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UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA (UFRO) CENTRO DE HERMENÊUTICA DO PRESENTE PRIMEIRA VERSÃO ANO IV, Nº193 SETEMBRO - PORTO VELHO, 2005. Volume XIV Setembro/Outubro ISSN 1517-5421 Desnho da Capa: Eliaquim Cunha EDITOR NILSON SANTOS CONSELHO EDITORIAL ALBERTO LINS CALDAS - História ARNEIDE CEMIN - Antropologia FABÍOLA LINS CALDAS - História JOSÉ JANUÁRIO DO AMARAL - Geografia MIGUEL NENEVÉ - Letras VALDEMIR MIOTELLO - Filosofia Os textos no mínimo 3 laudas, tamanho de folha A4, fonte Times New Roman 11, espaço 1.5, formatados em “Word for Windows” deverão ser encaminhados para e-mail: [email protected] CAIXA POSTAL 775 CEP: 78.900-970 PORTO VELHO-RO TIRAGEM 150 EXEMPLARES EDITORA UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA ISSN 1517-5421 lathé biosa 193 AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO FUNCIONAL 360 GRAUS – UM ESTUDO DE CASO Laodisséia de Sousa Santana PRIMEIRA VERSÃO

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA (UFRO)

CENTRO DE HERMENÊUTICA DO PRESENTE

PRIMEIRA VERSÃO ANO IV, Nº193 SETEMBRO - PORTO VELHO, 2005.

Volume XIV Setembro/Outubro

ISSN 1517-5421

Desnho da Capa: Eliaquim Cunha

EDITOR

NILSON SANTOS

CONSELHO EDITORIAL

ALBERTO LINS CALDAS - História ARNEIDE CEMIN - Antropologia FABÍOLA LINS CALDAS - História

JOSÉ JANUÁRIO DO AMARAL - Geografia MIGUEL NENEVÉ - Letras

VALDEMIR MIOTELLO - Filosofia

Os textos no mínimo 3 laudas, tamanho de folha A4, fonte Times New Roman 11, espaço 1.5, formatados em “Word for

Windows” deverão ser encaminhados para e-mail:

[email protected]

CAIXA POSTAL 775 CEP: 78.900-970 PORTO VELHO-RO

TIRAGEM 150 EXEMPLARES

EDITORA UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA

ISSN 1517-5421 lathé biosa 193

AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO FUNCIONAL

360 GRAUS – UM ESTUDO DE CASO

Laodisséia de Sousa Santana

PRIMEIRA VERSÃO

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AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO FUNCIONAL 360 GRAUS – UM ESTUDO DE CASO1 Laodisséia de Sousa Santana2

As praticas de avaliação de desempenho não são novas. Desde que uma pessoa deu emprego à outra, seu trabalho passou a ser avaliado em termos de relação custo beneficio.

Idalberto Chiavenato

RESUMO: Analisa os resultados obtidos com a implementação, em um órgão público da esfera estadual, de um processo de Avaliação de Desempenho Funcional, baseado no Modelo 360 Graus, realizando uma comparação entre o modelo de avaliação anterior, identificando os fatores de melhoria no processo e os resultados obtidos com a nova metodologia. PALAVRAS-CHAVE : Avaliação 360 graus; Avaliação Funcional; Gestão de Pessoas; ABSTRACT: This article analyzes the results obtained with the implementation, in a public organization of the state sphere, of a process of Evaluation of Functional Acting, based on the Model 360 Degrees, accomplishing a comparison among the model of previous evaluation, identifying the improvement factors in the process and the results obtained with the new methodology. KEY-WORD : Evaluation 360 degrees; Functional evaluation; Administration of People;

INTRODUÇÃO

O processo de globalização da economia produziu mudanças muito profundas na forma de agir das empresas de todo o mundo. A competição em

nível mundial, decorrente da unificação dos mercados, estimulou a preocupação em melhor fidelizar os clientes de modo a se buscar a sobrevivência em um

ambiente cada vez mais competitivo.

1 Artigo elaborado com vistas à obtenção do título de Bacharel em Administração Geral pela Faculdade de Ciências Exatas, Humanas e Letras de Rondônia

– FARO, sob a orientação do Prof. Especialista Jorge Elarrat. Nov. 2006 2 Bacharelanda em Administração Geral pela FARO. E-mail: [email protected] [email protected]

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Assim, as empresas logo identificaram que uma das melhores formas de se garantir o sucesso no atendimento às necessidades dos clientes seria

investindo na qualidade do corpo de colaboradores, estimulando o seu desenvolvimento enquanto pessoas e a participação nos rumos das instituições.

Desse modo, logo surgiram as idéias sobre gestão participativa, estruturação do processo de delegação, capacitação continuada, revisões nos

modelos de avaliação funcional e até mesmo a proposta da empresa como learning organization.

Com a popularização dos métodos e resultados obtidos no mundo empresarial, o cidadão passou a exigir do ambiente público melhorias

assemelhadas nas práticas de relacionamento com a população, cobrando assim mudanças em todas as instituições.

Impulsionado, pelo sucesso na melhoria do mundo privado e pelo interesse do cidadão, o governo vem empreendendo esforços para também

alinhar suas práticas gerenciais às preconizadas pelo primeiro setor, de modo a que os serviços que oferece à sociedade estejam consentâneos com as

expectativas de uma sociedade a cada dia mais consciente e exigente.

Neste sentido, o Governo Federal vem estimulando a adoção de Programas de Melhoria, nas três esferas, tendo como base a Lei 9.969/00,

voltada para a busca da qualidade na prestação de serviços no ambiente público.

Assim, dentro deste quadro de mudanças gerenciais, se impõe de forma destacada, um novo modelo de gestão de pessoas, baseado numa

relação que busque o desenvolvimento de cada servidor e o seu envolvimento com os resultados obtidos pela organização.

Para alcançar este objetivo várias medidas podem ser tomadas e entre elas salienta-se um método de avaliação de desempenho funcional onde

cada colaborador seja avaliado não apenas pelo seu gerente, mas todos aqueles que fazem parte de sua rede de relacionamento dentro da instituição.

Assim, este trabalho visa, através de um estudo de caso, analisar a validade da utilização de um instrumento de avaliação de desempenho

funcional, no qual cada componente de uma equipe de trabalho passa a ser avaliado por seu gerente e pelos demais colegas identificados como elementos de

contato. Dentro da mesma idéia, aqueles que ocupam cargos gerenciais passam a ser avaliados pela sua equipe de trabalho, pelo seu gerente superior e

também pelos gerentes dos outros órgãos que possuem contato com o avaliado.

O resultado desta sistemática de avaliação demonstra que cada indivíduo é avaliado por várias pessoas em diferentes posições hierárquicas,

sejam abaixo, acima e no mesmo nível, em termos de organograma, conduzindo a uma visão de avaliação em todas as direções, justificando, assim, que este

modelo passasse a ser chamado, por esta razão, de Avaliação 360º.

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O método anterior

Baseado na Lei Complementar Estadual 303/2004, o processo de avaliação de desempenho funcional estabelecido pelo órgão estudado era

realizado através de um formulário impresso contendo seis itens de análise com notas variando de 1 a 5, a ser preenchido apenas pelo gerente de cada

servidor.

Os itens avaliados seguiam a disposição legal que considera que:

§ 1º. Serão apurados no estágio probatório os seguintes requisitos básicos: I – assiduidade; II – pontualidade; III – disciplina; IV – capacidade de iniciativa; V – produtividade; VI – responsabilidade. (RONDÔNIA, 2004, Art. 11).

Mais adiante, no Art. 12 observa-se:

§ 5º. O processo de avaliação para fins de progressão funcional considerará os requisitos enumerados no § 1º do art. 11 desta Lei Complementar, além de outros critérios específicos à especialidade de cada cargo, definidos em regulamento. (RONDÔNIA, 2004, Art. 12).

O que permitia que outros fatores de análise pudessem ser inseridos quando da avaliação funcional dos servidores.

Entretanto, neste processo, os demais componentes do órgão não participavam da avaliação dos demais integrantes da equipe e, muitas vezes, a

avaliação sequer era apresentada ao servidor avaliado, negando a visão na qual:

Durante a reunião de avaliação, o superior, numa atitude positiva, deve conversar com o subordinado sobre os resultados alcançados, suas possibilidades de carreira, enriquecimento de função, bem como sobre o estabelecimento de novos objetivos que satisfaçam tanto os objetivos organizacionais como os empregados. (PONTES, 1991, p. 83)

Por esta razão, a avaliação funcional não era vista como um instrumento justo, mas um processo que estava sujeito a questões pessoais que

interferiam na confiabilidade do instrumento.

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É preciso não esquecer que

Ao avaliarmos qualquer membro de uma equipe de trabalho, seja qual for o nível hierárquico, será importante fazer uma abordagem ampla dessa avaliação, ou seja, não limitá-la, exclusivamente, à apreciação do desempenho do funcionário na função durante determinado período de tempo. É importante avaliarmos, também, o desenvolvimento do pessoal do funcionário (TOLEDO, 1988, p. 105).

Tais considerações se reforçam quando associadas à idéia de que:

Conforme a política de RH adotada pela organização, a responsabilidade pela avaliação do desempenho das pessoas pode ser atribuída ao gerente, ao próprio individuo, ao individuo e seu gerente conjuntamente, à equipe de trabalho, ao órgão de gestão de pessoal ou a uma comissão de avaliação de desempenho. Cada uma dessas seis alternativas envolve uma filosofia de ação. (CHIAVENATO, 2004, p. 260)

O Método Proposto

Com o objetivo de substituir o modelo atual de avaliação foi desenvolvido um novo instrumento que pudesse garantir um processo de avaliação

de desempenho funcional menos autoritário onde não prevaleça apenas a opinião solitária do gerente, mas a visão conjunta de várias pessoas envolvidas no

processo produtivo de cada colaborador, oferecendo uma visão mais aproximada do real desempenho de cada um.

Esta prática tem o condão de estimular o envolvimento de todos nos rumos das instituições além de promover uma melhoria no processo de

relacionamento interpessoal da equipe, uma vez que todos passam a ser importantes no processo de ascensão funcional e não apenas o gerente, conforme

Chiavenato (2004, p. 261) que diz que:

Outra alternativa é fazer com que a própria equipe de trabalho avalie o desempenho de cada um de seus membros e programe com cada um deles as providencias necessárias para melhorá-lo cada vez mais.

Práticas assemelhadas são encontradas até mesmo em instituições religiosas tradicionais, como o modelo a seguir:

O sistema consistia em autoclassificações feitas pelos membros da ordem, relatórios de cada superior a respeito das atividades de seus subordinados e relatórios especiais feitos por qualquer jesuíta que acreditasse possuir informações sobre seu próprio desempenho ou de seus colegas, às quais o superior poderia não ter acesso de outra maneira. (CHIAVENATO, 2004, p. 258)

Pela exclusão dos valores identificados como anômalos é possível que se faça a identificação dos focos de conflito favorecendo uma ação mais

eficaz na construção de um ambiente de trabalho mais saudável.

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O resultado numérico obtido torna-se um poderoso instrumento nos processos de promoção e premiação oferecendo uma visão mais exata do

real desempenho de cada colaborador em substituição à visão totalitária de um único avaliador. Por ser uma avaliação realizada por todas as direções este

modelo é designado na literatura como Avaliação 360º, conforme a seguir:

A avaliação do desempenho 360º refere-se ao contexto geral que envolve cada pessoa. Trata-se de uma avaliação que é feita de modo circular por todos os elementos que mantêm alguma forma de integração com o avaliado. Assim, participam da avaliação superior, os colegas e pares, os subordinados, os clientes internos e externos, os fornecedores e todas as pessoas que giram em torno do avaliado, com uma abrangência de 360º. É uma forma mais rica de avaliação, pelo fato de produzir diferentes informações vindas de todos os lados. A avaliação 360ª proporciona condições para que o funcionário se adapte e se ajuste às várias e diferentes demandas que recebe de seu contexto de trabalho ou de seus diferentes parceiros. O avaliado, contudo, fica na passarela sob os olhos de todos, o que não é nada fácil. Ele pode tornar-se vulnerável, se não for bem preparado ou não tiver a mente aberta e receptiva para esse tipo de avaliação ampla e envolvente. (CHIAVENATO, 2004, p. 262)

características do método

Grau de automação

Para que se garanta uma maior isenção do processo de avaliação optou-se pela composição de uma ferramenta automatizada que evitasse o

manuseio de formulários em papel, que poderiam ameaçar o sigilo das informações que os usuários não têm acesso.

Além do aspecto relativo ao sigilo, com a opção pelo modelo automatizado haveria uma garantia de ausência de erros na transcrição dos

resultados para um aplicativo de controle.

Também a presença do órgão em diversas localidades exigiria um tempo muito maior para a liberação dos resultados, de vez que os resultados

referentes a vários servidores dependem de avaliações feitas também em localidades do interior.

Assim, com a adoção de formulários eletrônicos, via intranet, se viabiliza um ambiente seguro, sem erros de digitação e com a possibilidade de

liberação de resultados num intervalo de tempo bem menor.

Conceitos

Itens de avaliação

Para estabelecer um processo de avaliação se faz necessário que o avaliado seja analisado sob diversos aspectos distintos de modo a contemplar

as várias características que são interpretadas como relevantes pela Instituição.

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Para o caso específico em estudo, definiu-se um grupo de 13 itens de avaliação para os chamados não-gerentes e mais quatro fatores específicos

para os ocupantes de cargo de chefia, os fatores identificados são:

Quadro 1 - Itens de avaliação

Nº Itens de avaliação Observação 1. Bom-senso e Iniciativa 2. Conhecimento do trabalho 3. Produtividade 4. Qualidade do trabalho 5. Trabalho em equipe 6. Urbanidade 7. Capacidade de realização 8. Apresentação Pessoal 9. Criatividade 10. Disciplina 11. Discrição e sigilo 12. 13. Responsabilidade 14. Cumprimento do Expediente

Fatores comuns a todos os servidores

15. Liderança 16. Planejamento e Controle 17. Coerência 18. Imparcialidade

Fatores apenas para os ocupantes de cargos de chefia

Fonte: Instituição Pesquisada

Apesar de estes fatores estarem hoje colocados eles podem ser alterados para as avaliações seguintes desde que o corpo gestor entenda que,

em virtude de mudanças de cenário, um novo conjunto de itens de avaliação deva ser observado durante os períodos de avaliação, em observância à visão

de que:

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A avaliação do desempenho requer a medição e comparação de algumas variáveis individuais, grupais e organizacionais. Para que não caia na subjetividade ou na falta de critérios, o sistema de avaliação do desempenho deve apoiar-se em um amplo referencial que fortaleça a consonância em todos os seus aspectos. (CHIAVENATO, 2004, p. 281)

Grau de conhecimento

Em virtude do fato de que em uma equipe de trabalho as pessoas possuem relacionamentos mais ou menos estreitos seja por características

pessoais ou pela própria natureza do trabalho, foi inserido um fator de ponderação chamado grau de conhecimento para permitir que durante a avaliação

o avaliador expresse o quanto considera que conhece do avaliado. Este fator de ponderação possui 4 opções de grau de conhecimento: ótimo,.bom, regular e

pouco. As notas atribuídas são ponderadas de modo que um maior conhecimento do avaliado resulte num maior peso para os conceitos atribuídos.

Área

Quando um órgão é formado por poucas pessoas o esperado é que todos os seus integrantes procedam a avaliação uns dos outros, sem

exceções. Porém, à medida que os órgãos passam a contar com maior numero de colaboradores há a tendência que as pessoas sejam agrupadas em equipes

que, embora pertençam ao mesmo órgão executam tarefas distintas e com reduzidas áreas de contato.

Como conseqüência nem todos os que ali estão lotados mantêm contato entre si exigindo uma subdivisão informal dentro de um mesmo órgão

em áreas. Com a introdução deste conceito é possível que um mesmo órgão tenha diversas áreas e somente os integrantes de cada uma delas é que se

avaliam entre si, não lhes sendo facultado avaliar os componentes do mesmo órgão mas que estejam lotados em outra equipe.

O conceito de área preestabelece a inexistência de um gerente dentro da equipe, o gerente continuará o do órgão formal para todas as equipes

sob sua gestão.

Tipos de formulário

Dentro do quadro do Órgão em estudo existem diversos níveis de complexidade nas funções exercidas. Alguns postos de trabalho por serem de

menor complexidade possuem um grau de exigência menor diante dos itens de avaliação enquanto outras funções têm a necessidade de uma melhor

capacitação para seu exercício.

Assim sendo, o grau de exigência para a excelência em cada item deve ser proporcional ao grau de complexidade da função exercida.

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Esta compreensão exigiu que fossem desenvolvidos formulários de avaliação, com textos específicos para cada família de postos de trabalho,

onde o grau de exigência em cada item estivesse alinhado com o grau de complexidade das atribuições.

Desse modo, foram criados 7 formulários distintos, conforme a tabela abaixo:

Quadro 2 – Tipos de Formulários

Tipo A quem se destina Observações

A Membros

B Nível superior

C Nível intermediário

D Nível auxiliar

E Estagiários de Direito

F Estagiários de Administração

13 itens para não-gerentes e outros 4 itens apenas

para os ocupantes de cargos de chefia

G Motoristas Há um item a mais: Condicionamento Físico

Fonte: Instituição Pesquisada

Os formulários são identificados no aplicativo a partir das letras designadas na coluna da esquerda.

Classes de avaliação

Dentro de um processo de Avaliação 360°, os envolvidos serão avaliados por várias pessoas colocadas em diversos pontos do organograma.

Este fato faz com que a avaliações depois de concluídas sejam agrupadas por similaridade para cálculo da média final obtida pelo avaliado.

Faz-se desse modo necessário que as avaliações sejam identificadas pela natureza da relação que o avaliador mantém com o avaliado,

originando, a partir deste critério o conceito de Classe da avaliação. As avaliações podem pertencer a uma das quatro classes a seguir:

Quadro 3 – Tipos de Avaliação

Quem avalia no caso de Classe Descrição da Classe

Não-gerentes Gerentes

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P Avaliação de um par Colegas de equipe Gerentes do mesmo nível hierárquico

S Avaliação de subordinado (não existe) Os subordinados

G Avaliação de gerente O gerente do órgão O gerente do gerente

A Auto-avaliação O próprio avaliado O próprio avaliado

Fonte: Instituição Pesquisada

Lotação

Para garantir maior precisão no processo avaliatório, o órgão de lotação para este fim não é o órgão ao qual o servidor estava vinculado hoje,

mas 90 dias antes. Isto se dá em virtude do fato de ser considerado como irrisório um período inferior a três meses para que uma equipe avalie algum de

seus membros.

Caso o servidor se encontre afastado mais de 90 dias num período avaliatório, que é de 6 meses, ele será considerado como inavaliável, o

mesmo ocorrendo se num mesmo período ele esteve menos de 3 meses em um órgão em particular.

Nota do avaliado

A nota do avaliado não é atribuída diretamente pelo avaliador, a fim de evitar subjetividades sobre o significado de uma nota numérica, foram

atribuídos conceitos para melhor indicar o que se espera do avaliado em cada item de cada tipo de formulário. Obedecendo ao critério de Likert para a

composição de formulário, para cada item de avaliação foram definidos 5 graus de eficiência assim colocados:

Quadro 4 – Variação de notas

Conceitos Nota

Muito abaixo do padrão esperado 1

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Abaixo do padrão esperado 2

Atende o padrão esperado 3

Supera o padrão esperado 4

Supera em alto grau o padrão esperado 5

Fonte: Instituição Pesquisada

Conforme o pensamento de Pontes (1991, p.23):

Os sistemas que podemos descrever como tradicionais ou antigos de Avaliação de desempenho, em geral, apresentam relações de características sobre aspectos de desempenho graduados, que vão desde insatisfatório até excelente.

Assim, o avaliador não expressa numericamente sua opinião sobre o avaliado, mas procura entre as cinco opções de texto, os quais mudam a

cada item e cada tipo de formulário, qual deles melhor se adequa ao desempenho apresentado pelo avaliado.

Avaliação incompleta

Para proceder ao cômputo das notas alcançadas por cada avaliado é necessário primeiramente calcular a nota obtida na visão de cada avaliador,

porém algumas vezes os avaliadores não concluem a avaliação, apresentando sua opinião sobre o avaliado em apenas alguns itens.

Este fato conduz a resultados insatisfatórios de vez que a nota final do avaliado se tornaria menor, pela falta da pontuação obtida nos itens que

não foram apreciados pelo avaliador.

Nestas situações as avaliações são ditas incompletas e são sumariamente descartadas no início das análises com o fim de não prejudicar o

corpo de avaliados

Avaliação anômala

Em virtude da característica de co-responsabilidade resultante deste modelo de avaliação em que vários opinam sobre vários, podem surgir

avaliações que sobreponham os fatores pessoais aos funcionais, contaminando o real desempenho do avaliado.

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Estas situações podem ocorrer quando um problema pessoal existente entre dois colaboradores pode produzir um resultado fruto do conflito

pessoal e não do real desempenho. Também pode se dar quando alguém interessado em proteger outrem superestima os conceitos da avaliação com o fim

de beneficiar o avaliado.

As avaliações são analisadas estatisticamente e as que fogem à tipicidade são consideradas anômalas e seus valores excluídos da avaliação

impedindo assim distorções em relação à avaliação real

Quadro de avaliadores e avaliados

Pela própria característica do método é preciso que se definam quais as premissas para a definição de quem serão os avaliadores e os avaliados

de cada servidor em particular.

Princípio da reciprocidade

Segundo a proposta de Avaliação 360º quando se estabelece para alguém um quadro de avaliadores isto significa também que os avaliadores são

elementos que possuem contato com o avaliado, logo, também a seu turno deverão ser avaliados por aquele que avaliam.

Isto significa dizer que o conjunto de avaliados de um especifico avaliador é também o conjunto de seus avaliadores

A esta premissa chama-se: Princípio da Reciprocidade.

Lotação múltipla

Via de regra um servidor encontra-se lotado em um único órgão a quem atende, sujeito a um único gerente, integrando uma única equipe de

trabalho. Esta realidade conduz a um cenário bem comportado onde os avaliadores estão nitidamente definidos como sendo os companheiros de equipe e o

gerente do órgão.

Esta realidade, entretanto encontra numerosas exceções dentro do órgão estudado, onde diversos servidores encontram-se lotados em um

órgão, mas servem a outros mais além do primeiro, bem como existem varias situações em que há mais de um gerente para o mesmo órgão.

Por isso os servidores e membros foram lotados em tantos órgãos quantos forem aqueles para os quais prestam serviço de modo a permitir a

visibilidade necessária a todos aqueles que deverão ser arrolados na condição de avaliadores.

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No caso de lotação múltipla é necessária uma marcação que identifique entre os vários órgãos aos quais o avaliado está vinculado, quais deles

devem ser considerado como prioritário.

Para não-gerentes

No caso da avaliação para não-gerentes este será visualizado, na condição de par, por todos os componentes de seu órgão, caso este possua

apenas uma área. As pontuações definidas pelos pares não são divulgadas individualmente de modo que lhe seja possível identificar o que cada colega de

equipe expressou. As notas referentes a cada item de avaliação serão condensadas em um único número que expressa o pensamento médio da equipe

impedindo a identificação.

Nas condições pouco usuais de haver apenas um elemento na equipe de trabalho além do avaliado, este avaliador não conseguirá ocultar sua

opinião, uma vez que, por estar sozinho na coluna referente à opinião do grupo, sua avaliação estará exposta sem que se possa alegar que esteja combinada

à de mais alguém.

Além da nota que expressa o pensamento médio do grupo, uma segunda nota é considerada: a nota do gerente. Esta é destacada da opinião do

grupo sendo divulgada inequivocamente dos demais componentes da equipe. Caso haja mais de um gerente no órgão a nota expressa será a média

aritmética da opinião dos vários gerentes e neste caso não será mais possível identificar qual a opinião de cada gerente em particular.

Caso o servidor avaliado participe das atividades em mais de um órgão e esteja na condição de lotação múltipla, então, seus avaliadores serão os

membros das equipes dos órgãos que participa, agrupados em uma única nota e os seus gerentes, também agrupados em uma segunda nota.

Para gerentes

No caso de ocupantes de cargos de chefia, o conjunto dos avaliadores será formado pelos membros de sua equipe que o avaliarão como

colaboradores e as opiniões por eles expressas não serão divulgadas, ficando visível apenas a média da opinião de todo o grupo. Exceção feita para o caso do

gerente que possui apenas um elemento em sua equipe de trabalho, por tornar a avaliação do subordinado à única a compor a coluna da avaliação da

equipe, impedindo a sua não-divulgação.

Além destes, o gerente do órgão ao qual o gerente-avaliado está subordinado também o avaliará, na condição de gerente. Caso este avaliado

esteja sujeito a mais de um órgão, todos os gerentes dos órgãos que ele comparecer ou o gerente dos órgãos que ele for apontado como gerente o avaliarão

nesta mesma condição e a nota final como gerente será a media de todas as expressas neste segmento.

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Os gerentes contam ainda com um terceiro grupo de avaliadores formado pelos chefes dos órgãos subordinados ao mesmo gerente do avaliado.

Estes comporão uma terceira coluna de avaliadores chamados de par.

Caso o gerente seja alocado em lotação múltipla duas situações poderão ocorrer. Na situação de um gerente ocupar cargo gerencial nos demais

órgãos então será avaliado como gerente nos demais órgãos tendo então outros 3 grupos de avaliadores (grupo, gerente e pares). Porém, se o gerente for

alocado em outro órgão este será avaliado na condição de não-gerente pelos integrantes do outro órgão, onde contará com apenas 2 grupos de avaliadores:

(grupo e gerente).

Para membros

Os membros do caso em estudo estarão inseridos no banco de dados sempre na condição de gerentes dos órgãos em que estejam lotados,

dando-lhes visibilidade a todos os servidores e demais membros do órgão.

Entretanto, os membros só podem ser visto nos quadros de avaliação de outros membros. Esta situação nega o Princípio da Reciprocidade (Vide

4.3.1)

Assim, qualquer órgão onde haja membros lotados, estes avaliarão como gerentes os demais servidores e na condição de par os demais

membros do mesmo órgão. Verão os membros dos órgãos de mesmo nível hierárquico como pares e avaliarão, na condição de subordinados, os membros-

gerentes dos órgãos que lhe sejam superiores.

Caso um órgão de mesmo nível hierárquico tenha um não-membro como gerente o membro não o avalia na condição de par, mas como se seu

gerente fosse, apesar dos órgãos estarem na mesma camada do organograma.

Ou seja, todas as relações entre membros e servidores são sempre uma relação de gerente-subordinado, independente da posição hierárquica

que o servidor ocupe.

Ausência de avaliações

Em virtude do grande número de avaliadores envolvidos e das múltiplas avaliações que devem proceder é esperado que haja abstenções e

omissões seja por motivos de viagens ou da própria carga de trabalho durante o período avaliatório, seja pelo deliberado desejo de não opinar sobre seus

potenciais avaliados.

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Este fato não resulta em prejuízo para o processo uma vez que as avaliações são calculadas em função da média das efetivamente realizadas,

assim o único prejudicado quando da não realização das avaliações é o próprio avaliador que deixa de opinar no processo de construção de um ambiente de

trabalho melhor.

Fatores de Ponderação

Para a composição da nota final a ser atribuída a cada avaliado é necessário manipular os conceitos arbitrados pelos vários avaliadores e

calculando a média de cada um deles, baseado em vários fatores de ponderação.

Ponderação pelo peso do item

Cada um dos itens de avaliação possui um peso específico para cômputo das notas, conforme a tabela abaixo:

Quadro 5 – Itens de Avaliação

Nº Item de avaliação Peso Nº Item de avaliação Peso 1. Bom-senso e Iniciativa 3 2. Conhecimento do trabalho 3 3. Produtividade 4 4. Qualidade do trabalho 4 5. Trabalho em equipe 3 6. Urbanidade 3 7. Capacidade de realização 3 8. Apresentação Pessoal 2 9. Criatividade 3 10. Disciplina 3 11. Discrição e sigilo 3 12. Responsabilidade 3 13. Cumprimento do Expediente 3 14. Liderança 4 15. Planejamento e Controle 4 16. Coerência 4 17. Imparcialidade 4

Fonte: Instituição Pesquisada

Por esta razão os formulários de servidores não-gerentes têm um total de 40 pontos, enquanto os dos gerentes 56. Exceção para os formulários

dos motoristas, que têm 3 pontos a mais, referentes ao fator: Condicionamento Físico.

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Cada nota decorrente do conceito selecionado é multiplicada pelo peso do item e depois dividida pelo total de pesos do item, para que se

obtenha a nota de um específico avaliador sobre um avaliado, ou seja, é a média ponderada das notas pelo peso de cada item, de acordo com a fórmula a

seguir:

Equação 1 – Fórmula para Cálculo da Média Ponderada por peso de item de avaliação

avaliador ésimo-i do final nota

item ésimo-k do peso

item ésimo-k no avaliador, ésimo-i do nota

,

,

1

1,

0

0

=

=

=

×

=

=

=

i

k

ki

k

k

k

k

k

kki

i

N

p

n

p

pn

N

Fonte: Instituição Pesquisada

Ponderação por grau de conhecimento

O grau de conhecimento do avaliador é o segundo fator de ponderação a ser utilizado na composição da nota final do avaliado.

Este fator não existe na auto-avaliação nem na avaliação feita de um gerente sobre seu subordinado. Nestas condições é entendido que o grau é

máximo.

Apenas as avaliações de pares e as avaliações de subordinados em relação a seus gerentes estão sujeitas à inclusão deste fator, que seguem a

tabela seguir.

Quadro 6 – Graus de Conhecimento

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Classe de Avaliação

Código da Classe

Grau de conhecimento

Peso do Grau

Auto avaliação A Ótimo 10 Gerente G Ótimo 10

Ótimo 10 Bom 7

Regular 5 Par P

Pouco 3 Ótimo 10 Bom 7

Regular 5 Subordinado S

Pouco 3

Fonte: Instituição Pesquisada

Desse modo, após a obtenção da nota (Ni) que cada avaliador atribui ao avaliado, segue-se a ponderação da nota pelo grau de conhecimento do

avaliador, conforme fórmula abaixo:

Equação 2 – Fórmula para Cálculo da Média Ponderada pelo grau de conhecimento

Sou G P, A, : savaliadore de classe da final nota

avaliador ésimo-i do toconhecimen degrau

avaliador ésimo-i do final nota

,

1

1

=

=

=

×

=

=

=

c

i

i

n

i

i

n

i

ii

c

N

g

N

g

gN

N

Fonte: Instituição Pesquisada

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ISSN 1517 - 5421

18

18

pares dos nota

gerentes dos nota

avaliado do final nota

,2

=

=

=

+=

Np

Ng

N

NpNgN

Ao final desta fase os valores foram ponderados pelo grau de conheci-mento resultando as notas dos avaliados já ponderados pelo grau do

conhecimento em uma das quatro classes: gerente, par, subordinado ou auto-avaliação, caso o avaliado possua algum avaliador na classe que o tenha

avaliado.

Ponderação por classe de avaliação

Após a ponderação pelo peso dos itens de avaliação e depois pelo grau de conhecimento, agrupando todas as avaliações em apenas 4 tipos,

quais sejam: auto-avaliação, par, subordinado e gerente, será feita a ponderação pela classe de avaliação.

A nota final do avaliado depende deste ser ou não gerente, no caso de não gerente a nota final é dada por:

Equação 3 – Fórmula para cálculo da nota de não gerentes

Fonte: Instituição Pesquisada

Caso o avaliado não tenha nenhuma avaliação feita por pares, a nota dada pelo gerente será a nota final.

Equação 4 – Fórmula para cálculo da nota de não-gerentes, sem pares.

gerentes dos nota

avaliado do final nota

,

=

=

=

Ng

N

NgN

Fonte: Instituição Pesquisada

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19

19

No caso de gerentes, a nota final é calculada através da seguinte fórmula:

Equação 5 – Fórmula para cálculo da nota de gerentes

equipe da nota

pares dos nota

gerentes dos nota

avaliado do final nota

,10

424

=

=

=

=

×+×+×=

Ne

Np

Ng

N

NeNpNgN

Fonte: Instituição Pesquisada

Na inexistência de notas da equipe, a fórmula anterior se resume a:

Equação 6 – Fórmula para cálculo da nota de gerentes, sem nota da equipe.

pares dos nota

gerentes dos nota

avaliado do final nota

,3

2

=

=

=

+×=

Np

Ng

N

NpNgN

Fonte: Instituição Pesquisada

Na inexistência de notas dos pares, a fórmula anterior se resume a:

Equação 7 – Fórmula para cálculo da nota de gerentes, sem pares.

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20

20

equipe dos nota

gerentes dos nota

avaliado do final nota

,2

=

=

=

+=

Ne

Ng

N

NeNgN

Fonte: Instituição Pesquisada

Quando da inexistência de notas dos pares e da equipe, a fórmula anterior se resume a:

Equação 8 – Fórmula para cálculo da nota de gerentes, sem pares e sem equipe.

gerentes dos nota

avaliado do final nota

,

=

=

=

Ng

N

NgN

Fonte: Instituição Pesquisada

Para o cômputo das notas, duas observações se fazem fundamentais:

1. em não havendo avaliação do gerente não há notas a serem divulgadas;

2. a auto-avaliação não tem nenhum valor matemático e não é computada para a composição da nota final do avaliado, serve apenas como

instrumento de auto-avaliação.

Também foi estabelecido como premissa básica a divulgação dos resultados na mesma página da Intranet onde as avaliações são realizadas,

permitindo que cada servidor tenha conhecimento do resultado final de sua avaliação, embora seja negado obter a informação dos valores individuais

arbitrados por cada um dos avaliadores bem com a avaliação recebida pelos demais colegas, em consonância com o pensamento de Chiavenato (2004, p.

263) ao asseverar que o avaliado “deve receber a retroação adequada e reduzir dissonâncias a respeito de sua atuação na organização”.

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ISSN 1517 - 5421

21

21

APLICAÇÃO DO MÉTODO

O novo modelo de avaliação foi implementado com uma adesão de 71% dos servidores no primeiro ciclo de avaliações e, após a divulgação dos

resultados houve 6 casos de contestação das notas obtidas, em virtude do avaliado não considerar como verdadeiras as opiniões apresentadas, porém todos

os resultados foram confirmados.

O processo de avaliação dentro desta sistemática vem se repetindo a cada seis meses, conforme regulamentação interna baseada na idéia de

que: “a avaliação de desempenho é uma apreciação sistemática do desempenho de cada pessoa no cargo e de seu potencial de desenvolvimento futuro”

(CHIAVENATO, 2006, p. 259) e a adesão ao processo de avaliação alcançou em seu terceiro e último ciclo 88%, o que demonstra o crescimento da

credibilidade no instrumento.

De vez que, segundo Chiavenato (2004, p. 263) “a avaliação do desempenho não é um fim em si mesmo, mas um instrumento, um meio, uma

ferramenta para melhorar os resultados dos recursos humanos da organização”, programas de melhoria funcional estão sendo discutidos para reabilitação

daqueles que se encontram abaixo do desempenho desejado.

O desempenho dos avaliados também demonstrou que as equipes têm se valido da ferramenta para sinalizar aqueles que são considerados como

de baixa produtividade, não ocorrendo um possível corporativismo que impedisse uma leitura real dos dados, o que pode ser observado pelo histograma

abaixo:

Figura 1 – Histograma com a concentração de servidor por faixa de nota

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22

22

Histograma com a concentração de servidor por faixa de nota

0

10

20

30

40

50

60

70

80

4,75

5,

00 5,2

5 5,

50

5,75

6,00

6,25

6,

50 6,7

5 7,

00

7,25

7,50

7,

75

8,00

8,

25

8,50

8,

75

9,00

9,

25

9,50

9,

75 10

,00

Fonte: Relatório de Avaliação do Órgão estudado

Considerações finais

O uso deste instrumento de avaliação alcançou seus objetivos, na medida em que:

1. estabeleceu um modelo, dentro da legalidade, que sem fugir às disposições legais, avançando no processo de melhor gestão do corpo de

servidores, em obediência ao Princípio Constitucional da Eficiência;

2. Oportunizou a adoção de um instrumento que oferece uma leitura mais do perfil da força de trabalho, pela participação de maior número de

avaliadores para cada servidor avaliado;

3. Garantiu uma melhor identificação na localização dos problemas de pessoal, na medida em que comprometeu toda a sua força de trabalho

nesse objetivo;

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ISSN 1517 - 5421

23

23

4. Estabeleceu um processo de confiança, na medida em que ofereceu um instrumento automatizado e que garante o sigilo de todas as

informações, o que se comprova pelo aumento da adesão dos avaliadores ao instrumento, ao longo do tempo;

A partir dos resultados colhidos e da validade identificada no novo instrumento; compete agora aos gestores estabelecer um Plano de Melhoria

Funcional para cada um dos servidores assinalados abaixo do padrão desejado de desempenho, de forma a justificar o investimento feito nesse sentido, com

o objetivo de atuar no Capital Humano de forma a lhe oferecer o valor que lhe é próprio no atual cenário mercadológico.

Estudos complementares, portanto, podem ser feitos no sentido de estabelecer as ações a serem empreendidas como forma de capacitação e

melhoria contínua dos servidores avaliados. Alem de pesquisas que também podem ser levadas a efeitos com o fim de identificar melhorias a serem

introduzidas no próprio instrumento de avaliação, de modo a lhe garantir a capacidade de aferir com mais precisão o perfil da força de trabalho em estudo.

Referências CHIAVENATO, Idalberto. Recursos Humanos: O capital humano das organizações, 8ª ed. São Paulo: ATLAS, 2004.

PONTES, B.R. Avaliação de Desempenho: Uma Abordagem Sistêmica, 5ª ed, São Paulo: LTR 1991.

RONDÔNIA. Lei Complementar 303/2004, de 26 de julho de 2004. Diário Oficial de Rondônia, Porto Velho, RO, nº 1126, p. 79.

TOLEDO, Flávio, Administração de Pessoal: Desenvolvimento de Recursos Humanos. 6ª ed. São Paulo: ATLAS, 1988. ANEXO II

PARECER PARA ENCAMINHAMENTO DO ARTIGO CIENTÍFICO A BANCA EXAMINADORA. À Professora da Disciplina de Monografia Sra. DANIELE MEJIA CAVALCANTE

Após analise previa do artigo científico desenvolvido pela acadêmica LAODISSÉIA DE SOUSA SANTANA, com o tema AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO

FUNCIONAL 360 GRAUS – UM ESTUDO DE CASO , DECLARO que o mesmo está em condições de ser apresentado à Banca Examinadora em sessão pública.

DATA: 12/11/2006

Professor orientador: JORGE ALBERTO ELARRAT CANTO

Assinatura: ______________________________________________

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24

24

Encaminhamento a Coordenação do Curso de Administração.

Ao coordenador do Curso de Administração:

Após analise previa do artigo encaminhado pelo professor acima identificado, verifiquei que este se encontra de acordo com o regulamento de trabalho de curso.

Data: ______/______/_______

Professor da disciplina de Monografia

Nome: DANIELE MEJIA CAVALCANTE

Assinatura_________________________________________

ANEXO I

AUTORIZAÇÃO DE PUBLICAÇÃO.

Autorizo a Faculdade de Ciências Humanas, Exatas e Letras de Rondônia – FARO, a publicar o Artigo Cientifico apresentado para obtenção do título de Bacharel em Administração, livre de quaisquer ônus. Acadêmica: LAODISSÉIA DE SOUSA SANTANA

Tema do Artigo Científico: AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO FUNCIONAL 360 GRAUS – UM ESTUDO DE CASO.

Porto velho (RO), 12 de Novembro de 2006.

_______________________________

LAODISSÉIA DE SOUSA SANTANA

UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA (UFRO)

CENTRO DE HERMENÊUTICA DO PRESENTE

PRIMEIRA VERSÃO

Page 25: Volume xiv 2005

25

25

PRIMEIRA VERSÃO ANO IV, Nº194 SETEMBRO - PORTO VELHO, 2005

Volume XIV Setembro/Outubro

ISSN 1517-5421

Desenho da Capa: Eliaquim Cunha

EDITOR

NILSON SANTOS

CONSELHO EDITORIAL

ALBERTO LINS CALDAS - História ARNEIDE CEMIN - Antropologia FABÍOLA LINS CALDAS - História

JOSÉ JANUÁRIO DO AMARAL - Geografia MIGUEL NENEVÉ - Letras

VALDEMIR MIOTELLO - Filosofia

Os textos no mínimo 3 laudas, tamanho de folha A4, fonte Times New Roman 11, espaço 1.5, formatados em “Word for

Windows” deverão ser encaminhados para e-mail:

[email protected]

CAIXA POSTAL 775 CEP: 78.900-970 PORTO VELHO-RO

TIRAGEM 150 EXEMPLARES

EDITORA UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA

ISSN 1517-5421 lathé biosa 194

REFORMA AGRÁRIA: UMA ESTRATÉGIA PARA

DESENVOLVIMENTO RURAL COM INCLUSÃO

SOCIAL NO BRASIL

Patrício Aureliano Silva Carneiro

REFORMA AGRÁRIA: UMA ESTRATÉGIA PARA DESENVOLVIMENTO RURAL COM INCLUSÃO SOCIAL NO BRASIL

Page 26: Volume xiv 2005

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Patrício Aureliano Silva Carneiro

Departamento de Geografia Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, MG. [email protected]

A terra é nossa vida”. Morador da Região do Jequitinhonha (MG). O latifúndio é o pai da injustiça no campo.

– As Mudanças no Campo Brasileiro O espaço rural tem sofrido mudanças estruturais, causadas tanto pelo processo de abertura comercial e integração

econômica como pela estabilização da economia. O final dos anos 60, caracterizado por um momento revolução da agricultura brasileira e pela constituição do

Complexo Agroindustrial, propicia a articulação da agricultura com setores industriais especializados.

A entrada do capitalismo no campo varre os camponeses. Novas relações de produção com tecnologia moderna, máquinas, insumos, entre outras, são

introduzidas no campo. Segue-se uma revolução agrícola, ou seja, uma reformulação técnica na agricultura, e não uma revolução no sentido de reforma agrária.

A intensificação do uso de tecnologias modernas na agricultura ganhou ímpeto a partir dos anos 60, uma resolução do problema pela via tecnológica, de forma

a manter o latifúndio. Isto só foi possível, pois houve no país uma conciliação da industrialização com o latifúndio, através de um conjunto de inovações biológicas,

físico-químicas e mecânicas, uma combinação explosiva que propiciava por um lado, a potencializarão da produção, mas que causaria por outro lado, um custo social e

ambiental muito alto.

A política de crédito rural agrícola na forma em que foi conduzida na década de 70, no intuito de promover aumentos sucessivos na produtividade e aplicação

de tecnologias, foi criticada nos pontos da equidade e eficiência, pois beneficiou o uso intensivo de capital em detrimento do fator trabalho, contribuindo para os

efeitos concentradores e excludentes, e acentuando nas regiões onde foi executada, a concentração da propriedade da terra e da renda.

O surgimento de alguns movimentos sociais, entre eles o MST, pode ser atribuído a esta revolução agrícola dirigida pela indústria, a qual não provocou uma

mudança na estrutura agrária do país, de forma a promover uma revolução agrária, mas construiu uma solução baseada na tecnificação e na militarização. A crise

ambiental, a concentração de riqueza e a exclusão social foram os frutos desta revolução agrícola no campo brasileiro.

A reforma agrária se coloca hoje como uma questão atual e nacional, visto que nos últimos anos, o desenvolvimento agrário deixou de existir no Brasil.

2 – A Política de Crédito Rural e suas implicações

A história do crédito rural formal no Brasil teve início em 1931, quando o Governo Federal, através do Banco do Brasil e da criação do Departamento de Café

passou a financiar compras de café (Guedes Filho, 1999). A CREAI (Carteira de Crédito Agrícola e Industrial do Banco do Brasil) se tornou o primeiro grande

mecanismo de crédito agrícola no Brasil.

Page 27: Volume xiv 2005

27

Para Delgado (1985), distingue-se claramente duas fases no que diz respeito à compreensão do setor agrícola no processo de desenvolvimento econômico do

pós-guerra, cujo divisor de águas se situa justamente na década de 60, quando se inicia o processo ou a etapa de desenvolvimento rural de cunho modernizador.

O rápido crescimento do emprego não agrícola e a intensa urbanização, com conseqüente aumento na demanda por produtos agrícolas incentiva a política de crédito

rural, que teve importante papel na articulação dos interesses rurais e urbanos, em torno do projeto de desenvolvimento de cunho modernizador.

A partir de 1965, através da lei 4.289, a política de crédito agrícola se consolidou no país com a criação do Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR). O SNCR tinha

como objetivos principais: financiamento de parte dos custos de produção agrícola, estimular a formação de capital, acelerar a adoção de novas tecnologias e

fortalecer a posição econômica dos produtores (Spolador, 2001).

Com a implantação do SNCR, observou-se entre 1965 e 1975, aumento da produção e modernização do setor, além da concentração de crédito entre poucos e

grandes produtores (Araújo & Meyer, 1977).

A década de 70 é caracterizada por um rápido crescimento do crédito rural. O rápido crescimento do Crédito Rural Total na década de 1970 tem como fator

causal a criação dos Planos Nacionais de Desenvolvimento (PND’s). Entre eles pode-se destacar o POLOCENTRO que tinha por objetivo promover o desenvolvimento e

a modernização das atividades agropecuárias da região Centro-Oeste e Oeste de Minas Gerais, mediante a ocupação racional de áreas com características de cerrado,

e seu aproveitamento em escala empresarial.

Entre os anos 1974 e 1975 houve a maior porcentagem de variação positiva do Crédito Rural (45,77%). Por outro lado, em 1974 também tivemos a maior

porcentagem na Variação Positiva da Taxa de Inflação (90,07%). O processo inflacionário gerou maior subsídio creditício e o crédito não sofria correção monetária

total, o que proporcionou o aumento das desigualdades distributivas (apenas 20% dos produtores obtinham crédito formal) (Barros,1979).

Segundo Barros (1979), a partir de meados dos anos 70, em função da mudança de rumos da economia mundial, a economia brasileira começou a sofrer pressão

inflacionária e desequilíbrios na balança de pagamentos. A política governamental então teve que se ajustar à nova situação.

O final da década de 70 e início dos anos 80 é caracterizado por outra fase do desenvolvimento agrícola, porém, marcada por retração, em função da crise do

sistema creditício, com a taxa nominal de juros triplicando entre 1978 e 1980, destaque para a variação de 153,33% de 1978 para 1979, mas que ainda apresentou

um bom desempenho agrícola.

A crise econômica durante a década de 80 foi responsável por movimentos importantes. Por exemplo: o dinamismo do setor industrial deveu-se à indústria

extrativa e mineral, enquanto a indústria de transformação esteve praticamente estagnada em função da crise que foi maior na produção de bens duráveis que na

indústria de bens de capital. Porém, para alguns analistas, a agricultura reagiu muito bem à crise econômica (Lavinas & Nabuco, 1991).

A taxa de inflação que parecia estar relativamente estabilizada desde o final da década de 60 sofre um grande aumento em 1974 e 1976 em função da crise

econômica e não foi capaz de ser detida, ao ponto que em 1980 face à crise do sistema de crédito, ela praticamente quase que dobra, passando de 53,9% em 1979

para 100,2 em 1980, uma variação de 85,9%.

Page 28: Volume xiv 2005

28

O crédito rural passa a ser limitado significativamente, principalmente quando se analisa o ano de 1981, onde a redução de 13,81% constitui a maior do

período em estudo. O crédito neste momento passa a ser direcionado, destinado de modo específico aos setores modernos, rumo às grandes culturas de cana-de-

açúcar, trigo, soja, cacau, algodão e laranja. Neste contexto temos como exemplo, o PRODECER (Programa de Desenvolvimento dos Cerrados).

Estudos de Gasques et al.(2000) mostram que a média de aplicações nos últimos anos da década de 90, representava menos de 30% do que se aplicava no auge do

Sistema Nacional de Crédito Rural, durante as anos 70.

Para Barros (1979) e Sayad (1978), a política de crédito agrícola na forma em que foi conduzida na década de 70, esgotou todas as suas potencialidades e

passou a ser criticada em três níveis: equidade, eficiência, e impactos sobre a política monetária.

Os efeitos dessa política, que beneficiou o uso intensivo de capital em detrimento do fator trabalho foram concentradores e excludentes, pois acentuou nas regiões

onde foi executada, a concentração da propriedade da terra e da renda.

Na região do Centro-Oeste (Goiás), a introdução da cultura da soja, após a utilização do cerrado pela pecuária, tem acelerado de modo intenso o processo

erosivo provocando cada vez mais assoreamento nos canais fluviais.

Estudos do professor Archimedes Peres Filho, do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp, que avaliam o impacto ambiental provocado pelas culturas de soja

nas cabeceiras do rio Araguaia, indica que o estado atual de conservação e preservação do rio Araguaia, com 2.627 quilômetros de extensão, um dos mais um dos

mais importantes afluentes do Tocantins está sofrendo as conseqüências de um processo quase sem controle, que especialistas denominam de arenização e

assoreamento.

3 – Os Limites do Desenvolvimento Rural

A extrema heterogeneidade das atividades agrícolas e rurais no Brasil, quando diversas regiões sofreram forte intensificação econômica e dinamismo

tecnológico, em oposição a outras partes do país rural que perecem na integração econômica, fruto de processos políticos que José de Souza Martins (1994)

apropriadamente intitulou de “o poder do atraso”, consiste num entrave às iniciativas de desenvolvimento rural (Zander Navarro, 2001).

O Estado brasileiro já não é capaz de comandar uma forte intervenção no campo. Cita-se como exemplo, o desmantelamento dos serviços de extensão rural e

assistência técnica, no Nordeste, Centro-Oeste e Norte. Bastaria igualmente ressaltar que os anos recentes verificaram a implementação de políticas de privatização

que, na prática, quase eliminaram, por exemplo, a presença estatal no chamado “D1 para a agricultura”, isto é, o setor industrial à montante das atividades agrícolas

(Graziano da Silva, 1996).

Esta redução da capacidade de intervenção do Estado, se somada aos impactos da privatização em outras áreas (por exemplo, infra-estrutura), vem

restringindo, fortemente, as chances de propor uma efetiva política de desenvolvimento rural (Zander Navarro, 2001).

Page 29: Volume xiv 2005

29

É improvável que haja apoio social amplo e legitimidade política na destinação dos recursos públicos para o desenvolvimento do espaço rural, visto que o país se

urbanizou de forma muito espantosa nas últimas quatro décadas.

A mídia, frente ao fracasso do projeto neoliberal liderado pelo PSDB e PFL, assumiu o papel de um verdadeiro partido ideológico dos setores dominantes da

sociedade brasileira (MST, 2003). Nas páginas dos jornais e nos noticiários das televisões e rádios, os movimentos sociais são sistematicamente criminalizados. O que

deveria ser considerado um crime é a existência de latifúndios num país em que milhões de pessoas vivem abaixo da linha de pobreza. 4 – Estratégias para superação

dos Limites ao Desenvolvimento Rural Nenhuma estratégia de desenvolvimento rural poderá assentar-se sem uma prioridade ambiental, especialmente no tocante ao

manejo de recursos naturais. A recente crise energética brasileira desnudou, talvez com clareza, que antes de ser decorrente de investimentos insuficientes e/ou

mudanças no regime de chuvas, a redução do potencial energético deriva, isto sim, de uma profunda alteração nos sistemas agrícolas e sua expansão, nas últimas

três ou quatro décadas (Zander Navarro, 2001), a qual seguiu uma lógica ambiental predatória que reduziu dramaticamente a capacidade de absorção hídrica dos

solos brasileiros, eliminando nascentes e afetando a malha de cursos de água e, por extensão a vazão dos rios principais das diferentes bacias hidrográficas.

O caminho da reforma agrária no Brasil deve passar pela emancipação política do povo (trabalhadores do MST), que não tiveram a possibilidade histórica de

conhecer uma vida digna. A reforma agrária seria condição de dar uma vida digna no intuito de promover a discussão do destino econômico, político e cultural destes

povos, ou seja, a construção de um cidadão emancipado. Caso entendamos a reforma agrária como um processo que conduziria à emancipação política, podemos

deduzir que a mesma estaria gestando as bases para a concretização da cidadania no Brasil.

O desafio dos movimentos sociais no campo consiste em inserir estes movimentos num enfoque geográfico, do ponto de vista da espacialização e

territorialização. Portanto, estes não podem ser somente movimentos sociais, mas devem ser construídos sobre uma ótica de movimentos sócio-espaciais. As questões

são territoriais e políticas, e não somente econômicas e sociais quando é colocado o problema dos sem-terra, sendo necessário, portanto, construir um território da

reforma agrária em escala nacional.

É necessária uma aliança pelo desenvolvimento rural, não restritiva do ponto de vista de seus participantes, se o objetivo é de fato garantir um processo de

mudanças que seja nacional, no intuito de concretizar a democracia no país e traçar rumos para reduzir gradativamente as desigualdades sociais e econômicas.

As políticas destinadas à reforma agrária e à pequena agricultura familiar devem ser de caráter regional e de acesso efetivo mais democrático, de forma a corrigir

aspectos concentradores, como o exemplo do PRONAF (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), com recursos fortemente concentrados na

região Sul do país.

O desenvolvimento do espaço rural, tanto do ponto de visa de uma reforma agrária efetiva, quanto do fortalecimento da agricultura familiar deve fornecer

subsídios para o fortalecimento de um amplo setor de pequenos produtores na agricultura brasileira, consistindo numa necessidade social, econômica e ambiental, na

qual este setor da agricultura se apresenta mais apto para gestão e conservação dos recursos naturais. 5 – ConclusõesA resolução da questão agrária necessita de um

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30

radical programa de reforma agrária, de forma a modificar a concentração de terra e da renda, programa este articulado a investimentos em educação, renda mínima

e acesso a serviços de saúde, condições para superar pobreza e eliminar os mecanismos de dominação política que, de fato, são os maiores responsáveis pelo atraso.

São estes os maiores desafios atualmente existentes entre os que sonham em ver materializados os processos de desenvolvimento rural no Brasil, com

objetivo de promover um desenvolvimento sócio-espacial justo e sustentável em termos econômicos e ambientais no intuito de consolidar a democracia e assegurar a

inclusão social no país.6 – Referências BibliográficasARAÚJO, P.F.C. de; MEYER, R.L. Agricultural credit policy in Brasil: objectives and results. American Journal of

Agricultural Economics, v. 59, n°. 5, p. 957-961, dec. 1977.BARROS, J. M. de. Política e Desenvolvimento Agrícola no Brasil. In: VEIGA, A. (Ed.) Ensaios sobre política

agrícola. São Paulo: Secretaria da Agricultura, 1979. DELGADO, G. da C. Capital financeiro e agricultura no Brasil: 1965 – 1985. São Paulo: Ícone/UNICAMP,

1985.GASQUES, J. G.; CONCEIÇÃO, J.C.P.R.; RODRIGUES, R.I. Financiamento da agricultura: experiências e propostas. Brasília: IPEA, 2000. 67p.Graziano da Silva, J.

A nova dinâmica da agricultura brasileira. Campinas: Instituto de Economia, Unicamp, 1981.GUEDES FILHO, E. M. Financiamento na agricultura brasileira. Apresentado

no Workshop Instrumentos Públicos e Privados de Financiamento e Gerenciamento de Risco, Piracicaba, 1999.SAYAD, J. Crédito rural no Brasil. Brasília: Ministério da

Agricultura, 1978. 93p.LAVINAS, L.,NABUCO, M.R. Regionalização: problemas de método. In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO DE PÓS GRADUAÇÃO E

PESQUISA EM PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL (ANPUR), 4., 1991, Salvador. Anais... Salvador: [ s.n.], 1991. Martins, J. de S. O Poder do Atraso. Ensaios de

Sociologia da História Lenta. São Paulo: Hucitec, 1994.MST, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. A sociedade apóia a Reforma Agrária e o MST.

Publicação Especial, Setembro de 2003.

Navarro, Z.Desenvolvimento rural no Brasil: os limites do passado e os caminhos do futuro. Revista Estudos Avançados, São Paulo: USP, v.16, n°43, dez.

2001. SPOLADOR, H. F. S. Reflexões sobre a experiência Brasileira de Financiamento da Agricultura. 102 p.

Dissertação (Mestrado em Economia Aplicada), ESALQ, Universidade de São Paulo, Piracicaba, 2001.

Page 31: Volume xiv 2005

UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA (UFRO)

CENTRO DE HERMENÊUTICA DO PRESENTE

PRIMEIRA VERSÃO ANO IV, Nº195 OUTUBRO - PORTO VELHO, 2005

Volume XIV Setembro/Outubro

ISSN 1517-5421

EDITOR

NILSON SANTOS

CONSELHO EDITORIAL

ALBERTO LINS CALDAS - História ARNEIDE CEMIN - Antropologia

FABÍOLA LINS CALDAS - História JOSÉ JANUÁRIO DO AMARAL - Geografia

MIGUEL NENEVÉ - Letras VALDEMIR MIOTELLO - Filosofia

Os textos no mínimo 3 laudas, tamanho de folha A4, fonte Times New Roman 11, espaço 1.5, formatados em “Word for Windows” deverão ser

encaminhados para e-mail:

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TIRAGEM 150 EXEMPLARES

EDITORA UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA

ISSN 1517-5421 lathé biosa 195

A ATUALIDADE DA FILOSOFIA

Theodor W. Adorno

PRIMEIRA VERSÃO

Page 32: Volume xiv 2005

A Atualidade da Filosofia 1

Theodor W. Adorno

Quem hoje em dia escolhe o trabalho filosófico como profissão, deve, de início, abandonar a ilusão de que partiam antigamente os projetos filosóficos: que é

possível, pela capacidade do pensamento, se apoderar da totalidade do real. Nenhuma razão legitimadora poderia se encontrar novamente em uma realidade, cuja

ordem e conformação sufoca qualquer pretensão da razão; apenas polemicamente uma realidade se apresenta como total a quem procura conhecê-la, e apenas em

vestígios e ruínas mantém a esperança de que um dia venha a se tornar uma realidade correta e justa. A filosofia, que hoje se apresenta como tal, não serve para

nada, a não ser para ocultar a realidade e perpetuar sua situação atual. Antes de qualquer resposta, tal função já se encontra na pergunta, pergunta essa que hoje em

dia é tida como radical, e, no entanto, é a menos radical de todas: a pergunta, pura e simples, pelo ser, tal como a formularam expressamente os novos projetos

ontológicos e tal como, a despeito de toda oposição, subjaz também aos sistemas idealistas, que se pretende superar. Esta pergunta apresenta como perspectiva sua

própria resposta: que o ser é adequado e acessível ao pensamento, que é possível se colocar a pergunta pela idéia do existente. Mas a adequação do pensamento ao

ser como totalidade se desagregou e com isso se tornou impossível a pergunta pela idéia do existente, que um dia, soberana, pode se elevar como estrela, em clara

transparência, por cima de uma realidade redonda e fechada, e que, talvez, se desvaneceu para sempre aos olhos humanos quando as imagens de nossa vida foram

afiançadas pela história. A idéia do ser se tornou impotente na filosofia; nada mais que um princípio formal vazio, cuja arcaica dignidade ajuda a decifrar conteúdos

arbitrários. Nem a plenitude do real, como totalidade, se deixa subordinar à idéia do ser, que lhe atribui o sentido; nem a idéia do existente se deixa construir a partir

dos elementos do real. Ela se perdeu para a filosofia, e, com ela, sua pretensão de atingir a totalidade real, na origem.

A história da filosofia presta testemunho disso. A crise do idealismo é equivalente à crise da pretensão filosófica de totalidade. A ratio autônoma - tese de todo

sistema idealista - deveria ser capaz de desenvolver, a partir de si mesma, o conceito de realidade e de toda realidade. Esta tese se autodissolveu. O neokantismo da

escola de Marburgo, que aspirava recuperar, com o máximo rigor, o conteúdo da realidade a partir de categorias lógicas, preservou, na verdade, sua integridade

sistemática, porém perdeu, em virtude disso, todos os direitos sobre a realidade e se vê exilado em uma região formal, em que cada determinação de conteúdo se

torna fugidia, como ponto virtual final de um processo sem fim. A posição antagônica à escola de Marburgo no círculo do idealismo, a filosofia da vida de Simmel -

psicológica e irracionalmente orientada - manteve contato com a realidade abordada, porém perdeu, com isso, o direito de dar sentido a uma empiria confusa, e se

resignou a um conceito naturalista, cego e obscuro do vivente, que procurava se elevar, em vão, a uma aparente e clara transcendência de uma "vida superior" (Mehr-

als-Lebens). Por fim a escola de Rickert, do sudoeste alemão - oscilando entre os extremos - julga que dispõe, nos valores, de padrões filosóficos de medida mais

concretos e práticos que aqueles utilizados pela escola de Marburgo em suas idéias, e desenvolveu um método que relaciona esses valores com a empiria, mas de um

modo como sempre frágil. Continuam indeterminados o lugar e a origem dos valores; permanecem eles em algum espaço entre a necessidade lógica e a diversidade

psicológica; nem presos ao real, nem transparentes ao espiritual. Uma ontologia da aparência que não é capaz de suportar a pergunta "de onde vem sua validade" e

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nem mesmo "para onde leva sua validade". As filosofias científicas trabalham sem se preocupar com as grandes tentativas de solução da filosofia idealista, e, desde o

início, abandonam a questão fundamental idealista sobre a constituição do real. Apenas atribuem validade, nos marcos de uma propedêutica, às ciências particulares

desenvolvidas, especialmente às ciências da natureza. Julgam, com isso, dispor de um fundamento mais sólido na abordagem dos dados, sejam eles referentes ao

sistema da consciência, ou relativos à investigação das ciências particulares. Ao perderem a relação com os problemas históricos da filosofia, esqueceram-se de que

suas próprias experimentações estão indissociavelmente vinculadas, em cada um de seus pressupostos, aos problemas históricos e à história do problema. Não podem

solucioná-las independentemente deles.

Nesta situação se insere o esforço do espírito filosófico que se nos apresenta com o nome de fenomenologia: esforço de recuperar - após a decadência do

sistema idealista e com o mesmo instrumental do idealismo - a ratio autônoma, uma ordem do ser obrigatoriamente acima do subjetivo. Aí está o profundo paradoxo

de todos os intentos fenomenológicos: o desejo de resgatar a objetividade, que tais intentos contradizem na origem, por meio das mesmas categorias que o subjetivo

pensamento pós-cartesiano proferiu. Não é por acaso que a fenomenologia em Husserl tomou como seu ponto de partida o idealismo transcendental. E quanto menos

os produtos mais tardios da fenomenologia podem desmentir essa origem, tanto mais tentam se esquecer disso. A descoberta realmente mais produtiva de Husserl -

mais importante que o método da "intuição da essência" (Wesensshau), muito famoso no exterior - foi haver reconhecido e feito frutífero o conceito do dado

irredutível, tal como as orientações positivistas haviam configurado, em sua significação para o problema fundamental das relações entre razão e realidade. Ele

conseguiu para a psicologia o conceito de intuição original, e no desenvolvimento do método descritivo voltou a ganhar para a filosofia, pela precisão analítica, um

crédito, que havia perdido tempos atrás entre as ciências particulares. Mas não se pode desconhecer que as análises husserlianas do dado, no conjunto, permanecem

relacionadas a um implícito sistema do idealismo transcendental, cuja idéia também foi formulada por Husserl - e o fato de Husserl ter manifestado isso, diversas

vezes, revela a grande e pura retidão do pensador -, que a "jurisdição da razão" permanece como a última instância para as relações entre razão e realidade; que, por

isso, todas as descrições husserlianas fazem parte do círculo dessa razão. Husserl purificou o idealismo de todo excesso especulativo e o levou até a medida máxima

atingível da realidade. Mas não o fez explodir. Em seu domínio impera o espírito autônomo, assim como em Cohen e Natorp; ele apenas renuncia à pretensão da força

produtiva do espírito - da espontaneidade kantiana e fichteana - e se resigna, assim como Kant também o fez, a se apossar apenas da esfera do que lhe é

adequadamente acessível. A concepção da história filosófica dos últimos trinta anos quer ver uma limitação nessa auto-apresentação da fenomenologia husserliana e a

considera como início de um desenvolvimento que, finalmente, conduza ao projeto realizado dessa ordem do ser que, na descrição de Husserl, apenas formalmente é

adequado à relação noético-noemática. Devo contradizer, de maneira expressa, essa concepção. A passagem para a "fenomenologia material" se deu apenas na

aparência e ao preço dessa confiabilidade pelo resultado, que, sozinho, garantiria um fundamento de direito ao método fenomenológico. Quando no desenvolvimento

de Max Scheler as eternas verdades fundamentais se fluidificaram em uma súbita metamorfose, para ser banidas, no final, à impotência de sua transcendência, se

pode ver nisso o infatigável impulso questionador de um pensamento que, só no movimento de um erro a outro, se transforma parcialmente em verdade. Mas o

desenvolvimento enigmático e inquietante de Scheler poderá ser entendido com maior rigor que sob a simples categoria do destino espiritual individual. Ele mostra,

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antes, que a passagem da fenomenologia da região formal-idealista para a material e objetiva não só não poderia se realizar sem saltos nem dúvidas, como também

que a imagem de uma verdade supra-histórica - que uma vez, de maneira tão sedutora, essa filosofia esboçou nos bastidores de uma completa e acabada doutrina

católica - se confundiu e se desagregou, tão logo se buscou encontrá-la em cada realidade, cuja compreensão constituía precisamente o programa da "fenomenologia

material". A última mudança de Scheler me parecer fundamentar seu real e exemplar direito no fato de ele reconhecer o salto entre as idéias eternas e a realidade,

para superar o qual a fenomenologia se adentrou na esfera material - reconhecidamente material-metafísica em si mesma -, abandonando assim a realidade a um

cego impulso, cuja relação com o céu das idéias é obscuro, problemático e não se deixa mais espaço nem para o mais leve traço de esperança. Em Scheler a

fenomenologia material se volta dialeticamente para si mesma: de seu projeto ontológico resta apenas a metafísica do impulso; a eternidade última, de que sua

filosofia dispõe, é a eternidade de uma ilimitada e ingovernável dinâmica. Sob o aspecto deste voltar-se-para-si-mesmo da fenomenologia, também a doutrina de

Martin Heidegger se apresenta diferente, deixa-se manifestar como o "pathos do começar-de-novo" e explica seu efeito a partir do exterior. Em lugar da pergunta

sobre as idéias objetivas e sobre o ser objetivo, em Heidegger, pelo menos nos escritos publicados, surge o subjetivo; a exigência da ontologia material se reduz à

esfera da subjetividade, em cujas profundezas busca o que não pode encontrar na incerta plenitude da realidade. Por isso não é casual, nem mesmo na perspectiva

histórico-filosófica, que Heidegger retroceda justamente ao último projeto da ontologia subjetiva, que o pensamento ocidental produziu: a filosofia existencial de Sören

Kierkegaard. Mas o projeto de Kierkegaard se rompeu e é irreparável. A dialética enfática de Kierkegaard não foi capaz de atingir nenhum ser solidamente fundado na

subjetividade; a desesperança, em que se desmoronou a subjetividade, foi o último abismo, que se lhe abriu; uma desesperança objetiva, que transforma o projeto do

ser-em-subjetividade em um projeto do inferno; ela não consegue se salvar deste lugar infernal a não ser através de um "salto" na transcendência, que permanece

irreal, sem conteúdo e um mero ato subjetivo do pensamento, e que encontra seu sentido supremo no paradoxo de que ali o espírito subjetivo deve sacrificar-se a si

mesmo e para isso deve manter a fé, cujo conteúdo - casualmente para a subjetividade - brota somente da Bíblia. Heidegger só é capaz de se esquivar de tal

conseqüência pela aceitação de uma realidade "dada", adialética por princípio e historicamente pré-dialética. Porém o salto e a dialética negativa do ser subjetivo

constituem, no caso, a única justificativa disso: só que a análise do que se encontra - em que Heidegger permanece vinculado à fenomenologia e se diferencia, por

princípio, da especulação idealista de Kierkegaard - impede a transcendência da fé e sua espontânea comoção pelo sacrifício do espírito subjetivo; em seu lugar

apenas reconhece uma transcendência em direção ao "ser-assim" vital, cego e obscuro: na morte. Com a metafísica da morte de Martin Heidegger a fenomenologia

confirma um desenvolvimento, que Scheler já inaugurara com a doutrina do impulso. Não se pode silenciar que, com ela, a fenomenologia está em vias de se acabar

nesse vitalismo, contra o qual, em sua origem, lutou: a transcendência da morte em Simmel só se diferencia da heideggeriana pelo fato de ela insistir em categorias

psicológicas, onde Heidegger fala em categorias ontológicas, sem que no objeto - por exemplo na análise do fenômeno da angústia - se pudesse encontrar um meio

mais seguro de distingui-las. É consentâneo com essa maneira de se entender - transição da fenomenologia ao vitalismo - o fato de que Heidegger só soube se

esquivar da segunda grande ameaça à ontologia fenomenológica, a do historicismo, ontologizando o tempo e colocando-o como constituinte da essência humana:

através disso o esforço da fenomenologia material para buscar o eterno no ser humano se dissolve paradoxalmente: só a temporalidade permanece como eterna. Às

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pretensões ontológicas eram suficientes apenas as categorias, de cuja hegemonia a fenomenologia queria desobrigar o pensamento: mera subjetividade, mera

temporalidade. Com o conceito de "estar lançado" (Geworfenheit), colocado como a última condição do ser humano, se torna a vida tão cega e vazia de sentido em si

mesma, como só o era na filosofia da vida, e a morte sabe atribuir algum sentido positivo tanto aqui como ali. A pretensão de totalidade do pensamento foi

arremessada de volta ao pensamento mesmo e finalmente também aqui quebrantada. É preciso apenas compreender a estreiteza das categorias existenciais de

Heidegger - estar-lançado, angústia e morte -, impotentes para banir a plenitude do vivente, e o puro conceito de vida se apodera completamente do projeto

ontológico heideggeriano. Se não se engana, com essa ampliação prepara já a decadência definitiva da filosofia fenomenológica. Pela segunda vez a filosofia se

encontra impotente diante da pergunta pelo ser. Ela se encontra tão pouco capaz de descrever o ser como independente e fundamental, como antes se encontrava

para desenvolvê-lo a partir de si mesma. pela precisão analítica.

Ingressei na mais recente história da filosofia não por intenção e orientação geral da história do espírito e sim porque a questão da atualidade da filosofia

unicamente se depreende com precisão do entrelaçamento histórico de perguntas e respostas. E, na verdade, depois do fracasso dos esforços em prol de uma filosofia

grande e total, se apresenta uma forma mais singela: se a filosofia é absolutamente atual. Por atualidade não se entende uma vaga "caducidade" ou não caducidade,

com base em idéias arbitrárias, da situação espiritual geral, e sim, ao contrário: se, depois do fracasso dos últimos grandes esforços, existe ainda alguma adequação

entre as questões filosóficas e a possibilidade de respostas: se realmente o resultado da história do problema mais recente não é a impossibilidade, por princípio, de

resposta para as questões filosóficas cardeais. A questão não deve, de modo algum, ser tomada como retórica e sim literalmente; toda filosofia, que, nos dias de hoje,

não depende da segurança da situação espiritual e social existente e sim da verdade, se vê em confronto com o problema da liquidação da própria filosofia. A

liquidação da filosofia tem sido empreendida, com uma seriedade jamais vista, por parte da ciência, particularmente da lógica e da matemática; uma seriedade que

tem seu próprio peso, porque há muito tempo as ciências particulares, e também as ciências matemáticas da natureza, se despojaram do aparato conceitual da

natureza, que as fizera submissas no século XIX à teoria idealista do conhecimento, e nelas o conteúdo da crítica do conhecimento tomou corpo plenamente. Com

ajuda de métodos mais precisos da crítica epistemológica, a lógica mais avançada - eu penso na nova escola de Viena, que se originou com Schilick, e que hoje,

continuada por Carnap e Dubislav, opera em estreita relação com a logística e com Russell - age para restringir exclusivamente à experiência todo conhecimento

propriamente pesquisado e para classificar como enunciados analíticos, meramente tautológicos, todos os enunciados que ultrapassam o âmbito da experiência e sua

relatividade. Segundo isso, a pergunta kantiana pela constituição dos juízos sintéticos a priori carece simplesmente de fundamento, porque não existem absolutamente

tais juízos; fica proibido qualquer rebaixamento da faculdade de verificação pela experiência; a filosofia se converte apenas em instância de ordenação e de controle

das ciências particulares, sem poder acrescentar nada aos resultados essenciais das ciências particulares. A esse ideal científico de filosofia lhe corresponde

simplesmente, como complemento e apêndice - não, na verdade, para a escola de Viena, mas para toda concepção que queira defender a filosofia da pretensão

exclusiva de cientificidade e que reconheça a si mesma nessa pretensão -, um conceito de poesia filosófica, cuja arbitrariedade para com a verdade só se torna

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superada por seu estranhamento à arte e inferioridade estética; seria preferível liquidar terminantemente a filosofia e dissolvê-la nas ciências particulares, que vir em

sua ajuda com um ideal literário que nada significa a não ser uma má roupagem ornamental de falsas idéias.

Em todo caso, deve-se dizer que, por princípio, a tese da dissolução de todas as construções filosóficas em ciências particulares de modo algum está hoje livre

de qualquer dúvida, e sobretudo que essa tese não está, em absoluto, tão livre de pressuposições filosóficas, como se supõe. Quisera eu recordar apenas dois

problemas que não se podem resolver com essa tese: primeiro, o problema da significação do "dado", categoria fundamental de todo empirismo, em que se continua

colocando a questão do sujeito correspondente, só possível de se responder histórico-filosoficamente: pois o sujeito do dado não é a-históricamente idêntico,

transcendental, antes assume uma forma historicamente mutável e compreensível. No marco do empiriocriticismo, inclusive em sua versão mais moderna, este

problema não foi colocado e se aceitou ingenuamente em seu lugar o ponto de partida kantiano. O outro problema é-lhe familiar nesse marco, mas só foi resolvido

arbitrariamente e sem nenhum rigor: o da consciência alienada, do eu alienado, que para o empiriocriticismo só pode ser acessível por analogia, só pode ser

construído posteriormente, com base na própria vivência; pois o método empiriocriticista já pressupõe necessariamente uma consciência alienada na linguagem, de

que dispõe, e em seu postulado da verificabilidade. Simplesmente pela colocação desses dois problemas, a teoria da escola de Viena já se insere nessa continuidade

filosófica, da qual queria ficar separada. Não obstante isso, nada se coloca contra a extraordinária importância dessa escola. Vejo sua relevância por que - graças ao

rigor com que formula o que na filosofia é ciência - ressalta os contornos de tudo que, na filosofia, depende de outras instâncias diferentes da lógica e das ciências

particulares e não porque tenha conseguido realmente a projetada passagem da filosofia à ciência. A filosofia não se transformará em ciência, mas sob a pressão dos

ataques empiristas banirá todos os posicionamentos que, por serem especificamente científicos, são devidos às ciências particulares e obscurecem os posicionamentos

filosóficos. Não me parece que a filosofia deva desistir outra vez do contato com as ciências particulares ou afrouxar essa ligação que, por fim, voltou a conquistar e

que se coloca entre os resultados mais afortunados da mais recente história da filosofia. Ao contrário. A filosofia só poderá conseguir plenitude material e concreção

dos problemas a partir do estado contemporâneo das ciências particulares. Por sua vez a filosofia não poderia elevar-se acima das ciências particulares para tomar

delas os resultados como algo pronto e meditar sobre eles a uma distância mais segura. Os problemas filosóficos se encontram continuamente, e, em certo sentido,

indissoluvelmente encerrados nas questões mais definidas das ciências particulares. A filosofia não se distingue da ciência, como assume hoje em dia uma opinião

trivial, por força de um grau mais alto de generalidade; nem pela abstração das categorias, nem pela natureza do material se separa ela das ciências. A diferença

muito mais central é a ciência particular aceitar seus resultados, pelo menos seus últimos e mais fundamentais resultados, como insolúveis e suspensos em si mesmos,

enquanto que a filosofia considera o primeiro achado, com que se depara, como um sinal que a desafia a decifrar. Dito de uma forma mais simples: a idéia da ciência

é investigação, a da filosofia interpretação. Nisto persiste o grande, talvez o perpétuo paradoxo: a filosofia deva proceder interpretando cada vez mais com a

pretensão da verdade, sem possuir nunca uma chave segura de interpretação; que nas figuras-enigma do existente e em seus admiráveis entrelaçamentos não lhe

sejam dados mais que fugazes indícios, que se esfumam. A história da filosofia outra coisa não é que a história de tais entrelaçamentos; por isso lhe são atribuídos

poucos "resultados"; por isso continuamente deve-se começar de novo; por isso não pode ela prescindir do mais insignificante fio que o tempo passado entrelaçou e,

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quem sabe, complete a trama que poderia transformar as cifras em um texto. A idéia de interpretação também não coincide de modo algum com o problema da busca

de um "sentido", com que se confunde a maioria das vezes. Não é tarefa da filosofia demonstrar nem justificar tal sentido como dado positivamente, nem a realidade

como "cheia de sentido". Toda justificativa do existente é vedada pela ruptura no próprio ser; nossas imagens perceptivas sempre podem ser figuras de que o mundo

em que vivemos, e que se constitui diferente de meras imagens perceptivas, não é assim; o texto que a filosofia tem de ler é incompleto, contraditório e fragmentário

e grande parte dele pode estar entregue a cegos demônios. Talvez a leitura seja precisamente nossa tarefa, para que lendo aprendamos a conhecer melhor e a banir

os poderes demoníacos. Por outro lado, a idéia de interpretação não exige a aceitação de um outro, de um "atrás-do-mundo", que pode se tornar acessível pela

análise do que aparece. È o dualismo do inteligível e do empírico, tal como Kant o estabeleceu, e como, segundo a perspectiva pós-kantiana, já tinha sido afirmado em

Platão, cujo céu das idéias, contudo, permanece aberto ao espírito e irremovível; esse dualismo se inclui antes na idéia de investigação que na de interpretação, idéia

de investigação que espera a redução da pergunta a elementos dados e conhecidos, em que nada seria necessário a não ser a resposta. Quem interpreta, quando

procura atrás do mundo dos fenômenos um mundo em si, que lhe serve de base e o sustenta, se comporta como alguém que quisesse procurar no enigma a

reprodução de um ser que se encontra detrás, que o enigma reflete, em que se deixa sustentar; enquanto que a função para a solução do enigma é iluminar como um

relâmpago a sua figura e fazê-la emergir, e não teimar em ir até o fundo do enigma e assemelhar-se a ele. A autêntica interpretação filosófica não aceita um sentido

que já se encontra pronto e permanente por detrás da questão, e sim a ilumina repentina e instantaneamente e, ao mesmo tempo, a consome. E assim como as

soluções dos enigmas se formam quando os elementos singulares e dispersos da questão são colocados em diferentes ordenações, até que se juntam em uma figura,

da qual se salta para fora a solução, enquanto a questão desaparece, da mesma maneira a filosofia tem de dispor seus elementos, que recebe das ciências, em

constelações mutáveis, ou, para usar uma expressão menos astrológica e cientificamente mais atual, em diferentes tentativas de ordenação, até que ela se encaixe

em uma figura legível como resposta, enquanto, simultaneamente, a questão se desvanece. Não é tarefa da filosofia investigar intenções ocultas e preexistentes da

realidade, mas interpretar uma realidade carente de intenções, mediante a capacidade de construção de figuras, de imagens a partir dos elementos isolados da

realidade; ela levanta as questões, cuja investigação exaustiva é tarefa das ciências2; uma tarefa à qual a filosofia permanece continuamente vinculada, porque sua

intensa luminosidade não conseguiria inflamar-se em outro lugar a não ser contra essas duras questões. Aqui se pode procurar a afinidade, aparentemente tão

assombrosa e surpreendente, que existe entre a filosofia interpretativa e esse tipo de pensamento que rechaça com o máximo vigor a noção do intencional, do

significativo da realidade: o materialismo. Interpretação do desprovido de intenção, mediante a combinação de elementos analiticamente separados, e iluminação do

real mediante essa mesma interpretação: este é o programa de todo o autêntico conhecimento materialista; um programa ao qual se adequará o procedimento

materialista tanto mais quanto se distanciar do correspondente "sentido" de seus objetos, e menos se relacionar com um sentido implícito, por exemplo, o religioso.

Pois, há muito, a interpretação se separou de toda pergunta pelo sentido, ou dito da mesma maneira: os símbolos da filosofia foram derrubados. Se a filosofia deve

aprender a renunciar à questão da totalidade, isso significa de antemão que ela deve aprender a conviver sem a função simbólica, em que, até agora, pelo menos no

idealismo, o particular parece representar o universal; abandonar os grandes problemas por cuja grandeza queria antes a totalidade se responsabilizar, enquanto hoje

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a interpretação se escorrega por entre as largas malhas dos grandes problemas. Se hoje, realmente, a interpretação só se desenvolve através da combinação de

elementos mínimos, então não há mais porque participar dos grandes problemas no sentido tradicional, ou apenas do procedimento que faça condensar em um

resultado concreto a questão da totalidade, que antes parecia representar simbolicamente. A desconstrução em pequenos elementos desprovidos de intenção se

conta, pois, entre os pressupostos fundamentais da interpretação filosófica. A virada para a "escória do mundo dos fenômenos", que proclamara Freud, tem valor para

além do âmbito da psicanálise, assim como a virada da filosofia social mais avançada em direção à economia origina-se não só do predomínio empírico da economia, e

sim igualmente da exigência imanente da interpretação filosófica. Se a filosofia quisesse hoje perguntar pela relação absoluta entre coisa-em-si e fenômeno, ou para

aproveitar uma formulação mais atual, pelo sentido do ser, ou ela ficaria parada em uma arbitrariedade formal ou se fenderia em uma pluralidade de possíveis,

arbitrários e ideológicos pontos de vista. Estabelecido isto – dou um exemplo a título de experimento mental, sem afirmar sua realização efetiva – estabelecido que

seja possível agrupar os elementos de uma análise social de modo que sua inter-relação forme uma figura, em que é suprimido cada momento particular; uma figura

que, com certeza, não preexiste organicamente e sim deve ser produzida: a forma mercadoria. Então não foi de modo algum resolvido, com isso, o problema da coisa-

em-si, como Lukács pensava a solução; pois o conteúdo de verdade de um problema é, por princípio, diferente das condições históricas e psicológicas, a partir das

quais ele se desenvolve. Porém seria possível que, diante de uma construção satisfatória da forma mercadoria, o problema da coisa-em-si simplesmente desapareça:

que a figura histórica da forma mercadoria e do valor de troca, à semelhança de uma fonte de luz, ponha a descoberto a configuração de uma realidade, na busca de

cujo sentido ulterior se esforçava em vão a investigação do problema da coisa-em-si, porque não há nenhum sentido ulterior que fosse separável de sua aparição

histórica, primeira e única. Não desejo colocar aqui asserções materiais, mas apenas indicar a direção em que consigo ver as tarefas da interpretação filosófica. Se

essas tarefas estivessem formuladas corretamente, algo estaria, em todo caso, ajustado a questões de princípio filosóficas, cuja colocação explícita eu quisera evitar.

Para ser preciso: a função que a questão filosófica tradicional aguardava das idéias supra-históricas e de significação simbólica seria realizada por idéias intra-históricas

e constituídas de maneira não simbólicas. Porém assim se teria também colocado de modo fundamentalmente diferente a relação entre ontologia e história, sem que

por isso se fizesse necessário o artifício de se ontologizar a história como totalidade, em forma de mera "historicidade", com o qual se perderia qualquer tensão

específica entre interpretação e objeto, e permaneceria exclusivamente um historicismo maquiado. Em vez disso, minha concepção de história não seria como a do

lugar de onde as idéias provém, se levantam de maneira autônoma e voltam a desaparecer, e sim que as imagens históricas seriam em si mesmas semelhantes a

idéias, cuja inter-relação constitui verdade desprovida de intencionalidade, em lugar de a verdade sobrevir como intenção na história. Interrompo aqui o pensamento,

pois afirmações gerais em parte alguma seriam tão questionáveis como para uma filosofia que quisesse excluir de si mesma afirmações abstratas e gerais, que só

precisaria delas na situação de necessidade de uma transição. Por isso quero indicar um segundo entrelaçamento essencial entre filosofia interpretativa e

materialismo. Dizia antes: a resposta ao enigma não é o "sentido" do enigma, de modo que ambos pudessem subsistir ao mesmo tempo; que a resposta estivesse

contida no enigma; que o enigma desse forma exclusiva à sua aparição e encerrasse a resposta em si mesmo como intenção. Pelo contrário, a resposta está em

estrita antítese com o enigma; necessita ser construída a partir dos elementos do enigma e destrói o enigma – que não é algo pleno de sentido, e sim desprovido de

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sentido – tão logo lhe seja dada a resposta convincente. O movimento que aqui se executa como jogo, o materialismo executa com seriedade. Seriedade significa,

aqui, que a resposta não permanece no espaço fechado do conhecimento e sim que é a práxis que lha dá. A interpretação da realidade com que se encontra e sua

superação se relacionam entre si. Na verdade a realidade não é superada no conceito; porém a partir da construção da figura do real se segue sempre e prontamente

a exigência de sua transformação real. O gesto transformador do jogo do enigma – não a mera solução como tal – dá o protótipo das soluções, de que unicamente a

práxis materialista dispõe. A essa relação o materialismo denominou com um termo filosoficamente reconhecido: dialética. Só dialeticamente me parece possível a

interpretação filosófica. Quando Marx reprovava aos filósofos que apenas haviam interpretado o mundo de diferentes formas, que apenas o haviam confrontado,

tratava-se de transformá-lo, essa frase não somente é legitimadora da práxis política e sim também da teoria filosófica. No aniquilamento da pergunta se confirma a

autenticidade da interpretação filosófica e o puro pensamento não é capaz de levá-la a cabo a partir de si mesmo; por isso leva à práxis forçosamente. É supérfluo

procurar uma concepção de pragmatismo, em que teoria e práxis explicitamente se cruzem de tal maneira, como na dialética.

Assim como seguramente sou consciente da impossibilidade de executar o programa que lhes apresentei – uma impossibilidade que não deriva apenas do

apertado do tempo e sim que se dá de forma geral, precisamente porque, enquanto programa, não se deixa executar em plenitude e generalidade –, também me vejo

na obrigação de lhes dar algumas indicações. Em primeiro lugar, a idéia da interpretação filosófica não retrocede diante dessa liquidação da filosofia, que, me parece,

sinaliza, pelo seu malogro, as últimas pretensões filosóficas da totalidade. Pois a rigorosa exclusão de todas as questões ontológicas no sentido tradicional, o evitar

conceitos gerais invariáveis – também o de ser humano, por exemplo –, a supressão de toda noção de uma totalidade auto-suficiente do espírito, inclusive a de uma

"história do espírito", fechada em si mesma; a concentração de perguntas filosóficas sobre complexos intra-históricos concretos, dos quais não se deveriam

desprender: estes postulados se tornam extremamente parecidos a uma dissolução que, até o presente momento, se chamava filosofia. Visto que o pensamento

filosófico do presente, pelo menos o oficial, se manteve afastado até o momento de tais exigências, ou, quando muito pretende assimilar algumas delas dulcificadas, a

crítica radical do pensamento filosófico dominante parece ser uma das tarefas primeiras e mais atuais. Não temo a reprimenda de negatividade estéril – uma

expressão que certa vez Gottfried Keller chamou de "expressão de bolo natalino". Se de fato a interpretação filosófica só se pode dar dialeticamente, então o primeiro

ponto de ataque dialético lhe oferece uma filosofia que cultiva aqueles problemas, cuja supressão parece urgentemente mais necessária que o acréscimo de uma nova

resposta a tantas antigas. Só uma filosofia, por princípio, adialética, orientada para uma verdade sem história, poderia presumir que se abandone os antigos

problemas, esquecendo-os e começando "fresquinhos" do início. A ilusão de um começo é precisamente o que, por primeiro, se submete à crítica na filosofia de

Heidegger. Só na mais estreita comunicação dialética com as mais recentes tentativas de solução, que se deram na filosofia e na terminologia filosófica, pode-se

conseguir uma verdadeira transformação da consciência filosófica. Essa comunicação terá que buscar seu material nas ciências particulares e, principalmente, na

sociologia, que cristaliza pequenos elementos, desprovidos de intencionalidade, e, no entanto, vinculados ao material filosófico, tal como necessita o agrupamento

interpretativo. Um dos filósofos acadêmicos mais influente na atualidade deve ter respondido à pergunta sobre a relação da filosofia com a sociologia mais ou menos

assim: enquanto o filósofo, à semelhança de um arquiteto, oferece e desenvolve o projeto de uma casa, o sociólogo seria o que escala as fachadas, o que de fora

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galga as paredes e vai em busca do que está a seu alcance. Inclinar-me-ia a aceitar a comparação e a interpretá-la em favor da função da sociologia em relação à

filosofia. Pois a casa, essa grande casa, há tempo arruinou-se nos fundamentos e ameaça não apenas massacrar todos os que se encontram nela, mas também corre

o risco de se perder todas as coisas que ali estão guardadas, e, algumas delas são insubstituíveis. Se o escalador de fachadas rouba algumas coisas, avulsas,

freqüentemente coisas semi-esquecidas, fará ele um bom trabalho, pois elas serão salvas; ele, porém, ficará com elas pouco tempo, pois elas lhe são de pouco valor.

Com certeza o reconhecimento da sociologia pela interpretação filosófica precisa de alguma restrição. Para a filosofia interpretativa trata-se de fabricar uma chave que

abra de golpe a realidade. E quanto à medida das categorias-chave, a coisa se coloca de modo singular. O antigo idealismo escolheu umas grandes demais; não

entraram de maneira alguma no olho da fechadura, O puro sociologismo filosófico as escolhe muito pequenas; a chave entra, mas a porta não se abre. Uma grande

parte dos sociólogos levam o nominalismo tão longe, que os conceitos se tornam muito pequenos para alinhar os demais a seu redor, para dispô-los em constelação.

Fica para trás um conjunto ilimitado, inconseqüente de meras definições "destas daí", que se burla de toda organização pelo conhecimento e que não apresenta

nenhuma medida crítica. Assim se superou, por exemplo, o conceito de classe, substituindo-o por um sem número de descrições de grupos particulares, sem poder

mais ordená-los em unidades superiores, ainda que se apresentem aparentemente como tais no empírico; ou se privou um dos mais importantes conceitos, o de

ideologia, de todo seu rigor, quando se o definiu formalmente como a correspondência de determinados conteúdos da consciência com determinados grupos, sem

permitir que jamais se levante a questão da verdade ou inverdade do conteúdo mesmo. Essa espécie de sociologia se insere em uma espécie de relativismo

generalizado, cuja generalidade pode ser tão pouco conhecida pela interpretação filosófica, como qualquer outra, e que, para corrigi-la, dispõe o método dialético de

um instrumental adequado. No manejo do material conceitual pela filosofia eu não perco de vista as formas de agrupamento e ordenação da investigação, da

constelação e da construção. Pois, as imagens históricas, que não constituem o sentido da existência, mas resolvem e dissolvem suas questões, essas imagens não

são dadas por si mesmas. Elas não se encontram organicamente prontas na história; não é preciso nem visão, nem intuição alguma para descobri-las, não são

mágicas divindades da história, para serem aceitas e veneradas. Ainda mais: elas devem ser feitas pelos homens e só se justificam por fim ao destruir, com uma

evidência fulminante, a realidade em torno de si. Aqui elas se diferenciam radicalmente dos arquétipos arcaicos, míticos, que a psicanálise encontra e que Klages

espera preservar como categorias de nosso conhecimento. Podem coincidir com eles em cem traços; diferenciam-se, porém, ali onde descrevem sua inexorável

trajetória até o mais alto do homem; são manejáveis e compreensíveis, instrumento da razão humana, inclusive onde parecem organizar, objetivamente em seu redor,

o ser objetivo como centros magnéticos. São modelos com os quais a ratio se avizinha provando e comprovando uma realidade, que recusa a lei, mas que o esquema

de modelos é capaz de imitar cada vez mais, na medida em que esteja corretamente traçado. Pode-se ver aqui uma tentativa de retomar uma antiga concepção de

filosofia, que formulara Bacon e em prol da qual Leibniz, durante toda vida, se buscara apaixonadamente: uma concepção diante da qual o idealismo sorria, como um

capricho: a da ars inveniendi. Qualquer outro entendimento dos modelos seria gnóstico e inadmissível. O organon dessa ars inveniendi é a fantasia. Uma fantasia

exata; fantasia que se atém estritamente ao material que as ciências lhe oferecem, e só vai mais além nos detalhes mínimos de sua estruturação: detalhes que,

certamente, ela deve oferecer espontaneamente e a partir de si mesma. Se a idéia de interpretação filosófica, que me propus a desenvolver diante dos senhores, tem

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alguma vigência, isso se pode expressar como a exigência de dar resposta, a todo momento, às questões da realidade circundante pela fantasia que reagrupa os

elementos da questão, sem rebaixar a extensão dos elementos, cuja exatidão se torna controlável pelo desaparecimento da questão.

Eu sei bem que muitos, quem sabe a maioria dos senhores, não estão de acordo com o que aqui apresento. Não só o pensamento científico e, ainda mais, a

ontologia fundamental contradizem minhas convicções sobre as tarefas atuais da filosofia. Pois bem, um pensamento que parte de relações objetivas e não da isolada

concordância consigo mesmo, não costuma defender seu direito à existência, refutando as objeções que se lhe opõem e se lhe impõem irrefutavelmente, e sim

(refutando-as) por sua fecundidade, no sentido em que Goethe manuseou o conceito. Contudo, quem sabe me seja permitido dizer uma palavra a respeito das

objeções mais atuais, não como eu as formulei, e sim como os representantes da ontologia fundamental as expressaram, e que me levaram à formulação de uma

teoria, segundo a qual eu, até agora, na prática exclusivamente tenho desencaminhado a interpretação filosófica. É também central a objeção de que subjaz à minha

concepção um conceito de ser humano, um projeto de existência; e, apenas por uma angústia cega diante do poder da história, me assustaria desenvolver clara e

conseqüentemente essas invariantes e, por isso, as deixei na penumbra; no lugar delas eu concedi à facticidade histórica, ou à sua ordenação, o poder que

propriamente corresponde às invariantes, às peças ontológicas fundamentais; pratiquei a idolatria do ser historicamente produzido, fiz a filosofia perder qualquer

padrão de medida constante, condenei a filosofia a um jogo estético de imagens e transformei a prima philosophia em ensaísmo filosófico. Diante dessas objeções,

novamente só posso sustentar que reconheço a maior parte do conteúdo de suas afirmações, e que as considero filosoficamente legítimas. Não sou eu que devo

decidir se subjaz à minha teoria uma determinada concepção de homem e de existência. Porém eu discuto a necessidade de se recorrer a ela. Essa é uma exigência

idealista, que parte do absoluto, que só o pensamento puro pode executar consigo mesmo; uma exigência cartesiana que julga poder levar o pensamento à forma dos

pressupostos conceituais de seus axiomas. Uma filosofia assim – que já não mais se importa com a suposição de sua autonomia, que não acredita mais na realidade

fundada na ratio, e que admite continuamente o esfacelamento da legislação racional autônoma por parte de um ser que não se amolda e nem se projeta como

totalidade racional – não trilhará até o fim o caminho dos pressupostos racionais e sim permanecerá situada ali onde invade a irredutível realidade; se ela se adentra

para além da região dos pressupostos, só poderá conseguir algo de um modo puramente formal e ao preço dessa racionalidade, em que se situam suas tarefas. A

irrupção do irredutível se realiza de uma forma historicamente concreta e por isso comanda a história do desenvolvimento do pensamento até seus pressupostos mais

elevados. A produtividade do pensamento só é capaz de se confirmar dialeticamente na concreção histórica. Ambas estabelecem comunicação nos modelos. Quanto

aos esforços em relação à forma dessa comunicação aceito agradavelmente a repreensão de ensaísmo. Os empiristas ingleses, assim como Leibniz, chamaram seus

escritos filosóficos de ensaios, porque a violência da realidade recém explorada, contra a qual embatia seu pensamento, os impingia sempre à ousadia do intento. Só o

século pós-kantiano perdeu junto com a violência da realidade a ousadia do intento. Por isso, o ensaio se transformou de uma forma da grande filosofia para uma

forma menor da estética, sob cuja aparência, em todo caso, se refugiou uma correção da interpretação, sobre a qual não dispunha há muito tempo a própria filosofia

em relação às grandes dimensões de seus problemas. Se com a ruína de toda segurança na grande filosofia o ensaio se mudou dali; se, com isso, ele se vinculou às

interpretações limitadas, contornadas e não simbólicas do ensaio estético, isso não me parece condenável, contanto que escolha corretamente os objetos: conquanto

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que sejam reais. Pois o espírito não é capaz de produzir ou de compreender a totalidade do real; mas ele é capaz de irromper-se no pequeno, de fazer saltar no

pequeno as medidas do meramente existente.

1. Título Original: Die Aktualität der Philosophie. In ADORNO, T. W. Philosophische Frühschriften. Band I. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1996, pág. 325-344.

Tradução de Bruno Pucci, prof. titular da Faculdade de Educação da UNIMEP e coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisa "Teoria Crítica e Educação", financiado

pelo CNPq e FAPESP. Tradução cotejada com a versão castelhana de José Luis Arantegui Tamayo (Barcelona: Ediciones Paidós, 1991). Revisão da tradução de Newton

Ramos de Oliveira e Antônio Álvaro Soares Zuin.

2. Cf. Walter Benjamin. Origem do drama barroco alemão. Tradução de Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo: Editora Brasiliense,1984 , pág. 49-79.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA (UFRO)

CENTRO DE HERMENÊUTICA DO PRESENTE

PRIMEIRA VERSÃO ANO IV, Nº196 OUTUBRO - PORTO VELHO, 2005

Volume XIV Setembro/Outubro

ISSN 1517-5421

EDITOR

NILSON SANTOS

CONSELHO EDITORIAL

ALBERTO LINS CALDAS - História ARNEIDE CEMIN - Antropologia FABÍOLA LINS CALDAS - História

JOSÉ JANUÁRIO DO AMARAL - Geografia MIGUEL NENEVÉ - Letras

VALDEMIR MIOTELLO - Filosofia

Os textos no mínimo 3 laudas, tamanho de folha A4, fonte Times New Roman 11, espaço 1.5, formatados em “Word for

Windows” deverão ser encaminhados para e-mail:

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TIRAGEM 150 EXEMPLARES

EDITORA UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA

ISSN 1517-5421 lathé biosa 196

A IDÉIA DE HISTÓRIA NATURAL

Theodor W. Adorno

PRIMEIRA VERSÃO

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A IDÉIA DE HISTÓRIA NATURAL 1

Theodor W. Adorno2

Talvez posso antecipar que a minha fala não é uma "exposição" em sentido próprio, nem uma comunicação de resultados ou uma elaboração sistemática

conclusiva, e sim algo que se situa no plano do ensaio, como um esforço de acolher e levar mais longe a problemática da denominada discussão frankfurtiana. Sou

consciente do quanto se aborda mal essa discussão, mas também de que seu ponto central está corretamente colocado, e seria falso começar novamente tudo do

princípio.

Quero observar algo sobre a terminologia. Quando se fala de história natural, não se trata no caso de entendê-la em sentido tradicional pré-científico, nem

como história da natureza à maneira como a natureza é objeto das ciências da natureza. O conceito de natureza, de que aqui se serve, não tem absolutamente nada a

ver com o conceito de natureza das ciências naturais matemáticas. Não é possível expor antecipadamente o significado de natureza e história no que segue. Mas não

exagero se afirmar que o intuito mesmo de minha fala visa suprimir a antítese habitual entre natureza e história; portanto, onde opero com os conceitos natureza e

história, eles não são entendidos como definições essenciais válidas para sempre; persigo, antes, a intenção de levar tais conceitos até um ponto em que a mera

separação entre eles seja superada. Para entendimento do conceito de natureza, que eu gostaria de dissolver, basta dizer que se trata de um conceito que, se eu

quisesse traduzi-lo na linguagem conceitual filosófica mais habitual, poderia caracterizá-lo mais facilmente pelo conceito de mítico. Também este conceito é demasiado

vago e sua determinação precisa não pode ser dada por definições prévias, mas tão só por mediação da análise. Por ele (mítico) se entende o que está aí desde

sempre, o que sustenta a história humana e nela aparece como um ser anteriormente dado, submetido inexoravelmente, o que nela há de substancial. O demarcado

por estas expressões é o que eu entendo por natureza. A questão que se coloca aqui refere-se à relação dessa natureza com o que entendemos por história, em que

história designa uma forma de conduta dos homens, forma de conduta transmitida, que se caracteriza antes de tudo pelo fato de aparecer nela o qualitativamente

novo, por ser ela um movimento que não se desenvolve na pura identidade, na pura reprodução do que sempre esteve aí, e sim produz o novo e alcança seu

verdadeiro caráter através do que, nela, aparece como novo.

Pretendo desenvolver o que denomino idéia de história natural com base em uma análise ou em uma visão sinóptica correta da posição ontológica da questão

no interior do debate contemporâneo. Isso significa "tomar o natural" como ponto de partida. Pois a questão para a ontologia, tal como se coloca hoje, não é outra

senão aquilo que eu tenho entendido por natureza. Depois estabelecerei um outro ponto, e a partir da problemática da filosofia da história, procurarei desenvolver, por

dentro, o conceito de história natural, com o qual caracterizarei e preencherei, de uma maneira já considerável, o conteúdo desse conceito. Depois de ter abordado

apenas indícios dessas duas posições, procurarei articular o conceito mesmo de história natural e diferenciar para vocês os momentos que parecem caracterizá-la.

1. Primeiramente a questão na atual situação ontológica. Se vocês acompanham atentamente a posição ontológica tal como se tem desenvolvido

particulamente no âmbito da chamada fenomenologia, e sobretudo da fenomenologia pós-husserliana, como a partir de Scheler, se pode dizer que a verdadeira

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intenção de partida dessa posição ontológica é superar o ponto de vista subjetivista da filosofia – a substituição de uma filosofia, que pretende dissolver todas as

determinações do ser em determinações do pensamento, e crê poder fundar toda objetividade em determinadas estruturas fundamentais da subjetividade – por uma

posição mediante a qual se conseguiria um ser diferente, radicalmente diferente, uma região do ser, fundamentalmente diferente, uma região do ser transubjetiva,

ôntica. E, em relação a isso, se fala de ontologia na medida em que desse on se deve alcançar o logos. Ora, há um paradoxo de base em toda posição ontológica na

filosofia atual, pois o meio com que se procura alcançar o ser transubjetivo não é outro que a mesma razão subjetiva, que anteriormente garantiu a estrutura do

idealismo crítico. Os esforços ontológico-fenomenológicos se apresentam como uma tentativa de alcançar o ser transubjetivo com os meios da ratio autônoma e com a

linguagem da ratio, pois não se encontram disponíveis outro meio e outra linguagem. Então essa questão ontológica pelo ser se articula de maneira dupla: primeiro,

como a questão pelo ser mesmo, como aquela que, desde a crítica de Kant havia sido empurrada, como coisa em si, para detrás da posição filosófica e que é retirada

novamente dali. Ao mesmo tempo, se articula também como pergunta pelo sentido do ser, pelo sentido inserido no ente (Sinnhaftigkeit des Seienden) ou,

simplesmente, pelo sentido do ser como possibilidade. Precisamente esse duplo caráter se expressa a fundo a favor da tese que eu defendo: que a posição ontológica,

com que hoje nos deparamos, detém a mesma posição de partida da ratio autônoma; unicamente aí, onde a ratio reconhece a realidade, que se situa frente a ela,

como um ser estranho, perdido, imerso na coisa (dinghaftes), unicamente aí, onde ela não é mais imediatamente acessível e onde o sentido não é comum à realidade

e à ratio, unicamente aí pode-se colocar a questão do sentido do ser. A questão do sentido se depreende da posição de partida da ratio, mas, ao mesmo tempo, essa

questão do sentido do ser, que se situa em um ponto central da primeira fase da fenomenologia (Scheler), produz, pela sua origem subjetivista, uma problemática

mais ampla; pois, este dotar de sentido (Sinngebung) outra coisa não é que um implantar significados, tal como eles foram estabelecidos pela subjetividade. A

compreensão de que a questão do sentido outra coisa não é que um implantar significações subjetivas no ente leva à crise esse primeiro estágio (da fenomenologia).

A expressão drástica disso se manifesta na inconsistência das determinações ontológicas fundamentais, que a ratio deve estabelecer, como experiência, em sua

tentativa de alcançar uma ordenação do ser. Quando se tornou manifesto que os fatores reconhecidos como fundantes e doadores de sentido – como em Scheler –

procedem de uma outra esfera da coisa, não são eles mesmos possibilidades inerentes ao ser, e sim extraídas do ente e, como tais, internamente também

merecedoras de questionamentos, toda pergunta pelo ser se torna problemática no seio da fenomenologia. À medida que a pergunta pelo sentido pode ocorrer ainda,

ela não significará a conquista de uma esfera de significados – posta a salvo do empírico – que seriam válidos e sempre acessíveis, e sim tão somente a pergunta ti hn

on, a pergunta pelo que o ser realmente é. As expressões sentido (ou significado) estão aqui carregadas de equívoco. Sentido pode querer dizer um conteúdo

transcendente, que é significado pelo ser, se encontra atrás do ser e pode ser tirado fora (sacado) por mediação da análise. Porém, por outra parte (andererseits),

sentido pode ser também, por sua parte (seinerseits), a interpretação que o ente faz de si mesmo, que o caracteriza como ser (Sein), seu (sein), sem que por isso se

possa certificar de que o ser assim interpretado resulte pleno de sentido. É possível, portanto, que se pergunte pelo sentido do ser como significado da categoria ser,

pelo que o ser realmente é, mas que, entretanto, o ente evidencie, neste primeiro sentido da questão, algo não pleno de sentido e sim sem sentido, tal como é

apresentado freqüentemente no sentido do desenvolvimento atual.

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Se se dá esse giro (essa mudança) na pergunta pelo ser, desaparece uma das intenções de partida do originário giro ontológico, a saber, a de voltar à

historicidade. Foi assim com Scheler, pelo menos com o primeiro Scheler (e é este que foi o mais competente), que tentou construir um céu de idéias com base em

uma visão puramente racional de conteúdos ahistóricos e eternos, de caráter normativo, que resplandecesse sobre o empírico e que se tornasse translúcido por

intermédio do empírico. Mas, ao mesmo tempo, se estabeleceu na origem da fenomenologia, uma tensão fundamental entre esse "denso-de-sentido" (Sinnhaften), de

essência – que se encontra por detrás do que aparece historicamente – e a esfera da história mesma. Estabeleceu-se nas origens da fenomenologia uma dualidade

entre natureza e história. Essa dualidade (aqui por natureza se entende o ahistórico, o ontológico platônico), bem como aquela (dualidade) situada na intenção de

partida do giro ontológico, sofreram uma correção. A pergunta pelo ser já não tem mais o significado de uma pergunta platônica no âmbito de idéias estáticas e

qualitativamente diferentes, que se encontrariam em uma relação normativa e de tensão frente ao ente, como frente à empiria. Antes, a tensão desaparece: o ente

mesmo se converte em sentido, e, em lugar de uma fundamentação além-da-história do ser comparece o projeto do ser como historicidade.

Com isso se desloca a posição do problema. Em um primeiro momento, desaparece aparentemente a problemática entre ontologia e historicismo. Do ponto de

vista da história, da crítica historicista, a ontologia aparece como um marco meramente formal, que nada, absolutamente, afirma sobre o conteúdo da história, que

pode, de qualquer maneira, distender-se em torno do concreto, ou, por outro lado, a intenção ontológica aparece – se é, como em Scheler, ontologia material – como

uma absolutização arbitrária de fatos intra-históricos, que talvez até mesmo podem obter o status de valores eternos e de vigência geral, com fins ideológicos. Para a

posição ontológica, a coisa se apresenta de maneira diversa, e essa antítese – que dominou nossa discussão frankfurtiana – seria a de que todo pensamento, que

busque retomar os conteúdos emergentes apenas em condições históricas, pressupõe um projeto próprio de ser, mediante o qual a história seja dada como estrutura

do ser; somente assim, no marco de um projeto semelhante, seria afinal possível a ordenação histórica de fenômenos e conteúdos singulares.

Agora, então, o mais recente giro da fenomenologia – se se deve chamar isso ainda de fenomenologia – passou aqui por uma correção, a saber, deixou de

lado a pura antítese entre história e ser. Assim, de um lado, renunciou ao céu platônico das idéias e, ao analisar o ser, considera-o como vivente – através disso, deixa

de lado o formalismo com seu caráter estático, pois o projeto do ser acolhe a riqueza de suas determinações, e assim desaparece o receio em relação à absolutização

do casual. Pois agora, é a história mesma em sua extrema mobilidade, transformada em estrutura ontológica fundamental. De outro lado, o mesmo pensamento

histórico parece ter experimentado um giro fundamental, reduzindo-se a uma estrutura filosófica que o sustenta, a da historicidade enquanto uma determinação

fundamental da existência, pelo menos da existência humana, a única que torna possível que algo aconteça como história, sem que isso – o que "é" história – seja

confrontado como algo acabado, paralisado, alheio. Este é o estado da discussão de que eu parto. Aqui se levanta uma série de motivos críticos.

Assim me parece que o princípio até então alcançado, que associa a questão ontológica e a histórica sob a categoria historicidade, não seja suficiente para dar

conta da problemática concreta ou que apenas modifica sua própria coerência e aceita como conteúdos motivos que não surgem necessariamente do princípio

esboçado no projeto. Vou mostrar isso em dois pontos apenas.

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Primeiro, este projeto continua (esboçado) em determinações gerais. O problema da contingência histórica não pode ser dominado pela categoria da

historicidade. Pode-se elaborar uma determinação geral da estrutura do vivente, porém quando se interpreta um fenômeno particular, suponhamos, a Revolução

Francesa, lá se pode encontrar todos os momentos possíveis desse vivente, como, por exemplo, o que já foi, retorna, é acolhido; pode-se verificar o significado da

espontaneidade que brota dos seres humanos, encontrar as inter-relações causais etc, mas não se consegue levar a facticidade da Revolução Francesa às extremas

determinações do ser-fático, e dela resultará, no máximo, uma dimensão de facticidade, que esmaece. É evidente que não é nenhuma descoberta minha e sim que

isso já foi demonstrado há tempo no interior da própria discussão ontológica. Porém não foi expresso com a realidade como aqui fiz, ou, antes, foi retrabalhado em

sua problemática de uma maneira rápida (ausweghafte): toda facticidade, que não se encaixa no projeto ontológico, é incluída em uma categoria, a de contingência, a

de casualidade, e esta é acolhida no projeto como determinação do histórico. Porém, por muito conseqüente que seja, isso contém a confissão de que não se

conseguiu o domínio do material empírico. Ao mesmo tempo, esse giro oferece o esquema de um giro no interior da questão ontológica. Trata-se de um giro em

direção à tautologia.

Eu não entendo que o propósito do pensamento neo-ontológico de se conformar com a inacessibilidade do empírico proceda vez ou outra segundo o mesmo

esquema, a saber: precisamente onde alguns elementos não se encaixam nas determinações do pensamento, não se fazem transparentes, antes se plantam em seu

puro "estar-aí", é precisamente aí que esse "plantar-se" mesmo do fenômeno se transforma em um conceito geral e se imprime nele algum título de dignidade

ontológica. Assim sucede com o conceito ser-para-a-morte de Heidegger e até com o próprio conceito de historicidade. O problema da reconciliação entre história e

natureza na posição neo-ontológica, só aparentemente se resolveu na estrutura da historicidade, porque aqui se reconhece certamente que há um fenômeno histórico

fundamental, mas a determinação ontológica desse fenômeno histórico fundamental ou a interpretação ontológica desse fenômeno histórico fundamental se frustra,

ao se transfigurar ela mesma em ontologia. Para Heidegger acontece que a história, entendida como uma estrutura abrangente do ser, significa o mesmo que sua

própria ontologia. Por isso, antíteses opacas (frágeis) como a de história e historicidade – nas quais nada se esconde a não ser algumas qualidades do ser, observadas

na existência, que são retiradas do ente para serem transpostas para o âmbito da ontologia e se transformarem em determinação ontológica – podem contribuir para

a interpretação do que, no fundamental, se torna a dizer uma vez mais. Esse momento tautológico não depende da casualidade da forma linguística e sim se adere

necessariamente à posição ontológica mesma, que se prende ao esforço ontológico, porém não é capaz de, por seu ponto de partida racional, interpretar

ontologicamente a si mesma, como ela é; a saber, algo produzido por e derivado da posição de partida da ratio idealista. Quero explicitar isso. Se há um caminho que

possa levar mais longe, ele só pode estar objetivamente esboçado em uma "revisão da questão". Entretanto esta revisão não se deve realizar apenas com a posição

historicista mas também com a neo-ontológica. Em todo caso, deve-se apontar aqui, como indício – porque me parece – que essa problemática é levantada pelo fato

de a posição de partida idealista não ter sido abandonada também no pensamento neo-ontológico. Para ser preciso: porque nele existem duas determinações

específicas do pensamento idealista.

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Uma é a determinação da totalidade (Ganzheit) abrangente frente às particularidades contidas nela; não mais compreendida como totalidade do sistema e sim

agora sob as categorias totalidade estrutural, unidade estrutural ou totalidade (totalität). Porém, quando se crê possível reunir univocamente (eindeutig) em uma

estrutura a realidade integral, estabelece-se a pretensão de que – na possibilidade de semelhante reunião de toda a realidade dada em uma estrutura – aquele que

reúne todo o ente nessa estrutura tem o direito e a força para compreender adequadamente o ente em si mesmo e para enformá-lo. No momento em que não se

coloca tal pretensão, nesse momento mesmo, não é mais possível falar de uma totalidade estrutural. Eu sei que os conteúdos da nova ontologia são diferentes do que

acabo de apresentar. Dir-se-á que o giro da mais recente fenomenologia não é particularmente racionalista e sim que, neste momento, há uma tentativa de introduzir

o elemento irracional sob a categoria "vivente" de uma maneira completamente diferente. Mas parece uma diferença muito grande entre construir conteúdos

irracionais em uma filosofia fundada basicamente no princípio de autonomia e uma filosofia que não parta do fato de que a realidade é adequadamente acessível.

Apenas recordo que uma filosofia, como a de Schopenhauer, não chega a seu irracionalismo a não ser por ater-se estritamente aos motivos fundamentais do idealismo

racional, do sujeito transcendental de Fichte. Isto me parece depor em favor da possibilidade do idealismo com conteúdos irracionais. O outro momento idealista é o

momento da ênfase na possibilidade frente à realidade. Acontece que no marco da posição neo-ontológica se sente o problema da relação entre possibilidade e

realidade como uma dificuldade maior. Serei aqui cuidadoso e não definirei a nova ontologia através de posições que são controvertidas em si mesmas. Em todo caso,

uma posição que a atravessa é a que afirma sempre uma prioridade do "projeto" do ser sobre a facticidade, tratada de maneira inferior, e, com essa premissa, se

aceita o salto defronte da facticidade; esta deve se acomodar posteriormente, e, quando não, ela se abandona à crítica. Vejo um momento idealista nesse domínio do

reino da possibilidade, pois que a contradição entre possibildade e realidade não é, no marco da crítica da Razão pura, outra que a (contradição) da estrutura

categorial subjetiva frente à multiplicidade empírica. Por esse reordenamento da nova ontologia à posições idealistas não apenas se torna elucidado o formalismo e a

necessária generalidade das determinações neo-ontológicas, às quais a facticidade não se acomoda, e sim também que ela é a chave para o problema da tautologia.

Heidegger disse que não é nenhum erro andar em círculo, o que se deve é caminhar no interior do círculo de maneira correta. Sinto-me inclinado aqui a dar razão a

Heidegger. Porém se a filosofia permanece fiel à sua tarefa, essa incursão reta no interior do círculo não pode querer dizer outra coisa senão que o ser, que se

determina a si mesmo como ser, ou que se interpreta a si mesmo, deixa claro, no ato da interpretação os elementos através dos quais se interpreta enquanto tal.

Parece-me que a tendência tautológica não se explica de outra forma que mediante o antigo tema idealista da identidade. Ela surge quando se inclui o ser, que é

histórico, sob uma categoria subjetiva, a historicidade. O ser, compreendido sob a categoria subjetiva da historicidade, deve ser idêntico à história. Deve-se acomodar

às determinações que lhe são impressas pela historicidade. A tautologia me parece ser antes uma indagação da mítica profundidade da língua em si mesma que um

novo ocultamento da antiga tese clássica da identidade do sujeito e objeto. E quando recentemente se encontra em Heidegger um retorno a Hegel, isso parece

confirmar essa interpretação.

Depois dessa revisão da questão, deve-se revisar o ponto de partida mesmo. Tem-se que insistir que o desmembramento do mundo em ser natural e

espiritual, ou em ser natural e histórico, tal como é usual desde o idealismo subjetivo, deve ser superado para que, em seu lugar, ingresse uma posição que provoque,

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em si mesma, uma unidade concreta da natureza e da história. Unidade, porém, concreta, que não se oriente pela contradição entre ser-possível e ser-real, mas que

se nutra das determinações do próprio ser real. O projeto de história na nova ontologia só tem chance de conseguir dignidade ontológica e perspectiva de se converter

em uma interpretação real do ser, se não se dirigir radicalmente às possibilidades do ser e sim ao ente, enquanto tal, em sua determinação concreta intra-histórica.

Qualquer separação (Aussonderung) entre estática natural e dinâmica histórica conduz à absolutizações falsas, qualquer separação (Absonderung) entre dinâmica

histórica e natural, assentada insuperavelmente nela, leva a um espiritualismo mau. É mérito da posição ontológica haver elaborado internamente o insuperável

entrelaçamento entre os elementos da natureza e da história. Por outro lado, é necessário purificar esse projeto da representação de uma totalidade abarcadora e,

além disso, criticar, a partir da realidade, a separação entre realidade e possibilidade, pois até agora ambas tombam separadas. Estas são, antes de tudo, exigências

metodológicas gerais. Tem-se, porém, que postular mais. Se a questão da relação entre natureza e história deve ser colocada seriamente, então ela apenas oferece

uma perspectiva, como resposta, quando consegue compreender o ser histórico como um ser natural em sua determinação histórica extrema, lá onde, ele mesmo, é

maximamente histórico, ou quando consegue compreender a natureza, como ser histórico, lá onde, em aparência, ela persiste em si mesma, no mais profundo de si,

como natureza. Já não se trata mais de conceber toto coelo o fato da história em geral, sob a categoria de historicidade, como um fato natural e sim de retransformar,

em sentido inverso, a disponibilidade (Gefügtheit) dos acontecimentos intra-históricos em uma disposição (Gefügtsein) de acontecimentos naturais. Não é procurar um

ser puro, subjacente ao ser histórico, ou que se encontraria nele, e sim compreender o próprio ser histórico como ontológico, isto é, como ser natural. Transformar

assim, em sentido inverso, a história concreta em natureza dialética é a tarefa da ontológica mudança de orientação (Umorientierung) da filosofia da história: a idéia

da história natural.

II. Partirei agora da problemática histórico-filosófica que, de fato, tem levado à formação do conceito de história natural. A concepção de história natural não

caiu do céu e sim possui sua legitimação obrigatória em uma área do trabalho histórico-filosófico com determinado material, sobretudo, atualmente, estético. O mais

simples, para dar uma idéia desse tipo de concepção histórica da natureza, é indicar as fontes, das quais brota esse conceito de história natural. Vou me reportar aos

trabalhos de Georg Lukács e de Walter Benjamin. Lukács usou na "Theorie des Romans" um conceito, o de segunda natureza, que conduz ao de História natural. A

base desse conceito de segunda natureza é este: Lukács apresenta uma idéia geral histórico-filosófica, a de um mundo pleno de sentido e um mundo vazio de sentido

(mundo imediato e mundo alienado, mundo da mercadoria) e tenta representar esse mundo alienado. Esse mundo, como mundo das coisas criadas pelos homens e

danificadas por eles, denomina ele mundo da convenção. "Ali onde os fins não são dados imediatamente, as figuras – que a alma (psique), pela sua humanização,

encontra como cenário e suporte de sua atividade entre os seres humanos – perdem suas raízes evidentes em necessidades suprapessoais, que devem existir; elas

simplesmente existem, talvez onipotentes, talvez corrompidas, porém não trazem em si a benção do absoluto, nem são receptáculos naturais da interioridade

transbordante da alma. Elas formam o mundo da convenção: um mundo, de cuja onipotência apenas se subtrai o mais íntimo da alma; que está presente por toda

parte em uma multiplicidade invisível; cuja estrita legalidade, tanto em relação ao ser quanto ao devir se torna necessariamente evidente para o sujeito cognoscente,

porém que, com todo esse caráter de lei, não se oferece nem como sentido para o sujeito, que busca uma finalidade, nem como material para aquele que atua na

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imediatez sensível. Uma segunda natureza; igual à primeira" . "Primeira natureza", para Lukács, igualmente alienada, é a natureza no sentido de ciência da natureza –

"somente definível como a mais alta representação de necessidades conhecidas e alheias de sentido, e, por isso, inconcebíveis e irreconhecíveis em sua substância

real"3. Essa realidade do mundo da convenção, como é produzida historicamente, das coisas que se tornam estranhas, que não podemos decifrar, mas que topamos

como cifras, é o ponto de partida da problemática que eu apresento aqui. O problema da história da natureza, visto a partir da filosofia da história, se coloca, antes de

tudo, com a questão de como é possível esclarecer, conhecer este mundo alienado, coisificado, morto. Lukács já tinha visto este problema no que ele tem de estranho

e de enigma. Se eu tiver êxito na apresentação da idéia de história natural, vocês devem experimentar antes de tudo algo do qaumazein, que esta questão significa.

História natural não é uma síntese de métodos naturalistas e históricos, e sim uma mudança de perspectiva. A passagem em que Lukács se aproxima desta

problemática diz: "A segunda natureza das figuras humanas não tem nenhuma substância lírica: suas formas estão demasiadamente estarrecidas para se ajustarem ao

instante criador de símbolos; a sedimentação do conteúdo de suas leis está demasiadamente definida para que possa abandonar os elementos que na lírica devem se

transformar em ocasiões para o ensaio; porém, esses elementos vivem tão exclusivamente por graça da legalidade e carecem de tal forma do valimento do sentido

autônomo da existência, que sem eles teriam que se desfazer em nada. Essa natureza não é como a primeira, muda, evidente, e alheia ao sentido: ela é um conjunto

de sentido paralisado, alienado, que não desperta mais a interioridade; ela é um calvário (lugar da caveira) de interioridades corrompidas, que só poderiam estar

despertas – se isso fosse possível – através do ato metafísico de uma ressurreição do anímico, que as criou ou as mantém em sua existência anterior ou presumida

(sollende), porém que não poderiam ser vividas por uma outra interioridade"4. O problema desse despertar, que aqui se sustenta como possibilidade metafísica, é o

problema que constitui o que ora se entende por história natural. O que Lukács contempla é a transformação do histórico, enquanto o "passado" (tem-sido/ Gewesen),

em natureza, a história paralisada é natureza, ou o vivente paralisado da natureza é um mero ter-sido histórico. Em seu discurso sobre o calvário se encontra o

momento da cifra; que tudo isso significa algo que, entretanto, ainda se deve extrair dali. Lukács não pode pensar esse calvário a não ser sob a categoria da

ressurreição teológica, sob o horizonte escatológico. A mudança decisiva frente ao problema da história da natureza, que Walter Benjamin anteviu, foi ter trazido a

ressurreição da segunda natureza da distância infinita para a proximidade infinita, e o fez objeto da interpretação filosófica. E, ao se prender a esse motivo de decifrar

o enigmático, o paralisado, a filosofia chegou a formar mais nitidamente o conceito de história natural. Antes de tudo há duas colocações de Benjamin que são

complementares ao trecho de Lukács. "A natureza flutua sobre eles (os escritores alegóricos) como trânsito eterno, no qual apenas o olhar saturnino destas gerações

reconhecia a história"5. "Se com a tragédia a história caminha para dentro do cenário, ela o faz como escrita. Sobre a máscara da natureza se encontra a ‘história’ na

escrita cifrada do trânsito"6. Aqui se acrescenta algo fundamentalmente diferente da filosofia da história de Lukács, em ambas as vezes se encontram as palavras

trânsito e transitoriedade. O ponto mais profundo na convergência da história com a natureza se situa precisamente nesse momento da transitoriedade. Se Lukács faz

com que o histórico, enquanto o ter-sido, se volte a transformar em natureza, aqui se dá o outro lado do fenômeno: a mesma natureza se apresenta como natureza

transitória, como história.

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Os posicionamentos históricos naturais não são possíveis como estruturas gerais e sim tão somente como interpretação da história concreta. Benjamin parte

do pressuposto de que a alegoria não é uma relação de casualidade, meramente secundária; alegórico não é um signo casual para um conteúdo extraído de seu

interior; e sim que, entre a alegoria e o pensado alegoricamente existe uma relação objetiva, "alegoria é expressão"7. Habitualmente se denomina alegoria a

apresentação sensorial (mediante elementos sensoriais) de um conceito, e, por isso, ela é taxada de abstrata e casual. Porém a relação entre o que aparece

alegoricamente e o significado não está simbolizada casualmente, e sim que algo de particular se passa aí – a alegoria é expressão – e o que se representa nesse

espaço, o que se expressa, não é outra coisa que uma relação histórica. O tema do alegórico é simplesmente história. Que se trata de uma relação histórica entre o

que aparece (Erscheinenden), a natureza manifesta (erscheinenden), e o significado, a saber, a transitoriedade, explicita-se assim: "Sob a categoria decisiva de

tempo, em cuja área da semiótica se constitui a grande perspicácia romântica desse pensador, se pode estabelecer a relação entre símbolo e alegoria de forma eficaz

e em termos formais. Enquanto no símbolo, com a transfiguração da queda, o rosto transfigurado da natureza se manifesta fugaz à luz da salvação, na alegoria a face

hipocrática da história se manifesta diante dos olhos do observador como paisagem primordial paralisada. A história, com tudo o que, desde o começo, tem de

intemporal, de doloroso, de falha, se expressa em um rosto – não em uma caveira. E assim certamente falta nela toda liberdade "simbólica" de expressão, toda

harmonia clássica da forma, todo humano – não é expressa apenas a natureza do existir humano simplesmente, e sim a historicidade biográfica de um indivíduo nessa

sua figura da natureza decaída, plena de significado como enigma. Este é o núcleo da contemplação alegórica, barroca, mundana exposição da história como história

do sofrimento do mundo; significativa apenas nas estações de suas ruínas. Tão grande significado, tão grande ruína mortal, porque no mais fundo a morte escava a

quebrada linha de demarcação entre physis e significação"8. O que pode significar aqui o discurso da trasitoriedade e o que quer dizer proto-história do significado?

Não posso desenvolver estes conceitos à maneira tradicional, um separado do outro. Aquilo, de que se trata aqui, provém de uma forma lógica radicalmente diferente

da (forma lógica) do desenvolvimento de um "projeto", que serve de base constitutiva para elementos de uma estrutura de conceitos gerais. Não é o momento de se

analisar essa outra estrutura lógica, a constelação. Não se trata de um esclarecimento dos conceitos, um separado do outro, e sim de uma constelação de idéias, e, a

saber, da idéia de transitoriedade, da de significado, da idéia de natureza e da idéia de história. Às quais não se recorre como "invariantes"; buscá-las não é a

finalidade da questão, e sim que se reúnem entorno da facticidade histórica concreta, a qual, na conexão desses momentos, se manifesta em sua irrepetibilidade,

Como se relacionam aqui esses momentos entre si? A natureza enquanto criação é concebida por Benjamin como assinalada pelo sinal da transitoriedade. A natureza

mesma é transitória. Dessa maneira, tem em si mesma o momento da história. Sempre que aparece históricamente, o histórico remete ao natural, que nele passa. Ao

contrário, sempre que aparece como "segunda natureza", esse mundo da convenção, que chega até nós, se decifra pelo fato de sua transitoriedade se tornar clara

como significado. Em Benjamin isto se concebe em um primeiro momento – e aqui se tem que ir mais longe – desse modo: há alguns fenômenos fundamentais proto-

históricos que originalmente estavam ali, que foram esquecidos e que se transformam em significado no alegórico, que retornam no alegórico, como retorna o literal.

Por isso não se trata de meramente indicar que na própria história temas proto-históricos sempre se voltam a manifestar, e sim que a própria proto-história, enquanto

transitoriedade, leva em si o tema da história. A determinação fundamental, a transitoriedade do terreno não significa outra coisa que uma relação semelhante entre

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natureza e história; que todo ser ou todo ente deve ser compreendido apenas como cruzamento do ser histórico e do ser natural. Enquanto transitoriedade, a proto-

história está absolutamente presente. Está presente sob o signo de "significação". O termo "significação" quer dizer que os momentos natureza e história não se

dissolvem um no outro, e sim (que), ao mesmo tempo, se separam e se cruzam entre si, de tal modo que o natural aparece como signo para a história e a história,

onde ela se manifesta mais historicamente, como signo para a natureza. Todo ser ou, pelo menos, tudo que foi transformado (gewordene) em ser, tudo que foi

(gewesene) ser, se metamorfoseia em alegoria, e com isso a alegoria deixa de ser uma mera categoria da história da arte. Igualmente o "significar" mesmo se

transforma de um problema de hermenêutica histórico-filosófica, ou até de problema do sentido transcendente, em momento que transubstancia a história constitutiva

em proto-história. Daí a "proto-história do significado". A queda de um tirano, por exemplo, é similar ao por do sol na linguagem barroca. Essa relação alegórica

contém em si já a intuição de um procedimento que pode conseguir interpretar a história concreta em suas manifestações como natureza e constituir dialeticamente a

natureza na figura da história. O desenvolvimento dessa concepção é uma vez mais a idéia de história natural.

III. Depois de ter apontado a origem da idéia da história natural, avançarei mais. O que entrelaça essas três posições é a imagem do calvário (Schädelstätte).

Em Lukács é algo meramente enigmático, em Benjamin se torna cifra, que se deve ler. Sob esse pensamento radicalmente histórico-natural, porém, todo ente se

transforma em escombro e fragmento, em um calvário, no qual se cruzam natureza e história, e a filosofia da história realiza a tarefa de sua interpretação intencional.

Assim se realizou um duplo giro (mudança). De um lado, eu levei a problemática ontológica a uma formulação histórica, tentando indicar de que modo se pode

radicalizar a posição ontológica historicamente concreta. De outro lado, sob a figura da transitoriedade, mostrei como a história mesma a impulsiona para um giro

(mudança) em certo sentido ontológico. O que entendo aqui por um giro ontológico é algo completamente distinto do que hoje se entende habitualmente como tal.

Por isso não quero reclamar essa expressão de forma permanente, e sim a introduzo exclusivamente com fins dialético. O que tenho em mente por história natural

não é uma ‘ontologia historicista’, nem a tentativa de extrair um conjunto de fatos históricos e hipostasiá-los ontologicamente, de modo que possa abranger, como

sentido ou estrutura fundamental, a totalidade de uma época, como Dilthey, por exemplo, fazia. Esta tentativa de Dilthey de uma ontologia historicista fracassou,

porque ele não teve seriedade suficiente com a facticidade, permaneceu no terreno da história do espírito e, à maneira de conceitos arbitrários de estilo de

pensamento, não compreendeu absolutamente a realidade material-sensitiva. Em lugar disso, o que se deve realizar não é a construção de modelos históricos por

épocas e sim analisar a facticidade histórica em sua própria historicidade como algo histórico-natural.

Em relação à articulação da história natural, levanto uma segunda questão, que se apresenta do lado inverso. (Situa-se diretamente num sentido que continua

a discussão de Frankfurt). Poder-se-ia dizer que penso em uma espécie de encantamento da história. Aqui o histórico se despenderia, em toda sua casualidade, em

favor do natural e do protohistórico. Porque parece alegórico, tudo aquilo com que se depara historicamente pode se transfigurar em algo carregado de sentido. Não é

assim que penso. De todas as formas, o que causa estranheza é o ponto de partida da posicionamento do problema, o caráter natural da história. Porém, se a filosofia

não quisesse insistir em outra coisa que na aceitação do choque de ser história e se apresentar sempre, ao mesmo tempo, como natureza – então isto seria, como

Hegel o censurava em Schelling, algo como a noite da indiferença, na qual todos os gatos são pardos. Como sair dessa noite? Isso eu quero apontar a seguir.

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Vou partir do fato de que a história, tal como a encontramos, se dá como algo absolutamente descontinuado, e, neste caso, não contém apenas fatos e

circunstâncias disparatados mas também disparidades estruturais. Quando Riezler fala de três determinações da historicidade opostas uma à outra (einander) e

também enredadas uma na outra (ineinander), a saber tyche, ananké e espontaneidade, eu não tentaria sintetizar essa repartição da estrutura da história nessas

determinações mediante uma assim chamada (falsa?) unidade. Julgo precisamente que a nova ontologia prestou um serviço mais frutífero na concepção desse ser

assim disposto (Gefügtsein). Então, essa descontinuidade – em relação à qual, como disse, não vejo nenhum direito para transportá-la a uma totalidade estrutural –

se apresenta, de entrada, como existente entre o mítico-arcaico, material natural da história, do ter-sido (Gewesene) e o novo que nela emerge dialeticamente, novo

em sentido estrito. Estas são categorias cuja problemática me é clara. Mas o procedimento diferencial para se chegar à história natural, sem antecipá-la como unidade,

é, antes de tudo, que se aceite (annimmt) e se acolha (hinnimmt) as duas estruturas problemáticas e indefinidas, em sua contradição, tal como se dão na linguagem

da filosofia. Isto é sempre mais possível, como se manifesta, pois a filosofia da história se aproxima cada vez mais de um cruzamento entre o existente originário e o

novo em processo de aparição, graças aos resultados que são apresentados pela investigação. A respeito desse terreno da investigação eu recordo que na psicanálise

se encontra essa contradição com toda clareza: na diferença entre os símbolos arcaicos, em relação aos quais não se processa nenhuma associação, e os símbolos

intra-subjetivos, dinâmicos, intrahistóricos, que se deixam eliminar e que podem ser transformados em atualidade psíquica, em conhecimento presente. Então a

primeira tarefa da filosofia da história é elaborar esses dois momentos, distingui-los e confrontá-los entre si, e apenas quando essa antítese for explicitada, existirá

uma chance de se poder chegar à desconstrução da história natural. Os resultados pragmáticos, que se apresentam quando se consideram o arcaico-mítico e o

historicamente novo, oferecem novamente a indicação disso. Ao mesmo tempo fica evidente que o mítico-arcaico subjacente, mítico que supostamente persiste de

forma substancial, não se mantém subjacente, em absoluto, de uma maneira estática; antes, em todos os grandes mitos, e, provavelmente, também nas imagens

míticas que nossa consciência ainda tem, já se encontra presente o momento da dinâmica histórica, na verdade, em forma dialética, de modo que as realidades

fundamentais míticas são plenamente contraditórias em si mesmas e se movem de forma contraditória (recorde-se do fenômeno da ambivalência, do "contra-sentido"

das palavras primitivas). O mito de Cronos é um destes. Nela a extrema força criadora dos deuses se estabelece, ao mesmo tempo, como força que aniquila suas

criaturas, seus filhos. Ou, como acontece na mitologia subjacente à tragédia – que é sempre dialética –, de um lado carrega em si a condição de culpabilidade do ser

humano decaído nas dependências da natureza, mas, ao mesmo tempo, aplaca o destino por si mesma; por que o ser humano se eleva como tal sobre o destino. O

momento da dialética se enraíza nisso: os mitos trágicos contém em si, ao lado da queda na culpa e na natureza, o momento da reconciliação, essa radical superação

da dependência da natureza. A representação não apenas de um mundo das idéias estático, adialético e sim da dialética que irrompe dos mitos adialéticos, faz o

retorno a Platão como sua origem9. Em Platão, o mundo dos fenômenos está realmente rompido, abandonado, porém, visivelmente dominado pelas idéias. Não

obstante, as idéias não tomarem parte alguma nele, e como não tomam parte alguma no movimento do mundo, por esse alheamento do mundo da experiência

humana em relação às idéias, estas deverão permanecer forçosamente entre as estrelas, para poder manter-se frente a essa dinâmica. Tornam-se estáticas:

paralisadas. Porém isso é já a expressão de um estado da consciência, que perdeu sua substância natural, enquanto imediação. Neste momento de Platão, a

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consciência já sucumbiu à tentação do idealismo: o espírito desterrado do mundo e alienado da história, se absolutiza ao preço da vida. E a fraude do caráter estático

dos elementos míticos é aquilo de que temos de nos desembaraçar, se quisermos chegar a uma imagem concreta da história natural.

Por outra parte, "o novo em seu momento", o produzido dialeticamente na história, se apresenta na verdade como arcaico. A história é "mais mítica lá onde

mais histórica é". Aqui surgem as maiores dificuldades. Ao invés de desenvolver idéias gerais, apresentarei um exemplo: o da aparência; e, certamente, falo da

aparência no sentido de uma segunda natureza, da qual tratava antes. Esta segunda natureza, quando se manifesta plena de sentido, é uma natureza da aparência, e

nela a aparência é produzida historicamente. Ela é aparente porque a realidade se perdeu e cremos entendê-la plena de sentido, quando na verdade está vazia, ou

porque introjetamos em seu estranho ter-sido (Gewordene) intenções subjetivas enquanto significados seus, como na alegoria. Agora, porém, o mais notável é que

essa criatura intra-histórica, a aparência, é ela mesma do gênero mítico. Assim como o momento da aparência está grudado em todo mito, assim como a dialética do

destino mítico, sob as formas de Hybris e de cegueira, é inaugurada a todo momento pela aparência, assim também os conteúdos-da-aparência, produzidos

historicamente são a todo momento de caráter mítico; e não apenas o fato de tais conteúdos recorrerem ao arcaico proto-histórico e de na arte todo aparente ter a

ver com os mitos (pense-se em Wagner), e sim também que o caráter mesmo do mítico retorna nesse fenômeno da aparência. Esse destaque (Herausarbeitung) era

realmente um problema da história natural. Em relação ao que se tratou, deveria eu mostrar, por exemplo, que quando se constata o caráter de aparência de certas

moradias, nessa aparência está difusa o pensamento do ser que já foi (Gewesenseins) desde sempre e que se reconhece uma vez mais. Aqui se deveria analisar o

fenômeno do dejà-vu, do reconhecimento. Desta aparência intra-histórica alienada retorna novamente o fenômeno mítico primordial da angústia. Sobrevem uma

angústia arcaica em qualquer lugar onde esse aparente mundo da convenção nos defronte. É sempre próprio dessa aparência o momento da ameaça; é igualmente

um momento mítico da aparência o fato de ela ter o caráter de atrair para dentro de si tudo, como se fosse um funil. Ou o momento da realidade da aparência frente

a seu caráter simbólico (Bildlichkeit): que em todo lugar onde nos defrontamos com a aparência, a sintamos como expressão, como algo não apenas aparente que se

deixa de lado, e sim que expresse algo que aparece nela e que não pode ser descoberto independentemente dela. Esse é igualmente um momento mítico da

aparência. E finalmente: o motivo decisivo, transcendente do mito, o da reconciliação, se presta também à aparência. Quero lembrar que a comoção está em toda

parte associada às obras de arte menores e não às maiores. Penso que o momento da reconciliação está por toda parte onde o mundo se apresenta o mais aparente

possível; em que a promessa de reconciliação é dada da forma mais perfeita, onde, ao mesmo tempo, o mundo está mais fortemente protegido contra todo "sentido".

Com isso volto a lhes remeter à estrutura do proto-histórico na aparência mesma, onde esta, em seu próprio ser, se revela como algo produzido historicamente: na

linguagem corrente da filosofia: onde a aparência se torna madura pela dialética sujeito-objeto. A Segunda natureza é na verdade a primeira. A dialética histórica não

é um mero retomar materiais proto-históricos reinterpretados e sim transformar esses mesmos materiais históricos em mítico e histórico-natural.

Quisera ainda falar sobre a relação dessas coisas com o materialismo histórico, porém aqui só me cabe dizer isso: não se trata do complemento de uma

doutrina por outra, e sim da interpretação imanente de uma teoria. Por assim dizer, me situo como uma instância judicial do materialismo dialético. Gostaria de

enfatizar que o exposto é apenas uma interpretação de certos elementos fundantes da dialética materialista.

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1 Conferência apresentada em julho de 1932 na Kantgesellschaft de Frankfurt e publicada postumamente. Foi uma contribuição de Adorno à "Discussão de

Frankfurt", debate sobre o historicismo, que acontecia na Universidade de Frankfurt e da qual já tinham participado anteriormente Max Scheler e Karl Mannheim (NT)

2 Título Original: Die Idee der Naturgeschichte. In ADORNO, T. W. Philosophische Frühschriften. Band I. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1996, pág. 345-365.

Tradução de Bruno Pucci, prof. titular da Faculdade de Educação da UNIMEP e coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisa "Teoria Crítica e Educação", financiado

pelo CNPq e FAPESP. Tradução cotejada com a versão castelhana de José Luis Arantegui Tamayo (Barcelona: Ediciones Paidós, 1991). Revisão da tradução de Newton

Ramos de Oliveira e Antônio Álvaro Soares Zuin.

3 Georg Lukács, Die Theorie des Romans, Berlim 1920, pág. 52.

4 Op. Cit. Pág. 54.

5 Walter Benjamin, Ursprung des deutschen Trauerspeils, Berlin, 1928, pág. 178.

6 Op. Cit. Pág. 176.

7 Ver op. cit. Pág. 160.

8 Op. cit., pág. 164 e seguuintes

9 Para o que segue, ver Sören Kierkegaard, Begriff der Ironie (Conceito de ironia), Berlin, Munich, 1929, pág. 78 e seguinte.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA (UFRO)

CENTRO DE HERMENÊUTICA DO PRESENTE

PRIMEIRA VERSÃO ANO IV, Nº197 NOVEMBRO - PORTO VELHO, 2005

Volume XIV Setembro/Outubro

ISSN 1517-5421

EDITOR

NILSON SANTOS

CONSELHO EDITORIAL

ALBERTO LINS CALDAS - História ARNEIDE CEMIN - Antropologia FABÍOLA LINS CALDAS - História

JOSÉ JANUÁRIO DO AMARAL - Geografia MIGUEL NENEVÉ - Letras

VALDEMIR MIOTELLO - Filosofia

Os textos no mínimo 3 laudas, tamanho de folha A4, fonte Times New Roman 11, espaço 1.5, formatados em “Word for

Windows” deverão ser encaminhados para e-mail:

[email protected]

CAIXA POSTAL 775 CEP: 78.900-970 PORTO VELHO-RO

TIRAGEM 150 EXEMPLARES

EDITORA UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA

ISSN 1517-5421 lathé biosa 197

PROGRAMAS DE LEITURA: DO PROCESSO

DE ORGANIZAÇÃO ÀS QUESTÕES TEÓRICO-PRÁTICAS

Edson Rosa Francisco de Souza

PRIMEIRA VERSÃO

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PROGRAMAS DE LEITURA: DO PROCESSO DE ORGANIZAÇÃO ÀS QUESTÕES TEÓRICO-PRÁTICAS

Edson Rosa Francisco de Souza [email protected]

Apresentação

Este trabalho tem por objetivo apresentar um programa de leitura que possa servir de fio condutor para a elaboração de outros roteiros de atividades didáticas,

além de elencar outras questões envolvidas no processo de ensino/aprendizagem. Em termos mais específicos, o nosso objetivo é estabelecer um plano de

atividades, a partir de um texto da literatura infanto-juvenil, que seja condizente com a faixa etária, grau de instrução e conhecimento de mundo do aluno, público

alvo desta proposta de trabalho.

Diferentemente de outros materiais didáticos, este programa de leitura visa a formar um leitor crítico, capaz de questionar não apenas o comportamento dos

personagens presentes nas histórias, como também capaz de criticar, questionar certas atitudes dos mesmos e de se posicionar diante das pessoas que o cercam,

como os governantes, o presidente, o vendedor de uma loja que vende um produto com problema; enfim, ser capaz de lutar pelos seus direitos, enquanto cidadão

que participa ativamente da sociedade.

Pode-se dizer que uma das tarefas da escola é justamente esta, a de formar um cidadão crítico, capaz de questionar situações que sejam ilícitas e de reconhecer

as boas iniciativas, quando são realizadas. Daí, a importância de proporcionar ao aluno um ambiente com condições favoráveis de ensino/aprendizagem. O objetivo

maior deste trabalho é o de poder mostrar como é organizado um programa de leitura dinâmico, criativo e construtivo, que visa a uma abordagem progressista e

construtiva de uma boa leitura.

Fundamentação teórica

Segundo Kramer (2000), a leitura e a escrita são atividades extremamente importantes no processo de dimensionamento do homem e na sua constituição como

sujeito social, enraizado na coletividade. Conforme a autora, a escola que é responsável por esse papel social do aprendizado não o tem cumprido. A leitura na escola

se resume a tarefas de sala de aula, em que notas, provas de livros, apostilas com resumos ocupam o tempo e o espaço que poderiam ser destinados à leitura de um

bom livro (cf. Kramer, 2000). Pode-se dizer que a aversão pelos textos literários e pela literatura é ensinada na escola, quando esta passa a fazer uso de uma

metodologia, que se pode dizer ultrapassada, em termos de resultados com a leitura. Nas palavras de Oliveira (1988), a escola, enquanto um dos organismos da

sociedade civil, é o local por excelência para o desenvolvimento do processo de transmissão-assimilação do conhecimento elaborado. Ainda, segundo ela, a prática

social global (função da escola) é o ponto de partida e de chegada da prática educativa.

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A leitura, conforme Soligo (1999), é um processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de construção do significado do texto a partir do que se está

buscando nele, do conhecimento que já possui a respeito do assunto, do autor e do que se sabe sobre a língua – características do gênero, do portador, do sistema de

escrita. Ninguém pode extrair informações do texto escrito decodificando letra por letra, palavra por palavra. Para a autora, a leitura como prática social é sempre um

meio, nunca um fim. Ler é resposta a um objetivo, a uma necessidade pessoal. Por isso, ela tem de ser agradável.

De acordo com a abordagem conservadora, a atuação da escola consiste na preparação intelectual e moral dos alunos para assumir sua posição na sociedade.

Conforme essa abordagem, o compromisso da escola é com a cultura apenas; os problemas sociais pertencem à sociedade. Já os métodos de ensino utilizados

baseiam-se na exposição verbal da matéria e/ou demonstração do assunto. Em geral, nesse tipo de sistema, visa-se muito a resolução de exercícios gramaticais, a

repetição de conceitos e fórmulas; a memorização visa a disciplinar a mente e a formar hábitos, isso segundo Libâneo (1983)3.

No entanto, a nossa proposta de trabalho insere-se em uma abordagem progressista, em que o processo de ensino/aprendizagem parte de uma análise crítica

das realidades sociais, que sustentam implicitamente as finalidades sócio-políticas da educação. É diferente da abordagem conservadora, que é muito fixada a

descrições gramaticais, à resolução de exercícios e a um posicionamento autoritário do professor, que exige atitude receptiva dos alunos e impede qualquer

comunicação entre os alunos no decorrer da aula. Nossa proposta objetiva criar justamente um programa de leitura, que seja construtivo, criativo e que possa

envolver o aluno no ambiente das histórias, dos contos e das fábulas, de modo a fugir daqueles roteiros direcionados de leitura oferecidos pelos professores para as 5a

e 6a séries (ensino fundamental), que são amplamente tradicionalistas, fora de contexto e prescritivos.

Segundo Libâneo (1983), o papel da escola na abordagem progressista é o de difundir conteúdos concretos, vivos e, portanto, indissociáveis das realidades

sociais. E isso é o que se pretende com a elaboração deste programa de leitura: propiciar a difusão de conteúdos importantes (conhecimentos das regras da sintaxe

da língua, o funcionamento da narrativa, a ortografia das palavras, etc.), concretos, vivos e indissociável da realidade do aluno.

A educação, conforme Snyders (1974) e Saviani (1982, apud Libâneo, 1983), deve ser entendida como “uma atividade mediadora no seio da prática social

global”, ou seja, uma das mediações pela qual o aluno, via intervenção do professor e por sua própria participação ativa, passa de uma experiência inicialmente

confusa e fragmentada (sincrética) a uma visão sintética, mais organizada e unificada. Em outras palavras, pode-se dizer que numa abordagem progressista, passa-se

de uma experiência imediata e desorganizada a um conhecimento sistematizado das coisas.

Baseando-nos em Breves Filho (1996), um programa de leitura deve conter subsídios extraídos da análise nos vários níveis do texto. O programa deve privilegiar

e esgotar todos os recursos possíveis que o texto apresenta, como forma de compreensão e funcionamento da história, como o tipo de texto lingüístico (narrativo,

descritivo e dissertativo), marcadores de tempo (ontem, hoje, amanhã, nunca, etc.), de lugar (na cidade, no campo, no vale da pedra grande, na clareira, etc.), tipo

3 LIBÂNEO, J. Carlos. Tendências pedagógicas na prática escolar. ANDE, nº 06, Ano 03, 1983. Nossa proposta de elaboração de um programa de leitura insere-se dentro das perspectivas teóricas da Pedagogia Progressista presentes neste texto, trazidas por Libâneo.

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de discurso (direto, indireto e indireto livre). Para o autor, um bom programa de leitura deve ser desenvolvido com base em atividades do próprio texto abordado para

trabalhos e atividades em salas de aula. Porém, Breves filho faz questão de enfatizar que o tipo de programa desenvolvido por ele não é algo fechado, acabado, assim

como o nosso, mas sim passível de uma nova delineação ou revisão, uma vez que o processo de leitura e interpretação de textos tem espaços para serem preenchidos

pela experiência pessoal de cada leitor e/ou professor exposto ao texto.

Depois de realizadas a leitura e a análise do texto em seus diferentes níveis, Breves Filho (1996) destaca algumas sugestões de atividades que podem ser

realizadas com base no texto abordado pelo professor4. São atividades que propõem a compreensão do texto e o conhecimento dos elementos lingüísticos

responsáveis pelo seu funcionamento, como uma leitura silenciosa do texto, para conhecimento dos personagens e dos detalhes da história. A leitura das ilustrações,

tentando abstrair os seus sentidos, segmentação do texto, conforme critérios estabelecidos pelo professor e a reescritura da história, invertendo os segmentos para

produzir uma história diferente, privilegiando o uso dos mecanismos do discurso direto e indireto livre, como forma de produção de efeito de sentido: objetividade e

subjetividade.

Um aspecto que também é levantado por Breves Filho é a importância do significado contido nas ilustrações da história. Segundo ele, a ilustração possui, em

geral, três funções:

a) descritiva: ilustração descrevendo animais, pessoas, cenários etc;

b) expressiva: ilustração expressando uma emoção – alegria, espanto, curiosidade, incompreensibilidade, isolamento etc;

c) simbólica: o significado da ilustração não se esgota conforme o que foi representado, permitindo outras interpretações.

Como base teórica para o presente programa de leitura, que ora se apresenta, deverão constar, em seu conteúdo programático, algumas das atividades

propostas por Breves Filho (op. cit.), sendo complementada por outras mais, propostas por nós, dada a necessidade do tipo de texto abordado e o conteúdo do

mesmo.

Alguns aspectos do Saber Sistematizado e do Senso Comum

Este programa de leitura difere-se dos demais programas tradicionais, justamente por propiciar a utilização das habilidades do aluno, o seu conhecimento

lingüístico e o seu conhecimento de mundo. É diferente de outros programas, que se baseiam apenas em conceitos abstratos do que seja ensinar, criar futuros

leitores e do caráter social da escola.

4 As idéias de Breves Filho serão aproveitadas por nós. No entanto, elas serão complementadas com as atividades propostas por nós, as quais achamos relevantes e

que não são trabalhadas pelo autor.

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Devemos entender o Saber Sistematizado como sendo o saber que o aluno passa a ter acesso, domínio ou conhecimento, após um período de discussão sobre o

tema abordado em sala de aula. Ou seja, o aluno só conseguirá aprender algo, a partir do momento, em que forem oferecidas na escola condições de aprendizagem

ao aluno. De que maneira? É propiciando momentos de discussão, de questionamentos, instigações e contestações em sala de aula, sempre com o monitoramento do

professor. Será no contato com o novo, com as idéias diferentes, do ponto de vista de cada aluno e com o conhecimento do professor sobre o assunto posto em

discussão, é o que o aluno irá sistematizar aquilo que é novo para si, com referência às questões que já são de seu conhecimento, ou seja, do senso comum (o que o

aluno já sabia antes do conhecimento sistematizado).

Sendo assim, o presente trabalho tem como objetivo proporcionar, por meio de um programa de leitura dinâmico e criativo, condições favoráveis de

aprendizagem não só das estruturas da narrativa (narrador, personagens, tempo, espaço, caráter moral e ideológico, etc), mas também do próprio funcionamento da

linguagem, seja verbal seja gestual. É possível, por meio das histórias, aprender a gramática da língua, a ortografia das palavras, sem se fixar pura e simplesmente na

descrição e prescrição de regras gramaticais, que, aos olhos dos alunos, são assuntos chatos e complicados, ou seja, difíceis de se entender. É propiciando momentos

de descontração e discussão de temas presentes nas leituras dos livros, é que o aluno terá condições de aprender o conhecimento sistematizado, ou seja, aquilo que é

novo para ele. E isso só é possível, em geral, quando é permitido ao aluno questionar, instigar e querer conhecer mais sobre o assunto, coisa que não acontece com

os programas e/ou roteiros de leitura conservadores já existentes no mercado. Por que? Porque esses roteiros de leitura tradicionais não proporcionam momentos de

discussão e envolvimento do aluno com o assunto em questão, pois os mesmos não são considerados motivantes, interessantes e envolventes pelos estudantes, e

sim, apresentam um caráter direcional, em que os alunos são postos a rastrear, no texto dado em sala de aula, as respostas para as perguntas, fato que, a nosso ver,

é extremamente empobrecedor. Isso fará o aluno aprender alguma coisa? Certamente não, pois diante de um programa que não ofereça atividades construtivas e

envolventes, o aluno provavelmente irá se sentir desmotivado para a leitura dos livros.

Dessa forma, um programa de leitura que aborde um panorama de atividades criativas, construtivas e envolventes, poderá ser de extrema importância para o

aluno, pois o mesmo poderá aprender o sistematizado de forma atrativa e dinâmica, levando sempre em consideração, é claro, o conhecimento que o aluno já

possui do mundo e do próprio universo da linguagem. Vale lembrar que a figura do professor, neste processo, é bastante importante, pois é ele quem deve criar

condições de aprendizagem dentro da sala de aula. Não aquele que se porta de maneira autoritária, e sim um mediador do processo de ensino.

Uma breve análise dos programas de leitura dos livros didáticos

Analisando alguns programas de leitura presentes nos livros didáticos5 (do ensino fundamental), pudemos perceber a tamanha deficiência desses programas. Em

muitos casos, as atividades propostas com os livros e textos (fábulas, contos, etc) resumem-se apenas a uma leitura do texto, comentários em sala de aula e um

5 Nesta análise, não procuramos nos fixar apenas em um ou outro livro didático; procuramos fazer um recorte de alguns livros, e a partir daí, estipularmos as

deficiências encontradas nos mesmos.

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resumo da história, que é constantemente dado como atividade de avaliação aos alunos. Quando muito sugere-se a dramatização do texto lido. Percebe-se que a

leitura, na sala de aula e nos livros didáticos, não é abordada de forma criativa e construtiva; ela é utilizada de uma forma muito artificial e sacrificante, o que a torna

insuportável aos olhos dos alunos.

Em geral, os roteiros tradicionais trazem as seguintes atividades: (1) leitura do texto escolhido pela classe e pelo professor; (2) questionário sobre o texto lido; (3)

discussão em sala de aula sobre o tema; (4) confecção de um resumo da história (para avaliação) e quando muito (5) a dramatização da história. No entanto,

essas atividades em nada contribuem na construção de um leitor crítico e na sua formação social. Ou seja, nesse sistema de leitura, as informações novas não são

sistematizadas pelo aluno. As informações entram e saem da cabeça do aluno como num passe de mágica. Talvez, possamos dizer que seja este método o

responsável pela repulsa dos alunos pela língua portuguesa e pela leitura. Pois, logo que se pede para que os alunos leiam um livro, as perguntas e respostas são

as seguintes: O livro é muito grosso? Quantas folhas? Tem figuras? É de criança? Inúmeras são as perguntas e as respostas dos alunos que revelam essa repulsa e

o aborrecimento do aluno com a leitura.

Esse panorama catastrófico da leitura parece estar mudando no cotidiano das escolas, no entanto, mesmo com as aparentes e possíveis mudanças desse

panorama, muitas das práticas escolares ainda continuam a restringir fortemente a oferta de leitura para a formação de leitores, conforme apontado por Galvão &

Gomes Batista (1999).

No vale da pedra grande: um resumo da história

Era uma vez um lugar bem distante conhecido como vale da pedra grande. Tinha esse nome porque a maior montanha do vale tinha, em seu topo, uma grande

pedra parecida com um ovo gigante. O vale era cortado por sobre pedras brancas e salientes. Lá viviam diversas espécies de pássaros, alguns mamíferos, répteis,

insetos e outros seres vivos.

Lá existia uma família de pássaros pretos. Eram mais de cem e tinham a responsabilidade de despertar e adormecer o vale com seus gorjeios. Eles faziam seus

ninhos nos ocos dos paus secos, aproveitando os buracos deixados pelos pica-paus. O líder do bando era um velho pássaro preto chamado Tinigrim. Todos o

respeitavam, assim como a linhagem de sua família. Tudo, no vale, era marcado por um grande acontecimento. No inverno, a neblina cobria os campos e o rio. No

verão, o sol forte obrigava os animais a se refugiarem nas sombras das árvores. No outono, a fartura de comida, a primavera e o perfume das flores avisavam que era

tempo de reprodução. Começava um ritual que se repetia ano após ano.

Naquele ano, a filha mais velha de Tinigrim, chamada Tina, se preparava para o acasalamento. Todos do bando queriam ser escolhidos; ela escolheu Biló, um

pássaro grande e forte. Fizeram seu ninho, chocaram os ovos e finalmente nasceram os filhotes. Eram dois lindos e fortes passarinhos. À medida que suas plumagens

iam se modificando, Tina e Biló começaram a ficar preocupados com um deles, que estava ficando totalmente branco. Várias reuniões foram realizadas no bando.

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Tinigrim não entendia o ocorrido. Especularam até a fidelidade de Tina, por ela ter sido vista algumas vezes com uma araponga macho. O caso era estranho demais.

Até o Dr. Corujão foi consultado e nada pode fazer para explicar o caso.

O tempo passou e Branquinho, como ficou conhecido, tornou-se maduro. Cada dia passava, sua brancura aumentava mais. Tinigrim e toda família diziam gostar

de Branquinho, mas a verdade é que ele sempre estava só. Tina acabou se desentendendo com Biló, que não entendia e nem aceitava o fato, e acabaram se

separando. O sabiá era o único amigo de Branquinho, que o aconselhou a continuar no vale, quando disse que queria ir embora.

Vários invernos passaram. Mas naquele ano, o vale parecia deserto; a comida era pouca, as aves estavam famintas e a luta pela sobrevivência a cada dia se

tornava mais acirrada. Tinigrim, experiente e conhecedor, descobriu uma pequena reserva de alimentos rasteiros em uma clareira encostada atrás da pedra grande,

porém, lá moravam os famintos gaviões cará-cará. Tinigrim e seu bando teriam que correr o risco para se manterem vivos.

Do primeiro grupo de pássaros enviado ao local para buscar comida, apenas um conseguiu escapar das garras dos gaviões. O local era muito vigiado, e um

objeto negro se movendo no espaço era facilmente identificável. O plano foi um fracasso total. Tinigrim e todo seu bando não sabiam o que fazer. Era o pior inverno

de todos os tempos. Assim, diante dos problemas, Branquinho se ofereceu para tentar buscar comida. Por ser branco, os gaviões não conseguiriam vê-lo. Assim

poderia passar pela clareira, pegar a comida e voltar. A primeira tentativa não deu certo, mas a segunda e as outras deram. A operação para atrair os gaviões até a

catapulta foi um sucesso. Conseguiram em poucas viagens e manobras entre as árvores, afugentar todos os gaviões. Com isto, todos puderam sair do esconderijo e

comer livremente na clareira. Tinigrim, Tina e Biló e todo o bando nunca mais duvidaram da capacidade de Branquinho. Ele, agora, havia se tornado o grande

guardião do bando.

Vários anos se passaram e, um belo dia, surgiu um grande pássaro de plumagem azul, viajado e possuidor de grande conhecimento. Tinigrim, ainda

preocupado, perguntou ao pássaro por que Branquinho tinha aquela cor. O pássaro respondeu que Branquinho era diferente apenas na cor; ele é um caso raro de

pigmentação. Ele é igual a vocês. O grande pássaro disse que, além da cor, todas as outras diferenças foram vocês que criaram para ele.

Justificativas para o uso de programa de leitura

O motivo para a utilização de um programa de leitura, assim como o sugerido por Breves Filho, é fazer com que o professor possa ter condições de trabalhar suas

atividades, com base em um plano de organização, seleção e discussão dos tópicos abordados na sala de aula, e de que ele possa ter condições de observar a

aceitabilidade e o retorno dos alunos para com as atividades estipuladas pelo professor.

Uma outra justificativa é fazer com que o aluno se torne um leitor ativo, capaz de ler, compreender, criticar e produzir textos, a partir das leituras indicadas e trabalhadas pelo professor de Língua Portuguesa.

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Nesse sentido, a intenção do programa de leitura não é cobrar do aluno-leitor a memorização das histórias, das ações desenvolvidas pelos personagens, ou da

produção de resumos e provas, e sim fazer com que o aluno sinta gosto pela leitura de um texto, e que possa compreender e/ou criticar a atuação dos personagens

ou dos diferentes tipos de textos e, até mesmo, de criticar as pessoas que o cercam, mostrando aqui o caráter social da escola.

O processo tradicional de avaliação, centrado na aplicação de provas, no desenvolvimento de resumos e na produção de trabalhos escritos, não é, ao nosso ver,

a melhor forma de testar o conhecimento e a capacidade de compreensão do aluno. Para nós, a melhor alternativa seria proporcionar ao aluno condições de uma

leitura descontraída, sem o peso da obrigação. Sendo assim, poderíamos avaliar o aluno durante o desenvolvimento das atividades do programa de leitura; o que nos

parece mais interessante, ao invés de cobrar atividades sem sentido e respostas memorizadas.

Objetivos do programa

O objetivo geral é formar o leitor e o "escritor" de textos, capaz de compreender claramente as histórias, o significados das mensagens, os aspectos morais e ideológicos das fábulas, e ter condições de contar, recontar e montar historinhas, juntamente com os seus amigos, família e escola, privilegiando a desenvoltura do aluno em público.

O objetivo específico é formar um leitor ativo, que se sinta integrado ao mundo da história, dos personagens e dos espaços da trama, que se sinta motivado pela leitura. A intenção é fazer que com o aluno possa compreender o mundo da narrativa de uma forma descontraída, que possa entender o funcionamento da estrutura do texto, reconhecendo os elementos lingüísticos (advérbios de tempo, de lugar, interjeições, etc) e elementos não-lingüísticos (linguagem gestual, expressão facial – raiva, tristeza, dor, felicidade, etc.), responsáveis pela organização e funcionamento do texto. De certa forma, estes elementos deverão ser abordados de maneira clara e transparente, para que os alunos possam compreender sua importância, sem se tornar complexo e abstrato.

Tratamento metodológico

O programa de leitura proposto por nós é aplicável à 5ª e à 6ª séries do ensino fundamental, em razão de suas características e condições diversas (alunos,

escolas com condições econômicas variáveis e estrutura física suficiente ou insuficiente, etc.)

Sujeitos:

As classes de alunos escolhidas para aplicação deste programa (ou qualquer outra classe de uma escola qualquer) deverão ser compostas de crianças com a idade

que possa variar de 10 a 14 anos, desde o nível social baixo até as crianças com poder aquisitivo estável e/ou alto.

Material:

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O material utilizado para compor o programa de leitura é composto pelo livro “No vale da pedra grande” de Apolônio Abadio do Carmo e de textos

complementares referentes aos assuntos do livro, utilizado como objeto de trabalho, além de produção de cartazes e ilustrações presentes no livro “No vale da pedra

grande”.

Procedimentos didáticos:

a) Leitura das ilustrações do livro “No vale da pedra grande”, com o intuito de compreender a expressividade dos personagens (principalmente do personagem

principal, o Branquinho), a descrição dos personagens e dos lugares. No livro, a noção de espaço é muito bem trabalhada, juntamente com o espaço temporal. As

estações do ano: verão, inverno, outono e primavera. Na trama da história, o inverno é um período que representa o sofrimento dos pássaros, dada a falta de comida,

uma vez que os campos encontram-se todos cobertos de gelo e neblina. Neste sentido, pode-se enquadrar aqui, uma excelente atividade de sala de aula para os

alunos, ou seja, o conhecimento das estações do ano, a sua importância na natureza e para os seres pertencentes a ela. Buscar explicações para questões do tipo: Por

que os pássaros pretos estavam famintos e bravos? Porque os outros pássaros do bando não aceitavam o Branquinho? Qual era o motivo do espanto dos pássaros e o

que imaginavam? Estas são questões que o aluno, por meio do seu conhecimento de mundo, da leitura das ilustrações e do próprio texto, pode responder.

b) A leitura do texto é importante para os alunos, porque esta atividade promove a compreensão do texto, dos personagens (Que tipo de personagens? São

malvados, doces, carinhosos, bravos, amigos, feios, bonitos, inteligentes?), do enredo (desenrolar da história), clímax (ponto culminante da narrativa) e do desfecho

(final feliz, triste, cômico, trágico, etc.) e, também, do funcionamento da linguagem. No caso do livro “No vale da pedra grande”, os pássaros pretos não aceitavam

Branquinho (filho de Tina e Biló), por ele ter nascido sem pigmentação. A situação só mudou quando Branquinho realizou um grande feito. Então, ele se tornou o

guardião do bando. Aqui poderia ser abordado como tema complementar da aula a questão do preconceito de raças no Brasil.

c) Estudo da linguagem do texto escrito é importante para conhecer o estilo de texto e os recursos empregados em sua produção, vocabulário, diálogos de

personagens, etc. No livro, em questão, a história é composta de um vocabulário simples, com poucas inversões de frases, e com predominância do discurso

indireto (figura do narrador). É uma história que comporta várias temáticas, interessantes para discussão em sala de aula, como a questão da reprodução (dos

pássaros), da natureza, dos animais, e da relação social entre os pássaros pretos (Chefe do bando, o conhecedor e o experiente, os responsáveis pela alimentação,

etc.). É um livro que estabelece a noção de uma sociedade, de compartilhamento, dos problemas, das desconfianças (fidelidade de Tina), etc. Toda essas questões

são expressas de forma clara e simples. Como sugestão para complementar as atividades propostas neste programa de leitura, seria interessante que fossem

trabalhados, paralelamente a este livro infantil, outros livros que enfoquem as temáticas acima: preconceito, reprodução, a natureza, etc. Para isso, segue abaixo

alguns títulos de livros que poderiam ser usados na complementação do programa.

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� A temática da reprodução humana; livros que podem auxiliar o processo de compreensão do tema presente no livro:

CHARBEMNEAO, Paul E. Namoro e Virgindade. Ed Moderna: São Paulo, 1995.

VASCONCELOS, Naomi. Amor e Sexo na Adolescência. Ed. Moderna: São Paulo, 1995. (Coleção Polêmica)

GIKOVATI, Flávio. Namoro: Relação de amor e sexo. Ed Moderna: São Paulo, 1995.

� A temática do racismo; livros que podem ajudar e complementar a compreensão da questão do racismo na sociedade:

VALENTE, Ana L. E. S. Ser negro no Brasil Hoje. Ed. Moderna: São Paulo, 1987.

BERND, Zelá. Racismo e Antiracismo. Ed. Moderna: São Paulo, 1994.

GRUNSELL, Ângela. Racismo. Ed. Melhoramentos, 1997.

As classes seriam divididas em grupos e esses livros seriam distribuídos entre os grupos. Essa atividade poderia estar explicando algumas questões e/ou temáticas

levantadas pelo texto base.

d) Como atividades pós-leituras, este programa de leitura pretende: a reescritura da narrativa, dando-lhe um outro desfecho; produção de cartazes com o intuito

de proporcionar ao aluno o desenvolvimento de sua criatividade; leitura das ilustrações, com o objetivo de fazer com que o leitor consiga detectar as várias funções

da ilustração, como a descrição dos personagens da história, suas expressões (alegria, o espanto dos pássaros ao verem o filho branco de Tina, filha de Tinigrim),

e a função simbólica: compreensão de outras interpretações presentes no texto. No livro “No vale da pedra grande”, os personagens representados pelos pássaros

simbolizam, de certa forma, os homens e suas relações humanas.

Cronograma

Para o desenvolvimento do programa de leitura é necessário o período de 01 mês, ou aproximadamente, com três aulas semanais, com a duração de 45/50

minutos cada uma.

Considerações finais

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A importância de um programa de leitura, assim como qualquer programa de atividades, é essencial para um bom processo de ensino/aprendizagem do estudante,

no tocante a formação de um aluno, com condições perfeitas de um bom leitor, capaz de contrastar, questionar, avaliar, reconhecer aspectos que são importantes

e necessários para sua formação cultural, social e profissional.

Sendo assim, pudemos perceber que os programas de leituras abordados em salas de aula e nos livros didáticos fogem dessa nossa proposta, que é a de

proporcionar ao aluno condições de aprendizagem de forma envolvente, dinâmica e prazerosa. O que não acontece com os roteiros tradicionais de leitura, que são, na

maioria das vezes, direcionados com perguntas e “atividades” que não levam a lugar nenhum; apenas a um repeteco de informações não-sistematizadas pelos alunos,

sem sentido algum. Percebe-se, dessa maneira, a deficiência dos livros didáticos, que não adotam uma postura mais humana e mais próxima da realidade do aluno

com relação ao projeto de leitura.

Dessa forma, quando o professor entra em uma sala de aula equipado com um programa de leitura, como o proposto por nós, tem melhores condições de

alcançar os seus objetivos, de ensinar o que fora previsto por ele, além de possibilitar plenas condições de avaliar e observar mais de perto o retorno e a aceitabilidade

dos alunos para com as atividades propostas.

Um plano de atividades bem organizado e condizente com a clientela é de extrema importância para que o professor tenha condições de trabalhar em sala de

aula, verificando as condições de seus alunos, os seus avanços e progressos. Em outros termos, o programa de leitura permite ao professor selecionar um texto e,

assim, organizar as leituras e as atividades propostas para o texto, bem como o controle sobre as atividades produzidas pelo aluno.

Bibliografia

BREVES FILHO. Um programa de leitura, 1996. (mimeo).

CARMO, A. A. No vale da pedra grande. Uberlândia: Imprensa Universitária/ UFU, s.d.

GALVÃO, A. M. O. & GOMES BATISTA, A. A. Um pouco de história da leitura na escola primária. In: Cadernos da TV Escola, Brasília, 1999.

KRAMER, Sonia. Leitura e Escrita como experiência - seu papel a formação de sujeitos sociais. In: Presença Pedagógica, v. 06, nº 31, 2000.

LIBÂNEO, J. Carlos. Tendências pedagógicas na prática escolar. ANDE, nº 06, Ano 03, 1983.

OLIVEIRA, B. A. A Prática Social Global como Ponto de Partida e de Chegada da Prática Educativa. In: Socialização do saber escolar. São Paulo: Cortez: Outros

Associados, 1988.

SOLIGO, Rosaura. Por trás do que se faz. In: Cadernos da TV Escola, Brasília, 1999.

______. Para ensinar a ler. In: Cadernos da TV Escola, Brasília, 1999.

12. Bibliografia consultada e recomendada

CITELLI, A. Odair. Narrativas e narradores. In: Cadernos da TV Escola, Brasília, 1999.

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______. Componentes da narrativa: a personagem. In: Cadernos da TV Escola, Brasília, 1999.

NASCIMENTO, C. R. & SOLIGO, R. Leituras e Leitores. In: Cadernos da TV Escola, Brasília, 1999.

GERMANO, O. G. O mundo fascinante dos Livros: Biblioteca de Classe. In: Salto para o Futuro: Ensino Fundamental/Secretaria de Educação à Distância. Brasília:

Ministério da Educação, SEED, 1999.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA (UFRO)

CENTRO DE HERMENÊUTICA DO PRESENTE

PRIMEIRA VERSÃO ANO IV, Nº198 NOVEMBRO - PORTO VELHO, 2005

Volume XIV Setembro/Outubro

ISSN 1517-5421

EDITOR

NILSON SANTOS

CONSELHO EDITORIAL

ALBERTO LINS CALDAS - História ARNEIDE CEMIN - Antropologia FABÍOLA LINS CALDAS - História

JOSÉ JANUÁRIO DO AMARAL - Geografia MIGUEL NENEVÉ - Letras

VALDEMIR MIOTELLO - Filosofia

Os textos no mínimo 3 laudas, tamanho de folha A4, fonte Times New Roman 11, espaço 1.5, formatados em “Word for

Windows” deverão ser encaminhados para e-mail:

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CAIXA POSTAL 775 CEP: 78.900-970 PORTO VELHO-RO

TIRAGEM 150 EXEMPLARES

EDITORA UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA

ISSN 1517-5421 lathé biosa 198

O LÚDICO E SUAS RELAÇÕES INTERDISCIPLINARES COM A LEITURA E ESCRITA: RESULTADOS DE UMA PESQUISA

Queite Fernandes

Célio José Borges

PRIMEIRA VERSÃO

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O LÚDICO E SUAS RELAÇÕES INTERDISCIPLINARES COM A LEITURA E ESCRITA: RESULTADOS DE UMA PESQUISA

Professor MS. Célio José Borges – OrientadorProfessor do Departamento de Educação Física - UNIR Queite Fernandes – Bolsita PIBIC/CNPq Aluna do curso de Pedagogia - UNIR

O texto aqui apresentado toma por base o relatório e os resultados da pesquisa realizada pela então bolsista, Queite Fernandes, aluna do curso de Pedagogia,

dentro do programa de iniciação científica do PIBIC/CNPq/UNIR, tendo como Objeto de Pesquisa, “O Lúdico e o Brincar como espaço dialógico e constituidor da

Linguagem”, no período de 2002/2003.

Esta pesquisa teve como Objetivo Geral, “Refletir sobre a relação da Educação Física e a linguagem , em contextos lúdicos, enquanto processo interdisciplinar

mediador e propulsor das atividades de leitura e escrita”.

E como Objetivos Específicos:

Desenvolver atividades físicas em contextos lúdicos a partir da leitura de histórias;

Desenvolver produção textual oral e escrita mediada pelo lúdico e pelas atividades físicas;

Contribuir com o processo de ensino-aprendizagem da escola por meio das atividades interdisciplinares.

Em seus pressupostos teóricos, destacou-se que:

Analisadas as concepções presentes na escola – da atividade física e da linguagem – decidiu-se por intervir no processo e cooperativamente instaurar um novo

caminho de conceber a linguagem e a atividade física em que esta passa a ser compreendida como uma atividade lúdica, histórica, contextualizada, prazerosa e

aquela, como prática social e dialógica, porque eminentemente histórica, constituída nas relações sociais estabelecidas nas circunstâncias vivenciadas.

Rompendo com o tradicional e resgatando a historicidade, buscamos compreender a criança – dentro de sua Cultura – dentro de um processo incessante de produção

textual em situações de interação tal qual postula Bahktin (1979) quando afirma que:

As palavras são tecidas a partir de uma multidão de fios ideológicos e servem de trama a todas as relações sociais em todos os domínios. É portanto claro que

a palavra serás sempre o indicador mais sensível de todas as transformações sociais, mesmo daquelas que apenas despontam, que ainda não tomaram forma, que

ainda não abriram caminho para sistemas ideológicos estruturados e bem formados. A palavra constitui o meio no qual se produzem lentas acumulações quantitativas

de mudanças que ainda não tiveram tempo de adquirir uma nova qualidade ideológica, que ainda não tiveram tempo de engendrar uma forma ideológica acabada. A

palavra é capaz de registrar transitórias mais íntimas, mais efêmeras das mudanças sociais.

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Mais adiante Bakhtin (1998) acrescenta a relação direta da significação histórica e dialógica da linguagem que múltipla, plúri, viva, feita na interação entre sujeitos e

palavras: “A significação não está na palavra nem na alma do falante nem na do intercultor. E é o efeito de interação locutor receptor. Só a corrente da comunicação

verbal fornece à palavra a luz de sua significação”.

Tanto Vygotsky (1987) quanto Bakhtin (1985) manifestam-se em perfeita sintonia com relação ao papel fundamental da imaginação na constituição do

conhecimento. Esses autores questionam o critério vulgar que traça uma fronteira impenetrável entre fantasia e realidade ou entre paixão e razão.

Na perspectiva do senso comum, imaginação e fantasia se fundem com o irreal, com aquilo que não se ajusta à realidade e que, portanto, carece de valor prático e de

racionalidade.

Para Vygotsky, a criação existe não apenas como origem dos acontecimentos históricos, mas também como processo onde o ser humano imagina, combina,

modifica e cria algo novo, por insignificante que essa novidade pareça ao ser comparada com as realizações dos grandes gênios.

Acrescentando-se a isso a exigência da criação coletiva, que reúne todas realizações anônimas da criação individual. Para ele, o principal elemento da atividade

criadora está nas relações sociais, pois são elas que vivificam e alimentam a constituição da arte, da ciência.

Nessa perspectiva, a linguagem, em um processo dialógico, está sempre a se constituir e mediar o movimento humano da imaginação e da fantasia. A criança vai

constituindo os discursos nos constantes diálogos que estabelece com o mundo.

Geraldi (1994) afirma que... “é na relação que estabelecemos com os outros que adquirimos as nossas contrapalavras que, por serem históricas e sociais,

sempre presentificamos as palavras de ontem nos contextos/discursivos proferidos hoje”.

Assim, estamos em um processo constante de re(construção) porque somos sujeitos constituídos por e na linguagem que está sempre a se fazer no espaço e no

tempo das relações sociais.

E a Educação Física, em uma perspectiva lúdica e contextualizada, pode abrir um espaço dialógico e mediar a interação da criança com o outro e com o

mundo, tal qual propõe Cezar (1995:61) : “Numa abordagem construtivista o conhecimento surge da atividade prática da criança e suas experiências vividas. Para isso

construir é resultado da atividade do sujeito que interage como mundo”.

O lúdico torna-se na prática escolar indispensável para o processo de letramento, principalmente fazendo esse elo com outras disciplinas, uma vez que a

leitura e a escrita deixam de ser atividades mecânicas e passam a ser algo significativo na vida da criança, a qual atribui sentido ao que lê e ao que escreve.

Huizinga (1993:07) quando fala que as grandes atividades arquetípicas da sociedade humana, desde início, são inteiramente marcadas pelo jogo. Como por exemplo,

no caso da “linguagem”, esse primeiro instrumento que o homem forjou a fim de poder comunicar ensinar e comandar.

A linguagem é que lhe permite distinguir as coisas, defini-las e constatá-las. Segundo o autor por detrás de toda expressão abstrata se oculta uma metáfora, e toda

metáfora é jogo de palavras. Assim, ao dar expressão à vida o homem cria um outro mundo, um mundo poético.

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Dessa maneira, a preocupação em estabelecer atividades físicas e lúdicas dentro do programa pedagógico reflete a possibilidade de inter-relacionar essa

atividade. Na visão de (ALMEIDA 1974:24):

O lúdico constitui uma atividade primária do ser humano. É principalmente na criança que se manifestam de maneira espontânea , aliviam a tensão interior e

permitem a reeducação do comportamento, o aumento do coeficiente de auto-confiança e suficiência, a expansão do eu, e, às vezes, a sublimação das tendências

instintivas; fazem a criança agir com firmeza; trazem grandes benefícios, não só do ponto de vista físico, mas mental e social.

Nessa perspectiva, o lúdico e as atividades físicas podem ser considerados essenciais como propulsores da linguagem no contexto da educação

escolar. Paralelamente essas atividades visam ao desenvolvimento no aspecto geral educandos, permitindo a compreensão da “linguagem” sempre relacionada às

atividades propostas.

Há um resgate dos aspectos essencialmente humanos: a alegria do brincar, o riso, a reconstrução do espaço da sala de aula que passa a assumir, de alguma

forma, o lugar da dialogia. Isso gera motivação para que criança produza seus textos e fale de coisas que fazem parte do seu mundo e de sua cultura. Sobre esse

aspecto Bakhtin, apud Kramer (1994:82), afirma que:

Poucas são as oportunidades de troca, de interação verbal, oferecidas pelos professores às crianças. Este já é um aspecto bastante conhecido: a escola lida

(com) e fala (das) “coisas da escola”. Desconsiderando o contexto sócio cultural, os fatos concretos e as situações reais de vida, ela estabelece uma fenda entre os

conhecimentos culturais vivenciados das crianças e os conhecimentos “escolares”. E, sem dúvida alguma, um trabalho que vise à articulação de ambos os

conhecimentos passa necessariamente pela linguagem, que não é um instrumento nem um produto acabado, mas é sobretudo uma ação que se faz no espaço e no

tempo das relações sociais, sendo por isso mesmo constituído de sujeito.

A METODOLOGIA E AS ATIVIDADES DESENVOLVIDAS

A pesquisa aqui apresentada utilizou em seus procedimentos metodológicos recursos, nos quais foram realizadas, em sala, atividades que contemplaram, ao

mesmo tempo, o lúdico e o dialógico a partir da seguinte estratégia:

Optamos por um trabalho conjunto, onde as atividades eram realizadas inicialmente por uma pesquisadora, acadêmica do curso de Educação Física. Brincando

com o corpo, dançando ou fazendo movimentos sincronizados, promovíamos uma interação entre a turma e o ambiente da própria sala de aula. Em seguida

narrávamos uma história que permitisse uma dinâmica com a turma.

Ao gerar um ambiente descontraído que partia do jogo ou da música cantada, propúnhamos uma produção de texto na qual as crianças tinham liberdade para

escrever de acordo com o que viram naquela brincadeira.

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Nosso objetivo era criar na sala de aula, um ambiente lúdico e descontraído, como aquele observado na hora do recreio (onde as crianças correm, pulam,

cantam, dançam, jogam peteca, pulam elástico, contam suas histórias uns para os outros), essa inter-relação, entre o conteúdo curricular e o jogo, promove nos

alunos um prazer que, não é observado no ambiente escolar com a ausência do lúdico (onde as crianças fazem tarefas mecânicas por obrigação).

Os resultados foram percebidos nas falas dos alunos, conforme destaca-se a seguir:

Aluno: - Oi tia! Hoje a senhora vai dar aula na nossa turma ?

Professora: - Vou sim!

Aluno: - Ah! professora é tão bom quando a senhora vem, porque agente brinca, conta história não é como todo dia, que agente tem que copiar um monte de tarefa.

Aluno: Professora porque você não dá aula todo dia pra gente? Ia ser muito legal, nem parece que é escola.

A mesma fala foi vislumbrada várias vezes por diferentes alunos durante o período da pesquisa.

O aluno que participa das atividades lúdicas dispõe-se do prazer de criar, de imaginar, é um aluno que esquece a briga com o colega e aceita a parceria no

jogo. A professora relata como eles normalmente são agressivos. E as vezes, a dificuldade de desenvolver um conteúdo sem que ela precise pedir silêncio, ou que

fiquem sentados, e até mesmo encaminhar o aluno para a orientação da escola.

Com proposta lúdica, os alunos ficam eufóricos, porém, sabem que é necessário organização para a brincadeira dar certo. Nesse caso, a leitura e a produção

escrita são resultados da atividade desenvolvida. O aluno traz para o seu texto a sua leitura de mundo e tem liberdade para contar a sua história e depois socializar

com o restante da turma. A resposta ao nosso objeto de pesquisa pode ser visivelmente observada nos textos.

Assim, o lúdico passou a fazer parte das atividades físicas e a linguagem passou a ser estudada dentro do intervalo instituído pelas e nas atividades físicas e

lúdicas.

O mais interessante é que o lúdico observava-se um processo: o primeiro, a palavra escrita (leitura do livro) que cria o espaço do lúdico; Em segundo, o lúdico

que desencadeia a linguagem e a atividade física; E o terceiro, a nova leitura do texto, a partir das experiências vivenciadas na atividade física/lúdico que constituídos

em um espaço dialógico, proporciona um retorno ao texto: a (re)releitura, a oralidade e a escrita do que foi vivenciado porque as crianças passam a expressar no

processo dialógico contínuo, toda a sua alegria, toda o seu sentimento de prazer, de curiosidade.

A seguir, serão destacadas algumas das atividades que foram desenvolvidas a partir de situações lúdicas promovidas pelas pesquisadoras na escola e que no

contexto do texto aqui proposto, poderão ser identificadas como categorias de linguagem que remetem à leitura e a escrita.

COMO SE CONSTRUIU A INTERAÇÃO?

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Na prática como é que se construiu a interação para se chegar na leitura e escrita? O lúdico como propulsor da linguagem permite que esta possa ser

vivenciada pelas crianças em três grandes momentos.

Resgatando uma das atividades realizadas com os alunos da 2ª série, pôde-se perceber a relação que se estabelece entre o lúdico e a linguagem construída a

partir da confecção de um brinquedo.

Foram levados para a sala da 2ª série jornais, papel celofone, fita durex e pedimos as crianças que se sentassem todas em círculo no chão da classe. Na

seqüência foram colocados todos os materiais no meio do círculo e explicado às crianças que elas iriam confeccionar uma bola.

Aluno: – Professora, essa bola serve para jogar futebol?

Professora: – Serve, se vocês prestarem atenção ela vai sair perfeita!

Aluno: – A nossa vai poder rolar?

Aluno: – Como a nossa vai rolar no chão professora, se o papel é muito leve para dar peso na bola?

Professora: – Nós vamos usar o jornal e com ele fazer uma bola pequena, depois enrolar no papel celofone e passar a fita durex! Tem papel de várias cores e vocês

poderão escolher a cor da bola.!

Professora: – Eu vou fazer uma, quero que vocês prestem bem atenção em como eu vou enrolar o papel na bolinha e passar a fita, depois cada um vai no meio do

circulo e pega o seu pedaço de papel celofone, o uma página do jornal e um pedaço de fita.

Aluno: – Quem acabar logo pode brincar!

Pensando com Borges(1999), esse tipo de atividade se identifica com a Tecnologia Alternativa, ou seja, é um modo de confecção de brinquedos que se tornam

materiais pedagógicos, confeccionados pelose com os alunos, na qual também pode se identificar a presença da linguagem corporal e oral, o que possibilita gerar na

seqüência ações de escrita e leitura.

A EXPRESSÃO ORAL

Aluno: – Tia, me dá um pedaço de fita que a minha está quase pronta!

Aluno: – Felipe, a minha bola está mais bonita que a sua e ela é maior.

Aluno: – Tia! Eu já acabei posso brincar com a Maira?

Professora: – Quem terminar pode ir para o pátio brincar com a sua bola! Saiam com calma para não derrubar os colegas.

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Aluno: – Tia, a minha bola voa alto!

Aluno: – só menino é que pode brincar de futebol com a bola?

Professora: – Não, quem falou isso para você Taiara?

Aluno: – Fabiane a sua está maior, assim ela vai mais longe!

Aluno: – Rafael, deixa eu enrolar a fita para você?

Aluno: – Rafael a sua bola ficou muito grande! Me ajude a fazer uma maior pra mim!

Nesse tipo de atividade lúdica, além do envolvimento do aluno, identifica-se a constituição de sujeito no processo, pois a criança, como aluno, tem a

oportunidade de se expressar de varias formas, construindo idéias e formas, vindas dele, num momento de criação próprio.

No momento da confecção do brinquedo, foi possível perceber que a socialização e a integração das crianças acontecia por meio de uma relação que se

estabelece entre a criança e o brinquedo, entre criança e professor e criança/criança, constituída pela atividade lúdica.

O espaço da sala de aula passou a ser marcado por várias vozes que vivenciam experiências: é o construir, o interagir e o socializar. As crianças perceberam a

importância do ouvir para poderem então entender o processo de confecção do brinquedo, depois, aprenderem a relacionar-se com o outro que também participa da

atividade, dividindo os materiais, ajudando na confecção da bola, sugerindo idéias, imaginando outras possibilidades, ou seja, ocorre uma verdadeira interação de

idéias e ações.

Ao mesmo tempo, percebeu-se como esteve presente o falar, nas trocas de informações entre eles e deles com as professoras.

No pátio da escola, brincando de diversas maneiras com a bola, as crianças desenvolvem a expressão corporal. É no envolver-se com o brincar que percebemos os

vários sentimentos vivenciados a partir de uma interação com o brinquedo, a brincadeira e o outro.

O brilho dos olhos, a alegria, os sorrisos, os gestos de incentivos, os gritos, confirmaram, a partir da expressão facial e corporal, o contentamento e o prazer

despertados na criança a partir do brincar, ora arremessando a bola para um colega pegar, ora atirando-a para o ar e depois aparando com uma das mãos, ou, ainda,

jogando para o alto, os movimentos dos membros superiores e inferiores trabalham, ainda no plano da expressão corporal e mecânico, porém possibilitando às

crianças a atividade física, lúdica e conceitual, bem como os aspetos da linguagem.

2) A PRODUÇÃO ESCRITA

Percebe-se que a escrita é significativa porque nasceu de um processo vivencial, em que houve interação criança/criança, criança/professor e

criança/brinquedo, mediada pela atividade lúdica.

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75

Essa prática dialógica acaba por resultar em um texto múltiplo, com as vozes das crianças, com suas experiências e permitindo uma produção espontânea que

retrata a relação da criança com a linguagem e com o objeto.

A minha bola e sapeca

Eu fiz a minha bola com jornal fita durex verde e papel celefône eu brinquei com minha colega joana e gostei de brincar a bola não é só de menino é de

menina também a professora me ajudou a fazer a bola foi muito legau fazer é brincar com ela brincar com a bola de papel é divertido, boa idéia vista bola

Observa-se que no texto, produzido por Letícia, aluna da 2ª série, o relato de experiência se faz presente, é o sujeito que conta a sua história com um sentido

significativo: “é multo legal fazer e brincar com ela”. “É divertido, boa idéia. Viva bola”, que proporciona a recriação do cotidiano. Ela faz a bola, brinca com a bola e

recria um novo sentido para esse brinquedo.

O fato de interagir com o objeto da brincadeira e envolver-se com um outro (a amiga) no brincar, ela descobre que a bola não é só de menino é de menina

também, é nesse momento que o lúdico e a brincadeira cumprem o papel de interpretar o mundo, recriando novos conceitos e promovendo o despertar de uma

consciência crítica.

As representações feitas por meio dos desenhos também confirmam a relação da criança com o brinquedo e a escola. A escola torna-se mais bonita, maior,

mais alegre, cheia de vida.

O brinquedo, símbolo da fantasia, da alegria, do amor, passa a fazer parte do universo escolar, permitindo à criança o espaço para o sonho e para a

imaginação, nesse espaço, confirmando a interpretação do mundo e as relações vivenciadas pelas crianças com os objetos desse mundo e com as pessoas.

A CONTAÇÃO DE HISTÓRIA COMO PROPULSORA DA LINGUAGEM

1o. Momento - “O SACO”

Chegamos à sala com ar de mistério, usando chapéu de fada e vara de condão com estrela na ponta. Carregavamos um saco grande e preto quase todo cheio.

Iniciamos lendo e contando a história: “O saco”. As carteiras da sala estavam dispostas em semicírculo e todos os alunos sentados escutavam atentamente. A cada

página nós mostrávamos as figuras para que eles melhor entendessem o enredo e ficassem atentos. Ao término da história pedimos para que a professora sorteasse

seis alunos, que iriam participar de um jogo de adivinhação.

A brincadeira tinha uma certa cerimônia: A criança sem olhar o que tinha dentro do saco, segurava a varinha e repetia as palavras mágicas (salabim...! salabam...!!),

então ela podia pegar qualquer objeto do saco.

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1) A EXPRESSÃO ORAL

Aluno: -professora o que tem ai dentro?

Aluno: -eu não tenho medo de colocar a mão ai tia!

Aluno: -eu também quero ir tia.

Aluno: -nossa é um robô!

Aluno: -olha esse boneco passa no desenho ele é o Tazmania.

Professora: -quem sabe tocar flauta?

Aluno: -eu sei tocar uma música professora foi a minha irmã quem me ensinou.

Aluno: -eu também sei tocar Carlos, eu te ensino um monte de música.

A curiosidade era tanto, que eles ficavam em silêncio na hora que um deles tirava o objeto do saco e logo após vinham os comentários da turma sobre cada

brinquedo.

Foi possível observar que a brincadeira é fundamental na vida das crianças, é através dela que a criança cria seu mundo, desperta a vontade, adquire

consciência e sai em busca do outro pela necessidade que tem de companheiros.

No saco colocamos vários brinquedos: Um painel em que uma menina fazia aniversário; outro sobre motivos do mar, um robô, uma girafa, uma flauta, tubo de

lata na qual saia o Taz mania e um gênio com tapete mágico.

Muitos não se conformavam em apenas olhar, queriam pegar e ver de perto,

Aluno: -sai da frente Gabriel, que eu quero ver a mágica!

Aluno: -professora esse gênio é da história do Alladim, eu já assisti esse filme!

Professora: -É esse mesmo, só que esse aqui é de brinquedo não faz nenhuma mágica

nem sabe voar.

Aluno: - tia, meu pai sabe fazer mágica com moeda!

Ao final da brincadeira, pedimos para que cada um escolhesse um daqueles brinquedos e contasse uma história de acordo com a sua imaginação. Nesse

momento, alguns pediram para desenhar, outros queriam falar sobre vários ao mesmo tempo, tal foi o entusiasmo das crianças. O espaço promovido despertou nos

alunos algo que já faz parte da sua própria natureza: a imaginação.

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A criança que brinca, espontaneamente se mostra, fala de sua cultura da sua história. Ela revela aos colegas, situações vividas em sua casa; que para ela são

importantíssimas; o aluno fala que seu pai sabe fazer uma mágica. São vozes recheadas de sentimentos e significados.

A PRODUÇÃO ESCRITA

Era uma vez

era uma vez

uma fada

que vivia na cozinha

Pegava fermento

Uma colher de vento

Um pouco de açúcar

Três batidas na porta

E icataplam

Surgia uma torta.

As palavras Paulo Freire(1994), explicam a produção acima, onde fala que os textos, as palavras e letras, transcendem seu próprio limite, ou seja, a “leitura de

mundo” vislumbrada pelo contexto precede a “leitura da palavra” pura e simples. Nessa concepção o indivíduo se percebe como sujeito ativo na inter-relação leitura-

escrita. É, portanto, segundo o autor, a partir da leitura de mundo que as situações e emoções são revividas, recriadas e transferidas ao texto sem perder de vista os

detalhes pertinentes ao contexto da história.

A criatividade do aluno se transfere para o texto, possivelmente revela uma fada que é muito conhecida, talvez essa aluna esteja falando da sua própria mãe, pois é

quem vai para a cozinha fazer mágica (muitas vezes com tão pouco) com os alimentos. Paulo Freire(1994) mostra ainda, que é mais fácil falar daquilo que lhe é

familiar, das situações as quais fazem parte do seu contexto.

2o. Momento - A BRINCADEIRA DOS INSETOS

Bahktin(1979) afirma que ... “não são palavras que pronunciamos, mas mentiras ou verdades, tristezas ou alegrias”.

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Continuando o diálogo com as crianças por meio de histórias e atividades físicas, foram lidas várias narrativas entre elas Q BARATO de Guto Lins. A história foi

contada em círculo. Todos ouviram atentamente. Os personagens eram insetos: pulga, mosca, traça, formiga, abelha, carrapato, pernilongo, e o mosquito.

1) A EXPRESSÃO ORAL

As crianças diziam:

Aluno: - Tia lá em casa tem uma.

Aluno: - Eu já vi traça, ela come a ropa!

Aluno: - Tia, a barata é suja.

Aluno: - Sim. A abelha não é má. Eu gosto de mel.

Aluno: - E a mosca?

Aluno: - Tia, a mosca é suja tamém. Não pode dexa alimento sem tampa.

Logo depois, eles começaram a imitar os bichos. Uns corriam como as formigas. Os outros batiam as asas como as abelhas e esticavam os braços. Todos

fizeram inúmeros exercícios. Em seguida, passaram a imitar o som dos animais: o zumbido da abelha, o barulho das formigas, o zumbido da mosca.

Nessa atividade, do ponto de vista lúdico e da atividade física, foi possível verificar a presença das linguagens corporal e oral, bem como o esquema e a expressão

corporal de cada participante.

2) A PRODUÇÃO ESCRITA

Depois de brincarmos muito, passamos ao texto escrito, cada qual escreveria um texto falando do animal que mais acha divertido. Tivemos várias produções

textuais que analisamos a seguir:

A barata

A vive nas casas, ela tem umas antenias, aquela antenias e para quando ela ouvi um barulho A barata é um inseto, tem umas barata pequenas, tem outros insetos.

A barata dis que vai viajar de avião e mitira da barata que ela vai de caminhão.

A barata é um tipo de inseto e também outros insetos como: formiga, carrapato, mosquito, carapanã, pulga, abelha, traça, pernilongo e mosca.

A barata é marron e preto.

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Ao construir o seu texto, a criança o fez utilizando diferentes vozes, aquelas presentes em sua cultura “a barata vive nas casas, ela tem umas antenias”, o

discurso pedagógico da escola “a barata é um inseto” e, ainda, o somatório das vozes resultantes dos fios tecidos nos discursos orais “outros insetos formiga,

carapanã, carrapato” e ainda as outras vozes - a intertextualidade - ela buscou na música já conhecida, recursos que ela subverteu e recriou , instituindo a novidade

“a barata dis que vai viajar de avião é mitira da barata que ela vai de caminhão.” Estabelecendo analogia com a música folclórica da barata, que é cantada

popularmente. É o primado do intertextual sobre o textual que resulta em uma polifonia discursiva.

É certo que a criança não escreve ainda dentro da norma padrão que deve se constituir no permanente contato que ela terá com textos orais e escritos dentro

e fora da escola, mas o importante é a presença, neste texto, de um universo tecido de maneira criativa e que foge aos tradicionais modelos de cópia da cartilha.

O lúdico foi o elemento propulsor dessa intertextualidade, no espaço intervalar entre vozes e brincadeiras surge o texto, rico de cultura, história e

singularidades.

A criança está sempre pronta para criar outros sentidos para os objetos que possuem significados fixados pela cultura dominante, ultrapassando o sentido

único que as coisas novas tendem a adquirir. Sendo capaz de denunciar o novo no contexto do sempre igual, ela desmascara o fetiche das relações de produção e

consumo.

A criança conhece o mundo enquanto cria, e, ao criar o mundo, ela nos revela a verdade sempre provisória da realidade em que se encontra. Assim, ela é

capaz de resgatar uma compreensão polifônica do mundo, desenvolvendo, por meio do jogo que estabelece na relação com os outros e com as coisas, os múltiplos

sentidos que a realidade física e social pode adquirir.

RESULTADOS OBTIDOS

Essas atividades integradas: atividade física, o lúdico como elemento mediador e a linguagem, instituída nesse processo, trouxeram resultados importantes: os

alunos passaram a realizar atividades físicas com prazer, as leituras de histórias infantis passaram a ser realizadas com mais freqüência e as atividades de linguagem

também assumiram uma outra perspectiva: dialógica, porque a oralidade, a cultura e a história passaram a ser consideradas.

Assim, a escrita foi para o mural e as histórias passaram a circular em sala como um prazeroso modo de aprender. O lúdico tornou-se prática escolar

indispensável para o processo de letramento, principalmente fazendo esse elo com outras disciplinas, uma vez que a leitura e a escrita deixam de ser atividades

mecânicas e passam a ser algo significativo na vida da criança, que passa a atribuir sentido ao que lê e ao que escreve.

CONCLUINDO...

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Percebemos que mesmo com todo o esforço e todo o empenho em tão curto espaço de tempo, não é capaz de transformar, por inteiro, a postura dos

educadores, porém acreditamos ter contribuído mesmo que modestamente para uma mudança no contexto escolar.

Esta proposta poderia ser considerada ousada, pois privilegiou: o brincar, o cantar, o expressar-se, o criar, imaginar e o narrar experiências, dentro da

sala, desvinculando o ensino das atividades do livro didático; despertou nos alunos um prazer, antes não percebido. Acreditamos que o espaço para reflexão foi

propiciado, pois, todos os envolvidos perceberam os resultados positivos dessa proposta.

Embora os contra tempos aparecessem, obtivemos bons resultados, concluímos, portanto, que os fundamentos dialógicos Bakhtinianos que instauram uma

concepção dialógica de linguagem, compreendendo-a como constituída de e por sujeitos em constante interação nas relações sociais e a instituição das práticas de

atividades físicas constituídas pelo lúdico, são elementos que, juntos, podem garantir a exitosidade das expressões orais, escritas e da leitura crítica, capazes de, a um

só tempo, constituir sujeitos e histórias, mudando assim o perfil do ensino/aprendizagem em contexto em que cultura, história e linguagem podem abrir um espaço de

valorização das experiências dos alunos de classes populares.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Paulo Nunes. Dinâmica Lúdica: Técnicas e Jogos Pedagógicos. São Paulo: Loyola, 1974.

BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo. Hucitec, 1979.

CEZAR, S. L A educação física numa abordagem construtivista, 1995.

FREIRE, J. BATISTA. Educação Física de corpo inteiro: teoria e prática da Educação Física. São Paulo: Scipione, 1989

FREIRE, P. Importância do Ato de Ler. São Paulo: Cortez, 1994.

GERALDI, J. W. O texto na sala de aula. São Paulo: Ática, 1994.

HUIZINGA J. Homo Ludens. São Paulo: Perspectivas, 1993.

KRAMER, S. e LEITE, M.I. Infância: fios e desafios da pesquisa. Campinas-SP:Papirus, 1998

SILVA, E. T. Criticidade e leitura. Campinas-SP: Mercado de Letras, 1999.

SOUZA E JOBIM, S. Infância e Linguagem.Campinas-SP: Papirus, 1995.

VIGOT

SKY. L.S. Pensamento e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes. 1987

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA (UFRO)

CENTRO DE HERMENÊUTICA DO PRESENTE

PRIMEIRA VERSÃO ANO IV, Nº199 DZEMBRO - PORTO VELHO, 2005

Volume XIV Setembro/Outubro

ISSN 1517-5421

EDITOR

NILSON SANTOS

CONSELHO EDITORIAL

ALBERTO LINS CALDAS - História ARNEIDE CEMIN - Antropologia

FABÍOLA LINS CALDAS - História JOSÉ JANUÁRIO DO AMARAL - Geografia

MIGUEL NENEVÉ - Letras VALDEMIR MIOTELLO - Filosofia

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EDITORA UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA

ISSN 1517-5421 lathé biosa 199

UM POEMA TRIDIMENSIONAL: ABRACADABRA,

ABRAPALABRA

Avelino de Araújo

PRIMEIRA VERSÃO

Page 82: Volume xiv 2005

UM POEMA TRIDIMENSIONAL: ABRACADABRA, ABRAPALABRA

ARAÚJO, Avelino de (2001). Abrapalabra. Natal, RN, Pixcada, 2001, páginas sem numeração, ilustrações em cores. Capa e projeto gráfico do autor. Prefácio de Omar Khouri. Tiragem de 500 exemplares.

A leitura da poesia contemporânea nos oferece desafios a todo o momento, mercê do seu estado plurissignificativo: ora a

invenção de palavras com um tudo/nada que nos deixa estupefatos, ora o uso dos espaços em brancos da folha que nos

surpreende, ora uma imagem que encanta, ora um conjunto de signos que nos coloca um pouco perdidos na busca de um sentido.

Dentre os vários tipos de poesia existentes, a poesia visual solicita o olhar como mais uma busca de significados, e o

estabelecimento de outras relações pela junção da palavra e da imagem, antes só possível por meio da representação das palavras

e suas equações metonímicas e metafóricas.

Como apresentar aos nossos leitores um livro de poesia visual, sem ter a necessidade de transcrever o livro todo, nem

mesmo uma amostra significativa da obra?

Abrapalavra nos motivou a fazer as reflexões acima.

O título traz o universo mágico do "abracadabra" e permite leituras: "Abre a palavra, deixe sair dela a imagem" e, por meio

da evocação, o som e o movimento.

O carimbo "Observação/lembrete: livro para ser visto no mais alto volume", primeira leitura disponível para o leitor que vai da primeira à última página, aponta

a dimensão sonora do texto verbo-visual e, por meio desse recurso, sugere que o livro se torne um fato social comentado com a intensidade da sua mensagem muito

importante.

O prefácio de Omar Khouri, poeta visual e professor universitário, em seis páginas, apresenta um panorama da poesia visual antes de dizer que o Avelino é

"um poeta na era pós-verso", "um experimentador", que a "poesia de Avelino de Araújo, além da mobilização de códigos vários, traz elementos importantes: um forte

humor e uma dose importante de crítica social".

Grande parte dos poemas traz, abaixo da imagem, o título do poema entre parênteses, seguido de "©AVELINO DE ARAUJO" ou "©AA", mais o ano de criação

/ intervenção. A assinatura / intervenção do poeta marca a presença humana e o ser pensante na floresta de ícones da sociedade de massa e de consumo em que

vivemos. Marca necessária, que indica a presença do poeta que transforma, interfere, intervém, transgride a função conativa da linguagem visual que domina os

meios de comunicação de massa. E também funciona como uma desautomatização da linguagem publicitária.

Page 83: Volume xiv 2005

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A palavra e a imagem no papel são os suportes da poesia visual de Avelino. As palavras viram imagens, são as tecnologias da visualidade – folhetos

publicitários, códigos de barras, propagandas, fotos publicitárias, fotografias, recortes de jornal, etc. – que sofrem a interferência do poeta e viram poesias visuais.

O poeta dialoga com a visualidade contemporânea e sai daí uma intervenção que nos causa estranheza, que desautomatiza a leitura dessa visualidade que

procura dominar o mundo contemporâneo.

A poesia é feita com o material que as tecnologias da visualidade nos oferecem: os xeroxes que o mundo industrial oferece, as imagens dos produtos

industriais contemporâneos, os signos verbais e visuais do mundo contemporâneo são os temas do poeta, os ícones da sociedade pós-industrial fazem parte da poesia

de Avelino, as formas de objetos e interferências (tratamento de imagens) que produzem outras formas e permitem releituras metafóricas e metonímicas, o

tratamento de letras e palavras que se transformam em imagens, o uso da fotografia como forma de fixar imagens e assumir uma poesia tridimensional em duas

dimensões, os códigos de barra dos produtos industrializados, a alteração dos termos / palavras / expressões usados nos textos publicitários, o uso poético das

imagens dos documentos sociais como o curriculum vitae, o uso das fotos jornalísticas em fragmentos obtidos pela xerografia e a produção de uma poesia visual em

preto e branco e de forte carga de crítica social, o limite – o uso do limite entre as palavras de línguas diferentes, como o português e o inglês – que produz

contaminação lingüística e semântica, a colagem de fotos jornalísticas e sua ressignificação por meio da xerografia, etc.

O livro busca atingir a terceira dimensão (a terceira dimensão da realidade ficou presa no filme fotográfico e virou dimensional), sair dos seus próprios limites,

virar fotografia, painel, como disse o prefaciador ao falar da poesia visual brasileira: "Geralmente colocada em páginas de volumes – forma-livre – essa poesia aguarda

o momento de extrapolar para o cartaz (de onde, às vezes saiu, pretendendo a forma mais cômoda e durável do livro), o outdoor, o vídeo, quer estar disponível na

REDE. Indícios cromáticos raros, denunciam a sua ambição de mergulhar na cor."

"Info soneto (3D)" e "Soneto de livros de sonetos", por exemplo, passam a ser poesia visual (bidimensional) através da fotografia, pois, antes, eram dois

poemas-instalações, que remetem para outros espaços: o primeiro para o ciberespaço contido nos 14 disquetes, enquanto que o segundo nos leva para o espaço

impresso da poesia guardada nos livros. A fotografia, que apresenta "momentos isolados no tempo", como disse McLuhan, em Os meios de comunicação como

extensões do homem, se encarrega de ser a intermediária e permitir ao leitor do livro que ele aprecie a poesia-instalação que foi feita e exposta num outro tempo e

lugar.

Avelino de Araújo é autor de Antropoemas (1980), Oficina do Autor (1985), Livro de Sonetos (1994), Olho Nu (1995), Cellulose Overture (1996) e

Absurdomudo (1997), editor de revistas - Poezine (1993-1995), Scan-bau (1994- ...), Exp (1998-1998) e Limite (1999-2000) - e colaborou em publicações impressas e

eletrônicas, nacionais e internacionais, como o Light and Dust Anthology of Poetry (EUA).

Poesia Visual / Experimental é o seu sítio na web - http://www.avelinodearaujo.hpg.ig.com.br/index.htm -, que nos oferece a possibilidade de acessar outras

obras do autor em outros sites. Não é somente uma migração da poesia visual para a web, pois Avelino já está transformando os seus poemas visuais em poemas

animados e, aos poucos, incorporando a linguagem eletrônica à sua poesia visual.

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Que leitura podemos fazer da junção de signos verbais e visuais? Há equações metafóricas e metonímicas nas imagens? Elas se entrecruzam com as mesmas

equações das palavras, no conceito de Roman Jakobson?

Escolhemos as duas poesias visuais acima, uma composta de palavras unicamente e a outra contendo palavras e imagens, para comprovar a importância da

leitura de Abrapalavra.

A primeira se parece, à primeira leitura, com uma oração por meio de uma conjugação do verbo "rezar" no presente do indicativo: rezo, rezas, reza, rezamos,

rezais, rezam. O prefixo "natur" em "reza" nos evoca o motivo principal da oração: Natureza.

A poesia visual seguinte traz, ao centro, uma foto jornalística: uma pele de onça esticada, em forma de cruz, tendo ao fundo uma mata e um homem cuja

vestimenta nos lembra um guarda florestal. "I. N. R. I." e "ATROCITATEM FACCINORIS©AA1999", acima e abaixo da imagem, respectivamente, nos oferecem uma

espécie de complementação de significado: "I. N. R. I." (Jesus Nazareno Rei dos Judeus) e "ATROCITATEM FACCINORIS" (atrocidades criminosas) mostram um novo

sacrifício similar à da Crucificação de Cristo.

A partir desses significados, o poema verbal em forma de oração mais o poema visual na página seguinte expressam a nossa tristeza por duas atrocidades,

uma histórica (o assassinato de um inocente) e uma contemporânea (o extermínio dos animais selvagens em busca de lucro).

Assim o tecido de significações transitou entre as palavras e as imagens para que o leitor pudesse chegar ao entendimento da crítica social que esse conjunto

de metáforas e metonímias apresentou.

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Precisamos de muitas palavras e recursos argumentativos para analisar os dois textos, que usam apenas duas páginas, uma de seis palavras, e outra de uma

imagem mais quatro palavras.

Concluída a leitura dos dois poemas, vêm-nos à mente um pequeno texto que aparece antes da página de rosto e que enfatiza a nossa leitura (e também

pode servir aos outros poemas do livro): "OBSERVAÇÃO / LEMBRETE: LIVRO PARA SER VISTO NO MAIS ALTO VOLUME".

O livro é, pois, um abrapalavra(e/ou)imagem.

Essa análise nos leva a uma outra reflexão.

Os meios de comunicação de massa nos impingem um mundo infinito de imagens bastante elaboradas. Elas buscam vender ideologias e produtos, criando

uma espécie de ilusão no leitor-consumidor ("seu mundo será melhor se você usar esses produtos") e todas elas se mostram como sendo "artísticas", ou seja, essas

imagens contêm elementos artísticos, mas é uma linguagem com função predominantemente fática.

O poeta é um dos poucos cidadãos que reagem a esse tecnopólio e conseguem perceber que essa linguagem é enganosa, incompleta, e têm possibilidade de

intervir nela. Essa é uma atitude que caracteriza o poeta em todos os tempos: encontrar uma saída simbólica para reagir às injustiças do seu mundo.

Qual o melhor caminho para fazer uma crítica a tudo isso, sem os grandes patrocínios financeiros das indústrias e sem a sofisticada tecnologia das bem

conceituadas agências de publicidade?

Muito fácil: reproduzir essas imagens bem elaboradas e alterá-las, transgredi-las, interferir na função predominante dessas linguagens, transformá-las em

poesia, em instrumento de crítica social, política, filosófica, mostrando que o grande e maravilhoso mundo apresentado é construído sob as bases de desrespeito à

natureza e ao próprio ser humano.

Que o mundo tecnológico continue a produzir seus produtos e suas formas de comunicação, isso poucas pessoas podem evitar, mas o poeta aí está, bastante

atento, procurando meios para transformar todo esse material nocivo em mensagens poéticas.

Essa nos parece umas das principais funções sociais do poeta no mundo contemporâneo, à semelhança de outros tipos de atitude em outros períodos

históricos.

O melhor exemplo do que estamos falando é o poema visual abaixo:

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*Jorge Luis Antônio

Poeta, escritor, pesquisador e professor, e, atualmente, doutorando

em poesia eletrônica no Programa de Comunicação e Semiótica na PUC-SP

http://www.vispo.com/misc/BrazilianDigitalPoetry.htm

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA (UFRO)

CENTRO DE HERMENÊUTICA DO PRESENTE

PRIMEIRA VERSÃO ANO IV, Nº200 DZEMBRO - PORTO VELHO, 2005

Volume XIV Setembro/Outubro

ISSN 1517-5421

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NILSON SANTOS

CONSELHO EDITORIAL

ALBERTO LINS CALDAS - História ARNEIDE CEMIN - Antropologia FABÍOLA LINS CALDAS - História

JOSÉ JANUÁRIO DO AMARAL - Geografia MIGUEL NENEVÉ - Letras

VALDEMIR MIOTELLO - Filosofia

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EDITORA UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA

ISSN 1517-5421 lathé biosa 200

AS INFLUÊNCIAS DO PRAGMATISMO NO PROGRAMA DE FILOSOFIA PARA

CRIANÇAS

Dalva Ap. Garcia

PRIMEIRA VERSÃO

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AS INFLUÊNCIAS DO PRAGMATISMO NO PROGRAMA DE FILOSOFIA PARA CRIANÇAS Dalva Ap. Garcia

Percorrer as raízes de uma proposta educacional não é tarefa simples, pois implica em uma investigação sobre as influências culturais e filosóficas que

marcaram uma obra ou o conjunto de obras que a sustentam. Tratando-se de uma obra aberta que traz em seu seio a marca do diálogo, da investigação e de

conceitos que ganham significado no interior do próprio processo educacional, como no caso do Programa de Filosofia para Crianças de Matthew Lipman,

poderíamos afirmar ser este um desafio. Desafio necessário para os que pretendem entender os contornos do Programa de Filosofia para Crianças e buscar algumas

de suas raízes a fim de compreendê-lo e traçar algumas linhas que possibilitem pensar o conceito de filosofia que o sustenta .

O objetivo deste texto é, ainda que de forma sucinta, expor as influências do pragmatismo no trabalho de Matthew Lipman. É preciso deixar claro que

Lipman não recorre apenas ao pragmatismo para construir o alicerce de sua proposta filosófico-educacional. O próprio tratamento e significado que o autor dá a

filosofia enquanto elemento importante na formação humana nos conduz ao ideal grego ou mesmo ao ideário iluminista de uma razão autônoma e crítica. Todavia,

cabe-nos por hora fazer um recorte. A escolha deste recorte está fundamentada no próprio contexto filosófico e cultural que fez nascer o Programa de Filosofia para

Crianças. Com isso não queremos negar ou minimizar as demais influências teóricas de Lipman, mas tão somente fornecer alguns elementos que nos permitam

entender as relações entre filosofia, experiência e busca de significados.

A concepção de filosofia implícita no FpC tem sua origem e filiação teórica passíveis de serem encontradas nos próprios textos de Lipman. A influência de

autores como Pierce, Dewey e Mead nos coloca um problema: como traçar as linhas principais de uma concepção filosófica que surge do entrecruzamento de

diversos problemas colocados na filosofia contemporânea?

Detemo-nos, então, as principais características do pragmatismo e de suas relações com a "filosofia da educação lipmaniana".

Assim como Peirce, Dewey e Mead, Lipman concebe o pensamento envolto e imerso na ação humana. Não se trata aqui de conceber o pensar como

elemento pronto presente na natureza do homem, nem tampouco de submeter o pensar aos elementos que nos fornecem a experiência prática, considerando o

homem uma tábula rasa onde se acumulam impressões e experiências. Para combater os antigos dualismos entre racionalismo e empirismo, entre teoria e prática,

tais autores consideram que a atividade do pensar não pode ser compreendida como separada da realidade, mas que o pensar se organiza e se desenvolve na

realidade. Isso quer dizer que o pensar não está subordinado a ação, mas que faz parte do mundo em que agimos.

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Embora distintos, o pensar e o agir estão mutuamente relacionados nas suas próprias definições, o que em outras palavras significa dizer que o pensamento

permite reorientar ou refazer a prática, quando ela se apresenta confusa ou desorganizada, devolvendo o significado da realidade ao sujeito, assim como, o retorno

à ação permite-nos melhorar ou reconstruir o pensamento, bem como mostrar seu valor ético, político ou social.

Desta forma, é fácil entender porque em Lipman a experiência filosófica com crianças transforma-se na valorização prática e vital do pensamento. A

conseqüência desta valorização do pensar vinculado ao agir é que não seria possível dentro desta concepção de filosofia entender a razão ou própria filosofia como

portadora de uma finalidade em si mesma. A filosofia teria um valor instrumental, pois ação e pensamento se originariam da necessidade, dos problemas e das

dificuldades da experiência significativa da vida e só ganharia sentido se retornasse a essa experiência.

Contra a tradição metafísica que considera o pensar como instância reguladora do agir e não necessariamente vinculado intrinsecamente à ação, para o

pragmatismo o pensar não é algo externo à ação humana, portanto deve referir-se necessariamente às conseqüências práticas e, conseqüentemente, na

reorientação do agir.

Lipman deve parte da formulação do conceito de "Comunidade de Investigação" a Charles S. Pierce.

Preocupado com a sedimentação do hábito e da crença no pensamento humano, Pierce entende ser necessário colocar em questão a forma e conteúdo das

crenças a fim de distinguir uma crença verdadeira de uma falsa. Para o autor a crença constitui uma disposição inevitável do pensamento. Seria, portanto,

necessário recorrer à dúvida para evitar o pensamento infundado. Mas, por outro lado, é preciso admitir que a dúvida constitui um estado do pensamento que

impossibilita a produção de conseqüências práticas, uma vez que a dúvida está assentada na incerteza e na indecisão. Ora, enquanto a crença representa um

estado de satisfação e, conseqüentemente, de regra de ação que dirige a conduta humana, o objetivo da dúvida não poderia estar centrado no próprio ato de

duvidar mas, pelo contrário, na investigação para poder se chegar à crença. Em outras palavras, a crença que não conduzir à ação e não satisfazer nossos desejos

deve ser substituída pela dúvida.

Mas é preciso cuidado para não entender a dúvida em Pierce como método para se alcançar idéias claras e distintas através do “diletantismo da razão”,

como o faz Descartes. Para Pierce, o pensamento quando não orientado para a ação perde-se em elocubrações abstratas que não representam nenhum benefício

para a humanidade, pois o autor entende que tanto a realidade quanto o conhecimento que possamos obter acerca da mesma estão em contínua evolução e

desenvolvimento. Isso significa admitir que o ser humano é, por definição, falível e limitado, refém do caráter provisório e frágil de sua experiência, o que poderia

desencadear, à primeira vista, um certo ceticismo quanto à possibilidade do conhecimento.

Todavia, para Pierce, para a superação desse estado e das “falsas crenças” é necessário um estado de vigilância crítica da comunidade de investigadores

em relação a si mesmos. O autocontrole e a autocorreção seriam, portanto, elementos primordiais para evitar a estagnação do processo investigativo do

pensamento. A finalidade do raciocínio é empreender descobertas através da investigação daquilo que sabemos para aquilo que ainda não sabemos. Assim sendo, o

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critério de validação do pensamento não pode ser apenas intelectual, mas também objeto de experimentação e verificação uma vez que o pensamento não pode

ser entendido como anterior ou exterior à ação e, portanto, é também preciso admitir que a atividade do pensar não pode se dar antes e nem fora da linguagem.

Para Pierce o pensamento está vinculado ao signo enquanto atividade social capaz, tanto de comunicar e representar o mundo, como também de alterá-lo e recriá-

lo.

Embora não tenhamos a intenção de nos aprofundar sobre a teoria da significação de Pierce é preciso admitir a importância da mesma no conjunto de sua

obra, pois se o significado não pode se constituir sem o pensar no interior da experiência, é necessário a referência prática dos conteúdos da experiência, ou seja, é

preciso admitir a capacidade da experiência em combater a obscuridade de nossas idéias. Contra o racionalismo cartesiano, o pragmatismo de Pierce propõe não a

destruição total da crença, mas seu estabelecimento, pois é na fixação da crença que o pensamento encontra sua razão de ser. Torna-se, portanto, necessário

interpretar e compreender os conteúdos do nosso pensamento em relação aquilo que estamos habilitados a fazer. Neste caso a lógica é entendida como aplicação

dos princípios racionais deliberados em nosso fazer.

Lipman deve a Pierce sua concepção de processo de investigação do pensamento e as relações entre o pensamento e ação: o agir encontra seu sentido a

partir da atividade do pensamento. Tanto para Pierce como para Lipman a “comunidade de investigação” pretende estabelecer critérios de validação desenvolvidos

no interior da experiência inter-subjetiva da investigação e orientados por princípios e procedimentos sujeitos à recriação permanente. Todavia, a comunidade de

pesquisadores de Pierce é de natureza científica uma vez que o pragmatismo de Pierce pretende, de certa forma, reapresentar o mundo da experiência à reflexão

filosófica.

Se é possível buscar em Pierce alguns dos fundamentos do Programa de Filosofia para Crianças de Lipman, poderíamos afirmar que a concepção e a

natureza do PfC encontram nas teses de Dewey uma vasta possibilidade de fundamentação teórica.

Para Dewey o ser humano traz consigo a necessidade e a capacidade de aprender, o que significa entender que a prática educativa é processo contínuo de

recriação da experiência humana vivida que, por sua vez, enquanto reconstrução necessita de continuidade. A próprio princípio de continuidade da vida humana

revela uma relação intrínseca entre o individual, o social e o educacional.

Considerando a vida como mudança, processo de transformação permanente, Dewey entende a sociedade como uma organização democrática de relações

que tem na educação o caminho para realização de um projeto político-social inscrito no próprio processo de evolução da vida humana, pois “conceber

democraticamente a sociedade não significa dizer que a democracia estaria assegurada por alguma forma de governo”, mas significa entender a democracia, assim

como a vida, um contínuo processo de mudança.

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Em Dewey educar é ensinar a pensar e, por sua vez, ensinar a pensar é ensinar a investigar. Aprender a pensar implica no domínio do procedimento lógico

do pensamento e um método de investigação e resolução de problemas de forma cooperativa. Sendo assim, educar o pensamento para a reflexão implica garantir a

liberdade de expressão, a diferença de idéias, aceitar o perspectivismo - atitudes somente compatíveis com a democracia.

Pretendendo superar os dualismos herdados da tradição filosófica, Dewey tem no conceito de experiência o princípio e o fim da filosofia, o que significa

dizer que os fins da ação humana não estão desvinculados da experiência, assim como há uma íntima relação entre o pensar e o fazer, o conhecimento e ação.

Desta forma, o conhecimento não pode ser entendido como resultado da transmissão de conceitos ou informações, mas da participação reconstrutiva do

pensamento sobre os dados da experiência. A tarefa da educação seria, não somente, a de aperfeiçoar o humano, mas de recriar permamentemente os meios de

sua educação a fim de tornar o indivíduo autônomo, capaz de aprender por si mesmo ou de aprender a aprender. Neste contexto, o pensamento produtivo seria

aquele que, ao ser capaz de recriar-se, recria as condições de racionalidade da vida em sociedade. O pensar para Dewey é uma potencialidade humana que pode

ser desenvolvida quando encorajada pelo próprio ambiente educacional. O ato de pensar implica na capacidade de resolver problemas, transformar uma situação de

indefinição, confusa, conflitiva, desordenada em uma situação de equilíbrio, ou seja, ser capaz de estabelecer relações entre o que fazemos e suas consequências.

Para Lipman, possibilitar às crianças o acesso à filosofia é uma tentativa de reconstrução da democracia, pois ensinar as crianças a pensar filosoficamente é

um caminho necessário para a formação da cidadania pautada no ideal da razoabilidade. O modelo democrático de Dewey é fonte de inspiração na elaboração da

metodologia do Programa de Filosofia para Crianças. Na participação coletiva e questionadora que os sujeitos envolvidos em uma investigação filosófica coordenam

seus esforços de compreensão racional e da ação moral; o diálogo torna-se força motriz do pensamento investigativo e instância deliberativa.

Por outro lado, é preciso considerar que, diferentemente de Dewey preocupado em resgatar a importância da investigação científica na ação pedagógica,

Lipman faz da própria filosofia o modelo e a fonte privilegiada da ação pedagógica. Se não podemos afirmar que Lipman acaba por superar um certo “cientificismo”

presente no pragmatismo clássico, podemos afirmar que coube ao criador do PfC buscar devolver à filosofia o papel que lhe foi usurpado pelo desenvolvimento das

ciências e da racionalidade técnica na tarefa educativa.

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SUGESTÃO DE LEITURA

UM OLHAR PARA O LETRAMENTO

NAIR GURGEL TANIA PARMIGIANI (orgs)

EDUFRO RESUMO: Realizamos durante séculos a pedagogia do silêncio. O conhecimento como verdade absoluta. A prescrição à norma. O silêncio da ausência da vida na escola não é um silêncio da ausência absoluta de palavras, mas o silêncio da ordem da reprodução: um dado discurso imposto é dito, quando, na verdade, o sujeito deveria dizer a sua palavra. SUMÁRIO: Do científico ao pedagógico; O professor de língua portuguesa e suas relações com a leitura; Filosofia para crianças; O professor de 3 e 4 séries do ensino fundamental como mediador entre o aluno e a leitura; manejo de quadrados na adição e na subtração de números naturais; Educação física e sala de aula; Fundamentos sócio e psicolingüísticos que norteiam o processo de aprendizagem da lecto-escrita; A biologização/naturalização de problemas sociais e a queixa escolar; O Proler integrado à pesquisa na Amazônia; Avaliação do perfil psicomotor de escolares de 7 a 10 anos. Áreas de interesse: Filosofia, Letras, Semiótica. Palavras-chave: semiótica, análise do discurso, ensino fundamental