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Brasília Volume 17 Número 111 Fev./Maio 2015

111

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Presidenta da República

Dilma Vana Rousseff

Ministro–Chefe da Casa Civil da Presidência da República

Aloizio Mercadante Oliva

Subchefe para Assuntos Jurídicos da Casa Civil e

Presidente do Centro de Estudos Jurídicos da Presidência

Ivo da Motta Azevedo Corrêa

Coordenador do Centro de Estudos Jurídicos da Presidência

Daienne Amaral Machado

Revista Jurídica da Presidência / Presidência da República

Centro de Estudos Jurídicos da Presidência – Vol. 1, n. 1, maio de 1999.

Brasília: Centro de Estudos Jurídicos da Presidência, 1999–.

Quadrimestral

Título anterior: Revista Jurídica Virtual

Mensal: 1999 a 2005; bimestral: 2005 a 2008.

ISSN (até fevereiro de 2011): 1808–2807

ISSN (a partir de março de 2011): 2236–3645

1. Direito. Brasil. Presidência da República, Centro de Estudos Jurídicos da Presidência.

CDD 341

CDU 342(81)

Centro de Estudos Jurídicos da Presidência

Praça dos Três Poderes, Palácio do Planalto

Anexo II superior – Sala 204 A

CEP 70.150–900 – Brasília/DF

Telefone: (61)3411–2937

E–mail: [email protected]

http://www.presidencia.gov.br/revistajuridica

© Centro de Estudos Jurídicos da Presidência – 2015

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É uma publicação quadrimestral do Centro de Estudos Jurídicos da Presidência voltada à divul-

gação de artigos científicos inéditos, resultantes de pesquisas e estudos independentes sobre

a atuação do Poder Público em todas as áreas do Direito, com o objetivo de fornecer subsídios

para reflexões sobre a legislação nacional e as políticas públicas desenvolvidas na esfera federal.

Equipe Técnica

Conselho Editorial

Claudia Lima Marques

Claudia Rosane Roesler

Fredie Souza Didier Junior

Gilmar Ferreira Mendes

João Maurício Leitão Adeodato

Joaquim Shiraishi Neto

José Claudio Monteiro de Brito Filho

Luis Roberto Barroso

Maira Rocha Machado

Misabel de Abreu Machado Derzi

Vera Karam Chueiri

Apropriate articles are abstracted/indexed in:

BBD – Bibliografia Brasileira de Direito

LATINDEX – Sistema Regional de Información

en Linea para Revistas Científicas de América

Latina, el Caribe, España y Portugal

ULRICH’S WEB – Global Serials Directory

Revista Jurídica da Presidência

Coordenação de Editoração

Daienne Amaral Machado

Renata Cristina do Nascimento Antão

Gestão de Artigos

Mariana Figueiredo Cordeiro da Silva

Projeto Gráfico e Capa

Bárbara Gomes de Lima Moreira

Diagramação

Bárbara Gomes de Lima Moreira

Revisão Geral

Daienne Amaral Machado

Mariana Figueiredo Cordeiro da Silva

Renata Cristina do Nascimento Antão

Revisão de Idiomas

Daienne Amaral Machado

Mariana Figueiredo Cordeiro da Silva

Fotografia da Capa

Treliça em Madeira e Ferro Pintado

Athos Bulcão, 1967

Sala dos Tratados, Palácio do Itamaraty

Fotógrafo

André Villaron

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Colaboradores da Edição 111

Pareceristas

Adriano De Bortoli - Universidade de Brasília

Adrualdo de Lima Catão - Universidade Federal de Alagoas

Alexandre Coutinho Pagliarini - Universidade Tiradentes

Alexandre Freire Pimentel - Universidade Católica de Pernambuco

Alice Ribeiro de Sousa - Universidade Federal de Uberlândia

Aline Albuquerque - Centro Universitário de Brasília

Ana Gabriela Mendes Braga - Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”

Ana Luiza Pinheiro Flauzina - Centro Universitário de Brasília

Antônio Augusto Brandão de Aras - Universidade de Brasília

Antônio Carlos da Ponte - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Antônio Carlos Mendes - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Antônio Rulli Júnior - Faculdades Metropolitanas Unidas

Antonio Rulli Neto - Faculdades Metropolitanas Unidas

Brunello Stancioli - Universidade Federal de Minas Gerais

Carlos Bolonha - Universidade Federal do Rio de Janeiro

Carlos José Cordeiro - Universidade Federal de Uberlândia

Clovis Gorczevski - Universidade de Santa Cruz do Sul

Cristiano Paixão Araújo Pinto - Universidade de Brasília

Daniela de Freitas Marques - Universidade Federal de Minas Gerais

Dinorá Adelaide Musetti Grotti - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Edimur Ferreira de Faria - Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Edinilson Donisete Machado - Universidade Estadual do Norte do Paraná

Élcio Trujillo - Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”

Fabricio Macedo Motta - Universidade Federal de Goiás

Felipe Braga Albuquerque - Universidade Federal do Ceará

Fernando Andrade Fernandes - Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”

Fernando Antonio de Carvalho Dantas - Universidade Federal de Goiás

Fernando de Brito Alves - Universidade Estadual do Norte do Paraná

Guilherme Assis de Almeida - Universidade de São Paulo

Guilherme de Souza Nucci - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Guilherme Scotti - Universidade de Brasília

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Hélio Silvio Ourém Campos - Universidade Católica de Pernambuco

Hugo de Brito Machado Segundo - Universidade Federal do Ceará

Iara Menezes Lima - Universidade Federal de Minas Gerais

Ingrid Zanella Andrade Campos - Universidade Federal do Rio Grande do Norte

João Paulo Allain Teixeira - Universidade Católica de Pernambuco

Jorge Renato dos Reis - Universidade de Santa Cruz do Sul

José Soares Filho - Universidade Católica de Pernambuco

Katya Kozicki - Pontifícia Universidade Católica do Paraná

Leonardo Macedo Poli - Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Leonardo Netto Parentoni - Universidade Federal de Minas Gerais

Marcellus Polastri Lima - Universidade Federal do Espírito Santo

Marcus Alan de Melo Gomes - Universidade Federal do Pará

Margareth Vetis Zaganelli - Universidade Federal do Espírito Santo

Marília Montenegro Pessoa de Mello - Universidade Católica de Pernambuco

Marisa Helena D’Arbo Alves de Freitas - Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”

Nestor Eduardo Araruna Santiago - Universidade Federal do Ceará

Paulo Burnier da Silveira - Universidade de Brasília

Paulo Sérgio João - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Raquel Tiveron - Centro Universitário de Brasília

Ricardo Sebastián Piana - Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Rubia Carneiro Neves - Universidade Federal de Minas Gerais

Silma Mendes Berti - Universidade Federal de Minas Gerais

Teresa Celina de Arruda Alvim Wambier - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Valmir César Pozzetti - Universidade do Estado do Amazonas

Vanessa Oliveira Batista Berner - Universidade Federal do Rio de Janeiro

Verônica Teixeira Marques - Universidade Tiradentes

Yvete Flavio da Costa - Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”

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Alci Marcus Ribeiro Borges

BRASIL – Teresina/PI

Mestre em Educação pela Universidade

Federal do Piauí (UFPI). Pós-graduado em

Educação em Direitos Humanos (UFPI).

Professor na Escola Superior da Magistratura

do Estado do Piauí (ESMEPI) e no Instituto

Camillo Filho. Advogado.

E-mail: [email protected]

Alexandre Corrêa de Luca

BRASIL – Rio de Janeiro/RJ

Mestrando em Direito pela Universidade

Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Graduado em

Direito pela Universidade Estadual do Rio de

Janeiro (UERJ). Pesquisador da Escola de Direito

Autor Convidado

Carlos Libardo Bernal Pulido

AUSTRÁLIA - Sydney

Doutor em Direito (Universidad de Salamanca – Espanha) e em Filosofia (University of Florida

– Estados Unidos). Mestre em Filosofia (University of Florida) e Bacharel em Direito (Universi-

dad Externado de Colombia). Professor associado da Macquarie Law School.

E-mail: [email protected]

Co-autoria - Tradução

Graça Maria Borges de Freitas

BRASIL – Belo Horizonte/MG

Doutoranda em Direito pela Universidad Externado de Colombia em cotutela com a Univer-

sidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Mestre em Direito Constitucional pela Universidade

Federal de Minas Gerais e em Argumentação Jurídica pela Universidad de Alicante – Espanha.

Juíza do Trabalho em Minas Gerais.

E-mails: [email protected] e [email protected]

Autores

da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro

(FGV Direito Rio).

E-mail: [email protected]

Andre Martins Bogossian

BRASIL – Rio de Janeiro/RJ

LL.M. candidate na Harvard Law School.

Pesquisador Visitante na Brown University

– Estados Unidos. Mestre em Direito pela

Pontifícia Universidade Católica do Rio de

Janeiro (PUC-Rio). Graduado em Direito pela

Universidade Federal do Rio de Janeiro

(UFRJ). Pesquisador da Escola de Direito da

Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro

(FGV Direito Rio). Advogado.

E-mail: [email protected]

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vatório do Ensino de Direito da Fundação

Getúlio Vargas (Direito GV). Coordenadora

do Núcleo de Atividades Complementares

(NAC) da Faculdade de Ciências Jurídicas e

Sociais (FAJS) do Centro de Ensino Unificado

de Brasília (UniCEUB).

E-mail: [email protected]

Ricardo Hermany

BRASIL – Santa Cruz do Sul/RS

Pós-Doutor pela Universidade de Lisboa

– Portugal. Doutor em Direito pela Univer-

sidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos).

Professor Permanente do Programa de

Pós-Graduação - Mestrado e Doutorado da

Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC).

Professor da Graduação em Direito na UNISC

e na Fundação Educacional Machado de

Assis (FEMA). Advogado.

E-mail: [email protected]

Roberto Freitas Filho

BRASIL – Brasília – DF

Doutor em Direito pela Universidade de São

Paulo (USP). Membro do Comitê Científico

do Observatório do Ensino de Direito da

Fundação Getúlio Vargas (Direito GV). Coor-

denador do Curso de Direito do Centro de

Ensino Unificado de Brasília (UniCEUB).

E-mail: [email protected]

Iuri Bolesina

BRASIL – Santa Cruz do Sul/RS

Doutorando e Mestre em Direito pela

Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC).

Especialista em Direito Civil pela Faculdade

Bruna Santos Costa

BRASIL – Brasília/DF

Pesquisadora da Organização Não-Go-

vernamental Anis – Instituto de Bioética,

Direito Humanos e Gênero. Bacharel em

Direito pela Universidade de Brasília (UnB).

Advogada.

E-mail: [email protected]

Caroline Bastos de Paiva Borges

BRASIL – Teresina/PI

Mestre em Direitos Humanos, Cidadania e

Políticas Públicas pela Universidade Federal

da Paraíba (UFPB). Pós-graduada em Direito

Público e em Direito Privado pela Universi-

dade Federal do Piauí (UFPI) e pela Escola

Superior da Magistratura do Estado do Piauí

(ESMEPI). Professora na Faculdade Mauricio

de Nassau (UNINASSAU/PI). Advogada.

E-mail: [email protected]

Ernesto Roessing Neto

BÉLGICA - Bruxelas

Bolsista de Doutorado Pleno CNPq na Vrije

Universiteit Brussel – Bélgica. Mestre em

Direito pela Universidade Federal de Santa

Catarina (UFSC). Professor Assistente da Uni-

versidade do Estado do Amazonas (UEA).

E-mails: [email protected] e

[email protected]

Luciana Barbosa Musse

BRASIL – Brasília/DF

Doutora em Direito pela Pontifícia Uni-

versidade Católica de São Paulo (PUC/SP).

Membro do Comitê Científico do Obser-

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Meridional (IMED). Integrante do Grupo de

Pesquisa “Intersecções jurídicas entre o pú-

blico e o privado”, coordenado pelo Pós-Dr.

Jorge Renato dos Reis, vinculado ao CNPq.

E-mail: [email protected]

Taluana Wenceslau Rocha

ARGENTINA – Buenos Aires

Mestre e Especialista em Direito Internacio-

nal dos Direitos Humanos pela Universidad

de Buenos Aires – Argentina. Bacharel em

Direito pela Universidade Federal de Goiás

(UFG).

E-mail: [email protected]

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2 Meios alternativos para a efetivação

do direito internacional:

os mecanismos de compliance em

tratados multilaterais ambientais

ERNESTO ROESSING NETO

Bolsista de Doutorado Pleno CNPq na Vrije Universiteit Brussel – Bélgica.

Mestre em Direito (UFSC). Professor Assistente (UEA).

Artigo recebido em 14/01/2015 e aprovado em 08/03/2015.

SUMÁRIO: 1 Introdução 2 Compliance e o Protocolo de Quioto 3 Responsabilidade internacio-nal do Estado, direito dos tratados e compliance 4 Por que criar procedimentos de compliance? 5 Conclusão 6 Referências.

RESUMO: Diversos tratados multilaterais ambientais estabeleceram mecanismos próprios para assegurar seu cumprimento. Tais mecanismos são comumente cha-mados de “procedimentos de compliance” e são voltados para incentivar o cumpri-mento dos tratados fazendo o uso de meios que se apresentam como não-jurídicos. Analisa-se aqui como procedimentos de compliance em tratados multilaterais am-bientais podem reforçar a observância do direito internacional do meio ambiente, adotando-se como parâmetro para análise o procedimento de compliance do Pro-tocolo de Quioto à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Cli-ma. O trabalho se desenvolve com base em pesquisa bibliográfica e documental, e recorre a análises descritiva e comparativa. O texto inicia-se com noções gerais acerca de procedimentos de compliance e uma análise descritiva do procedimento do Protocolo de Quioto; em seguida, comparam-se os procedimentos de compliance com soluções alternativas para lidar com o descumprimento do direito internacional do meio ambiente. Por fim, discute-se a complementaridade entre procedimentos de compliance e outros mecanismos.

PALAVRAS-CHAVE: Compliance Tratados multilaterais ambientais Responsabilida-de do Estado Direito internacional.

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Meios alternativos para a efetivação do direito internacional

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Alternative means of international law enforcement: compliance mechanisms in

multilateral environmental agreements

CONTENTS: 1 Introduction 2 Compliance and the Kyoto Protocol 3 International responsibility of States, law of treaties and compliance 3.1 Law of treaties and breaches of international law 3.2. The international responsibility of States 4 Why establish compliance mechanisms? 5 Conclusion 6 References.

ABSTRACT: Various multilateral environmental agreements have established mecha-nisms to ensure compliance. Such mechanisms, often called “compliance procedures”, are aimed at fostering treaty compliance by resorting to means which are held as non-legal. In light of this context, this article aims to analyze how compliance procedures in multilateral environmental treaties may reinforce compliance with international environmental law. Given the fact that the compliance procedure of the Kyoto Proto-col to the United Nations Framework Convention on Climate Change is held as one of the most sophisticated procedures, it is adopted as a parameter for the analysis. This paper is written based on bibliographical and document research, and resorts to descriptive and comparative analyses. To that end, this work initially provides an overview of compliance procedures and a descriptive analysis of its compliance pro-cedure; subsequently, compliance procedures are compared to alternative solutions to breaches of international environmental law. At the end, the complementarity be-tween compliance procedures and other mechanisms is discussed.

KEYWORDS: Compliance Multilateral environmental agreements State responsi-bility International law.

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Ernesto Roessing Neto39

Medios alternativos para hacer efectivo el derecho internacional: los mecanismos

de compliance en acuerdos multilaterales ambientales

CONTENIDO: 1 Introducción 2 Compliance y el Protocolo de Kioto 3 Responsabilidad interna-cional del Estado, derecho de los tratados y compliance 3.1 Derecho de los tratados delante de violaciones del derecho internacional 3.2 La responsabilidad internacional del Estado 4 Por qué crear mecanismos de compliance? 5 Conclusión 6 Referencias.

RESUMEN: Varios tratados multilaterales de naturaleza ambiental establecieran mecanismos propios para asegurar su cumplimiento. Dichos mecanismos, común-mente designados “procedimientos de cumplimento” o “procedimientos de complian-ce”, se direccionan hacia el fomento del cumplimiento de los tratados por medios que se presentan como “no jurídicos”. Se analiza como procedimientos de compliance en tratados multilaterales de naturaleza ambiental pueden reforzar el cumplimien-to del derecho internacional del medio ambiente y se adopta como parámetro de análisis el procedimiento de compliance del Protocolo de Kioto a la Convención de las Naciones Unidas sobre el Cambio Climático . Este estudio se desarrolla con base en investigación bibliográfica y documental, y se hace el uso de análisis descripti-vo y comparativo. Por lo tanto, se inicia con consideraciones sobre mecanismos de compliance y un análisis descriptivo de su procedimiento; posteriormente, se com-paran los procedimientos de compliance a soluciones alternativas para abordar el no cumplimiento del derecho internacional del medio ambiente. Al fin, se discute la complementariedad entre los procedimientos de compliance y otros mecanismos.

PALABRAS CLAVE: Compliance Acuerdos multilaterales ambientales Responsabi-lidad del Estado Derecho internacional.

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Meios alternativos para a efetivação do direito internacional

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1 Introdução

O direito internacional é concebido, tradicionalmente, como um ordenamento jurídico construído pelos Estados, de forma voluntária, para reger suas rela-

ções entre si, passando, especialmente a partir do século XX, a transmutar-se em algo com uma natureza supranacional, voltado para reger as relações entre Estados, Organizações Internacionais e outros atores internacionais (BRUS, 2002, p. 3–4), com reflexos para indivíduos e pessoas jurídicas de direito interno.

Ao estruturar-se o direito internacional, alguns traços de sistemas internos dos Estados fizeram-se refletir na seara internacional, tais como a responsabilização de pessoas jurídicas (no caso Estados e Organizações Internacionais) por condutas con-trárias ao ordenamento jurídico e a criação de instâncias judiciais com competência para julgar e impor responsabilidade a entes que violem o direito vigente. No entan-to, os sistemas jurídicos internos estruturam-se com base na existência do Estado como uma pessoa jurídica considerada superior e distinta dos demais membros da sociedade, com competência para elaborar e impor o direito, ao passo que o sistema jurídico internacional, apesar de algum grau de centralização em organizações como a Organização das Nações Unidas – ONU e a Organização Mundial do Comércio – OMC, não conta com uma pessoa jurídica dotada de autoridade própria para impor--se sobre os membros da sociedade de Estados.

A falta de uma autoridade central não resulta num direito internacional neces-sariamente menos efetivo que o direito interno dos Estados. Contudo, diferenças importantes existem na maneira de aplicá-lo. Por exemplo, um Estado, exceto em casos específicos1, somente pode ser levado a uma instância judicial internacional caso expresse sua anuência; ainda, de modo geral, a imposição de eventuais penali-dades depende da vontade do Estado em acatar a decisão e das atitudes e possibi-lidades de ação de outros Estados diante de casos de descumprimento de decisões.

Em relação ao Direito Internacional do Meio Ambiente existem precedentes de responsabilização internacional de Estados e da atuação de jurisdições internacio-nais, podendo-se citar, em especial, a arbitragem a que se submeteram Estados Uni-dos e Canadá, com julgamento final em 1941, para lidar com a poluição atmosférica transfronteiriça (e suas consequências) resultante da operação de uma fundição na cidade de Trail, Columbia Britânica, Canadá (WIRTH, 1996, p. 34).

1 Especificamente, é válido relembrar a sujeição dos Estados-membros da OMC ao Órgão de Solução de Controvérsias da entidade, bem como a sujeição obrigatória de países da União Europeia à Corte Europeia de Direitos Humanos.

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Ernesto Roessing Neto41

Contudo, em função de vários fatores, em especial a natureza difusa de vários problemas ambientais e a necessidade de se assegurar cooperação multilateral para com eles lidar, tem-se observado uma tendência de construção de regimes jurídi-cos internacionais compostos por tratados multilaterais e respectivos protocolos e instrumentos de soft-law2, o que tem permitido a adoção de soluções multilaterais e a aplicação e desenvolvimento negociados de padrões jurídicos internacionais (BIRNIE; BOYLE; REDGWELL, 2009, p. 84).

Em vários destes regimes, como no da Camada de Ozônio (baseado na Conven-ção de Viena para a Proteção da Camada de Ozônio) e no da Mudança Climática (baseado na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima), foram criados procedimentos de compliance3.

No caso mais específico do regime da Mudança Climática, o Protocolo de Quio-to, um tratado que regulamenta determinados aspectos da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima – UNFCCC, estabeleceu um dos procedi-mentos de compliance mais sofisticados que se tem notícia em tratados de natureza ambiental (KLABBERS, 2007, p. 999), o qual possui aspectos típicos de tribunais internacionais, porém, com incentivos e assistência para que Estados cumpram as normas constantes no Protocolo.

Tendo por base o procedimento de compliance do Protocolo de Quioto, este es-tudo busca discutir como o uso de procedimentos do tipo pode contribuir para o re-forço do cumprimento do direito internacional do meio ambiente. Para tanto, o tra-balho se desenvolve com base em pesquisa documental, notadamente instrumentos normativos internacionais, tais como tratados e decisões de órgãos de tratados e de organizações internacionais; ademais, recorre-se à pesquisa bibliográfica. A análise desenvolve-se, primeiramente, de forma descritiva, centrada nos aspectos gerais dos procedimentos de compliance¸ e posteriormente torna-se comparativa ao sopesar o uso de procedimentos do tipo frente a outras formas de se buscar o cumprimento do direito internacional do meio ambiente.

2 Entende-se, neste trabalho, soft-law como um conjunto de dispositivos, em forma escrita, que não são, propriamente, dispositivos com força legal, mas que não carecem totalmente de autoridade, tais como códigos de conduta, recomendações, diretrizes, resoluções, declarações, dentre outros. Vide: (BIRNIE, 2009, p. 34).

3 O termo compliance não possui correspondente exato em língua portuguesa. Contudo, a depender do contexto, pode ser traduzido como cumprimento ou conformidade. Em essência, trata-se da adequação de uma conduta a uma norma. Assim, sistemas de compliance seriam criados para assegurar ou incentivar que Estados cumpram com as normas contidas num regime jurídico.

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Meios alternativos para a efetivação do direito internacional

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Dessa forma, inicia-se com uma análise descritiva do procedimento do Protocolo de Quioto, sucedida por uma discussão de outras soluções providas pelo direito in-ternacional. Em seguida, passa-se a uma comparação geral entre procedimentos de compliance e outros meios de efetivação do direito internacional do meio ambiente, em especial a responsabilidade internacional do Estado e o direito dos tratados, culminando numa discussão acerca da complementaridade entre os mecanismos de compliance e o recurso à responsabilidade internacional do Estado.

2 Compliance e o Protocolo de Quioto

O estabelecimento de procedimentos de compliance tem se tornado uma prática predominante em tratados multilaterais de cunho ambiental. Klabbers cita como exemplos a criação de procedimentos do tipo nos seguintes tratados (2007, p. 998): Protocolo de Montreal sobre as Substâncias que Destroem a Camada de Ozônio; Convenção sobre Poluição Atmosférica Transfronteiriça de Longa Distância; Conven-ção relativa à Avaliação dos Impactos Ambientais num Contexto Transfronteiriço (Convenção de Espoo); Protocolo de Quioto; Convenção de Basiléia sobre o Controle de Movimentos Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e seu Depósito; Convenção sobre Acesso à Informação, Participação do Público no Processo de Tomada de De-cisão e Acesso à Justiça em Matéria de Ambiente (Convenção de Aarhus); Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança; Convenção sobre a Proteção dos Alpes. Dentre esses, o procedimento criado no âmbito do Protocolo de Quioto destaca-se como um dos mais sofisticados.

O Protocolo de Quioto à UNFCCC foi um tratado adotado em 1997 com o intuito de estabelecer ações e metas relacionadas à redução de emissão de gases de efeito estufa – GEE4. Em linhas gerais, o Protocolo de Quioto, em sua redação original, estabelecia a obrigação de se atingir, no período de 2008 a 2012, ao menos 5% de redução geral de emissões de GEE das partes constantes no seu Anexo B em rela-ção aos níveis de 1990 (UNFCCC, 1997 Art. 3.1), com metas específicas para cada Estado-parte, embora, ao final, os Estados Unidos não o tenham ratificado (restando, pois, livre do cumprimento das metas constantes no Protocolo).

O Protocolo foi emendado em 2012, por ocasião do término do período de compromissos inicial, e um novo período de compromissos foi adotado com uma

4 O Protocolo de Quioto, após a emenda de Doha (UNFCCC, 2012a, Art 1.B), lista os seguintes gases como gases de efeito estufa: dióxido de carbono (CO2), metano (CH4), óxido nitroso (N2O), hidrofluorocarbonetos (HFCs), perfluorocarbonetos (PFCs), hexafluoreto de enxofre (SF6) e trifluoreto de nitrogênio (NF3).

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meta total de redução de 18% das emissões de GEE em relação a 1990 no período de 2013 a 2020. Nessa emenda, no entanto, um menor número de partes se com-prometeu com as metas de redução5 (UNFCCC, 2012a, Art. 1.C).

Tanto na redação original como na redação com emendas é permitido o uso de mecanismos de flexibilização6 para facilitar o cumprimento das metas, dentre os quais o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo – MDL, que se destaca por permitir que pro-jetos realizados em Estados não constantes no Anexo B sejam utilizados para abater parte das metas de Estados com metas de redução. O grupo de Estados não constan-tes no Anexo B é bem heterogêneo, envolvendo desde países como Burundi e Lesoto a grandes emissores de gases de efeito estufa como Brasil, China, Índia e Indonésia, além de Cingapura e Coreia do Sul (Estados que alcançaram a condição de desenvol-vidos recentemente, sendo tratados como em desenvolvimento no Protocolo).

Em função da existência de metas quantitativas a serem atingidas por algu-mas das partes do Protocolo, bem como da participação de países sem metas com projetos de redução de emissões no âmbito do MDL, houve a preocupação de se estabelecer um procedimento de compliance como forma de assegurar que os Esta-dos cumprissem suas metas (UNFCCC, 1997, Art. 18). Ademais, manteve-se a possi-bilidade de as partes, em caso de litígio, recorrerem a meios pacíficos de solução de controvérsias, tais como negociação, arbitragem e recurso à Corte Internacional de Justiça (UNFCCC, 1992, Art. 14; 1997, Art. 19).

O procedimento de compliance do Protocolo de Quioto encontra-se previsto em seu artigo 18, o qual se limitou a determinar que as Partes do Protocolo, quando de sua primeira reunião, deveriam “aprovar procedimentos e mecanismos apropriados e efetivos para determinar e lidar com casos de descumprimento com os disposi-

5 Com a emenda, além dos Estados Unidos, também passaram a não ter de cumprir metas no Protocolo a Rússia, a Nova Zelândia, o Japão e o Canadá. Alguns países, como Bielo-Rússia, Cazaquistão, Chipre e Malta, passaram a contar com metas. No entanto, Rússia (já sem metas), Ucrânia, Cazaquistão e Bielo-Rússia mostram-se descontentes com a emenda e é incerto como se dará sua participação no regime (RUSSIAN SOCIO-ECOLOGICAL UNION, 2013). Com a emenda, as metas de redução, expressas em percentuais em relação ao ano-base, passaram a ser as seguintes: Austrália, 99,5; Áustria, 80; Bielo-Rússia, 88; Bélgica, 80; Bulgária, 88; Croácia, 80; Chipre, 80; República Tcheca, 80; Dinamarca, 80; Estônia, 80; União Europeia, 80; Finlândia, 80; França, 80; Alemanha, 80; Grécia, 80; Hungria, 80; Islândia, 80; Irlanda, 80; Itália, 80; Cazaquistão, 95; Letônia, 80; Liechtenstein, 84; Lituânia, 80; Luxemburgo, 80; Malta, 80; Mônaco, 78; Países Baixos, 80; Noruega, 84; Polônia, 80; Portugal, 80; Romênia, 80; Eslováquia, 80; Eslovênia, 80; Espanha, 80; Suécia, 80; Suíça, 84,2; Ucrânia, 76; Reino Unido, 80 (UNFCCC, 2012a, Art 1.A).

6 Os mecanismos de flexibilização são a implantação conjunta, o comércio de emissões e o mecanismo de desenvolvimento limpo. (UNFCCC, 1997 Arts. 6, 12, 17).

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tivos deste Protocolo”, o que deveria incluir uma lista indicativa de consequências (UNFCCC, 1997, Art. 18). Ainda, previsto no citado artigo está que quaisquer proce-dimentos e mecanismos estabelecidos com consequências vinculantes (no original, binding) deveriam ser adotados por meio de uma emenda ao Protocolo, fazendo uso das regras constantes em seu Artigo 20 (o que inclui a aprovação da emenda por consenso ou, na sua impossibilidade, por uma maioria de três quartos das Partes).

Com base no artigo 18, adotou-se, na COP-7, realizada, em 2001, na cidade de Marrakesh (Marrocos), a Decisão 24/CP.7, com um anexo contendo a estrutura de um procedimento de compliance para o Protocolo de Quioto, incluindo a criação de Co-mitê específico; entretanto, tendo em vista que o Protocolo de Quioto, em seu artigo 18, determina que as normas deveriam ser adotadas na primeira reunião das Par-tes do Protocolo de Quioto (conhecidas pela sigla CMP7), a Decisão somente tinha caráter recomendatório, não resultando na implantação efetiva do procedimento (UNFCCC, 2001, §2)8.

Desta forma, foi somente na primeira CMP, ocorrida em 2005, na cidade de Montreal (Canadá), em conjunto com a COP-11, que, legalmente, foi estabelecido o procedimento de compliance do Protocolo, por meio da Decisão no 27/CMP.1, cons-truída sobre a base da Decisão 24/CP.7. Estabeleceu-se um sistema construído com base em dois pilares: a facilitação e a coação. Criou-se o Comitê de Cumprimento do Protocolo de Quioto9 (em inglês, Compliance Committee) (UNFCCC, 2005, Anexo, II) composto por uma plenária, um escritório e dois ramos: o ramo facilitador (em inglês, Facilitative Branch) e o ramo executivo (em inglês, Enforcement Branch). A ple-nária reúne os membros de ambos os ramos e serve de representação do Comitê perante a Conferência das Partes.

A natureza jurídica das decisões do Comitê não é clara, tendo em vista que o artigo 18 do Protocolo de Quioto estabelece que procedimentos e mecanismos com consequências vinculantes somente podem ser adotados por meio de uma emenda ao Protocolo de Quioto, algo que não ocorreu. O problema não passou despercebido pelos negociadores quando da adoção da Decisão 27/CMP.1, fato este que ficou

7 A sigla CMP vem do termo utilizado no texto do Protocolo Conference of the Parties serving as the Meeting of the Parties to this Protocol (Conferência das Partes servindo como Reunião das Partes deste Protocolo).

8 Ressalta-se que as COPs são reuniões das Partes da UNFCCC que não são as mesmas do Protocolo (nota-se, em especial, a presença dos Estados Unidos como Parte na UNFCCC e sua ausência do Protocolo de Quioto).

9 Adota-se, aqui, a nomenclatura em português utilizada pela União Europeia em língua portuguesa.

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cristalizado na menção expressa da existência de uma proposta da Arábia Saudita para emendar o Protocolo de Quioto (UNFCCC, 2005, Preâmbulo). Wang e Wiser, ao comentarem a adoção da Decisão 24/CP.7, afirmam que as Partes não conseguiram chegar a um acordo sobre a natureza jurídica precisa do procedimento de complian-ce do Protocolo, ressaltando, no entanto, que isto significa que, se não legalmente, as partes estão ao menos politicamente atreladas às decisões e consequências ema-nadas do procedimento (2002, p. 197). A despeito de sua natureza jurídica incerta, o sistema não é desprovido de mecanismos para tornar suas decisões efetivas.

O ramo facilitador do Comitê conta com 10 membros eleitos pelas Partes do Protocolo, sendo um membro de cada agrupamento regional da ONU (Europa Oci-dental e outros; África; Ásia-Pacífico; América Latina e Caribe; Europa Oriental), um membro de um pequeno estado insular em desenvolvimento, dois membros de Partes incluídas no Anexo I (da UNFCCC) e dois membros de Partes não incluídas no Anexo I (UNFCCC, 2005, Anexo, IV.1 e IV.2). Esse ramo tem a função de prover assessoramento e facilitação para as Partes na implementação do Protocolo e pro-mover o cumprimento de suas obrigações (UNFCCC, 2005, Anexo, IV.4), o que inclui a aplicação das seguintes consequências em caso de descumprimento (UNFCCC, 2005, Anexo, XIV):

assessoria e facilitação de assistência para a Parte no que diz respeito à im-plementação do Protocolo;

facilitação de assistência técnica e financeira para a Parte, incluindo transfe-rência de tecnologia e capacitação, fazendo uso tanto dos mecanismos pre-vistos na UNFCCC como de outros; e

recomendações para a Parte.O ramo facilitador não é voltado, pois, à imposição de sanções por descumpri-

mento, focando, em verdade, no auxílio ao cumprimento, partindo do pressuposto de que o descumprimento das normas do Protocolo deu-se pela incapacidade da Parte, e não em função de um descumprimento intencional e deliberado.

O ramo executivo, por sua vez, compõe-se de forma semelhante ao ramo faci-litador, com dez membros escolhidos pelas Partes do Protocolo, seguindo a mesma distribuição geográfica (UNFCCC, 2005, Anexo, V.1-V.2). Esse ramo tem a função de verificar se uma Parte do Protocolo cumpriu suas obrigações de reduzir ou limitar emissões de gases de efeito estufa, se cumpriu com os requisitos metodológicos e de informação do Protocolo, e se possui os requisitos necessários para fazer uso dos mecanismos de flexibilização previstos nos artigos 6, 12 e 17 do Protocolo de

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Quioto (UNFCCC, 2005, Anexo, V.4). O ramo possui, ainda, o dever de determinar o ajuste de inventários de emissões em caso de discordâncias entre a Parte e a equipe de revisores (artigo 8 do Protocolo), bem como de determinar correções na contabilida-de de cotas de emissões em caso de discordância com a equipe de revisores (UNFCCC, 2005, Anexo, V.5). Dentre as consequências previstas, estão:

declaração de descumprimento; desenvolvimento de um plano para lidar com o descumprimento, incluindo a

identificação das razões para descumprimento, medidas a serem implemen-tadas para remediar o descumprimento e um cronograma de implementação das medidas;

suspensão da possibilidade de a Parte fazer uso dos mecanismos de flexibi-lização; e

dedução de parte da meta do próximo período de compromissos no valor de 1,3 vezes o montante de emissões em excesso (UNFCCC, 2005, Anexo, XV).

Como se pode constatar, o ramo executivo do Comitê de Cumprimento possui uma faculdade de impor sanções à Parte, no sentido de restrição do uso de mecanis-mos de flexibilização ou abatimento de meta em período de compromissos poste-rior. No entanto, o termo sanção não é usado no sistema, adotando-se, em vez disto, o termo consequência, possivelmente considerado mais neutro. Levando em conta que a natureza jurídica das decisões do Comitê não é clara, em função da falta de uma emenda do Protocolo de Quioto nos termos de seu artigo 18, a adoção do termo consequência, no lugar de termos como sanção ou pena, parece indicar um esforço para desjudicializar o sistema, reforçando seu caráter cooperativo e não-jurídico.

Em verdade, toda a estrutura do Comitê parece apontar para a sua desjudicializa-ção. São recebidas questões de aplicação (em inglês, questions of implementation) em vez de denúncias (ou reclamatórias ou demandas), oriundas de um painel de especia-listas responsável por avaliar, dentre outros, os dados fornecidos pelas partes acerca de emissões de GEE (UNFCCC, 1997 Art. 8, 2005 Anexo, VI). O Comitê pode também receber questões apresentadas por uma Parte acerca de sua própria conduta ou por uma Parte acerca da conduta de outra Parte (nesse caso, apresentando informações que respaldem a questão) (UNFCCC, 2005 Anexo, VI).

Ainda neste esforço de desjudicialização do procedimento de compliance do Protocolo, cabe acrescentar que se descaracteriza o Comitê como uma instância judicial: em vez de uma Corte, criou-se um Comitê, composto por membros em vez de juízes ou árbitros. A existência de um ramo facilitador dentro do próprio Comitê

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(em vez de uma instituição paralela e independente) reforça esta descaracterização. Contudo, o mecanismo possui feições típicas de uma instância judicial, de modo que, de acordo com Klabbers, parece ser, na verdade, um órgão judicial travestido de instância política (2007, p. 999).

Desta forma, cabe indagar-se acerca do valor jurídico de consequências aplica-das pelo Comitê, em especial daquelas que resultam na restrição de direitos pre-vistos no tratado: se não possuem valor jurídico, como o arcabouço institucional do regime (Secretariado, COP, Comitê) poderia impor a Estados soberanos, por exemplo, a proibição de fazer uso de mecanismos de flexibilização? Por não ser esse o obje-tivo central deste trabalho, apresenta-se essa questão sem lhe buscar uma resposta, realçando, contudo, que se trata de tema relevante para maior reflexão.

No que diz respeito ao ramo facilitador, o Comitê somente recebeu questões de implementação advindas de outra Parte, no ano de 2006, quando a África do Sul (como representante do G-77 e China10) apresentou questões relacionadas a 15 Partes do Protocolo de Quioto11 (UNFCCC, 2013b). Além dessas, debruçou-se sobre diversas questões motivadas pelos especialistas envolvendo países como Mônaco, Luxemburgo, Canadá e Itália (UNFCCC, 2013c).

No que diz respeito ao ramo executivo, foram analisadas questões de implemen-tação relacionadas a 8 Estados (Grécia, Canadá, Croácia, Bulgária, Romênia, Ucrânia, Lituânia e Eslováquia), todas oriundas do processo de revisão por painel de especia-listas (UNFCCC, 2013b). Nesses casos, somente o Canadá não sofreu consequências, pois o ramo executivo do Comitê entendeu que, no momento da decisão, as causas que deram origem à questão já haviam sido sanadas (UNFCCC, 2008a, §17–18). Nos demais casos, houve a aplicação de consequências, incluindo, salvo no caso da Eslováquia (UNFCCC, 2012e, §5), a suspensão do direito de uso dos mecanismos de flexibilização (UNFCCC, 2008b, §6; 2011, §9; 2012b, §7; 2012c, §7; 2012d, §6; 2012f, §7). Dessa forma, apesar dessa natureza jurídica incerta, o procedimento de compliance do Protocolo de Quioto tem sido utilizado como uma forma de lidar com o descumprimento do Protocolo.

Não obstante, não é possível afirmar-se com certeza que o procedimento foi

10 O G77 é composto por países em desenvolvimento e foi fundado no contexto da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento – UNCTAD em 1964. Reúne mais de 130 países e, junto à China, apresentam-se como um grupo ao tratar de determinados temas nas discussões UNFCCC. (UNFCCC, 2013a).

11 As Partes sobre as quais foram apresentadas questões foram: Alemanha, Áustria, Bulgária, Canadá, Eslovênia, França, Irlanda, Itália, Letônia, Liechtenstein, Luxemburgo, Polônia, Portugal, Rússia e Ucrânia.

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responsável diretamente pela obediência da maioria das Partes ao Protocolo, em função da dificuldade de se definir causalidade (KLABBERS, 2007, p. 1004). Ainda, é válido relembrar o comportamento do Canadá que, antevendo que chegaria ao fim do período de compromissos sem cumprir suas metas de redução de emissões, denunciou o Protocolo de Quioto em 2011, de modo a, nos termos do artigo 27 do Protocolo, desobrigar-se no final de 2012, escapando, pois, do alcance do procedi-mento de compliance (SIMON, 2011).

Para além do procedimento de compliance, ressalta-se que o Protocolo de Quio-to estabeleceu, em seu artigo 19, o uso dos meios de solução de controvérsias pre-vistos no artigo 14 da UNFCCC. Contudo, os focos são distintos: ao passo que o procedimento de compliance do Protocolo tem por objetivo incentivar o seu cum-primento, o sistema do artigo 14 da Convenção busca lidar com controvérsias que venham a existir entre as Partes; ainda, este se limita a indicar o uso dos tradicionais meios de solução de controvérsias existentes no direito internacional, tais como a negociação, a submissão à Corte Internacional de Justiça e a arbitragem (UNFCCC, 1992, Arts. 14.1 e 14.2).

Ainda, acrescenta-se que, nos termos do Artigo 14.2.b da UNFCCC, um anexo sobre arbitragem deveria ser elaborado e adotado, o que nunca ocorreu. Da mesma forma, o artigo 13 da Convenção prevê a criação de um processo de consultas multi-lateral para questões relacionadas à Convenção, o qual, apesar do estabelecimento de um grupo de trabalho para tratar do assunto, nunca foi estabelecido (WANG; WI-SER, 2002, p. 186), talvez pelo fato de sobreposição de papeis com o procedimento de compliance previsto no Protocolo de Quioto (FITZMAURICE, 2004, p. 31).

Após apresentação e discussão dos principais traços característicos do sistema de compliance do Protocolo de Quioto, passa-se agora para a comparação com as fer-ramentas existentes no direito internacional sobre a responsabilidade internacional do Estado e sobre Tratados.

3 Responsabilidade internacional do Estado, direito dos tratados e compliance

A análise do procedimento de compliance do Protocolo de Quioto permitiu com-preender, em linhas gerais, os principais traços característicos do sistema, que parece encontrar-se num meio termo entre um mecanismo de assistência e de punição. No en-tanto, quais seriam as alternativas ao uso do procedimento de compliance? A base estaria nos mecanismos tradicionais previstos pelo direito internacional, notadamente no direi-to relativo à responsabilidade internacional do Estado e no direito relativo aos tratados.

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3.1 Direito dos tratados diante de violações do direito internacional

O direito dos tratados é regulado, principalmente, pelas duas Convenções de Viena sobre o Direito dos Tratados: a primeira, de 1969, regula os tratados entre Estados; a segunda, de 1986, regula os tratados entre Estados e Organizações In-ternacionais, e entre Organizações Internacionais distintas. Os dois diplomas legais possuem coincidência quase completa de textos, com a diferença de que a segunda buscou adequar as normas para aplicação sobre as Organizações Internacionais, de modo que o restante desta seção se baseia no tratado de 1969.

A Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados – VCLT, de 1969, estabelece, em caso de descumprimento material de um tratado multilateral por uma das Partes, a possibilidade de as demais Partes, em manifestação unânime, suspenderem, no todo ou em parte, sua aplicação ou extingui-lo, com efeitos somente para a Parte violadora da norma ou com efeito para todas as Partes no tratado (VCLT, 1969, Art. 60.2.a). Também, permite a Parte especialmente afetada pela violação suspender a aplicação do tratado, em todo ou em parte, nas suas relações com a Parte violadora (VCLT, 1969, 60.2.b). Permite, ainda, que qualquer outra Parte deixe de obedecer ao tratado, no todo ou em parte, caso a violação mude radicalmente a posição das demais partes no que diz respeito ao desempenho das obrigações nele contidas.

Uma violação material é definida, como um repúdio ao tratado em desacordo com as circunstâncias estabelecidas na VCLT, ou a violação de um dispositivo essen-cial para se alcançar o objetivo ou propósito do Tratado (VCLT, 1969, Art 60.3). Pode--se inferir, por exemplo, que no caso do Protocolo de Quioto, uma violação material seria um Estado atuar de maneira contrária ao artigo 2o da UNFCCC, tendo em vista que este estabelece que o objetivo central da UNFCCC e de qualquer instrumento ju-rídico a ela relacionada é a estabilização das concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera em nível que previna uma interferência antrópica perigosa no sistema climático (UNFCCC, 1992, Art. 2o).

As Partes da UNFCCC já se manifestaram no sentido de que as emissões devem ser limitadas de maneira que se assegure um aumento da temperatura média da Terra não superior a 2 graus Celsius (UNFCCC, 2009, §1, 2010, I.4). Assim, caso uma Parte emitisse mais do que o permitido no Protocolo e deixasse de fazer uso dos mecanismos de flexibilização nele previstos para tentar atingir a meta, poder--se-ia vir a considerar que estaria perpetrando uma violação material do Protocolo. Seria este o caso, talvez, do Canadá, que emitiu além do permitido e denunciou o Protocolo para lhe escapar a aplicação? A discussão vai além do propósito deste tra-

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balho; contudo, a própria denúncia do Protocolo pelo Canadá serve para demonstrar as limitações do recurso ao artigo 60 da VCLT, pois a sanção que prevê é, justamente, a suspensão do tratado para a parte, algo desejado pelo Canadá.

Não é por menos que Wolfrum (1998, p. 56–57) questiona se o recurso ao arti-go 60 da VCLT é adequado para o caso de tratados multilaterais de cunho ambiental, tendo em vista que a lógica desses tratados não é meramente contratual, mas sim voltada para a criação de normas. Segundo o autor:

em particular, o objeto e propósito desses acordos para a proteção de com-ponentes do meio ambiente que são de relevância global requerem que o padrão de proteção, uma vez alcançado, seja mantido e mesmo reforçado, em vez de ser erodido em razão de falha em cumpri-lo. (1998, p. 57).

No caso de se optar por suspensão parcial do Tratado, ainda nos termos do artigo 60 da VCLT, seria possível vislumbrar a restrição a determinados incentivos e direitos previstos pelo Protocolo de Quioto, tais como o uso dos mecanismos de flexibilização ou o acesso a assistência técnica, mas isso já se encontra contemplado no rol de con-sequências do ramo executivo do procedimento de compliance do Protocolo de Quioto.

É válido ressaltar, por fim, que não é a violação material, em si, que enseja a suspensão de aplicação do tratado, no todo ou em parte, mas a invocação dessa vio-lação pela Parte afetada (WOLFRUM, 1998, p. 56). No caso do Protocolo de Quioto, não há registro de invocação da VCLT por uma das Partes com o intuito de suspender a aplicação do Protocolo, no todo ou parcialmente, a uma outra Parte.

Embora o artigo 60 da VCLT não se mostre adequado para tratados multilaterais de cunho ambiental como o Protocolo de Quioto, não se pode afirmar que a VCLT é ir-relevante para a área. Determinados artigos do tratado, como o artigo 26, por exemplo, podem vir a servir de base para o recurso à responsabilidade internacional do Estado.

3.2 A responsabilidade internacional do Estado

Não existe, atualmente, tratado sobre a responsabilidade internacional do Es-tado, de modo que o tema segue regulado pelo direito internacional costumeiro e pautado por decisões judiciais internacionais. Não obstante, a Comissão de Direito Internacional da ONU – CDI, elaborou uma codificação acerca da “responsabilidade internacional dos Estados por atos internacionalmente ilícitos”, em forma de artigos, para ser apreciada pela Assembleia Geral – AG da ONU e, eventualmente, sugerir-se sua transformação em tratado. A Assembleia Geral tem deliberado sobre a questão

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desde 2001, mas não chegou a uma decisão acerca da adoção de um tratado sobre o tema com base nos artigos da CDI12.

A despeito da ausência de tratado sobre a matéria, os artigos da CDI fornecem um bom parâmetro para analisar o direito acerca da responsabilidade internacional dos Estados, pois eles refletem, em sua maior parte, o direito internacional sobre a matéria, em especial o costume internacional (VERHEYEN, 2005, p. 226).

Nos termos dos artigos da CDI, um ato internacionalmente ilícito é uma ação ou omissão atribuível ao Estado segundo o direito internacional e que, ao mesmo tempo, constitua uma violação de uma obrigação internacional desse Estado, não importando que o ato seja considerado legal pelo direito interno do Estado (UN GENERAL ASSEMBLY, 2001, Anexo, Arts. 1o e 3o)13.

Uma conduta, ativa ou omissiva, para ser atribuível ao Estado, deve ser pratica-da por órgãos do Estado (em qualquer dos poderes, seja Executivo, Legislativo ou Judiciário), por pessoas ou entidades exercendo elementos de autoridade governa-mental com o aval do Estado, por pessoa ou grupo de pessoas agindo sob instruções do Estado ou, ainda, por quem exerça funções típicas de Estado na ausência das autoridades legalmente constituídas para tal (UN GENERAL ASSEMBLY, 2001, Anexo, Arts 4o, 5o, 6o, 8o, 9o). Contudo, algumas circunstâncias excluem a ilicitude do ato: consentimento prévio pelo Estado afetado pela conduta; legítima defesa em confor-midade com o estabelecido pela Carta da ONU; contramedidas adotadas por um Es-tado em resposta a um ato ilícito de outro Estado; força maior; perigo; necessidade (UN GENERAL ASSEMBLY, 2001, Anexo, Arts 20-25).

12 Em 2001, a AG da ONU tomou nota dos artigos elaborados pela CDI e inseriu o tema na agenda de discussão da sua 59a sessão (a ocorrer em 2004) (UN GENERAL ASSEMBLY, 2001, §§3–4). Em 2004, a AG pediu que governos submetessem comentários por escrito, solicitou ao Secretário-Geral que compilasse decisões de cortes internacionais e outros órgãos, e decidiu voltar ao tema na sua 62a sessão (que viria a ocorrer em 2007) (UN GENERAL ASSEMBLY, 2004, §§2–4). Em 2007, a AG, além do já solicitado em 2004, decidiu pela criação de um grupo de trabalho no Sexto Comitê da AG (responsável por discussões jurídicas) para analisar a questão de um tratado sobre responsabilidade internacional dos Estados com base nos artigos da CDI, deixando para discutir o tema, novamente, na sua 65a sessão (em 2010) (UN GENERAL ASSEMBLY, 2007, §§2–4). Em 2010, solicitaram-se mais comentários dos governos e pediu-se uma atualização da compilação realizada pelo Secretário-Geral, além de, novamente, se discutir a questão de um tratado sobre o tema num grupo de trabalho no Sexto Comitê, voltando-se a deliberar acerca do tema na 68a sessão (UN GENERAL ASSEMBLY, 2010, §§2–4) Por ocasião de sua 68a sessão, a AG repetiu os termos da resolução de 2010 e incluiu o tema para nova discussão em sua 71a sessão, em 2016 (UN GENERAL ASSEMBLY, 2013).

13 Em relação à legalidade do ato, é importante ressaltar que a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de forma semelhante, dispõe que o direito interno de um Estado não pode ser invocado como motivo para descumprimento de uma obrigação prevista em tratado (VCLT, 1969, Art. 27).

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Como consequências jurídicas do ato ilícito, há o dever de cessar a violação e o dever de reparação dos danos decorrentes do ato ilícito (UN GENERAL ASSEMBLY, 2001, Anexo, Arts 30 e 31). Como formas de reparação, segundo os artigos da CDI (2001, Anexo, Arts 34-38), estão previstas:

a restituição ao estado anterior à violação, quando esta não for material-mente impossível e não envolver um ônus desproporcional em relação à compensação;

a compensação pelos danos, na impossibilidade de restituição, abrangendo todos os danos contabilizáveis financeiramente, incluindo lucros cessantes;

a satisfação, na impossibilidade de restituição ou compensação, consistindo num reconhecimento formal da violação, numa expressão de arrependimento, um pe-dido de desculpas formal ou outra forma apropriada, não devendo, no entanto, ser desproporcional ao dano e ser humilhante para o Estado responsável; e

o pagamento de juros, em casos em que isso for aplicável.Assim como no caso da suspensão da aplicação de um Tratado, prevista no ar-

tigo 60 da VCLT, a responsabilidade não é automática, devendo ser invocada por um Estado, que está legitimado a fazê-lo no caso de ser afetado pela violação (UN GENERAL ASSEMBLY, 2001, Anexo, Art. 42) ou, caso não seja afetado pela violação, quando a obrigação for relacionada ao interesse coletivo de grupo de Estados de que faça parte ou, ainda, quando a obrigação for devida à comunidade internacional como um todo (UN GENERAL ASSEMBLY, 2001, Anexo, Art. 48).

Como forma de pressionar o Estado violador para que deixe de adotar a conduta ilícita, os artigos preveem a possibilidade de imposição de contramedidas, que de-vem ser aplicadas por um Estado afetado apenas com o intuito de induzir o cumpri-mento da obrigação violada (UN GENERAL ASSEMBLY, 2001, Anexo, Art. 49).

Dessa forma, no caso do Protocolo de Quioto, a responsabilidade internacional de uma das Partes poderia ser invocada por qualquer das demais, caso um Estado emitisse mais do que o limite que lhe tenha sido estipulado; acrescentar-se-ia a isto, ainda, como base para responsabilização, o artigo 26 da VCLT, em caso de má-fé da Parte, posto que este prevê que as obrigações previstas em um Tratado devem ser cumpridas de boa-fé. Por fim, outras bases jurídicas poderiam ser acrescentadas a depender dos eventuais danos, como por exemplo, as obrigações ambientais conti-das na Convenção da ONU sobre o Direito Marítimo (BURNS, 2006).

Não obstante, deve-se ressaltar que é necessária a atribuição da conduta ao Estado, bem como identificar um nexo causal entre a conduta e uma violação de

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uma obrigação contida no direito internacional, o que é mais complexo de se efetuar num caso como o da mudança climática, tendo em vista que, em razão da natureza difusa das causas e dos danos, as dificuldades probatórias podem vir a ser insuperá-veis (VOIGT, 2008, p. 21).

A responsabilidade internacional do Estado somente pode ser invocada, efeti-vamente, perante instituições com mandato para decidir sobre o tema, tais como a Corte Internacional de Justiça – CIJ, ou uma arbitragem ad hoc, o que envolve, ne-cessariamente, a anuência por parte do Estado a quem se busca atribuir a conduta ilícita. Desse modo, é provável que Estados viessem a relutar em submeter uma questão relacionada ao cumprimento do Protocolo de Quioto à CIJ ou a uma arbi-tragem. Indicativo disso é o fato de que a Corte Internacional de Justiça manteve, de 1993 a 2006, uma Câmara para Questões Ambientais, a qual, no entanto, jamais recebeu uma demanda de um Estado (ICJ, 2013). Restaria, assim, apenas o recurso a contramedidas pelos demais Estados.

Indicativo das dificuldades do recurso à responsabilidade internacional do Esta-do para lidar com questões ambientais é o caso da explosão nuclear de Chernobyl, em 1986. Nele, a conduta era atribuível à União Soviética, como operadora direta da usina; ainda, os danos foram identificáveis, tais como danos à produção agrícola em países como Polônia, Áustria, Itália e a então Alemanha Ocidental (MALONE, 1987, p. 208). No entanto, a despeito de ameaças de demandas contra a União Soviética, logo os potenciais demandantes se deram conta de que, apesar da responsabilidade atribuível à União Soviética, um ressarcimento e a execução de uma decisão seriam praticamente impossíveis (MALONE, 1987, p. 207).

Desta forma, percebe-se que a eficácia do recurso à responsabilidade interna-cional do Estado teria consequências limitadas. Talvez, por isso, é que Voigt afirma haver pouca evidência empírica de que a responsabilidade do Estado por dano am-biental seja considerada como um incentivo positivo para prevenir danos ambien-tais (2008, p. 3).

A eficácia limitada e as dificuldades existentes para o recurso ao direito dos tratados ou à responsabilidade internacional do Estado permitem, já, intuir algumas das razões que levaram à criação de um procedimento de compliance no Protocolo de Quioto e em outros tratados multilaterais ambientais.

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4 Por que criar procedimentos de compliance?

A ampla adoção de procedimentos de compliance em tratados multilaterais am-bientais torna interessante compreender as razões pelas quais esta tendência tem se firmado.

Em primeiro lugar, pode-se afirmar que o recurso à responsabilidade interna-cional do Estado baseia-se num bilateralismo entre partes que nem sempre se mos-tra aplicável a problemas ambientais tratados de forma multilateral em função de interesses comuns e cujas fontes são difusas, como é o caso da mudança do clima. Assim, em muitos casos, não é possível identificar-se claramente uma parte cau-sadora do dano e um nexo causal entre uma atividade determinada e um dano específico, inviabilizando uma demanda (FITZMAURICE, 2007, p. 1020; KLABBERS, 2007, p. 1001)14.

Em segundo lugar, a aplicação da solução do artigo 60 para tratados multila-terais pode mostrar-se contraproducente no caso de tratados de cunho ambiental, em função de que isto pode levar a uma solução que interessa à parte que esteja violando os termos do tratado.

O papel da política internacional em tratados multilaterais ambientais não pode ser ignorado. Neste sentido, o uso de formas que levem a um contencioso (como o caso da responsabilidade internacional do Estado) ou de dispositivos que possam gerar uma animosidade entre as Partes (como é o caso do artigo 60 da VCLT) pode afetar a cooperação entre as Partes, sendo prejudicial ao objetivo do tratado.

Desta forma, Fitzmaurice (2004, p. 25) afirma que regimes de compliance são uma forma de prover uma abordagem mais suave para os casos de descumprimento no lugar da forma litigiosa tradicional. Destarte, procedimentos de compliance, tais como o contido no Protocolo de Quioto, podem vir a ser mais aceitos por Estados, pois tendem a uma maior flexibilidade e a uma estrutura não acusatória e não con-tenciosa (KLABBERS, 2007, p. 1003).

Importante acrescentar que mecanismos de compliance contidos em tratados de natureza ambiental são, normalmente, de participação obrigatória, ao passo que, no caso da responsabilidade internacional do Estado, amiúde se depende de cortes in-ternacionais às quais as partes submetem-se somente de maneira voluntária (KLAB-BERS, 2007, p. 1001). Ademais, o descumprimento de normas contidas num tratado

14 No caso das mudanças climáticas, trata-se de um problema causado por todos os Estados, ainda que em proporções diferentes, fato reconhecido pelas próprias partes da UNFCCC ao estabelecerem no tratado o princípio da responsabilidade comum, porém diferenciada. (UNFCCC, 1992, Art. 4).

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nem sempre decorre de um ato ou omissão atribuível a um Estado, descaracterizan-do-se, pois, a responsabilidade internacional do Estado (KLABBERS, 2007, p. 1001).

Dessa forma, é possível afirmar que o recurso a procedimentos de compliance tem surgido como uma resposta às limitações do uso da responsabilidade interna-cional do Estado e dos dispositivos da VCLT nas situações tipicamente reguladas por tratados multilaterais de natureza ambiental. Ao mesmo tempo, por meio de ramos facilitadores, criam-se incentivos para que as Partes não venham a descumprir com-promissos ambientais, de modo que “ao focar na assistência para que Estados-Parte logrem cumprir com seus compromissos, em vez de se punir o descumprimento, procedimentos de compliance são estabelecidos para serem de natureza preventiva, e não corretiva” (FITZMAURICE, 2004, p. 25).

Em relação à efetivação do direito internacional do meio ambiente, cabem algu-mas considerações adicionais. Normalmente, a análise jurídica acerca da aplicação de uma determinada norma tende a ser binária, focando na ocorrência ou não do cumprimento da norma, sem considerar razões para que isto ocorra. Com base no pensamento de Mitchell (2007, p. 895), é possível, para além desta análise binária, analisar a obediência a uma norma por, ao menos, quatro ângulos: i) cumprimento induzido pela norma; ii) cumprimento coincidente; iii) descumprimento de boa-fé; e iv) descumprimento intencional.

Pode-se considerar que, no caso de descumprimento intencional, o uso de qual-quer mecanismo teria eficácia limitada, salvo em casos em que haja condições para a imposição de contramedidas. Não obstante, no caso de descumprimento de boa-fé, um procedimento de compliance focado na facilitação pode fazer a diferença em re-lação ao uso da responsabilidade internacional do Estado, tendo em vista que pode contribuir para sanar alguma circunstância que esteja levando determinado Estado ao descumprimento de um tratado.

Há, no entanto, um lado negativo, relacionado ao distanciamento de um proce-dimento de compliance “da obsessão retrógrada que advogados têm com violação e ilegalidade, declarada como tal num litígio formal, especialmente em tribunais” (KOSKENNIEMI, 2009, p. 408). Ao se optar por maior flexibilidade e distanciamento de meios judiciais, pode-se ter a impressão de que o cumprimento de um tratado está sujeito a negociações (KLABBERS, 2007, p. 1001). Ainda, ao focar em apoio aos Esta-dos, os Estados menos desenvolvidos ficam em evidência. Levando isso em conta, Klabbers, ao discutir o procedimento de compliance do Protocolo de Montreal sobre Substâncias que Destroem a Camada de Ozônio, afirma que um historiador no futu-

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ro teria duas impressões (KLABBERS, 2007, p. 996): 1) que os estados mais pobres seriam os principais responsáveis pela destruição da Camada de Ozônio; e 2) que o cumprimento seria intensamente negociável.

Comparando-se, em linhas gerais, o recurso à responsabilidade internacional do Estado ao uso de procedimentos de compliance, pode-se chegar a uma síntese das funções de cada uma. A primeira, no contexto ambiental, desempenharia duas funções (VERHEYEN, 2005, p. 232): i) apoiar normas preventivas estabelecidas em tratado ou no direito costumeiro; e ii) prover Estados que tenham sofrido danos com um direito de restauração e compensação. Por sua vez, procedimentos de compliance teriam dois papéis principais (KLABBERS, 2007, p. 1003): i) propiciar uma atitude mais proativa, identificando-se problemas antes de uma violação ocorrer, ajudando a evitar a degradação ambiental; e ii) auxiliar as partes a focarem nas causas não intencionais de descumprimento, tais como falta de recursos ou de capacidade.

Observa-se verdadeira complementaridade entre o recurso à responsabilidade internacional do Estado e o uso de procedimentos de compliance. Entretanto, as limitações ao uso da responsabilidade internacional do Estado, sejam elas jurídicas ou de outra natureza, reforçam o uso de mecanismos de compliance. Por exemplo, no caso do Protocolo de Quioto e, de forma mais abrangente, da UNFCCC, não há regis-tro de qualquer demanda entre Estados perante instâncias judiciais internacionais, embora exista notícia de que Tuvalu tenha tido a intenção de demandar os Estados Unidos e Austrália, ou de buscar um parecer da Corte Internacional de Justiça acerca da legalidade de ações destes países no quadro normativo da UNFCCC (BRIGGS, 2013; OKAMATSU, [s.d.]).

5 Conclusão

Ao se analisar o procedimento de compliance do Protocolo de Quioto, constata--se que se trata de um procedimento baseado numa abordagem de estímulos e punição, com um ramo voltado para a assistência ao cumprimento e outro voltado para a imposição de consequências, construído de forma a descaracterizá-lo como um instrumento jurídico.

Os meios tradicionais fornecidos pelo direito internacional, tais como a suspensão de aplicação do tratado com base na VCLT ou o recurso à responsabilidade interna-cional do Estado, mostram-se limitados para lidar com as complexidades inerentes a um tratado multilateral de cunho ambiental, em função, entre outros, das dificuldades de se estabelecerem nexos causais e de se determinarem danos, da necessidade de

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se assegurar cooperação para o cumprimento de obrigações em benefício de toda a comunidade de Estados, e da falta de arcabouço institucional adequado.

No entanto, procedimentos de compliance também padecem de limitações, em especial o fato de parecerem deixar o cumprimento de obrigações sujeito a negocia-ções e a tendência de focarem em Estados menos desenvolvidos, em função de seu caráter assistencial. Não obstante, ao fornecerem um ambiente menos contencioso e mais focado em cooperação, incentivo e assistência para cumprimento de obriga-ções, os procedimentos de compliance têm sido amplamente previstos em tratados de cunho ambiental.

Dessa forma, pode-se afirmar que não há um conflito entre os meios de efetiva-ção discutidos, havendo, em verdade, uma complementaridade entre eles. Em verda-de, trata-se de mais uma tentativa de se lidar com um dos problemas centrais do di-reito internacional, a falta de uma autoridade central para impor seu cumprimento.

Tendo em vista que, no sistema internacional, não existe uma autoridade central, com meios próprios, responsável pela aplicação do direito internacional, recorre-se a um conjunto variado de ações por parte de Estados e Organizações Internacio-nais para lidar com o descumprimento deste direito. Neste contexto, mecanismos de compliance, em especial por meio de seu caráter coletivo e pelo emprego de ferra-mentas de incentivo e assistência, buscam fornecer mais um leque de alternativas para se lidar com violações do direito internacional.

Em razão do caráter geral deste trabalho, entende-se que seria interessante a realização de pesquisas mais aprofundadas em alguns aspectos relacionados aos mecanismos de compliance, tais como: estudos de casos específicos com o intuito de verificar sua eficácia; relação dos mecanismos de compliance, no âmbito das relações internacionais, com dinâmicas de poder.

Por último, mas não menos importante, é importante acrescentar que o regime jurídico internacional sobre mudanças climáticas pode ter alterações substanciais após o fim do segundo período de compromissos do Protocolo de Quioto, em 2020, e a provável adoção de um acordo com uma arquitetura jurídica diferente durante a 21a Conferência das Partes da UNFCCC em Paris, em dezembro de 2015, de sorte que pode ser importante acompanhar que tipo de mecanismo surgirá com o novo acordo e que influência este pode ter na elaboração de mecanismos de compliance em outros tratados ambientais multilaterais.

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