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Volume 5 MEMÓRIA E PATRIMÔNIO CULTURAL DE CATAGUASES

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Volume 5M E M Ó R I A E P AT R I M Ô N I O C U L T U R A L

D E C ATA G U A S E S

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Apoio:

Patrocínio:

Execução:

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M E M Ó R I A E P AT R I M Ô N I O C U L T U R A L

D E C ATA G U A S E S

Vo l u m e 5

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1 ª E D I Ç Ã O – 2 0 1 4

Organização e Coordenação: Paulo Henrique Alonso

Equipe de História Oral (década de 1990):

Glaucia Siqueira, Hedileuza Maria de Oliveira Valadares, Hélvia Peres Cordeiro, João Carlos Borges Juste, José Luiz Batista, Luiz Fernando Leitão,

Maria Lucia de Miranda, Mariana Cândida Cardoso de Almeida, Mônica Machado da Silva, Rosângela Schittini Rodrigues

Pesquisadores:

Luiz Fernando Leitão (coordenação)

Adriana Fidélis Silva, Paulo Henrique Alonso, Renatta Barbosa, Rita de Cássia Mendes Cabral

Foto atual da capa: Rafael Aguiar

Produção de vídeo-relatos: Rafael Aguiar

Design: Alexis Azevedo, Birte Paetrow, Gustavo Baldez, Holger Melzow

Plataforma de rede e internet: David Azevedo, Gustavo Baldez

Comunicação: Beth Sanna

Ficha Catalográfica: Carla da Silva Ângelo

Gestão administrativo-financeira: Djalma Dutra Jr, Geisiane Marinho de Lima

Memória e patrimônio cultural de Cataguases: relatos coletadosna década de 1990 / Paulo Henrique Alonso (Coord.). – Cataguases / MG:

ICC, 2014.288 p.: il. p&b. – (Memória e patrimônio cultural de Cataguases; V)

ISBN: 978-85-65550-06-2

M533

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D E C ATA G U A S E S

Vo l u m e 5

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Através deste quinto volume do Memória e Patrimônio Cultural de Cataguases, o Instituto Cidade de Cataguases e a Fábrica do Futuro dão con-tinuidade ao registro e à divulgação da memória e história da cidade.

Este projeto iniciou-se no final da década de 1980, num amplo trabalho de preservação do patri-mônio cultural, por iniciativa da Prefeitura e pela an-tiga SPHAN/Fundação Pró-Memória, o atual IPHAN. Naquela época foram entrevistados vários persona-gens de Cataguases, partindo da ideia de que é pos-sível conhecer a história da cidade ou de uma deter-minada comunidade através do relato das histórias pessoais e do olhar dos seus próprios atores. São his-tórias que se juntam, algumas se encontram, outras se contradizem, mas ao final contribuem para enrique-cer e expor as nuances da história e da memória local. Dessa forma, publicar essas histórias pessoais é, den-tre muitos outros propósitos, contribuir para a preser-vação da memória e do patrimônio cultural da cidade.

Nos anos 2011 e 2012, o Instituto Cidade de Cataguases e a Fábrica do Futuro tiveram a oportu-

A P R E S E N TA Ç Ã O

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nidade de resgatar o projeto. Foram reeditados três livros com os relatos colhidos no final da década de 1980 e, numa parceria com as Faculdades Integradas de Cataguases, foi produzido um quarto volume com relatos inéditos. Agora, entre 2013 e 2014, dando con-tinuidade ao projeto, produzimos mais dois outros volumes. Neste 5º, resgatamos vinte relatos colhidos entre 1988 e 1992, que não foram publicados e esta-vam arquivados no Departamento de Preservação do Patrimônio Cultural da Prefeitura, aguardando essa iniciativa.

Optamos pela padronização assim como nas publicações anteriores, no entanto, não conseguimos resgatar algumas informações. Por este motivo, al-guns relatos constantes aqui não possuem dados co-mo a profissão declarada e a idade dos entrevistados, ou o nome dos entrevistadores e a data da entrevista. Cabe ainda ressaltar que a idade registrada dos entre-vistados é da época das entrevistas, entre 1988 e 1992. E, seguindo metodologia das edições anteriores, os textos privilegiam a fala própria dos entrevistados, regendo-se mais pelas regras da comunicação oral do que pelas normas da escrita.

Esta publicação está também disponível, em formato PDF, para download gratuito no sítio eletrô-nico: www.fabricadofuturo.org.br.

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A L C I N O VA L E N T I M D E S O U Z A ( N e n é m C a c h o e i r a )

21

A N T Ô N I O R O D R I G U E SOperário, 74 anos

35

M o n s e n h o r A N T Ô N I O X AV I E R R O D R I G U E S

Í N D I C E

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A PA R E C I D A M A S S E N A C O U T I N H OProfessora de música

55

C L A R I S S E R A M O SDoceira, 82 anos

63

F R A N C I S C O G R A C I O L L IConstrutor, 91 anos

71

H I L D A C O N D ÉProfessora, 79 anos

79

J A I R P I N H E I R O D A S I LVA

91

J O A N A R A I P P N O G U E I R ADona de casa, 76 anos

99

J O A Q U I M L A D E I R AOperário aposentado, 73 anos

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107

J O S É D E S O U Z A L U Q U I N I Operário aposentado, 68 anos

127

J O S É M A U R I C I O D E S O U Z A Operário aposentado, 70 anos

137

M A D A L E N A S O A R E S A B R A N C H E SPianista, 87 anos

153

M A R I A L A C E R D A W E B S T E RProfessora, 89 anos

161

M A R I A D E L O U R D E S C A M P O S M O R O N IOperária aposentada, 70 anos

181

M I C A E L A D E O L I V E I R ADona de casa, 87 anos

201

M I L T O N C A R VA L H E I R A P E I X O T OFarmacêutico, 66 anos

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R A U L S I E R V I Agricultor, 75 anos

227

R O D R I G O L A N N AIndustrial, 72 anos

241

W I L S O N VA LV E R D E ( C i c i n h o Va l v e r d e )63 anos

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A L C I N O VA L E N T I M D E S O U Z A

( N e n é m C a c h o e i r a )

Com dezessete anos eu saí da Fábrica (Velha). Eu entrei com nove anos mais ou menos, eu não tenho a idade certa, mas sei que entrei pequeno pra lá, porque papai... nós fomos uma família pobre, não tinha nada. Papai empregou os filhos na fábrica, porque ele já tinha trabalhado pro Peixoto Velho, aqui na fazenda dele, no Tomé. Ele gostava muito do meu pai, então ele passou nós todos pra fábrica, pôs todos os filhos na fábrica. Papai (antes) trabalhava pro co-ronel João Duarte. Ele era Presidente da Câmara, não tinha prefeito. Quando ele embarcava pro Rio, ia lá

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acertar o negócio de café, ele ia acertar lá venda dele lá no Rio. Quando ele chegava – ele ficava uns quin-ze dias – a estação ficava assim, esperando a chegada. (Ele era um homem) Muito importante! Muito!

Na fábrica, entrando com nove anos, até eu sair, nunca eles mandaram ninguém embora. Eu en-trei começando no filatório. Depois do filatório eu passei pra passador, depois eu passei pra calda, de-pois eu passei pra ajudante de batedor, depois eu voltei pras caldas novas outra vez, depois eu fui pra maçaroqueira fina, depois eu peguei o banco grosso, depois desse banco grosso eu voltei pra fina. Depois da fina, eu estava querendo enjoar da fábrica. Com dezessete anos eu saí da fábrica.

O Sr. Augusto Cunha me pegou pra ir pro ci-nema com nove anos.

Então ali eu fiquei seguramente uns vinte e oito anos. Na falta do Lózio – acho que morreu – eu fui e entrei. Fui trabalhando ali, sem saber o que ga-nhava, sem saber o que ganhava. O serviço de um operário é o seguinte: tratar da cabine, do aparelho e tratar de conservar todo o dia... O trabalho era um só, mas tem ajudante também que corre a fita, vira a fita. A fita passa, depois tem que virar ela direito. Pra ela poder sair dos escritórios. (Os filmes) eram mudo até certo tempo.

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Humberto Mauro andou tirando os filmes aqui em Cataguases, aqui pelas roças, pelos bairros, as fazendas. Quer dizer que aí começou, e tiraram a fita e experimentavam a fita lá no cinema. Arranjou também um rapaz que era meu irmão, o Cid, pra en-trar trabalhando como ator de cinema. Ele trabalhava até de bandido.

Todo dia tinha filme. Só parava com os filmes quando tinha Companhia de Teatro. Tinha teatro, vi-nha do Rio de Janeiro, era companhia mesmo, de do-ze pessoas, às vezes quinze. Teatro só começava às 8 horas. Nós vínhamos trabalhar, as gambiarras eram muito altas, então nós tinha que ficar trabalhando. Era eu, Edgar, Rui era os filhos do sr. Augusto Cunha, quase todos. Só não estava o Augusto Cunha Filho, porque aquele já tinha entrado para o Banco do Brasil e já não queria fazer mais parte. De maneira que fa-zíamos um trabalho muito perfeito. As companhias do Rio de Janeiro gostavam de mim. Mais de uma... diversas companhias. Vinham pra aqui, não dava ci-nema, só teatro.

“Teatro Recreio Cataguasense”. Era assim uma escadaria na entrada com uns seis degraus para subir, para entrar para a sala da plateia. A sala tinha três portas. Nós passávamos muita fita boa naqueles tempos. Carlitos... Então eu passei muito aquilo. (Em

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cima) tinha o Clube Comercial. Ali tinha baile todo o sábado e domingo. Era uma sociedade, era muito animado, muito animado mesmo.

Eu não tenho a data (da demolição) na memó-ria não. Eu sei dizer que quando mudou o cinema pra cá, onde hoje é a Nacional, quero dizer que nós mudamos o cinema a noite inteira. Acabou a fita, co-meçou. Ficamos a noite inteira passando pra lá. Ali já tinha arrumado o barracão para nós trabalharmos lá, enquanto demolisse o cinema.

O cinema demorou a demolir, aquilo ali era tu-do de pau, mas bem seguro. Aquela escada que subia pra torrinha, aquela escada que subia pros camarotes, as frisas lá em baixo, tudo separadinho, com cinco ca-deiras, tudo bem arrumadinho. (Na torrinha) paga-vam menos naquela ocasião.

Joguei (futebol no Operário), não existia bem o Flamenguinho e Operário. O primeiro foi o Atlético Cataguasense porque o campo era ali na Cima, na-quelas imediações. Era um terreno baldio, então quando dava jogo contra o time mais forte da Zona da Mata, o Ribeiro Junqueira, o campo enchia, mas não era campo ainda, era campo aberto. A compara-ção do time que nós tínhamos aqui em Cataguases, sem pensar em Flamengo e Operário, era o Ribeiro Junqueira e o Atlético. Depois a moçada pegou,

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foi formando, saindo, largando o time e acabou o Atlético, aí que veio o Flamengo no mesmo campo. Mas o Flamengo, não era Flamenguinho. O Operário depois. Depois, depois que começou o Flamengo. O Operário arranjou uma sociedade. Quando formou o Operário, formou com pessoas todas velhas, todas já antigas de idade, de oitenta anos pra cima, formou e nunca acabou. Quando eu jogava nesses times de rua, assim com nove anos, nós fazíamos time de rua. E onde havia um largo bom pra gente fazer o time, a praça lá em cima... a Vila, eu morei na Vila, fui criado aqui. Formou o Operário. E a gente era criança, pe-gava a bola atrás do gol, aquela coisa toda. E depois surgiu o Emílio e o Cid. Aí entrou o Operário, o ti-me era Clube novo, novo e sem experiência. Então o Emílio como é inteligente, viu aquele joguinho de rua e pegou a gente, pegou muitos jogadores da rua e fez o time. Fez o time, catou na rua aqueles melhores, fez o time, e o campo era aqui onde foi a fábrica de fósfo-ro. Eu morava ali naquelas casas da fábrica, ali quem vai para o Tomé. Pra encerrar eu fiquei no Operário mais ou menos jogando até casar.

O bonde até passava só na rua da Estação, e lá ele fazia o trajeto e tal. Aquela Avenida (Astolfo Dutra) era, aquele corguinho era lá agarrado, ali no INPS. E aquela linha era agarrada com o corguinho.

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Então foi preciso tirar a linha pra lá e trazer o corgui-nho pra cá, pra poder aterrar lá. Papai ajudou a fazer aquela Avenida. Trabalhou com doze carroças. Doze carroças. Papai estava cavucando a terra, e naquele tempo fazia um cachimbo assim, na altura desta ca-sa e metia estepe lá e botava por baixo. Aquela onda da terra caía que ia parar longe. Papai trabalhou ali até acabar a Avenida, até adoecer, porque caiu um cachimbo de terra em cima dele, e aí meteram a pá e tiraram ele debaixo da terra e o velho não prestou pra nada mais.

Isso é o papai, ele trabalhava pra tratar de nós. Tinha uma fábrica de toalha ali naquela proximidade, atrás da Igreja, que vai lá pro Leonardo. Então nós ti-vemos essa fábrica por muitos anos, mas depois aca-bou. Tinha também uma fábrica de cerveja, na Rua do Pomba, na Rua Major Vieira, do Sr. Gustavo Paiva. Cataguases tinha muita coisa.

(Pedro Dutra) foi importante, foi um advo-gado importantíssimo. De maneira que também ti-nha lá seu contrato com o governo. Ele estava me-tido na política. Aqueles tempos eram muito bons. O Sr. Rogério Teixeira era o único que tinha banda de música aqui; que tinha a Liga Operária, mas não era bem controlada. Mas apanhamos um maestro aqui, ele chamava Gomes. Então ele treinou a Liga

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Operária, que tinha instrumentos, tinha tudo, tocava e tal, mas não era uma banda como a do Sr. Rogério. Sr. Rogério era formidável. No começo ele tinha doze figuras, depois foi aumentando. Era uma banda mui-to afamada.

Entrevistado por João Carlos Borges Juste e Rosangela Schittini Rodrigues, em 1988.

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Eu nasci no distrito - Glória, aqui pra cima de Sereno. Mas estou registrado mesmo aqui (Cataguases). Dia nove de junho de 1917, aliás, é 16, porque o meu registro é de 16, eu tenho um ano adiantado mais por causa de... pedido político, né? Eu registrei na época (para) votar no Manoel Peixoto. Ele pediu. Tinha dezessete anos na época e registrei como dezoito. Eu era operário da Irmãos Peixoto. Entrei pra lá com quinze anos. Era tecelão. Primeiro fui ajudante de contramestre, depois passei a contra-

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7 4 a n o s

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mestre. Ultimamente eu estava como encarregado de turma na tecelagem. Aposentei dia dez de maio de 1969. Eu não tinha assim contato direto com o patrão, geralmente era com o encarregado. O mestre da te-celagem é aquele intermediário do patrão. Nós... é seguir as ordens dele. Os teares tinham mais veloci-dade do que a época presente. Se bem que agora já existem teares com mais velocidade, mas era bem ba-rulhento esses teares (antigos).

Ultimamente me puseram como encarrega-do de turma da tecelagem. As pessoas, quando mais insubordinadas, a gente tinha ordem de fazer pu-nir, tomar suspensão, suspensão pequena, três dias. Mas... o mais é suspensão, só, chamava a atenção, de maneira que se procedia dessa forma. Existia... eu me lembro que um encarregado da Irmãos Peixoto pegou na minha presença, um garoto pela “oreia” e levou lá na fiação... por causa de uma falha dele lá. Isso houve mesmo. Até aqui na Industrial houve es-pancamento de um encarregado... um alemão. Eles puseram ele daqui pra fora logo! Acho que ele bateu numa moça ali da Vila Reis. O Pedro Dutra quis pro-cessar ele.

A questão política é o seguinte: “não se po-dia manifestar”. O pessoal operário... naquela época, não podia manifestar que ia votar pra A ou B que...

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era sujeito a ser dispensado. Naquela época eles não perdoava mesmo. Agora hoje está mais... por que eu votava, eles “pediam” pra você votar neles, votava, mas pressão em levar até na urna igual muitos fazen-deiros “faziam” por aí, não. Eu votava pelo seguinte: eu era um operário que dependia do pão na vida e naquela época eu não tinha, assim, vocação política... de maneira que atendia o pedido deles...

Ah, o Zé Rosa! O Zé Rosa, ele era um rapaz assim revoltado. Ele fez um movimento por liberda-de sindical aí, que provocou assim uma certa birra nos patrões. Eu me lembro. É tanto que... naquela política que revirou 1964, sofreu consequências gra-ves da política. Ele era muito maluco, até nos últimos momentos dele, ele não revelava as coisas. Ele fazia... que todas as prisões que ele estava, se chegasse... aquele personagem que... não sei se convém citar, ele já morreu... era o Emanoel Peixoto. Era o Emanoel Peixoto porque eu sei que nos foi dito pelo Zé Rosa mesmo, por todas as prisões que ele estava e que ele chegava, ele podia contar que ele ia levar chumbo. É um controle, ele com o policiamento. (Antes de ses-senta)... não houve greve na época que eu trabalhei lá, não. Quando havia assim um... um fracasso e tal, mesmo por motivos políticos, pressão política, eles dispensava assim um operário pra... procurava ani-

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quilar a força sindical. A maioria deles, quando era dispensado um operário da Indústria naquela época, era difícil eles arranjar colocação, às vezes debanda-va, ia pra fora, e outros às vezes ficavam na pior. Um filho meu foi despedido da Irmãos Peixoto, o contra-mestre na época era o Serafim Spíndola. Ele falou pra mim que ia dispensar meu filho, que ele não ia levar nada, ia pra rua sem nada.

Eu morei na Vila (Domingos Lopes) muitos anos. Quando eu fui pra Granjaria eu já estava apo-sentado. Toda vida morei naqueles blocos de casa dos Peixoto. Pagava um aluguel barato. O aluguel da Indústria toda vida foi muito barato. Ultimamente eles passaram a cobrar 10% (dez por cento), mas antes eles cobravam mais, mas depois com a lei do Getúlio eles não podiam aumentar o aluguel. A gente foi beneficiada com isso. Até 1933, eu pagava trinta cruzeiros de aluguel. Depois eles me chamaram num acordo lá pra eu pagar 10% (dez por cento). O que mais me prendeu na Indústria foi isso porque... se eu saísse da Indústria, eu podia contar com um aluguel mais caro. Compensava por causa da casa. Eu ga-nhava o salário e esse negócio de bonificação. Houve uma época que eles pagaram... uma participação no lucro, mas durou pouco. Veio em 1935(45) e eles ma-nifestaram até em praça pública. O doutor Francisco

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prometeu aos operários a participação nos lucros. Aí depois, com o decorrer de certos anos, relaxaram, deixaram de pagar.

(Casas da fábrica) tem na Vila Reis, no Largo do Rosário e tem na Gama Cerqueira. A Gama Cerqueira é que tem um grupo maior. (Essa rua) ti-nha antigamente o apelido de João Carroceiro, por-que João Carroceiro era o dono daquela chácara onde é do Etelberto Valverde hoje. E a chácara estendia pra ali afora, de maneira que... hoje a rua João Carroceiro é a que sobe ali no Bairro Haideê. O João Carroceiro era um velho mulato. Ele era carroceiro aqui na pra-ça. Tem aquele correio velho, perto dos Machado lá, umas oito casas ou mais. Beirando a fábrica tem o correio velho que sobe lá pro morro e tem umas outras... acho que é dezoito ou vinte que eles fize-ram próximo ao Senai e tem aquele correio que eles compraram do falecido Augusto Gama, onde é que eu moro ali. Tinha ali embaixo também depois da fá-brica, um correio de casas que desce pra lá. Para o lado da linha, ali também aquelas casas, um correio de casas que vai até perto do grupo, tudo ali era do Augusto Cunha. Ele vendeu pra poder ser sócio do cinema. Eles venderam algumas casas, conforme eu mesmo comprei uma dele. E outra minha filha com-prou. Mas eles pararam. Consegui (comprar) através

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de muito esforço, até quase escondendo da família, porque o meu salário era pequeno.

Eu vim (do Glória) com doze anos de idade. O meu pai, ele era sitiante. Mas eu não sou registrado como filho dele, não. Minha mãe era amasiada com ele. De maneira que ele tinha lá um sítio que tinha fabricação de cachaça e rapadura. Tinha um movi-mento de café também. Vendia café pro falecido José Reis. Vim pra aqui e entrei na indústria e comecei a trabalhar como tecelão. Vim eu, meus irmãos e mi-nha mãe. Cinco irmãos. De maneira que viemos para Cataguases e (meu pai) comprou um correio de casas ali na Vila (Domingos Lopes). Então eu passei a tra-balhar na indústria. Eu sou pobre de estudo. O meu pai me deixou sem estudo. Porque eu comecei no es-tudo já tarde. E depois ele mudava pra cidade, aí eu entrei aqui no Grupo Coronel Vieira. Estudei o pri-meiro ano aí, quando eu tava quase na hora de passar pro segundo, leva a gente pra roça outra vez. Aí, lá na roça eu fiquei sem estudo. Depois volta pra cidade outra vez, comecei meu primeiro ano, quando passei para o segundo ano, ele torna a tirar daqui. Aquilo me atrapalhou tudo. Depois eu completei o segun-do ano na aula da noite, aqui no Coronel Vieira. Na época que eu estava estudando, é que foi feito aque-le grupo da vila: Guido Marlière. Eu passei pra lá e

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estudei lá, mas como eu já estava com quinze anos, a diretora começou a invocar comigo e meu pai, por falta de sorte, ele não gostava muito de soltar dinhei-ro... e então não comprava uniforme pra mim. A dire-tora deixou eu preso na portaria porque eu não tinha uniforme. Resultado: eu me aborreci com aquilo, saí, e entrei na indústria. É o estudo que eu tenho, até o segundo ano. Até na indústria mesmo, teve uma oca-sião que eu fui... perdi um dia de serviço, porque eles inventaram uns uniformes para os operários lá e eu não pude comprar na época, eu fui barrado pelo por-teiro. Quando (a indústria)... houve piquenique que ela fazia fora, às vezes ela dava certos uniformes pra nós e coisa, mas para o trabalho não me recordo que ela oferecesse uniforme. Mas era pago pelo próprio operário. Eu vinha muito aqui nesse cinema, que era o cinema “Recreio” antigamente. Tinha a torrinha, a gente vinha na torrinha, ficava mais barato, a parte de cima do cinema. Teatro, essas coisas não. Era só mesmo cinema, porque naquela época era 600 réis a entrada. Era muito baratinho. Mas mesmo assim era difícil.

Eu nuca frequentei baile, eu nunca gostei. Mesmo carnaval, eu nunca gostei. Graças a Deus sou religioso – espírita (frequento) o “Paz, Luz e Amor”, espiritismo científico de Allan Kardec. Foi criado

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pelo Jota Lacerda e Godói e acho que Pio Ventania. O Godói, eu até fui empregado dele. Ele tinha uma padaria aqui onde é o Saul. Agora, depois, daquele Tavares. Pio Ventura era médico. Jota Lacerda parece que era um empregado aí no comércio. Eu tornei-me simpático ao espiritismo (porque) minha esposa pas-sou mal, não sei se o caso era de nervos. Ela foi assis-tida pelo Centro Espírita e eu acompanhando o movi-mento... e daí eu comecei a estudar o espiritismo. De maneira que até hoje, graças a Deus, tem me valido muito e à minha família, porque isso orienta muito a gente na vida. Pelo menos a gente sabe respeitar o direito dos outros, né, de maneira que... amar o pró-ximo como a si mesmo. Isso tudo são coisas que... é interessante. Na época que eu iniciei existia um gru-po de espíritas muito assíduo. Depois o povo... uns quer muito da doutrina, outros acham que a doutrina vai resolver o caso dele rápido. Então acaba se afas-tando. Naquele tempo não existiam quase estudio-sos da doutrina. De modos que ia lá pela dor. Mas atualmente até que está muito frequentado o Centro Espírita, porque o povo está compreendendo mais a razão da doutrina, e que é uma coisa que ajuda mui-to a sociedade. Os que vão lá por amor é outro caso, né, ele fica conhecendo a doutrina, sabe porque fre-quenta aquela doutrina. Infelizmente, aqui no Brasil,

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essa questão religiosa... não há assim um atrito, mas há sempre uma conversinha por trás. O nosso espi-ritismo é científico. Não tem nada de macumba. E a assistência social que (damos) é justamente a custa da coleta que faz. É como diz: vive da caridade para a caridade. De maneira que eles fazem, o que podem, eles fazem, mas nem tudo dá.

No tempo que eu entrei para a Irmãos Peixoto, tinha um número mais ou menos de quinhentos e tantos operários. E lá, só na tecelagem, que era du-zentos teares, ela tinha um número de mais ou me-nos de duzentos operários. Só a tecelagem. Porque o tecelão tocava no máximo três, mas era raro também. Agora, o número mesmo mais comum era dois tea-res para cada tecelã. E aquelas aprendizes que estava assim de pouco, era um tear para cada uma. E hoje, por exemplo, há a possibilidade de uma tecelã tocar até quarenta teares, sessenta teares, conforme esses teares novos que chegaram agora, que são os teares, como dizem, eletrônicos. Naquela época, o tear nem automatizado não era. A tecelã muito mal dava conta de dois. Aquela mais violenta, é que dava conta de três teares. Existiu até uma certa época aí uma fia-ção deficiente, conforme existia na Irmãos Peixoto, porque o fio era muito, era muito ruim, de maneira que... o fio ruim estoura muito e a tecelã não conse-

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gue produzir. E a máquina, o fio não aguentando... é como um ditado de um encarregado de tecelagem de Juiz de Fora, ele citou pra mim: “Que uma tecela-gem, sem fiação, ela breca mesmo. A tecelagem para ser boa, ela tem que ter uma boa fiação. Se não tiver uma boa fiação, ela não anda”. A Irmãos Peixoto foi a que custou mais a habilitar a trabalhar com um te-cido bom. A princípio... ela era mal orientada, então, resultado: maquinário ruim, fiação ruim, os teares até que eram razoáveis, mas a fiação não produzia um fio resistente. Nessas alturas a tecelagem não andava, ninguém prestava. Então, às vezes, punha um ope-rário de lá, na Manufatora ou na Industrial, era um bom operário, mas lá não prestava. De maneira que quando a Irmãos Peixoto passou pela direção do... pessoal da Industrial, que era o Zezito e o Josué, aí o negócio mudou de figura, porque o Scholfinha (Bob) que eles falam, é que ele assumiu a direção da fiação da Irmãos Peixoto. E nessas alturas eles mudaram uma remessa de filatório para melhor e aqueles ve-lhos que não serviam, quebraram tudo. De maneira que aí a produção subiu.

O Serafim Spíndola era o mestre da Irmãos Peixoto. Ele não era um técnico formado, ele estu-dava alguma coisa com relação à indústria. Ele era muito endurecido nos pontos de vista dele. Não acei-

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tava sugestão de ninguém e não gostava nem que o sujeito olha ele trabalhar. O que ele sabia era privilé-gio dele. Não gostava de ensinar pra ninguém. Era esquisito mesmo. Infelizmente, os encarregados anti-gos da Irmãos Peixoto, todos eles foram mais ou me-nos dessa teoria: não gostava de operário inteligente na firma para não atrapalhar eles.

O Onofre Corrêa Neto ainda é operário da in-dústria até hoje. Ele foi afastado da firma com todos os direitos, e até hoje é constado como operário da ativa. Não aposentou. Ele não era um mestre eficien-te para continuação da firma, porque a firma estava em evolução e ele mudou o tipo de padronagem para melhor. De maneira que ele era... sei lá, ele era um sujeito muito agarrado, não era de grande progresso. Sei que a tecnologia dele não estava à altura da evo-lução dos tempos.

De maneira, se não tiver pessoas que possam preencher esse cargo, não dá. E então eles afastaram não foi só ele. Afastaram ele, o Serafim, o Djalma e afastaram o Mário Bagno também. Pelo que se vê, ne-nhum deles estava satisfazendo mais as exigências da empresa. Eu, na tecelagem era constatado mais ou menos assim como uma segunda figura. (O Onofre) era a primeira figura na tecelagem e o Serafim era a primeira figura na indústria, que ele era geral. O

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Onofre, por exemplo, era dirigente da tecelagem, o Mário Bagno era da fiação, e o Djalma também era da fiação.

Getúlio Vargas, a meu ver, ele foi um dos governos que abriu campo para a indústria, porque, pelo menos, ele abriu escolas técnicas. Meus filhos gozaram desse... escolas de aprendizagem é meio de educar os operários para a indústria. De maneira que tudo isso concorreu para a melhora do operário. Mas o progresso da indústria, a meu ver, tornou-se mais vantajoso para o proprietário. As máquinas adqui-ridas hoje, auto-motivadas, ocupa menos operário. Um operário toca (hoje) muito mais máquina que na época em que eu trabalhei. Isso é uma das coisas que veio prejudicar o operário no sentido de colocação.

A lei naquela época era a lei do patrão. Depois que veio a lei trabalhista. Aí que veio a briga do pa-trão com o empregado, negócio de salário. O salário era mínimo. Eu, por exemplo, entrei em 1932 pra in-dústria ganhando um mil réis por dia. O horário era sempre mais, dez horas de serviço. Depois era sem-pre oito. O falecido doutor Fenelon Barbosa – uma vez conversando com ele – ele falou comigo que a lei trabalhista na França correu muito sangue. Agora, aqui no Brasil, ela entrou com facilidade, porque na época o Getúlio era ditador e conseguiu adaptar a lei

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trabalhista com mais facilidade, mas se é uma épo-ca como hoje, já seria difícil, porque é uma confusão danada na política. Mas naquele tempo trabalhava revezando turma, aí ficava preso doze horas na in-dústria, porque trabalhava quatro horas de manhã e depois trabalhava quatro à tarde. Saía de lá às seis horas. Era das seis às seis. Tinha aquele intervalo de quatro horas em casa, mas pouco adianta para o ope-rário, aquele que mora longe, né? Agora eles estão querendo endireitar nessa parte, porque eles estão pondo horário direto. Aí é melhor.

Eu me sinto hoje um homem mais ou menos realizado. Os filhos todos casados e cada um deles cuida lá da sua vida. Estão com a situação mais ou menos boa, não está ruim. De maneira que... eu me sinto satisfeito em chegar ao ponto que eu cheguei de... que eu não esperava, mediante as dificuldades da vida. De maneira que a gente se sente mais ou me-nos realizado.

Entrevistado por Glaucia Siqueira, Hedileuza Maria de Oliveira Vala-dares, Luiz Fernando Leitão, em 29/08/1988.

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A minha vinda para Cataguases se prende à nomeação que recebi para Vigário da nova Paróquia que se formou em Cataguases, quando da Paróquia de Santa Rita foi tirada a Paróquia Nossa Senhora do Rosário.

Está no livro n°1 de provisões da Cúria de Leopoldina, folha 69, a data de 24 de setembro de 1950. No dia 1° de outubro de 1950 foi instalada a Paróquia, com a presença do Monsenhor Solindo, en-tão pároco de Santa Rita, e eu fui nomeado Vigário desta nova Paróquia. Havia uma pequena Capela. Foi preocupação prioritária do 1° Vigário a organiza-ção de um trabalho de assistência religiosa, surgin-

M o n s e n h o r A N T Ô N I O X AV I E R

R O D R I G U E S

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do de início um sério problema: local para assistên-cia paroquial. A pequena capela da Vila Domingos Lopes serviu de Matriz inicialmente e precariamente. Impossível, é claro, pensar-se na construção de uma Matriz definitiva pela falta de elementos humanos e pecuniários para enfrentar uma construção. Em visi-ta às capelas rurais e em busca de local para a for-mação das comunidades paroquiais, o novo Vigário conseguiu localizar a sede para a formação das di-versas comunidades paroquiais, centros de cateque-se, evangelização e administração de sacramentos. O Bispo de Leopoldina era Dom Delfim Ribeiro Guedes, e foi quem instituiu a nova Paróquia. A Matriz provi-sória funcionou na antiga Capelinha existente na Vila Domingos Lopes. Capela que foi ampliada, forman-do a Matriz provisória de Nossa Senhora do Rosário que é a antiga Igrejinha da Vila. Em 1955, o senhor Bispo Diocesano, Dom Delfim Ribeiro Guedes, ele-vou a paróquia Nossa Senhora do Rosário à qualida-de de paróquia inamovível, sendo nomeado pároco inamovível o mesmo vigário que foi nomeado na sua fundação, eu, Padre Antônio. Isto se deu no dia nove de junho de 1955.

A Matriz provisória de Nossa Senhora do Rosário funcionou desde 1952 até 1965 e foi demoli-da em 1986. O trabalho paroquial passou a funcionar

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na Capela de Casamentos da nova Matriz do Rosário. A nova Matriz foi iniciada em 1965 e foi planejada pe-lo Doutor Aldary Henriques Toledo, arquiteto, mora-dor no Rio de Janeiro, a quem foi pedido uma planta, um projeto, que comportasse uma capela mortuária, um batistério, uma capela para casamentos, depen-dências para arquivo, expediente paroquial, biblio-teca, um salão de projeção, escola para o ensino de catecismo, mais a nave principal, que já está pronta na sua arquitetura e que comporta três mil pessoas sentadas. Explica-se a razão deste tamanho com o aumento populacional da Vila Domingos Lopes, que tem sido muito grande.

Essa construção está sendo realizada exclu-sivamente com recursos populares. É uma obra do povo, uma obra brasileira, sem subvenções, sem re-cursos estrangeiros. O povo mensalmente contribui, e essas contribuições são melhoradas com a realiza-ção de três movimentos na paróquia: a festa de São Sebastião do Rio de Janeiro, a festa do mês de maio e a feira do Rosário no mês de outubro. Nessas três festas há as quermesses, as barraquinhas, etc... que reforçam o orçamento da construção. Uma obra mui-to grande, mas necessária.

O vigor (das festas) cresce ano a ano. Nosso mês de maio (1988) rendeu aproximadamente um

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milhão de cruzados. Eu estou nessa paróquia há trinta e oito anos, e no decorrer desses anos eu tenho recebido uma cooperação maciça das pessoas, dos cristãos, dos católicos, que estão sempre prontos, es-pontaneamente, a fazer tudo que é necessário para a realização das obras da paróquia. Da nossa paró-quia saem muitos elementos que vão trabalhar na Paróquia de Santa Rita, Paróquia São José, auxiliar num exemplo de vida comunitária paroquial que nós procuramos implantar aqui. Nós não queremos trabalhar para nossa paróquia, queremos trabalhar para o Cristo, em todas as paróquias, por isso que os elementos daqui vão lá e com... até com o meu apelo, a meu pedido, prestam todo serviço que po-dem prestar nas outras paróquias também. Difícil destacar nomes, porque aqui quase que a totalidade é assim, de modo que fica muito difícil, uma situa-ção delicada para mim, destacar o nome de um ou de outro, mas todos contribuem, todos ajudam. Eu vou ler aqui um trecho escrito no Livro de Tombo da paróquia a respeito do ideal, do ideal que nós queríamos atingir quando foi fundada essa paró-quia e nós éramos somente dois vigários aqui, eu e o Monsenhor Solindo. Diz o Livro de Tombo o se-guinte: “As duas paróquias da cidade adotaram um sistema comunitário para atender o povo”, de mo-

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do que entre as duas paróquias não havia linha di-visória para atender as procissões, principalmente da Semana Santa, saíam da matriz do Rosário e se encerravam na Santa Rita e vice-versa; os horários, principalmente o de celebração Eucarística, missa, eram organizadas em horas diferentes para melhor atendimento; as confissões também atendidas em horas diferentes, com participação de ambos os vi-gários; mesmo os saldos das festas eram divididos entre as paróquias. Estabeleceu-se, assim, um ver-dadeiro sistema comunitário entre as paróquias pa-ra melhor atendimento ao povo e alívio de carga de serviço para os vigários.

A finalidade pela qual eu criei o Instituto Juvenil Nossa Senhora do Rosário, que existe até hoje, agora desativado, foi dar assistência principalmen-te a meninos de rua. E eu recolhi o máximo que eu consegui recolher numa chácara que eu comprei em nome do Instituto Juvenil, o máximo de meninos que eu consegui abrigar ali foi de cinquenta crianças e a sustentação era feita por mim mesmo, não tinha con-tribuição, não tinha nada. A paróquia é que arcava com todas as despesas de sustentação, calçado, rou-pa, médico, dentista, etc... até várias cirurgias fizeram no hospital, com muita boa vontade, gratuitamente, nos meninos.

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Um menino que foi me entregue estava num estado lastimável de saúde, ficou dois meses inter-nado no hospital de graça, recebendo transfusão de sangue e hoje ele é um homem que trabalha, foi em-pregado até da Prefeitura. No Instituto Juvenil foram formados, desde a meninice até os dezoito anos, vin-te e dois homens que estão colocados hoje na socie-dade, com os seus documentos, boa saúde, alguns até casados e que vêm de vez em quando visitar o local onde foram criados, a chácara do Instituto, e vêm também à Paróquia Nossa Senhora do Rosário visi-tar o Vigário. Moravam lá, era regime de internato. Tudo, até professora, eu paguei do meu bolso muito tempo, até que consegui uma sala de aula do grupo Carmelita Guimarães, o grupo lá da Vila Reis, arran-jei uma sala de aula que funciona no Instituto, assim que os meninos faziam a farra do quarto ano.

Quando queriam estudar mais ainda do que o primário, então eu encaminhava para as escolas, onde eu arranjava uma turma para eles. (Foi desati-vado) Por várias razões: a primeira razão, porque o trabalho da paróquia absorveu de tal forma a minha vida, que eu não tinha tempo de dar assistência di-ária, como eu gostaria de dar aos meninos. Depois, dificuldades para sustentação de quarenta e duas bo-cas que comiam todos os dias. Ninguém me ajuda-

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va, só tinha meus próprios recursos, e o que eu tirava lá do cultivo da chácara... frutas, mandioca, criava porco, galinha e com isso eu alimentava os meninos. Mas não tinha as subvenções. Foram muito poucas. A chácara foi comprada com a subvenção dada pelo Ministro da Educação a pedido do deputado, senhor Manoel Peixoto. Comprei aquela chácara por cento e cinquenta mil cruzeiros. De modo que eu fui obri-gado a desativar porque a Prefeitura começou a dar assistência a menores aqui, com muito mais recursos do que eu e eu fiquei como um pioneiro de assistên-cia aos menores desamparados, que agora está nas mãos da Prefeitura, em boas mãos aliás. Estão sendo muito bem cuidados. Há mais interesse pelo menor abandonado aqui em Cataguases, de modo que dis-pensa ter o Instituto pra isso, por isso é que ele foi desativado.

A Igreja é, sobretudo, a Igreja da liberdade. Deus não nos obriga a ser bons, nem evitar o mal, para isso ele nos deu livre arbítrio, e a pessoa segue a religião que entende estar certa. As causas dessas evasões (da igreja católica), que são poucas, se foram às vezes por ignorância, na maioria das vezes por falta de estudo da religião, às vezes por questão de orgulho, vaidade, porque a pessoa não encontra na religião católica um campo de evasão de sua vaidade

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e de seu orgulho, e nós somos obrigados a coibir na-turalmente os instintos maus para praticar o bem, e essa é a finalidade da religião, e não acho alarmante essa evasão não. Nós sabemos que a entrada para a Igreja Católica se faz através do sacramento do batis-mo, desde o momento que a pessoa é batizada entra e começa a participar da Igreja. Muito bem. Esta entra-da para a Igreja sobrepuja muito a evasão, quer dizer: a Igreja dá uma resposta a esses que saem, recebendo novos e aumentando muito as suas fileiras. Quando a Igreja era perseguida, nos trezentos primeiros anos de sua existência, e os cristãos eram mortos, martiri-zados, disse um doutor da Igreja o seguinte: “que o sangue dos mártires era semente de novos cristãos”. Quer dizer que a Igreja tem sempre uma compen-sação. A Igreja lamenta muito que as pessoas não se compenetrem, não aceitem sua mensagem, mas a Igreja não se preocupa com essas evasões, porque elas não fazem falta, porque muitos outros entram para a Igreja ao mesmo tempo.

A gente deveria saber o que é Teologia da Libertação. São Paulo, na Epístola aos Gálatas, no primeiro versículo do capítulo II, fala sobre a liberta-ção, que o Cristo se sacrificou para que nós fôssemos livres, livres do pecado naturalmente. Essa libertação dada pelo cristianismo em Cristo é a libertação do

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mal e do pecado e a adesão ao bem. Porque muitos pensam que liberdade é direito de fazer as coisas er-radas. Não. A liberdade é o direito que o ser huma-no tem, o homem tem que optar por um caminho ou por outro, o caminho do bem ou do mal, optar. Agora essa opção do homem produz uma responsabilida-de tremenda para ele, porque se ele escolhe o cami-nho do bem ele vai receber recompensa. A Teologia da Libertação tem aqui no Brasil, na pessoa do Frei Leonardo Boff, o seu líder. Os seus livros estão aí, e eu os tenho lido e naturalmente que todo o homem é assim: ele tem em seus sermões exageros que já fo-ram notados até pelo Papa, pela Santa Sé. O Cardeal Ratizing, o cardeal da doutrina, da defesa da doutri-na cristã, teve um encontro com Leonardo Boff em Roma, e não criticou, ele se antepôs apenas a certos pontos de vista de Leonardo Boff.

Antes, ele não condenou em nome da Igreja a Teologia da Libertação, pelo contrário. Após a expo-sição do padre Leonardo Boff, o Cardeal fez a sua, e melhor que o padre Leonardo Boff. O Cardeal expôs a doutrina da Igreja, e o Papa aprovou, quer dizer, a Igreja não é contra, não pode condenar a Teologia da Libertação. Agora, a Igreja esclarece seus pontos de vista e condena os exageros. Por exemplo: o padre Leonardo Boff, há pouco tempo, foi à delegacia de

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polícia defender os flagelados que tinham ocupado não sei o quê. Ora, o que ele tinha de fazer se reunin-do aos presos? A obrigação dele era pregar a verdade, pregar a libertação, não ir lá fazer Ibope, porque é o que eu li no Jornal do Brasil, um artigo muito bem feito sobre esse fato, e até o autor do artigo dizia o seguinte: que o padre Leonardo Boff fez essa exibi-ção para fazer propaganda de um livro que ia falar sobre ele, que ia sair daí a uns dias. Tenho o artigo até aí do Jornal do Brasil. Esses exageros é que são condenáveis, porque são feitos em nome da Teologia da Libertação. A Teologia da Libertação não tem na-da com isso.

Eu agradeço muito terem me escolhido para essa entrevista. Que esses conhecimentos de um es-tudo de história na Faculdade, venham ser colocados mais tarde a serviço do bem da comunidade e do bem de todos, porque eu acho que quanto mais se eleva o nível intelectual, mais se melhora o nível real.

Entrevistado por Rosângela Schittini Rodrigues, em 16/06/1988.

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Papai, Nestor Massena, nasceu em Cataguases em 1897. Era descendente de francês. Ainda muito jovem era músico, tocava dois ins-trumentos: saxofone e clarinete. Tocou também na banda Rogério Teixeira, seu amigo inseparável e compadre. Tocou na orquestra que havia no Cinema Recreio, que era mudo, antes de começar a sessão, com Rogério Teixeira, Marieta Soares Teixeira, Aída Ribeiro e João Ciodaro. Ele gostava muito de músi-ca e era também compositor, compôs valsas, marchi-nhas carnavalescas, compôs um hino a Cataguases em homenagem ao centenário de Cataguases.

A P A R E C I D A M A S S E N A C O U T I N H O

P R O F E S S O R A D E M Ú S I C A

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Música e letra da autoria dele. Uma marchinha car-navalesca, “Carnaval na Lua”, que ele cantava muito mesmo depois de velho e diversas composições. Eu tenho guardado.

Ele aprendeu na banda teoria, solfejos, e o instrumento. Era a escola deles, o maestro era o Rogério Teixeira, tocava em baile também, mamãe conta, né. Todas as vezes quando ele estava tocando um baile, muitas vezes as pessoas viam e falavam:

“Eu quero ouvir o sopro do Nestor”. Ele viajava mui-to para tocar em bailes, mesmo em bandas também, né. Ele gostava muito de inglês, falava corretamen-te. Estudou sozinho, comprava os livros, as ilustra-ções e admirava muito língua inglesa, só fez o curso primário. Era fiscal de rendas do Estado, onde apo-sentou. Mas a música continuou até mesmo ficar ve-lhinho, né. Ele tocava todos os dias em casa, sempre compondo também. Ele era amante da música e ele chegou a falar comigo que não havia um assassino músico. Pela sua sensibilidade. Sensibilidade de mú-sico. Que a música faz bem a alma. Eu senti uma sen-sibilidade muito grande pela música, comecei a com-preender teoria musical com o papai. As primeiras notas, os solfejos... e optei pelo acordeom como pri-meiro instrumento, que estava muito em moda (na década de 1950). Eu ia assistir uns filmes brasileiros

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com Adelaide Chiozo e aquilo me influenciou mui-to. Então eu passei a estudar com o senhor Carlos Marinho Bóia. Foram as primeiras aulas. Em seguida matriculei na Academia de Acordeon Mascarenhas, em Ubá. Fui aluna da professora Francisca Dias Paes. Concluí o curso no Rio de Janeiro, com o professor Mário Mascarenhas. Eu fui convidada para abrir uma filial em Cataguases. Em 1960. A escola contava com o número de oitenta alunos. Lecionava também pa-ra alunos das cidades vizinhas. Eles chegaram a for-mar, terminar o curso, né. Vários deles. Durou mui-tos anos. Paralelamente eu fiz curso de piano, teoria musical e harmonia, com a saudosa Lila Gonçalves. Concluí o curso de piano no Rio, no Conservatório Brasileiro de Música. Eu continuei com os dois, mas depois o acordeom... Ele caiu um pouco de moda porque apareceu o violão, né, mas até hoje eu tenho aluno de acordeom. Agora está voltando o acordeom, hoje está em moda por causa do forró. O acordeom, ele tem teclado, um teclado de piano, já a sanfona tem só botões. O acordeom é parecido com piano por causa do teclado.

Na minha juventude a melhor coisa foi a natação. O esporte, eu participei pelo Colégio Cataguases, de muitas competições internas e tam-bém em Ubá, Rio Branco, Belo Horizonte. Fui aluna

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do professor Moacir Barbosa. Eu estudava na Escola Normal, mas fazia natação lá no colégio. Porque lá era de esportes, né. Ainda não havia a Praça de Esportes como hoje.

(Fiz o primário) no Coronel Vieira. Circê, Luzia Fajardo, Beatriz Venâncio (minhas professoras). Na escola Normal parei na segunda série ginasial por causa da natação. Depois de casada voltei a estudar. Eu treinava mil e duzentos metros. Eu ganhei muitas medalhas. Campeã foi a Nancy Graciolli, minha pri-ma. Campeã mineira.

(Sou) católica. Tive uma infância muito bonita, né, dentro da religião. Participei das festas de maio vestida de anjo... A religião era levada muito a sério. Antes de começarem as aulas, todos os dias, a gente tinha que rezar o terço na capela. O uniforme tinha que ser aquela gravatinha. Saia não podia ser curta, era o cumprimento certinho. Tudo medido.

Frequentava só carnaval, baile de carnaval, saía nas carruagens do Operário Futebol Clube, mas frequentava o Social. Houve um ano que eu saí de sereia. Num carnaval maravilhoso!

(O Coutinho), por morar perto, né, mesma rua, ele sempre passava na rua, eu lá na janela admi-rava... aí começamos a namorar, mas aí foi pra valer mesmo. Ele foi bancário vinte e dois anos. Começou

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com o Comércio e Indústria, depois passou pro Banco Nacional. Foi secretário também no Colégio Cataguases. Gostava muito dos alunos. Chegou a vice-diretor. Tinha paixão por aquele colégio! Faltava pouco tempo para a aposentadoria dele...

Tenho trinta alunos (de piano). Moças, rapa-zes, crianças desde cinco anos. Uns 20% (finalizaram o curso). Prefiro a música clássica. É a que mais toca. O meu compositor preferido é Chopin, pela sensibili-dade que sinto na composição.

(Canto no) Coral Sonarte do Maestro Israel Pinheiro, do Rio de Janeiro. Ele vem todas as se-gundas-feiras em Cataguases, faz o ensaio na AABB. Estamos ensaiando os Salmos de Mendelssohn para apresentação no fim do ano na AABB, no SESI da Tijuca no Rio e em Curitiba também. O maestro, ele é professor no Conservatório de Música de Leopoldina. Um grupo reuniu e passou a ir a Leopoldina toda segunda-feira. A prefeitura patrocinava, mas foi cres-cendo o número de componentes, então o maestro passou a vir a Cataguases, e foi dado o nome ao coral

“Sonarte de Cataguases”. Participo de uma palestra de Teosofia. Eu

acho um assunto muito complexo, o ocultismo. Eu tenho lido bastante, e aos poucos vou entendendo um pouco, pegando alguma coisa, mas é interessante.

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Minha mãe é Graciolli, filha de Italiano. Tereza Graciolli Massena, nascida em Cataguases. Sempre costureira, né. Sempre acompanhando o marido. (Foi) uma convivência muito bonita, sempre ouvindo o papai tocando, uma família de oito irmãos, uma ca-sa cheia. Muito alegre! Papai era um homem liberal. Tanto ele quanto a mamãe. Não havia repressão ne-nhuma. Eles davam uma certa liberdade, mas a gen-te também não abusava. Eu acho que a mocidade na minha época era melhor, havia mais romantismo. Se bem que hoje o diálogo – entre pais e filhos- é mais aberto, né, é muito importante.

Música e esporte eram coisas boas que fize-ram parte da minha mocidade.

Entrevistada por Glaucia Siqueira e Mônica Machado da Silva, em 27/10/1989.

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Os meus pais eram fazendeiros. Meu pai era neto do professor Quaresma e eu sou bisne-ta do professor Quaresma. Morávamos no Barão de Camargo, lugarejo aqui perto. E tínhamos lá uma fazenda muito grande, de café, engenho. Ainda está em ruínas, o engenho. A família de Carvalho foi toda criada ali. E tinha as nossas casas boas em Cataguases. Aí a gente passava o fim de semana.

Eu fui criada pela minha avó materna. Era muito rigorosa, exigia muito da gente. Só podíamos sair à tarde, à noite, quando fizéssemos as nossas tarefas. O meu avô Santos Júnior foi o fundador do Colégio de Cataguases. Ele foi covardemente assassi-nado pelo administrador dele. Ele tinha uma fazenda muito grande de café ali onde é o Ginásio hoje, on-de eu nasci, na chácara da Granjaria. Era um casarão

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grande. Por ali é que começou a fundar o Ginásio. Ele, o vovô, fundou aquele Ginásio para... ele tinha muitos filhos, cada qual depois deu uma pessoa im-portante: médico, advogado... meus tios eram todos muito inteligentes e morávamos todos ali. Ele foi so-gro do Antônio Amaro. E então ele começou assim como professor; dois, o doutor Arnaldo Carneiro, de Ubá, que era parente do Antônio Amaro, se aliam a ele e fundam o Ginásio. O Ginásio depois tornou-se célebre, muitos alunos de fora, grandes personagens da história até foram formados ali, ginasial. Foi uma coisa muito importante para a cidade a fundação da-quele colégio. Não tínhamos um ginásio, não tínha-mos o curso secundário aqui.

Eu fiz (o primário) no Colégio das Irmãs. Eu sou uma das fundadoras do Colégio. O Colégio era muito pobrezinho. As três Irmãs Carmelitas chega-ram aqui uma verdadeira... coitadinhas, não tinham nada, uma vida precária mesmo, sem nada!

O Antônio Amaro e o padre João Crisóstomo é que arranjavam donativos para manter as irmãs. Uma pessoa da comunidade dava saco de feijão, outra da-va um saco de arroz... elas chegaram pobrezinhas.

Acabávamos o curso primário no Colégio das Irmãs e íamos para o Colégio de Cataguases fazer o secundário.

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Éramos uma meia dúzia mais ou menos de meninas. Olga Teixeira, Benedita Preta; tinha uma Benedita Preta que era de uma inteligência! Filha de uma lavadeira, foi minha colega. Era um crânio, a pretinha. E todas essas meninas eram muito ale-gres. A única diversão da nossa infância era brincar na praça Rui Barbosa, depois que a gente estudas-se, que fizesse as tarefas escolares, e desse conta de todos os deveres. A gente ia pra praça à tarde, brin-car com as amiguinhas, que era a Alaíde Barroso, a Ercila...

A gente ia para o Colégio de bondinho, que era longe da praça Rui Barbosa onde eu morava – ali pregado no cinema velho – e esse bondinho era de longa distância. Ele ficava ali, naquela rua 13 de Maio, até chegarmos ao Colégio. A gente achava longe, pa-gávamos um tostão para ir ao Colégio. A gente saía de farra, de bondinho do Colégio, mas ninguém fa-lava ainda de namorado. A gente tinha sua vida uma com as outras, sem pensar em namoro, sem pensar em rapazes, sem pensar em meninos. Era aquela brincadeira. Ver o bonde afora, daqui até o ginásio. E a gente, as meninas ficavam no Colégio das Irmãs. O bondinho passava lá pra pegar aquela rua da Praça de Esportes (rua Alferes Henriques de Azevedo) e ia para o Colégio levando os meninos.

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A gente ia ao baile, mas... a gente dançava com tanto respeito, com tanta vigilância também pela família, que dava gosto a gente ir a um baile antiga-mente. Hoje não. É essa zoeira, essa farra, essa gri-taria, ninguém entende. Às vezes, minhas netas me chamam: “Vamos vovó, fazer companhia à gente”. Prefiro ficar em casa do que ouvir aquela zoeira de hoje: Deus me livre! O ambiente era outro.

Havia o cinema Recreio. Ali onde hoje é o Cine Edgar era o Cinema Recreio. Um prédio lindo, boni-to, cheio de colunas. Desmancharam tudo para fazer aquele prédio de hoje. E a gente morava na esquina, onde hoje é o Bar Elite, ali era a casa da minha avó.

Minha tia, junto com o Rogério Teixeira e dona Marieta Teixeira é que tocavam flauta e piano no cinema, durante os filmes mudos. Tinha o João Ciodaro também que tocava violoncelo, o senhor Pascoal Ciodaro, figuras antigas e muito importantes para Cataguases. Italianos, pai e filho. Era gente mui-to culta e dada a música. Tinha muita, muita queda para a música.

Havia a fábrica do seu Peixoto velho, que vem a ser avô do meu marido. “Irmãos Peixoto”, lá em baixo na Vila. E o meu sogro, sendo cunhado de-le, era sócio também na fábrica. Depois ele resolveu se desligar e fundou a “Casa Peixoto”, onde é hoje

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a Farmácia Coimbra. Era uma grande casa comer-cial. Cataguases foi mudando. Foi fundada a fábrica... Companhia Industrial, aquela do outro lado da pon-te. Eram homens muito ricos, muito ricos mesmo. A Companhia Manufatora, do senhor Rodrigo, que ca-sou com a Emília, uma das filhas dos Peixoto.

O doutor Astolfo Dutra, ele foi presidente da Câmara lá em Belo Horizonte. Morava numa casa muito bonita, era a casa mais bonita que tinha aqui na avenida, tanto que a avenida levou o nome dele.

Humberto Mauro. Foram feitos (os filmes) quando eu era mocinha. Eva Comello, Eva é minha amiga até hoje. Está novinha ainda. É quase da mi-nha idade. Eu ia até tomar parte nesse filme, mas mi-nha avó não deixou. “Não! Você não vai ser artista de cinema não. De jeito nenhum! Não pode não!” Não deixou.

Aí eu me casei, me casei logo, começamos a namorar com dezoito anos, no colégio ainda. Mas na-morisco de longe. Ele já tinha uma queda por mim e eu por ele que só vendo! O meu marido. Assim foi um namoro até casarmos com 20 anos. Sou mãe do Mauro Ramos, ele é advogado. E do Maurício.

Eu fazia, dirigia barraquinhas de Santa Rita, barraquinhas da Igreja. Eu, Nair Guimarães... Nair Guimarães foi uma criatura formidável, vivia em

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função da Igreja. A gente ficava até às duas horas nas barraquinhas; íamos pra casa com tacho, pane-la, frigideiras e fogão, tudo isso a gente levava pra barraquinha. A praça ficava cheia, mas como vendia! Como rendia! Cinco mil, seis mil, era um dinheirão nesse tempo! Essa Igreja foi reconstruída, era uma igrejinha pobre. Padre Monsenhor Solindo foi quem reconstruiu a Igreja. Foi um santo padre que nós tive-mos também. Nós tivemos padres muito bons.

No centenário (da cidade) eu que dirigi a par-te de doces. A praça Rui Barbosa fez uma verdadeira função com as barraquinhas de doces, salgados, co-mestíveis de todo jeito. E já era fundada a APAE, por um primo meu, Fernando de Oliveira, e esse primo organizou a festa das barraquinhas que eu dirigi. Fiz o bolo do centenário, era um bolo enorme. Eu tenho as fotografias. Foi uma das festas mais importan-tes. Vieram os cataguasenses todos que puderam vir. Muitos amigos nossos. Ainda tive que hospedar o pessoal todo, porque eu era uma das pessoas mais antigas aqui em Cataguases.

Minha casa era enorme. Comprei essa casa com dinheiro de doce de tanto trabalhar. Eu já fiz três mil e quinhentos doces, quilos de goiabada, no mês de fevereiro, quando era época das goiabas. Meu marido, apesar de ter sido filho, filho de pessoas ricas, ele era

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um pobre funcionário dos tios, os Peixoto. Ganhava trezentos mil réis na época que nos casamos. E assim criamos nossos filhos. Oh! Mas tudo ganho com es-ses braços e com os da empregada que me ajuda há quarenta anos. Quarenta e cinco anos que a Preta está com a gente. Uma verdadeira pessoa da casa. Com oi-tenta e dois anos não dá pra fazer panela de doce. A empregada é quem faz agora. Eu não faço mais.

Tudo que eu fazia, ela continua fazendo. Toda hora telefonava uma pessoa fazendo encomenda.

Os filhos não querem mais que eu trabalhe, nem os netos. Eles falam para não forçar a cabeça. Trabalhei demais! São três filhos, mas criei mais de dez, pretos e brancos, que ainda me valem muito. Criei meus filhos dentro da religião. Eles são religio-sos também. A minha nora, Nilza Kneip, é uma das... foi uma das construtoras da Capela do Santíssimo Sacramento.

Tenho muita coisa a dizer, mas a gente esque-ce demais. Tinha olhado qualquer coisa para dar me-lhores informações. Eu teria lido qualquer coisa.

Entrevistada por João Carlos Borges Juste e Rosângela Schittini Rodrigues, em 26/05/1988.

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Pai e mãe italianos. Mas nasci depois de cinco anos que eles estavam aqui. Sou brasileiro legítimo mesmo. Graças a Deus!

Primeiro eles moravam aqui, eu me lembro que ele assistiu a febre... já ouviu falar na febre ama-rela? Eu também não era nascido não. Mas eu sei que parece que eles moravam por aqui, porque parece ele ajudou. Meu pai ajudou?

Depois é que eu me lembro... do que eu lem-bro de onde nós moramos foi no Pendegó. Conhece Pendengó? Pendengó é o terreno daquele Oswaldo,

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Oswaldo construtor, comprou... Quem chega ali na-quele trevo que vai pra Itamarati. É, Itamarati tem um trevo ali, não tem? Um vai pra lá, outro pra cá. Então o mesmo trevo tem uma Grota, um trilho que a gente vê lá, adiante, lá nos fundos. Lá que eu nasci. Chamava Pendengó. Era de um fazendeiro.

Ah! Colônia Major Vieira. Eu conheci! Nós es-tamos até fazendo uma ponte lá. Ali onde tem o sítio do Dr. Walter. Morava lá uns amigos nossos. Nós ia sempre passear lá. Era o Fiólio. Pedro Comello, vim conhecer ele aqui. Morava lá era o tal do Ângelo, Marcos... O Marcos, O Velho. Sabe o que ele era? Não tem essa gente Paratella? Fernando Paratella era ca-sado com a filha desse Marcos. Eu me lembro deles morando lá em Pendengó. Eu era pequeno, tinha meus seis anos mais ou menos. Fernando...ela era mi-nha madrinha de batismo. Chamava-se Corrélia.

O negócio ali foi o seguinte: meu pai, ele era danado pra fazer cinta assim de... mas ele era anal-fabeto. Então eles resolveram – os dois italianos que moravam lá no Pendengó – resolveram ir para essa colônia. Ficaram tudo rico! Foi na ocasião em que o café tava dando muito dinheiro. Ficaram muito rico! Ele foi e falou: “Não. Eu não quero ir”. Porque tinha eu, minha irmã Terezinha e aquele que morreu, o Plínio. Seu Plínio que era ali na Vila Reis. Então, “eu

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sou burro, mas quero que meus filhos estuda”. Então ele veio aqui e comprou uma casa ali, casa ali acima, que custou quinhentos mil réis a casa. Com a escritu-ra e tudo deu quinhentos e dez.

(De Cataguases antiga) a única coisa que eu sei é o seguinte: em vez de ser luz elétrica, era lam-pião. Usava para acender a querosene uma escadi-nha. Eu assisti a luz elétrica... a inauguração da luz elétrica aqui, ali na praça ali. Acho que foi em 1908, não é? A inauguração da luz eu me lembro direiti-nho como se fosse hoje! Eu era pequeno. Encheu de gente ali! Banda de Música estava ali pra... puseram um quadro assim do lado de cá, assim. Quem fica as-sim do lado direito. Era um quadro... tinha uma do-ze lâmpadas ali e cobriu com um pano, na hora que acendeu a luz, foi um lá e tirou o pano, quando acen-deu a luz. A banda de música tocando, foguete subin-do... foi bonita a festa mesmo!

O bondinho? (lembro-me) muito! O bondinho quando chegava ali... ia subindo ali a Rua da Estação. Ia fazendo aquela curva. Tinha um pessoal que saia pra botar ele na linha porque ele saia da linha. Sabe o que eu achava muito interessante? A rua era tudo de chão. Então tinha aqueles casos. Lá era... nós íamos lá pra ver... então eles pegavam aquela terrazinha assim davam uma surrazinha e puxavam aquele barro. Era

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puxado a cavalo. Na hora que o cavalo – pá,pá,pá – e o cavalo tem hora que faz assim. Então fazia aqueles pelotos e batia na parede daquele teatro. Ficava tudo tapado de barro.

Tinha bastante movimento ali (Praça da Estação) o movimento maior aqui era na Praça Rui Barbosa. Mesmo assim, aos domingos, o pessoal ia tudo ali.

Eu me lembro muito do José Schittini. Ele até foi no meu casamento. Ali era dele (próximo) à Caixa Econômica Federal, tudo dele que está ali. Ali tinha uma sapataria. Trabalhava uma porção de ofi-ciais pra ele. E tinha aqueles casos ali pra baixo, aqui quem entra nessa rua que vai pra Rodoviária, do la-do esquerdo ali. Agora reformou tudo.

Conheci (o coronel João Duarte). Eu me lem-bro que ele andava a cavalo. Naquela ocasião... não tinha carro muito aqui não. Então ele andava era a cavalo. E era um português forte, bonitão, rosto re-dondo, assim meio baixo. Conheci muito! Muito boa pessoa, né?

Eu me lembro também uma vez que nós fo-mos... eu estava aprendendo música, mas ai eu não estava sabendo, não. A banda de música minha... A banda de música minha... A banda de música minha... fomos lá fazer uma recepção a ele. A varanda de lá...

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Eu comecei a aprender, mas não puder seguir não, tocava trombone. Era com o Dionísio, um preto que tinha ai. Dionísio Brum. Depois passado muito tempo, tinha um filho dele aí, Mário Brum. Já viu aquela banda de música que fala... falava! Porque ho-je não fala mais! A Lira do Xopotó? Então esse filho dele, ouvi falar que tocava lá. Mário Brum.

O pessoal ouvia os mestres falar. Eu estava aprendendo primeiras notas e eles ficava admirados e chamava os outros pra ver a embocadura que eu ti-nha pra tirar uma nota aguda. Ninguém tirava igual a eu! Depois eu relaxei. Rapaz novo, né.

O (coronel) Antônio Augusto, conheci ele muito. Da Usina. Aqueles filhos dele, tudo eu conhe-ci. Conheci as filhas dele todas. Trabalhava bastante gente lá.

A Fábrica (Irmãos Peixoto) era pequena. Depois foi aumentando... Aumentando... Eu conhe-ci ele ali. Ainda tem uma marca no lugar que era a Fábrica. Eu conheci até o Peixoto Velho. Manoel Peixoto Velho. Era um português assim... usava bi-gode.

Foi no final de 1945 que eu passei a construtor. Eu trabalhava de pedreiro. É. Trabalhava de pedreiro. Mas o negócio é o seguinte: o serviço apertou demais não sei se o pessoal gostava muito do meu serviço

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e eu tinha doze, treze me esperando nervoso. Ficava até mal, “que achava que o dinheiro dos outros era melhor”. Falaram comigo assim. Foi indo, foi indo, que um rapaz lá da Cia Telefônica, um engenheiro de lá: “Não. Você tem que ser construtor! Você tem com-petência!” Ai começou a tirar aquela papelada que tem pra... até quem assinou pra mim, um foi aquele doutor que tinha lá atrás da Igreja. Dr. Osmar, o ou-tro, um que tinha na Cia Telefônica e aquele Doutor Walter da Cia Força e Luz. Precisava assinatura de três engenheiros. Aí tirei a carteira de construtor.

(Nessa área) só tinha uma casa que meu sogro construiu. Meu sogro era Marcolino da Silva Rama. Era irmão do “Seu” Rama. Da casa Rama. Ele cons-truiu a melhor casa que tem aqui até hoje! Essa que mora o Ivan Barroso, a Ilda... Foi a primeira casa que ele construiu, então eu morei ali. E Cataguases... aqui pra baixo, não tinha casa nenhuma. Era só um casa-rão alto lá no fundo. Qualquer enchente ia lá. Pegava e ia até o meio, podia até cobrir.

(Na Granjaria) não tinha nada não. Não tinha quase nada. Tinha era o morro ali. Ali na avenida Melo Viana – aquele lado esquerdo passando lá da casa do Emanoel Peixoto – ali tinha uma casa velha. Parecia fazenda. A casa dos Cruz. Então pra lá eles plantavam arroz ali. Tinha um arrozal ali. Era um

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brejo mesmo. Tinha muita água ali. Eles fizeram casa lá assim mesmo. Depois fizeram mais alto e foi ater-rando. Tinha pouca casa ali. Pouca mesmo.

(O progresso) foi muito rápido! Agora, de-pois que o Dr. Tarcísio entrou pra cá foi uma coisa fora do comum! Vou dizer, até coisa interessante: nunca vi uma coisa assim! Foi uma coisa nunca vis-ta em Cataguases! Não sei como esse homem podia! Eu falei com ele outro dia “Dr. Tarcísio, não sei co-mo que você pode tocar tanta obra!” Uma pessoa só. Porque tem uma coisa: eu noto que prefeito aqui em Cataguases não tem muita gente que ajuda ele bem não, como devia de ajudar, muita coisa eles podiam ajudar, ele não ajudam. Coitado! Ele tem vontade às vezes, mas não aguentam.

A primeira obra, que estou lembrando aqui agora, foi o Grupo da Vila Reis. Fui eu que fiz. Fiz o Centro de Saúde. Fiz até de empreitada. Depois dali diz o SOS. Aquilo ali. Fiz aquela parte toda ali. Escola de Enfermagem foi eu que fiz também. Depois eu fiz aquele... não sei agora fizeram outro. Parece que fize-ram outro. O Centro Cirúrgico.

A cadeia, eu dei uma reforma nela, mas não tem muito tempo não. Já era antiga. Desde que eu me entendo por gente já existia aquela cadeia ali. Nós demos foi uma reforma boa nela. Ficou até bonito.

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Ainda ontem fui a Vista Alegre. Eu estou com uma turma lá reformando a praça. Ontem eu fui lá. Anteontem eu fui lá na ponte que nós tamos fazendo pro Dr. Walter.

De vez em quando eu saio com os meninos, mas eles não quer que eu trabalho porque eu estou com asma. Eu estou atacado de asma.

Entrevistado por João Carlos Borges Juste e Hedileuza Maria de Oliveira Valadares, em 05/10/1988.

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Com a idade de cinco anos eu fui mo-rar com a tia, que minha mãe... minha mãe era vizi-nha dela e tinha até padaria, trabalhava muito. A tia Chica, sem filhos, o pai dela chamou ela para morar na fazenda – na época era Porto de Santo Antônio, depois passaram para Astolfo Dutra em homena-gem ao doutor Astolfo Dutra. Ela, tia Chica, falou assim: “eu vou, mas tem que levar uma menina co-migo”. Então pediu a mamãe que emprestasse uma das filhas. Ela (mamãe) falou assim: “leva a Hilda que ainda não está na escola”. Eu tinha cinco anos.

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“Emprestada”, ela frisou bem. Mas a emprestada eu fiquei até ela morrer, porque de lá quando eu estava no terceiro ano, não tinha escola lá. Só era particular. Ela me internou aqui, neste colégio (das Irmãs). 1922. Tinha 12 anos. Chorava muito, escrevia bilhetes pelo correio. Naquela época era correio. Não tinha ônibus, só tinha trem. Eles recebiam lá as cartas. Ficavam chateados até que resolveram vir para cá. Aqui eu fiquei até mudar pra aqui. Mudou pra cá, morou naquela casa atrás da igreja. Aí eu fiquei externa. Terminei o primário. Fiz... tinha um ano de admissão naquela época. Fiz admissão e o normal. Sou bem ve-lha, né, 1909. Formei em 1927. Nós éramos dezoito colegas. Lembro-me de todas.

Eu era escolhida para cantar no coro, eu to-cava bandolim quando vim pra cá. Tinha vergonha do tal bandolim, não gostava não. Eu aprendi lá em Astolfo Dutra mesmo, era pequena. Quando eu mu-dei pra aqui comecei a estudar violino com uma tur-ca que tinha aqui. Não me lembro agora o nome dela.

(Formei) com dezoito anos. Aí então as ir-mãs me ofereceram lá uma cadeira de Geografia e História. Com dezoito anos, e elas também tinham quatorze, quinze... tinham muito medo da discipli-na. Só que a Madre Aparecida, que era diretora, né?

“Como é que vou fazer, as meninas são moças, não

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vão me obedecer não”. “Pode deixar, Nossa Senhora do Carmo vai ajudar a você dar aula”. E ela de vez em quando passava lá pra ver se tinha desordem, mas não tinha não.

A Praça Santa Rita era bonita. Tinha um cha-fariz muito bonito no centro, tinha peixinho, e tinha um coreto todo domingo tocava banda, a gente pas-seava era aqui. Árvores e muita flor. Tinha só meio fio em volta. Muito banco de madeira. Só pé de fer-ro, o resto de madeira. Lá, essas moças da época, a Vivaldina Queirós, dona Lourdes Matos, Lenira Matos, Totolas Matos... as moças chiques da cidade, naquela época, eram essas. Moças chiques (traziam) modelos do Rio. Hoje ninguém passeia nem nada, porque ficam vendo televisão, a rua fica sem movi-mento. (As famílias) as visitavam, passeavam juntas na praça. Tinha cinema, que era muito frequentado, o cinema Recreio, na praça lá de baixo. Tinha “série”, a gente acompanhava ali. Toda sexta-feira e toda se-gunda-feira, a fita era em série. A gente ficava doida para chegar segunda-feira, doida para chegar sexta-feira. Agora, domingo, não tinha muita gente não. Ia todo mundo passear na praça.

Usava assim aqueles bailes nas casas, era bom mesmo. A Aída Nacarati, a Benedita Silva, elas eram... tocavam piano pra gente dançar. Valsa, quadrilha...

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aquelas valsas bonitas e usava cantar. “Agora silên-cio, fulano vai cantar”. E cantavam. Quem tinha voz bonita cantava. Todo aniversário. Não era só comida não, tinham bailes mesmo. E o clube, onde tinha de vez em quando bailes. Quando era festa assim, baile chique no clube, aí era vestido comprido, rodado, só de roda de carro. Muita renda, e salto alto, porque ninguém ia à festa de salto baixo. Hoje está tudo... faltam só andar de chinelinho. As moças de Itamarati também eram muito chiques. Ninguém dançava com moço que estava sem paletó. O carnaval era muito bonito! Tinha o corso na praça, aqueles jogando ser-pentina um no outro ficava bonito que só vendo, bo-nito mesmo!

Casei em 1934. Nós começamos a namorar na igreja. Mãe Josefina zangava com a gente, que ali não é lugar de namorar. Namoramos uns dois anos. Tocando violino, tocando flauta. Lá na igreja, nas missas. Tinha os ensaios durante a semana, namo-rávamos só assim. Não tinha esse negócio de andar na rua, nem vinham na casa da gente não. Tinha bi-lhetinhos. Eu respondia, namorava com os bilhetes e nos dias dos ensaios da igreja. (O José Condé) era de Piraúba. Trabalhava na Força e Luz. 35 anos. Quando se aposentou, trabalhou na Prefeitura. Ele foi verea-dor quatro períodos. Gostava muito de política. Esses

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homens importantes, que vinham de Belo Horizonte, ele que era escalado para receber, falar. Teve uma ocasião que veio também o Antônio Carlos; o José fez um discurso pra ele... uma festa no Horto Florestal, um jantar muito bonito. Eu, José e a Margarida toca-mos. Ela levou... era um harmônico, porque naquela época não tinha esses órgãos pequenininhos. O José tocava flauta. Nós fazíamos aquele conjunto: flauta, piano e violino. Tocava nas festas de Normalistas. Todos os anos a gente tocava com o senhor João Ciodaro. Quando vai chegando assim... a época de formatura, começava a gente a ensaiar, tinha o hi-no próprio das Normalistas, um hino muito bonito. Toquei muito na igreja também.

Eu tinha meninos, tive sete filhos. Todos ho-mens. Perdi um. Mas tia Chica fazia muito gosto que eu aproveitasse a vida. “Vai tocar, você tem de ir. Não pensa nos meninos não, eu tomo conta pra vo-cê”. Quer dizer, ela me incentivava e ajudava a olhar os meninos. Se tinha curso, por exemplo, de flores:

“vai fazer, vai fazer”. Curso de doce, também, de bolo, ela insistia pra eu ir. Ela tomava conta dos meninos, ela me ajudou demais a criar os filhos. Senão não se-ria possível tanto, nem trabalhar no grupo. Eu traba-lhava à noite. (Fui diretora) 28 anos, ali na avenida. Professor Quaresma. Esse grupo foi fundado pelo

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doutor Pedro Dutra. O mesmo prédio que funciona-va ali três grupos. O Astolfo Dutra, o Coronel Vieira e o meu. O meu quase que acabou no fim, sabe, porque puseram grupo noturno nas escolas, nos bairros, né, e então os meninos de lá ficaram por lá, e os meus aqui, central. Então não tinha mais analfabeto. E quando estavam no fim mesmo, o Tarcísio (Henriques) então fez uma Escola Municipal lá na Taquara Preta. Eu pe-di pra funcionar lá. O último ano que eu dei diplo-ma, deu só 12 alunos. Estava prestes a morrer mesmo.

“Na minha mão não há de acabar”. 1983 eu aposentei. Eu acho ótimo (estudo noturno). Tem meni-

no que não conseguiu tirar diploma durante o dia, não teve oportunidade, tinha que ajudar a família. A frequência do meu grupo caiu muito a ponto de ser preciso fechar, por causa disso, das classes no-turnas que os grupos fizeram. E depois nem aquela lei. Quem dirigisse uma escola com três turnos, tira 80% a mais. Aí então que desastraram a matricular ti-rando meus alunos, leva para os bairros. Atrapalhou muito a minha escola. Aí eu soube que o Tarcísio (Henrique) tinha feito um prédio pra funcionar uma Escola Municipal. Eu perguntei se ele cedia pra mim à noite. Ele falou que sim, perfeitamente. Mas depois eu saí com as professoras aos sábados e domingos e matriculei seiscentos alunos lá, maiores e menores.

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Eu falei com o Tarcísio: “eu precisava do grupo o dia inteiro e à noite também”. “Vai, a senhora é quem manda, sendo pobre...” Eu oficiei à Secretaria que ha-via matriculado esses alunos. Aí veio a resposta que sim. Eles logo mandaram construir um novo prédio, mas eu já não trabalhei nele não. Você pensa que eu aposentei do grupo pra ficar à toa? Faço salgados pra fora, faço uma porção de coisas.

Entrevistada por Hedileuza Maria de Oliveira Valadares e Maria Lúcia Miranda, em 17/06/1988.

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Eu é que agradeço vocês terem se lembrado de mim. Lembrar de mim e fazer parte... para mim isso é uma honra: fazer parte da história de Cataguases!

Meu pai era português naturalizado por uma lei da República de 15 de Novembro de 1938. E os portugueses que passaram a chegar naquela época estavam automaticamente naturalizados. Quando eu nasci meu pai tinha sessenta e cinco anos de idade. Naquela época o diálogo entre pais e filhos era muito difícil. Não é como hoje. Ele veio da cidade do Porto. Parece que ele esteve um período no Rio Grande do Sul e depois veio para Cataguases. Ele gostava de la-voura e achou que o campo aqui fosse próprio para

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o trabalho dele. A Fazenda Santa Maria foi ele que plantou. Ele fundou. A Fazenda Santa Maria foi do meu pai, José Pinheiro da Silva, no Glória.

A minha mãe era brasileira, Agda Nuniz da Silva. A família é do Estado do Rio de Janeiro, ali de Cordeiros. Fato curioso, por exemplo, é que meu pai era casado duas vezes. E a primeira esposa do meu pai faleceu, e meu pai se casou com a sobrinha da primeira esposa. A primeira esposa do meu pai era tia da minha mãe. E um meu irmão por parte de pai se casou com a irmã da minha mãe. Então ele passou a ser meu tio... meu irmão e meu tio porque a esposa dele era minha tia. O respeito naquela época era tão grande que minha mãe chamava meu pai de senhor:

“Senhor José, vem almoçar! Senhor José, vem jantar!” Então havia aquele respeito enorme! Eu mesmo não lembro de nenhuma briga, nenhum atrito, entre o meu pai e minha mãe. O exemplo que o meu pai e a minha mãe me deram, assim, de caminhos bons de vida, acho que foi muito grande, porque havia uma harmonia enorme entre eles.

Eu já nasci em Cataguases, na Vila Domingos Lopes. Eu sou aquariano de dezoito de fevereiro de 1931.

Todo o segundo matrimônio nasceu em Cataguases. O primeiro matrimônio não. Foi to-

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do de Santa Maria (meu pai) tinha locação de imó-veis. Casas, naquela época. Aquelas ruas ali com a Maurício Murgel, Leopoldo Murgel, meu pai tinha um grande número de casas ali que eram de locação. Depois que ele se cansou da lavoura, ele já estava com mais idade, veio para Cataguases. Desfez da fa-zenda lá e adquiriu imóveis aqui.

(Minha infância) foi toda aquela Vila! Eu me lembro daquela Igrejinha Nossa Senhora do Rosário. Era uma capela muito bonita! Aquelas festas... e eu gostava. Não sei se é porque já tinha assim um pou-co de desejo artístico... porque tudo é uma arte, não? Aquela arte barroca, aquelas músicas, aquele folclo-re. Um pouco de folclore dentro dos ritos daquelas festas. Apesar da liturgia, a parte religiosa acompa-nhava as festividades. A gente levantava às cinco ho-ras da manhã para aquela queima de fogos de arti-fício no dia da padroeira! Aqueles leilões de gado... aquilo tudo ali envolvia de uma certa forma. Eu não sou assim um saudosista, mas eu acho, por exemplo, que era muito mais... havia muito mais religiosidade, havia mais sinceridade, havia mais amor. O espíri-to religioso do povo da época era muito maior! Eu era rapazinho, comungava, confessava com o maior fervor. Hoje em dia é muito difícil você encontrar um rapaz de dezoito, dezenove anos que... hoje é

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muito difícil você ver um jovem numa igreja. O pa-dre Antônio que me perdoe, mas eu acho que hoje é muito diferente. Acaba a coroação, a Ave-Maria, já vem rock em cima com uma caixa de som envolven-do tudo.

Já se tomou uma cerveja naquelas barraqui-nhas ali... e churrasco. A Nossa Senhora saindo e dali a pouco você a tomar cerveja quase que ao lado. Isso era inadmissível antigamente. Hoje já se permite.

Me lembrei daquela época do Guido Marlière. Eu botava aquele tênis branco e ia marchando tam-bém. Depois o Ginásio Cataguases. A gente tinha aquele orgulho: “Ah, eu sou do Colégio Cataguases!”. Aquele uniforme de gala, aquela coisa muito bonita.

Em 1941 eu me diplomei. Meu diploma de primeiro grau no Guido Marlière. E ali aquelas fes-tas! Tinha um teatro, um auditório muito bom! A gente recebia o diploma, ia todo de branco, terninho branco, uma coisa bonita! Tinha teatrinho... e naquela época eu tinha uma inibição... tinha o hino do Guido Marlière, que era um hino muito bonito, sabe? Então a gente subia ao palco em fila, recebia o nosso diploma e depois vinha o teatro. Era uma coisa muito bonita!

Depois fui para o colégio Cataguases. Aí já é a fase da adolescência. Peguei o Ginásio Velho. Era um prédio numa fazenda, eles transformaram aquela

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fazenda em Ginásio. Professor Antônio Amaro, era um professor maravilhoso! O ensino era muito rigo-roso. Era o Gradim, Lyses Brandão... eles eram bons professores. Tanto que eu devo muito ao ensino do Colégio Cataguases. Mas era um rigor extremo! Se numa arguição nós não respondêssemos corretamen-te, a gente ficava até quatro horas da tarde sem almo-ço, sem nada. Sem tomar uma água, um café! A mim me inibiu muito. Por exemplo: o professor Gradim, eu tinha medo dele. Ele era um bom professor, mas ele era tão extremo, que o que ele passava no qua-dro... eu posso dizer pra você que eu saí do Ginásio sem dizer pra você o que é objeto direto.

Depois eu fui para o Rio de Janeiro, fiz con-tador, depois fiz meu curso de Direito. (Antes) traba-lhei dois anos na Casa Felipe, aqui no comércio. Mas meu desejo era sempre o Rio de Janeiro por causa do teatro. Então eu fui para o Rio de Janeiro. Fui para a Escola Dramática da Prefeitura, que hoje é Martins Pena. Lá eu cursei uns dois anos. E comecei a escrever. Fazia meu curso de Direito e escrevia. Foi quando es-crevi a minha primeira peça infantil. Tive sorte de ar-ranjar um emprego na Aeronáutica. (Fiz) um concur-so para consultor jurídico. Aí exerci minha advocacia dentro da Aeronáutica como advogado do Ministério. Trinta e cinco anos. Eu me aposentei em (19) 86.

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Eu comecei... eu tenho umas vinte e poucas peças de teatro infantil. Como autor. Autor, muito tempo depois. Porque a inibição não me permitia. Mas um dia faltou uma pessoa que fazia uma apre-sentação do show; eu fui obrigado a me dirigir ao público. A primeira peça que eu trabalhei eu fiz um papel pequenino! Era um bem-te-vi. A peça chama-

-se “Dona Raposa é uma brasa”. Aí eu gostei, fui per-dendo a timidez. Depois da “Dona Raposa” veio “O Gato Playboy”, que já foi apresentada no Brasil quase todo. Criança gosta! Eu faço um teatro assim total-mente descontraído. É participativo – eu faço assim uma comunicação com a criança. Eu e a criança. Às vezes eu desço do palco e levo o teatro lá para a pla-teia. Eu brinco com a criança, converso, troco ideias com elas, levo-as até o palco, entende? No final eu pergunto se elas gostaram ou não... dali é que eu tiro assim, o resultado, o positivo e o negativo do meu trabalho. Um adulto vê sob um ponto de vista assim, talvez mais cenografia, alguma coisa assim. Detalhes, não é? E a criança gosta da espontaneidade do espe-táculo.

Eu e meu grupo fomos convidados pela TV Globo para trabalhar no Sítio do Pica-pau Amarelo. Eu fazia um bruxo. O papel não era grande, mas eu contracenava com a Tereza Raquel, Paulo Silvino...

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aqueles figurões da TV Globo. Mas eu não continuei porque é muito difícil. A Globo, vamos dizer assim... é uma firma que dizem que é brasileira, mas a meu ver é mista. E lá dentro... a televisão é muito bonita para você ver em casa, mas para você trabalhar, exis-te assim, uma violência, uma agressividade muito grande por causa do tempo! Ensaiam umas duas ve-zes só. Você não pode errar. Por isso é que as novelas repetem sempre quase os mesmos atores que são pes-soas que já estão treinadas para aquilo.

Ah, o carnaval é o meu ponto fraco! Por exemplo, o carnaval da minha infância, nós tínhamos o “Lorde Clube” e as “Mimosas Camélias”. “Lorde Clube” era do senhor João Caetano, Rafael Manna, ali na Vila Domingos Lopes, e o “Mimosas Camélias” que era das pessoas, comandado pelo senhor Emílio. O “Lorde Clube” era aqui na Praça Rui Barbosa. O

“Mimosas Camélias” era ali em cima do Sindicato Rural. (Sr. Emílio) batalhou muito por Cataguases. E ele fazia tudo com muito gosto. E não tinha assim, como agora, samba enredo. As músicas eram hinos:

“Oh, que noite linda / Vamos cantar / Com prazer e alegria / Nós saudamos este povo / Neste dia de alegria!”

Era o hino do “Lorde Clube”. Isto em 1939, (o carnaval) era muito bonito! Era aqui na Praça Rui

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Barbosa. Eles desfilavam aqui. Desfilava um, de-pois desfilava o outro. “Ah! Ganhou Lorde Clube! Ganhou Mimosas Camélias!” Mas era uma coisa as-sim, que o povo aplaudia. Era por aplauso. Não é co-mo agora: o jurado e tal, tal.

Em (19)74 o falecido Wellington Guedes, que tinha apelido de Siluca, ele me convidou para vir aqui. Foi a primeira vez que eu saí. E foi no Unidão. No Rio de Janeiro eu nunca participei de carnaval. Eu fui para a Vila Minalda em (19)86. É difícil você fazer carnaval na Vila Minalda porque o povo não é mui-to carnavalesco. Ainda há restrições de pais que não deixam as filhas... sambar e brincar carnaval é uma coisa limpa ali na Avenida. Aquilo é uma coisa bonita. Eu tenho ajudado a Vila Minalda... o ano passado eu desfilei pela Vila Minalda... o ano passado eu desfi-lei pela Vila Reis, o Reimanso, o Reimanso, o Taquara Preta e mais a Vila Minalda. (As fantasias) algumas eu compro e reformo. Algumas foram criadas por mim. Acrescento, tiro alguma coisa... mas sempre dentro do enredo. Eu acho maravilhoso! Quando a gente passa naquela Avenida assim, que o público aplaude a gen-te então... porque o artista vive do aplauso. O povo daqui sempre foi muito generoso comigo.

Na infância eu acompanhava meu pai. Naquela época os políticos chegavam de trem ali

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na Estação. Aquela festa! “Vai chegar o Benedito Valadares – que foi governador não sei quanto anos – em Cataguases!” Aí tinha aquele foguetório! Era a época que usava chapéu. E eu acompanhava meu pai. Eu tive o grande prazer de ver o Juscelino. Veio aqui em Cataguases, eu fui ao comício. Eu o acho um brasileiro sem igual. Juscelino teve muito carisma. Eu posso usar um pequeno testemunho porque eu sem querer, na Aeronáutica, eu fui escrivão daquela Revolução, daquele movimento que houve contra o Juscelino, de Aragarças e Jacaré-Acanga. Como o te-nente na época não era datilógrafo... então o tenente disse: “Olha, você vai datilografar e eu vou assinar”. Então eu fiquei a par de tudo aquilo ali, daquele in-quérito que houve, daqueles militares, e eu fiquei a par do poder, daquela qualidade de perdão que o Juscelino teve. Então, pra mim, o Juscelino foi um grande homem, um grande político.

(Política) Municipal, eu tenho lembranças dos nossos antigos prefeitos – José Esteves, que era o far-macêutico da família... a política tinha um caráter fa-miliar.

Eu me sinto feliz. Como não sou casado, eu criei um rapaz, um filho. Criei um filho desde os quatorze anos. Eu ainda ajudo ele até hoje. Eu for-mei ele em Direito e Jornalismo. É a árvore que eu

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plantei. Eu acho que dei a alguém uma instrução. Até hoje as pessoas que precisam de ajuda para estu-dar, eu ajudo.

Eu acho Cataguases sensacional! Cataguases para mim é tudo! A amizade das famílias, dos ami-gos, dos meus colegas de infância, do futebol – do Palmeiras que eu jogava, do Tiro de Guerra, de tu-do isso... do carnaval daquela época que eu assistia. Cataguases é uma cidade culta, uma cidade que tem a cabeça igual à do Rio de Janeiro. Mas eu quero vir para Cataguases mesmo, porque a gente fica à vonta-de, as pessoas são amigas, tudo muito natural.

Entrevistado por Glaucia Siqueira e Hedileuza Maria de Oliveira Vala-dares, em 1988.

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Meu pai chamava João Simões Raipp e minha mãe Francisca Maria Raipp. Família de Leopoldina. (Meu pai) era sírio. Quando ele fale-ceu era muito pequena. Ele era bem mais velho que minha mãe. Viemos de mudança (para Cataguases), procurando melhores meios de vida. Eu devia ser uma adolescente. Acho que foi em (19)28, (19)29, por aí. (A cidade) não tinha o desenvolvimento, que tem hoje. Naquela época não existia tantos colégios,

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tantas praças... A igreja velha eu me lembro. Tenho até uma foto dela, que dei pra minha filha. Estudei no Coronel Vieira tenho boas lembranças. Lembro perfeitamente das minhas duas professoras. Uma chamava D. Nair de Almeida, era muito vaidosa, se aprontava muito, era bonita. A outra foi Vera Lobo. Era muito enérgica. O estudo daquele tempo reque-ria muito. Hoje o estudo está fraco. (As colegas)... de vez em quando eu encontro com Neli Maria, ela é da família de um farmacêutico. Tinha uma outra, Maria Clara, tinha... duas Rezende, que são parentes da D. Dalila Rezende: Erotildes e Zélia. A Zélia já é fale-cida. As brincadeiras eram tão ingênuas, simples... brincadeiras de roda, de berlinda, de passar anel... a gente se divertia assim. Eu só fiz o primário. Tirei com distinção e louvor. Costumo mostrar para meus netos.

Eu comecei a namorar muito cedo, com qua-torze anos, e logo após que eu fiz dezesseis anos, me casei. Não tive tempo de aproveitar a mocidade, fes-tas, essas coisas. A minha vida foi pra ser dona de casa. Dois anos depois, nasceu meu primeiro filho, e aí foi esse desenrolar de vida de fraldas e mamadei-ras, e até porque antigamente não usava mamadei-ra, a gente amamentava a criança no peito. Era lei-te materno mesmo. Naquela época, não sei por que,

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quase toda mãe amamentava seus filhos. As pessoas eram mais bem alimentadas e se dedicavam mais. A mulher não trabalhava fora, tinha mais tempo de dedicar aos seus filhos. Guardava (resguardado). Eu fiquei de cama sete dias, o banho era levado no quar-to – naquele tempo banho de bacia – a gente só comia aquele pirão de galinha, não comia nada de tempo. E graças a Deus até agora tive uma saúde boa. Vou fazer setenta e sete anos. Agora, tenho esse proble-ma: não posso frequentar lugares com muita gente que eu começo a me sentir mal. Nem a missa mais eu vou. Desmaiei duas vezes. Fui em médico até no Rio. Ninguém disse o porquê.

Eu conheci (meu marido) num parque de diversões aqui em Cataguases. O meu namoro foi curto, e namoro daquele tempo era sentado ali na sala. Eu não tinha pai, mamãe por ali, os irmãos... Não tinha a liberdade que hoje tem. Meu marido era brasileiro... Alberto de Souza Nogueira Júnior. O Joaquim Peixoto Ramos, pai de Minalda, era muito amigo do meu sogro, e tinha os dois que eram sócios: O Augusto David e o José Queiroz de Pereira. (meu marido) trabalhava com o pai na fá-brica – “Nogueira Companhia” balas, macarrão... Não sei como é que corria lá, como que é fabricava as coisas, como era os negócios mesmo. Eu não sei

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nada, porque como eu disse, naquele tempo a mu-lher era à parte dos negócios do marido, a gente não participava. E depois havia um fator que também contribuiu: eu com dezesseis anos e ele com trinta, mas modéstia a parte, meu marido era mais bonito e atraente...

O meu sogro foi um dos primeiros sócios que morreu. Depois disto, meu marido continuou tra-balhando na fábrica, mas como empregado. Não sei como correu os negócios não. Meu marido aposen-tou, e logo depois ele faleceu. Ele era muito ciumen-to, não admitia amizade nem convivência. Eu vivia mesmo para os filhos. Olha, eu era tão criança que nem me lembro se ele me tratava como uma adul-ta ou como criança. Ele reclamava como sendo uma autoridade, eu costumo dizer: a mulher se emanci-pou mesmo. Eu sempre digo: se eu fosse casada com ele nessa época de hoje, eu teria me separado, sem dúvida nenhuma. A mulher hoje trabalha, estuda, e depois de casada, depois que tem filho, ela tem a vi-da dela, tem direitos. Naquele tempo não, a gente era uma criança domada. O marido era o cabeça da casa, o chefe, a vez dele é que tinha que ser respeita-da. Tivesse certa ou errada. Eu enxergava (isso), mas não tinha nada a fazer, né. Uma menina de dezesseis, dezessete anos... Com dezoito, eu já tinha dois filhos,

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podia pensar em... primeiro: eu não tinha condições de deixar essas crianças pra estudar ou fazer qual-quer coisa. Vontade a gente tinha. (Mas) naquele tempo... o marido não aceitava em hipótese nenhu-ma. Deixar com quem? Você é a mãe, a responsabili-dade é sua. Não ia a lugar nenhum. Minha vida foi criar filhos – quatro. É o que eu digo: ele já tinha fei-to tudo na vida o que teve vontade, ele casou para se acomodar; e eu passava pela vontade. Ele reprovava (até) os padres. (Gênio) difícil, muito difícil. Morreu novo, com cinquenta e um anos. Eu não saía na rua sem ele, também saía pouco com ele. Eu costumo dizer: só tinha coragem de sair na rua apoiada pe-lo meu filho mais velho, de braço dado. Não tinha coragem de sair na rua sozinha. A gente não tinha a liberdade que tem hoje de ir a um supermercado, escolher o que quer, ter aquele prazer de catar aqui, ali, isso não quero, outro não quero... tudo quanto é feito com a livre e espontânea vontade da gente, tem outro gosto. Agora, fazer uma coisa pra satisfazer o outro, tá sempre sentindo tolhida, tá sempre pensan-do: “Se eu pudesse fazer aquilo, seria tão agradável”.

Eu sou muito racista. Acho que isso é herança paterna, meu pai era racista, me lembro que minha irmã mais velha ganhou um afilhadinho de uma la-vadeira nossa. O meu pai não admitia que ela pegas-

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se o afilhadinho. Racista mesmo! Eu não admito o casamento de um preto com branco, não admito mes-mo. Acho o fim.

Leio tudo! Gosto muito de livros de pensa-mento positivo, minha leitura predileta. Leio jornais, revistas... Não sou fanática em televisão. Só esta par-te de jornal e uma novela ou duas.

Passado não é comigo. Eu acho que atualmen-te é melhor, porque não há nada melhor que fazer o que deseja.

Entrevistada por Glaucia Siqueira, Mariana Cândida Cardoso de Almeida e Hélvia Peres Cordeiro, em 04/06/1991.

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Gosto muito de minha cidade on-de nasci e criei. Trabalhei numa fábrica 38 anos. Sou aposentado. Eu tenho 73 (anos), estou caminhan-do pra 73. Comecei a trabalhar na Indústria Irmãos Peixoto, com 15 anos, ganhando quinhentos réis por dia, das seis às cinco da tarde. E com outra, tenho o prazer de dizer, pra ajudar pai criar a família ainda. Nascemos de família pobre, como pobre morremos com toda nossa honestidade. Entrei lá como serven-te de pedreiro e lá me formei como pintor de con-servação de máquinas e casas de aluguel que eles

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tinham. Era tudo serviço da fábrica. Eu trabalhava tanto na parte interna quanto na parte externa, que era nas casas que ele tinha. E como empregado fui um grande pioneiro ali e um zelador de maquinários de indústria e sistema de lixamentos e pinturas de maquinários.

Estudei até o 4º ano. Muito mal o 4º ano. Eu não tinha condição! O pai pobre... Não tinha tempo. Era das seis às cinco. Chegava cinco horas com o cor-po cansado, porque tinha que trabalhar, porque tinha que trabalhar, porque tinha os caçambeiros deles, que eram os encarregados, os mestres – geral, tudo em cima da gente. Tomara chegar cinco horas a gente ir pra casa, tomar aquele banhozinho, mudar aquela roupa que pudesse mudar, pegar aquela janta. Nove e meia, mais ou menos, dez horas ir pra cama dormir pra levantar às cinco horas no outro dia pra apanhar pão na padaria, essas coisas pra levar pra casa pra papai comer, enquanto a coitada da mãe levantava às quatro e meia pra fazer o café pra gente.

Aqui só tinha indústria e nada mais. O pes-soal saía da roça pra vir pra cidade trabalhar na in-dústria. Saía da roça pra vim acumular na cidade em busca de dias melhores. Só existia essa outras... através dos lucros que os trabalhadores davam na-quela época. Depois que foram surgindo as outras

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fábricas... a Industrial... estamparia... Saco Têxtil... foi tudo assim, através dos lucros que os operários da-vam... davam e dão até hoje!

Só trabalhei na Irmãos Peixoto. Era dez ho-ras diárias. Oito horas de serviço e duas horas eles pagavam hora extra. Aquilo ali toda vida foi salá-rio mínimo pra nós ali. Era difícil, muito difícil ser promovido! Eu nunca fui. Eu saí de servente de pe-dreiro para oficial, às custas do meu sacrifício. Os que tinham chances lá eram os contramestres, os mestres geral da fábrica. Todos eles eram assim. Os que tinham. Eles aumentavam muito bem o operá-rio que eles quisessem aumentar. Eles pagavam o que eles queriam. Depois que as leis trabalhistas fo-ram mudando através do saudoso Getúlio. Quando Getúlio Vargas começou a fazer aquelas leis que nos amparavam o operário ficou numa situação mais ou menos privilegiada. Tirando aquilo, nós tinha nada não, não é isto? Não tinha nada! Ali era assim, até que nós íamos apanhando novos rumos depois que o Getúlio Vargas entrou na presidência. Não tinha proteção nenhuma. E de empregado... eram manda-dos embora por qualquer motivo. Naquelas épocas tinha aquela política braba do Dr. Pedro Dutra com o Manoel Peixoto velho, os operários eram muito perseguidos naquela época. Está compreendendo?

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Então era perseguido como fomos perseguidos na Revolução de (19)64 também. Houve a intenção no sindicato, tudo aí, houve prisões de líder de sindica-to aqui: Zé Rosa, eu, outros mais aqui. Fui parar lá também... Juiz de Fora, Belo Horizonte. Tive um mês lá sem ter nada com isso. Nós corremos muito lugar por aí. Eu era representante do Sindicato junto ao conselho da Federação nessa época do Zé Rosa. Ih... ih...ih... Ultimamente não cheguei a sofrer (tortura) porque eu sou reservista de segunda classe, tá com-preendendo? Eu sei lidar com essas autoridades. Eu, desse ponto de vista não tinha queixa não. Fui bem tratado porque como reservista sei dos regulamen-tos, porque a gente que está submisso a eles tem que cumprir o que eles quiserem.

O pessoal daquela época tinha medo de ser sumariamente aquele meio que hoje tem. O negócio era feio naquela época! Eles tinham uma caixa de as-sistência médica, com médicos da indústria, mas as receitas que eles receitavam era nós que comprava os remédios por nossa conta. Só valia naquela época era atestado médico O médico consultava, dava o ates-tado porque ele já estava em condições de trabalhar, todo mundo voltava pra trabalhar, compreende?

A (vida) do aposentado é pior que a do traba-lhador, por causa dessa defasagem, desses descontos

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desses INPS que fazem aqui, que é uma coisa fora de série, pois se o salário não dando... Aposentei com 128 mil cruzados por mês. 128 mil réis naquela época. A gente até perde a contagem do dinheiro. Tanto dinhei-ro diferente, que a gente não compreende se é dinhei-ro x, y, por aí afora. Não recebo salário por enquanto não. Nem o mínimo que o governo decreta nós rece-bemos no INPS não. Não sei o que há com esse INPS, que ninguém chega a ganhar igual aos que estão na ativa. Vão, se Deus ajudar que eles igualam a gente nesse salário. O INPS desconta de todo mundo. E o aposentado não sabe o quanto recebe ainda, tem dis-so também. Recebe aquelas folhinhas! Todo mês tem aquelas folhinha. Aquela folhinha... E sempre com uma reposiçãozinha que não chega a dar o suficiente daquilo que a gente necessita pro custo de vida.

Bom, (a situação) de fato era muito mais fá-cil do que hoje, hoje se tornou mais difícil, porque o custo de vida já atingiu os aluguéis de casa e aparta-mento aqui nessa cidade. Vamos falar o que é verda-de. Não tenho casa própria também não. Ainda vivo de ajuda dos outros. Porque casei pela segunda vez. Casei com a ajuda dos outros porque a primeira es-posa que eu tinha já faleceu. E além de tudo sou por-tador de um filho incapacitado, a manter ele com um litro de leite por dia pra não dar úlcera.

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(O trabalhador) é uma laranja. Uma laranja que só tinha valor quando estava boa. Apodreceu, jo-ga fora. É igual a uma cana. A cana é muito boa en-quanto tá lá de pé, levou lá no engenho joga o bagaço fora e vamos aproveitar o caldo.

A gente só entregava os destinos da gente pra Deus e vamos fazer nossas orações, pra ver se do al-to vem alguma bonança pra gente. Porque daqui da terra isso tudo é passageiro, é enganador, é só tapea-ção, nada mais. Vamos vivendo aí de qualquer jeito. (Teria que) mudar a política do governo pra melhorar a situação dos que estão aí vivendo.

Entrevistado por João Carlos Borges Juste e Rosângela Schittini Rodrigues, em 1988.

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Eu estou com 68 (anos). Acho que foi em 1926 que comecei a trabalhar. Da idade de sete anos... deixa eu ver... Eu parei em 1967. (Trabalhei) sessenta anos certinho.

Eu comecei trabalhando assim: meu pai tem um engenho na roça, tem um sítio, e às duas horas da manhã chamava a gente pra buscar cana pro en-genho. E dali nós viemos trabalhando no... ajudando a apartar vaca no curral como eles falam, né. Depois passei a candieiro de boi, depois passei a entregar lei-te na cidade.

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(O sítio) Lalão (era) pertinho de Cataguases. Fabricava rapadura. Lá eu fiquei até os onze anos. Aí o papai vendeu lá. E nós mudamos pra cidade. Aí eu entrei na aula e o sarampo me pegou, jogou um ano e seis meses de cama. Dali eu saí e comecei a recupe-rar. Passou muitos meses e eu só tomava leite, água e chupava bico. Mas nada de alimentar. Mas os médi-cos tratando e eu fui desenganado por seis médicos. Acabou eles já morrendo. Tem só um aí, que é o Dr. Sebastião. E eu estou hoje. Quando eu recuperei fui vender verdura para o Antônio Alexandre. Era pai de um tal Mané Broinha. Vocês conhecem ele. Ele é mui-to falado aqui em Cataguases. Nós vendíamos verdu-ra em cesta por aí. Era vinte apanhado de verdura em duas horas.

Mas nós vendemos verdura nessas ruas de Cataguases. Tinham poucas casa... os bairros tinham muito poucas. Umas casas muito longe... nos bairros. Aí eu só sei que às vezes eles compravam de mim de pena de vê a cesta de verdura que eu carregava. Eu trazia vinte mil réis de verdura, mas vinha mandioca, vinha batata, vinha laranja, vinha dentro da cesta... vinha couve, almeirão, vinha tudo. Aí era uma cesta pesadíssima pra dar o troco e pegar o tostão. A batata era duzentos réis o quilo. Mas tinha freguesia e pas-sava todo dia. Ela comprava. Dentro de quatro horas

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eu ganhava quatro mil réis por dia né. Esses quatro mil réis, eu dava a minha mãe pra ajudar a tratar dos filhos. Porque meu pai era pai de catorze filhos e eu trabalhava numa Usina de cana e já ganhava cento e trinta mil réis por mês.

Ele (meu pai) veio da roça, não sabia como é, que coisa. Eles vieram e deram o serviço. Ele pegou né. Mas não viu que não ia dar pra ele tratar da fa-mília né. Aí nós viemos trabalhando assim: eu e mais o irmão também arrumamos uma lenharia. Vendia lenha na rua. Depois um dia meu pai me chamou e falou assim: ó, eu acho melhor você arrumar um emprego pra você, porque você ganha porcentagem, mas no futuro... hoje você vende muito, mas pode vender menos. Eu não quis concordar muito com ele não, porque eu ganhava igual a ele, né? Mas aí o rapaz da fábrica de macarrão, o Aníbal Salgado via eu trabalhando e me chamou pra trabalhar com eles. Aí eu fui trabalhar. Sabe quanto ele me pagava por dia? Quinhentos réis por dia. Eu falei com o homem que ia sair. Ele passou a pagar mil réis por dia. Aí eu trabalhei um ano ganhando mil réis. Aí falei assim:

“mil réis também eu não fico não.” Pegava sete horas da manhã até às quatro da tarde. Eu saía do servi-ço, ia pra estação porque vinham os trens e traziam muitos viajantes. Ali eu costumava uma pegação de

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mala e de embrulho que eu fazia durante a tarde. Eu ganhava dez vezes mais que na fábrica que eu tra-balhava, mas eu sustentei o emprego pra eu cumprir a ordem do meu pai. Que ele achou que dava certo né? Aí quando eu estava com seis anos lá, ele passou a ganhar dois mil e quinhentos réis por dia. Mas eu fui... já tinha arrumado lá na Irmãos Peixoto pra ga-nhar quatro.

(A Fábrica de Macarrão) tinha uma base de uns treze funcionários mais ou menos. A Irmãos Peixoto é mais antiga. A irmãos Peixoto é de 1905, né. E a Fábrica de Macarrão eu não olhei bem a data, mas vem depois. Funcionou bastantes anos. Eu tra-balhei uns seis anos. Quando eu saí eles trabalharam mais. Eu já trabalhava na indústria durante dez anos, ela ainda estava aberta. Aí depois que ele veio à fa-lência. Primeiro veio a falência da Fábrica Raimundo Nogueira. (Fabricava) bala e macarrão. (Era) ali, sa-be aonde que mora o Dr. Serafim Lourenço? Naquele trecho ali defronte aquele açougue. Ali do lado do Serafim Lourenço. Ali onde é o armazém hoje de ne-gócio de construção. Era mesmo ali na fábrica.

Ah... na Irmãos Peixoto entrei lá em 19(39). Na indústria de macarrão entrei em 1933. Eu trabalhei seis anos lá e passei pelo 39 na indústria de tecido. Na indústria de tecido eu trabalhei mais ou menos uns

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vinte anos, fazendo catorze horas por dia. O salário deles era muito pouco. Aí fazia mais quatro horas e eles pegavam 20% sobre as horas. Aí foi tudo bem. Quando eu estava com vinte e dois anos de serviço lá Irmãos Peixoto, começou uma perseguição em ci-ma de mim. Entrou uma turma de trabalhadores uma turma de trabalhadores na indústria né. E toda pro-dução que fazia não aparecia. Aí um dia o Manoel Peixoto me chamou lá no escritório e perguntou por que as minhas máquinas produziam trinta e cinco mil jardas por dia e a dos outros produzia setenta. Que ele via eu na frente da máquina diariamente e os outros viviam brincando, fazendo garruchinha den-tro da indústria e dava mais produção que eu. “Não. Porque eu recebo a produção que a máquina dá.” Só falei isso com ele. Não falei mais nada. Aí ele chamou o encarregado lá e nele falar com o encarregado ele passou todo mundo que ganhava por ponto, ganhou por hora. Porque por ponto dava uma média nós de três cruzeiros o rolo. Quer dizer, que eu fazia trinta e cinco dava pra mim dez mil e quinhentos por dia na-quela época. E eles faziam setenta dava pra eles vinte e um cruzeiro. Aí o patrão não falou mais nada. Então chamou o encarregado e pôs todo mundo por hora. Dali começou a perseguição em cima de mim. Tudo que eles pudessem fazer pra me prejudicar pra eu sair,

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eles faziam. O Onofre Corrêa Neto era encarregado da indústria, ele era lá na tecelagem, ele era mesmo que dono. O que ele falasse estava falado. Todo mun-do sob as ordens dele. Nesse meio tempo eu tinha um filho meu trabalhando na fiação. Ele trabalhou lá quatro anos, chamava Joaquim. A primeira vingança que eles fizeram foi mandar o menino embora. Eles não podiam me mandar embora porque eu tinha es-tabilidade de casa. Aí mandaram o garoto embora. E me cortaram. Em vez de eu fazer as quatorze horas, me puseram fazendo oito horas por dia. Eu ganha-va mais duzentos réis a hora, eu e mais dois compa-nheiros – era o Pedro Anthouguia e o Sudário, dois irmãos – puseram nós trabalhamos oito horas e tirou o aumento que é pra vê se fazia pressão pra nós sair-mos. Aí eu nessa época era tesoureiro do sindicato. Aí eu cheguei no escritório e falei com o Dr. Francisco. Aí quando eu fui pra falar com ele o Onofre entrou na frente. Porque lá o salão é do tamanho disso aqui mais ou menos. O Dr. Francisco estava lá batendo um documento. Ele falou: “Ó, não recebe esse moço não que esse moço é subversivo, é lá do sindicato.” Aí o homem levantou e falou assim: “Some. Sai de perto de mim, não quero ver você na aqui na minha frente de jeito nenhum. Pode ir procurar seus direitos pra lá.” Dr. Francisco era o dono da fábrica. Foi quando

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Manoel Peixoto saiu pra Manufatora e ele ficou co-mo gerente de lá. Mas eles tinham o Onofre como o maior da fábrica. Aí eles não me mandaram embora não. Mas começaram a me perseguir, tiraram os au-mentos. Aí eu falei com ele: “Se você não chega meus honorários no lugar eu vou ser obrigado a promo-ver uma ação contra vocês.” Entrou junto comigo os meus dois companheiros Sudário e Pedro. Eu fui fazer um depoimento. Até na época o juiz da Junta era o Valdir de Mattos e o José Rosa Filho. Eu sabia que o Valdir ia votar contra, mas eu tinha certeza que o Zé Rosa votava a favor. Porque o Zé Rosa era do trabalho, era presidente do sindicato. Aí ele votou a favor. Se ele não votasse, nem recorrer eu não podia. Mas mesmo assim nós perdemos aqui em Cataguases. Tocou para Belo Horizonte. Lá em Belo Horizonte nós perdemos. Aí dois colegas meu fugiram da raia. A ação continuou. Eu apelei pelo Rio, porque quando eu toquei essa causa eu tinha certeza que eu ganha-va. Um camarada tinha ganhado uma causa igual a essa e ela estava arquivada no Rio. O advogado que é do sindicato não queria tocar porque estava com medo de perder. Aí eu fui ao Sr. Pedro Dutra. Falou assim: “Você perde nisso de qualquer maneira. Eu sou muito seu amigo e toco pra você não ficar meu inimigo.” Falei assim: “Então você pode tocar porque

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garanto que nós ganhamos.” Aí o Dr. João, advoga-do do sindicato, resolveu a recorrer pro Rio. Aí nós ganhamos. Depois, como diz, da causa ganha, eles alegaram que não pagaria não. Eu ganhava mais que os outros dois duzentos réis a hora e eles tinham que repor, porque aí é serviço igual, salário igual, né. E eles bateram pé que não pagavam de jeito nenhum. Aí foi o maior aperto pra nós porque o advogado não queria recorrer porque estava com medo de recorrer e a indústria não pagar. Aí quando ele ficou querendo sair fora – porque a política aqui era tão forte em cima dele, que ele estava até com medo de mandar matar ele. Porque a política aqui era triste. Agora endireitou, mas na época que era Mané Peixoto e Pedro Dutra era: “ô” mata “ô” vive – falei com o Zé Rosa, presi-dente do sindicato: “ô Senhor requer o advogado de Belo Horizonte”, que na época era o José Moreno. Aí o... ele ficou com medo de deixar o outro receber a causa que ele tinha. Fez o requerimento e mandou. Daí a dois, três dias que nós fizemos o requerimento chegou a ordem de pagar dentro de vinte e quatro ho-ras. Aí eles mancaram, falaram, falaram até babá, mas pagaram...

Aí mudou... tinha mudado a gerência da in-dústria. O filho do Dr. Francisco pagou, porque fica-va um papel com o sindicato, um com a indústria e

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o outro ia pro Ministério. Eram três folhas. Naqueles depoimentos ele viu que havia tramoia dentro do serviço e pegou a quadrilha de pessoal estava tudo roubando pano. Eles vendiam os retalhos pra fora. Entregaram como retalho, mas no meio iam peças de pano de alto valor. Um próprio parente deles com-prava e vendia. A quadrilha era grande. Só sei que ele... pegaram eles, puseram tudo na rua.

Na casa que eu morava tinha um quintal gran-de e fazia horta. Antes de eu entrar em serviço eu já tinha o meu quebra galho por fora. Tinha um tal de Modesto aqui em Cataguases que tinha uma quitan-da. Eu entregava a ele trinta e quarenta mil réis de verdura. Toda manhã eu deixava pra ele revender. Quer dizer que eu ganhava pouco na indústria mais tinha meus vira por fora. Eu não aguentei até chegar a aposentar, tinha que aguentar não. Tinha que sair mesmo, pois o ordenado da fábrica toda vida foi uma miséria mesmo.

Eu trabalhei tomando conta de uma banca de jogo. Começava trabalhando das seis às duas. Aí das duas horas eu saía pra casa, mas meu ordenado não dava. Aí eu peguei uma banca, banca de jogo pra to-mar conta. Eu pegava às seis horas da tarde. Tinha dia que eu trabalhava até às cinco da manhã. Às cin-co da manhã chegava, nem deitava. Ia em casa, to-

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mava café e voltava às seis horas pro serviço. Eu... fiz isso que estava com minha mulher... tinha sido ope-rada de vesícula, ela tinha uma epilepsia...então eu estava com um gasto tremendo. Aí tomava conta des-sa banca de jogo pra poder tapar buraco.

Naquela época roleta funcionava aqui. É uma roda. Aqui horas rodava das seis horas até enquanto tivesse ponteiro. Às vezes rodava a noite inteira, mas aí eu rodava aquilo, ganhava vinte por centro na por-centagem. Quando dava dez mil eu ganhava meus dois. A roleta tinha pano assim, todos bicho numera-do em cima da mesa, na roda também era pintado os bichos, vinte e cinco bichos. Aí toca a roda e eles bota ali o dinheiro. Aonde o bicho parar, paga. Trabalhei um ano mais ou menos ali, né. (Funcionava) na Vila Domingos Lopes, naquele prédio do Bebeto. O Carlos Crepalde e o Wilson Crepalde, que vieram de Miraí, abriram essa banca. Eu trabalhava com ele... toquei o serviço com eles e ganhava porcentagem. Quando eu acabei de pagar tudo que eu devia já es-tava na hora de eu começar a juntar um dinheiro. Aí chegou um delegado novo pra aí e acabou o jogo. Aí eu com minhas oito horas do mesmo jeito.·.

Sou pai de dez (filhos), mais só seis vivos. Quando eles começaram a trabalhar me ajudando eu fiquei cuidando só da horta e do serviço. Larguei o

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jogo pra um lado e fui tocando a vida. Um dia eu es-tava trabalhando, já era oito da manhã, eu alembrei que eu tinha seis anos da fábrica de macarrão e esta-va fazendo vinte e nove anos na Irmãos Peixoto. Nem em casa eu disse nada. Fui lá no escritório, chamei o Dr. Ângelo e conversei com ele. Falei: “o Senhor quer me dar três mil (cruzeiros) eu vou sair agora.” Ele fa-lou: “Não, nós não podemos fazer isso que a fábrica está em decadência, está sujeito até fechar mesmo.” Eu sabia que estava, que o roubo era grande. “Você vai almoçar que nós vamos estudar o seu caso, quan-do nós voltarmos, se der pra fazer alguma coisa pra você nós fazemos.”

Eu fui almoçar. Quando eu voltei o Dr. Ângelo me chamou. Falou: “ó, os três mil que você me pediu não dá não, nós damos um mil e oitocentos cruzeiros se você quiser. Nós não podemos pagar de uma vez também não. Vamos pagar parcelado trezentos cru-zeiros no mês.” Eu falei com ele: “Eu estou achando pouco, mas eu vou fazer uma outra proposta aos se-nhores. Se o senhor aceitar, o senhor me da seiscentos mil agora e faz quatro promissórias de trezentos.” Aí ele aceitou. Ele bem que estava doido pra eu sair, que eles faziam tudo pra me tirar da seção, mas eu não saía mesmo. Não saía porque eu sabia que iria acabar aposentando. Aí, saí dali, eu aposentei.

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Eu aposentei com o salário das dez horas que eu ganhei. Aí fui, fui pra casa. A mulher nem espe-rava. Quando eu cheguei falei: “Eu saí aposentado, vocês não vão passar fome não...” O medo deles era passar fome, que quem trabalha em fábrica ganha uma miséria desgraçada. Eu saí que eu estava muito doente, já tinha trabalhado muito tempo nesse horá-rio sem dormir. Tinha dia que eu cochilava na frente da máquina. Eu fui ao médico. Primeiro fez um tra-tamento de saúde. Aí entrei na sinuca trabalhando lá com o João Luciano. Sinuca ali perto da praça. Ali eram onze mesas. Trabalhei lá uns dois meses. Ele es-tava me pagando trezentos mil por mês, mas eu achei que não estava dando, foi sair. Eu saí dali fui ven-der picolé pra Sibéria. Picolé dá mais que a sinuca. Eu vendia uma base de um mil e duzentos picolés por dia a dez centavos cada um. Só ali ganhava por dia uma média de... dava vinte e quatro cruzeiros por dia né, que durante o mês dava setecentos e vinte. Eu aposentei com cento e vinte e oito mil réis por mês, que o salário da época era oitenta e quatro o salário. Dali é que eu comecei crescer. De picolé eu passei bo-tar caramelo dentro do carro. Botava Mirabel, botava maçã. Só sei que dava uma média... Eu tenho arre-pendimento de ter entrado na indústria por causa disso. Se eu continuasse vendendo eu hoje era rico.

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Que depois que eu aposentei já de trinta e cinco anos de trabalho, foi que eu fiquei negociando na rua. Aí eu pude estudar essas meninas minhas até o terceiro científico cada uma. Falei com eles: a única coisa que eu posso deixar pra vocês é o estudo. E estão todos empregados. Tem uma no Banco do Brasil, tem três na Telemig. Graças a Deus!

Quando eu entrei na indústria os companhei-ros de serviço, se entrasse um novato lá apanhava, compreendeu? Quando eu entrei eles me ameaçaram me bater. Não foi encarregado não. Esse trabalhava na mesma máquina. Só avisei eles, também não me-xeram mais. Que eles queriam que eu acompanhasse eles fazer a malandragem. Pro patrão ver, mandava embora e botava outro. Eles queriam ser o dono. Eles tinham medo do sujeito aprender a trabalhar e tomar o lugar deles, conforme nós tomamos.

(O encarregado bater) eu não vi não, mas logo eu entrei eu sabia. O Serafim Spíndola pegava o su-jeito pela orelha assim, e batia. O Eudaldo também diz que batia. Os moleques eram meio safados quan-do entravam na fábrica. Tinha moleque que era en-diabrado mesmo, mas não era pra eles bater, mas ele batia. Se não obedecesse eles metiam o coro mesmo, e pai e mãe não achava ruim não, que eles assinavam lá um contrato. Se andasse errado podia corrigir né.

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Esse filho meu que entrou na indústria, eu tive que assinar. Eu assino pra ele trabalhar, mas pra espancar ele não.

Em (19)64 era tesoureiro do sindicato. Eu não sofri (perseguição) porque eu sofri uma opera-ção na boca. Eu que ia viajar com o Zé Rosa pra as-sinar o livro de... presença lá em Belo Horizonte, na Federação. Mas como eu não pude eles mandaram o Joaquim Ladeira no meu lugar. O Joaquim Ladeira apanhou. Escapei. Mas eles não me batiam não, mes-mo que eu fosse eles não me batiam não. Porque eles acompanhavam mesmo essa turminha que vivia aí fazendo negócio de... como é que chama? De Partido Comunista. Eu quantas vezes falei com o Zé Rosa:

“Zé Rosa, sai disso, isso no fim vai dar...” porque eles falavam demais, o que eles falavam nem, nem o se-nhor, se fosse rico também não aguentava. Eles fala-vam em pegar os sujeitos, pendurar nas árvores, cor-tar o pescoço, pintar o diabo. Quanto discurso eles fizeram na... Casa Felipe ali desse tipo. A polícia que era forte engrossou e mandou vim a polícia do DOPS. No dia que eles foram nesta fazenda do Turiaçu, lá foi uma confusão dos diabos, só você vendo o que foi.

Aqui em Cataguases, esses fazendeiros ven-deram tudo e vieram pra indústria, compreendeu? Ali os patrões dava-lhe o voto e pros filhos dele, pra

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eles votar neles. Quando o fazendeiro não vendia vinha os filhos dele pra trabalhar, os empregados lá eram tudo obrigado a votar ali, compreendeu? Mas arranjado por eles era mesmo que uma fazenda in-completa em Cataguases. O que votar, o que eles soubessem que votou contra ele, ia pro meio da rua, ameaçado até apanhar. Tinha os capachos que tra-balhavam, já pagou pra aquilo, pra vigiar o sujeito onde ele ia, Mas comigo não aconteceu disso. Eu al-moçava e jantava na casa do Pedro e era empregado da Indústria Irmãos Peixoto. A Irmãos Peixoto nunca me pediu voto, mas os outros eles ameaçavam. Eles nunca me pediram voto porque meu pai toda vida acompanhou o Pedro Dutra, e eles não arrumaram serviço pro meu pai na indústria, porque o meu pai era do lado do Pedro Dutra. Quando ele trabalhava na Usina, mandaram ele embora por causa dele vo-tar com o Dr. Pedro Dutra. Agora, o Pedro Dutra foi um homem mas muito canalha dentro de Cataguases

- deixa falar que ele já morreu – porque o meu pai fez tudo pra ele, ele teve coragem de dar emprego pro meu pai na Prefeitura pra varrer rua, compreendeu? Porque o meu pai tinha estudo, podia trabalhar na prefeitura. Ele sofreu depois de cair da política, mas ele mereceu cair, porque ele fez muita covardia com os outros também que dava apoio a ele. A família do

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meu pai era grande. Filhos, cunhado, tudo, tudo vo-tava com ele e ele fazer um troço desse. Você acha que é certo?

Eu, pra mim, nunca tive diversão. Eles tinham o time de futebol da fábrica, mas eu nem acompanhei, porque o tempo que eles iam jogar futebol eu estava tratando da minha horta, que se eu não tratasse eu não podia sobreviver... Meu quintal era grande... o, eu sofri de todo o jeito. Numa época eu fiz uma horta lá em casa, vou contar pra vocês verem, mas plantei tomate, agrião, couve e almeirão à vontade, alface, ji-ló, uma média de 300 pés de cada coisa no quintal. Mas estava um mimo!

Naquele tempo vendia duzentos réis, trezen-tos réis o molho para as quitandas poderem revender, não é? Chegou uma mulher lá em casa e olhou, fa-lou assim: “o Senhor vai ficar pobre de rico com essa horta.” Mas parece que a desgraçada foi lá na hora errada. Mas no outro dia bateu um percevejinho des-se no pé de jiló. Tinha cento e vinte pés de jiló, mas já dando e os outros estavam começando a dar flor ainda. Mas não ficou um pé vivo! O senhor não acre-dita nisso? Ela falou de manhã. De tarde estava tudo de folha caída, mas chupou o verde do jilosal todi-nho, acabou. Deu uma muchadeira no tomatal, caiu tudo quanto era folha. Estava um sol quente... você

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via o tomate todo murcho em cima... do... estaleiro. O que me deu um bocado de dinheiro foi a couve, o almeirão e o quiabo. Daí uns dois meses bateu uma enchente, arrasou, acabou com tudo.

Eu tinha um bananal também, banana prata, foi a água, acabou com tudo. Demorou tanto a descer que não ficou nada. Aquilo me aborreceu, mas fui to-cando a vida. Em 19(79) deu aquela enchente grande, bateu uma enchente na indústria de meio metro. Eu já estava aposentado. Trabalhei 29 anos na indústria e nunca foi enchente lá. Aquela arrasou o meu quintal mesmo. Acabou, mas acabou por completo mesmo! Eu tinha um bananal, um goiabal que era uma bele-za, mas não ficou nada! Aquela enchente de (19)79, me largou sem casa, sem móvel, perdi tudo! Falei:

“agora que eu quero vê”. Os miolos na cabeça doía tanto, tanto que eu não estava tendo plano pra mais nada. E a minha menina trabalhava em Leopoldina já, no Banco, ela falou: “Ó pai, o senhor não esquenta a cabeça não, que nós vamos recuperar a nossa casa.” Quando ela ia tirar o dinheiro na Caixa Econômica pra nós fazermos a casa, era trezentos e sessenta mil na época, eu falei: “não tira não, aguenta mais. Tem um rapaz aí querendo comprar o quintal...” Fechei com ele. Fiquei com um pedacinho só (de quintal). Ah! Eu tenho verdura pra despesa e diariamente eu

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costumo vender um bocado, nunca deixei lá em casa sem horta não.

Não, eu nunca tive uma hora de lazer pra eu passar. Hoje você vai passar sem preocupação... nun-ca tive! Hoje sou aposentado, mas ainda tenho meus compromissos. Agora os meninos não querem que eu trabalhe não, me dão dinheiro pra mim andar à toa. Sei que a vida é uma luta, mas tem que ter fé em Deus pra você, viu? É uma luta infernal. Mas hoje eu digo pra vocês: tem hora que o patrão banca o... o ig-norante com o trabalhador por causa do encarregado. Porque o Dr. Francisco, deixasse eu contar a ele o ca-so todo, eu não precisava de tocar a causa e nem criar caso com a indústria que eu trabalhava muitos anos. Trabalhava com toda coisa que eles têm mandar meu filho embora. Eu ainda ficaria satisfeito, pois ali que eu estava ganhando meu pão. Eu não gosto de dizer não, mas eu com toda coisa que muita gente fala dos patrões eu não tenho nada que queixar de nenhum deles. Tanto na fábrica de macarrão que eu trabalhei seis anos, nem na Indústria Irmãos Peixoto. Agora dos encarregados eu tenho, porque me pisaram o ex-tremo, mas pelo patrão não. O Manoel Peixoto então foi um homem excelente pra mim. Um patrão que os outros falavam dele, eu não tenho nada a queixar daquele homem. Porque tudo que eu fui perseguido

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dentro da indústria com ele eu resolvia. Agora, de-pois que entrou o Dr. Francisco eu não resolvia mais, que o Dr. Francisco contava com aqueles capachos dele como majoritário da indústria, não sabendo ele que eu sabia do rolo todinho dentro da indús-tria. Não falava pra não prejudicar ninguém. Que eu sabia mesmo! Tudo que saía da indústria eu estava cansado de saber. Tanto na sala de pano quanto na parte da administração dos encarregados. O Onofre Corrêa tinha mais de quarenta empregados que tra-balhava pra ele por fora da indústria. Isso tudo eu sabia. Quando fizeram o Saco-Têxtil, onde ela foi à bem dizer à falência. Uma coisa tremenda!

Entrevistado por João Carlos Borges Juste e Rosângela Schittini Rodrigues, s/d.

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Eu ajudava meu pai desde meni-no. Foi quando começou, iniciou o Horto, 1924 por ai afora. Entrou lá o diretor, acho que foi o primeiro diretor do Horto: Doutor Vantol; Pedro Luiz Vantol, sabe? Foi o primeiro. [O horto florestal] era diferen-te. Era um saiguá. Tinha uma mata, como tem até hoje, mata virgem, mas o resto era um saiguá. Você sabe o que é um saiguá? Saiguá é beijaúba, moita de cipó, uma esperteira, umas madeiras, umas coisas

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bobas, sabe? (Animal?) não tinha nada não. Via falar que tinha uma jiboia lá, mas nunca ninguém viu. Eu trabalhei nessa época de pequeno com meu pai, de-pois mais tarde com outro diretor que plantou tudo que você está vendo lá: Virgílio Moreira, eu trabalhei com ele. As árvores estavam deste tamanho assim, e a gente tinha que cuidar delas, não capinar naque-les becos, nas carreiras. Tinha que roçar baixinho, pro mato não tomar conta das árvores. Ai nós trabalháva-mos lá umas quatro a cinco horas diariamente. Eu vi-nha aqui na praça Santa Rita na época de podar, ai eu levava... lá tinha um casal de animal de carroça, pra custeio, pra trabalhar pra eles. Eu vinha com a carro-ça buscar muda aqui, muda não, galho, pra chegar lá e cortar aquelas mudinhas, cortar assim e plantar na areia. Pra poder formar muda.

[O horto] era do Estado... ainda é. Plantava-se algodão pra fora. Eu era tão pequeno, que eu catava algodão por peso. Apanhava pra ganhar um dinhei-rinho. Dava acho uns 200 réis por quilo. A gente cata-va algodão, eu não lembro para onde ia este algodão. [Plantava-se] dentro do horto. Cá fora, onde é hoje lote de ipê. Cada trecho é uma madeira. Lá tem um lote, de aroeira, ipê, óleo vermelho, jatobá, tudo.

Nós moramos uns tempos lá. Puta merda! Nunca vi dá berne assim rapaz! Na cabeça da gente,

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aqueles bernes. Mosquito, né. Pousava e dava ber-ne. A minha mãe que cortava o cabelo da gente. Eu tinha muitas atividades. Eu saía de lá do Horto e ia pro nosso sítio, ali perto do horto mesmo, pra traba-lhar. Depois eu voltei lá do sítio e voltei a trabalhar no Horto outra vez. Foi logo que começou a plantar o que está plantado lá, mas com outro diretor: Virgilio Moreira. Eu cuidava daquelas árvores, tudo que tem lá. Naquele tempo tinha água lá, agora não tem. Era da represa. Você já viu a represa de lá? Aquelas pe-dras dessa barragem nós tiramos cá embaixo, onde eu falo que tinha “carnera”, pra jogar água pro alto do morro, ali tinha uma pedreira. Era quebrada as pedras ali e nós transportava aquelas pedras ali, na zorra. Zorra é um gancho de pau assim, jorrado de tábua. Ali carregava as pedras em cima daquela zor-ra, e cá na parte amarrava pro boi puxar. Correntes de boi na ponta da zorra. Aqueles... como gancho de tiradeira. A água de lá era da represa. Represa lá den-tro do mato, lá em cima. Secou tudo ali. Agora parece que está brotando uma aguinha lá, e muito boa até, que vem pra lanchonete lá. Quando você for lá tomar a água de lá, é muito boa. Mas ali era cheio, tinha pei-xe, tinha tudo. Era até perigoso a gente cair ali. Tinha um cipó desta grossura assim, lá em cima na salguei-ra. Tinha um cipó bacana, mais seco, eles tinham cor-

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tado ele embaixo, cipó imbé, conhece? Eu era doido pra dar uma gangorrada naquele cipó. Mas eu não tinha coragem. Aí eu falei: Hoje dá o que dé eu vou dar uma gangorrada neste cipó. A represa tinha dimi-nuído mucado a água, estava aquele barrinho fininho, igual filtro, barro filtrado, sabe? E o cipó arrebentou lá em cima. Arrebentou e eu fui certinho dentro da represa, mas no barro. Cheguei em casa, lamiado de barro, dos pés a cabeça: calça azul, blusinha branca, não sabia que cor que eu era de tanto barro. O cipó arrebentou, cipó imbé arrebentou.

Estudava aqui [no Coronel Vieira]. E não ti-nha... a granjaria não era a granjaria. Não tinha es-sas casas. Não tinha esse progresso que tem hoje não. Não tinha nada. Tinha lá na granjaria umas duas ou três casas. Alí no Simões tinha mais um pouquinho, porque a família dele morava quase todo mundo por ali. O [coronel] Artur Cruz. Lá em cima era o Agnelo de Melo, na granjaria. É a direita do Hipólito era o Simões. Aqui nessa avenida Humberto Mauro, pra lá da linha, pra ali afora tudo nós aramos terra pra plantar arroz. Não tinha mesmo nada não, tinha uma porção de olaria. Antes de chegar no Fórum pro lado debaixo, tinha umas duas olarias. Tijolo. E a usina de açúcar funcionava também. Até no Pedro Dutra era roça. Era mato.

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[Estudei só até o] 4º ano. A sopapo, mas foi até o 4º ano. Não vinha a aula. Não era longe, até que a gente vinha bem, mas o papai precisava da gente todo dia. Família muito grande, precisava da gente todo dia: “Hoje você não vai não que eu preciso de você. Hoje não vai não...”. Quando era de manhã ou-tra vez: “Não, não vai hoje também não. Você já fa-lhou mesmo a semana toda, acaba de falhar o resto da semana”. Anita Carneiro era a primeira professo-ra. Depois Eunice Taveira.

Nós tinha sítio engenho. Nós fabricávamos rapadura quase o ano inteiro. O papai um dia man-dou eu vender uma rapadura: “vai lá na cidade e vê se vende essa rapadura; to precisando de dinheiro”. Ai eu trouxe a rapadura. As casas de comércio eram muito poucas. Era os fortes mesmo, era João Cândido, Casa Rama; os fortes. Tem mais outros que eu não me lembro. A Casa Rama vendia de tudo. Tinha tudo, ti-nha mais preço. Eu acho que tinha preço. Porque eu era menino, e depois eu largava o serviço lá em casa, papai falava: “agora você vai na Casa Rama buscar um litro de querosene”. Depois que anoitecia um me-do desgraçado. Vinha de lá aqui correndo. E é longe daqui lá. Uns cinco a seis quilômetros. É aqui que tinha preço melhor, Casa Rama. A Nacional já exis-tia. Mas essa não vendia de tudo. Vendia material de

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construção: cal, cimento, ferros. Essas casas boas, não vendia não. Ai, eu andei a cidade toda com aquela amostra de rapadura e vendi doze caixas pra um cara lá na vila, pra no outro dia trazer. No outro dia trouxe. Ai o tempo mudou. Rapadura é uma coisa ingrata. O tempo muda, ela muda também. Aí, não estava igual a amostra. Aí, o camarada falou: “eu não quero não. Não está igual aquela que você trouxe”. Aí, não quis, andei mais, aí, um outro. Ninguém quis. Voltei com tudo pra trás. Tudo! Não apurei um centavo.

Não exista [necessidade] não. [Havia] muita fartura. Só de vez em quando e tal. Aí, a gente preci-sava comprar um quilo de toicinho. Às vezes o por-co não estava na época de matar. Pra comprar rou-pa? Quando comprava roupa comprava tudo igual. Parecia uniforme. Vinha na rua e comprava uma pe-ça de pano de uma vez. Era pra comprar umas coisas assim, uma roupa e tal... E daí ter o dinheiro também. Era difícil por o dinheiro no bolso.

Era só trabalhar, e aos sábados era bailes na roça. Era gostoso, tinha forró. São João fazia um bai-le. Nossa! Que alegria! Chegava aquele dia, rapaz! Aquele baile. Tinha fogueira, tinha de comer, sabe? Bolo... Carnaval a gente vinha olhar de longe. Não tinha dinheiro pra gastar. O dinheiro era curto. Tinha muito trem de comer, mas dinheiro que era bom mes-

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mo tinha pouco. Só olhar. Carnaval só olhar. Mas não era só eu não, era todo mundo. Rapaziada da roça, era todo mundo.

Dia 6 de dezembro de 1939 [vim pra cidade]. Aí, eu entrei na fábrica, e fiquei até agora em 1972. Trinta e três [anos] e vinte e seis dias eu trabalhei lá na Irmãos Peixoto. Eu fui primeiro dobrador. Dobrador é a produção de tecidos. Dobrar aquilo tudo produzi-do durante o dia. Depois apontador. Depois, ultima-mente, chefe da sala de pano, expedição. Patrão não tinha esse negócio de coisa não, com o empregado não. Era tudo igual. A gente mesmo chegava perto do patrão e pedia aumento, sabe? Antes do salário mínimo. Nunca houve greve não. Nem sabia o que era greve. [Trabalhava] de tamanco. Dia de domin-go, a gente tinha que botar uma sola no tamanco pra aguentar. Teve uma época que pegou dar uniforme pra trabalhar. Aquilo era quente pra chuchu, e era perigoso porque era uma bata. Um dia um camara-da enrolou aquela bata numa máquina; a máquina foi enrolando, enrolando, enrolando ele, quase ma-ta. Acabou. Eu trabalhava muito. Eu trabalhei muito, muitos anos. Quatorze horas. Recebia [horas extras]. Agora, depois de mensalista não recebe mais não.

No princípio, houve mesmo um pouco de pressão [política]. Mas foi no princípio. Logo o

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Manoel Peixoto Filho se elegeu e tal. Depois não hou-ve mais nada disso não. Na realidade é o seguinte: pelo que eu sei o Pedro Dutra tinha muito prestígio junto ao Estado, ao governo estadual, porque os go-vernadores que se elegiam eram sempre do Pedro Dutra. Ao passo que os Peixotos sempre ganhavam a política dentro de Cataguases, né? Era mais ou menos isto. Agora, houve pessoas que nos disseram que se um operário fosse visto sair da casa do Pedro Dutra, ele era demitido no outro... Eu conversava com ele na rua mesmo. Eu era um camarada que às vezes trabalhava pro Manoel Peixoto. Eu era o cabo eleitoral que mais arrumava voto pra ele, sabe? No fim de tudo ele me dava ainda uns 200 paus. Eu pro-duzia mesmo, eu arranjava eleitor. Fui vereador duas vezes. Eu não ganhei não, fui suplente.

[Cataguases] cresceu demais, aumentou mui-to... tudo cada dia tá crescendo. E antigamente, no início, era mais difícil... tanta casa velha...tanta coisa começava e não acabava. Mal começava um prédio e não acabava. Mal começava um prédio e parava. Agora não, agora pega e faz mesmo.

Eu fui atropelado aqui, quando [em] Cata-guases existia três carros só, na porta da Igreja... cor-re aqui, corre ali... brincadeira de menino. Na hora ia passando um automóvel... debaixo dele. O auto-

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móvel, era aquele automóvel alto, não deu pra ma-chucar muito não. [O proprietário] era o Mané Rama. Era o pai do Mauro. Dr. Mauro. Fui amigo dele toda vida.

Algumas partes antigamente era melhor. Hoje está muito perigoso. Antes você podia andar aí pra todo lado.

Entrevistado por João Carlos Borges Juste e Luiz Fernando Leitão, em 1988.

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Eu nasci em Cataguases, numa fa-zenda do meu pai, onde agora é o Bairro Leonardo, lá na linha... depois da caixa d’água. Foi ali que eu nasci, no dia 8 de abril de 1903. O meu pai era fa-zendeiro: Pedro Soares de Nazaré. E minha mãe: Rita Teixeira de Nazaré. Papai era de Vassouras, Estado do Rio. Ele casou-se com uma senhora de lá e foi pa-

M A D A L E N A S O A R E S A B R A N C H E S

P I A N I S TA

8 7 a n o s

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ra Cataguases. Em Cataguases, ele enviuvou e casou com uma irmã de minha mãe. Minha mãe tinha dez ou doze anos, naquela época. Então ele acabou de criar a minha mãe. Depois a minha tia morreu e ele casou com minha mãe: mais velho vinte e dois anos que ela. Tinha filho do primeiro matrimônio mais ve-lho do que minha mãe! Minha mãe tinha vinte anos, ele tinha quarenta e dois.

Eu me lembro que papai contava que quan-do foi para Cataguases tinha uns casebres, umas casinhas só. Não tinha nada mesmo, mas na época em que ele foi, porque na época que eu nasci já tinha muita coisa! No dia que eu fiz oito anos passaram a escritura do nosso sítio. Morei lá muito tempo. Até oito anos... Tive uma paixão horrorosa, apesar de ser pequena... Aí fomos para a cidade.

Eu já freqüentava a escola... Frequentávamos a escola da Dona Honorina Ventania, filha do Doutor Ventania, um médico muito bom em Cataguases. Depois inauguraram o Grupo Escolar Coronel Vieira. Fui pra lá na inauguração do Grupo: fiz o quarto ano primário. Era interessante. A gente vinha... a gen-te vinha descalço, sabe, porque tinha muito barro. Papai era danado de sovina! Então, calçava o sapato na beira da estrada, numa casinha que tinha lá. Fiz o curso primário: primeiro, segundo e quarto ano com

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Dona Honorina Ventania, e o terceiro ano com Dona Mariquinha, irmã de Levindo Coelho, que era até chefe político de Ubá. Em cada turma trinta e pou-cos... quarenta (alunos). O Grupo Escolar tinha no centro um patiozinho... A gente, às vezes, jogava vô-lei. Eu gostava muito de jogar vôlei... basquete era na Escola Normal... Joguei muito tempo.

Quando mudamos para a cidade eu fiquei triste. Queria ficar na roça toda vida... no tal sí-tio que era do papai... “os Diamantes” (Sítio Porto dos Diamantes). Onde é o bairro Leonardo. Era ali. Justamente... (hoje) faz parte da cidade... A gente quando vinha da escola brincava muito. Você sabe como é a vida de criança, não é? Era uma vidinha boa.

Aí terminou o Curso Primário, fiz o Curso Normal. Fui professora na roça: Fazenda Santa Cruz, Fazenda Maracatu, Ponte Nova. Fui professora ru-ral, (ensinava) todas as matérias. Dava aula de piano (também), desde os quinze anos que eu dava aula de piano. Tocava piano e tinha meus alunos. Eu ensinei para a Cida Queiroz, fui professora de uma moça que chamava Esmeralda... da Lídia Lombarde, do Serafim Lourenço...

Dei aula até para a Minalda Peixoto! Fui subs-tituta, a professora dela saiu. Ela até sabia tocar mui-

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to bem! Eu não sei porque ela me chamou para ensi-nar... Era em casa. Os que tinham piano, eu ia na casa deles. Alunos que não tinham piano estudavam na minha casa.

Trabalhei na “Força e Luz” e ia dar aula de piano depois do serviço. Para sustentar família, não é. Quando meu pai morreu eu fiquei com dezoito anos... Casei com vinte e quatro anos. Casei com um viúvo que tinha três filhos... Continuei dando aula de piano depois de casada, algum tempo. Tinha três en-teados, não é?

Toquei muito tempo também no cinema. Eu não era totalmente a pianista não. Substituía minha irmã, a Marieta, minha irmã mais velha, (que) era ca-sada com o maestro Rogério Teixeira. O cinema era mudo, então eles passavam primeiro para fazer uma exibição para o Rogério. E o Rogério aí punha as mú-sicas de acordo com o filme. Se era um filme românti-co, ele botava valsa. Se era um filme mais alegre, uma comédia, ele botava uma mazurca, um xote, ou uma coisa qualquer mais alegrinha. Eu decorava tudo quanto era música pra poder ver o filme. Eu tocava piano assim, olhando, não perdia uma partezinha do filme! Mas era bom!

Rogério, o maestro. A minha irmã também to-cava. Ela que era a pianista, eu era substituta. Marieta

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era exímia pianista! Tinha o violino, que era a Olga, sobrinha do Rogério, que tocava. O Dodô, irmão do Rogério, tocava violoncelo. Tinha clarinete... Era Arrequinto Costa ou Requinho um nome assim, eu não me lembro bem do nome não... O João Ciodaro que tocava violoncelo na orquestra, dormia, cochila-va, quando tocava... Era uma orquestra boa. Nós to-cávamos em bailes, casamentos, posse de presidente da Câmara... Às vezes tocava fora de Cataguases. Em Ubá nós tocávamos em banquetes! Constantemente nós saíamos para tocar em casamentos fora (de Cataguases). Casamento até da Cinira Resende! Depois casei e acabou tudo. Não toquei mais nada, comecei a tomar conta de filhos...

Eu tive que trabalhar por causa da minha família: era eu, dois irmãos e minha mãe. Eu tinha que sustentar a casa. Não era totalmente sustentar, ajudava, não é? O meu irmão ficou com treze anos, era muito pequeno. A minha outra irmã não tinha um modo de dar aula, porque ela não gostava. Então eu tomei a responsabilidade. Eu dava aula de piano, costurava para fora e bordava. Eu botava a máquina perto do piano e bordava ou costurava pra poder aju-dar na despesa da casa. Depois trabalhei na “Força e Luz”. Trabalhei no escritório com o senhor João Kneipp, o senhor Afonso Lanna, o senhor Mourão...

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gente boa. Trabalhei no escritório da “Força e Luz” em Cataguases.

Mamãe tinha uma formação de fazenda, an-tiga, né. E o papai também. De modo que nós tínha-mos aquela disciplina! Coisa de antiguidade mesmo! Eu, por exemplo, não frequentava praça nem nada, porque meus pais eram muito severos! Bem que eu gostava, mas eles não deixavam, não é? Naquela épo-ca tinha o Clube Recreativo, era ali na Rua do Pomba, quase defronte o Hotel Cataguases. Minhas irmãs frequentavam lá. Eu era garota nessa época. Tinha o Comercial, onde é atualmente o Cinema Edgard – ali era o Cinema Recreio – naquela época... os dois clu-bes que eu conheci foram estes.

Eu não frequentava mesmo festa não. O meu pai era severo. Minha mãe era muito severa. Então, a gente quase não ia. Quando ia era fugida, né. Principalmente no Carnaval! Depois tinha o seguinte: quando eu tocava às vezes num baile, eu tinha sem-pre quem tocasse uma ou duas vezes para mim, pra eu poder dançar também... Carnaval, minha filha, eu não posso te contar nada porque não me deixavam ir a Carnaval. Então eu não ia. Gostava de ver, não é? Mas mesmo assim quase não via.

Uma vez fizeram um bloco (de) colombinas. Eu sei que eu ensaiei as moças para o carnaval, pa-

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ra o bloco delas, e não pude ir tocar no cinema – no cinema não, no baile – porque minha mãe não dei-xou. Não é uma ironia? Ensaiei a turma toda. Até es-sa música... “pierrot que estás triste... foi a colombina que me deixou...”, uma coisa assim. Aquele salamale-que... Eles fizeram esse bloco de carnaval. Tinha mui-tas moças de Cataguases. Eu ensaiava elas todas, mas não ia não. Não me deixavam ir não.

Tinha o Grambery também, me lembro. As minhas irmãs estudavam no Grambery, onde é o Ginásio atual, o Colégio Cataguases. Ali era o Grambery. Mister Lee era o diretor, Miss Lee... tinha os filhos... Minhas irmãs estudaram lá. Todas toca-vam piano.

Foi há muito tempo, né? Me lembro do Ginásio antigo. O Ginásio tava pequeno. Eu até es-tudava na Escola Normal. A Escola Normal era ali na Avenida Astolfo Dutra, ali perto da Praça de Esportes. Na esquina, do lado direito, né. Do lado onde tem a casa do Manoel Peixoto, do Pedro Dutra, aquelas casas daquele lado. Numa esquina ali, do pessoal Cruz, da Conceição Cruz... Eu me lembro que eu estava... nós tínhamos aula... antigamen-te a gente tinha física e química no terceiro normal, né, então eu tinha aula, duas vezes por semana, no Ginásio. Lá em cima!

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Eu morava ali onde é atualmente a Casa de Saúde, por ali assim, onde é o Grupo “Flávia Dutra”, o papai fez uma chácara ali. Nós morávamos ali. Sete horas da manhã a gente tinha aula lá no Ginásio. Andava aquela distância toda! A gente ia a pé! O bonde das pernas! E não tinha a ponte nova, tinha aquela antiga, que era uma ponte de madeira ainda. Nem existe mais... Não tem o Colégio das Irmãs, o Orfanato? Tinha uma ponte antiga ali, de madeira... Eu vinha de lá de casa, atravessava tudo lá para ir para o Ginásio. Você imagina quanto eu andava! Saía ali onde é o Orfanato... Tinha carro de boi que passa-va ali. Mas era gostoso, você sabe.

Ainda lembro da inauguração da ponte metá-lica. O Grupo Escolar Coronel Vieira foi, eu fui junto carregando bandeira. Toda importante! Me lembro... estava bonito! Sempre que havia festa, qualquer coi-sa, eu era escolhida para carregar bandeira. Não sei porquê?!? O doutor Astolfo quando chegava, sempre a gente carregava bandeira... Inauguração da herma dele em Cataguases, ali de frente a Carcacena antiga. Herma do Doutor Astolfo. Não tem um busto dele lá? Nós chamávamos aquilo de herma. Não sei se ainda chamam...

Naquela época era bom. Atualmente eu não sei. Fui (a Cataguases) tem cinco anos. Fui visitar a

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Dona Maria, quando o senhor Humberto morreu, o pai do Tarcísio. Eu não tenho ido não, pra nós é difí-cil! A gente estando aqui em Belo Horizonte é muito mais longe que no Rio, não é. No Rio eu pegava caro-na do meu genro, o Feliciano, casado com a Carmita minha filha... passava uns fins de semana lá.

Me lembro da Chácara do Coronel João Duarte... Eu gostava daquilo. Eu li no “Cataguases” (que depois de restaurado vai funcionar o Centro de Memória de Cataguases). Mas tem muito tempo que eu não recebo... não estou recebendo o “Cataguases”. Não sei se os meus sobrinhos pararam de tomar a as-sinatura pra mim, porque eles sempre renovavam a assinatura lá. Fala com o Tarcísio, viu, que não estou recebendo o “Cataguases” não, para ele mandar pra mim.

Lembro muito da Eva. Conheci a Eva peque-na. Naquele tempo nós éramos vizinhas. Ela, o Roger, o Senhor Pedro Comello, a Dona Ida. Naquela épo-ca daqueles filmes que eles fizeram com o Humberto Mauro.

Assisti “Brasa Dormida” e... não me lem-bro do outro. Eu sei que assisti “Brasa Dormida”. O Humberto era muito bom, muito amigo da gen-te. A família toda... senhor Caetano... Depois saí de Cataguases, as filhas foram casando... A vida con-

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tinua, não é? Tinha minha casa defronte ao Serafim Lourenço. A minha casa era ali, mas não é aquela ca-sa que está lá. Era outra...

Quando demoliram o cinema eu fiquei numa paixão! Um absurdo terem demolido aquele prédio do cinema! Era uma maravilha aquilo ali! Eu me lembro que depois o senhor Augusto (Cunha) me chamou:

- Vem cá Dona Madalena. Vem ver o cinema que a senhora nos ajudou a construir, porque a se-nhora tocou aqui.

- Ah, senhor Augusto, mas eu não gosto desse cinema não. Eu gostava do nosso cinema! Do nosso Comercial, do nosso clube em cima do cinema! Era bonito aquilo ali. Tinha camarote, tinha frisa, tinha torrinha... Tudo muito bom ainda. Não sei porquê fi-zeram aquilo!

A igreja, aquela coisinha bonitinha que era a Santa Rita! Aqueles altares antigos, aquela sacristia... Eu me lembro bem. Eu fiz a primeira comunhão na-quela igreja. Tinha coroação... as meninas vestidas de anjo, vestidas de virgem... coroando... Eu tinha uma vontade de coroar! Mas nunca coroei não...

Só sei dizer que eu tenho muita saudade, muita saudade mesmo! Muita recordação boa, mui-ta amizade antiga que eu deixei... Muita coisa... José do Grupo... Lembro muito do tempo que ele era ra-

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pazinho, quando foi inaugurado o Grupo. O senhor José (era) muito bravo com a gente! A Augusta, mu-lher dele, era servente também... Muito boa a Dona Augusta! Eu gostava muito dela... Tinha um ir-mão dele também, que trabalhava no Grupo... Não me lembro agora. O diretor era o professor Eurico Rabelo, e a senhora dele, Dona Honorina Ventania, era a minha professora... Tinha a Irmã Joana D’Arc, a Gilda, Iolanda de Paula, Elisa de Paula, Ecila Lobo, a Ofélia – muito preparada, né, a Ofélia foi professora de francês no Ginásio – gosto muito da Ecila. A Ecila é uma criatura formidável! Lembro da Ecila mocinha cantando nos teatros, em Cataguases, muito gracio-sa. Muito graciosa mesmo! Cantava, dançava, muito graciosa! Quando ela casou com o Doutor Eduardo Lobo, eu até fui professora na fazenda deles, Fazenda Santa Cruz... Ester, a Zizinha, irmã da Ecila, foi mi-nha colega na Escola Normal. A Minalda... Eu brin-cava com a Minalda apesar de eu ser bem mais velha, mas morávamos em frente... Agora, eu já não tenho aquelas amigas que eu tinha... Todas já se foram...

Eu me lembro da fábrica pequena do senhor Manoel Inácio Peixoto, pai do Altamiro, do José... Eu conheci todos eles. Eu fui professora de piano da mãe da Edinéa, dei aula de piano para ela: Eponina, muito minha amiga. Dona Dedé, tinha a Casa Rama

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em Cataguases... Aquela rua ali, que mora a Estela Abrita. Ali, naquela rua do Rama, como a gente tra-tava... Tinha a Casa Felipe... Eu me lembro que era uma fábrica pequena, muito pequena mesmo, sa-be. Mas que deu serviço, trabalho, a muita gente em Cataguases. Lembro do operariado passando... Aquelas garotas passando com o tamanquinho ba-tendo... Então nós brincávamos que era a Sinfonia do Tamanco.

Em Cataguases tinha muito operária. Muitas, muitas mesmo! Porque naquele tempo tinha aquela fábrica do senhor Peixoto Velho, como nós chamá-vamos, tinha uma fábrica de biscoitos, macarrão, do Salgado, na Rua do Pomba... Teve uma fábrica de cer-veja, ali onde é a casa do Doutor Francisco, do Chico Peixoto. Era ali, uma cervejaria do senhor Paiva.

Eu me lembro assim de... remanescentes, sabe. Porque eu não me lembro da cervejaria mesmo não. Nós morávamos nessa casa quando viemos da fazen-da. Nós viemos para a cidade e moramos nessa casa. Tinha até um trenzinho que ficava tirando linha pra carregar os barris. A gente brincava ali, na casa onde é a casa do Chico Peixoto. Era uma casa antiga.

Na Praça Rui Barbosa tinham umas árvores bonitas, maravilhosas! Canteiros bonitos! Tinha um coreto: fazia retreta todos os domingos. Era banda

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de música, vários instrumentos... O coreto boniti-nho... antigo...

A mãe dessa (neta) que eu moro com ela... foi na ocasião do casamento dela que inaugurou a

“ponte nova”. Quando inaugurou a “ponte nova” eu já tinha minhas filhas todas. Eu tive cinco. Todas se formaram na Escola Normal de Cataguases. Duas de-las frequentaram o “Sacre Coeur” de Ubá, foram in-ternas. Depois ficaram em Cataguases mesmo... Elas iam a baile, frequentavam, fantasiavam, brincavam! Agora, das cinco, duas morreram pequeninas. As ou-tras três casaram: tenho treze netos e dezessete bisne-tos. Uma turma grande, né. Graças a Deus!

Meu namorado era médico, não sei se ainda tem família em Cataguases: Mendonça Costa, Doutor Mendonça. Vocês nunca ouviram falar nele não? Foi para Caratinga, Governador Valadares, tinha uma Casa de Saúde lá... Acabei casando com outro com-pletamente diferente, né. Eu me lembro que nós, no Grupo Escolar, quando tinha aula de cartografia, ou desenho, nós sentávamos sempre juntos! Engraçado como deixavam, não é? Havia muita afinidade entre nós e a família era muito amiga. Dona Anita, a mãe dele, era muito boa. Nós continuamos com amiza-de. Eu me casei, ele era nosso médico, sempre muito amigo, o Mendonça. Muito bom. Eu estava sempre

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em contato, ele era nosso médico. O meu marido não tinha ciúme absolutamente...

Eu casei com vinte e quatro anos, mas casei por descuido, porque eu não queria casar não. Meu ideal era ir para o Rio de Janeiro, trabalhar no Rio de Janeiro... Eu sempre fui independente. Eu sempre quis ser muito independente! Nunca quis depender não, de jeito nenhum. Depois de casada trabalhava em casa. Continuei dando aula de piano e ajudava meu marido no consultório. Ele era dentista. Achava que eu devia trabalhar no consultório com ele. Então, ajudava meu marido no consultório, na oficina, por-que naquele tempo, ele mesmo era protético dele, né. Ajudava a fazer essas incrustrações, serviços de

“bridge”, ponte, dentadura... Eu me lembro que a pri-meira vez que ele fez uma dentadura com um ma-terial novo – chamava Paladon – nós ficamos muito emocionados! Fazia de Vulcanite... Eu ajudava, eu era enfermeira dele, ajudava a fazer os curativos... Mas continuei tocando piano algum tempo. Depois deixei... Depois ele não quis mais...

(A música) era muito importante no tempo em que eu não tinha minhas filhas tudo pequenas. Porque eu tinha que dedicar às minhas filhas, ao marido, de forma que não tinha mesmo jeito de con-tinuar tocando. Deixei mesmo. Não toco não. Mas

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também com as mãos... do jeito que eu estou... Já está ficando tudo torto, olha aí. A gente vai ficando muito velha. Das minhas filhas mesmo, a Carminha toca ór-gão. Só ela estudou (música). Foi a única que quis es-tudar... Tocava muito bem, tava até no oitavo ano do Conservatório. Quando casou, foi para o Rio Grande do Sul, teve que parar.

Fui casada vinte e cinco anos. Minhas filhas se casaram, meu marido morreu, e a vida continua... Continua nos netos...

Tenho saudade... da minha irmã Marieta, do Rogério, dos meus sobrinhos pequenos. Eu ajudei a criar meus sobrinhos muito tempo, até me casar. Estava sempre com minha irmã. Eram vários sobri-nhos muito seguidos, minha irmã teve dois partos duplos. Não foi brincadeira não! Fico com pena, com saudade... o trem apitando, né. Uma maravilha! A gente só andava de trem. Eu dei aula em Miraí muito tempo, sempre de trem... Eu tinha uma menina mui-to levada, a mãe dessa (neta) que morou com ela, da Estelita. Uma vez, ela foi à casa da tia dela, perto da Chácara de Dona Catarina, no João Duarte, e tinha um bueiro no chão, na estrada de ferro. Ela entrou debaixo daquele bueiro pra ver como o trem passava ali por cima! Ficou enfiada lá, escondidinha, e o trem passou! Curiosidade, ela era muito curiosa mesmo!

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Sumiram as minhas fotos. Eu tinha coisas bo-as mesmo. Não sei como... negócio de mudança, né. E depois, às vezes eu faço assim, eu falo assim:

- Eu não quero isso! E rasgo e jogo fora, por-que fica juntando muito papel... Chega eu de velha! Para que guardar velharia? Não vale a pena não, né? (Eu sou a) Dona Remanescente... porque afinal, estou aí, não é... passando meus pedaços...

Entrevistadores e data da entrevista não localizados nos arquivos originais.

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Eu não sei nada, eu sou da roça. Nascida e criada na roça! (De) 1899 até 1930... 1935, eu posso dizer que eu era da roça... O João (Webster), meu marido, ele com os irmãos dele foram criados sozinhos! Porque morreu o pai, morreu a mãe, fi-caram sozinhos! Eles foram criados assim, sabe co-mo é que é? Quase pro mundo... sozinhos aí em Cataguases... A Maria, a Sindoca, era a mais velha, casada. Mas não queria saber de cuidar dos irmãos, nem nada.

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A Luizinha (sogra) era a mais velha, tinha uns 20 anos... O senhor Augusto Rousseau veio para cá com a mulher Carolina e as três filhas, três filhas mo-ças. A Luizinha era a mais velha, e as outras duas gê-meas: Julia e Carmem. Era gente importante! Trouxe cavalos de raça do Rio. Só andavam em cavalos de raça! Naquele tempo não tinha condução, não. Não tinha nada. Tudo andava era a cavalo. Mata pura! Não tinha casa, não tinha nada ainda não. Ele veio para cá muito antes de eu nascer... Ele era medidor de terras, essas coisas, né?

A Luizinha Rousseau era professora do Colégio São Diniz, na estrada que vai para Sereno. Aquela gente toda que mora lá, eles todos conhecem lá, onde foi o São Diniz, o colégio. Porque lá tem um lugar... Como é que chama essa estaçãozinha de pa-rada? Guarita, acho que é. O colégio tinha estação de parada do trem. Tinha uma parada de trem lá, espe-cialmente do Colégio. Estaçãozinha... Acho que ainda existe um restinho qualquer. Tinha marca da estação de parada de trem lá...

Morreu a diretora, dona do Colégio, que era a Dona Carolina e as professoras do Rio que leciona-vam lá. Foi com a febre amarela! Ela morreu, morreu a Rosa que era uma das professoras mais importan-tes, morreram diversas. Não sei o nome... Ela que

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era tudo. Ela era uma mulher muito importante! O senhor Webster era mais parado, sabe como é, não é? Richard Webster (os ingleses são tudo parados, observou uma neta de dona Maria Webster), eu não sei agora como é que ele veio... Acho que ele veio como engenheiro. Não sei, não. Tanto ele como o doutor Augusto Rousseau, não sei com que fim eles vieram... Mas afinal de contas eles foram sem sorte, porque o Rousseau morreu assim deixando os filhos abandonados, não é? A Carolina (primeira esposa de Richard Webster) não tinha filhos. Ela era portugue-sa, de gente muito importante! Muitos anos depois, o senhor Webster já estava casado pela segunda vez com a Luizinha Rousseau, o governo mandou pedir notícias dela, informações... É, porque ela deixou de corresponder... E ela era tudo! Ela era uma mulher muito importante. Tanto é que a embaixada procurou saber... Por causa da epidemia acabou (o Colégio São Diniz). De repente eles conheceram o fracasso! Ele fi-cou quase maluco! Ele vendeu para o João Duarte, o João Duarte comprou o colégio, mas não para funcio-nar! O João Duarte era compadre e amigo do senhor Webster. Para tirar ele daquela situação embaraçosa ele falou: “Ô compadre, eu faço, eu compro o colégio, pra não sacrificar... E você vai dar um jeitinho de casar com a Luizinha, que vocês são tão amigos! Ela gosta

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tanto do senhor! Dá um jeitinho...” Ela (também) ficou traumatizada com o que houve... O João Duarte com-prou (e no lugar) construiu uma vila, aqui perto do Pronto-Cordis... tem ainda duas casas lá...

Resolveram casar, e casaram. Casaram e aí eu não sei onde é que ele foi. Eu só sei que logo depois ele foi para a Usina Maurício... Eu sei disso porque as minhas cunhadas me contavam. Contavam tudo... Ia lá toda semana, estávamos sempre juntas... Então ele foi chamado para a Usina. Hoje não existe mais nenhum empregado antigo da Usina, do tempo dele, não tem mais não. Não tem um retrato aí? Tem ele lá em frente a Força e Luz. Tem ele lá! Tem ele em pé lá, o velho Webster! A Usina Maurício estava em cons-trução. Então ele foi chamado para trabalhar lá. Ele era mecânico-eletricista. Ele foi trabalhar em... fazer tudo enquanto é chave, tudo que era em cobre... as chaves de lá, tudo. Não eram chaves não, torneiras... torneiras. Tudo foi feito por ele a mão!

Agora, importantíssimo, é o meu pai... Porque papai tinha muita instrução! Trabalhava no Rio antes de casar, lá num escritório de café, morava no Rio naquela época. Depois foi caixeiro-viajante, veio pa-rar aqui e casou. João Pedro de Souza Lacerda – Jota Lacerda – casou... foi morar lá nuns terrenos que ele herdou da mãe dele. É ali onde é o mercado. Aquilo

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era fazenda do meu avô. Então foi dividido em par-tes iguais e tal. Meu pai casou e foi morar ali. Nasceu quatorze filhos... Bom, meu pai... ele era um homem de certa instrução, sabe? Trabalhava em escritório lá no Rio. Então ele foi muito aproveitado naquele pe-ríodo! Foi muito aproveitado porque chamava papai para substituir todo mundo aí. Faltava juiz de direito, papai é que tinha que substituir! Faltava juiz munici-pal, papai é que tinha de substituir! Todo juiz que fal-tava, por férias ou por qualquer outra coisa, papai... Desde juiz de paz, juiz municipal, juiz de direito, to-dos esses cargos que ele ocupava. Isso tudo!

Fora disso, outras coisas também. Nunca le-vou um cruzeiro, ele não recebia dinheiro de graça, dizia. A gente falava: “papai, a gente vive uma po-breza medonha, aqui na roça. A gente precisa de um caderno, não tem! O senhor vai trabalhar e o senhor tem tudo na prefeitura e não traz nada?”

O que acabava mesmo era o dinheiro. Mas tudo quanto é bom de comer tinha. Tinha! Se che-gasse lá cinquenta pessoas para o almoço, aque-le almoço saía pra todos! Tinha de tudo... de tudo! Meu pai foi um homem importante como nenhum outro! Naquelas epidemias horrorosas, papai nun-ca perdeu um doente dessa Zona toda. Leopoldina, Cataguases... ele não perdia um doente. Os remédios

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vinham do Rio. Eu que ajudava... Eu, Nanando e a Maziles pra lavar os vidros e preparar os remédios. Precisava ver a quantidade de doentes que apare-cia o dia inteiro! E ninguém lá em casa apanhou doença. (Jota Lacerda introduziu a homeopatia em Cataguases).

Seu pai (Zizico Barroso)... é, eles foram lá pra casa... Dona Silvina, a mãe de Alayde, foram pra lá. Eles não tinham pra onde ir. Olha, eles ficaram sem nada! O senhor Barroso tinha uma farmácia ali on-de é o banco (BEMGE), não é? Ali era a farmácia de-le. Ele ficou tuberculoso, foi preciso ir para Campos do Jordão para se tratar. Bom, deixou a farmácia por conta de empregados e de um sobrinho de Miraí, o Lincoln Moreira, sobrinho da dona Silvina, rapaz novo. Roubaram tudo! Coitado do senhor Barroso! Tuberculoso lá... sustentar aquela família enorme aí... Quando chegou não tinha nada! Foi preciso vender tudo, tudo. Pra ter como acabar os dias dele, com as despesas do tratamento dele. Foi preciso vender tu-do: piano de Climene, móveis, tudo... não é?

Eu era colega da “Layde”, quando eu queria ficar na cidade eu ficava lá, com todo conforto. Tinha tudo! Mas acabou que ficou sem nada. Aí foi preciso espalhar; a Climene foi pra Miraí, pra casa do padri-nho dela, em Miraí, o Oswaldo... os outros, eu não

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lembro. Agora, a dona Silvina com os dois mais no-vos, o Paulo e o outro, foram lá para casa. E ficaram muito tempo... Ficaram lá em casa muito tempo.

Eu ainda posso dar mais, mas eu estou mui-to cansada. Porque que eu fico aqui doente e isola-da. Eu sou uma pessoa que toda vida gostou muito de falar. Mas agora vocês vão aproveitar e vão ouvir uma coisa. Tenho muita coisa para contar! É porque eu não estou boa. Eu estava boa, boa mesmo! Todos os dias eu vou lá na Rua do Pomba. Eu que tomei conta deles... Fica por conta da Marly, mas a Marly não dá conta não. Então, todo dia eu vou lá para ver eles. Ver o quê que falta... Dia 10, eu levei um tombo que eu vou te mostrar, aí depois desse dia...

Entrevistadores e data da entrevista não localizados nos arquivos originais.

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Nasci na Colônia Major Vieira, em dois de novembro de 1921. Meus pais era de Ubá. Veio pa-ra essa fazenda e aí criou família. Eu não estou lem-brando, mas acho que tinha várias famílias italianas ali, vizinhos, dessa gente de Raváglia, desse Zanela, tudo perto ali, Itamarati, aquele trechinho. Até turco morou lá na fazenda do meu avô. Eram várias fa-zendas, todas assim vizinhas uma da outra. A do tio Teco, o Antenor Furtado Vieira... acho que o nome da Fazenda é Boa Vista. Depois tinha o senhor Joventino, senhor Onofre Furtado Vieira... várias fazendas, to-das ali, ligadas. (Morei lá) até quatorze anos. (Os fa-zendeiros) plantavam milho, café, feijão... o meu pai plantava muito, a gente comprava só o sal e alguma coisa de massa, essas coisas. Tudo era colhido lá na

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fazenda. O meu avô fazia açúcar, mas eu não lembro bem, nessa época eu estava muito nova ainda. Tinha o engenho, fazia cachaça, tinha o alambique. O en-genho era tocado a água. Mas eu acho que naquela época, quase que eles nem vendiam nada. Não sei se vendiam leite. A minha avó fazia muito queijo, a minha mãe também. Rapadura vendia, porque fazia muito. Carro de boi... o tio Teco tinha aquele carrinho antigo, o Fordinho. Mas lá era cavalo, eu lembro que a mamãe vinha aqui a cavalo, era cilhão que usava naquela época. Um arreio diferente para mulher: vi-nha sentada no cavalo, de lado. Tinha um negocinho assim mais alto onde a gente colocava uma perna e a outra era no estribo. E aí botava rédea no cavalo. Eu achava bonito.

Itamarati não tinha nada naquela época. O Posto (de Saúde) daqui é que levava remédio que a gente tomava. Tudo era Cataguases.

Primeiro eu estudei particular, na casa da mi-nha tia. Entrei com sete anos e tive dois professores. Um morreu, que era de Itamarati e ia lecionar lá, o senhor Alfredo. A casa dele era muito grande. O Luís Rezende estudou lá, o Pedro Carneiro... eles já eram rapazes. Tinha mais umas moças lá, só que eu não es-tou lembrada o nome não. Eu era das menores. Meu irmão estudou nesta escola. Não sei se (os professo-

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res) eram formados, mas eu acho que sim. Quando acabou aquela escola particular, tinha uma escola pú-blica que era no terreno do meu tio, na entrada da fa-zenda. Fiz o terceiro ano ali. Essa escola acabou, e dali nunca mais estudei. Parei com dez anos. Aí nós saí-mos dali e fomos para Piacatuba, acho que a quatro léguas dali. Lá era muito ruim, muita pedra, morro... lá nós passamos muita dificuldade. Foi de lá que eu vim para aqui em 1936. O Ademar foi lá em casa uma vez passear – Ademar Alves de Paiva, foi funcioná-rio da Prefeitura e acho que trabalhou no Posto (de Saúde) e era parente da minha mãe. Ele viu a dificul-dade que a gente estava, então falou assim: “vamos levar essas meninas, que essas meninas não podem ficar aqui, isso aqui não dá para vocês, com cinco fi-lhas”. Meu pai tinha muito medo de morrer e deixar a gente na roça, porque a gente não ia aguentar o ser-viço mesmo. Aí viemos para aqui, fomos para a casa do Ademar, ficamos lá um ano, eu e uma irmã abaixo de mim – eu era a mais velha – cinco filhas mulher. Tinha só um irmão (que) também não gostava de roça. Eu e minha irmã (moramos) na casa (do Ademar) um ano: de dezesseis de dezembro de 1936 a dezesseis de dezembro de 1937. Dali que nós começamos a traba-lhar na fábrica e depois de um ano meu pai veio para aqui. (O início de fábrica) foi ótimo! Porque eu acho

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que se a gente estivesse lá (na roça) seria pior, porque eu perdi o meu pai em vinte e seis de junho de 1938. Ele era doente. Só eu e uma irmã que trabalhávamos para manter a casa... (comecei a trabalhar) em quatro de janeiro de 1937. Foi através da família do Ademar, tinha as irmãs dele que trabalhavam lá. Então pedi-ram lugar para nós. Naquela época era muito fácil. O encarregado da tecelagem era o senhor Werneck. Ele deu lugar e entremos. Entrei em 1937, me aposentei em março de 1976. Trinta e nove anos, três meses e uns dias. Passei do tempo de aposentar por causa da dificuldade. Perdi meu marido, estava com uma me-nina com dois anos e pouco. E a gente ganhava mui-to pouco, a pensão que ele deixou também era muito pequena, não dava. Eu tinha quatro filhos e dois en-teados, porque meu marido era viúvo quando eu me casei. Então... trabalhando ganhava mais do que apo-sentada. Trabalhei na tecelagem muitos anos. Depois adoeci, fiquei cinco anos afastada. Depois quando eu voltei, já não podia trabalhar na tecelagem, a minha vista não ajudava. Aí me passaram para a sala de pa-no. Trabalhava das seis horas da manhã às três da tar-de. A gente tinha uma hora para almoço. E tinha que fazer o meu serviço todo em casa, deixar tudo pronto para poder trabalhar. Eram oito horas direto. Eu tra-balhei dez anos na sala de pano.

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(Primeiro) fui morar ali perto da Loja Estrela, quinta feita. Era da dona Isa Leonardo. E dali eu saí em 1938, depois meu pai morreu. Vim para esta ca-sa. Uma vizinha falou que tinha esta casa desocupa-da, e que era para eu pedir ao senhor Manoel Peixoto, que ele era muito bom, e que ele ia me dar a casa. Aí, então, pedimos a ele, e ele deu. Nós pagávamos quarenta mil réis de aluguel. Descontava vinte meu e vinte de minha irmã. E nós duas é que fazíamos a despesa para acabar de criar os irmãos. Mas eu fui o... acho que o rojão todo foi meu, não é, porque as outras foram casando e eu que fui o pé de boi da ca-sa. Primeiro casou a terceira. Antes, ela... minha mãe aumentou a idade dela para trabalhar na Irmãos Peixoto. Ela estava com treze anos, (a fábrica) não aceitava. Aí aumentaram, não sei como... eu não lem-bro como fizeram isso.

O meu pai e a minha mãe não tinham ganho nenhum. Eu falo mesmo, eu não sei... acho que a nossa família foi criada por milagre, porque o que a gente ganhava era muito pouco. E nós conseguimos, graças a Deus, todos junto até casar seis filhos.

O meu marido nasceu em Abaíba, aí perto de Leopoldina. Os pais dele vieram da Itália. Depois eles tinham um sítio aqui perto, no São Pedro: meu sogro morou ali... (Meu marido) trabalhou na indús-

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tria de 1952 até 1968, ele adoeceu... morreu em 28 de dezembro de (19)70. Quando meu marido adoeceu, eles (os patrões) não nos desprezaram. Me deram li-cença para eu fazer companhia a ele. Eu tenho muito o que agradecer a eles na enfermidade dele, porque não foi fácil não.

Os tecidos não era igual os de hoje não. (Era) esse tipo de tecido baratinho. Mas vendiam mui-to. Quando eu entrei tinha assim “faísca”, “garoto”,

“opala” e... ultimamente tinha “Judite”, “Lourdes”, tinha tudo nome assim. Esse “garoto”, dizem que fa-zia esse tecido para capa de fardo. Ele era fino, mas antigamente acho que encapava com aqueles pacotes de fumo. Eu trabalhei muito fazendo hora extra, acho que bastante tempo mesmo; meu marido trabalha-va... quando tinha um pedido de pano e que o pano não estava pronto, então a gente tinha que preparar aquilo tudo. Igual na sala de pano – a gente tinha que revisar aquele pano todo para poder passar na engomadeira, para ela aperfeiçoar, depois passar na outra sala de pano para poder sair perfeitinho. Às vezes a venda caía, dispensava chefe de família, co-legas da gente, que a gente via que eram necessita-das, precisavam trabalhar... era uma choradeira lá dentro. Às vezes, depois de trinta anos, tinha estabi-lidade. Ultimamente, quando eu estava trabalhando,

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eu senti melhora (no salário). Eu tinha vontade de trabalhar lá até completar meus quarenta anos, mas não deu. Tem hora que eu fico assim: “eu ainda po-dia estar trabalhando”. O meu serviço era bom. Eu achei que necessitava sair porque a minha menina, a mais nova, estava com três anos, e ela ficava sozinha. Acostumei tanto com aquele serviço que... a gente sentia falta. Era assim... tinha muita poeira, e era um serviço de responsabilidade. O serviço que a gente fazia de revisão, a tecelagem achava que a gente era culpada quando ia alguma coisa lá dentro e chamava a atenção por causa de defeito. “Ah, fulana é que está na sala de pano! Ela! Parece que não foi a tecelã”. Aí a gente tinha que mostrar para o encarregado, e ele chamava o contramestre lá dentro, com a tecelã, pa-ra mostrar o defeito. É obrigação da gente mostrar o defeito. E eles achava assim: “ah, fulana é uma pedra no meu sapato”. Tinha um encarregado lá, que ele sempre falava assim: “a dona Lourdes é uma pedra no meu sapato. A tecelã foi lá, porque ela que revisou o pano”. Mas a gente tinha responsabilidade com o serviço. Tinha alguns encarregados muito bons, não eram todos não. Tinha muitos que às vezes não tra-tava a gente conforme era necessário: uma máquina dava defeito, você chegava perto do contramestre, ele achava... se a gente... estava acostumada com a má-

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quina, conhecia o defeito, sabia mais ou menos qual era o problema da máquina, e se você fosse mostrar para ele, ele achava ruim. É o contramestre que cuida dos consertos. Agora tem a encarregada que, se os te-ares dessem algum esbarro, algum defeito, eram elas que tinham que arrumar. Quando terminava um rolo, que colocava outro, eles (contramestres) tinham que ir lá colocar a moenda e acertar, passar os fios, acertar tudo, deixar tudo de acordo.

Entrei trabalhando com máquina. Depois adoeci, fiquei cinco anos afastada, depois foi que eu voltei, que eu fiquei com pressão alta, aí fiquei de be-nefício. E naquela época era muito difícil a gente con-seguir benefício pelo INPS, porque o revisor vinha de Juiz de Fora. O doutor Jaime, uma vez, me deu licen-ça de um ano. Eu fazia eletrocardiograma de três em três meses, de seis em seis meses, depois passou para um ano. Aí o revisor veio aí, cortou a minha licença, me deu só seis meses sem receber. Aí foi aquela de-manda: vai hoje, vou amanhã, vai hoje, vai amanhã. Uma fala para mim: “não, você não pode trabalhar”; outro: “não, você tem que trabalhar, se você não vol-tar, vai perder o seu lugar”. E acabou que eu voltei. Depois que eu voltei, não enfrentei máquina não. Deu vaga na sala de pano, um encarregado lá, muito bom, me passou para a sala de pano. (Quando voltei)

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tinha muitas máquinas que já tinha mudado de lugar, de uma seção para outra. Aumentou onde era a sala de pano, tinha máquinas, teares e tudo. E já tinha au-mentado bem a tecelagem, (com) duas salas de pano. Quando eu saí, quem estava na chefia era o senhor Zezito Peixoto. Teve uma época que teve um fracas-sozinho, os pagamentos atrasavam... depois que o se-nhor Zezito entrou, melhorou muito.

O tempo que o médico me dava licença, eu recebia. Agora, esses seis meses que eu fiquei pelo INPS, que o revisor cortou a minha licença, fiquei sem receber. Aqui a gente consultava, fazia o exame médico, tudo, mas vinha a revisão de Juiz de Fora.

O senhor Manoel Peixoto de vez em quan-do visitava as casas (dos operários). Todo ano essas eram limpas, ele vinha ver o que precisava e man-dava fazer. Quando nós viemos para cá, era tábua, aquelas largas. Estava tudo podre. Ele tinha Serraria, ali no Hênio, que acho que era parente dele também. Mandou vir madeira toda nova, colocou tudo. Às ve-zes, ele ainda brincava com a gente assim: Oh, não joga água não, senão vai apodrecer, não vai aturar um ano”. Aí eu disse: “Não, senhor Manoel, agora a gente vai encerar a casa”. Casa era reformada todo ano, limpeza e tudo, por conta da fábrica. Era uma perfeição, só você vendo. O senhor Altamiro Peixoto

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também foi muito bom; o doutor Francisco também – era meio sistemático – mas era muito bom. Hoje eu não estou pagando aluguel, estou morando de favor, depois que eu aposentei. Mas já me pediram a casa. Por enquanto eu não sei ainda o que eu faço: se eu saio... agora, pouco tempo, meu filho fez um teste lá na Irmãos Peixoto, mandaram chamar, ele está tra-balhando lá. Mandaram duas cartas, mas não man-daram mais nada. Eu também fiquei quieta, porque... fica quieta, porque você deve estar com cinquenta e dois anos nesta casa”. No tempo do senhor Manoel, ele vendia esta casa por cem mil réis. A gente tinha medo de fazer dívida porque ganhava pouco. O meu marido era medroso. Ele falou assim: “não, a gen-te não podia fazer isso, não pode comprar, vamos que depois as crianças vão passar falta e tal...” não compramos. Perdemos muita oportunidade. Agora, ultimamente, eu estava resolvida a comprar, arru-mar financiamento para eu comprar. Mas por gosto do senhor Manoel, do senhor Altamiro e do doutor Francisco, esta casa era nossa há muito tempo. Muita gente fala que eu devo pedir para eles, né, se vendem, porque meus papéis já estavam arrumados. Depois fecharam porque dizem que estavam vendendo ba-rato. Pela minha idade, eu acho que não tenho mais direito não.

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Um cinema, assim de vez em quando, (era) parte de divertimento. Juntava as colegas e ia passear na praça. Aprontava e ia rodar a praça. Hoje não tem mais isso não. Também tinha o horário certo de che-gar em casa, nove e meia, dez da noite, estava todo mundo em casa. Mas a gente divertia bem. De vez em quando fazia pic-nic... a fábrica também dava. Eles iam na Fonte Hélios, eu lembro que eu fui uma vez em Turiaçu... a gente ia de trem, ficava lá na fazen-da. Merenda e tudo lá por conta deles. Ia de manhã e voltava à tarde. Era muito divertido. Eu saí naque-le desfile de primeiro de maio e também no sete de setembro. Acho que foi de 1945, me parece. Saímos todas de uniforme branco, esse paninho que eu falei, o opala branco. A indústria que deu. Saia pregueada, blusinha esporte, tênis, meia. Ia todo mundo de boa vontade, com muita alegria. Foi o mais bonito.

Bandas de música... tinha retreta lá na praça. Um (maestro) era o Pierre, o outro, o Rogério Teixeira. Bate-pau... a gente não perdia essas coisas.

Manufatora, a gente viu nascer; Industrial... naquela época fazia desaterro para construir a Industrial, era morro, tudo a cavar a terra e os carro-ceiros tiravam, não tinha caminhão. Trabalho braçal. Tirava a terra com a carroça de burro. Os homens ca-vando. Quando tinha chácara, onde é a fábrica de pa-

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pel Matarazzo, desmancharam aquela fazenda para fazer a fábrica.

Era do senhor João Peixoto. Eu lembro do tempo dele. Antes dele eu não estou lembrada. Tinha vacas leiteiras, e depois plantou muitos legumes, muitas verduras, ali onde era aquele eucalipto. Tinha um japonês aí que plantou muito. Comia muita coi-sa naquele alto de morro ali. Quiabo de metro... ele é engraçado. Ia dando aquilo grande, que podia fa-zer uma rodilha assim. Bonito mesmo esse quiabo de metro. Eu não sei de onde vieram esses japoneses. Eu sei que estiveram japoneses aí para plantar.

Aqui na Vila (Domingos Lopes) tinha pou-cas casas. Isso aqui só tinha esse correiozinho de ca-sa, com essas quatro casas. Isso era... era tudo linha de ferro. Aqui passava a linha, era uma buraqueira, uma coisa terrível. Trem, tinha às terças e sexta-feira, passava trem de manhã, nove horas, vinha de Miraí. E depois, às terças e sextas, ele ia, voltava meio-dia. Quando eram quatro horas, passava ali. Aqui era tri-ângulo. Ele vinha ali, virava ali, dali virava, ia para a Estação. Fazia manobra. E aqui na frente tinha um bar-racão. Na época que eu vim para aqui fazia medo. A gente tinha medo de vir da fábrica dez horas. Debaixo do barracão ficava muito mendigo, muita gente que às vezes passava a noite dormindo ali, com uma fo-

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gueirinha... Na Vila tinha pouca coisa. Não tinha essa Matriz, (era) a capelinha. Tinha poucas nessa rua aqui também. Quem vê ali o Bairro Haidê não tinha Bairro Haidê, aquilo ali era brejo. Ali na casa da fazenda da Isa Leonardo, aquela rua ia só assim: tinha uma casi-nha no meio da rua, porque não tinha passagem para lá. Mora o senhor Chiquinho, dentista. E tinha aquele correiozinho de casa. Eu morava na quinta casa quan-do meu pai morreu. Para todo lado que você anda, Cataguases só cresceu. Ali, a Praça Guido Marlière, era um correiozinho de casa. Não tinha carro, não ti-nha assim bicicleta, motocicleta, isso era a coisa mais difícil. Eu lembro que eu ia trabalhar, aprontava assim mais cedo – bobeira de moça – (ia) passear na rua da Estação, para lá e para cá, aquela turma de moça pas-seando até dar a hora de entrar para a fábrica.

Meia hora antes, nós tínhamos que rodar aquilo ali. Não tinha movimento nenhum, você anda-va no meio da rua. Quando a fábrica chamava, apita-va dez minutos antes, a gente entrava para trabalhar, uma manhã muito escura, e tinha saído um rapaz da fábrica. Houve um tiro alto de madrugada, e nin-guém sabia o que estava acontecendo. Aí eu passei, tinha aqueles bueiros onde descia enxurrada. Estou vendo lá um negócio, parecia um pau com pano por cima. Era o rapaz que estava morto ali dentro.

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Na época que eu comecei, em 1937, trabalhan-do, até agora, eu sei lá... vivo muito feliz hoje, acho que meus filhos têm menos sofrimento do que eu, daqui para frente. Apesar da crise toda, eu acho que sim. Cataguases cresceu e melhorou muito.

A política aqui já foi brava, não era fácil não. Na época do Pedro Dutra com a UDN. Toda vida eu votei neles (Peixoto). Também não podia votar con-tra eles. Eu estava ganhando meu pão ali, eu estava necessitando deles, eu achava que meu dever era votar com eles. O pessoal falava assim: “eu nunca votei de cabresto não. Eu voto com eles porque eu acho que devo votar, é meu dever votar com eles”. Mas ninguém nunca me obrigou não. Dizem que o Pedro Dutra ajudou (muita gente). Nunca fui contra nenhum deles. Eu acho assim: cada um como quer. É igual religião. A gente não pode ir contra nenhu-ma, desde o momento que elas têm fé. Deus é um só. Eu sempre procurei tratar todo mundo bem: eu acho que a gente deve ser amigo de todos e inimigo de ne-nhum. A minha vida foi assim, trabalhar e igreja. Às vezes o meu pai falava assim: “minha filha, para que você vai levantar cedo?” Trabalhava até dez horas, no outro dia levantava cedinho, cinco e meia, assistia a missa das seis e meia lá na Igreja Santa Rita, duran-te a semana. Comungava e vinha para casa. A minha

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primeira comunhão eu fiz na Igreja Santa Rita, eu es-tava com dez anos, mas morava na roça. Mamãe diz quando eu chegava na Igreja, eu não tinha vontade de sair. Filha de Maria... às vezes chegava uma colega e convidava: “oh, tem a reunião das Filhas de Maria, você quer fazer parte?” “Ah, sim, vamos”.

As reuniões eram no Colégio das Irmãs. Cedia lá uma sala só para reunião, no tempo da Madre Aparecida. Não andava com vestido de man-ga curta, nem roupa transparente, não podia andar sem meias, não podia namorar... eu comecei a namo-rar com quinze anos, mas eu não saía sozinha com o namorado. Tinha que levar uma companhia, uma irmã ou uma amiga. E namorava na rua, conversan-do com um rapaz ou com o namorado, chamava a atenção: “Oh, você estava em tal lugar assim, assim, com o fulano, não fica bem, vê se não faz outra não”. Tinha as conselheiras. A dona Ione Novais foi mi-nha conselheira, muito boa, filha do doutor Abílio, a Armênia Pereira Lima, a dona Natália Guimarães foi presidente também da “Pia União”, a Josélia Duarte... não aceitava casada não. Só solteira é que podia ser (Filha de Maria). Quando casava tinha despedida, a gente se despedia da “Pia União”. Iam todas de uni-forme no casamento e era muito bonito. Todo primei-ro domingo do mês tinha comunhão geral das Filhas

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de Maria, todas de vestido branco, faixa azul. Eu me sentia muito bem. Todo ano no carnaval a gente fa-zia trabalhando, porque nunca que eu podia tirar licença para fazer. Tinha pessoas que pagavam e fi-cavam internas no Colégio: tinha refeição, dormia e tudo. Nós que fazíamos assim externas, a gente tinha o café da manhã. Ia em jejum, comungava, assistia à missa, depois ia para o refeitório, tinha o café da ma-nhã. Depois a gente vinha em casa, almoçar ali pelas dez horas, voltava de novo. Sem conversar, só rezar. E tinha os pregadores que vinham de fora, sempre vinha assim um frei, um padre de fora e fazia pre-gação. Tinha hora para tudo. Até 1955 eu me lembro que ainda tinha. Eu casei em 1953, e ainda continuou a “Pia União”. No meu casamento vieram muitas de uniforme. O casamento foi na Vila, três horas da tar-de, sete de setembro de 1953. Naquela época a gen-te não ouvia falar em outras religiões igual a gente ouve hoje. A gente nota assim muita separação. Eu nunca fui contra nenhuma, eu acho que todas, desde o momento que falou em Deus, que a pessoa está ali, que tem fé, não sou contra ele. Mas eu nunca mudei de religião e não tenho intenção. Estou com sessenta anos. Desde que eu nasci, vi o exemplo que minha avó deixou, meus pais, minhas tias, todas foram mui-to religiosas.

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Eu lembro que aqui em casa... na época de minha mãe, que as meninas estavam pequenas, não tinha emprego, o meu ordenado com o da minha ir-mã era pouco, não dava para a manutenção da casa, (nós) pegávamos bala para embrulhar. Vinham aque-las latas de balas – fábrica do Nogueira – embrulhava em casa e ganhava por quilo. Eu não lembro a quanti-dade que eles exigiram, mas ajudava bem também. A fábrica de pregos surgiu depois, de vassouras hoje já tem bastante. O comércio aqui dava muito movimen-to. A gente comprava à prestação: você comprava e ia pagando mensalmente. Não tinha juros, não tinha promissória, não tinha nada. Você ia lá, fazia uma fi-cha, e eles te vendiam a quantidade que você queria e ia pagando. Terminava aquela conta, a gente com-prava outra. O armazém, o açougue, a padaria... eu lembro que a gente tinha caderneta. Chegava no fim do mês, não pagava nada a mais, só o que você gas-tou. Em um caso assim de uma doença... “não traba-lhei esse mês, não posso dar”, no mês seguinte dava. Continuava do mesmo jeito. Acho que naquela época (as pessoas) eram mais (amigas). (Hoje) a violência, a exploração, eu acho que está demais. E é geral, não é.

Moro com o meu filho. A filha mais nova ca-sou com o tenente Leite e está em Manaus. E tem três aí, tem dois com namoradas. Um está comprando os

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móveis, só está faltando a casa, esperando melhorar o salário para poder casar. Graças a Deus eu me sin-to (realizada). Minha família, meus irmãos. Criados, estão todos bem, graças a Deus. Eu tenho dois entea-dos. Uma eu tomei conta dela com seis anos de idade, o outro com doze anos. Estão casados e a família bem. Eu achava... eu casei com trinta e um anos, achava que não ia ver minha família criada. Eu tinha cole-gas que falavam: “Ih, você é coroa! Se eu ficar nes-sa idade eu não me caso mais”. Eu falei assim: “Não me importo se ficar solteirona não, para mim é um prazer”. Eu não me casei para não ficar solteira não. Eu casei porque achei que devia casar. Ele era um viúvo honesto, muito bom, família boa. Ele queria casar assim, com prazo de três meses. Não casamos porque a mãe dele adoeceu. Mas eu não me importei. Casei por amor a ele, criei minha família com mui-to amor, muito sacrifício, mas, graças a Deus, todos criados. A única coisa que eu queria conseguir é uma casa para eu deixar para os meus filhos. Tinha um medo assim de morrer e não conseguir. E ser preci-so, às vezes, de sair daqui, eles ficarem sem ter lugar para morar, porque o ordenado não dava para pagar um aluguel. O meu grande sonho era (que) cada um deles tivesse sua casa própria. Dá uma segurança maior, porque mesmo com salário baixo, sem pagar

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o aluguel, eles podem se manter melhor. Perdi tantas oportunidades... na época que vim para aqui, a gente comprava uma casa aí de três mil réis, quatro... e não era casinha não, eram casas boas. (Mas) tinha medo de fazer dívida, não ganhava o suficiente para com-prar. Eu não tive estudo, meu marido não teve, mas meus filhos, todos quatro, têm o segundo grau. Só não fizeram o curso superior porque não dá mesmo. Mas eu lutei, eu ganhava bolsa de estudo do sindi-cato para eles estudarem. A primeira eu coloquei na Escola Normal, até a segunda série. Aí a outra já es-tava maiorzinha também, tinha que ir para o colégio. Eu não podia pagar e tirei. Pagar para uma e a outra não... coloquei no Antônio Amaro. O que eu não tive, eu dei para os meus filhos. Isso para mim acho que é tudo na vida. Tem que ter mesmo muita fé, muita fé, muito amor, para vencer.

Muita coisa a gente... passava muita coisa que a gente não sabia. Acho que os antigos não conversa-vam muito. Eu acho que, para mim, antigamente era melhor, não sei... no tempo em que a gente foi criado, naquele ambiente, parece que havia mais respeito do que hoje, mais oração... não sei não, para mim o anti-go era melhor.

Entrevistada por Glaucia Siqueira e José Luiz Batista, em 03/09/1990.

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Nasci dia 8 de maio de 1902, sou do município de São Fidelis, Estado do Rio de Janeiro. Meu pai era fazendeiro. Tinha uma fazenda imensa, mais de trezentos alqueires! E tinha dois sítios. Tinha uma grande criação: gado, porcos... Meus pais eram espanhóis, das Ilhas Canárias. Minha mãe chamava Joana e meu pai Ambrósio... eram primos. Vieram em busca de fortuna... Vieram com a ambição de ficarem ricos, né. Casaram e tiveram seis filhos: três homens e três mulheres.

A fazenda, quando meu pai comprou do governo, era mata virgem. Ele plantou muito café. Na fazenda tinha tudo! Meu pai colhia muita coisa: muito arroz, muito feijão... Era uma fartura imensa! Minha mãe vendia ovos a trezentos réis a dúzia! Na

M I C A E L A D E O L I V E I R AD O N A D E C A S A

8 7 a n o s

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frente da fazenda tinha um açude muito grande... Depois, do lado, tinha uma pedreira imensa, lavra-da, sabe. Meu pai nunca foi empregado de ninguém. Quando veio para o Brasil – ele veio antes, veio pri-meiro, depois veio minha mãe – trabalhou... Tomava conta de duas fazendas, aqui em Rio Branco. Então, nós ficamos aqui em Rio Branco, os filhos tudo pe-quenos... Depois meu pai resolveu comprar essa fazenda no Estado do Rio e nós mudamos para lá... Tudo mata virgem! Derrubou mata para plantar café. Ele ia ficar riquíssimo porque naquela época, o café só deu lucro! Mas ele morreu, coitado... O café já es-tava lindo! Ele não chegou não... Ele infelizmente... Ele tinha um posseiro no sítio. Estava lá como pos-seiro há muitos anos. Esse matou meu pai! Ia casar uma filha, mandou um mulato lá na fazenda pedir se meu pai queria vender uma leitoa. Meu pai falou:

“- Não, eu não vendo, tem muita aí!” Então mandou o homem escolher duas leitoas. Mas essa gente atra-sada, sempre pensa mal... Ele foi lá conhecer meu pai para matá-lo! O governo mandou trinta soldados... Prenderam... Morreu na cadeia em Niterói. Meu pai foi vingado, mas nós ficamos desamparados. Tudo criança... minha mãe inexperiente... Meu irmão só que era maior, tinha 18 anos... Eu tinha 14 anos... O resto era menor...

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Minha mãe morava aqui em Cataguases, por-que nós viemos para estudar aqui. Morava na Rua Alferes Henrique de Azevedo. A Climene Rezende era nossa vizinha. Você conheceu a Climene, casada com o Afonsinho? Quando soube, a Climene na mes-ma hora mandou chamar o Afonsinho... passou “te-lex” para o Rio, pra negócio de estrangeiro...

Minha mãe, coitada, teve muito prejuízo na vida. Veio para Cataguases porque meu tio, irmão dela, tinha padaria aqui. Ela só tinha esse irmão, o Saturnino Cabreira, você conheceu? Ele foi dono dessa padaria ali, aonde hoje é o Cinema Machado. Aquela casa do lado, que hoje é farmácia, era da mi-nha mãe. Nós morávamos ali... Depois passamos pa-ra aquela casa ao lado da Iracema Carvalheira... Ali eu me casei pela primeira vez...

Uma vez nós... Todos os dias meu pai fa-zia a gente se levantar de manhã e ia tomar banho no rio. Levava todos, só o pequenininho que não ia. Aí, a gente estava tudo nadando vem aquela cobra! Passamos o maior susto!

Eu, quando pequena, lá na fazenda do meu pai, Rosa, minha irmã, estava tirando leite de uma vaca. Uma vaca novinha, sabe. Ela soltou a vaca e não me avisou, não. Falou: “- Micaela, solta o bezer-ro!” Eu abri a porta, a vaca foi em cima de mim, me

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esfregou no chão e eu fiquei sem pele nos joelhos! Meu pai ficou tão nervoso! Deu paulada na vaca! Já caí do cavalo! Quando criança a gente morava na fa-zenda, era tão bom! Eu andava muito de cavalo lá na fazenda... Os meus irmãos, os dois mais velhos, foram levar mudança pra fazenda, sabe. Aí deu um temporal lá pra cima e deu uma enchente, de repente. Então meu pai falou assim: “- Vocês vão lá pra beira do rio e grita pros meninos deixar o carro do outro lado e soltar os bois.” Eu tinha 8 anos... Os meninos soltaram os bois com a canga! Os bois iam morrer afogados todos os dois. Como é que eles iam nadar, os dois na canga? Não podia de jeito nenhum! Entrei dentro da canoa com um bambu. Enfiei o bambu no chão assim, enfiei no meio dos dois bois e tirei a bro-cha. Aí joguei a canga dentro da canoa. Eu era forte com 8 anos! Então finquei o bambu outra vez no chão e vim pra praia. Em tempo d’eu morrer! Meu pai me agarrou no colo chorando! Ajoelhou no chão e ficou chorando. Ele me viu morta! Você pensa... 8 anos... criança não tem juízo!

Meu pai era um homem muito farto! Tinha muitos empregados! Engordava muitos porcos: de quinze em quinze dias matava porco! Ele tinha cria-ção, sabe, ele tinha manga de porcos. A manga é assim: lavra o morro, depois cerca em volta e ali cria porco a

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revelia, né. Ele sempre ia ao Rio e trazia tudo pronto... roupa, tudo comprava, não usava costureira, não.

Andava tudo arrumadinho! Mesmo que na ci-dade! Fomos criados assim, com certo conforto, não é? Ele era professor formado. Ele foi delegado de po-lícia, foi Juiz de Paz, mesmo sendo estrangeiro!

Quando criança a gente morava em fazen-da, a gente morava em roça. Aí minha mãe arranjou uma professora particular: dona Nair Arruda, irmã do Azir Arruda, foi nossa professora particular, nos deu os primeiros ensinamentos... Na fazenda onde eu fui criada, meu pai nunca comprou quilo de nada! Farinha de trigo ele comprava aos sacos! Comprava batata inglesa, as caixas vinham da Inglaterra! Vinham pro Rio, do Rio pra São Fidelis... Até peixe – hoje fala bacalhau, naquele tempo era peixe seco – vinha em caixa. Ele também comprava bife, que vi-nha do Rio Grande do Sul. Vinha temperado, salgado, não precisava colocar em geladeira. Era na salmora, quer dizer, tirava de dentro, destampava feito um barrilzinho... Só temperava com outros temperos... Fui criada com muita fartura! Toda semana o meu irmão levava uma cesta, deste tamanho assim, de ovos... Tinha muita galinha!

No meu tempo ninguém passava fome, nem ninguém andava nu! Todo mundo andava vestido,

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porque os patrões eram bons, davam roupa no Natal. Meu pai dava peças de roupa pra homem e pra mu-lher. Nunca empregado dele fez vergonha não! Na cidade, ninguém sabia se era patrão ou empregado!

O Natal sempre foi um Natal muito feliz aqui em casa, graças a Deus. Desde o tempo do meu pai até agora sempre houve reunião da família. Muito respeito... e na roça era tanta... era tanto... Nossa Senhora! Espanhóis que vinham do Cambuci, Pureza, lugares lá perto. Vinham todos e passavam a noite lá em casa... O dia e a noite de Natal comendo e beben-do. Era o dia inteiro, a noite inteira! Era só comer e beber! Quando eu era criança, os pais sempre davam presentes aos filhos no Natal. Era presente de Natal, não era Papai Noel, não! Hoje é que existe esse ne-gócio de Papai Noel... Naquela época não tinha disso não. Nada disso... Papai Noel nem é brasileiro!

Meu pai foi sócio desta Usina Rio Branco, do doutor Joanir Bouchardet. O Mário Bouchardet, que é deputado federal, é neto dele. Meu pai... Joanir Bouchardet eram muito amigos...

Nós viemos para aqui, acho que foi em (19)14. É, porque essa... em 1917 eu estava no Ginásio... Escolher Campos ou Cataguases, então minha mãe preferiu aqui porque tinha o irmão dele, né. Estudei no Colégio das freiras, estudei no Ginásio, mas

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não cheguei a formar, não. Só fiz o ginásio. Eu lem-bro agora que o João Peixoto era colega meu e o Francisquinho... O doutor Francisco tinha 8 anos, era o menor da turma... Ele era nosso colega... já morreu, não é?

Aquelas árvores ali nós que plantamos, no dia 7 de setembro... Aquelas árvores que tem ali em frente à Força e Luz... Plantando e cantando: “planta-mos a nossa árvore...” O Ginásio era lá em cima... Era do Antônio Amaro, uma pessoa maravilhosa! A famí-lia toda, gente muito boa! Naquela época, a aula era só de manhã, das sete ao meio dia. Tinha muito alu-no... meninas e rapazes. Depois, mais tarde, passou a internato. Fez a reforma no colégio, passou para os Peixoto, aí que veio o internato. E veio muita gente famosa. Muita gente famosa estudou aí no Colégio!

A minha professora lá no Ginásio era Gicelda Samuel... uma boa moça, carinhosa... Depois ela foi embora pro Rio. Aí nós fomos para o Colégio das frei-ras, no tempo da Madre Bernadete, Irmã Rita... Eu me lembro de poucas freiras... A gente lembra pouco...

Depois casei (aos) 20 anos, e tenho um filho – mora no Rio – chama Juarez Rocha. O meu marido chamava Aristides Rocha, do Estado do Rio também. Esqueço o nome do lugar, é para o lado de Muriaé... Itaperuna não é... Lage! A família é de Lage. Casei

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a segunda vez com um viúvo: Antônio Gomes de Oliveira. Ele era fazendeiro e usineiro lá em Astolfo Dutra.

Ele fez testamento, deu pros filhos as fazen-das e veio morar aqui. Morei nesta casa ao lado, ali. Depois ele me deu esta casa e os filhos, né. Os filhos me deram de presente esta casa. A gente vivia mui-to bem! Eu convivia muito bem com eles. Até agora, com os seus netos, eles me consideram... como netos, tomam benção e tudo!

Sempre morei aqui em Cataguases. Aqui era uma família só! Era uma beleza, uma felicidade, uma alegria! Todo mundo era amigo. Não tinha maldade, todo mundo era feliz. Eu sempre falo com os meus netos, que a mocidade de hoje não é feliz: estuda, for-ma e não tem emprego! Como é diferente hoje!

Carnaval, dois meses antes a gente ensaiava nas casas dessa gente graúda! Na casa do Juiz de Direito, na casa dos fazendeiros, aqueles Barros – família Barros que morou aqui – coronel... Era uma alegria!

Todo sábado e domingo tinha música e canto de carnaval! Brincava, dançava a noite toda! O doutor Cleto Toscano Barreto era Juiz de Direito daqui. Ele que comandava tudo! Era muito enérgico, muito bra-vo. Ele era nortista, sabe. Ele organizava tudo e levava

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a gente. Minha mãe não deixava ir com ninguém, só com ele e a mulher dele! Ele não deixava a gente dan-çar assim com rapaz... Tinha que dançar da altura... Não tinha clube, não. Naquele tempo, era no salão do Grupo. Tinha o Clube Social, mas eu não ia lá não, mi-nha mãe não deixava. Só ia nas festas de carnaval...

Agora, a gente ia muito ao cinema! Não é co-mo hoje, ninguém liga para o cinema, não é. Naquele tempo era cinema: filmes muito bons! Cada filme lindo! Era só o (Cine Teatro) Recreio. O Recreio era uma beleza! Passava filmes lindos! Depois, mais tar-de, há poucos anos é que fizeram o (Cine) Machado. Hoje tudo é “cowboy”, esses filmes de vampiros... Naquele tempo não tinha disso não. Filmes, histórias bonitas, a gente ficava encantado!

Humberto Mauro é do meu tempo. A senhora dele, os filhos dele, o pai dele, eu conheci. Humberto Mauro tinha pai ainda, quando a gente conheceu ele. Aquele filme Brasa Dormida, na hora que estava fil-mando, a gente foi deu uma volta assim, no jardim... As mocinhas de 17, 18 anos... Oswaldina Queiroz, aquelas meninas ali do Carmo... O Raul Pessoa, da Casa Felipe, foi lá em casa e convidou. Então a gen-te foi na Praça Rui Barbosa, de tardinha, às cinco da tarde, todo mundo passeando... A Eva, acho que fez parte de um filme. Não sei se ela fez outros filmes...

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Todo mundo passeava no Jardim da Praça Rui Barbosa... A gente morava perto, ficava só das seis às oito. Às oito ia pra dentro de casa. Minha mãe não deixava, não tinha ordem... Cataguases era tão diferente de hoje! Cataguases era uma paz! As ruas são as mesmas de hoje... As ruas são as mesmas, só melhorou aqui, a Avenida. Este prefeito fez muita coisa boa. O Tarcísio melhorou muito, asfaltou ali o Meia Pataca, fez um grande melhoramento. No meu tempo só não era assim toda calçada. Eles calçaram...

No meu tempo, aqui onde é esta casa do pa-deiro, ali era uma lixeira... Eram seis casas, aqui, foi meu marido que fez... Essa aqui era do Afonso Lanna e aquela da esquina é do Cardoso. Existia. Aquela ao lado, que é da Maria Amélia, também existia. Só não existia essa casa que demoliram agora. Aqui pra cima não tinha casa não. Eu me lembro quando o Manoel Peixoto fez aquela casa ali. O Manoel e o Pedro Dutra eram muito amigos. Cada um fez a sua casa, fizeram na mesma ocasião. Hoje, a casa do Pedro Dutra é da minha sobrinha Isabel. E a do Emanoel Peixoto é da neta dele, senhora do Emanoel. As outras casas não tinha não...

Depois da casa do Manoel Peixoto era o Colégio Normal, numa Chácara ali. Minha irmã es-tudava lá. Esse antigo Colégio Normal era do gover-

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no. Ali, onde é a casa dos Cruz. Aquilo tudo ali era o Colégio, só de moças. E era muito frequentado. Eu não estudei lá...

O Colégio das Freiras não era aquela casa bonita que é hoje não. Era menor. Melhoraram, né? Aquele Colégio, no meu tempo, tinha capela... As freiras fundaram esse colégio que está aí... A Igreja de Cataguases era muito bonita. Era linda! Tinha uma torre, uma coisa linda! Meu marido pediu para não demolir, mas demoliram, né? Quiseram transformar. A Igreja foi transformada. Não sei se era pequena ou se queriam modernizar, fazer coisa moderna. Não entendo... No princípio eu achei tão feia! Agora não, hoje eu gosto da Igreja, acho tão ampla, tão boa! Essa agora é melhor, não é? Eu gosto.

Naquela época as festas da igreja... festas mui-to religiosas, né. Tinha Semana Santa, procissões... Muito bonito. Era muito bonito o mês de Maria. Tinha coroação todo dia. Tinha muita moça que era

“filha de Maria”... Mas eu nunca fiz parte de congre-gação, essas coisas. Nem “filha de Maria” minha mãe não deixava! Era uma coisa linda aqui em Cataguases, muito respeitada, muito frequentada. Muito boni-to mesmo! Era bonito. O povo era muito religioso. Muito respeito, não é. Muito diferente de hoje... Não tinha outra igreja não. Essa Igreja Metodista foi cons-

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truída muito mais tarde. O Centro Espírita existia, mas não era frequentado como é hoje não.

Agora, o meu marido foi um homem muito generoso, não é? O Monsenhor Solindo fez um pe-dido... meu marido deu dez contos. Naquele tempo era dinheiro. Meu marido foi o primeiro que deu! O doutor Edson Resende e o doutor Sicarini, dois mé-dicos formados, chegaram a Cataguases. Eles foram nas casas desses capitalistas todos, desses coronéis, que eram ricos, e pediram pra ajudar a comprar ma-terial para fazer operação na Casa de Saúde. O dou-tor Resende falou assim: “-Nós somos formados, mas somos o mesmo que o alfaiate sem linha e sem agu-lha e sem tesoura.” Todos eles negaram. O Oliveira – ainda casado com outra mulher – falou: “- Que dia vocês querem comprar? Então domingo vamos para o Rio. Vocês arranjam um chofer, que eu dou meu carro, e vou com vocês.” Levou os dois médicos, pa-gou as despesas do hotel para eles e, no dia seguinte, foram a uma casa alemã. Esqueci o nome agora. Eles escolheram uma mesa grande de bronze, aquela me-sa que opera no hospital. E uma cristaleira cheia de tudo quanto é material para operação. Tudo alemão! O doutor Edson ficou tão grato! Ficou muito amigo dele, era mesmo que filho do Oliveira. Ele adorava o Oliveira como se fosse pai dele!

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O Oliveira era casado com uma tia do dou-tor Geraldo Silveira. Ele tinha um filho, Domingos Gomes de Oliveira, que morreu agora há pouco tempo. E duas filhas: Aninha, casada com Augusto Póvoa, e Maria, casada com Zé Cabral...

O doutor Edson começou a fazer operações, começou a ter êxito. Depois, quando passou um ano ele chegou aqui e falou... “- Oliveira, eu estou passan-do uma situação ruim. De vez em quando sou cha-mado para ir à roça. Tenho que pagar taxi, e quando chego lá cobrar o quê? Você podia me arranjar um di-nheiro para eu comprar um automóvel.” O Oliveira na mesma hora preencheu o cheque. Era quinze con-tos uma baratinha naquele tempo – chamava barati-nha o automóvel – preencheu o cheque e deu a ele:

“ - Mas Oliveira, você está me dando cheque? E se eu não te pagar depois?” “- Tu já és um documento! Tu és um médico? Tu és um documento!”

O doutor Edson passou um ano trabalhando pra juntar o dinheiro. Ele trouxe um pacote de di-nheiro assim... os quinze contos separados, e os juros, né. Ele chamava o Oliveira de Português – o Oliveira contava isso com uma graça – ele falou assim: “- Ô Português, vim pagar você hoje!” “- Pagar o quê?” “- Já esqueceu que você me emprestou quinze contos pra eu comprar uma baratinha? Esse aqui é o dinhei-

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ro e aqui são os juros.” Aí o Oliveira falou: “- Esses juros você guarda.”

Lá na praça que vai para a Rodoviária, lá em-baixo, ali tinha uma Casinha de Saúde, mas eu não co-nheci, não. Diversas moças – uma era Baião, não sei o quê Baião, a outra eu não me lembro mais, Oswaldina Queiroz, eu, Rosa, minha irmã – fizemos um negócio na rua pra pedir... Então ganhamos tudo que tinha na Casa de Saúde até pouco tempo. Ganhamos sala de jantar, sala de visita. Meu marido deu vinte e cinco camas, aquelas camas pra pobre. Ele deu e arranjou com os portugueses de Cataguases. Tinha muitos portugueses em Cataguases. Cada um deu uma ca-ma, só sei que encheu. Naquele tempo tinha o João Duarte Ferreira, que era presidente da Câmara e o doutor Cleto Toscano, esse Juiz de Direito, convidou um escritor para vir a Cataguases. Quer dizer, este es-critor veio a Cataguases, fez uma festa lá no hospital. Lá, tem retrato do meu marido, na Sala de Honra!

As freiras vieram aqui em casa. Elas estavam com vinte e cinco meninas sem calçado, e precisando aterrar um pedaço... Ele mandou aterrar tudo e ainda deu um piano. O piano que tem lá no Orfanato foi ele que deu!

O Oliveira veio com 14 anos, veio sozinho, porque no estrangeiro, naquele tempo, era difícil!

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Não tinha parente aqui. Não, tinha um primo, o Póvoa, lá de Sobral Pinto.

Trabalhou na Estrada de Ferro muito tempo. Trabalhou na picareta daqui a Ubá. Depois ele foi pa-ra Astolfo Dutra, e mais tarde comprou... ele foi ne-gociante. Depois quebrou... Depois arranjou dinhei-ro emprestado e comprou três fazendas do governo. Naquele tempo uma fazenda era três contos, cinco contos... Muita terra! Comprou as três fazendas, Céu, Purgatório e Inferno. Ele botou o nome de Paraíso e Boa Sorte nas fazendas. Estava casado e já tinha dois filhinhos. Foi melhorando a vida dele... Veio o Arthur Bernardes, o café subiu... Era tudo café ali. Agora já não tem mais, não.

O filho, que já estava moço, quis botar uma usina de açúcar, pôs a usina de açúcar. Depois vende-ram pra filha do Mário Bouchardet. Trabalhou muito. Trabalhou muito mesmo! Trabalho dele! Sorte dele é que, no tempo do Arthur Bernardes, o café foi a cin-quenta a arroba. Era uma fortuna! Depois era cana. Tinha engenho de cana, álcool...

O Oliveira foi o fundador do asilo, abrigo dos pobres, dos velhos. Ele foi fundador... Ele, João Peixoto, Pedro Cabral e um que era espírita, es-queço o nome dele. Era tão bonitinho o asilo! Todo branquinho, todo de azulejo, aqui onde vai para

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Leopoldina... era ali, numa ocasião, perto da Usina Diesel (*Informação de Carmelita). Depois, quando o Emanoel foi ser o provedor do Hospital, achou me-lhor passar pra lá. Foi bom porque ali tem médico, tem tudo, né.

Eu tenho certeza que a minha missão aqui na Terra era ser enfermeira. Eu tratei do meu mari-do, que teve quinze anos doente, com neurose cere-bral. Eu tive tanta paciência! O filho dele me adorava! Ele falava que eu não fui mulher, não; fui mãe. Tinha muito carinho com ele. Quando ele morreu, o doutor Hugo me convidou para ser chefe das enfermeiras, na Casa de Saúde. Mas eu não quis, porque estava tão fraca! Emagreci muito: estava como eu estou ho-je, magra. Eu era gorda, forte, né. Ele esteve quinze anos doente, e cinco muito mal! Ele era tratado pelo doutor Hugo, doutor Edson, doutor Jaime: três médi-cos. Lá em Juiz de Fora fizeram tudo quanto é exame possível: fundo de olho, eletrocardiograma, exame de sangue, exame de urina, exame de fezes... Fizeram tudo, logo que ele adoeceu. Fomos para Juiz de Fora... lá eu fiquei no hotel e eles foram para o laboratório. Quem conduziu era médico especialista. Quando chegou à tardinha eles chegaram no hotel e meu en-teado falou: “- Dona Micaela, a senhora é que trata do papai, que olha ele... Vem um médico aqui pra

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dizer os resultados dos exames. A senhora tem que conversar com o médico.” Quando chegou as dez ho-ras da noite, eu estava lá no quarto com eu marido doente, o doutor Ribeiro de Sá chegou lá no hotel. Aí ele falou: “- Olha, a senhora vai dar esse remédio a ele, e se ele não melhorar eu vou receitar outro.” “- O senhor faz o favor de ler a receita pra mim.” Quando leu, a receita era a mesma do doutor Hugo! Falei: “- Doutor, eu não aceito esta receita não! Porque isso eu tenho aqui, do doutor Hugo. Meu enteado achou que estava tratando errado! Agora, ficou o dia todo nes-se sacrifício, fez tudo quanto é exame, para receitar a mesma coisa?! Não aceito!” Fiquei brava, então ele ficou muito sem graça, e o doutor Hugo continuou tratando dele. Um dia o doutor Hugo chegou aqui e falou assim:

_ Dona Micaela, eu tive um pressentimento. Eu vou tirar sangue do senhor Oliveira. Ele já tinha sido desenganado em Juiz de Fora. O médico falou que ia morrer. Então o doutor Hugo trouxe um enfermeiro da Casa de Saúde. O sangue dele estava escuro, mas escuro mesmo! Quando chegou meio dia ele falou:

_ Dona Micaela, graças a Deus, o Oliveira está salvo!

Você acredita que ele sarou da neurose, ficou perfeitamente bom: conversando, dormia bem, pas-

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seava, tomava banho sozinho. Ficou assim até morrer. Ele viveu 91 anos! Ele estava com ureia no sangue. Em tempo dele ficar louco! E os médicos em Juiz de Fora não... Acho que eles não examinaram direito! Acho que eles tapeiam, recebe o dinheiro e pronto!

Meu marido tinha dez casas em Cataguases. Tinha essas seis aqui, tinha duas ali e outras lá na Rua do Pomba. Construía para alugar. Alugava a casa por trinta contos, naquele tempo. O construtor, o pai dessa menina que trabalha na Prefeitura, Margarida Cordeiro... que fez a ponte metálica... Esta casa aqui foi modificada agora, mas a da vizinha, tá igual como era. Só pra fazer a casa ficou em trinta e dois contos. Naquele tempo trinta e dois contos tinha valor! Não é como hoje, que você pega mil cruzeiros, vai na rua e não compra nada!

A Fazenda Paraíso, que foi do meu marido, ficou em seis contos. Ele só comprou vidro, prego, ci-mento, cal, fechadura, essas coisas. O resto tudo foi de lá mesmo. Ele sempre falava isso porque viveu muita transformação, né? Hoje, você sai pra comprar pão, amanhã ele é mais caro!

Eu estou no fim da minha vida. Estou triste de ver tanta pobreza! Tanta miséria! Faz pena ver es-sa gente da roça! Agora, depois de viúva, eu morei na roça quatro anos. Faz pena ver! Eu mandava botar

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costureira dentro de casa, fazia camisa e “short” pa-ra todos. Mas fazia meia dúzia pra cada um, sabe. A gente ajudou muito. Meu filho, que é industrial no Rio – está muito bem de vida, sabe – mandava muita roupa, retalho. Nossos empregados lá na roça vivia tudo arrumadinho. Meu filho ajudou muito porque ele é muito caridoso, sabe.

Política... eu sou muito simpática ao Mário Covas. Eu acho ele um homem muito inteligente! Ele fala com muita clareza! Eu tenho fé nele. Vamos ver se Deus ajuda, os santos todos, que ele governa esse Brasil! Mário Covas: o Brasil vai pra frente! Ontem, a Regina Duarte fez uma propaganda linda, vo-cê viu? Ela falou do Mário Covas. Achei tão bonito! Hoje, quem falou foi aquele que fez o papel de Sassá Mutema, aquele do chapéu... Falou sobre o Mário Covas! Eu espero que vocês também me acompa-nhem... Vote no Mário Covas!

Entrevistadores e data da entrevista não localizados nos arquivos originais.

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Nasci no Estado do Rio, em Itaperuna, em 1922. Quando vim pra cá, em (19)24, (19)25, já ti-nha 3 anos de idade... justamente seis décadas.

A minha professora foi a dona Sindoga, do-na Margarida, que faleceu recentemente. O primá-rio eu fiz no “Coronel Vieira”. Depois passei para o Ginásio Municipal de Cataguases, era no “Antônio Amaro”, lá fiz o ginasial. Depois eu parti para o Rio de Janeiro e fiz o primeiro e o segundo ano médico, na Faculdade da Praia Vermelha, Faculdade do Rio de Janeiro, Faculdade Federal do Brasil. No segun-do ano de medicina, meu pai faleceu e eu era filho único, vim para Cataguases. Formei em Farmácia em Juiz de Fora e continuei com farmácia até me aposen-

M I L T O N C A R VA L H E I R A P E I X O T O

FA R M A C Ê U T I C O

6 6 a n o s

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tar. Eu me formei em bioquímica também, farmácia e bioquímica. A história da minha educação é essa.

Quando eu comecei como farmacêutico era muito curioso, sabe. Cataguases tinha três médicos: doutor Cardoso, doutor Edson, doutor Sicarini, não dava vazão para a população. Então os farmacêuticos eram uma espécie de médicos. Éramos nós quatro; eu, José Esteves, Jaci Lopes, Malaquini... Éramos nós qua-tro. A gente atendia também como se fôssemos mé-dicos. A gente era até chamado nas casas de família para tratar de um sarampo de uma criança, de uma diarreia, de uma gastroenterite, de uma faringite, de uma amigdalite, coisas banais. A gente chegava lá, a gente medicava, dava injeção, examinava, punha o termômetro, medicava... já levava o remédio e a con-sulta. Não tinha remédio preparado. Era tudo na far-mácia, tudo manipulado: poções, supositórios, cápsu-las, comprimidos. Não existia o comércio de drogas que existe hoje, não. A gente tinha de trabalhar com a cabeça: conhecer química, conhecer bioquímica, fazer essas fórmulas de acordo com o receituário médico.

Eu ia de bicicleta. Chegava lá, quando então o negócio piorava, que não tinha jeito, a gente manda-va chamar o doutor, chamava o médico. Ele chegava lá e desempatava o negócio. Hoje, não existe farmá-cia, não existe ciência nenhuma. A farmácia antiga-

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mente foi uma profissão muito social, muito gratifi-cante. A gente ajudava a população sem cobrar nada, porque não se podia cobrar nada. Não era médico, você não tinha esse direito perante as leis. A gente só ia pelo favor de vender o remédio, pelo favor de ser útil, com intenção de vender o remédio. Depois que a farmácia tomou esse rumo comercial, os foras-teiros, os aventureiros começaram a abrir farmácia. Hoje é um comércio como outro qualquer. Hoje, em Cataguases, temos vinte farmácias, mas formados tem uns dois ou três só. Eu sou farmacêutico forma-do e sou responsável técnico por farmácias aqui em Cataguases e em Juiz de Fora. Empresto meu nome e minha qualidade de diplomado para eles poderem dirigir o estabelecimento, com um responsável técni-co. Então eu dou assistência duas vezes por semana, três vezes por semana, aqui e em Juiz de Fora.

Logo depois do período revolucionário, acho que foi essa coisa... mais acidente, sabe. O Ministério da Educação decidiu ter no Brasil, em Minas Gerais, a educação moral e cívica. Havia muita coisa errada antigamente que foi consertada hoje. Houve mudan-ças, mas para melhor. Eu acho que o ensino atual-mente no Brasil é muito eficiente, muito bom, muito puro, muito certo. Vem acertando bem mesmo. Tanto que o nosso índice de analfabetismo tem caído muito.

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Parece que atualmente o nosso índice de analfabetis-mo não chega a dez, a vinte por cento... Anos atrás era quarenta por cento. Em 1966, quando eu era pre-feito, era quarenta por cento! Depois de 1964, o go-verno achou que o Brasil precisava ter um pouquinho de educação moral e cívica para evitar de acontecer o que aconteceu. Aquela degringolada, aquelas greves, aquela coisa toda! Naquela ocasião eu era prefeito. Então acharam que eu estava em condições de exer-cer educação moral e cívica e me convidaram. Logo depois eu caí na minha área que era bioquímica – far-mácia, bioquímica, área de ciências... química, física. Então eu fiz em Juiz de Fora o famoso curso (CADES) e me aprimorei em ciências, física e química. Gostava de lecionar. Participei do Colégio Cataguases como professor, durante longas décadas, até me aposentar.

Fui vereador durante dezesseis anos, depois fui prefeito duas gestões: 1967 a 1971, a primeira e depois 1977 a 1983. Eu não fui atraído, eu fui levado, fui empurrado, entendeu? Como vereador, atendi a um apelo dos meus amigos. Meu partido inicial foi a UDN – União Democrática Nacional. Depois fui seguindo de acordo com os meus líderes. Eu fui se-guindo vários partidos. Passei para a ARENA e de-pois para o PDS. Atualmente estou no PFL, mas se-guindo a mesma linha.

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Mudei apenas porque meus líderes funda-ram outros partidos. Meus líderes: Aureliano Chaves, Marcos Maciel, Francelino Pereira... líderes políticos brasileiros. Aqui em Cataguases, a liderança foi sem-pre do... o líder político era o doutor Pedro Dutra Nicácio Neto, doutor Edson Resende e o senhor Manoel Inácio Peixoto. O Edson Resende e o Pedro Dutra era do PSD e o Manoel Peixoto era da UDN, que era o meu partido na ocasião.

Na década de quarenta a cinquenta a políti-ca era muito quente, em Cataguases. Houve ataques à Rádio Cataguases: um tiro, que partiu de qual-quer atirador, atingiu e matou um soldado. A Rádio Cataguases pertencia ao Pedro Dutra, PSD. Houve um sururu muito grande quando o doutor Edson Resende quis tomar o hospital das mãos da família Peixoto! Houve um sururu danado: houve tiros, fa-cada, correria... Houve um atentado a Pedro Dutra, também. Um atentado no meio da rua. Foi uma farsa que tentaram, para acusar o Manoel Inácio Peixoto como mandante do crime e tudo mais.

Não havia ideologia não, muito atrasada a política naquela ocasião. O curral eleitoral era que mandava na eleição. Votava morto, analfabeto, resi-dentes na terra e fora do país votavam também. Era uma coisa horrorosa! Era o senhor coronel, o dono do

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eleitorado, o dono do curral... Depois mais tarde apa-receram os jovens: o doutor Antônio Cardoso, senhor Sodré Lana, Nelson Batista, Felicíssimo Gonçalves Vieira... Eu fiz parte do segundo bloco, ao lado do doutor Cardosinho, do doutor Hugo Lanna. A pri-meira vez que eu fui candidato, em 1966, eram três: eu, junto com o doutor Lídio; Amauri Mauad era candidato do PDS e o René Cerqueira, candidato do PMDB. Venci por uma larga margem de votos! Agora, recentemente, na última eleição, em 1977/78 eram três candidatos: eu, doutor Ângelo Rocha e o atual prefeito, doutor Tarcísio Henriques. Todos eram pe-la ARENA, todos três. Também venci por larga mar-gem de votos! Agora, que nós voltamos à democracia, com o nosso Presidente Figueiredo, que abriu o go-verno democrático e continuou nas mãos do Sarney... Foram cumpridas todas as etapas democráticas.

Quando eu fui vereador não ganhava nada, era de graça. Devia ser! Vereança é um cargo que de-via ser de graça! Servir o povo. Como prefeito tam-bém, devia ser de graça! São cargos eletivos, mas são cargos de serviço público. Mas hoje não, hoje tudo é pago! Não há mais aquele interesse de amor à terra. Hoje é tudo amor profissional, amor financeiro.

A gente ficava muito gratificado, porque a gente vê com muito carinho, que o povo que elege

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a gente é um povo que gosta da gente. É uma situ-ação de muita honra, de muita satisfação! Quando eu fui prefeito pela primeira vez, correu tudo muito bem. No dia da abertura dos votos eu venci... em seis mil eleitores que tinha em Cataguases, me parece, eu venci com mil e quinhentos de diferença. Uma coisa fabulosa! Eu fui carregado pelas ruas da cidade pelos meus eleitores. Isso traz muito sentimento de gratifi-cação, de satisfação pra gente.

Eu fiz uma gestão melhor na primeira vez. A prefeitura tinha recursos, não houve enchentes... Na segunda vez eu fui muito infeliz. A prefeitura não ti-nha recurso nenhum, por causa do período revolu-cionário. Foram seis anos de mandato e seis enchen-tes pavorosas! Eu não fazia mais nada do que cuidar de meus flagelados. Inclusive, a enchente de 1979 foi a maior enchente de toda a história de Cataguases! A água subiu até a Praça Sandoval de Azevedo! Felizmente, fiz uma administração razoável e deixei a prefeitura sem débito. Foi uma grande vantagem. Apesar de todas as dificuldades deixei sem débito! Não fiz uma administração boa, mas fiz razoável.

Eu nunca fiz obras monumentais, não. Mas sempre me dediquei muito aos pobres. Eu fiz proje-tos, eu dei de graça o loteamento “Ana Carrara”. Dei para oitenta pessoas vítimas de enchentes, que perde-

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ram suas casas na enchente. Depois eu consegui tam-bém, durante as enchentes, realizar esse loteamento

“Taquara Preta”. Realizei também muita gente que não tinha moradia e conseguiu sua moradia. Isso gra-tifica a gente. Foi tudo muito gratificante para mim!

Eu me recordo muito bem que, quando pre-feito, eu compareci à cidade de Tiradentes para entregar uma escritura da fundação da cidade de Tiradentes, que foi encontrada aqui em Cataguases, numa escavação feita pelo prefeito Ângelo Rocha. Foi feita uma escavação na avenida Astolfo Dutra e descobriram essa escritura de Tiradentes. Então mar-caram uma solenidade... o prefeito de Tiradentes, a Câmara Municipal e o Patrimônio Histórico, as pes-soas da cidade... Marcaram a cerimônia, em que par-ticipei da entrega solene da memória, da escritura de fundação da cidade de Tiradentes.

A respeito da memória de Cataguases, eu acho o seguinte, o que está fazendo hoje deveria ter sido feito ontem. Já estamos atrasados em matéria de preservação da nossa memória! Há, realmente, uma destruição indiscriminadamente de tudo o que nos fale de nosso passado. Eu acho que um povo sem tra-dição, sem memória, é um povo sem alma.

Cataguases, por exemplo, é uma cidade que já teve muita história em matéria de passado, tradi-

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ção do passado, memória, recordação, não é? Mas vem sendo destruído de uma maneira atroz, de uma maneira diabólica. Você pode ver... destruíram uma igreja matriz de estilo gótico e fizeram esse monstro aí, essa matriz moderna!

No tempo que foi feita a matriz, há trinta, quarenta anos atrás, não existia em Minas Gerais, no Brasil, esse sentimento de conservação do patrimônio histórico. Não existia... Ouro Preto já estava semides-truída, Mariana, São João Del Rei... Eles jogaram abai-xo o que era velho, o que era antigo, para fazer uns monstros modernos... Nós importamos essa idéia de preservação da nossa história, isso é coisa nova. Há vinte, trinta anos atrás, não havia esse sentimento, não havia essa ideia de preservação da memória, da tradi-ção de uma cidade, de um estado. Hoje é que temos is-so. Depois que aconteceu é que abrimos nossos olhos!

Depois da destruição do Cineteatro Recreio, que era uma coisa primorosa!... Destruir-se o Cine Recreio, naquela ocasião, foi um sucesso! Queriam um país moderno, bonito! Depois quando abriu-se os olhos é que viram que tinham destruído o patri-mônio histórico da cidade de Cataguases! O Cine Recreio era um cineteatro mesmo!

Naquele tempo, Cataguases tinha, além das Escolas Educadoras como a Escola Normal, o Colégio

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(Cataguases). Havia, paralelamente, educação artís-tica para o jovem cataguasense. Era muito comum que Cataguases apresentasse, encenasse peças... Eu me recordo de uma peça que foi encenada em Cataguases, de Juraci Camargo – “Deus lhe pague”, e eu tomei parte. Eu fui um dos componentes da peça e o treinador, vamos dizer, o treinador... o diretor era Francisco Inácio Peixoto.

Atores e atrizes eram escolhidos na socie-dade de Cataguases: Milton Peixoto, Hugo Lanna, Aida Schetini, a Laurinha Kneip... Estas cenas eram sempre realizadas, a gente representava sempre em benefício de alguma coisa em Cataguases. Muitos artistas de fora tinha guarida no Teatro Recreio, que tinha um palco maravilhoso! Eles traziam os cenários e as suas peças teatrais. Lembro da Alda Garrido, famosa bailarina, representando aqui. Além do teatro, que funcionava no Cine Recreio, funcio-nava também o cinema, e serviu também de palco para o entretenimento da juventude, durante as fes-tas natalinas, durante as noitadas de São João. (Em) Cataguases, por exemplo, não existia televisão, não existia ainda no Brasil, então o cinema era um deri-vativo para Cataguases. Em cima do Social se reali-zavam bailes tradicionais. A fina flor de Cataguases lá se manifestava, fina flor! Toda noite a gente ia

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pra lá, reunia, tinha jogos de dama, pingue-pongue, dança, bate-papo.

O Clube do Remo foi inaugurado pelo presi-dente Antônio Carlos, em 1928. Foi inaugurado com finalidade esportiva, era só remo... barcos. A gente re-mava no Rio Pomba. Depois passou o atletismo, bas-quete, vôlei, natação. Depois teve um período de dez anos de “vegetação”, parou o Clube do Remo! Mais tarde começou o primeiro salão dançante, isso foi em 1940, 1941... passou a ter dança também. Hoje é um clube de respeito!

O hospital de Cataguases tem sido melhora-do sensivelmente desde a sua fundação, pelo doutor Norberto Custódio Ferreira, o pioneiro, o coronel Duarte, o doutor Ventania, doutor Edson, que funda-ram o hospital. No tempo que não existia bem essa medicina moderna, nos primórdios dessa medicina, ele ocupava um espaço de destaque nessa região to-da! E continua aperfeiçoando, melhorando... nunca perdeu esse destaque. O hospital de Cataguases hoje é um nosocômio que nos orgulha, porque ele aten-de não só a Cataguases, mas à região das cercanias de Cataguases, dado o seu valor científico, valor de bom atendimento, valor de classe médica competen-te, aparelhagem ultramoderna! Hoje é um dos mais modernos de Minas Gerais.

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Quando prefeito, em 1966... 1967 fui eu que coloquei televisão em Cataguases. A gente assistia era cinema. O cinema era muito frequentado, inclu-sive tinha dois cinemas em Cataguases, dois ou três... Então, iniciou em 1967, e depois vários prefeitos de-ram assistência e continuou aperfeiçoando cada vez mais. E hoje Cataguases tem uma das melhores TV dessa região! Então chamei uma equipe de técnicos e colocaram a primeira TV. Televisão em Cataguases via Leopoldina. Surgiu o primeiro aparelho em 1966...

Com a TV acabou-se aquilo que faz falta pa-ra a cidade: o entrelaçamento das famílias, as visitas, o “tête-à-tête” nos bancos dos jardins, as conversas à tarde. A cidade ficou mais desumana... O cinema que a gente ia, não só para assistir o filme, mas pa-ra bater papo depois do cinema, na praça, no jardim. Havia esse entrelaçamento de amizade social. Com a TV acabou tudo isso. Você se fecha em sua casa, entre quatro paredes e liga a TV. A vizinha também, ninguém fica na rua. Ninguém mais senta nas por-tas, não sai para conversar... Ficou desumana. Perdeu aquele calor humano tão necessário à nossa vida... Deveria ser as duas coisas juntas: ter progresso e con-tinuar a ter esse entrelaçamento social, que sempre existiu. Faz muita falta a convivência, faz muita fal-ta... Hoje não se conversa mais, não se visita mais...

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Antigamente era muito comum isso. Havia festinhas em casa de família. O conjunto tocava e a gente dan-çava na sala. Antigamente tinha muito disso: baile nas casas de família. Todo sábado, todo sábado ha-via... Ia muito ao teatro. Cataguases tinha teatro qua-se todo mês: ou de amadores ou vinha de fora. Tinha muito teatro em Cataguases!

As mudanças em Cataguases têm sido radi-cais. Cataguases prosperou muito. A evolução da ci-dade... ela quase duplicou de tamanho, com novos bairros, novas ruas e avenidas. Em dez anos ela qua-druplicou!

Cataguases, quando eu fui prefeito em 1966, tinha perto de doze a quinze mil habitantes, hoje es-tá com setenta mil habitantes! As ruas eram todas de barro, de areia, de terra... foi tudo calçado e arbori-zado. O novo aspecto urbano e físico da cidade foi uma modificação da água para o vinho. Cataguases, com a administração de vários prefeitos, tem tido um progresso extraordinário, como poucas cidades mi-neiras têm tido! Desenvolvimento físico, comercial, industrial e social: Cataguases se destaca na Zona da Mata como pioneira da indústria, pioneira no comér-cio, pioneira nas portas artísticas, literárias... É hoje uma cidade respeitada no Estado de Minas Gerais in-teiro por sua atuação na parte literária, na parte das

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letras. Duas, três vezes por ano tem lançamento de livro em Cataguases! Apesar de ser uma cidade de porte médio, fisicamente, é de porte alto no conceito do progresso e do desenvolvimento.

São os pioneiros de Cataguases, os nossos an-cestrais, que deixaram exemplos relevantes de traba-lho, de progresso! O Manoel Inácio Peixoto, que fun-dou a primeira indústria em Cataguases; o Coronel João Duarte, que foi o maior produtor de café dessa região, e outros mais que passaram por Cataguases e deixaram a semente plantada. E os filhos deles, então, regaram as sementes, cultivaram e hoje produzem o progresso de Cataguases. Tudo que tem início bom tem um bom fim. Cataguases continua com a tradi-ção de ser uma cidade muito religiosa. E continua com aquele sentimento de religiosidade, que sempre existiu nas décadas passadas e continua viva nessa própria época em que vivemos. Em todas as Igrejas... protestante, adventista, católica... se comemora con-dignamente todas essas festas religiosas. E isto é mui-to importante!

Entrevistadores e data da entrevista não localizados nos arquivos originais.

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Minha mocidade foi sempre traba-lhando. Eu levantava e ia trabalhar. Trabalhava o dia inteiro. De noite ia direto dormir, de manhã levanta-va cedo e trabalhava. Eu era acostumado a ficar dois, três meses sem vim aqui na rua – tão pertinho! Não vinha não. Só trabalhando. Eu trabalhava porque meu pai teve derrame, não podia trabalhar.

Tive que sair do ginásio pra ajudar meu pai. Era um colégio muito ruim lá no alto do morro. Tinha que tirar leite de madrugada pra vim ainda pra aula. Não tinha condução. Vinha a pé lá do Meca até aqui, e, às dez horas tinha que voltar pra almoçar, pra vol-tar meio-dia outra vez. Era dois turnos. Ficou pesado,

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não aquentei não. Então eu fiquei na roça uns tempos, depois vim pra rua. Ali perto da Prefeitura abri uma vendinha, fiquei ali negociando. Tinha um botequim, um armazém. Eu e o meu irmão Carlos Siervi. Mas depois eu tive que voltar pra roça. Essa é a manca-da maior que eu dei na minha vida. Trabalhei trinta anos na roça. Ajudei a criar o resto da família. Eles vieram pra rua porque o papai não podia mais fi-car na roça. Então eu fiquei sozinho trabalhando lá. Produzia cana, milho, feijão e gado. Tudo pra vender. Não compensou. O feijão não valia nada, duzentos réis o quilo. Jogava feijão pra porco. Ninguém com-prava. Todo mundo tinha. O alimento tinha muito né, porque plantava um pedacinho de terra dava muito feijão. Agora, não tinha dinheiro, o dinheiro era di-fícil. Era muito difícil arrumar um conto de réis. Só milionário mesmo.

Eu nasci em Tocantins, em 1915. Vim com doze anos (para Cataguases). Eu vim pra cá tava no quarto ano, aí eu voltei lá e acabei de tirar o quarto ano, quarta série. Aí depois eu entrei no Ginásio, fi-quei só três anos. Mamãe era brasileira, papai era da Itália – Nicolau Siervi. Veio pra cá porque lá ele tava passando fome, tava muito ruim lá a situação. Então vieram pra o Brasil, uma porção. Direto pra Tocantins, porque a emigração foi quase toda pra lá, né, os com-

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panheiros dele. O lugar era muito atrasado, muito atrasado, nem grupo tinha. O pai dele comprou um sítio e pôs um botequim, uma vendinha pra ele.

Depois (meu pai) vem pra Cataguases. A oca-sião que entrou Artur Bernardes. Ele tava com... acho que duzentos mil réis, que era muito dinheiro. Aí comprou a fazenda aqui, Fazenda Bom Sucesso, onde hoje é o Meca. Era tudo mato. Não tinha casa nenhu-ma. A Vila Minalda era mato. (A fazenda) ia do Meca até lá na Casa Branca. A divisa dava naquela cerca da Casa Branca, pra cá, até no Antônio Randolfo. Era cento e vinte alqueires de terra. (Papai) produzia café. Veio pra Cataguases porque a minha irmã, a mulher do Carlos Carvalho, chamou ele pra cá. Se ela não chamasse, ele não ia tirar o dinheiro do Neca Teixeira. (Meu pai) ia vendendo o café e o dinheiro ficava de-positado com o Neca. Mais aí o Neca ficou querendo quebrar, aí minha irmã telefonou. Ia procurar uma fa-zenda pra ele aqui, pra ele tirar o dinheiro. Meu pai tirou o dinheiro pra comprar a fazenda, e aí não tinha mais o dinheiro todo, tinha a metade. Levou prejuí-zo. Comprou a fazenda do Capitão Ismael, que tinha comprado do Carlos Louro. (Papai) plantou muito café. Aqui em Cataguases vendia pro João Tartara, ali perto da estação. Ele tinha um depósito ali, onde hoje é o Dino. Comprava café de todo mundo.

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Meu pai tinha uns vinte empregados. Cada um tinha a sua casinha. Ele dava o quintal pra plan-tar e eles trabalhavam pro papai. Quando o papai não tinha serviço, trabalhavam pra eles, quintalzinho deles. Empregado naquele tempo era uma coisa me-donha. Não tinha renda nem lucro nenhum. Ficava lá... se o sujeito fosse bem empregado, continuava; se fosse ruim, mandava embora. E tinha que ir em-bora mesmo, não tinha lei pra segurar o empregado, não tinha lei pra pagar nada. Hoje o empregado tem a segurança. (Papai) dava uma terrinha pra plantar e sustentava eles também. Precisava de mantimento, ele sustentava. Matava e repartia dois capados por semana pra eles. Naquele tempo... sei lá, eu acho que naquele tempo era muito melhor. Ele tinha muito ga-do, mas não dava leite quase nenhum, porque não ti-nha trato. Ficava lá pro pasto. Só tirava leite e soltava pra lá. (O leite) era vendido na rua e na cooperativa.

Na roça tinha muita festa. Todo sábado tinha baile. O pessoal era muito animado naquele tempo. E não tinha esse negócio de briga não. Hoje é até um perigo ter festa. Os vizinhos ia, todo mundo ia. Mês de Junho, dia de São João, de Santo Antônio. Pra baixo um pouco (da sede da Fazenda) tinha um en-genho, um salão grande. Cá embaixo, onde o Plínio Guilherme tinha um engenho, era ali que era o salão.

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Naquele tempo tinha sanfona. Dançava quadrilha, dançava calango, valsa...

Meu pai voltou pra passear na (Itália) pra visi-tar os irmãos dele. O dinheiro que ele ganhou no café, em Tocantins, deu pra ele ir na Itália e comprar a fa-zenda. Com duzentos mil réis deu pra ele fazer tudo isso. Nessa época do café muita gente quebrou. Muita gente quebrou porque achou que o café não ia abaixar mais, ia só subir. Então, danaram a comprar uma por-ção de coisa, comprar tudo, terreno, sabendo que o café ia... pagar com o café. Aí o café deu aquela baixa, do Artur Bernardes, o pessoal ficou tudo doido.

Lá (na fazenda) fiquei quarenta anos. Meu pai, antes de morrer, repartiu a fazenda toda. Doze irmãos. Sete mulheres e cinco homens. Fui operado duas vezes de estômago, não podia trabalhar, não podia pagar empregado, como é que eu ia ficar lá? Meus meninos pequenos... falei: “ah, o quê que eu vou ficar fazendo aqui?” Aí eu tive que vender. Três irmãos estão lá ainda. Eu sou o mais velho.

Vila Minalda... quando (meu pai) vendeu (a fazenda) já tinha “muncado” de casa. Quer dizer, não tinha muita não, mas tinha “muncado”. Agora, quan-do nós viemos para aqui, não tinha casa nenhuma não. Só tinha ali um correio de casa, ali no Capitão Marcos, tinha ali umas dez casinhas, e tinha uma

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chácara do Mazinho, até lá em casa, não tinha duas casas. Era tudo limpo. Só tinha pasto e o rio. A estra-da passava cá embaixo na beira do rio, depois fize-ram pra cima.

Hoje a lavoura está uma coisa medonha! Por que? Porque fica lá na roça, ganha pouquinho, e na rua ganha mais. Vai procurar onde ganha mais nas fábricas. Ah, não aguentei ficar na roça mais não. O meu irmão tá. Só tem ele e a mulher dele. Não tem empregado, não pode pagar.

Ah, o movimento aqui era... melhorou mui-to, né! Aqui pro lado do Ibraim não tinha bairro nenhum. Tudo era roça. Isso aqui tudo era fazenda. E comprei muito gado aqui, ó: Geraldo Ferras, do Ibraim Mendonça, do Veríssimo Mendonça. Isso aqui era tudo fazenda deles, o Coronel, não tinha casa não. Granjaria... Granjaria era um brejo que Deus me li-vre! Ali pra baixo do Ginásio, tudo brejo pra ali afora, não tinha casa nenhuma. Cataguases cresceu, cresceu demais!

Ah! (Prefeito) eu acho o Dr. Edson Resende foi um administrador muito bom. O comércio aqui não era bom não. Não tinha tanta fiscalização igual tem hoje. Entrava com o comércio lá, negociava o ano in-teiro, a coisa era um preço só. Não tinha esse negó-cio de hoje é um preço, amanhã é outro, depois é ou-

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tro. Negócio de fiscal em cima, não tinha nada disso. Você abria lá o seu botequim, pagava aquele imposto só, pronto. O ano inteiro. Só pagava aquele. Abriu fábrica, o pessoal vieram, foram largando a lavoura e vieram pra fábrica. Depois o Getúlio Vargas botou uma lei apertada pra roça e favorecendo o comércio. Aí foram largando a lavoura, ia tudo pro comércio.

Ah, eu gostava (de política). Toda vida nós votamos no Pedro Dutra. Quando nós mudamos pra aqui, ele ajudou muito o papai. Então o papai... tinha lá uns empregados, então ele votava pro Pedro Dutra. Dia da eleição, enchia um caminhão de empregados, vinha tudo votar no Pedro Dutra, de boa vontade. Eu andava atrás de comício. Não fazia campanha não. Só votava.

O Tiro de Guerra aqui era o seguinte: cê tinha que comprar a farda e ainda pagava por mês. Não ti-nha igual a hoje não. Ah, era pesado! Nossa Senhora! Era um ano e dois meses mais ou menos. (A sede) era atrás da Igreja Santa Rita. Ali tinha uma casinha velha, depois do Sindicato. Não tinha todo ano não. Era de três em três anos que vinha Tiro de Guerra pra aí. Então, havia lá sessenta, setenta, pronto, aca-bava. Daí a dois, três anos, tornava a voltar o Tiro de Guerra. Agora eles quer acabar, porque tá indo pouca gente, né?

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Eu sou católico. Frequento sempre. A Igreja... tudo é bom. Já fui até sacristão. Lembro do Padre Modesto, Padre Chiquinho, Padre Cota... Quando nós mudamos pra aqui tinha o Padre Rosa, depois que veio o outro padre, o Padre Solindo. Ah, o Padre Solindo... Aquela Igreja que tem aí, ele que... o ser-viço é dele, né. Ele que construiu ela. Agora, depois dele tem o Padre Antônio. Também é muito bom. Ah, a Igreja antiga eu acho que era mais bonita. A cons-trução de hoje é melhor, mas a antiga era mais bonita.

Eu casei em (19)49. Tenho três filhos: Nicolau, Vera Lúcia e Antônio Carlos. Os meninos criaram lá na roça. Depois que cresceram um pouquinho, vie-mos embora pra rua. Abri uma vendinha aí, um bar-zinho.

Ah, os amigos! Têm muitos. O doutor Walter foi meu colega no Ginásio. O Milton Peixoto, João Guimarães... foram tudo colegas, eles iam muito lá em casa também. O Silvio da Nacional, nós fomos criados quase juntos, o Joaquim, pai do Dr. Célio, o Atheniense...

Entrevistado por Glaucia Siqueira e José Luiz Batista, em 29/09/1990.

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Eu nasci quase no século passado, em 1917: tinha só dezessete anos esse século! Mas espe-ro chegar no fim desse século. Eu sou mineiro, sou da cidade de Rio Casca... Eu vim para Cataguases há quarenta e cinco anos. A diferença é tão grande que, quando eu vim para Cataguases, eu me lembro, que para ir ao Rio eu ia de automóvel. Quando eu chegava ao Rio tinha vergonha de entrar no hotel... Ficava coberto de poeira dos pés à cabeça! Eu tinha que entrar pelo elevador dos fundos... Antes eu pas-sava no posto, pegava um moço lá, pegava um moço lá e mandava “soprar” as malas para tirar a poeira e

“soprava” a gente também! Usava guarda-pó...

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Vocês estão falando sobre o passado de Cataguases... A “Astolfo Dutra” chamava Avenida Cataguases. A Praça do Comércio é a (praça) Rui Barbosa... Vila Domingos Lopes... Rua Monsenhor Araújo... Hoje não sei qual é. A casa mais bonita que tem em Cataguases é o prédio da Prefeitura! A Matriz de Cataguases... O maior crime que se fez em Cataguases! Por que não fizeram a Igreja em outro lugar e conservava essa?

Eu vim para aqui e montamos essa indústria aqui em Cataguases. Começamos a trabalhar jun-to com meu sogro (Manuel Peixoto) que era indus-trial. Então nós fizemos uma sociedade, fizemos a Manufatora e começamos aqui em 1943. Nós não fi-zemos o prédio. Nós alugamos um terreno ali atrás da Estação, onde hoje fica uma fábrica de carpete, ou coisa assim, e ali nós começamos a Manufatora. Fizemos... trabalhamos lá uns tempos e depois com-pramos o terreno aqui e fizemos a construção da fá-brica aqui. Nós compramos umas máquinas velhas no Rio. Foi durante a guerra... Não tinha máquinas. Então nós compramos máquinas velhas no Rio e trouxemos e montamos aqui. Já eram usadas, ingle-sas, tinham... Vinte anos. Hoje tem nacional, alemã, tem inglesa... de várias procedências. Temos até mui-tas máquinas nacionais, nacionais e boas. No período

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da guerra não se podia importar nada. Então foi se criando a mentalidade de fabricar as coisas no Brasil. Isso foi muito útil! Hoje tem muitas fábricas de má-quinas no Brasil.

Toda a minha vida de industrial é feita da Manufatora. Vai fazer 45 anos! No mesmo ano em que fundamos começamos a funcionar. Existia a Irmãos Peixoto e a Companhia Industrial de Tecidos... Só essas em Cataguases. Eu fazia fios e vendia para São Paulo. Depois de uns três... quatro anos comecei a fazer tecidos, aí vendia no Brasil todo. Hoje eu ven-do no Brasil todo: do Ceará ao Rio Grande do Sul. Já exportei, mas não estava sendo econômico. Exportei para a Alemanha e para os Estados Unidos... Isso de-ve ter uns quinze anos.

Aqui em Cataguases, o empresário... Ele não é dono de fábrica, ele é industrial. Porque um “dono de fábrica” só compra uma fábrica e vai viver no Rio, na cidade grande e deixa a fábrica correndo, entregue a subordinados. O industrial mesmo é aquele que vive dentro da fábrica. É o que aconteceu aqui. Todo o in-dustrial de Cataguases vivia dentro da fábrica. Então a gente sente muito mais os problemas da fábrica e passa a amar muito mais a fábrica. Também começa a investir todo o lucro da fábrica, da empresa, na pró-pria fábrica.

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Todos nós, todos os industriais daqui, de ma-nhã está na fábrica e passa o dia todo na fábrica. Isso é muito importante. A pessoa se identificar dentro do trabalho dela, dentro da empresa, passa a viver com mais profundidade os assuntos da fábrica.

Nós começamos aqui a indústria com trinta operários. Hoje temos mil! A fábrica também foi cres-cendo, crescendo, crescendo e sobretudo se moderni-zando. Porque fábrica que não moderniza certamente ela acaba tendo que fechar. E a gente aqui no Brasil tem muita dificuldade para modernizar uma indús-tria. Os empréstimos aqui, o prazo máximo que a gente consegue são cinco anos... e nossos juros aqui são uns juros absurdos!

A indústria têxtil, ela é cíclica. Ela tem geral-mente uns anos bons e uns anos ruins... então sempre viveu nesse período: um período ruim e um bom. O período bom nós aproveitávamos e trabalhávamos e no período ruim a gente trabalhava mais! E aí au-mentava a produção. Quando entrava no período ruim... é aqui que nós produzimos pouco, o nosso custo fica muito elevado e aí fica muito elevado e aí fica difícil vender o nosso produto.

Houve depois da guerra, que foi um período maior, assim... de movimento industrial... Se bem que não tenhamos sido beneficiados com isso, porque

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nós estávamos iniciando a nossa vida industrial... As outras fábricas, quando elas cresceram – a Industrial, a Irmãos Peixoto foi justamente nesse período. Agora nós não, porque nós estávamos no início da ativida-de. Teve um período ruim, que foi o período depois da revolução, em (19)64. Esse foi um período difícil de acomodação. E agora (1988) eu considero o pior período que já tivemos.

Existe uma impossibilidade de ampliar a in-dústria, da indústria capitalizar para desenvolver, porque a indústria é, antes de tudo, um bem social. Porque a indústria não é do diretor, não é minha, não é do meu filho, não é de ninguém! A indústria fica aí, as gerações vão passando e a indústria está aí tra-balhando, dando trabalho para os operários e todo mundo vivendo em torno dela! Não só diretamente que somos nós que trabalhamos – mas como indire-tamente, porque quase tudo gira em torno da indús-tria ou em torno da agricultura. Porque são as duas únicas duas fontes que geram riquezas. As outras fontes giram em torno daquilo que se produz.

Nós aqui da indústria e da agricultura somos os únicos que vamos buscar dinheiro lá fora para a nossa cidade. A indústria vende pra fora e traz o dinheiro de fora pra cidade. Nós somos um grande responsável, também, no pagamento de impostos.

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Então, sem a indústria e sem agricultura não pode haver progresso. A medicina, as profissões liberais têm que viver em função da indústria e da agricul-tura... Aqui a agricultura é pequena, pobre e rudi-mentar... Eu acho que tem que haver uma convivên-cia muito estreita, porque a agricultura depende da indústria. Porque é a indústria que vai industrializar a agricultura. O café... Ganhou-se muito dinheiro, os fazendeiros ganharam dinheiro demais!

Em São Paulo, o grande desenvolvimento de São Paulo, quando vem o período do café. Então, os fazendeiros, ganhando muito dinheiro no café come-çaram a desenvolver outras atividades no setor da indústria.

Vieram muitos estrangeiros para as fazendas aqui (no Brasil) e começaram a recorrer a isso: ver as faltas que tinha no Brasil e desenvolver a indústria. O grande desenvolvimento da indústria em São Paulo se deve à agricultura. Mas hoje, o povo da roça, da zona rural foge para a cidade... Para os arraiais, os distritos assim melhores, porque sente falta desse convívio com a luz elétrica... A televisão, um clubezi-nho, um barzinho para beber a sua cerveja, bater um papinho e tal. Sente falta disso... Então procura sair pra cidade ou pros centros mais urbanizados... Não tem condições mais de prender o colono lá... Eles es-

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tão pondo condução, transporte para levar o homem ao campo, condução fácil pra levar o homem da fa-zenda pra trabalhar.

Eu ingressei na carreira política... eu não fui bem político, não, eu fui prefeito. Porque nunca tive tendência política, não aceitaria nenhum cargo que não fosse aqui em Cataguases. Fui prefeito porque eu poderia trabalhar na minha indústria. E o pesso-al da cidade, os amigos, reuniram e vieram aqui, por várias vezes: “Aceita. Nossa situação é difícil! Podia colaborar com a cidade!” E eu achei que eu pode-ria ajudar a fazer alguma coisa para a cidade. Então eu aceitei. Assim como aceitei ser diretor do Clube Social, diretor da Cooperativa dos Operários... Eu passei por varias funções dessas. Eu fui prefeito por duas vezes, pela UDN e pela ARENA.

Na época da revolução (1964) eu era prefeito. Eu acho que primeira (gestão) eu tive uma adminis-tração assim... Que apareceu mais... por circunstân-cias...Algumas coisas na cidade tinham que ser aten-didas com mais urgência, no meu modo de pensar. E já na segunda eu atendi mais o serviço de base. Aquele serviço que nenhum prefeito gosta de fazer, que não aparece!

Eu trabalhei mais em rede de esgoto, rede de águas pluviais... esse serviço assim mais de estrada

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pra zona rural. Eu tive sempre muita preocupação em fazer o trabalho da zona rural. Eu acho que a zo-na rural, ela precisa de muita assistência. Pra ver se gente consegue fixar mais o homem no campo. Está havendo um êxodo tão grande do homem do campo para a cidade, que precisa que o governo tome uma medida muito séria nesse sentido.

Uma coisa que tem também prejudicado muito a zona rural são essas leis trabalhistas muito avan-çadas. Porque o homem do campo, ele não tem uma cultura e não tem uma assistência: ele não tem con-tador, ele não tem advogado para ficar orientando... Então, o que acontece? Começa a ver essas leis traba-lhistas, que são muito severas no campo, ele desani-ma: “Eu vou ficar aqui, botar empregado aqui... esse empregado fica uns anos, daqui a pouco entra com a lei trabalhista e acabo perdendo tudo e tal.” E real-mente ele desanima, porque ele não é preparado para isso. Nem o operário do campo é preparado e muito menos o patrão!

O Getúlio Vargas fez umas leis muito bem feitas. Começou essas leis trabalhistas, que são uma necessidade. Mas se o governo não aplicar essas... Como agora pela constituinte nova, a preocupação em fazer leis trabalhistas na Constituinte agora... Seis horas de trabalho...

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Eu sinto aqui pelos operários da fábrica. Todos eles vivem pedindo para fazer hora extra, porque eles precisam de mais horas de trabalho pra ganhar mais dinheiro. Eles falam assim: “O que adianta eu ficar à toa em casa, se eu não estou ganhando dinhei-ro, se não tem comida na panela que dá pra eu co-mer? Eu prefiro trabalhar mais.”.

Agora, aqui (no Brasil) nós trabalhamos pou-co e ganhamos pouco e ganhamos pouco. Eu prefiro trabalhar mais e ganhar mais um pouquinho. Porque na Alemanha, na Suíça, nesses lugares que andei, o operário tem uma produção fantástica! Não é que ele trabalhe mais do que o nosso não. Só que tem que ele tem outros elementos pra trabalhar que nós aqui não temos. Nós vivemos angustiados vendo angustiado o operário! Nós empresários, vivemos a mesma angús-tia porque eu tenho que remodelar minha fábrica! Eu não posso ficar com a minha fábrica parada porque senão eu tenho que procurar o ferro e fechar tudo e amanhã eu não tenho nada aqui!

O Brasil é um país que tem que ser um país agrícola. O nosso potencial com a agricultura é tão grande que nós não podemos descuidar da agricul-tura. Nós temos que alimentar muito bem a nós bra-sileiros e a muitos países aí fora. Terras como nós te-mos é muito difícil de encontrar! E clima como nós

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temos também! Nós podemos trabalhar aqui na agri-cultura quase doze meses por ano. Por isso nós temos que fixar o homem no campo. O Brasil está devendo, cheio de dívidas, gasta mais e quer trabalhar menos! O operário aqui não. Ele trabalhou as oito horas, saiu daqui, acabou! Então se ele trabalhar mais, se todos nós trabalharmos mais, nós íamos ter mais produção! Quando você deve o que você faz? Você faz mais eco-nomia e trabalha mais pra pagar a sua dívida!

De um modo geral, tem exceções, o operário se sente satisfeito, gosta da fábrica. Ele é atendido com todo... A gente atende, qualquer operário fa-la comigo... Agora, conforme o assunto ele vai no Departamento Pessoal e fala. Eu não atendo o operá-rio porque não é possível. Se não eu ficaria o dia todo conversando com o operário e não podia trabalhar. Agora, se ele acha que tem que falar comigo, pode vir cá e falar comigo. Castigo não tem não. Dentro da fá-brica ninguém tem essa mentalidade. Principalmente os dirigentes nunca tiveram essa mentalidade! Se houvesse uma coisa dessa chamaria atenção. Agora, o que pode ter havido também é isso, às vezes algum empregado... A pessoa agride ele agride também. Uma coisa assim, isolada. O encarregado tem que ter a sua autoridade, senão vira bagunça na fábrica. Se eu chego aqui dentro da fábrica e tem lá aquele pes-

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soal brincando, conversando, eu não chamo a aten-ção do operário. Eu chamo a atenção do encarregado, ele que é responsável!

Greve só houve o ano passado (1987) na Com-panhia Industrial. O homem é um eterno incomple-tável! Ele está sempre mal satisfeito. Você procura o operário, ele está mal satisfeito... Você como profes-sora está mal satisfeita, você procura um médico ele está mal satisfeito, queixando... Vai para um advoga-do, ele pode estar ganhando dinheiro, mas está mal satisfeito, queixando... Mas a greve em si, aqui o que houve... aliás, um mal entendido. Às vezes o modo de encaminhar assunto... Você faz uma reivindicação. A reivindicação muitas vezes não pode ser atendida no momento. Pode ser que até pra futuro próximo seja atendida. Às vezes no momento não pode. Então a pessoa fica insatisfeita e aí aparece... Porque quem faz greve, só dois, três por cento que fomenta a gre-ve! Sessenta por cento não está nem querendo saber de greve! Outros trinta e tantos acompanham! Então tem uma liderança que faz greve. Hoje em dia quem fomenta greve não é operário. É mais o homem pú-blico, o político. E mais aqueles que querem levar vantagem, insuflando praticamente... O medo deles, porque não é tanto do operário que parte isso não. Naquela época eu conversei com os operários sobre

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isso: “Não, não! Nós não temos nada que nos queixar não! Nós estamos satisfeitos com o salário, porque ninguém está! Nós estamos achando que estamos ga-nhando pouco. Não quer dizer que a fábrica possa pagar. Também não sabemos que se a fábrica pode pagar mais, mas que está pouco está!” E o de todo mundo está pouco! Quem está ganhando bem hoje? Só virando marajá... mas são poucos também!

Durante as campanhas, no ardor da campanha (política), pode sair – eu não digo pela direção da fá-brica – pode sair até pelos próprios operários, encar-regados, médicos... pode sair essa pressão. Não, não é pressão não. Não havia assim... O pessoal da fábrica não fazia essa pressão. Agora, eu não digo também que não tenha havido porque isso é natural. Trabalho político aqui dentro, isso já houve. Isso aí não está... A função dele é outra! Ele não pode sair da máqui-na dele, a pessoa não pode abandonar uma máqui-na... Uma máquina sozinha é um perigo! Máquina é máquina, se ela der um defeito pode trazer um pre-juízo muito grande. O operário tem que ficar na sua máquina! De um modo geral são insuflados, porque muita gente fica insuflando dentro da indústria. Não tem nada a ver com o operário.

Eu espero ter transmitido aqui o meu pensa-mento. Nós precisamos levantar firme nesse espírito

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em Cataguases, porque a gente tem que deixar algu-ma coisa. Porque nós aqui nos preocupamos muito pouco com o passado. A gente tem que saber esse passado porque esse passado é importante pras ge-rações. Mesmo que seja um passado simples, mas é importante para as gerações futuras saberem o que foi feito. Enfim, a verdade é essa: o que nós temos hoje nós devemos aos nossos antepassados. Uma ci-dade às vezes é um pouquinho... Se reclama muito, exige: “Ah! Não sei o que... as pessoas são antigas e tal...” Mas o que elas têm, sem dúvida, são coisas dos antigos. Nós estamos deixando para as gerações o patrimônio que deixaram para nós.

Entrevistado por Glaucia Siqueira, Hedileuza Maria de Oliveira Vala-dares e Mariana Cândida Cardoso de Almeida, s/d.

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(Somos muitos irmãos) Somos... so-mos quatro mulheres e nove homens.

A minha infância... eu sou dos mais, eu sou o penúltimo...

Meu pai era sitiante. Ele veio pr’aqui... ele morou em diversos lugares aqui em Cataguases, já morou aqui na Rua do Pomba, ali onde está a Industrial, ali, agora tem um muro lá; ali também foi uma casa que pertenceu a ele. Depois ele comprou esse terreno lá, foi o último lugar onde ele ficou. Dali ele não saiu mais não. Ficou até quando ele fale-ceu, 1956. Mas foi 1950 por aí... a desapropriação é... Dr. Pedro aqui... quis fazer o instituto Flávia Dutra, até houve uma briga muito grande nessa época do

W I L S O N VA LV E R D E ( C i c i n h o Va l v e r d e )

6 3 a n o s

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Doutor com os Peixoto. Doutor Pedro queria co-locar o nome da esposa dele, Dona Flávia Dutra, e os Peixoto não quiseram deixar, então ia lá escrevia Grupo Flávia Dutra, aí o João Peixoto mandava des-manchar e botava Grupo Nísio Batista, ficou aquela pendenga, não é, até que um dia o Doutor requisitou a polícia, o Manoel Teixeira é que era o delegado. Foi para lá com um pintor e passou a vigiar o muro e não deixou ninguém desmanchar, está lá até hoje, o Grupo Flávia Dutra.

É, pra fazer... é, o Flávia Dutra e desapro-priaram... lá na frente tinha uns proprietários, mas o terreno ficava muito pequeno para os trabalhadores, precisava de um pátio, então tiveram que desapro-priar, até foi uma quantia irrisória, sabe.

Não. Teve com esse nome, né? (Nísio Batista). João Peixoto é que mandava desmanchar o Flávia Dutra e colocava, mas depois o Governo oficializou como Flávia Dutra. Enquanto o governo não oficiali-zou não sossegou aquilo lá. Ficou vigiado pela polí-cia dia e noite, ficou o nome de Flávia Dutra, depois o governo oficializou, aí encerrou a questão.

A minha infância é... começou na... eu sou de (19)29. Em 1940 é... que a gente começa arribar, não é.

Certo, aí eu já estava com onze anos, já tinha feito... escola e até foi que aconteceu um fato engraça-

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do: eu estudava no Grupo Coronel Vieira aqui e nes-sa época em Cataguases existia os escoteiros, Cabo Hélio da polícia é que comandava os escoteiros e ele tinha um time de futebol, tudo menino de onze anos, doze anos, mas um timaço de bola, bom mesmo! E eu era inveterado em bola, então aconteceu uma coisa, quando nós estávamos terminando o quarto ano aqui, eu estava participando dos escoteiros, sabe, veio um inspetor escolar aqui. Hoje até é mais fácil, antiga-mente era muito difícil de uma autoridade dessas visitar a cidade, sabe? Então ele veio aqui e visitou o quarto ano e falou que o primeiro aluno de quarto ano ia ganhar o curso ginasial gratuito. A gente pa-gava; o ensino não era gratuito não. Até que aqui em Cataguases, pouca gente estudou naquele ginásio ali, sabe, muito pouca gente; custava caro, o pessoal não podia pagar. E dava ali no Colégio Nossa Senhora do Carmo uma bolsa de estudo para quem ganhasse. A menina que ganhasse o primeiro lugar. E eu ganhei o primeiro lugar e uma moça que estudava aqui ga-nhou o primeiro lugar. Você acredita que por causa de bola eu não fui? Eu não aceitei a bolsa de estudos, sô! Eu não aceitei. Que o Cabo Hélio... esse time de-le era muito afamado aqui em Cataguases, então ele fazia excursão constante, quase todo domingo, nós treinávamos dia de semana com ele, então quer dizer,

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a gente ficava mais empolgado com as bolas que com os estudos.

Os [meus] pais deram de cima, mas não te-ve jeito não, sabe. Nessa época eu estava com uns doze anos, estava aquele meninote já desenvolvido, né. Eu até... se a mamãe naquela época me desse uma surra, daquela boa mesmo, por eu não ter ido, porque isso depois custou caro, porque quando eu acordei que eu precisava estudar, eu já estava com meus dezoito anos, e o que fez eu estudar foi uma namorada.

Fiquei. Parei, né. Depois, com uns quinze anos mais ou menos eu aprendi a escrever à máqui-na de datilografia e o Aladim tinha ali embaixo, ali, o Armazém Indaiá, até uma firma enorme, uma das maiores firmas de Cataguases, vendedores de cerve-ja Brahma, Antarctica, Guaraná. Lá dentro tinha vin-te tonéis de vinte mil litros cada um de aguardente e tinha dez de álcool. Nós exportávamos aquilo lá. Nós exportávamos aguardente para essa região toda aí, Rio de Janeiro, São Paulo... comprava aguarden-te aqui da Usina Santa Teresa, comprava e guardava, ficava parado no Aladim. É onde está aquela loja do Cabral, lá embaixo na Vila.

Aquilo ali era tudo do Aladim, só de lá que é agora, o de cá foi vendido pro Cabral, aquilo lá é dele

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ainda, tem uma porção de loja ali, né, daí ele foi para Juiz de Fora.

Eu fui trabalhar, sabe, e foi nessa época que eu conheci uma menina, namorei essa menina e por causa dela eu destampei a estudar tudo, eu fiz curso de eletricidade, fiz curso de contabilidade, estudei in-glês. Querendo arribar na vida para poder casar com ela, e não casei.

Casei com outra, mas a outra demorou. Fui casar com trinta anos de idade. Naquela época eu es-tava com dezoito anos, mas eu era muito sensato, sa-be, porque eu percebi, eu lia tanto, eu gostava muito de ler filosofia e eu lembro o que um filósofo disse que o lar... que a miséria entra pela porta da frente e o amor sai pela porta dos fundos, pois é, por causa disso, eu decidi não casar com ela não. Preferi não ter ela como esposa do que perder depois, né, deixei ela cuidar da vida dela e fui cuidar da minha, não é.

(Ela) Era da fábrica ali... eu tinha mandado ela desmanchar um namoro, ela foi embora para São Paulo, muito bonita, na época era uma das moças mais bonitas de Cataguases. Todos os homens, toda rapaziada ficava de olho nela, sabe, era muito more-ninha, da cor de jambo, muito bonita, ela foi embo-ra para São Paulo, lá ela casou, é milionária atual-mente. Ela mora na zona mais chique de São Paulo.

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De vez em quando eu converso com ela no telefone. Muito rica.

Ah!!! Eu desastrei a estudar, porque eu ti-nha esperança de um dia ir atrás dela, sabe, um dia equilibrar na vida, e eu lembro que em 1947, eu já me dediquei à política, sabe, eu entrei na época que Dr. Pedro... era aqui ó, onde está o Zé Resende aqui agora, ali era o escritório do Dr. Pedro Dutra, e nes-sa época, já comecei a participar da vida política de Cataguases.

Em 1947 votei a primeira vez, General Dutra, Presidente da República, tinha havido eleição para prefeito, mas nessa eu não era eleitor não, eleitor era só com dezoito anos nessa época; aí eu completei de-zoito anos, requeri o título, e eu desde essa época em diante, eu passei a... engrenei na política com o Dr. Pedro Dutra.

Foi através da minha vida, da minha partici-pação constante e permanente, foi em 1947... estamos em 1992, são 45 anos desempenhado nisso.

Em 1955 eu fundei aqui em Cataguases o Partido Socialista Brasileiro, está aí até hoje, e eu pas-sei a ser presidente dele, mas sempre entrosado, por-que os partidos fortes em Cataguases eram a UDN dos Peixoto e o PSD do Dr. Pedro. Nós éramos aque-la coisinha pequenininha, nós tínhamos que agarrar

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de um lado né, agarrar na canoa de alguém, né, e nós ficávamos ligados com o Dr. Pedro Dutra, isso foi até 1965 quando ele morreu. Aí em 1964 houve a revolução, eu fui preso, porque nós comandamos aqui em Cataguases – aliás eu estava na cabeça dis-so aí, sabe – estava comandando o movimento aqui em Cataguases, mais ligado às reformas de base pregada pelo Leonel Brizola. Brizola veio pregando aquilo, e nós... eu achei aquilo muito importante: reforma agrária, reforma bancária, uma reforma ur-bana. Ele pregava, dava uma explicação detalhada sobre aquilo e então nós engrenamos naquilo, sa-be, nessa participação com o Brizola. Mas aconte-ceu que o Jânio Quadros ganhou a eleição em 1960 e aconteceu um fenômeno em Cataguases: foi uma das poucas cidades do Brasil que o Lotti, adversá-rio do Jânio Quadros, ganhou a eleição, ganhou dos Peixoto aqui em Cataguases. Mas o Jânio Quadros re-nunciou sete meses depois, não quiseram dar posse ao João Goulart, até criaram o Parlamentarismo, que estão querendo votar agora de novo e deram posse ao Tancredo Neves como primeiro-ministro. Então, partiu o poder ao meio: João Goulart ficava com de-terminado setor de poder e o Tancredo Neves com o principal, mas durou pouco; veio o plebiscito e aca-bou com o parlamentarismo no país.

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João Goulart assumiu o poder todo e sua pos-se desencadeou no país uma luta titânica pelas re-formas de base, muito violenta mesmo; pensamento comunista por um lado, foi surgindo líderes de toda maneira, lutando por essas reformas de base. Mas a reação se organizou, dirigida pelo Carlos Lacerda, e depuseram Goulart. Então, no dia 31 de março, quando estourou a revolução, cinco horas da manhã, eu estava preso.

Fiquei preso três meses. Foi muita gente preso, né, aqui em Cataguases.

Eu cheguei a... eu estava, eu percebi que o João Goulart não ia reagir, então eu estava preparando pra sair fora; tem até aquele morro lá em cima de ca-sa, a gente sobe, atravessa, sai lá na estrada. Então eu estava preparando para isso, para dar o fora, e aí apareceu minha irmã lá em casa, ela tomava conta do Hotel Cataguases, a Lídia, ela apareceu lá em ca-sa mais ou menos às quatro horas da manhã e eu saí com eles; foi quando nós fomos cair nas garras da po-lícia. E eles, como já estavam me procurando mesmo, né, cinco horas da manhã eu estava preso. Fiquei três meses.

Aqui Dr. Pedro soube que eu estava preso e impetrou um habeas corpus, e o Dr. José Ferreira dos Santos, você conheceu ele?

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Lembra dele, né. Ele era juiz aqui. Então o doutor José Ferreira dos Santos começou aquela pendenga com o delegado, que eu estava preso; o delegado falava que eu não estava... aí o doutor José Ferreira dos Santos concedeu o habeas corpus, o dele-gado não cumpriu não. Quando chegou às oito horas da noite eles desligaram as luzes em Cataguases e aí o Rubens estava preso, o Rubens Policarpo, dono da Ortec, essa Ortec que até quebrou, era contabilidade, algemaram nós dois e jogaram dentro de uma Kombi, nos levou para Juiz de Fora, por causa do habeas cor-pus. A revolução não estava consumada ainda em to-do o Brasil. Estava no Rio Grande do Sul ainda. Então eles sumiram comigo mais o Rubens. Nós fomos lá para Juiz de Fora, para a cadeia; depois fomos lá para o exército. Aí nós ficamos oito dias, depois nós fomos encaminhados lá para o DOPS, do DOPS nós fomos lá para Neves, quinto andar das Neves, ficamos no-venta dias presos lá, incomunicável.

Eu, Rubens Policarpo, Nanto Siqueira. O Elmo Siqueira participou ligeiramente, não tinha par-ticipação ostensiva não, apoiava, mas não participa-va não. O Zé Rosa, aliás é a história mais triste de tudo, sabe.

O Zé Rosa era presidente do Sindicato dos Tecelões, os têxteis. Eles mandavam as pessoas em-

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bora das fábricas e não pagavam indenização. E o Zé Rosa, como presidente do Sindicato contratou o doutor Manoel das Neves como advogado e co-meçou a tocar demanda em cima das fábricas de Cataguases e ganharam as demandas todas. Eles to-maram um ódio do Zé Rosa por causa disso, uma coisa terrível!

Então o Zé Rosa foi o único que sofreu vio-lência física; ele apanhou muito. Eu lembro, quando estava preso na... quando eu cheguei nas Neves, eu subi até a escada do quinto andar, logo do lado di-reito desta cela, fui colocado nela. Então toda noite, mais ou menos uma hora da manhã eu levantava e estava chegando aquela remessa de preso. Mais ou menos lá no quinto dia chegou o Zé Rosa. A hora que eu bati os olhos no Zé Rosa eu falei: Nossa mataram ele! Estava um cadáver! Verdadeiro cadáver, magro... você olhava para ele assim, estava completamente estraçalhado... estraçalhado... é, tem uma história lá, mas isso não convém gravar não...

É. Nós já estávamos preso lá na Colônia Magalhães Pinto, porque na das (Neves) ficou tão cheio. Eu estava sozinho quando cheguei. Mais ou menos no oitavo dia, tinha dezenove comigo dentro de uma cela igual a essa aqui. Então nós dormíamos... só tinha uma cama, eu era o primeiro, eu dormia na

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cama, os outros dormiam sentados ali, ó, igualzinho a um chiqueiro de porcos, então tinha que ficar um pouco de gente das Neves, mandaram um pouco pa-ra a Colônia Magalhães Pinto. Dezesseis quilômetros depois das Neves, no meio de um mato lá, numa roça. Apareceu um ônibus e foram enchendo aquele ôni-bus, foi levando pra lá, sei que foram uns quatrocen-tos pra lá. Esse Gilson, estou esquecendo do Gilson, até faleceu agora, Gilson Chagas, ele ficou preso co-migo lá... na cela, na Colônia Magalhães Pinto. SAPS, é. Ele faleceu agora. (Gilson)

É, ele ficou muito doente, ele estava aqui em Angra dos Reis, trabalhando na época em Angra dos Reis, depois ele ficou muito doente, ficou ruim.

Mas aconteceu que não fomos pra Colônia Magalhães Pinto, você verifica, 400 pessoas... e não tinha água, na Colônia Magalhães Pinto. Então fica-mos nós, você imagina, lá ficou dois dentro de cada cela, eu e o Gilson estávamos dentro duma cela mais ou menos igual a essa (sala) aqui. Tinha a privada, ali ó, nós tínhamos que almoçar dentro daquela ce-la, usar aquela privada, ficamos ali mais de dez dias, fazendo isso, sem água, quer dizer, começou feder, então, aquele cheiro, aquela catinga horrorosa, nós era obrigado a alimentar ali dentro, eu lembro que foi... eu chamei o guarda, sabe, porque os guardas

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eram proibidos de conversar conosco, falei com o guarda, ele estava passando assim, vigiando nós, eu falei: “ô guarda! Fala para o tenente, que eu sou ele-tricista, vou lá ligo aquela bomba, agorinha mesmo está cheio d’água isso aqui; ele foi”. Ele falou com o tenente: “Ó, tem um eletricista aí, pra ligar a bomba e tal...”. O tenente mandou falar comigo que eu era subversivo, que eu queria era botar fogo na Colônia Magalhães Pinto. E nós continuamos sem água. Mais ou menos lá pelo décimo dia é que o eletricista de Belo Horizonte apareceu lá, nós estávamos muito barbudos mesmo, barba grande! Eles deram uma gilete azul para quatro fazer barba, uma dificuldade fazer uma barba daquele tamanho com uma gilete daquelas. Mas aí o que aconteceu lá nas Neves... que até aí nós estávamos sendo tratado com um “carran-quismo” danado, o guarda não podia conversar co-nosco, preso incomunicável, aí aconteceu um acon-tecimento engraçado, o Juscelino Kubitscheck desce de avião em Belo Horizonte, o exército foi prender ele. Quando ele foi preso... porque ele é padrinho da polícia de Minas Gerais. Quando eles prenderam Juscelino, lá na polícia, eles ficaram envenenados com aquilo, muito envenenados com aquilo e chega-ram um ponto ali que eles ofereceram a nós, se nós queria ajudar eles a libertar o Juscelino, e nós aceita-

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mos. Aceitamos e nos prontificamos a participar com a polícia militar na libertação do JK.

Aí aconteceu que naquele entrosamento, du-raram uns quatro dias, eles resolveram libertar o JK. Mas desse dia em diante o tenente deu uma ordem lá, que as portas fossem abertas às seis horas da manhã e que nós ficássemos no pátio; só às dez horas da noi-te nós entrávamos e as portas eram fechadas. Aí nós saíamos para o pátio, os parentes começaram a vir nos visitar, nós saíamos lá de dentro, e andava quase um quilômetro com nossos parentes, não ia embora porque não queria, não fugiu por que não quis, é que daquele dia ali melhorou muita coisa para os prisio-neiros políticos naquela época, adquiriu uma...

E daí pra cá, é, completou mais ou menos uns três meses de prisão, estávamos retornando, passa-mos no DOPS, fizemos depoimento no DOPS, depois viemos aqui pra Cataguases e aqui... mas aí nós res-pondemos cinco anos de processo no exército, e eu estava muito bem de vida nessa época, quebrei.

O Emanoel Peixoto era o chefe do gado, o chefe da UDN em Cataguases. Ele também juntou o Galba, o Rodrigo Lanna e o Zé Pinto, eles é que comandaram ali no dia. Os quatro estavam coman-dando da cadeia, o delegado era novo, não mandava nada, o doutor Geraldo. Os quatro é que estavam as-

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sumindo o comando da delegacia, e foi prendendo um por um e, às cinco horas, quando eu cheguei lá na cadeia o Galba estava sentado naquela mesa do delegado, numa cadeira grande, que era a cadeira do delegado; estava com os dois pés em cima da mesa, lendo o Jornal do Brasil, cinco horas da manhã. Até aconteceu um fato: eu cheguei assim em frente dele, ele abaixou o jornal, olhou e falou assim: “É chato, né, Cicinho”. Falei: “É, é muito chato mesmo”. Aí o guar-da me levou lá para dentro da cela, mas foi um dia só que eu fiquei aqui, por causa do habeas corpus do doutor Dutra.

Fomos sim, fomos sim, aqui! O nosso... eu não tenho comprovação, mas o nosso principal de-nunciador foi o Galba.

Aí eu vim pra aqui, eu tinha loja ali, a “Eletroluz Ltda”. Loja de materiais elétricos, e no pe-ríodo de 1959 a 1964 a Força e Luz tinha começado com essas colocações de caixinhas e nós ganhamos muito dinheiro; as casas de material elétrico. Eu tinha

– a “Eletroluz” – tinha a “Fênix”, tinha a loja do João Prata e tinha a do senhor Arlindo lá embaixo. Nós to-dos ganhamos muito dinheiro nessa época. Eu estava muito bem, aí eu abarrotei aquela loja ali, peguei to-do o dinheiro que ganhei e enchi de mercadoria, sa-be, não tinha essa inflação que tem hoje não, né; mas

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durante esses cinco anos do processo no exército eu quebrei, porque na época quem tinha dinheiro para gastar era eu e o Rubens.

O Rubens era dono da Ortec e eu, o dono da loja ali. De quinze em quinze dias, mais ou menos, nós éramos intimado a comparecer no exército. E os gastos éramos eu e o Rubens que fazíamos, do Rio de Janeiro/Juiz de Fora, o advogado vinha do Rio de Janeiro...

É, nós todos íamos para lá. Isso durou cinco anos, depois de cinco anos é que nós fomos absol-vidos. Foi aí que nós fundamos o MDB. Em 1968 eu ainda estava respondendo ao processo, mas surgiu o MDB, então eu participava da fundação dele, só não entrei nele, nessa época que eu estava respondendo processo. Nós fundamos ele aqui. Quando foi em 1970, eu fui absolvido. Em 1972 eu já candidatei a ve-reador e fui eleito. Em 1973 inauguramos essa casa aqui (Câmara Municipal). Ocupei a primeira cadei-ra ali. O Ângelo Rocha tinha comprado isso aqui do Banco do Brasil e já tinha sido prefeito dois anos, né. Ele comprou isso aqui e passou a escritura: lá em-baixo pela Prefeitura e aqui em cima para Câmara Municipal de Cataguases.

(Fui vereador) Uma vez: 1972, 1973, 1974, 1975, 1976. Quando foi em 1976 eu candidatei a vi-

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ce-prefeito com o Renê. Aí a Lídia, minha mulher, candidatou a vereadora. Ela veio para o meu lugar, mas nós perdemos a eleição para prefeito. A ARENA ganhou a partida, não é, o poderio econômico de to-do o tamanho. Deu liberdade à existência de outros partidos, então tinha que ter, tinha que começar com partidos, então incluiu o partido da frente do MDB, Partido do Movimento Democrático Brasileiro, que é esse PMDB que está aí hoje.

Só MDB. Aquilo não era partido, era um mo-vimento contra essa revolução que está aí. Aliás, esse movimento revolucionário foi muito grande, contra essa revolução foi enorme. Doutor Tancredo Neves dando uma força, foi uma luta titânica contra a revo-lução de 1964. Ela veio caindo paulatinamente.

A reforma de base começou mais ou menos no ano de 1960, mais ou menos por aí, 59/60. Então aqui em Cataguases foi fundado pela primeira vez o Sindicato dos Trabalhadores Rurais, nós fundamos aqui em Cataguases. Até vinha aquelas mulheres, aquelas crianças com aqueles menininhos no braço, nós fazíamos umas passeata: isso assustou os Peixoto de uma maneira tal que, até na época, uma das acu-sações que foram feitas contra nós é que nós íamos nos apossar da Fazenda Turiaçu e distribuir ela para os trabalhadores rurais da região. Isso consta no nos-

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so processo lá. Mas depois isso até... foi uma bestei-rada deles, né, que a reforma agrária não ia fazer isso em Cataguases só; tinha que ser reforma agrária no país todo, aqui em Cataguases só não adianta.

É, aqui não tem, latifúndio está encravado em Minas Gerais, mas não é aqui em Cataguases, que é uma cidade mais industrializada, não tem latifúndio. Aqui em Minas Gerais está concentrado gente com 400, 500 mil alqueires de terra, parados na mão dele, terra improdutiva não tem nenhuma finalidade so-cial. Mas a luta foi travada em torno da reforma agrá-ria, em torno da reforma bancária e a reforma urbana. O Brizola considera até hoje, ele acha um absurdo que as pessoas sejam donas de um grande número de imóveis e cobram aluguéis extorsivos às pessoas pa-ra morar dentro de uma cidade. Ele achava, ele tinha vontade, ele pregava uma reforma urbana, e o plano dele era que o país acabasse com os aluguéis de casa. Hoje tem uma organização montada, em todo lugar, montada em torno dos aluguéis de casa, e também ficou um problema muito sério porque, de qualquer maneira, é aquela briga de inquilino contra proprie-tário. Num tá satisfeito com o aluguel e quer botar o inquilino para fora, inquilino não tem para onde ir... fica essa coisa aí... e o governo... ele pregava, ele tinha vontade de acabar com esse problema.

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Promover uma reforma bancária, para que os bancos deixassem de ser agiotas e tivessem uma fina-lidade social mais elevada; aliás isso é uma coisa que precisa mesmo, porque hoje você arranja um cheque especial no banco e paga juros de 43% por mês, não dá para aguentar. Os juros. Hoje está impossível de adquirir qualquer coisa, você tem uma vontade de fazer, de mexer com uma construção de casa, com-prar um videocassete, um televisor, mas à vista é im-possível; a prazo, um juro eleva a um preço tal que você não consegue comprar.

(O Sindicato Rural) Ele durou pouco, porque logo veio a revolução de 1964 e ele foi fechado, tran-cado. A polícia esteve lá e trancou, não deixou fun-cionar e foi todo mundo deposto do Sindicato Rural de Cataguases. Na época aqui não foi só o Sindicato Rural não, todos os Sindicatos ficaram sob interven-ção militar. Nossa atuação era geral, não era só o meio rural. Rural foi a última coisa que nós fizemos. Nós trabalhamos mais com os têxteis, que é o maior sindicato de Cataguases, era o dos empregados das indústrias têxteis.

O (presidente do sindicato) da época era o Zé Rosa, se elegeu e foi reeleito para o cargo e tinha mui-to prestígio com os têxteis. Então foi ali em local ideal para a atuação política. Fazia muitas reuniões, deba-

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tes, procurando esclarecer, dar luz à verdade concreta que existe no Brasil. Nosso povo enxerga muito pou-co, é cego ainda. Mas naquela época, você pensa bem, naquela época, na década de 1950...

Começou a melhorar muito mesmo, muita coisa. Nós começamos a esclarecer, mostrar, esclare-cer essa luta que o Zé Rosa pregou aqui. O pessoal era mandado embora das fábricas mas tinha medo de dar procuração aos advogados para defender os direitos dele. Ah, porque se der... depois eles como donos das fábricas... sai de uma e depois não entra na outra. E aí começou aquela coisa, mas por final começou a haver algum esclarecimento, o negócio alastrou, porque antigamente o pessoal não queria pagar – aliás não era o INSS – era o IAPI – eles não queria pagar IAPI, tinha os empregados lá dentro sem contrato na carteira e sem pagar IAPI. Então quando ele era mandado embora surgia a “inhaca”, que o doutor Pedro arrumou essa coisa de justiça do trabalho, o doutor Pedro que arrumou ela, daquela época para cá. O Zé Rosa contratou o doutor Manoel das Neves como advogado do Sindicato e começou essa demanda. Até que o doutor João Resende que também era advogado do Sindicato, trabalhava no Banco do Brasil. Morreu de desgosto, que na época mandaram prender ele também; então ele fugiu para

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Santana, ficou muito aborrecido com aquilo, já tinha uma lesão no coração, ele veio a falecer, morreu de desgosto. (Morreu) novo! Era marido da Terezinha Marinho, filha do Dirceu Marinho.

Eu, em 1947, tava na rua e conheci o Galba. Então eu lembro que o Galba me presenteou com um livro “Manifesto Comunista” escrito pelo Karl Marx. Depois que eu li aquele livro, adquiri uma luz na mi-nha vida, uma luz política, passei a enxergar as coisas, tudo completamente diferente, e foi dali que eu mu-dei mesmo. Até que o Galba... eu lancei ele candidato a prefeito em 1957. Só que ele ia ser prefeito em 1958 contra o João Peixoto. Mas quem lançou ele fui eu, que o doutor Pedro Dutra não queria ele não. Eu era presidente do Partido Socialista, então fiz um boletim e lancei o Galba candidato a prefeito de Cataguases. Com aquele lançamento o negócio alastrou, e o Pedro Dutra acabou aderindo também e ele foi candidato do PSD e contra o João Peixoto em 1958. Mas a leitu-ra, você pode ficar sabendo de uma coisa, eu sou vi-ciado em leitura até hoje. Adquiri um vício de leitura que eu não consigo abandonar, quando passo sem ler, parece que está faltando alguma coisa.

O PCB não tinha filiação não, porque era per-seguido, então eles evitavam de... o nosso contato era mais de encontros, não tinha nada escrito não. Em

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Cataguases já foi feito até escolas do PCB. Naquela época era o Partido Comunista Brasileiro, não tinha o Partido Comunista do Brasil não. Mas Cataguases chegou a um ponto que nós montamos escolas em pontos diferentes para fugir da polícia e tinha uma grande quantidade de pessoas que participavam des-tas escolas. Mas vinha um professor de fora e mar-cava o dia, ele vinha e dava, depois marcava umas aulas pros alunos e ia embora, depois voltava. E co-meçou uma preparação grande aqui em Cataguases de comuna.

Ah, a doutrina marxista pura, pura! “Marxista leninista”. Era tudo ali, mostrava... o professor na época é que mostrava para nós essa exploração que existe da propriedade, do poder econômico, em ci-ma de quem trabalha; e quem é dono procura dimi-nuir o ganho do trabalhador para poder ver se dá mais lucro, é a chamada “mais valia”, é o lucro. Hoje o lucro é extorsivo, não está mais aquele lucro con-trolado, é avançando desbragadamente e o salário lá embaixo. Quer dizer, eles colocam um presidente da República feito o Collor, pra conter salários. A fun-ção do Collor é só essa, né; quer dizer, os banquei-ros cada vez mais ricos e gente rica não tem proble-mas, o problema está concentrado em cima de quem trabalha.

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O programa do PMDB é muito evoluído; não é a programação ideal, porque nós estamos vivendo aqui no Brasil um sistema capitalista de produção. Produção capitalista é o sistema do proprietário e do trabalhador, uma pequena parte. A posse das in-dústrias, da terra, da lavoura... o resto do trabalha-dor, empregado, vai viver de salário. Agora, mesmo dentro disso, o PMDB propõe a reforma agrária no programa dele. O PMDB acha que a reforma agrária é a base principal para você começar a solucionar o problema do Brasil. Você sabe, da terra é que vem tudo, se a terra ficar improdutiva, concentrada na minha mão, por exemplo, sem eu produzir nada de bom para a sociedade, quer dizer, eu estou trabalhan-do contra essa sociedade. E o PMDB propõe assim: que deva fazer a reforma agrária, dividir isso aí em lotes pequenos, uma parcela de acordo que dê téc-nicos para examinar. Por exemplo, esse terreno aqui vai produzir cebola, este aqui produz alho, este aqui produz feijão, produz milho. Agora, esse pessoal que produz tem que ter terra, assistência técnica e gover-namental; depois de produzir o governo compra este produto e faz a revenda para o mercado da cidade, mas ele não pode, de forma alguma, passar por cima da margem de lucro que o governo limitar para eles. Esse é que é o plano do PMDB, é difícil de executar,

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depende de uma série de coisas, porque quem se ele-ge a deputado federal no Brasil e a senador são os proprietários, eles é que tem dinheiro para movimen-tar uma campanha eleitoral, pobre não tem. Eu posso ter boa intenção, você pode ter boa intenção, mas nós não temos dinheiro para amanhã fazer uma campa-nha acirrada e conseguir voto para ser deputado, en-tão eles se elegem; chega lá, eles é que traçam o des-tino do país. Quase não conseguem fazer reuniões, reúnem às terças e às quartas-feiras só, não vota nada nem quinta nem sexta. Esse congresso parado... fize-ram a Constituição de 1988, e até hoje não votaram as leis suplementares, já são cinco anos que o congresso age assim premeditadamente para não dar essa opor-tunidade à população de exigir seus direitos. Eles fa-lam que não está regulamentado, está na constituição, mas não está regulamentado, então não adianta você reclamar que não tem regulamentação.

Eu? José Luiz, eu sou ateu, sabe, não é para desafiar a crença de ninguém não, eu respeito; até minha mulher é espírita. Eu sou ateu, ela tem muita liberdade, vai lá para o centro espírita dela, prega o espiritismo dela, mas eu, até hoje José Luiz, vou dizer para você sinceramente, ainda não me convenci da existência de Deus não. Eu já li muito sobre a filoso-fia dos ateus e a filosofia dos cristãos, mas eles che-

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gam a um ponto inexplicável porque os cristãos, aliás os Deístas ou Teístas, eles afirmam que se tudo existe é porque alguém fez, então é aí que chega o ateu e pergunta: “quem fez? se tudo existe é porque alguém fez, quem fez isso?” aí cai num ponto morto. Ele nas-ceu onde? Veio de onde? Qual sua origem? Por exem-plo, você verifica, você não encontra um cientista que acredita em Deus, todo cientista é ateu, existe a maté-ria que é organizada... Você conhece algum?

Professam, eles podem professar mais so-cialmente, sabe, mas assim mentalmente, não é não. Socialmente você vê pessoas que frequentam a igreja, judeus, mercenários, só pensam na riqueza própria e ficam frequentando igreja, sabe, mas não é porque é igreja não, é medo, eles têm medo de Deus, medo do dedo de Deus, não creio que eles vão ali com a cren-ça naquela... porque na verdade, se você for explicar mesmo o porquê de Deus... porque os cientistas ale-gam que existe a matéria organizada que é formada por célula, né, que é uma matéria organizada, de on-de deu a nós o nosso raciocínio, a vida, essa vida que nós temos. Existe a matéria formada de moléculas, ferro e outras matérias, tudo bem, não tem raciocí-nio, são matérias que não tem organização. Eu acei-tei mais a explicação da ciência do que dos Deístas, porque você verifica que existe um comércio muito

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grande atrás das religiões. Esse cara que é dono da Record, um pastor... Pobres, pobres. Hoje são gran-des fortunas desse país.

Existem religiosos sérios, gente séria existe, mas uma grande parte faz disso aí um mercado, um comércio; quer dizer cada pessoa tem fé, vai ali, chega ali, cata um “mucadinho” de cada um, daqui a “mu-cadinho” está com o bolso cheio no final, não quer di-zer que eu tenha... não quer dizer que não existe não, eu não sou dono da verdade não, por enquanto eu estou nessa fase aí, mas pode surgir amanhã alguma coisa que me esclareça, eu não consegui até hoje.

Ah! Eu esqueci de colocar um detalhe aqui. Em 1964, quando eu fui preso, eu tinha uma biblio-teca. Gastei muito com livro, muito dinheiro, aliás eu fazia questão: todo mês eu comprava alguma coisa; eu montei uma biblioteca, tinha até “O Capital” em português. No dia que eu fui preso, a Iolanda ficou tão assustada que ela juntou com as minhas irmãs e queimou tudo.

Tudo! Estava aquela ameaça, que eles iam visitar a casa da gente e se encontrasse ia prender, prender o pessoal também de casa; tudo que é boato rolou, picaram assim ó, jogaram dentro de uma ba-cia, jogaram gasolina e puseram fogo. Eu não consi-go montar outra igual, já comprei alguma coisa, mas

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não consigo montar outra igual, também naquela época era muito diferente, mas hoje não se consegue mais não, eu tinha livros formidáveis. Faria tudo de novo. Se eu retornar hoje ao passado, vai começar tu-do de novo.

A única coisa que eu pude fazer de concreto foi lutar com esse meu grupo muito pequenininho, procurando mostrar à população que nós somos uns explorados pela classe dominante. É isso que nós fize-mos, eu fui preso por causa disso, porque eu adquiri uma capacidade maior de esclarecer, de pegar em um microfone em um sindicato, eu era mais exacerbado, mais corajoso, mais audacioso. O Emanoel ficou com muita raiva de mim por causa disso, sabe, eu fiz ele gastar muito dinheiro. Em 1963, surgiu um padre, pa-dre Alípio, começou a fazer conferência no Brasil to-do sobre reforma agrária, reforma bancária, reforma urbana, reforma tributária. Eu fui ao Rio de Janeiro atrás dele e dei duro até conversar com ele, consegui marcar uma visita aqui em Cataguases para o dia 7 de setembro. Bom, nós seguramos até quando pude-mos a vinda do padre Alípio em Cataguases. Quando o Emanoel soube, o Emanoel chamou o time do Vasco da Gama, o “primeiro” time do Vasco da Gama, pagou o Vasco para vir em Cataguases jogar às sete e meia da noite, portão aberto, para poder prejudi-

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car o nosso comício. Mas nós... eu ainda apliquei um plano em cima do Emanoel, que ele fez isso... Então nós fizemos o seguinte: organizamos o comício lá. O Zé Pinto pegou a Escola de Samba da Manufatora, tinha a Escola de Samba da Manufatora, no dia, na hora do comício, ele falou que ia sair com a Escola de Samba, que ia parar batendo caixa no meio do comí-cio, José Luiz, e aconteceu o maior desastre da histó-ria de Cataguases naquele dia. Sabe o quê que nós fi-zemos? Nós entramos em contato com os ferroviários em Além Paraíba e convidamos eles para o comício aqui. Leopoldina, Além Paraíba, Muriaé, Ubá, tinha gente de todo lado nesse comício. Falamos com eles que o Zé Pinto ia avacalhar. Sabe o que eles fizeram? Arranjaram um monte de ferroviário, desses caras que trabalham na construção, na conservação de li-nha, né, botaram eles dentro do trem de ferro e man-daram pra aqui, eles iam cortar o Zé Pinto e o pessoal da Escola de Samba tudo no “pau”, mas deu uma sor-te sabe, a polícia percebeu que o negócio estava mui-to inflamado, então no dia o delegado mandou a po-lícia ir para lá, para falar com o chefe da Escola e fez ele desviar para a avenida. Ela não entrou no meio do comício, não, ela ia entrar no “pau”. E eu ainda mos-trei o Zé Pinto, para eles: a gente vai pegar aquele ali, ó, é ele que é o chefe do negócio. Eles iam cortar o Zé

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Pinto no “pau” aquele dia. Então eles foram embora para lá. Mas o padre Alípio chegou aqui, eu falei as-sim ó: nós vamos fazer o comício, vai começar às sete e meia. Estava marcado, eu falei com o padre Alípio:

“Você vai ficar na casa da mulher do João Delveaux”. Muito católica, pediu para levar o padre Alípio para a casa dela, aí eu levei o padre pra lá. “O senhor fica aí, na hora certa eu venho te buscar”. Peguei um cara e enfiei dentro do campo do Operário, quando faltar dez minutos para o jogo acabar eu ia mandar bus-car o padre. Ele veio. Quando o padre Alípio chegou lá, o pessoal que veio do campo parou em frente ao comício, ficou assim ó, lotou, e aí ele pregou e mos-trou ao povo o porquê da reforma agrária, o porquê da reforma tributária, o porquê da reforma bancária. Foi um comício daqui, ó! O Emanoel, naquela época, pagou quatrocentos mil cruzeiros ao Vasco da Gama para vir jogar em Cataguases. O primeiro time. Ele tinha uma raiva de mim danada. Então, quando che-gou em 1964, o primeiro que ele pegou fui eu, mas ele agiu de modo certo, não agiu errado não, franca-mente! Ele está morto, não tenho um pingo de raiva dele, acho que ele agiu certíssimo, porque política é isso: quem tem o poder na mão quer continuar tendo poder, manter aquela situação privilegiada dele, não está errado não.

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Agora, eu me senti na obrigação de lutar con-tra aquela situação privilegiada dele, como luto até hoje. Não vou aturar privilégio de ninguém. A gente precisa acabar com isso, afinal você veio ao mundo para viver. Botar você também... igual aconteceu esse caso lá de Barraginha... você vê que coisa horrorosa! Coitadas daquelas famílias, morando naqueles bar-rancos, em cima de um terreno oco, correndo água por debaixo, afundou de repente, matou criança, gen-te velha, aquela coisa... tudo de repente. Por causa de quê? Os miseráveis que fazem a riqueza daquela fá-brica moram ali, são tragados, e a fábrica continuou; eles arranjam outros operários. Até hoje você está vendo o que está acontecendo no Brasil: uma doen-ça como o cólera, a hepatite, peste bubônica e outras; são doenças que vêm de micróbios na água. Falta de higiene. Aquele pessoal fica lá... esgoto escorrendo no meio da rua, passando detrito de toda espécie, as necessidades fisiológicas eles fazem lá, e isso cai lá e correndo, vai juntando mosquito, rato, barata – isso vai gerando essa doença que está ameaçando o Brasil.

Aqui em Cataguases, até 1938 mais ou menos, tinha ali a fábrica, a Indústria Irmãos Peixoto, peque-nininha. Mas quando chegou 1938 estava um clima de guerra na Europa. A Alemanha atacou a Polônia, a Tchecoslováquia... e aí onde está a Companhia

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Industrial Cataguases, aquele terreno pertencia ao co-ronel Antônio Augusto de Souza. Então, a Prefeitura comprou aquilo tudo e doou para o José Peixoto, pa-ra montar aquela indústria ali. Aliás, o José Peixoto era um dos industriais mais elevados que existia na-quela época. Nunca vi até hoje, o José Peixoto mon-tou aquela indústria ali e... mas ele não queria que os empregados dele fossem empregados miseráveis não. Ele fazia aquelas casinhas lá no Bairro Jardim, que são umas casinhas, na época, muito perfeitinhas, muito bonitinhas. Tudo com muita higiene, com água, luz, esgoto. Muito bem feito! Muito bem feito aquilo ali. E a evolução de Cataguases foi por causa da guer-ra. Essa guerra de 39-45: porque o Brasil começou a vender tudo para a Europa, tecido... e a indústria embalou aí, embalaram no Brasil todo. Tivemos que vender tudo para a guerra. E lá foi só consumindo, e os países como o Brasil produzindo e vendendo para lá. E houve um desenvolvimento muito grande aqui em Cataguases. Quando o José Peixoto montou aque-la indústria ali, por exemplo, Cataguases era muito pequenininho. E mudou muita gente aqui da região para Cataguases. Chegava duas, três, quatro moças na fábrica. Ganhando salário mínimo cada uma ou mais. Quem ia tecer o pano até ganhava mais. Quer dizer, criou um nível de vida muito elevado na Cia.

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Industrial Cataguases. E o comércio também acom-panhou, porque essa gente toda podia comprar. Então o comércio desenvolveu. E a cidade foi se ele-vando, foi subindo, foi subindo... então chegamos ho-je aonde nós estamos. Aliás, eu estou em desacordo com o IBGE. Não acho que em Cataguases são 58 mil habitantes, não.

Porque se você analisar uma cidade com 36 mil eleitores... 58 mil habitantes... tinha que ter no mí-nimo 72 mil, não é. Agora, metade do número de elei-tor. A gente tira criança e coisa, quem está chegando aos dezesseis anos, quer dizer ao menos a metade... em Cataguases foi uma luta esse negócio do IBGE aí. Até o meu menino participou. Entendeu? Deu um du-ro pra danar! Porque eles reuniram, combinaram de fazer direito e não entregar por causa do salário.

É. Os que passaram no concurso. “Você vai escolher: você vai fazer e entregar ou você fala que não vai fazer para botar outro em seu lugar. Você vai fazer todas”. Vila Tereza, Bairro Jardim... mas não fi-zeram não, tocaram isso para o pau. Chega na casa, não tem ninguém... o pessoal não atende, tem medo do Imposto de Renda... ficou muita gente sem fazer aquele negócio.

Isso aí é o seguinte: o Francisco Peixoto, ele tinha uma ideia esquisita. Esquerdista. Não quer di-

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zer que seja assim ideia comunista não. Era de uma ideia bem à esquerda. Ele não gostava da direita, não. Homem de direito, rico, intelectual, gostava mui-to de ler muitas obras de Karl Marx, Lênin, muitas obras. E ele fez amizade com Niemeyer. Niemeyer é um comunista preparado mesmo. E na época, o dou-tor Francisco conseguiu que ele viesse aqui. Até fez aqueles murais lá no Ginásio que foi vendido para São Paulo, não é, depois essa obra da igreja, fize-ram aquela pintura lá na praça José Inácio Peixoto. Não tem aí esse engenheiro que construiu o Hotel Cataguases... o Niemeyer. Como é que chama esse engenheiro que construiu Brasília?

Esses caras tinham muita ligação com Francisco Peixoto. Eles vieram aqui e andaram fa-zendo umas coisas para Cataguases. A construção do Ginásio, da igreja, do Hotel Cataguases, Niemeyer é comunista do papo amarelo mesmo.

Aqui? Ah, gostaram muito! Todo mundo aplaudiu. Os Peixoto tinham um domínio total sobre a cidade: econômica e politicamente. Dominavam o reduto porque eles davam emprego à maioria das famílias de Cataguases. Naquela época o nível de vida da população era muito elevado. Hoje você vê, o salário mínimo em janeiro, você bota 25 por mês da inflação, janeiro, fevereiro, março. Setenta e cin-

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co por cento já perdemos. Não era assim, era muito diferente: tinha uma certa estabilidade na economia. Aqui tinha um lago na Praça Rui Barbosa. Os rapa-zes andavam da direita para esquerda e as moças da esquerda para a direita. Você não era capaz de contar dentro da Praça Rui Barbosa quem era filho da eli-te e quem era operário de uma fábrica aí. E naque-la época as moças usavam três, quatro anáguas por baixo daquele vestidão largo. Vestidos caros! Hoje o modo de vestir das mulheres mudou muito. Hoje a moça usa uma minissaia curtinha. Elas andavam de brincos, muito bem arrumadas. Você chegava naque-la praça ali, você não sabia quem era operária, quem era da elite. Você não conseguia separar. Era igual. Elas só não frequentavam o Clube Social, ali era da elite. Onde era a da classe preta – eu dancei muito com elas, aliás, aprendi a dançar com elas – era ali atrás da Estação, tinha o salão do Emílio. Então, as empregadas domésticas pretinhas... dia de sábado a gente saía da casa da namorada... e eu aprendi a dançar com elas, dançam bem! E ensinaram a gente a dançar de um jeito tal que em pouco tempo sabia dançar de tudo. Só tango que eu não sabia. Naquele tempo usava bolero, fox... tinha também ali em fren-te à Indústria Irmãos Peixoto, o Lord Club. Tem uma música do Lord Club que eu sei ela de cor até hoje.

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(O Lord Club) era do Rafael Manna... eu dan-cei muito no Lord Club, era mais das operárias das fábricas, as branquinhas. Existia uma separação. Até em frente à casa do Geraldo Silveira tinha uma “pra-ça do urubu”, botaram o nome. O Paulo Santos fez uma música “praça do urubu”, as pretinhas senta-vam ali, passeavam da casa do Geraldo Silveira até a farmácia do Renê. Aí tinha o Bar Elite do lado. Uma outra classezinha mais um pouquinho acima passea-va no meio da rua. E a outra passeava na Praça Rui Barbosa.

É, faziam esse trecho aí. Mas o Lord Club tinha uma disputa com o Emílio. Depois sur-giu o Flamenguinho, surgiu o Manufatora, veio o Operário... depois eles acabaram. Agora, o Lord Club foi famoso aqui em Cataguases.

O Remo surgiu depois. O Remo, a princípio, o pessoal ia para o Remo ali sem o salão. A princípio ali era do coronel Antônio Augusto de Souza. Então, ele doou aquilo ali para o Clube do Remo. Do Clube do Remo para cá, aquela volta lá embaixo, vem até aqui no Hospital, ele fez a doação daquilo para a Prefeitura, para ela construir áreas de lazer. Não é es-se nome que ele dava para aquela área não, é área de lazer. Mas acontece que eles deram, que a Prefeitura doou do Sindicato até na ponte. Da ponte para cá, vo-

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cê vê que não tem casa, vem até... mas ali, o Rodrigo Lanna, doou aquilo ali para diversas famílias na épo-ca construir casas. Agora está povoado, porque não tinha casa nenhuma atrás do Hospital, ali tinha um bananal, eu roubei muita banana.

A gente ia ali, cortava banana no meio daque-le bananal, enfiava no meio da canavieira lá, a gente chegava em casa pintadinho... que delícia, viu, aque-la praça. Depois, com o correr do tempo ficou aquele lugar ali para fazer uma praça pequenininha. Quem deu mais espaço foi o Tarcísio. Ele plantou umas ár-vores bonitas ali na beira do rio, até lá embaixo. E lá embaixo é que começam as casas, faz a volta, até lá no final do Hospital.

Para o Sindicato. Até na ponte. Uma parte fi-cou para a Industrial e a outra parte ele deu para o Sindicato, até na ponte. Para o Sindicato da Força e Luz. Aí os eletricistas construíram aquele prédio lá. Ali não tinha nada não. No Clube do Remo, a prin-cípio, o pessoal ia pr’ali; tinha uns barcos com uma porção de remos, eles iam ali remar. Por isso botaram o nome de Clube do Remo.

O Social, ali existia o cinema. É. Ali tinha o cinema. Não era o Cine Edgard. Era Cine Teatro Recreio. O Edgard, pai do Netinho tomava conta de-le. Ali embaixo eram umas cadeiras, depois vinham

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os camarotes e em cima tinham as torrinhas. Custava menos valor. Depois passou o cinema para onde está a Nacional, para construir lá e aí construiu aqui em cima e colocou o nome dele de Cine Edgard. Em ho-menagem ao Edgard. Trocou o nome de Cine Teatro Recreio para Cine Edgard. Agora me lembrei do Cine Brasil.

Passaram uns filmes aqui em Cataguases, passavam a semana inteira. “O Ébrio”, de Vicente Celestino. Quando passou “O Ébrio” aqui, filas a se-mana inteira para assistir. E vou dizer para você uma coisa, todo mundo chorava dentro do cinema. Saía todo mundo chorando. Muito bonito o filme, viu? Você não tem a gravação, não? Eu tenho a gravação guardada aí, de “O Ébrio”. Aqui passou também... aquela novela “O Direito de Nascer”. Uma nove-la quilométrica! Ficou anos a fio na Rádio Nacional. Depois fizeram um filme. Deu filas quilométricas em Cataguases também. Assisti ao filme. Uma história também muito triste! A gente nota que o pessoal anti-gamente tinha mais sentimento. Parece que diminuiu isso, não diminuiu?

A gente está notando hoje, sabe; antigamente nós, os homens, tínhamos mais respeito pelas namo-radas. Nós gostávamos dela e tinha uma verdadeira adoração por ela. Nós tratávamos... quer dizer, tudo

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para agradar. Levava flor, bombom para ela, bala, pi-poca, sempre procurávamos agradar. A gente nota que hoje os rapazes estão tratando essas mulheres com uma igualdade de condição... mulher não é igual ao homem não, nunca foi. O homem... nós somos as-sim... eu acho que o homem é mais animalesco, a mu-lher é mais sentimento. A gente nota que estão tratan-do estas mulheres de uma maneira... não tem aquele romantismo não, aliás, eu sou da época de ouro.

Minha época era a época do romantismo, era a década de 1950. Aí é que pegou o romantismo. Os rapazes namoravam... mas tinham uma coisa diferen-te, não é o que se assiste hoje não. Hoje nós estamos assistindo... os casamentos não duram mais de seis meses, muito difícil passar dos seis meses. Agora está durando seis meses. Porque o tipo de casamento que está havendo não tem aquele romantismo. A gente não vê isso hoje. Francamente, acabou mesmo!

Existe um machismo muito grande por aí, porque o homem, “muncado”, se julga proprietário da mulher, que pode bater nela, qualquer coisinha usa termos ofensivos contra ela, quer matar. Estamos vendo este programa “Aqui e Agora”. O sujeito ma-ta, não mata, assim sem mais nem menos a esposa, destrói uma família, porque ele desconfia da mulher ou... eu sei, José Luiz, eu sou muito liberal sabe, mui-

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to liberal. Eu acho assim: se amanhã não dá certo um casal, acho que devia ter a hombridade entre dois e do mesmo jeito que casaram, separaram. “Fulano, a sua filosofia é diferente da minha. Não existe compa-tibilidade entre nós dois”. E separava e acabou, sa-be, acabou aí. Agora não, então porque eu casei com ela... bate, ameaça matar... isso nunca vai dar certo. Não aceito um negócio desse não. Acho muito vio-lento. Acho que uma mulher deve viver com o ho-mem porque ela quer viver. Se não quer, como vou forçar ela a viver comigo? Como é que pode uma coi-sa destas?

Eu em 1972, eu me candidatei a vereador. Eu já era um dos fundadores do MDB e assumi o parti-do. Vinte anos. Secretariando... houve uma conven-ção agora no dia 15 e eu fui eleito como secretário. Nessa vida política nossa, você imagina aqui ó... nós, de 1947 a 1982, o partido que eu pertenci aqui em Cataguases foi sempre massacrado pelos Peixoto. Perdia. Foi 45 anos de poder que eles tiveram nes-sa cidade aqui, permanente, constante. Mas depois da Revolução de 1964 aí empenhamos novamente nessa luta contra esse estado de coisa. E já notamos que o povo de Cataguases, que mais ou menos na época de 1970, nós já começamos a notar que estava havendo um espírito de liberdade muito grande da

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população cataguasense. E naquela época o Tarcísio tinha sido eleito vice-prefeito do Ângelo Rocha. Que o Ângelo Rocha candidatou a prefeito pela ARENA e nós não lançamos candidato não. Como não po-dia haver coligação, o Tarcísio, que era candidato, filiou-se à ARENA para poder concorrer junto com ele. Quer dizer, ficou um prefeito da ARENA e um vice-prefeito do MDB. Isso foi em 1970. E daí para cá começou a haver uma evolução na coisa. Quando foi em 1972, com muita dificuldade nós consegui-mos arranjar 13 candidatos a vereadores aqui em Cataguases. Eu era um dos 13. Só 13 tiveram cora-gem de concorrer a vereador pelo MDB. Quando foi em 1973, foi inaugurada a Câmara. Eu assumi o car-go de vereador e daí pra cá vimos desempenhando uma luta. Eu, Cunha Neto, Renê (Cerqueira), Toledo, Tarcísio empenhamos uma luta acirrada aqui, com pouco recurso que nós temos aqui em Cataguases. Quando chegou agora em 1981, eu falei com o Tarcísio: “Ó Tarcísio, para o MDB ganhar a eleição aqui em Cataguases nós estamos dependendo de uma coisa: de uma pessoa que tenha uma certa posi-ção social, porque o povo não gosta de votar em nin-guém que é igual a ele”. Gosta? Não gosta. É como mulher, também não gosta de votar em mulher. Na Câmara Municipal tem 15 vereadores, não tem uma

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mulher representando as mulheres entre os vereado-res. E teve muita candidata!

Mas muitas se candidataram. Naturalmente não gostam de votar. Mulher não vota em mulher. Elas mesmas são inimigas de si próprias. Acham que mulher, o lugar dela é na cozinha, arrumar a ca-sa. Pensamento errado. Quem lançou o Tarcísio pa-ra prefeito fui eu. Bem, mas o Tarcísio ficou aquele negócio: aceita não aceita... aí demos de cima dele, juntou eu, Toledo, Silvério, Renê. O Elmo, na épo-ca, também deu de cima do Tarcísio. Aí ele aceitou. Não tinha esperança de ganhar não. Ganhou e vocês assistiram aqui, ele teve a melhor administração de-pois do Ângelo Rocha que foi em 1970, uma admi-nistração que foi muito boa também. Excelente, ine-gável! Mas quem fez a melhor administração aqui em Cataguases foi o Tarcísio. Ele fez uma verdadeira revolução aqui em Cataguases. O presidente deste período durou seis anos, de 1982 a 1988. Fez uma revolução porque, nós aqui, durante as campanhas eleitorais, eu lembro, participei de todas elas. Na Vila Reis era aquela... quando chovia era barro, e quan-do tinha sol era poeira. A Vila Reis abandonada, sem esgoto, sem água potável. Igual a ela tinha muitos outros lugares. Pouso Alegre... se uma pessoa adoe-cesse lá você não conseguia chegar a tempo: era puro

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barro na época da chuva, aquele lamaçal tremendo. E o Tarcísio procurou fazer essas realizações mais com a periferia. Hoje você vai a qualquer ponto de Cataguases e existe calçamento ou então asfalto.

O Paulo Schelb não é politizado igual ao Tarcísio não, ele realiza muito, mas não tem aque-le jogo de cintura. Não é politizado, não é político. Porque o político nunca fala não com ninguém. Ele fez... o pessoal do Paraíso adora ele. Tomé, eles ado-ram o Paulo Schelb. Outro dia nós estávamos lá con-versando com eles. Mas aqui no Centro, a gente nota que tem uma certa represália. Eu acho que o prefeito não tem a obrigação só de calçar rua, ou fazer a rede de esgoto ou resolver algum problema na cidade. Ele tem que oferecer segurança à população. Nós esta-mos notando aqui em Cataguases que existe uma fa-lha muito grande nessa questão de segurança. E tam-bém existe em Cataguases pessoas que burlam a lei acintosamente, desrespeitando o direito dos outros. Eu acho assim: o meu direito termina onde começa o seu. Se eu passar por cima do seu, quer dizer, eu estou desrespeitando você. Você quer ver uma coisa. Eu vou só dar um exemplo. Aqui em Cataguases, não é só em Cataguases não, existe o Código Penal, você sabe, o Código Penal proíbe qualquer tipo de baru-lho que perturbe o sossego e a tranquilidade do cida-

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dão. O estado de Minas Gerais tem uma lei, a 7.302, que proíbe taxativamente, até fixa o número – ses-senta decibéis – é um rádio de pilha, televisor. É o máximo que você pode usar, quer dizer, é o suportá-vel pelo ouvido humano. Olha o fim de semana. Você assiste aquele troço... não tem uma empresa aqui em Cataguases para divulgar que uma pessoa mor-reu, como tinha antigamente, você sabe por que não tem? Porque a lei proibiu. Mas então o trenzinho da alegria, liga esses alto-falantes dele com esse som co-nhecido, sai fazendo barulho no meio da rua, pertur-bando tudo e todos. E a polícia de Cataguases assiste a isso calada. Você verifica: uma pessoa que mora na Praça Rui Barbosa é obrigada a tolerar 50.000 watts de som em uma festinha que eles fazem na praça.

Pois é. Errado. Eu acho que o prefeito se quer fazer festa... que é assim. Se você quer ver futebol, vo-cê vai ao campo do Operário ou do Flamengo. Você quer rezar você vai à Igreja. Se você quer ir ao cinema, você vai ao cinema. Agora, obrigar você, porque você mora em determinado lugar, aguentar 50 mil watts de som no seu ouvido. Isso é um absurdo. É tanto... eu vou até fazer agora um adendo político. Eu vou me candidatar a vereador esse ano. Se eu colocar ou-tra vez minha cadeira nessa casa, vou declarar guerra a essa gente. Não vou entrar aqui para assistir isso

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calado não, porque eu combati isso aí no Correio da Cidade anos a fio, mas infelizmente você fala no Correio da Cidade, entra no ouvido da polícia e sai no outro. Porque o prefeito cria a contramão aqui na Coronel Vieira, mas ele não vem cá falar com você que é proibido entrar na Coronel Vieira não, quem tem que olhar isso é a polícia, mas ela não olha nada. Agora, você pode ficar sabendo de uma coisa: se eu digo que estou preparado, não é só conversa não, eu me preparei, já sei como agir na área estadual, sei co-mo agir na área política. E se amanhã eu ocupar uma cadeira dessa aqui eu vou exigir que o tenente cum-pra o Código Nacional de Trânsito em Cataguases; pedestre em Cataguases não tem vez.

Sinal luminoso. Ou botar sinal luminoso ou então o prefeito tem que botar quebra-mola, porque você manter um povo subordinado a meia dúzia de motoristas inescrupulosos é um absurdo. Você che-ga aqui, o Código do Sinal de Trânsito diz assim: o pedestre tem privilégio. Se você atravessar uma rua aqui, o carro tem que parar para você. Você não assis-te isso em lugar nenhum. Outra coisa também. Você vai ali perto da Cobal está lá um ponto de estaciona-mento de ônibus, grande... os carros vão e encostam tudo ali e o ônibus encosta no meio da rua. Aí vêm aquelas mulheres lá de dentro da Cobal, tal e coisa,

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o carro está saindo aqui, elas não sabem se pegam o ônibus ou se ficam na frente do carro. Por causa de quê? Quer dizer... porque a polícia tolera um abuso dos motoristas que querem encostar um carro em um local proibido. Eu acho que nós não podemos tolerar isso. Já falei isso em reuniões do PMDB, já falei, mas infelizmente eu não exercendo o cargo; mas se eu exercer, você pode ficar sabendo: vou declarar guer-ra! Comigo eles podem ficar sabendo de uma coisa: não vou ficar só no discurso não, aciono mesmo juri-dicamente. Aí vou chamar o tenente e falar com ele:

“Você vai fazer isso. Você é tenente e eu sou vereador. Você é uma autoridade, eu também sou. Eu sou um representante do povo de Cataguases. Você é uma autoridade policial. Você vai fazer isso”. Você quer ver uma coisa? É proibido pelo Código de Postura Nacional chiqueiros de porcos em Cataguases. O pessoal vem aqui reclamar. Você vai em um Posto de Saúde e eles falam que não é com eles. Você vai na prefeitura e eles falam que não é com eles.

Com quem? Então nós vamos descobrir. Aí eu aciono os dois lá no Poder Judiciário. O juiz vai dar uma ordem para acabar com chiqueiro e por-co, porque além de dar a catinga... eu morei ali no prédio do João Salgado, lá na Vila Tereza, o vizinho tinha um chiqueiro de porco. Nunca vi um chiquei-

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ro com tanta catinga na minha vida. Eu falei com o Tarcísio: Ô Tarcísio, aquele cara está com um chi-queiro de porco lá e eu não vou tolerar isso não. Aí o Tarcísio falou: “Deixa que eu vou conversar com ele”. Quando foi a terceira vez eu fiz uma queixa na polícia. Ah, aí voou chiqueiro de porco para tudo quanto é lado. Não adianta. Eu faço e quero que os outros façam para mim também; eu acho que para ocupar uma cadeira na Câmara Municipal a pessoa tem que exercer sua função. Essa função tem um poder incalculável, é grande demais! Vereador é tão poderoso que a Câmara tem que dar posse ao pre-feito; ele aprova as leis da cidade. Vê o poder que é isso aí! Ele tem poderes não só para exigir da polícia não. É do prefeito, é do juiz, todo mundo tem que cumprir a lei.

Lá na praça eu falei com o Paulo Schelb. O pa-dre foi lá... o Schelb falou: “O Cicinho está requeren-do um mandado de segurança”, o padre veio aqui; vieram dois padres conversar comigo. “Não estou brigando não. Vou te mostrar. Está vendo essa lei aqui, é a lei 7.302, a lei do silêncio. Leia este artigo”.

“Ah, de fato é proibido”. “Então estou defendendo o meu direito. Você quer passar por cima da lei para defender interesse financeiro de vocês. Eu não vou abrir mão disso não”. Aí, saíram, mas sorrateiramen-

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te fizeram a festa. Mas essa foi a última. Foi. Agora está lá no Beira Rio. Porque tem que ser perto da mi-nha casa?

Se o prefeito quer pagar arranja um local, um local longe da residência, controla o volume do som. Mas não é só isso não. Quando acaba a festa começa a bagunça: vem os embriagados, junto com as pros-titutas, os maconheiros, aí começa uma bagunça da-nada até de madrugada. Isso aí atrai essa gente. Eles montaram um barzinho no meio da Praça José Inácio Peixoto, o barzinho ficava até três ou quatro horas da manhã atendendo o pessoal. Aí o Humberto to-ca violão e canta, liga aquele troço lá... quer dizer, a vizinhança tem que aguentar. O pessoal não respei-ta nada, essa gente precisa lembrar: “o direito deles termina onde começa o seu”, mas eles querem fazer prevalecer a vontade mesquinha deles em cima do sossego público. É igual o pessoal da avenida aqui: se eles resolverem reclamar contra o carnaval, não vai ter carnaval na avenida não. Já alertei a eles. Se amanhã eu exercer o cargo de vereador, eu assumo o comando para vocês, mas por enquanto não sou na-da. Simplesmente eu sou um funcionário municipal. Vocês são obrigados a aturar isso perto da casa de vo-cês. Você imagina, o pessoal urina na rua, evacua na rua, ali na avenida...

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Na Praça Rui Barbosa. A dona Iracema ali, coitada! Reclamação constante, o pessoal levan-ta no outro dia de manhã jogando água, lavando. Realmente é um abuso. Elas estão correndo mui-to risco com a aglomeração de gente, cólera, AIDS. Negócio igual àquele cara maldoso lá de São Paulo. Agulha que ele, com AIDS, usa, sai com aquilo na mão, bota o líquido dentro dela, entra no meio dos outros, dá uma agulhadinha. Pronto. Passando AIDS para os outros. Hoje está havendo um risco muito grande. Ah, hoje tanta gente, tanta doença contagio-sa está aí circulando pelo Brasil afora. AIDS, dengue, cólera... Cataguases está contando com uma coisa, sa-be, José Luiz, que muito pouca gente no Brasil conta com isso, que é a água tratada que nós temos. Essa água nossa você pode até beber dela na torneira que não faz mal nenhum. Pura, muito boa! Uma beleza, viu?!. É difícil a gente ver uma água igual a nossa. É até difícil ouvir falar nesse negócio de cólera aqui, hepatite... pode ter onde tiver, que aqui é muito raro ter um negócio assim.

Entrevistado por Glaucia Siqueira e José Luiz Batista, em 1992.

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