volta ao mun do 2

Download Volta ao mun do 2

If you can't read please download the document

Upload: reneeklaus

Post on 06-Dec-2015

217 views

Category:

Documents


1 download

DESCRIPTION

m,n

TRANSCRIPT

Colgio SESI CAMBFILOSOFIA Oficina Volta ao mundo

Nome da equipe:______________________________________________________Nome dos alunos:_____________________________________________________Data:_______________________________________________________________

Ensaio Dos Canibais, de Michel de Montaigne

"O homem que eu tinha comigo era simples e rude, condio prpria de um verdadeiro testemunho, porque os espritos finos, conquanto observem com maior cuidado e maior nmero de coisas, costumam gloz-las; e, para tornar vlida e persuasiva a sua interpretao, no resistem ao prazer de alterar um pouco a Histria; jamais apresentam as coisas puras e sempre as modificam e desfiguram conforme a aparncia em que as viram; e para dar base de crdito sua opinio e dela convencerem, adulteram a matria de bom grado, alongando-a e ampliando-a. prefervel um homem de grande fidelidade ou to simples que no tenha por que fantasiar e sacrificar o verdadeiro aspecto das coisas s suas falsas invenes; e que seja imparcial. Assim era o meu, e, para mais, fez-me conhecer em vrias ocasies marinheiros e comerciantes, que encontrara nessa viagem. Limito-me, pois, s suas informaes sem me valer dos relatos dos topgrafos.Voltando ao meu assunto, creio que no h nada de brbaro ou de selvagem nessa nao, a julgar pelo que me foi referido; sucede, porm, que classificamos de barbrie o que alheio aos nossos costumes; dir-se-ia que no temos da verdade e da razo outro ponto de referncia que o exemplo e a ideia das opinies e usos do pas a que pertencemos. Neste, a religio sempre perfeita, perfeito o governo, perfeito e irrepreensvel o uso de todas as coisas. Aqueles povos so selvagens na medida em que chamamos selvagens aos frutos que a natureza germina e espontaneamente produz; na verdade, melhor deveramos chamar selvagens aos que alteramos por nosso artifcio e desviamos da ordem comum. Nos primeiros, as verdades so vivas e vigorosas, e as virtudes e propriedades mais teis e naturais do que nos ltimos, virtudes e propriedades que ns abastar damos e acomodamos ao prazer do nosso gosto corrompido. E, todavia, em diversos frutos daquelas regies, que se desenvolvem sem cultivo, o sabor e a delicadeza so excelentes ao gosto, comparando-os com os nossos."

Anlise dos pargrafos1 pargrafo.Tpico frasal (tema, assunto): O homem que eu tinha comigo era simples e rude, condio prpria de um verdadeiro testemunho.... O tema do pargrafo , portanto, a validade do testemunho que Montaigne recebeu dos ndios brasileiros. Ele alega que as informaes que recebeu so verdicas, pois foram dadas por um homem "simples e rude". A seguir, ele argumentar a favor disso.Desenvolvimento. Montaigne faz o desenvolvimento por detalhamento e confrontao: ...porque os espritos finos, conquanto observem com maior cuidado e maior nmero de coisas, costumam gloz-las; e, para tornar vlida e persuasiva a sua interpretao, no resistem ao prazer de alterar um pouco a Histria; jamais apresentam as coisas puras e sempre as modificam e desfiguram conforme a aparncia em que as viram; e para dar base de crdito sua opinio e dela convencerem, adulteram a matria de bom grado, alongando-a e ampliando-a. prefervel um homem de grande fidelidade ou to simples que no tenha por que fantasiar e sacrificar o verdadeiro aspecto das coisas s suas falsas invenes; e que seja imparcial."Confrontao: H homens de esprito fino e h homens de grande fidelidade ou muito simples.Detalhamento: 1. Espritos finos: No buscam apenas relatar ou descrever o que bemn observaram, mas procuram igualmente justificar ou apresentar as suas observaes com mais fora de convencimento, por isso "modificam e transfiguram a matria". 2. Pessoas simples, com o que Montaigne provavelmente quer indicar pessoas que no so historiadores profissionais, ou o que hoje seriam jornalistas, no tem como objetivo engrandecer a prpria observao, por isso so m ais facilmente imparciais.Concluso por sntese e por consequncia: Assim era o meu, e, para mais, fez-me conhecer em vrias ocasies marinheiros e comerciantes, que encontrara nessa viagem. Limito-me, pois, s suas informaes sem me valer dos relatos dos topgrafos."Por sntese: "Assim (simples e sem pretenso ou motivo para modificar ou transfigurar a Histria) era o meu (informante), e, para mais, fez-me conhecer em vrias ocasies marinheiros e comerciantes, que encontrara nessa viagem."Por consequncia: "Limito-me, pois, s suas informaes sem me valer dos relatos dos topgrafos." Tudo o que Montaigne vai dizer e refletir est baseado, pelas justificativas apresentadas, aos relatos do seu homem simples. Ir ignorar os relatos dos funcionrios dos reis - os topgrafos.

2 pargrafo.Tpico frasal (tema, assunto): Voltando ao meu assunto, creio que no h nada de brbaro ou de selvagem nessa nao. Ou seja, o assunto do pargrafo a defesa da tese de que os ndios no so brbaros ou primitivos ou, ainda, inferiores.Desenvolvimento por detalhamento: 1. sucede, porm, que classificamos de barbrie o que alheio aos nossos costumes; dir-se-ia que no temos da verdade e da razo outro ponto de referncia que o exemplo e a ideia das opinies e usos do pas a que pertencemos. Neste, a religio sempre perfeita, perfeito o governo, perfeito e irrepreensvel o uso de todas as coisas. Nesse detalhamento o autor justifica sua tese, qual seja a justificativa: no h outra razo para julgar como brbaros povos diferentes se no porque avaliamos tudo a partir das "opinies e usos do pas a que pertencemos". Montaigne est defendendo, pela primeira vez, o que ser o princpio de uma cincia que ser desenvolvida apenas no sculo XX: a Antropologia Cultural ou estudo do Homem a partir de seu hbitos, costumes, etc. O princpio dessa cincia a de no cair no etnocentrismo, ou seja, para entender culturas diferentes preciso analis-las segundo seu prprios valores e smbolos. Desenvolvimento por confrontao: "Aqueles povos so selvagens na medida em que chamamos selvagens aos frutos que a natureza germina e espontaneamente produz; na verdade, melhor deveramos chamar selvagens aos que alteramos por nosso artifcio e desviamos da ordem comum. Nos primeiros, as verdades so vivas e vigorosas, e as virtudes e propriedades mais teis e naturais do que nos ltimos, virtudes e propriedades que ns abastardamos e acomodamos ao prazer do nosso gosto corrompido." Montaigne faz uma confrontao entre ndios e europeus, a partir do conceito de "selvagem". No sculo XVI a palavra selvagem tinha dois sentidos, o primeiro o sentido comum da palavra: selvagem a natureza no modifica pela cultura humana; o sengundo sentido pejorativo, isto , valoriza negativamente o que selvagem: o que rude, que na foi aperfeioado pelo trabalho humano. Montaigne diz que os ndios so selvagens, no sentido de agirem de acordo e na ordem da natureza; mas, os europeus, esses so selvagens no sentido pejorativo, pois alteram a natureza para que essa esteja de acordo com a decadncia da sociedade culta. Montaigne est aqui fazendo uma outra inovao, da crtica da cultura. At ento os artifcios humanos eram sempre considerados um progresso, uma evoluo; a partir de Montaigne as invenes humanos sero vistas com desconfiana, por provocarem alteraes prejudicias natureza e ao homem, pois esse passa a ser incapaz de viver "selvagemente". Em resumo, na sociedade indgena, segundo Montaigne, as verdade so vivas e vigorosas, as virtudes e propriedades so teis e naturais; na sociedade europeia de seu sculo, as virtudes e propriedades so "abastardadas" e acomodadas ao "gosto corrompido". Por fim, h neste argumento uma das principais caractersticas do Renascimento: o naturalismo.Concluso por sntese: "E, todavia, em diversos frutos daquelas regies, que se desenvolvem sem cultivo, o sabor e a delicadeza so excelentes ao gosto, comparando-os com os nossos." A concluso um resumo do que foi dito, mas Montaigne usa uma metfora, uma analogia: Na natureza selvagem, os frutos so melhores, mais saborosos e excelentes ao gosto, sem cultivo. J as frutas europeias, desenvolvidas por toda uma tecnologia agrcula, as frutas no so to boas... "Cultivo" uma metfora para "Cultura". E "fruta", sem dvida, simboliza os seres humanos.

QUESTES

1. Qual a relao entre a defesa, no primeiro pargrafo, do relato de homens simples, contra o testemunhos de "espritos finos", isto , dos topgrafos, e a crtica, no segundo pargrafo, da cultura artificial europeia, defendedo contra ela a natureza selvagem dos ndios?

2. De que maneira podemos ver no segundo pargrafo o surgimento da Antropologia Cultural?

3. Como possvel entender, nos dois pargrafos analisados, o naturalismo renascentista?

4. Dois sculos depois de Montaigne, o filsofo Jean-Jacques Rousseau criar a figura do "bom selvagem"; essa figura do bom selvagem tambm muito presente na literatura romntica brasileira. Por que Montaigne elogia o ndio, contrapondo-o ao "culto europeu"?

5. Interprete o prximo pargrafo do ensaio os Canibais, de Montaigne, a partir da sua estrutura, como fizemos anteriormente e a partir do que voc aprendeu sobre o Renascimento: "Todos os nossos esforos juntos no podem reproduzir sequer o ninho do mais insignificante passarinho, sua contextura, beleza e utilidade, nem mesmo o tecido de uma mesquinha teia de aranha. Diz Plato que todas as coisas so obra da natureza, do acaso ou da arte; as maiores e as mais belas, produto de uma das duas primeiras; as mais insignificantes e imperfeitas, da ltima. Essas naes parecem, pois, brbaras, simplesmente porque mal acusam ainda o rastro do esprito humano e esto muito prximas da sua ingenuidade original. As leis naturais que as regem esto ainda muito pouco adulteradas pelas nossas; mas h nisso tal pureza que lamento s vezes que delas no houvesse conhecimento antes, nos tempos em que existiam homens que as sabiam julgar melhor do que ns. Sinto que Licurgo e Plato no as tivessem conhecido, pois se me afigura que o que ns por experincia vemos nessas naes ultrapassa, no apenas todas as pinturas com que a poesia embelezou a idade de ouro da humanidade e tudo quanto se possa imaginar para tornar feliz a condio humana, mas ainda a concepo e o prprio objectivo da filosofia. No imaginaram eles ingenuidade to pura e simples como a que ns vemos nesse pas; nem acreditaram que uma sociedade se pudesse manter com to pouco artifcio e to pouca soldadura humana. uma nao, diria eu a Plato, em que no existe gnero de trfico, conhecimento de letras, cincia de nmeros, nome de magistrado ou de outra dignidade que indique superioridade poltica, servido, riqueza ou pobreza, contratos, sucesses, partilhas; de ocupaes, apenas as agradveis; de relaes de parentesco, s as comuns; nem vestimentas, nem agricultura, nem metais; no bebem vinho nem cultivam cereais. Da mentira, da traio, da dissimulao, da avareza, da inveja, da maledicncia, do perdo ignoram at a palavra. Quo distante desta perfeio julgaria ele a repblica que imaginou!"