vivacidade 84 entrevista a valentim loureiro

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Entrevista: Valentim Loureiro Se perguntar quem é “o Major” em qualquer lado, dirão que sou eu, quando há umas centenas de majores no país Valentim Loureiro vai deixar o executivo da Câma- ra de Gondomar já em setembro. Sem papas na lín- 27 VIVACIDADE JULHO 2013 É conhecido como Major Va- lentim Loureiro. O cargo militar diz muito sobre a sua pessoa ou a robustez da profissão nada tem a ver consigo atualmente? Eu fui educado numa escola militar [Academia Militar] - de- pois de ter passado pela Escola Comercial e Industrial de Viseu e pelo Instituto Comercial no Porto - e tirei o curso superior de Ad- ministração Militar. Portanto tem tudo a ver com isso. Continuo a ser militar, mas estou reformado e agora não recebo qualquer pen- são. Depois derivei para a área empresarial e o futebol tornou- -me público, no Boavista. O Ma- jor Valentim Loureiro é conhe- cido por isso. É evidente que se perguntar quem é “o Major” em qualquer lado, dirão que sou eu, quando há umas centenas de ma- jores no país. Estou muito identi- ficado com o termo “major”. Aqui há tempos, ouvi umas críticas de que para liderar Gondomar era preciso uma pessoa da terra. De facto eu não era da terra mas fui muito requisitado para vir para cá. E a verdade é que, tendo vindo para aqui, acabei por dar nome e expressão a Gondomar. Vai ter pena de deixar de ser o presidente da Câmara? Vou. Sabe que são 20 anos. É uma vida. Trabalhei muito para Gondomar e para os gondoma- renses e recebi de Gondomar e dos gondomarenses carinho, amizade, apoio e estou ligado aos gondo- marenses e tenho a certeza de que eles, na sua maioria, também estão ligados a mim. 20 anos passaram depressa ou devagar? Correram ao ritmo normal. Cinco eleições, cinco vitórias. Umas mais expressivas, outras menos. O ditado “quem corre por gosto não cansa” aplica-se bem ao seu percurso diário casa-tra- balho ou chegou a uma fase em que já está cansado? Aplica. É evidente que já vou tendo uma idadezinha, alguns problemas de saúde. Tive tubercu- lose aos 20 anos, uma doençazinha ou outra, mas não sou uma pessoa doente. Ainda há três anos correu o boato de que tinha morrido mas estou aqui que nem um pêro. Estamos a entrevistá-lo numa quinta-feira. Mas nos seus dis- cursos afirma muitas vezes que, no plano pessoal, as sextas-feiras são muito importantes para si. Porquê? Sexta-feira é um dia como os outros mas, do ponto de vista fa- miliar, é o dia em que os meus fi- lhos e os meus netos vão jantar a minha casa. Também numa sexta- -feira treze, há 20 e tal anos, saiu- -me o primeiro prémio na lotaria de Santo António, 130 mil contos. Gosto das sextas-feiras como gos- to dos sábados ou dos domingos mas, de facto, a ida dos meus filhos e dos meus netos a minha casa - em que temos oportunidade de conversar e limar algumas arestas – é um dia especial para mim. Eu sou um homem de família. Tenho seis filhos e onze netos. A partir de setembro vai de- dicar mais algum tempo à sua família? Seguramente, a partir de 29 de setembro, vou ter mais tempo por- que deixo a função executiva. As críticas ao facto de a sua filha ser vereadora na Câmara incomodam-no? A minha filha foi vereadora por um acaso. Porque nas eleições de há oito anos – em que elegi oito membros – ela ia em nono lugar. Portanto não era para entrar, era para preencher. Por acaso, o candi- dato a vereador que foi em quarto ou quinto desistiu mal nós fomos eleitos. E, portanto ela subiu por causa disso. E ela como estava na lista ficaria mal não aceitar. Mas nunca previ que fosse entrar. Mas apesar de ser minha filha é verea- dora, faz o papel dela. Na Câmara não há familiaridades, ela cumpre o dever dela, eu cumpro o meu. gua, falou sobre os mais variados assuntos que marcaram o seu mandato e a sua pessoa. À conversa com o Vivacidade, o major deixa o cheiro a despedida e faz uma retrospetiva dos seus 20 anos à frente da autarquia. Entrevista: Ricardo Vieira Caldas Joana Isabel Nunes Pedro Santos Ferreira Fotos: Joana Isabel Nunes

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Entrevista de Valentim Loureiro ao jornal Vivacidade

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Page 1: Vivacidade 84 entrevista a valentim loureiro

Entrevista: Valentim Loureiro

Se perguntar quem é “o Major” em qualquer lado, dirão que sou eu, quando há umas centenas demajores no paísValentim Loureiro vai deixar o executivo da Câma-ra de Gondomar já em setembro. Sem papas na lín-

27VIVACIDADE JULHO 2013

É conhecido como Major Va-

lentim Loureiro. O cargo militar

diz muito sobre a sua pessoa ou

a robustez da pro�ssão nada tem

a ver consigo atualmente?

Eu fui educado numa escola

militar [Academia Militar] - de-

pois de ter passado pela Escola

Comercial e Industrial de Viseu e

pelo Instituto Comercial no Porto

- e tirei o curso superior de Ad-

ministração Militar. Portanto tem

tudo a ver com isso. Continuo a

ser militar, mas estou reformado

e agora não recebo qualquer pen-

são. Depois derivei para a área

empresarial e o futebol tornou-

-me público, no Boavista. O Ma-

jor Valentim Loureiro é conhe-

cido por isso. É evidente que se

perguntar quem é “o Major” em

qualquer lado, dirão que sou eu,

quando há umas centenas de ma-

jores no país. Estou muito identi-

�cado com o termo “major”. Aqui

há tempos, ouvi umas críticas de

que para liderar Gondomar era

preciso uma pessoa da terra. De

facto eu não era da terra mas fui

muito requisitado para vir para

cá. E a verdade é que, tendo vindo

para aqui, acabei por dar nome e

expressão a Gondomar.

Vai ter pena de deixar de ser o

presidente da Câmara?

Vou. Sabe que são 20 anos. É

uma vida. Trabalhei muito para

Gondomar e para os gondoma-

renses e recebi de Gondomar e dos

gondomarenses carinho, amizade,

apoio e estou ligado aos gondo-

marenses e tenho a certeza de que

eles, na sua maioria, também estão

ligados a mim.

20 anos passaram depressa

ou devagar?

Correram ao ritmo normal.

Cinco eleições, cinco vitórias.

Umas mais expressivas, outras

menos.

O ditado “quem corre por

gosto não cansa” aplica-se bem

ao seu percurso diário casa-tra-

balho ou chegou a uma fase em

que já está cansado?

Aplica. É evidente que já vou

tendo uma idadezinha, alguns

problemas de saúde. Tive tubercu-

lose aos 20 anos, uma doençazinha

ou outra, mas não sou uma pessoa

doente. Ainda há três anos correu

o boato de que tinha morrido mas

estou aqui que nem um pêro.

Estamos a entrevistá-lo numa

quinta-feira. Mas nos seus dis-

cursos a�rma muitas vezes que,

no plano pessoal, as sextas-feiras

são muito importantes para si.

Porquê?

Sexta-feira é um dia como os

outros mas, do ponto de vista fa-

miliar, é o dia em que os meus �-

lhos e os meus netos vão jantar a

minha casa. Também numa sexta-

-feira treze, há 20 e tal anos, saiu-

-me o primeiro prémio na lotaria

de Santo António, 130 mil contos.

Gosto das sextas-feiras como gos-

to dos sábados ou dos domingos

mas, de facto, a ida dos meus �lhos

e dos meus netos a minha casa -

em que temos oportunidade de

conversar e limar algumas arestas

– é um dia especial para mim. Eu

sou um homem de família. Tenho

seis �lhos e onze netos.

A partir de setembro vai de-

dicar mais algum tempo à sua

família?

Seguramente, a partir de 29 de

setembro, vou ter mais tempo por-

que deixo a função executiva.

As críticas ao facto de a sua

�lha ser vereadora na Câmara

incomodam-no?

A minha �lha foi vereadora

por um acaso. Porque nas eleições

de há oito anos – em que elegi oito

membros – ela ia em nono lugar.

Portanto não era para entrar, era

para preencher. Por acaso, o candi-

dato a vereador que foi em quarto

ou quinto desistiu mal nós fomos

eleitos. E, portanto ela subiu por

causa disso. E ela como estava na

lista �caria mal não aceitar. Mas

nunca previ que fosse entrar. Mas

apesar de ser minha �lha é verea-

dora, faz o papel dela. Na Câmara

não há familiaridades, ela cumpre

o dever dela, eu cumpro o meu.

gua, falou sobre os mais variados assuntos que marcaram o seu mandato e a sua pessoa. À conversa com o Vivacidade, o major deixa o cheiro a despedida e faz uma retrospetiva dos seus 20 anos à frente da autarquia.

Entrevista: Ricardo Vieira Caldas Joana Isabel Nunes Pedro Santos Ferreira Fotos: Joana Isabel Nunes

Page 2: Vivacidade 84 entrevista a valentim loureiro

28 VIVACIDADE JULHO 2013

Entrevista: Valentim Loureiro

É uma grande dívida que eu tenho com os gondomarenses: a maneira como eles, !"#$%& !&'( #&#&)(!&%*$(&+*&,#-(+$,*./#&%#,$*01&%!-"2!&'$3!2*-&,#+4*+.*&!-&-$-

A sua pessoa é muitas vezes

relacionada com os eletrodomés-

ticos...

Quando me candidatei a Gon-

domar, �z uma campanha inicial

de apresentação às pessoas e �z

uma visita às escolas primárias.

E, numa escola, conversei com a

professora e ela disse que os polí-

ticos eram todos iguais e mais não

sei quê. Perguntei-lhe porquê. Ela

disse-me “ainda agora mandaram-

-me para aqui umas cassetes com

aulas de ginástica e como é que eu

dou as aulas? Não temos televi-

sor, vídeo...” Eu virei-me para ela

e perguntei-lhe se o problema do

vídeo é que a impedia de dar as au-

las bem. E ela perguntou “porquê?

Oferece-me um?”. Desa�ou-me e

na minha maneira rápida de res-

ponder – e não medindo bem as

consequências – disse que ela iria

ter o televisor e o vídeo e mandei

entregar lá na escola. Ela não sabia

que eu era um homem de palavra.

Dois dias depois, a continuar a

visitar as escolas, abordaram-me:

“então nós não temos direito?”.

Não havia escola onde eu chegas-

se que não me falassem no vídeo e

no televisor. Liguei ao meu sócio

[da empresa de eletrodomésticos]

e mandei vir 80 vídeos e 80 televi-

sores e dei-os às escolas. Não foi a

nenhum particular, como mentem

muitas vezes.

Ajudou a implementar o PSD

no norte de Portugal e em 2005 o

PDS, na pessoa de Marques Men-

des, recusou apoiá-lo. Foi uma fa-

cada nas costas?

Não. Eu tive uma pequena dis-

cussão com esse senhor em 2004,

num jogo do Europeu no Estádio

da Luz. Sabia que ele tinha dito

que, pelo facto de eu ser arguido

num processo não deveria ser pre-

sidente, e enfrentei-o. Na altura ele

nem era presidente do partido, não

era nada. Discutimos o assunto e

eu mandei-o a uma certa parte.

Pronto, talvez não o devesse ter

feito. A verdade é que a partir daí,

quando ele chegou a presidente do

partido, quis ajustar contas e como

tinha um processo de futebol com

o Gondomar, achou que não po-

dia ser candidato. Mas não foi uma

decisão do coletivo da comissão

política. Foi uma decisão dele. Cla-

ro que, na altura, nessa comissão

política estava o Passos Coelho e

em tempos já lhe disse “então você

também foi daqueles que me ini-

biu de continuar?” e ele disse que

não. Portanto foi esse “gigante” que

não me deixou candidatar. E foi

por isso que lancei uma candida-

tura independente. Candidatei-me

e ganhamos e, de vez em quando,

brinco com isso para “agigantar” o

homem.

O apoio a Mário Soares em

1986 e 1991 contribuiu para que

o PSD lhe "zesse isso?

Isso tem tudo a ver com uma

maneira de ser e com seriedade.

O Dr. Mário Soares era Primeiro-

-Ministro e os presidentes dos

clubes [da Liga] conseguiram, na

altura, resolver com o governo uma

série de problemas que tinha a ver

com a �scalidade. Um dia há um

jantar em casa do João Rocha [an-

tigo presidente do Sporting] e ele

convida o Dr. Mário Soares. Esta-

vam lá os presidentes dos clubes e

nesse jantar o Dr. Mário Soares fez

uma intervenção e o João Rocha

respondeu. João Rocha disse que o

Dr. Mário Soares estava destinado

a “mais altas funções” e todos ali à

volta disseram que se ele avançasse

estariam ao seu lado. E eu – que ti-

nha admiração, e tenho, e respeito

por ele – também alinhei. Como

sou um homem de palavra, quan-

do ele avançou com a candidatura,

também lhe disse que o apoiava.

Eu era do PSD e o partido fez-me

um processo em que me aplicaram

dois anos de suspensão. A verdade

é que eu apoiei Mário Soares, o que

demonstra que, de facto, sou inde-

pendente.

No caso de Fernando Paulo

não vencer estas eleições, o proje-

to do Movimento Independente

terá continuidade?

A essa pergunta não respon-

do nos termos em que a põe.

O Dr. Fernando Paulo vai ser o

próximo presidente da Câmara.

Dos candidatos já conhecidos é

o mais competente, o mais co-

nhecedor, aquele que tem mais

experiência à frente de uma Câ-

mara. Isto sem desprimor para

os outros mas quem é que tem

a experiência do Dr. Fernando

Paulo numa Câmara? E a postura

que ele tem como pessoa? Não é

possível apontar-lhe um defeito,

na minha maneira de ver. E pelo

contrário, tem virtudes. Não só

ele como toda a equipa que es-

colheu. É uma equipa que, uma

vez eleita, vai continuar o traba-

lho que aqui desenvolvemos. Das

candidaturas que aí estão, uma

não tem experiência autárquica,

outra não tem postura e Gondo-

mar tem que ter um presidente

que seja uma personalidade, não

pode ter um “Zé dos anzóis”.

Está a falar de quem?

Estou a falar na generalida-

de, depois veja a quem é que me

estou a referir. Agora, se no Mo-

vimento indicamos o nome de

Fernando Paulo para nos liderar é

porque temos a certeza de que ele

não nos vai deixar �car mal. Para

presidente da Câmara não sou eu

o candidato. Para presidente da

Câmara. Mas o Movimento tem

o meu nome e têm que votar em

Valentim Loureiro outra vez.

Tendo em conta que sempre

que sai de um executivo passa

para uma assembleia, o Movi-

mento pode contar consigo este

ano?

Isso passou-se na distrital do

PSD, na Liga, na Metro do Porto

[que atualmente preside a mesa da

Assembleia Geral]. Tenho que ser

perfeitamente claro. Tenho tido

muitas pressões nesse sentido

[para ser candidato à Assembleia

Municipal]. Todos os que estão

Gondomar tem que ter um presidente que seja uma personalidade, não pode ter um “Zé dos anzóis”“

ASSEMBLEIA MUNICIPAL

O candidato Fernando Paulo está a contar consigo?

Ele é dos que mais me pressiona.

Vai deixá-lo !car mal?

Eu nunca deixo !car mal os amigos.

Page 3: Vivacidade 84 entrevista a valentim loureiro

É uma grande dívida que eu tenho com os gondomarenses: a maneira como eles, !"#$%& !&'( #&#&)(!&%*$(&+*&,#-(+$,*./#&%#,$*01&%!-"2!&'$3!2*-&,#+4*+.*&!-&-$-

29VIVACIDADE JULHO 2013

na lista do Dr. Fernando Paulo – e

ele próprio – pressionam-me. Já

�z uma leitura de tudo isso e vou

pensar. Não decidi. Mas tenho

que decidir já para o �m do mês

de julho.

Neste momento, é mais um

“sim” ou um “não”?

É evidente que a equipa que

Fernando Paulo vai liderar é da

minha extrema con�ança. Por-

tanto, todos eles me estão a pres-

sionar. E dizem que se o Movi-

mento continua e eu sou o líder,

devo integrá-lo e eu não estou

completamente fora mas preciso

de mais uns dias para tomar uma

decisão.

O candidato Fernando Paulo

está a contar consigo?

Ele é dos que mais me pres-

siona.

Vai deixá-lo "car mal?

Eu nunca deixo �car mal os

amigos.

Relativamente a outros as-

suntos... Os casos da Quinta do

Ambrósio e do “Apito Dourado”

"zeram-no perder alguma força

política?

Nenhuma, absolutamente ne-

nhuma. Esses casos servem para

mostrar que uma pessoa - sendo

investigada em tudo que é sítio,

com gravações e com escutas -

tem que ter uma vida muito limpa

para chegar ao �m. Na questão da

Quinta do Ambrósio foi tudo ao

ar e na questão do Apito Dourado

�cou reduzido a uma multa.

Os processos nos tribunais

interferiram nas relações pes-

soais e pro"ssionais com o pes-

soal da Câmara e do executivo?

Nada, nada, nada. Esses pro-

blemas foram públicos e conheci-

dos. Havia dias em que o Valen-

tim passava na televisão 50 vezes

com a Judiciária a conduzi-lo e

tal, mas não obstante isso tudo,

nunca houve um gondomarense

que se dirigisse a mim em termos

menos agradáveis. Pelo contrário!

As pessoas falavam comigo e ani-

mavam-me. Ficaram mais ligadas

a mim, e essa é uma grande dívi-

da que eu tenho com os gondo-

marenses. A maneira como eles,

depois de tudo o que saiu na co-

municação social, sempre tiveram

con�ança em mim. Quem é que

se aproveitou disso? O PS. Porque

na altura tinha uns vereadores que

nem queriam deixar tomar posse

o Castro Neves e apresentaram

queixas no Ministério Público e

na Judiciária. As situações denun-

ciadas por eles foram mais de 50

ou 60. O que é que eles pensaram

na altura? Como não conseguimos

ganhar as eleições pelo voto, que-

remos ver se o derrubamos pela

justiça.

Da parte do executivo, o facto

de o vice-presidente ter regressa-

do ao PSD magoou-o de alguma

forma?

Não, de forma nenhuma. O

meu vice-presidente é um “PPD”

assanhado. Vive muito o partido e

pensou e decidiu que devia voltar

ao partido e não continuar a inte-

grar o Movimento. É uma decisão

dele da que eu lamento.

Decidiu sem o consultar?

Não me consultou. Eu só soube

passado bastante tempo de se ter

reinscrito.

E isso não o chateou?

Não, nada! São maneiras de ser

e de estar. Eu não era avô dele. Ins-

creveu-se no partido, está lá, lide-

ra. Tem uma comissão política de

“paus mandados”. Agora, é eviden-

te que não é ele que se candidata.

Se fosse ele a candidatar-se natural-

mente as coisas para o Dr. Fernan-

do Paulo seriam menos fáceis.

Uma coligação com o PSD te-

ria sido o mais natural para estas

eleições?

Vamos lá ver, neste mandato

nós já estivemos coligados na Câ-

mara. Dois elementos do PSD –

Leonel Viana e Rui Quelhas – estão

na Câmara e normalmente estão

sintonizados nas votações. E eu

mesmo dei um pelouro ao Leonel

Viana.

Então porque é que não houve

coligação para as Autárquicas de

2013?

Eu não tinha que tomar essa

iniciativa. Estava com o Movimen-

to e uma vez que fui escorraçado da

maneira que fui eu não mais penso

em PSD, mas admito perfeitamente

que outros tenham outra maneira

de pensar e que quisessem voltar.

Não tenho nenhuma aversão a nin-

guém do PSD nem do PS, sou In-

dependente. Não tenho azedume a

ninguém, dou-me bem com toda a

gente. A minha origem partidária é

o PPD e dei três vitórias ao PSD de

Gondomar. Nós não fomos expul-

sos do partido, não segundo os es-

ASSEMBLEIA MUNICIPAL

O candidato Fernando Paulo está a contar consigo?

Ele é dos que mais me pressiona.

Vai deixá-lo !car mal?

Eu nunca deixo "car mal os amigos.

Page 4: Vivacidade 84 entrevista a valentim loureiro

tatutos. Agora, estava lá um “gigan-

te” que quis a�rmar-se e achou – o

“escadote” - que a melhor forma era

comigo. Alguém alguma vez teria

falado tanto desse “gigante” se não

fosse tomando as medidas que to-

mou em relação a mim? Ao meter-

-se comigo passou a ser conhecido

com esse gesto.

Nestas duas décadas, qual é o

projeto não concretizado que lhe

deixou mais pena de não ter sido

conseguido?

Quando se fala em projetos,

normalmente fala-se de obras,

mas eu falo essencialmente de

pessoas. O que sempre me preo-

cupou na gestão da Câmara foram

as pessoas. A minha obra está nas

pessoas. Claro que para resolver

os seus problemas são necessárias

obras. Mas a obra que não realizei

é toda aquela que tem a ver com

os problemas das pessoas, proble-

mas de transportes, por exemplo.

A questão do metro. 31 de junho

de 2003, o Dr. Durão Barroso no

Conselho de Ministros que hou-

ve no Freixo comprometeu-se a

�nanciar a construção da linha

do metro, e estava o projeto todo

até Gondomar - S. Cosme. Mas

depois meteram-se aí uns “agu-

lheiros” a dizer que o melhor não

seria vir até Gondomar mas sim

Campanha-Valbom-Gondomar e

que depois se faria a ligação para

a Venda Nova, e eu fui na con-

versa. Não deveria ter ido. A Ana

Paula Vitorino [então secretária

de Estado] enganou-me. Acabou

a linha por �car até Fânzeres e

isso é um desgosto e uma espinha

que tenho atravessada na gargan-

ta.

Então, na sua opinião, essa

é uma prioridade para Gondo-

mar?

É! Mas também tenho que ser

sincero. Hoje não vejo com facili-

dade a concretização desses mais

de 50 milhões de euros de obra. A

situação do país não permite fazer

essa obra.

Vai deixar as contas da Câma-

ra Municipal de Gondomar equi-

libradas?

Equilibradíssimas. Em Gon-

domar temos dívidas [112 milhões

de euros, aproximadamente] mas

perfeitamente controladas, uma

situação �nanceira perfeitamente

saudável. A dívida de que é? É de

eletricidade. Quem me antecedeu

na Câmara, os executivos do PS,

�caram a dever à EDP. Quando

chegamos à Câmara, com juros, a

dívida estava nos 200 milhões de

euros. Fizemos um acordo com a

EDP, eles perdoaram juros e acei-

taram que pagássemos a dívida em

40 anos. Portanto, 17 já estão de-

corridos e, neste momento, o que

vai �car para quem me suceder, é

pagar cerca de 140 mil euros por

mês. A outra parte da dívida tem

a ver com a construção de habi-

tações. Nós construímos cerca de

2500 habitações. Como é que eram

construídas? À base de um decreto

de lei que permitia que as Câma-

ras adquirissem ou construíssem

habitação social e em que a Câma-

ra tinha que pagar 20%, o Estado

dava 40% e autorizava as Câmaras

a irem à banca pedir mais 40% - a

pagar em 25 anos com juro boni-

�cado. As primeiras casas que fo-

ram construídas com base nessa

legislação foram em Gondomar.

Mas aqui na Câmara só manda-

mos fazer ou compramos aquilo

para que temos dinheiro garanti-

do. Essa foi sempre a nossa polí-

tica.

O Pavilhão Multiusos foi a

sua obra de eleição?

Nós precisávamos de ter em

Gondomar um pavilhão a sério e

pensamos em construir algo que

digni�casse Gondomar. Para isso,

pensei no Professor Siza Vieira.

Foi lançado um concurso e o Pavi-

lhão está lá e é uma obra realmente

emblemática. Mas não é um “ele-

fante branco”, está permanente-

mente ocupado. Até porque tem

um conselho de administração

que separa a gestão do Multiusos

da gestão da Câmara e é a única

empresa municipal que temos. Eu

sou o presidente e o Dr. Fernando

Paulo e a Dra. Lucinda Soares [di-

retora do Departamento Financei-

ro da Câmara] são administrado-

res. Gerimos aquilo sem receber

um tostão.

E um hotel? Faz falta a Gon-

domar?

Já aprovei uns quatro ou cin-

co projetos. E às vezes as coisas

não são bem entendidas. Não sou

eu que tenho de fazer um hotel,

nem qualquer presidente de Câ-

mara. Em Gondomar há um azar

dos diabos, aprovei vários hotéis e

depois as obras não arrancavam.

Finalmente, está aí um que está a

arrancar. Vamos ter cá um hotel,

perto do Multiusos e também uma

média superfície.

Outra das obras mais recen-

tes é o Hospital-Escola da Uni-

versidade Fernando Pessoa. Está

satisfeito com a forma como o

HE se está a implementar no

concelho?

O Hospital Escola é um “ver ao

longe sem óculos”. Quando che-

guei a Gondomar compramos o

terreno da Interforma, ao I.P.E., e

quando apareceu a oportunidade

de ter um Hospital em Gondo-

mar foi-nos posta a condição de

nós termos que arranjar o terreno.

Portanto, tínhamos esse terreno e

não foi difícil dar o direito de su-

perfície de grande parte daquela

área, por 50 anos, à Fundação Fer-

nando Pessoa. E o Hospital está

feito e é uma obra que tive prome-

tida por um Secretário de Estado

[Manuel Pizarro] várias vezes, e

nunca avançou.

Acha que poderia haver uma

maior adesão dos gondomaren-

ses ao Hospital?

Já está muita gente a ir lá mas

também disse ao Ministro da

Saúde [Paulo Macedo], aquando

da inauguração, que aqui não há

manifestações hostis ao Governo,

mas se porventura não permitis-

sem que os gondomarenses lá fos-

sem atendidos, eles mesmos não

iam deixar de se manifestar.

Então a manifestação está

marcada?

Não! Eles estão a resolver. Há

negociações entre o Governo e a

Fernando Pessoa. Penso que as coi-

sas estão a andar bem, não tão bem

como se calhar o Professor Salvato

Trigo [reitor] quer. Porque esta coi-

sa de termos um Hospital aqui e de

se levarem os doentes para o Santo

António não tem pés nem cabeça.

Este ano voltou a implemen-

tar o programa “Gondomar Sabe

Voar”. Porquê em ano de eleições?

Não é bem assim, como diz

na pergunta... O programa “Gon-

domar Sabe Voar” foi lançado por

mim e desa�ado por umas crian-

ças que vieram visitar a Câmara

e tinham o desejo de ir de avião

a Lisboa. Lancei o programa e ele

nunca mais parou. Ainda custa al-

gum dinheiro mas está dentro do

nosso orçamento. Levar os alunos

do quarto ano [que têm aprovei-

tamento] a Lisboa de avião é uma

marca de Gondomar também. O

programa mantém-se, não é por

ser um ano de eleições porque nós

nunca parámos.

Mas houve uma interrupção,

correto?

Nós nunca parámos. O que

houve foi di�culdades no ano pas-

sado, por parte da TAP [em cum-

prir, em termos de preço, com as

determinações da Lei do Orçamen-

to de Estado] e nós não pudemos

levá-los de avião mas levámos de

camioneta.

Recuando para o início do seu

percurso em Gondomar, Nuno

Delerue e Luís Filipe Menezes

convenceram-no a vir para este

concelho. Alguma vez se arrepen-

deu de ter seguido esse conselho?

Não, não foi uma decisão difí-

cil. Encontramo-nos por acaso em

Lisboa e fomos tomar uma bebida

e eles falaram-me nisso. Depois

vim para cima e nessa noite vim

dar uma volta por Gondomar por-

que não conhecia bem o concelho.

Depois tivemos mais duas ou três

conversas e entretanto a concelhia

falou comigo e eu aceitei.

Acha que a lei de limitação de

mandatos para o seu caso e, por

exemplo, o de Luís Filipe Menezes

é justa?

Não há dúvida nenhuma de

que deve haver uma renovação.

Mas também não há dúvida ne-

nhuma de que as pessoas são livres

de decidir. E se, por exemplo, os

gondomarenses depois de cinco

mandatos que eu �z, quisessem que

eu �zesse mais um ou dois, isso de-

veria ser permitido. Mas também

não vejo mal que se limite. Agora,

não posso estar aqui em Gondo-

mar mas posso estar no Porto ou

em Vila Franca de Xira...

Concorda com a candidatura

de Luís Filipe Menezes à Câmara

do Porto?

30 VIVACIDADE JULHO 2013

Entrevista: Valentim Loureiro

Page 5: Vivacidade 84 entrevista a valentim loureiro

31VIVACIDADE JULHO 2013

Concordo, nem me meto nisso!

E acho que por aquilo que tem vin-

do nos jornais, o Tribunal Consti-

tucional quando tiver que decidir,

possivelmente vai autorizar. Mas

são situações embrulhadas. Porque

é que um presidente de Câmara

não pode ser candidato outra vez

e o deputado pode ser? A lei não é

igual para todos.

Para ter um “Porto forte” disse

a um jornal, no ano passado, que

não se importava de “ceder uma

parte de Rio Tinto”. É a freguesia

de que menos gosta no concelho?

Não, Gondomar é um todo ho-

mogéneo. Agora, se me disserem

que vamos fazer um grande Porto,

onde estivéssemos todos de acor-

do e depois de muita discussão, é

evidente que Rio Tinto é a nossa

freguesia que está mais ligada ao

Porto. Está ligada aos dragões. Os

riotintenses são quase todos portis-

tas. Já Melres, ou isto ou aquilo, não

tinham hipótese nenhuma. Um

grande Porto teria que ser Gaia,

Porto, Matosinhos, uma parte da

Maia e uma parte de Gondomar.

Desaprova a ideia da criação

de um concelho de Rio Tinto?

Acho que aqueles que anda-

ram a pensar nisso levaram agora

a resposta, porque a!nal, em vez

de se desagregarem os concelhos

estão é a agregar-se as próprias

freguesias.

E concorda com a agregação

das freguesias em Gondomar?

Não há nada a fazer! Isto é uma

questão de cultura. Se tudo fosse

feito a régua e esquadro, com muita

racionalidade, o país teria que ser

esquartejado de outra maneira.

O que pensa das candidaturas

à presidência da Câmara nas pró-

ximas eleições?

Acho que quem tem mais expe-

riência e está melhor preparado é

o Dr. Fernando Paulo. Infelizmen-

te hoje os partidos são muito mal

vistos. Os partidos durante muito

tempo cultivaram uma maneira de

ser e de estar na política que vem

dos “jotinhas” e por aí a cima e

nunca têm responsabilidades a sé-

rio. Uma candidata que vai pelo PS

e que eu respeito é a Dra. Carlota

que está na Câmara como vereado-

ra. Se amanhã aparecesse à frente

da Assembleia eu não tinha nada

a opor. É simpática. Mas há certos

lugares em que é preciso alguma

capacidade de liderança porque

nós para nos fazermos respeitar até

pelos nossos !lhos temos de nos

impor em muitas situações. E nem

toda a gente tem essa característica

de comando.

Para o Partido Socialista ha-

veria, na sua opinião, uma melhor

opção para a Câmara?

Conheço a Isabel Santos, que

foi candidata nas últimas eleições

e que nos deu muito trabalho por-

que é, de facto, uma militante do PS

com qualidades. E é minha convic-

ção de que se ela tivesse repetido

a candidatura criaria mais proble-

mas a Fernando Paulo, mais do que

Marco Martins.

E em relação à coligação do

PSD/CDS?

No PSD também concluíram

que não tinham nenhuma !gu-

ra disponível para ser candidata à

Câmara porque foram buscar uma

senhora que é independente, não é

militante do PSD. Por isso, se foram

é porque acharam que não viam

ninguém com as qualidades e ca-

pacidade su!ciente de vencer o Dr.

Fernando Paulo.

Nem o vice-presidente?

Se o vice-presidente tivesse con-

tinuado no Movimento era ele que

estava na linha de sucessão. Isto não

é uma monarquia mas, num caso

destes, era. Ele afastou-se porque

ele é muito PPD. Eu também sou

social-democrata mas não me dei-

xo apaixonar tanto por “partidari-

tes”. Evidentemente que ele [José

Luís Oliveira] ao ir para lá, acho que

!cou como coordenador. A comis-

são política que ele lá pôs nomeou-

-o para coordenador. Eu nunca vi a

comissão política do PSD. Sei que

há lá um rapaz que empreguei uma

vez na liga que já esteve comigo e

que é o presidente mas ainda não o

vi em lado nenhum.

Como gostaria de ser recorda-

do no futuro?

Como alguém que se preocu-

pou em trabalhar para ajudar os

gondomarenses a resolver os seus

problemas e como alguém que os

resolveu a muita gente. Tenho a

minha própria maneira de ser. Sou

muito agarrado às coisas simples

e às pessoas com mais carências.

Convivo com tanta ou mais faci-

lidade com um pobre do que com

um rico e sou um defensor dos

humildes. Dá-me prazer aprovar

um grande projeto para Gondomar

mas dá-me igual satisfação – se não

mais - resolver um problema a uma

pequena família que está em di!-

culdades terríveis.

A partir de29 de setembrovou ter mais tempo“