volta ao sertão: o início de um novo recomeço

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Bahia Ano 5 | nº 163 | julho | 2011 Caém - Bahia Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas Volta ao sertão: o início de um novo recomeço Viver no campo é o ideal de vida do sertanejo? Para uns sim e outros não. Eis uma pergunta cuja resposta é muito clara para a educanda, mãe de família e agricultora familiar, Maria Gonçalves Pereira. Para ela é um sonho que está sendo realizado aos poucos, pois está onde gostaria, no campo. Lugar este que ela define muito bem como um espaço onde tem liberdade de fazer o que sempre quis e o que está ao seu alcance. Mas nem sempre foi assim. Aos 21 anos, casada e com dois filhos viajou para São Paulo em uma época de seca no sertão e falta de condições de viver por aqui. Na cidade do sudeste onde viveu durante 12 anos, a família cresceu, teve mais duas meninas, trabalhou muito para comer e com muito sacrifício e limitações criou os quatro filhos. Mas só ficou em São Paulo até o dia em que a inquietação e insatisfação a despertou para a ideia de que poderia viver dignamente em qualquer lugar e reafirmando a sua própria identidade. Decidiu então juntar a família e voltar a viver no sertão da Bahia e com muita luta conseguiu sair da cidade grande, onde encontraram muito sacrifício sem recompensa e nem liberdade. “Em São Paulo é uma vida de correria, você é submisso a todo momento a outra pessoa. Lá você é o que tem e não o que realmente é”, afirma Maria. A vida em São Paulo, entretanto, não foi de toda ruim. Lá aprenderam a valorizar ainda mais a terra natal, a liberdade, a vida em família e muito mais. Porém, foi aqui na Bahia que vieram buscar melhorias, precisamente, no povoado de Baixa do Mel, no município de Caém, na Bahia, cerca de 330km de Salvador que a família retomou suas raízes com o campo. Diante das dificuldades financeiras de regressar com todos os membros da família, José, o esposo, foi o primeiro a retornar de São Paulo. Logo quando chegou já foi plantando roça para garantir o custeio das passagens dela e dos filhos. Quando todos já estavam por este chão nordestino, centraram força na lida diária com o campo e com o que ele podia oferecer naquele momento, tudo isto movido pelo desejo de mudança. De lá pra cá já plantaram muitas roças e criaram animais de pequeno porte que garantiram uma parte da alimentação da família, já que não produziam para venda e não tinham outro recurso financeiro fixo. Hoje, mesmo não tendo plantações, por falta de água, aos poucos eles estão mudando a postura e a cara da propriedade, ao desenvolverem o campo de permacultura e policultura. Mas voltar para o sertão e viver do que a roça dá não foram os únicos desejos dela e de sua família quando retornaram para estas terras. A missão social e comunitária estava fincada em suas veias. Aqui encontraram um cenário de carência e esquecimento do que é mais essencial ao ser humano, o direito a vida digna. Diante desta realidade, Maria não hesitou em se engajar em ações comunitárias, voluntárias, em busca de melhorias para todos que viviam naquela região. Com muito trabalho, desafios e movida por expectativas, continua empenhada neste ideal de vida. Logo quando chegou, Maria iniciou seus trabalhos comunitários de forma voluntária e também já foi Maria e José no quintal de casa: o policultivo é uma realidade

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Page 1: Volta ao Sertão: o início de um novo recomeço

Bahia

Ano 5 | nº 163 | julho | 2011Caém - Bahia

Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas

Volta ao sertão: o início de umnovo recomeço

Viver no campo é o ideal de vida do sertanejo? Para uns sim e outros não. Eis uma pergunta cujaresposta é muito clara para a educanda, mãe de família e agricultora familiar, Maria Gonçalves Pereira.Para ela é um sonho que está sendo realizado aos poucos, pois está onde gostaria, no campo. Lugareste que ela define muito bem como um espaço onde tem liberdade de fazer o que sempre quis e o queestá ao seu alcance.

Mas nem sempre foi assim. Aos 21 anos, casada e com dois filhos viajou para São Paulo em umaépoca de seca no sertão e falta de condições de viver por aqui. Na cidade do sudeste onde viveu durante12 anos, a família cresceu, teve mais duas meninas, trabalhou muito para comer e com muito sacrifício elimitações criou os quatro filhos.

Mas só ficou em São Paulo até o dia em que a inquietação e insatisfação a despertou para a ideiade que poderia viver dignamente em qualquer lugar e reafirmando a sua própria identidade. Decidiuentão juntar a família e voltar a viver no sertão da Bahia e com muita luta conseguiu sair da cidadegrande, onde encontraram muito sacrifício sem recompensa e nem liberdade. “Em São Paulo é uma vidade correria, você é submisso a todo momento a outra pessoa. Lá você é o que tem e não o que realmenteé”, afirma Maria.

A vida em São Paulo, entretanto, não foide toda ruim. Lá aprenderam a valorizar ainda mais aterra natal, a liberdade, a vida em família e muitomais. Porém, foi aqui na Bahia que vieram buscarmelhorias, precisamente, no povoado de Baixa doMel, no município de Caém, na Bahia, cerca de330km de Salvador que a família retomou suas raízescom o campo.

Diante das dificuldades financeiras deregressar com todos os membros da família, José, oesposo, foi o primeiro a retornar de São Paulo. Logoquando chegou já foi plantando roça para garantir ocusteio das passagens dela e dos filhos. Quandotodos já estavam por este chão nordestino, centraramforça na lida diária com o campo e com o que elepodia oferecer naquele momento, tudo isto movidopelo desejo de mudança.

De lá pra cá já plantaram muitas roças ecriaram animais de pequeno porte que garantiramuma parte da alimentação da família, já que não

produziam para venda e não tinham outro recurso financeiro fixo. Hoje, mesmo não tendo plantações,por falta de água, aos poucos eles estão mudando a postura e a cara da propriedade, ao desenvolveremo campo de permacultura e policultura.

Mas voltar para o sertão e viver do que a roça dá não foram os únicos desejos dela e de sua famíliaquando retornaram para estas terras. A missão social e comunitária estava fincada em suas veias. Aquiencontraram um cenário de carência e esquecimento do que é mais essencial ao ser humano, o direito avida digna. Diante desta realidade, Maria não hesitou em se engajar em ações comunitárias, voluntárias,em busca de melhorias para todos que viviam naquela região.

Com muito trabalho, desafios e movida por expectativas, continua empenhada neste ideal devida. Logo quando chegou, Maria iniciou seus trabalhos comunitários de forma voluntária e também já foi

Maria e José no quintal de casa: o policultivo é umarealidade

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Boletim Informativodo Programa Uma Terrae Duas Águas Bahia

Apoio:

presidente daAssociação Comunitária da Comunidade.Neste período procurava outras formas de

trabalho aliado a este e também para ajudar no sustentoda família. Foi quando encontrou por aqui dois projetossociais, um era o “Viver Melhor Rural”, onde teve o apoiopara o desenvolvimento de trabalhos comunitários.Posteriormente, ingressou no projeto do Instituto dePermacultura da Bahia, a Escola Umbuzeiro, que aconscientizou sobre várias temáticas e práticas, entreelas a importância da convivência com o Semiárido deforma sustentável. Atualmente integra a comissãoMunicipal da Água de Caém, formada pela ASA, e éeducanda da Escola Umbuzeiro.

Somando todos estes momentos de construçãode conhecimentos e aprendizados neste período em que retornou a viver no sertão, ela aprende, praticae multiplica os modos de manter, de forma sustentável e viável, a sua propriedade. Além disso tudo,ainda adota uma forma de pensar e agir que vai contra os moldes do sistema capitalista, “ Vouaprendendo a não me apegar as coisas que não necessito delas para viver”, afirma. A vontade demudança e o acesso ao conhecimento são os aliados desta família.

Com isto, mesmo não tendo ainda reservatório de água para produção, a família conseguemanter várias experiências de trabalho com a terra, como as fruteiras, criação de galinhas, palma (pararação animais e aguar as plantas), feijão, batata, mandioca, andu tudo de forma integrada, seja noquintal de casa ou na roça. É uma forma de ter de tudo um pouco para o consumo da família. Tudo istoaprendeu ao longo destas intensas experiências que vivenciou nestes últimos 7 anos, tempo que saiu dacidade paulista e iniciou um novo recomeço na zona rural baiana.

Agora que foram contemplados com a cisterna calçadão do Projeto de Mobilização e Convivênciacom o Semiárido – Uma Terra e Duas Águas (P1+2), realizado pela ASA com a execução no territóriopela COFASPI, com o apoio do MDS, só esperam bons momentos e possibilidades de aumentar aprodução de alimentos e garantir o necessário para alimentar toda família. E, como hoje ainda nãopodem tirar todo o sustento da família do trabalho que desenvolvem na roça, contam com rendas extras,entre elas ajuda financeira dos dois filhos que retornaram e estão trabalhando em São Paulo, Mariaministrando cursos de GRH da COFASPI e a bolsa que recebe da Escola Umbuzeiro.

Maria explica que a sua felicidade em desenvolver todos estes trabalhos, no ambiente ondeconquista seu espaço, não é o retorno financeiro que vaiconseguir com eles, mesmo porque não consegue muitacoisa, mas a liberdade que a vida no campo lheproporciona, o que ela não encontrou na cidade. Elaacredita que o que colaborou também neste processo foio orgulho de morar na zona rural, ser agricultora etambém só buscar aquilo que lhe é útil e dentro da suarealidade.

A experiência de Maria e de sua família sóreforça a ideia de que é possível sim viver no sertão econviver com o clima. “Meu sonho é de poder vivertranquilamente e tirar da roça a sustentabilidade dafamília, por isso, eu busco técnicas de como convivercom as dificuldade que a roça traz, por isso eu saio, vou láfora, viajo, vou em intercâmbio. Onde apareceroportunidade eu tô indo buscar pra apender viver melhorneste lugar, na roça, de onde traz recordações dainfância”, conclui Maria.

Maria em reunião com os outros integrantes dacomissão municipal da água de Caém

Maria explicando para os demais participantes de umcurso de GRH a utilidade da semente de moringa