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VOLUME ANUAL DE SEDIMENTOS FINOS EM SUSPENSÃO DESVIADO DO RIO PARAÍBA DO SUL PARA O RIO GUANDU DURANTE A CRISE HÍDRICA Marcelo Di Lello Jordão¹* Raíssa Celina da Costa Souza² Susana Beatriz Vinzon³ Marcos Nicolas Gallo³ 1 Laboratório de Energias Renováveis e Estudos Ambientais (LEREA), Programa de Planejamento Energético, COPPE/UFRJ 2 Núcleo de Estudos em Manguezais (NEMA), Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente, UERJ 3 Laboratório de Dinâmica de Sedimentos Coesivos (LDSC), Programa de Pós-Graduação de Engenharia Oceânica e Naval, COPPE/UFRJ * [email protected] RESUMO O presente estudo ressalta os benefícios de um monitoramento diário de sedimentos em suspensão com pontos coincidentes no tempo. Os locais escolhidos para este monitoramento foram os pontos de captação da UEL Santa Cecília e de defluência da UHE Pereira Passos. Neste estudo foi possível calcular as descargas de sedimentos finos bombeada pela UEL Santa Cecília e lançada pela UHE Pereira no rio Guandu. O monitoramento coincidente no tempo permitiu também calcular a quantidade depositada e a eficiência de retenção dos reservatórios do sistema de transposição. No ano hidrológico de 2014-2015, a UEL Santa Cecília bombeou 72.701 t de sedimentos finos e, no ano hidrológico 2015-2016, 128.634 t. A UHE Pereira Passos, por sua vez, lançou no rio Guandu 30.411 t em 2014-2015 e 51.244 t em 2015-2016. Nos reservatórios da transposição foram retidos 42.290 t no primeiro ano e 77.390 t no segundo, resultando numa eficiência de retenção de 58 e 60%, respectivamente. O estudo conclui que mesmo em ano de crise hídrica com restrição operativa, o sistema de transposição continua poluindo seus reservatórios, o rio Guandu e a baia de Sepetiba com sedimentos finos do rio Paraíba do Sul. INTRODUÇÃO As construções de usinas hidroelétricas (UHE) e elevatórias (UEL) durante o século XX no rio Paraíba do Sul modificaram suas características hidrológicas, sedimentológicas e morfológicas originais. Dentre elas, destaca-se a UEL de Santa Cecília, localizada na margem direita do rio Paríaba do Sul, no município de Barra do Piraí – RJ. O bombeamento dessa usina é responsável pelo maior abatimento na oferta hídrica da bacia hidrográfica. Cerca de dois terços do volume líquido que passa nesse trecho é desviado da calha do rio. Essa usina elevatória é o primeiro estágio do sistema de transposição de bacias Paraíba do Sul-Piraí-Guandu. A água captada pela elevatória percorre uma complexa rede de reservatórios antes de passar pelas unidades geradoras de hidroeletricidade. Após o aproveitamento hidroelétrico, a água transposta é lançada na calha do rio Ribeirão das Lajes, principal formador do rio Guandu, em uma bacia hidrográfica que, até 1953, era independente do rio Paraíba do Sul. Grande parte desse volume que chega ao Guandu é captada pela Estação de Tratamento de Água (ETA-Guandu) e a outra parte deságua na baia de Sepetiba pelo canal de São Francisco. Esse desvio não deriva apenas água do rio Paraíba do Sul para o rio Guandu e baia de Sepetiba, mas qualquer fração sólida (particulada ou dissolvida) passível de ser sugada pelas bombas de recalque da UEL Santa Cecília e capaz de vencer a travessia pelos reservatórios do sistema de transposição. Os sedimentos finos que logram vencer a capacidade de retenção dos reservatórios da transposição encontram, nos reservatórios e estuários do rio Guandu e nas porções mais rasas da baia de Sepetiba, condições favoráveis para deposição, alimentando o assoreamento e a progradação dos manguezais na baia de Sepetiba. No rio Guandu, os sedimentos finos ameaçam o volume útil dos reservatórios, a qualidade da água captada pela ETA-Guandu e o ecossistema estuarino do Canal de São Francisco. Na baia de Sepetiba, esse incremento de sedimentos finos torna-se um potencial risco para o ecossistema, pesca, balneabilidade e navegação. A deposição adicional de sedimentos finos pode formar vazas e manguezais em lugares onde eram pouco expressivos ou inexistentes. A conhecida afinidade físico-química de tais argilas com metais presentes na água tornam essas vazas e manguezais poluídos uma vez que tanto os rios Paraíba do Sul e Guandu como a própria baia de Sepetiba podem receber pelas margens e tributários lançamentos industriais contaminados por metais. 1

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VOLUME ANUAL DE SEDIMENTOS FINOS EM SUSPENSÃO DESVIADO DORIO PARAÍBA DO SUL PARA O RIO GUANDU DURANTE A CRISE HÍDRICA

Marcelo Di Lello Jordão¹*Raíssa Celina da Costa Souza²

Susana Beatriz Vinzon³Marcos Nicolas Gallo³

1 Laboratório de Energias Renováveis e Estudos Ambientais (LEREA), Programa de Planejamento Energético,COPPE/UFRJ

2 Núcleo de Estudos em Manguezais (NEMA), Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente, UERJ3 Laboratório de Dinâmica de Sedimentos Coesivos (LDSC), Programa de Pós-Graduação de Engenharia

Oceânica e Naval, COPPE/UFRJ* [email protected]

RESUMO

O presente estudo ressalta os benefícios de um monitoramento diário de sedimentos em suspensão compontos coincidentes no tempo. Os locais escolhidos para este monitoramento foram os pontos de captação daUEL Santa Cecília e de defluência da UHE Pereira Passos. Neste estudo foi possível calcular as descargas desedimentos finos bombeada pela UEL Santa Cecília e lançada pela UHE Pereira no rio Guandu. Omonitoramento coincidente no tempo permitiu também calcular a quantidade depositada e a eficiência deretenção dos reservatórios do sistema de transposição. No ano hidrológico de 2014-2015, a UEL Santa Cecíliabombeou 72.701 t de sedimentos finos e, no ano hidrológico 2015-2016, 128.634 t. A UHE Pereira Passos, porsua vez, lançou no rio Guandu 30.411 t em 2014-2015 e 51.244 t em 2015-2016. Nos reservatórios datransposição foram retidos 42.290 t no primeiro ano e 77.390 t no segundo, resultando numa eficiência deretenção de 58 e 60%, respectivamente. O estudo conclui que mesmo em ano de crise hídrica com restriçãooperativa, o sistema de transposição continua poluindo seus reservatórios, o rio Guandu e a baia de Sepetiba comsedimentos finos do rio Paraíba do Sul.

INTRODUÇÃO

As construções de usinas hidroelétricas (UHE) e elevatórias (UEL) durante o século XX no rio Paraíba doSul modificaram suas características hidrológicas, sedimentológicas e morfológicas originais. Dentre elas,destaca-se a UEL de Santa Cecília, localizada na margem direita do rio Paríaba do Sul, no município de Barra doPiraí – RJ. O bombeamento dessa usina é responsável pelo maior abatimento na oferta hídrica da baciahidrográfica. Cerca de dois terços do volume líquido que passa nesse trecho é desviado da calha do rio. Essausina elevatória é o primeiro estágio do sistema de transposição de bacias Paraíba do Sul-Piraí-Guandu.

A água captada pela elevatória percorre uma complexa rede de reservatórios antes de passar pelas unidadesgeradoras de hidroeletricidade. Após o aproveitamento hidroelétrico, a água transposta é lançada na calha do rioRibeirão das Lajes, principal formador do rio Guandu, em uma bacia hidrográfica que, até 1953, eraindependente do rio Paraíba do Sul. Grande parte desse volume que chega ao Guandu é captada pela Estação deTratamento de Água (ETA-Guandu) e a outra parte deságua na baia de Sepetiba pelo canal de São Francisco.

Esse desvio não deriva apenas água do rio Paraíba do Sul para o rio Guandu e baia de Sepetiba, mas qualquerfração sólida (particulada ou dissolvida) passível de ser sugada pelas bombas de recalque da UEL Santa Cecília ecapaz de vencer a travessia pelos reservatórios do sistema de transposição.

Os sedimentos finos que logram vencer a capacidade de retenção dos reservatórios da transposiçãoencontram, nos reservatórios e estuários do rio Guandu e nas porções mais rasas da baia de Sepetiba, condiçõesfavoráveis para deposição, alimentando o assoreamento e a progradação dos manguezais na baia de Sepetiba. Norio Guandu, os sedimentos finos ameaçam o volume útil dos reservatórios, a qualidade da água captada pelaETA-Guandu e o ecossistema estuarino do Canal de São Francisco. Na baia de Sepetiba, esse incremento desedimentos finos torna-se um potencial risco para o ecossistema, pesca, balneabilidade e navegação. A deposiçãoadicional de sedimentos finos pode formar vazas e manguezais em lugares onde eram pouco expressivos ouinexistentes. A conhecida afinidade físico-química de tais argilas com metais presentes na água tornam essasvazas e manguezais poluídos uma vez que tanto os rios Paraíba do Sul e Guandu como a própria baia de Sepetibapodem receber pelas margens e tributários lançamentos industriais contaminados por metais.

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Na transposição, a variação temporal da descarga de sedimento fino não responde apenas ao ciclohidrológico, mas também ao regime operativo do empreendimento. As regras operativas da transposiçãopriorizam, em condições hidrológicas favoráveis, fins hidroelétricos e industriais (contenção da intrusão salina).Em condições hidrológicas desfavoráveis, regras especiais entram em vigor e, em casos mais extremos, novasregras operativas podem ser criadas pela Agência Nacional de Água a fim de garantir a segurança hídrica dapopulação. Os anos hidrológicos de 2014 a 2016 foram exemplos de excepcionalidade, operando com vazõesbem abaixo da série histórica.

OBJETIVO

O objetivo deste estudo foi verificar se o sistema de transposição continuou poluindo os seus reservatórios, orio Guandu e baia de Sepetiba com sedimentos finos oriundo do rio Paraíba do Sul mesmo em um ano de crisehídrica com restrições operativas e baixas concentrações de sólidos suspensos nos rios devido à estiagem.

MATERIAIS E MÉTODOS

O estudo compreendeu dois anos hidrológicos: 16/04/14 a 15/04/15 e 16/04/15 a 14/04/16. A estimativa dacarga de sedimento fino desviada da calha do rio Paraíba do Sul foi obtida com o estabelecimento de umaestação de monitoramento no túnel pelo qual sai a água bombeada pela UEL Cecília. Esse túnel se localiza emSantanésia, distrito do município de Barra do Piraí – RJ (Figura 1). Ao sair do túnel, a água escoa para oreservatório de Santana, por gravidade, através de um canal aberto. Nesta estação, foi estabelecido um regime decoleta diária de águas superficiais durante a estação chuvosa (novembro a abril) e semanal na estação seca (maioa outubro).

Figura 1: Localização das estações de monitoramento.

Outra estação de monitoramento foi estabelecida no último estágio da transposição, onde as águas do Paraíbado Sul são lançadas no rio Ribeirão das Lajes (Figura 1). Instalou-se, nessa estação, uma sonda da marca RBRDuo, equipada com sensor de pressão (nível do espelho d'água), turbidímetro, relógio e registrador digital. Asonda foi fixada a um suporte estaqueado no leito próximo a saída de água a jusante da UHE Pereira Passos e foiconfigurada para realizar amostragem de pressão absoluta e turbidez a cada 15 minutos durante o anohidrológico de 2014 a 2015. Para o ano hidrológico de 2015 a 2016, foram realizadas coletas diárias na estaçãochuvosa e semanal na estação seca.

Em ambas as estações, por se tratarem de saídas de bombas hidráulicas ou turbinas geradoras, adotou-se ahipótese de plena mistura do sedimento fino por todo volume líquido defluente, ou seja, a concentração de

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sedimento fino seria espacialmente homogênea em toda a seção de controle. Em termos práticos, tal hipótesepermitiu simplificar a amostragem, tornando uma amostragem superficial suficiente e representativa da seção decontrole num dado instante do tempo. O volume amostrado dependeu da concentração: em dias de concentraçõesaltas, coletou-se 1 l de água e, em dias de concentrações baixas, coletou-se de 5 a 10 l de água.

As amostras de água foram levadas ao Laboratório de Dinâmica de Sedimentos Coesivos (LDSC) naCOPPE/UFRJ, no qual os sedimentos finos foram retidos em filtros de fibra de vidro previamente pesados. Nocaso das amostras de 5 e 10 l, antes da filtragem essas amostras foram deixadas em repouso por 7 dias emambiente escuro e, em seguida, removeu-se cuidadosamente o excesso de água por sifonamento. O filtro commaterial retido da amostra de água foi submetido à pesagem pós secagem (80 ºC) e incineração na mufla (550ºC). A concentração de sedimento fino foi calculada pela diferença dessas pesagens. Amostras adicionais foramseparadas para análise granulométrica no analisador de partículas Malvern.

Os dados de turbidez foram convertidos em concentração de sólidos suspensos a partir da construção de umacurva de calibração. A curva foi estabelecida combinando amostras de campo coletadas junto à janela do sensor,logo após uma aquisição do sensor in situ e amostras coletadas no rio para ensaios controlados com diferentesconcentrações no laboratório.

O estudo adotou a resolução diária como base para o cálculo de descarga de sedimento fino. Na estação dotúnel de saída da UEL Santa Cecília, os dias com dados faltantes foram preenchidos com dados gerados por umacurva-chave de sedimento. Esta curva-chave foi construída com a série histórica vazão natural média diária (QN)afluente ao ponto de captação da UEL de Santa Cecília e os registros de concentração de sólidos suspensoscoletados no presente estudo e pelo Instituto Estadual do Ambiente (INEA) (estação SC200).

A vazão natural é a vazão líquida de um rio regulado apenas pelas forçantes hidrológicas e de relevo. Para aconstrução da curva-chave de sedimento, o uso da vazão natural é melhor do que o da vazão regularizada, umavez que o transporte de material lavado é uma resposta sedimentológica de um evento de chuva intensa e bemdistribuída na bacia. No processo de reconstituição da vazão natural de uma seção pelo método do balançohídrico, retira-se o efeito da operação hidráulica dos reservatórios localizados a montante, mas consideram-se osefeitos das contribuições naturais da bacia a montante e o tempo de viagem da água entre elas, bem como oefeito da evaporação líquida. Esse tipo de dado é produzido e disponibilizado pelo Operador Nacional doSistema Elétrico (ONS). As vazões médias diárias bombeadas pela UEL Santa Cecília e defluente da UHEPereira Passos foram extraídas do Informativo Preliminar Diário de Operação (IPDO), produzido edisponibilizado pelo ONS.

Na estação 2, os dias faltantes foram estimados por uma função lei de potência ajustada pela melhorcorrelação entre os dados da estação 2 e da estação 1 atrasados de 0 a 3 dias.

O cálculo da descarga anual de sedimentos finos (Qssi), em toneladas por ano, pode ser expresso pelosomatório do produto entre os valores médios diários da descarga líquida e da concentração de sólidos suspensosdurante um ano hidrológico:

Qssi=∑t =1

365

0,0864Q i ( t ) Ci ( t ) , equação (1)

onde Qi(t) é a vazão líquida média diária (m³/s) e Ci(t) é a concentração média diária de sólidos suspensos (mg/l)no dia t e na estação i=1, 2.

RESULTADOS

A análise granulométrica das amostras independentes e representativas do ciclo hidrológico confirmaram odomínio dos sedimentos finos na composição dos materiais sólidos presentes tanto nas águas bombeadas pelaUEL Santa Cecília (10 amostras) como no defluente da UHE Pereira Passos (16 amostras). Os diâmetros (D 10 ,D50 e D90) das partículas para o qual 10, 50 e 90 % em peso do material em suspensão são menores variaram,respectivamente, de 1 a 2 μm, de 7 a 11 μm e de 30 a 52 μm para a estação da UEL Santa Cecília e de 1 a 2 μm,de 4 a 8 μm e de 12 a 40 μm para estação a jusante da UHE Pereira Passos.

As séries temporais representaram 730 dias compreendidos entre o dia 16 de abril de 2014 e o dia 14 de abrilde 2016 (Figura 2). A série de concentração de sólidos suspensos na estação UEL Santa Cecília, para esteperíodo, apresentou 349 dias coletados e 381 dias faltantes. A série da estação a jusante da UHE Pereira Passos,por sua vez, apresentou 461 dias coletados e 269 dias faltantes. Apesar da presença significativa de dados

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faltantes, 52 % na primeira estação e 37 % na segunda, boa parte dos dias faltantes concentrou-se na estaçãoseca, marcada por baixas concentrações de sólidos suspensos (Figura 2).

Os buracos na série na estação 1 foram preenchidos com dados de saída da função curva-chave desedimentos finos (Figura 3). Na estação 2, a melhor correlação entre as séries das estações 2 e 1 foi obtida paradados da estação 1 com atraso de dois dias (Tabela 1). Tal atraso representa o tempo mínimo de travessia dossólidos suspensos ao longo da transposição. A expressão gráfica da função de ajuste para imputação de dadosfaltantes na estação 2 pode ser observada na Figura 4. A avaliação estatística dos dois modelos mostrou um baixodesempenho para os dois modelos, com R² de 0,21 e 0,37 para as estações 1 e 2, respectivamente (Figuras 3 e 4).Todavia, suas estimativas foram mantidas e imputadas nas séries, uma vez que seus usos se concentram naestação seca, período no qual as baixas concentrações produzem reduzidos impactos no cálculo da descargaanual de sedimentos finos.

Figura 2: Séries temporais utilizadas no cálculo da descarga anual de sedimentos finos.

Figura 3: Curva-chave de sedimentos finos para estação 1.

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A série de descarga diária de sedimentos finos pode ser visualizada na Figura 5. Na Tabela 2, encontram-seexpressas as estimativas das descargas anuais de sedimentos finos para os anos hidrológicos de 16/04/14 a15/04/15 e 16/04/15 a 14/04/16. Comparando as estimativas entre as duas estações para mesmo ano foi possíveltambém estimar a carga anual depositada no leito dos reservatórios e a eficiência de retenção do sistema detransposição para os dois anos monitorados.

DISCUSSÃO

Este estudo buscou atender algumas das recomendações apresentadas pelo relatório do BIRD-MPO/SEPURB/PQA-ABC-PNUD (1997) e, assim, melhorar a compreensão dos processos sedimentológicos emorfológicos que atuam no trecho do rio Paraíba do Sul investigado e no sistema de transposição. Desde essaépoca, já se enfatizava a necessidade de compatibilizar a frequência amostral com a escala temporal do processosedimentológico de transporte de sedimentos finos em suspensão.

Tabela 1: Correlação de Pearson entre as concentrações de sólidos suspensos nas estações 2 (C2) e 1 (C1-a) com 0, 1 ,2 e3 dias de atraso ( a=0, 1, 2, 3).

O transporte de sedimento fino num trecho aluvial se dá preferencialmente por suspensão e sua fonte não é oleito, mas a bacia hidrográfica. Esse tipo de transporte recebe o nome de transporte por lavagem (wash-load),que se diferencia do transporte por arraste, no qual a fonte é o leito e a composição é essencialmente arenosa. Asvariações temporais e espaciais das concentrações do sedimento em suspensão são respostas rápidas demudanças ocorridas na bacia, desde um evento intenso de chuva até modificações no uso e na ocupação do solo.

Figura 4: Função de lei potência para estimativa da concentração de sólidos suspensos para a estação 2.

Como a fonte de sedimentos finos não é o leito, a vazão líquida não é a causa física das variações temporaisna série de concentrações de sedimento suspenso observadas na seção de controle. Isso explica o baixodesempenho da curva-chave de sedimentos finos da estação 1. A pouca correlação existente entre as duasvariáveis é devida à redundância de informação, já que muito da informação contida na variância das duasvariáveis são efeitos de uma causa comum: um evento de chuva intensa na bacia.

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0,471 0,491 0,549 0,545

C1-0

C1-1

C1-2

C1-3

C2

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Figura 5: Série de descarga diária de sedimentos finos nas estações 1 e 2.

Por outro lado, monitorar as mudanças na escala espacial de uma bacia hidrográfica em resoluções temporaisque podem durar minutos é um desafio até mesmo para o sensoramento remoto. O grande número de variáveis esuas diferentes escalas espaciais são limitantes adicionais. Logo, estimativas precisas das descargas anuais desedimentos finos ainda dependem de medições diretas visando construir longas séries históricas, como asaquisitadas no presente estudo.

Coynel et al. (2004) mostraram, a partir de séries temporais em alta resolução, o quanto se perde na precisãoda estimativa da descarga sólida em suspensão quando se tem nas mãos apenas séries com baixa resoluçãotemporal. Ao simular uma condição na qual o desvio aceitável era de 20 %, o estudo concluiu que a amostragemideal para a bacia hidrográfica do rio Gironne (53.100 km²) deveria ser a cada 3 dias e para uma bacia menorcomo a do rio Nivelle (165 km²) deveria ser a cada 7 horas.

No presente estudo, a amostragem diária foi aceitável para a estação 2, mas não para a estação 1.Observaram-se variações diárias bruscas na concentração de sedimentos finos em suspensão na estação 1,revelando que a duração da passagem de um evento de alta concentração foi na ordem de horas. Possivelmenteesses eventos foram gerados na bacia do trecho incremental, entre o reservatório de Funil e a UEL Santa Cecília.Este trecho localiza-se numa parte estreita da bacia do Paraíba do Sul (Figura 1). Assim, seus tributários estãopróximos das cabeceiras das serras Bocaina e Mantiqueira, zona de produção rápida e intensa de sedimentosfinos. Aspecto agravado devido a prática não conservacionista do uso e ocupação do solo na região. Nestetrajeto, o sinal do transporte de lavagem não sofreria atenuação e suavização por reservatórios ou grandestributários. Por outro lado, na estação 2, os reservatórios presentes na transposição atenuaram e suavizaram apassagem dos eventos de alta concentração que vieram dos rios Paraíba do Sul e Piraí.

A localização das diferentes fontes de sedimento fino na bacia a montante contribuiu para o baixodesempenho da curva-chave de sedimento. Na estação 1, a série de concentração de sedimentos finos foiformada pela combinação de dois efeitos: da atenuação do sinal vindo a montante pelo reservatório de Funil e daconservação do sinal oriundo do trecho incremental entre UHE Funil e UEL Santa Cecília. O resultado foiconcentrações altas e baixas para uma mesma vazão de cheia. Na Figura 3 é possível verificar a consequênciadisso no ajuste da função: um aumento da dispersão dos pontos para concentrações e vazões maiores,característica penalizada pelo avaliador estatístico R².

No caso da estação 2, a função usada para a estimativa de dados faltantes foi prejudicada pelas frequentesmudanças nas regras operativas da transposição, dispersando os dados e diminuindo a correlação. As regrasoperativas também se alteraram nos dias em que a cheia vinha do rio Piraí, um rio que não foi considerado nesteartigo. A fim de evitar inundações na região, a transposição derivava toda a cheia do rio Piraí para o rio Guandu.Nessa operação a passagem da água pelo sistema é mais rápida, impedindo que parte sedimento fino seja retidanos reservatórios. Com isso, durante eventos de cheia no rio Piraí, os valores da concentração de sedimentosfinos em suspensão da saída da UHE P. Passos eram mais altos do que se esperaria para uma mesmaconcentração na estação 1.

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Tabela 2: Comparação das descargas anuais de sedimentos finos, material depositado e eficiência de retenção dopresente estudo com outros estudos.

Outro problema foi a lenta troca das águas dos reservatórios da transposição durante o início e fim da estaçãochuvosa. O grau de atenuação da concentração de sedimentos finos mudava para um mesmo valor de entrada(C1): valores mais atenuados quando os reservatórios estavam com águas claras, no início da estação chuvosa, emenos atenuados quando o corpo receptor já estava turvo, no fim desta estação.

Os valores de descargas de sedimentos finos em suspensão foram severamente afetados pelas condiçõeshidrológicas e operativas restritivas do período de crise hídrica (Tabela 2). O regime de baixa precipitação nabacia durante o verão de 2014 - 2015 resultou em poucos eventos grandes de transporte de lavagem e baixasconcentrações de sólidos em suspensão para o verão como um todo (Figura 2). As vazões também foramafetadas, obrigando a ANA a emitir resoluções que diminuíram os volumes captados pela UEL Santa Cecíliadurante o período (Tabela 2).

Na estação chuvosa de 2015 - 2016, o regime de precipitação voltou à normalidade, proporcionando umvisível aumento no transporte de lavagem e nas concentrações observadas. Porém, como os reservatórios amontante da UEL Santa Cecília ainda não haviam se recuperado da estiagem do ano anterior, a ANA manteveresoluções restritivas para captação da UEL Santa Cecília. Nestas regras, as vazões diárias operaram abaixo damédia histórica de 149 m³/s (Tabela 2). A depleção dos reservatórios a montante também afetou a capacidade deretenção de sedimento em suspensão dos mesmos, tornando ainda mais singular a série de concentração medidasnesse período em relação aos anos com regime hidrológico normal.

Na comparação com outros estudos no trecho, notam-se estimativas bem diferentes (Tabela 2).Primeiramente, deve-se ressaltar o impacto no cálculo devido à restrição na vazão bombeada pela UEL SantaCecília durante a crise hídrica. Outro aspecto a ser considerado diz respeito às fontes de dados de concentraçãode sedimento em suspensão. No estudo do BIRD-MPO/SEPURB/PQA-ABC-PNUD (1997) foram utilizados osdados do posto da DNAEE 58321000, coletados entre os anos de 1989 e 1995.

Esta série de 17 registros apresentou alguns valores altos de concentração de sedimento em suspensão,superando até mesmo os valores encontrados nos postos da DNAEE logo a montante (58305001) e jusante(58385100) do mesmo. Outra inconsistência desta série foi que as maiores concentrações (394, 549, 682 e 870mg/l) ocorreram durante a estação seca, estação na qual se esperaria, em condições normais, as menoresconcentrações. Esses valores impactaram a média histórica utilizada no cálculo da descarga de sedimentos emsuspensão.

É importante frisar que não é recomendável a utilização de médias históricas neste tipo cálculo, porque aamplitude entre o máximo e o mínimo variam em mais de duas ordens de grandeza. Os valores extremos acabamdesviando a média, resultando em sobrestimações. Assim, considerou-se sobrestimado o valor de descarga desedimento em suspensão de 1.400.000 t/ano obtido pelo BIRD-MPO/SEPURB/PQA-ABC-PNUD (1997). Asestimativas obtidas pela COHIDRO 2014 apresentaram o mesmo problema, uma vez que reproduziu fielmente amesma metodologia do BIRD-MPO/SEPURB/PQA-ABC-PNUD (1997), apenas adicionando dados maisrecentes disponíveis no posto 58321000. Mesmo acumulado 17 anos de aquisições, este dados extremos citados

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Ano hidrológico BIRD... COHIDRO

2014 – 2015 2015-2016 (1997) (2006) (2014)

UEL Sta. Cecília

114 107 NI 160 140

72.701 128.634 584.000 634.441

UHE P. Passos

108 108 168 175 NI

30.411 51.244 322.000 270.000 NI

Sistema de Transposição

Depositado (t/ano) 42.290 77.390 NI 980.000 NI

Eficiência de Retenção (%) 58 60 NI 78 NI

Molisani et al.

Qbomb

(m³/s)

Qss1

(t/ano) 1.400.000(a)

Q def

(m³/s)

Qss2

(t/ano)

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continuaram afetando a média histórica usada pela COHIDRO (2014), com valor de 143,7 mg/l, bem acima dospostos vizinhos.

Molisani et al. (2006) também estudaram o transporte de sedimentos finos através da transposição. Segundoos autores, a UEL Santa Cecília desviava anualmente 584.000 t de sedimentos finos. O cálculo foi baseado numaconcentração média anual de 118 mg/l, valor considerado alto se comparado à média observada tanto no presenteestudo (39 mg/l) quanto na média histórica (34 mg/l) de 210 registros coletados entre 1984-2014, na estaçãoSC200. Se fosse possível considerar a média histórica como um valor representativo, a descarga deveria ser de159.761 t/ano para uma vazão média anual de 149 m³/s. Entretanto, usar valores médios anuais de concentraçãode sólidos suspensos e vazão líquida resulta quase sempre em subestimação. Como ambos os estudossobrestimaram a descarga de sedimentos finos bombeada pela UEL Santa Cecília, os cálculos de deposição eeficiência de retenção aplicados na transposição ficaram comprometidos.

CONCLUSÕES

Os valores de descarga, deposição e retenção de sedimentos finos mostraram que, mesmo em um ano de crisehídrica, os reservatórios da transposição, o rio Guandu e, consequentemente, a baia de Sepetiba foram poluídospor sedimentos finos oriundos do rio Paraíba do Sul.

As estimativas obtidas nesse estudo são válidas apenas para os anos da crise hídrica entre 2014 e 2016. Paraos anos hidrológicos considerados normais, um novo monitoramento precisaria ser feito. No trecho de captaçãoda UEL Santa Cecília, recomenda-se monitoramento na escala horária durante a estação chuvosa ou após umevento de chuva intensa na bacia incremental entre UHE Funil e UEL Santa Cecília.

AGRADECIMENTOS

Registro de agradecimento à FAPERJ pelo suporte financeiro por meio do edital APQ1 e pela bolsa dedoutorado aluno Nota 10, à CAPES pela bolsa de doutorado durante o início da pesquisa, à LIGHT pelapermissão de acesso aos reservatórios e aos observadores de bacias Celino e Bruno pelas coletas diárias deamostra de água.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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COYNEL, A., SCHÄFER, J., HURTREZ, J.-E, DUMAS, J., ETCHEBER, H., BLANC, G. Sampling frequencyand accuracy of SPM flux estimates in two contrasted drainage basin. Science of the Total Environment, v. 330,n. 1, p. 233-247. 2004.

MOLISANI, M., KJERFVE, B., SILVA, A., LACERDA, L. D. Water discharge and sediment load to SepetibaBay from an anthropogenically-altered drainage basin, SE Brazil. Journal of Hydrology, v. 331, n. 3, pp. 425-433. 2006.

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