: 40/005674/2010 Data: 18/10/2010 Rubrica: Fls:
As denúncias e representações são mecanismos que tornam o TCM mais
acessível à população carioca, concretizando o ideal republicano de um regime
democrático participativo. Diferentemente do Poder Judiciário, os processos, nas Cortes de
Contas, prescindem da atuação de advogados, sendo assim, quis o legislador facilitar o acesso
do povo ao órgão. Essa flexibilidade formal nos aproxima da sociedade.
Assim, exigir de denunciantes e representantes raciocínios ou argumentações
jurídicas elaboradas é o mesmo que exigir a atuação de advogados para se chegar às
Cortes de Contas. A lógica exposta vai em caminho diametralmente oposto à existência dos
Tribunais de Contas segundo disposto pelas várias leis que facilitam o acesso ao órgão. As
Cortes de Contas devem ser garantidoras dos direitos fundamentais, impedindo o abuso de
direito pelas autoridades, exigindo dos administradores da coisa pública o cumprimento de
seus deveres jurídicos para com a sociedade.
A não atuação da Corte de Contas carioca em tema tão importante mantém o
status quo, ou seja, os reiterados inadimplementos de obrigações por parte da
Administração Pública. Dessa forma, este Tribunal deve atuar compelindo o Poder Público a
pagar suas obrigações conforme a ordem cronológica de pagamentos, sob o risco de aceitar,
caso se omita, diversas ilegalidades. Ressalto não se tratar, portanto, de uma faculdade desta
Corte e sim de um dever de atuação.
Mais ainda, representações e denúncias que tragam qualquer indício de
descumprimentos de deveres de gestores públicos devem ser analisados a fundo, desde a
chegada nesta Corte, verificando inclusive a ordem cronológica de pagamento segundo a
EXIGIBILIDADE dos créditos. Devendo-se incluir, nas inspeções e auditorias, sempre a
análise do atendimento ao art. 5º da Lei de Licitações.
III. DANO AO ERÁRIO E AÇÃO JUDICIAL (PROCESSO nº 0261416-
21.2016.8.19.0001 - TJRJ)
Ainda em relação à situação relatada na representação, convém lembrar a existência
de ação monitória movida pela Arte do Frio Refrigeração Ltda. contra o Município do Rio de
Janeiro. A sentença da Exma. Juíza de Direito da 1ª Vara de Fazenda Pública da Comarca da
Capital, Dra. Mônica Ribeiro Teixeira, foi no sentido de expedir mandado determinando que
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o Município do Rio de Janeiro pague o valor de R$ 37.537,50 (juros de mora embutidos) mais
os honorários advocatícios de 5% do valor atribuído à causa, ou seja, mais R$ 1.876,00,
totalizando R$ 39.414,38. O prejuízo ao Município monta, até o momento, o valor de R$
11.914,38 (R$ 39,414,38 – R$ 27.500,00).
Contudo, em virtude de impetração de embargos por parte do Município, não foi
constituído título executivo, assim, deve-se aguardar o trânsito em julgado dessa ação judicial
para viabilizar o ressarcimento do dano ao erário causado pelos gestores supracitados. Isso
porque somente com o cálculo do valor exato do dano se pode efetivamente atribuir o
quantum a ser ressarcido por cada gestor.
IV. CONCLUSÃO
Em face de todo o exposto e já superada a fase de conhecimento, tendo em vista
os diversos pronunciamentos desta Corte sobre o mérito da representação, VOTO para
que sejam adotadas as seguintes medidas:
1. determinar à Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro que, no prazo de 60
(sessenta dias), regulamente, na Administração Pública municipal, o art.
5º, caput, da Lei 8.666/1993, com vistas à observância da ordem
cronológica de pagamento segundo a EXIGIBILIDADE (nascimento do
direito do credor com o adimplemento contratual) das obrigações
decorrentes de fornecimento de bens, locações, realização de obras e prestação
de serviços, conforme Anexo Único da Resolução ATRICON nº 8/2014
elaborado pela Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do
Brasil, atentando, especialmente, para os seguintes pontos:
a) a ocasião em que o credor deverá ser inserido na sequência de
pagamento, considerando:
(i) a demonstração, para o ingresso na fila, do adimplemento
da parcela contratual mediante a apresentação de fatura ou
documento equivalente pelo contratado, a ser confirmada na
liquidação da despesa, e
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(ii) o cumprimento das demais condições legais e contratuais
exigíveis, como a regularidade fiscal, trabalhista e com a
seguridade social, entre outras, também a serem confirmadas na
liquidação da despesa.
b) As hipóteses de suspensão da inscrição do crédito na ordem
cronológica de pagamento, em razão da ausência de demonstração do
cumprimento das condições legais e contratuais pelo contratado;
c) A fixação de prazo máximo para a realização da liquidação e
para o efetivo pagamento, a contar do ingresso na linha de
preferência, ou para a rejeição dos serviços prestados ou bens
fornecidos, por desatendimento das exigências legais ou contratuais;
d) As situações que poderão vir a constituir, ainda que não de forma
taxativa, relevantes razões de interesse público, a permitir excepcionar
a regra da ordem cronológica, a propósito do que estabelece a parte
final do artigo 5º, caput, da Lei 8.666/93;
2. determinar à Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, à Câmara Municipal do
Rio de Janeiro e a esta Corte que, no prazo de 90 (noventa dias) contados do
da regulamentação aludida no item anterior, implementem as regras
dentro de suas esferas administrativas, além de que devem implementar
sistema informatizado que possibilite a divulgação em tempo real, na rede
mundial de computadores, das diversas ordens cronológicas e das respectivas
listas de credores, com ampla acessibilidade a qualquer cidadão, em atenção ao
prescrito na Lei 12.527/11 (Lei da Transparência).
3. determinar à Secretaria Geral de Controle Externo – SGCE deste Tribunal de
Contas que:
i. monitore o cumprimento das determinações 1 e 2 comunicando sempre
a este Conselheiro sobre atrasos ou descumprimentos, e
ii. monitore o andamento da ação judicial mencionada no item III, com o
fito de que, em se mostrando procedente e transitando em julgado,
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comunique o Relator para que esta Corte possa promover o
ressarcimento do dano ao erário provocado pelas autoridades
responsáveis.
Para ciência desta decisão, solicito o envio de ofício com cópia deste Relatório e
Voto n.º 165/2017 - FGP- TCMRJ aos seguintes órgãos: Gabinete do Prefeito, Secretaria
Municipal de Fazenda – SMF, Controladoria Geral do Município – CGM, Procuradoria Geral
do Município – PGM e Câmara Municipal do Rio de Janeiro – CMRJ, além de memorando à
Presidência deste Tribunal.
Solicito o envio do presente processo à SGCE, para acautelamento, visando
especificamente ao cumprimento do item IV.3 e, de forma geral, o monitoramento das
demais determinações do presente Voto.
Sala das Sessões, de de 2017.
ORIGINAL ASSINADO Felipe Galvão Puccioni
Conselheiro