vizinhança de alto risco - socioambiental · 2011. 9. 8. · 12 planetaterra agosto 2011...

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12 PLANETA TERRA AGOSTO 2011 dos recursos biológicos da reserva. Até hoje, 159 espécies de vertebrados terrestres foram encontrados em Juruba- tiba — incluindo uma espécie inédita no mundo, o ratinho-goitacá. Há, tam- bém, espécies indesejadas, como os bois, que deixam a restinga em estado desolável. Outros efeitos ainda mais avassaladores são provocados pelas mu- danças climáticas e pela falta de recur- sos. Sem funcionários e mais investimen- tos, as restingas, sobreviventes da ocupa- ção do litoral pelos portugueses, podem sucumbir diante da especulação imobi- liária e da agricultura. clara, quase transparente. A Comprida é avermelhada. O Lago do Atoleiro é tão escuro que alguém ali mergulhado, só com a cabeça acima da superfície, não consegue ver o próprio corpo. — Jurubatiba é uma relíquia, um mo- saico de ecossistemas, de vegetações rasteiras, com brejos de água doce e salgada, temporários e permanentes — destaca o ecólogo Francisco de Assis Esteves, um dos maiores defensores do parque. É ele, também, que está à frente do Núcleo de Pesquisas Ecológicas de Macaé (Nupem/UFRJ), centro de estu- dos voltado basicamente para o estudo 91% da energia do país. Os méritos econômicos daquelas re- dondezas já são bem conhecidos e ex- plorados. Da reserva, no entanto, quase nada se diz. Em parte porque ela é rela- tivamente nova — tem apenas 13 anos — e se localiza num estado que já conta com cinco parques nacionais. Apesar da juventude e da concorrên- cia, Jurubatiba pode ter brilho próprio. Venha ele de sua complexa biodiversi- dade, venha de suas lagoas, uma atra- ção à parte. São 18, de diversas cores — e o efeito não se deve à poluição. A Im- boassica, por exemplo, tem água muito RENATO GRANDELLE [email protected] N o Norte fluminense, santuário eco- lógico e progresso econômico são vizinhos de porta. De um lado, os 15 mil hectares restantes da restinga que, à época do Descobrimento, chegava ao Espírito Santo. Do outro, um adensamento populacional ávido por novas áreas para se expandir. O Parque Nacional da Restin- ga de Jurubatiba, único administrado pe- lo governo federal a preservar este tipo de vegetação, tenta se manter numa região que, com seus poços petrolíferos, produz Vizinhança d Parque de restingas tenta sobreviver numa área de pressão social e econômica

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  • 12 PLANETA TERRA AGOSTO 2011 AGOSTO 2011 PLANETA TERRA 13

    dos recursos biológicos da reserva.Até hoje, 159 espécies de vertebrados

    terrestres foram encontrados em Juruba-tiba — incluindo uma espécie inéditano mundo, o ratinho-goitacá. Há, tam-bém, espécies indesejadas, como osbois, que deixam a restinga em estadodesolável. Outros efeitos ainda maisavassaladores são provocados pelas mu-danças climáticas e pela falta de recur-sos. Sem funcionários e mais investimen-tos, as restingas, sobreviventes da ocupa-ção do litoral pelos portugueses, podemsucumbir diante da especulação imobi-liária e da agricultura. ❁

    clara, quase transparente. A Compridaé avermelhada. O Lago do Atoleiro étão escuro que alguém ali mergulhado,só com a cabeça acima da superfície,não consegue ver o próprio corpo.

    — Jurubatiba é uma relíquia, um mo-saico de ecossistemas, de vegetaçõesrasteiras, com brejos de água doce esalgada, temporários e permanentes —destaca o ecólogo Francisco de AssisEsteves, um dos maiores defensores doparque. É ele, também, que está à frentedo Núcleo de Pesquisas Ecológicas deMacaé (Nupem/UFRJ), centro de estu-dos voltado basicamente para o estudo

    91% da energia do país.Os méritos econômicos daquelas re-

    dondezas já são bem conhecidos e ex-plorados. Da reserva, no entanto, quasenada se diz. Em parte porque ela é rela-tivamente nova — tem apenas 13 anos —e se localiza num estado que já contacom cinco parques nacionais.

    Apesar da juventude e da concorrên-cia, Jurubatiba pode ter brilho próprio.Venha ele de sua complexa biodiversi-dade, venha de suas lagoas, uma atra-ção à parte. São 18, de diversas cores —e o efeito não se deve à poluição. A Im-boassica, por exemplo, tem água muito

    [email protected]

    No Norte fluminense, santuário eco-lógico e progresso econômico sãovizinhos de porta. De um lado, os15 mil hectares restantes da restinga que,à época do Descobrimento, chegava aoEspírito Santo. Do outro, um adensamentopopulacional ávido por novas áreas parase expandir. O Parque Nacional da Restin-ga de Jurubatiba, único administrado pe-lo governo federal a preservar este tipo devegetação, tenta se manter numa regiãoque, com seus poços petrolíferos, produz

    Vizinhança de alto risco

    Parque de restingas tenta sobreviver numaárea de pressão social e econômica

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    Vizinhança de alto risco

    Parque de restingas tenta sobreviver numaárea de pressão social e econômica

    PRAIA DE Macaé dentro dareserva: mar bravo faz

    população procurar lagoas ondemergulho deve ser controlado

    Cus

    todi

    oC

    oim

    bra

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    Mais de 150 espécies,incluindo novo roedor

    São precisos três homens para domarum ratinho-goitacá. Não por ser um ani-mal assustador — o diminutivo faz jusaos seus 14 centímetros de comprimen-to —, mas pela agilidade com que semovimenta dentro de uma gaiola, seular há dois meses. Neste período, o roe-dor teve público fiel nos laboratórios deEcologia da UFRJ. Todos querem co-nhecer a nova espécie de mamífero,descoberta entre as moitas de Juruba-tiba. O ratinho projetou nacionalmentea reserva e enterrou teorias segundo asquais a restinga teria fauna e flora se-melhantes à vizinha Mata Atlântica.

    — Há uma fauna riquíssima na res-tinga — garante o ecólogo Pablo Rodri-gues Gonçalves, descobridor do rati-nho. — Antes, os cientistas considera-vam-na uma mera extensão da MataAtlântica. Vemos, agora, como estáva-mos enganados.

    Foram identificadas 159 espécies devertebrados terrestres em Jurubatiba — amaioria (96) aves, embora também hajaum número expressivo (35) de mamífe-ros. Além do ratinho-goitacá, outras atra-ções locais são o sabiá-da-praia e o rato-de-espinho. O belo canto do primeiro já ofez ameaçado de extinção, embora agora

    seja visto em boa quantidade dentro doparque nacional. O segundo, por sua vez,é mais raro do que o mico-leão-douradoe figura na lista vermelha da União Mun-dial para a Natureza (UCN).

    Um grupo de trabalho sediado emMacaé também está catalogando osmorcegos da reserva. O mamífero ga-nhou atenção especial por ser o prin-cipal polinizador de diversas plantas,especialmente as noturnas, e contri-buir para a dispersão de sementes.

    — A diversidade química das plan-tas também já mereceu muitos traba-lhos — lembra a ecóloga Ana Petry,também do Nupem/UFRJ. — Estamosestudando plantas aquáticas com pro-priedades medicinais, como substân-cias anti-oxidantes. A restinga é umgrande laboratório.

    Em um ambiente picotado por lagoase brejos, a circulação de nutrientes e omonitoramento da qualidade de água es-tão entre as curiosidades mais antigas dospesquisadores. Na Lagoa Cabiúnas — amais estudada do parque, ao lado de Gar-ças e Piripiri —, os cientistas acompa-nham a quantidade de poluentes há maisde uma década. São locais limpos, mas,para continuar assim, precisam ter acessorestrito: a maioria não pode ser franquea-da ao público. (R.G.) ❁

    BROMÉLIAS E corujas sãocomuns no cenário do parquenacional, onde há 40 pesquisasem andamento

    Fotos de Custodio Coimbra

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    Nem todas as espécies são bem-vin-das em Jurubatiba. Algumas culturasexóticas, instaladas naquela área antesde sua transformação em parque na-cional, ameaçam a sobrevivência deespécies locais e, no caso de plantas,provocam a contaminação dos solos ede lençóis freáticos.

    O controle dessas espécies é dificul-tado pela falta de regularização fun-diária de muitas áreas da reserva. Co-mo alguns proprietários de terra aindanão foram indenizados, suas culturasagrícolas não podem ser retiradas.

    Além de danosas ao meio ambiente,certas atividades, como a criação degado e plantações de coco e abacaxi,sequer são lucrativas. O solo da restin-ga, muito arenoso, não oferece os nu-trientes ou com a quantidade de águanecessários para o cultivo.

    O ecólogo Rodrigo Lemes Martins, doNupem/UFRJ, coordena a derrubada deum coqueiral vizinho à Lagoa de Carape-bus, uma das mais belas regiões da reser-va. Em 1998, quando o parque nacionalfoi criado, havia 8 mil coqueiros por ali.Pouco mais de mil ainda estão de pé.

    — Achava-se que esta região pode-ria produzir coco com a quantidade ea qualidade existentes na Bahia, mas osolo é diferente e precisa de um siste-

    ma de irrigação mais caro — lembra.Os proprietários foram obrigados na

    Justiça a recuperar a área, o que é me-nos simples do que parece. A baixadisponibilidade de mudas é um obstá-culo. Sua taxa de sobrevivência tam-bém não contribui com os pesquisado-res — menos de 10% delas vingam.

    A equipe do Nupem usou hidrogelpara diminuir as perdas de água e nu-trientes. Poleiros também foram insta-lados para atrair animais. Aos poucos,estima-se, a terra devastada pelos co-queiros dará lugar à vegetação rasteira,típica daquele local.

    A criação de gado, segundo os pes-quisadores, também contribuiu para aretirada de nutrientes do solo.

    — Entre os animais, este é o princi-pal problema: o gado entra na restinga,pisoteia tudo e, assim, muda a vegeta-ção — lamenta Pablo Rodrigues Gon-çalves, também ecólogo do Nupem.

    Outras pragas, típicas da cidade,mostram como o crescimento urbanoé uma ameaça à sobrevivência da re-serva. O caramujo africano, que mataplantas por onde passa, compete comos caramujos locais; e as ratazanas vie-ram para Jurubatiba dos bairros semplanejamento ou saneamento que cer-cam o parque. (R.G.) ❁

    Gado e coqueirosdevastaram o solo

    OS CARAMUJOS da reserva enfrentam concorrência crescente deespécie africana, também comum nas comunidades vizinhas

    O JARYBÁ, espécie depalmeira comum emrestingas e que dánome ao parque. Aolado, o sabiá-da-praia: já ameaçadode extinção, eleencontrou atranquilidade na reserva

    O RATINHO-GOITACÁ,recém-descoberto emJurubatiba: aespécie enterrouteoria segundo aqual avegetação dareserva seriaparecida à daMata Atlântica

    Divulgação

  • 16 PLANETA TERRA AGOSTO 2011 AGOSTO 2011 PLANETA TERRA 17

    À primeira vista, o Lago do Atoleirolembra os piores cenários da Baía deGuanabara: é uma região de água pa-rada e muito negra. A escuridão, po-rém, não é consequência de poluentes,muito menos má notícia para Jurubati-ba. O Atoleiro recebe algumas das maiscuriosas pesquisas da reserva, mas al-gumas das propriedades que desper-tam a curiosidade dos cientistas podemestar fadadas ao fim, condenadas pelasmudanças climáticas.

    O Lago do Atoleiro ganhou sua apa-rência de café superconcentrado devidoà presença de substâncias húmicas, 20vezes mais numerosas ali do que no RioNegro, na Amazônia — que, como entre-ga o nome, tem águas escuras. Estudosrecentes mostram que este material podeaumentar a longevidade e crescimento

    de diversos organismos, além de deixá-los mais resistentes a estresses, como aexposição à água salgada.

    Em experimentos realizados no vermeC. elegans — muito usado em pesquisasde biologia, por ter genoma conhecido —as substâncias húmicas induziram à açãode um gene anticâncer.

    — Estas substâncias têm potencialanticarcenogênico, ou seja, elas pode-riam suprimir tumores — explica AlbertSuhett, biólogo e pesquisador do Labo-ratório de Limnologia da UFRJ. — Tam-bém foi observada, em peixes, a redu-ção de infecções por parasitas.

    Os ambientes de água escura, no en-tanto, podem ser degradados pela luzsolar. E, se mais raios ultravioleta entra-rem na atmosfera com mais intensida-de nas próximas décadas — algo per-

    feitamente plausível, segundo as proje-ções climáticas —, o Atoleiro pode pas-sar por um processo de embranqueci-mento. E as substâncias húmicas, cujaaplicação em medicamentos ainda es-tá sendo estudada, correriam risco.

    — É bom ressaltar esse risco porque,assim, agregamos um valor econômicoà necessidade de conservar Jurubatiba— avalia Pablo Rodrigues Gonçalves,ecólogo da UFRJ.

    Segundo os modelos climáticos maisestudados, o Sudeste brasileiro verá suasprecipitações passarem por mudanças.

    — O índice de precipitação pode atécontinuar igual, mas haverá menos diasde chuvas e elas serão mais intensas —alerta Suhett. — Trata-se, aliás, de algojá visível no Rio.

    As tempestades podem provocar

    transbordamento das lagoas de Juruba-tiba. Como elas são muito próximas, am-bientes que comportam fauna e flora di-ferentes entrarão em contato. Este fenô-meno provocará uma perda da biodiver-sidade vista atualmente na reserva.

    Além de perto uma das outras, as la-goas, que têm água doce, também es-tão a uma curta distância do mar.

    — A reserva é uma área costeira, quesofrerá com o aumento das ressacas —destaca Suhett. — A água salgada e ospeixes marinhos entrarão de forma desor-denada nas lagoas, provocando mudan-ças irreversíveis na fauna e flora locais.

    Em terra firme, o panorama tambémseria crítico. Grupos de pesquisa já ana-lisam se as variações nas chuvas, cadavez mais imprevisíveis, influenciariam apopulação de certas espécies.

    Mudanças climáticasexpõem lagoas ao mar

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    Oacampamentoquevirounúcleodepesquisas

    Vinte e cinco anos atrás, o Núcleo de Pesquisas Ecológicasde Macaé (Nupem/UFRJ) não passava de um amontoadode barracas improvisadas junto à Lagoa de Jurubatiba. Da-quele grupo pioneiro até o polo atual, parte de um cam-pus por onde passam diariamente 1.200 alunos, forammuitas conquistas — e um número igual de pendengascom gente menos preocupada em preservar a restinga.

    O primeiro rascunho do que seria a unidade de con-servação de Jurubatiba foi esboçado em 1984. Emperrouem Brasília, diante da apoio político, mas seus idealiza-dores não o jogaram fora.

    — Levávamos professores do ensino fundamental paraa área do parque. Nosso lema se baseava em três palavras:

    conhecer, valorizar, preservar. Um ensinamento puxava o ou-tro — lembra o ecólogo Francisco de Assis Esteves, diretor doNupem, instituído formalmente em 1994. — Criamos, semquerer, um exército da salvação, porque os professores trans-mitiam nossos ensinamentos sobre o patrimônio regional pa-ra as crianças, que depois conversavam com suas famílias.

    A degradação tampouco deu trégua, mesmo após a cria-ção de Jurubatiba, assinada pelo presidente Fernando Hen-rique Cardoso em 1998. O petróleo levou o Norte fluminensea um crescimento desenfreado. Macaé e Quissamã viram suapopulação crescer, respectivamente, 57,1% e 48,1% na últimadécada. Comunidades batem à porta da reserva, desrespei-tando a área de 800 metros, prevista por lei, onde não devehaver construções ao redor de um parque.

    Os poderes municipais, a princípio, tomaram as dores da po-pulação. Houve prefeitura flagrada derrubando árvores dentrodo parque, numa tentativa de abrir espaço para a construçãode casas à beira-mar. A reserva só foi aceita recentemente pe-los prefeitos — o que não impede que as cercas de Jurubatiba,volta e meia, ainda sejam testadas por seus vizinhos.

    — A economia do petróleo está repetindo o mesmo erro dociclo do açúcar, quando só enriqueceram aqueles que já eramricos — critica Esteves. — À época, a Mata Atlântica foi dizi-mada, assim como 90% das restingas. Hoje exploramos um re-curso natural finito, não-renovável, que promove grande impac-tos, e a avalanche de degradação ambiental segue em direção àJurubatiba. Precisamos preservar o seu entorno, e isso implicanão ter favelas a menos de 100 metros da distância.

    Os pesquisadores do Nupem seguem a cruzada para incluira reserva no inconsciente coletivo de sua vizinhança. Esteveslançará, no mês que vem, o livro “Do índio goitacá à eco-nomia do petróleo: uma viagem pela História e ecologia damaior restinga protegida do Brasil” (ed. Essentia).

    Já um coletivo de biólogos do núcleo lançou o Grupo Arte, Mí-dia e Educação (AME). Na tentativa de transformar temas áridoscomo anelídeos poliquetos em algo atraente, um quinteto uniusuas qualificações acadêmicas a hobbies. O resultado: oficinas deeducação ambiental com animações 3D, música e teatro.

    — Pensamos em unir esses passatempos para transmitiruma mensagem acessível e divertida — conta Christine Ruta,uma das integrantes do AME. — E a proposta era nos inspirarsempre na floresta. Talvez pegar pinturas e vídeos famosos,onde aparecem um animal, e perguntar às crianças com quebicho da restinga ele se parece. (R.G.)

    Gonçalves coordena levantamentosque mostram como os mamíferos depequeno porte respondem às mudan-ças climáticas.

    — Entre os animais que acompanha-mos está o ratinho-goitacá, só conhecidoaqui, na reserva — ressalta. — Queremossaber como as populações variam aolongo do ano, e se isso é uma respostadessas espécies ao clima.

    A distribuição das precipitações nãoafeta diretamente muitas plantas da res-tinga, porque elas têm raízes profundase absorvem a água do lençol freático.Há, no entanto, casos peculiares, comoo das bromélias.

    — Os anfíbios, que vivem dentro daplanta, poderão ter dificuldade de en-contrar refúgio, um lugar onde possam vi-ver e se reproduzir, em época de estia-

    gem — pondera Suhett. — Estes anfíbiose microcrustáceos se alimentam de inse-tos e servem de alimento para répteis eaves. Portanto, se sua população mudarmuito, com outras ocorrerá o mesmo.

    Essa preocupação fez o Laboratóriode Limnologia da UFRJ lançar um ex-perimento, no parque, com a planta. Ospesquisadores isolarão uma pequenaárea, na reserva, com tendas plásticas.Ali, a chuva natural não entrará. Toda aágua virá do regador dos cientistas.

    — Vamos simular diferentes cenáriosde concentração de chuvas — revelaSuhett. — As bromélias serão regadascom diferentes frequências e intensida-des. Será possível ver como as mudançasclimáticas previstas com a concentraçãodas chuvas podem afetar os animais queusam essas plantas. (R.G.) ■

    AS LAGOAS de Jurubatibapodem ser tomadas pela águasalgada do mar, com o aumentodas ressacas; plantas comocactos não sofrerão com aestiagem, mas as broméliaspassarão a acumular água menosfrequentemente, afetandoanfíbios e, por extensão, osanimais a que eles servem dealimento, como répteis e aves

    Fotos de Custodio Coimbra

  • 18 PLANETA TERRA AGOSTO 2011 AGOSTO 2011 PLANETA TERRA 19

    Tráfico e caça sãoameaças constantes

    Um ano atrás, os traficantes dobairro de Lagomar, em Macaé, baixa-ram uma ordem no Parque de Juru-batiba: na guarita mais próxima, aprincipal da reserva, só eles pode-riam andar armados. Os vigias da uni-dade de conservação fizeram uma re-tirada estratégica, só encerrada paravaler há três meses, quando voltarama patrulhar aquela entrada — embo-ra ainda sem pistolas.

    Esta não foi a única marca deixadapelos bandidos na restinga. O bandolevou o portão de entrada do parque e,não muito longe dali, próximo à mata,abandonou três corpos.

    Além de traficantes, outros crimi-nosos rondam lagos e a vegetaçãorasteira de Jurubatiba. Caçadoresqueimam a vegetação atrás de jaca-rés e capivaras, pescadores insistemem frequentar lagos onde sua ativida-de não é autorizada, banhistas dei-xam lixo para trás. Para dar contadesse contingente fora-da-lei, a reser-va conta com apenas quatro funcio-nários, sendo que dois estão prestes ase aposentar. E, dos demais, apenasum pode emitir multas.

    O plano de manejo do parque, apro-vado em 2008, instituiu que a seguran-ça local deveria ser garantida por 30funcionários. Chefe da reserva, CarlosAlexandre Fortuna já fez um sem-nú-mero de viagens para Brasília atrás dereforços. Tanto que nem tem mais es-peranças de cumprir a meta inicial.

    — Se conseguir dez servidores, játrabalho tranquilamente — assegura.— Poderia colocar equipes fixas emcada município.

    O efetivo minguado impede que di-versos projetos, como os de educaçãoambiental e manejo de lagoas costei-ras, saiam do papel. Fortuna só conse-gue boas notícias nas prefeituras vizi-nhas, que montaram destacamentosambientais em suas guardas munici-pais. Estes vigias, no entanto, tampou-co podem emitir autos de infração.

    Assim como os recursos humanos, ocaixa também é reduzido. Jurubatibaconta com apenas R$ 2 mil mensaispara sua manutenção. Fortuna atribuia pouca verba à concorrência: para

    ele, pode demorar para uma reservatão nova estabelecer-se em um estadoque já conta com outros quatro par-ques nacionais — Itatiaia, Serra da Bo-caina, Serra dos Órgãos e Tijuca.

    — Ficamos meio esquecidos, masprecisamos sonhar grande — pondera.— Fomos incluídos no roteiro de visi-tação turística da Copa do Mundo. Ma-caé tem aeroporto e é próxima ao Rio.Temos méritos para atrair os estrangei-

    ros e fazer um turismo diferente ao querecebemos hoje, que é basicamente lo-cal e recreativo.

    Atualmente, quem passa pela guari-ta outrora na mão dos traficantes vemapenas para tomar banho nas lagoas.Fortuna sonhar em erguer uma infraes-trutura que transforme todo o parqueem um passeio. E, como os recursossão mínimos, já conversa com parcei-ros. Com a Petrobras, quer erguer um

    centro de visitantes na Lagoa de Juru-batiba, a principal da reserva. Ao redorestarão quiosques, ciclovias, ilumina-ção especial, lanchonete, estação detratamento de esgoto e uma torre deobservação de incêndio — tudo porR$ 4 milhões, saídos dos cofres da em-presa petrolífera.

    — Esta lagoa já recebe, no verão, 3mil pessoas por dia. Se tivermos estesequipamentos à disposição e conse-

    À ESQUERDA, CarlosFortuna, chefe do parque; nafoto maior, resquícios decoqueiral abandonado quandoárea virou reserva; na fotomenor, construção às margensdo Rio Jurubatiba

    Fotos de Custodio Coimbra

  • 18 PLANETA TERRA AGOSTO 2011 AGOSTO 2011 PLANETA TERRA 19

    guirmos impedir o acesso com motos,algo ainda comum, não haverá qual-quer agressão ao meio ambiente — as-segura. — No futuro, poderemos atécobrar ingresso do visitante, como fa-zem outros parques nacionais, e inves-tir o dinheiro na reserva.

    As obras, que ainda não começa-ram, devem ser concluídas em maiode 2013. Já os outros empreendimen-tos, como os centros de visitantes deQuissamã e Carapebus, ainda são umaincógnita. Na primeira cidade, a áreadestinada para o projeto é de um lo-teamento particular, e seu proprietárioainda não foi indenizado.

    Frequentador da região há quaseduas décadas, desde antes de suatransformação em parque nacional, ofotógrafo e ambientalista Rômulo Cam-pos reconhece as realizações obtidas

    por Fortuna. Sabe, no entanto, que ou-tras precisarão de anos — e recursos— para produzirem resultados.

    — Ainda tem muita gente que caçajacaré para fazer churrasco. São mu-danças culturais, que não ocorremde um momento para o outro — ava-lia. — A direção atual é guerreira,mas dar conta da extensão do par-que, com o efetivo disponível, é pra-ticamente impossível.

    Para Campos, uma vitória de Fortu-na foi fazer os municípios-sede da re-serva enxergarem-na como um polode atração de investimentos e turistas.

    — Não muito tempo atrás, as prefeitu-ras só viam o parque como um entravepara o desenvolvimento — lembra o am-bientalista, que vai lançar, em meados doano que vem, “Parque de Jurubatiba”,um livro de fotos sobre a região. (R.G.) ■

    Conceiçãode Macabu

    Carapebus

    Quissamã

    Campos dosGoytacazes

    SantaMariaMadalena

    Macaé

    RJParq

    ue Nacio

    nalda R

    estinga de J

    urubatiba

    ONDE FICA A RESTINGA DE JURUBATIBA

  • 20 PLANETA TERRA AGOSTO 2011 AGOSTO 2011 PLANETA TERRA 21

  • 20 PLANETA TERRA AGOSTO 2011 AGOSTO 2011 PLANETA TERRA 21

    A RIQUEZADA RESTINGA

    Fotos de Custodio Coimbra

  • 22 PLANETA TERRA AGOSTO 2011 AGOSTO 2011 PLANETA TERRA 23

    As árvores

    pontilha-

    das no so-

    lo areno-

    so, os lagos multicolo-

    ridos, o terreno ora de

    vegetação rasteira, ora

    de mata fechada, na-

    da deixa dúvida: a fai-

    xa de restinga que so-

    brevive entre Macaé,

    Carapebus e Quissa-

    mã é d i fe ren te de

    qualquer outro ecos-

    sistema fluminense.

    Da bromélia, refúgio

    de pequenos anfíbios,

    ao grande abaneiro,

  • 22 PLANETA TERRA AGOSTO 2011 AGOSTO 2011 PLANETA TERRA 23

    Fotos de Custodio Coimbra

    espécie comum por

    ali, toda a flora parece

    em equilíbrio. A fauna

    é arisca e evita ao má-

    ximo o contato huma-

    no, mas um olhar trei-

    nado pode ser brinda-

    do com flagrantes de

    tatus, preás, corujas

    buraqueiras, lagartos e

    sabiás-da-praia. Espé-

    cies raras, algumas só

    encontradas ali, circu-

    lam livremente numa

    área espaçosa , de

    complexidade biológi-

    ca que espanta até os

    pesquisadores. ■